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RESENHA:
FINLEY, Moses I. “Escravidão antiga e ideologia moderna”. Tradução de Norberto
Luiz Guarinello. Rio de Janeiro: Graal, 1991.
Moses I. Finley, autor renomado, Doutorado pela Universidade de Columbia foi
professor da Universidade de Cambrigde. Nesta ilustre obra, titulo de referência nos
estudos de escravidão antiga, reúne quatro de suas conferências as quais foram proferidas
no College de France e tem como objetivo examinar as sociedades escravistas antigas,
especificamente a greco-romana, numa profunda pesquisa histórica e historiográfica
moderna sobre o tema, onde analisa como estas sociedades surgiram e como se
transformaram. Questiona como a escravidão funcionava na economia e como esta era vista
social e moralmente por seus contemporâneos e também pelos historiadores modernos. Para
um maior entendimento o autor faz algumas referências às sociedades escravistas do Novo
Mundo comparando-as com as da antiguidade.
No primeiro capitulo “Escravidão antiga e ideologia moderna”, Finley aborda como
surgiu o interesse dos modernos pela escravidão antiga e qual era a ideologia usada por
estes nas análises que faziam em relação a esta abordagem. O autor argumenta a questão de
um presente conflito ideológico nas interpretações destes historiadores que ao seu ver
constituem duas visões distintas do processo histórico: uma moralista ou espiritualista e a
outra sociológica. Neste aspecto, Finley busca em diferentes relatos dos modernos, as suas
reais ideologias com o interesse de descobrir como surgiu o real interesse pela escravidão
antiga e afirma “A conclusão inevitável é que afirmar que o interesse moderno na
escravidão antiga surgiu com o Iluminismo e o abolicionismo é procurar coisas erradas em
lugares errados”. Abolicionistas e iluministas, são postos como moralistas e espiritualistas
na análise que Finley faz de suas abordagens pesquisadas e também o autor traz a relação
destas interpretações com o cristianismo. Quanto aos antiquários, caracterizados da mesma
forma no sentido moral, “buscavam a verdade dos fatos, não a interpretação das causas ou
o exame das conseqüências , nem mesmo a reinterpretação do passado que levasse a
conclusões sobre o presente”. Nas abordagens sociológicas o autor destaca os chamados
“economistas” e examina seus estudos, que mesmo não abandonando as categorias morais,
caracterizam uma relação institucional da escravidão radicalmente nova no século XVII. De
acordo com Finley, o debate sobre a escravidão antiga até 1950 não houve muitas
mudanças e resume o que foi discutido até esta data “Excetuando-se a questão isolada do
cristianismo e sua relação com a escravidão, o calor vinha da questão, mais ampla, da
natureza da economia antiga, e daquela ainda mais vasta, dos estágios do desenvolvimento
histórico, na qual a escravidão era apenas um fator a mais”. Após esta data o autor percebe
que “À guisa de discutir a escravidão antiga, tem havido uma desconexa discussão da teoria
marxista, sem que, de qualquer lado, se lance mais luz sobre o marxismo ou a escravidão”.
Finley esclarece que não apóia o fim das preocupações teóricas e também não deseja o fim
de julgamentos morais e nos ensina “Inserir a escravidão na sociedade antiga a fim de
entender essa sociedade é uma tarefa muito mais difícil e compensadora”.
No sentido de analisar a sociedade greco-romana para ser possível entender a
escravidão antiga é que Finley abrange o segundo capitulo da obra “O surgimento de uma
sociedade escravista”. O autor esclarece que o escravo era uma mercadoria sendo
considerado uma propriedade de seu senhor e que o dominium do senhor era facilitado pelo
fato do escravo ser um estrangeiro e não ter laços de parentesco. Ao mesmo tempo que a
escravidão era dominante, o trabalho livre não deixou de existir, sendo as ocupações dos
escravos e dos cidadãos trabalhadores as mesmas, exercendo assim cada um o seu papel na
economia. Ao investigar como e porque surgiu o fenômeno da escravidão Finley argumenta
que existia uma demanda muito forte na qual procedia a oferta de escravos que eram
conquistados sob forma de aprisionamento nas guerras. Esta demanda vinha da necessidade
de força de trabalho para lavrar as terras, do desenvolvimento dos bens de produção e do
mercado para a venda e principalmente pela inexistência de mão de obra interna. Sem
compreender bem o processo pelo qual fez surgir o escravismo, porém na busca de uma
resposta, Finley argumenta “Todos sabiam que era impossível forçar os cidadãos, artesãos e
camponeses, a alugarem sua força de trabalho (...) e todos conheciam uma instituição que
chamamos escravidão. Foi por isso, segundo suponho, que houve concordância geral na
transição para o trabalho escravo.”
No terceiro capitulo “Escravidão e Humanidade” Finley debate haver uma
ambigüidade nas sociedades antigas frente ao tratamento exercido para com os escravos.
Ele esclarece serem dois tipos de tratamento: enquanto instituição onde o escravo é
desumanizado e mal visto e, por um outro lado, alguns senhores de escravos que os
humanizam. Nessa relação de escravos com seus “patronos” o autor abrange a questão dos
privilégios que alguns escravos recebiam, cedidos por seus senhores, onde esta
benevolência ajudava os mesmos a manter a paz e evitar rebeliões de seus escravos. Entre
esses privilégios, Finley cita as manumissões que no caso de Roma dava ao escravo sua
liberdade e cidadania e, o peculium que estabelecia os escravos em negócio próprio.
Também, muito interessante notar, os casos em que senhores e escravos eram
“companheiros de trabalho”, trabalhando lado a lado nos mesmos afazeres. Por outro lado,
Finley destaca a visão da sociedade frente ao escravismo como instituição e neste sentido, o
escravo sempre “responde com seu corpo por todas as ofensas”. A tortura, o espancamento
e a exploração sexual são relatados pelo autor como exemplos da desumanidade frente à
escravidão. Finley expõe que estas ambigüidades das sociedades antigas levantavam
comportamentos diferenciados entre os escravos que podiam ser tanto fieis aos seus
senhores quanto se rebelarem contra eles.
Em “O declínio da escravidão antiga”, quarto e último capitulo da obra, Finley
investiga o motivo pelo qual levou o declínio da escravidão nas sociedades greco-romana.
Neste aspecto ele abrange três hipóteses que induziriam a este declínio (ou como prefere o
autor, substituição da mão de obra no trabalho), que seriam estas “(...) a propriedade
privada da terra, com uma concentração suficiente para requerer força de trabalho
permanente; um desenvolvimento suficiente dos mercados e da produção de mercadorias; a
inexistência de uma oferta alternativa e ‘interna’ de trabalho”. Após analisar
minuciosamente cada uma dessas hipóteses Finley chega a conclusão de que a
disponibilidade de força de trabalho interno, no decorrer do processo, foi o que
impulsionou a substituição gradual da mão de obra escrava. Esta disponibilidade só foi
possível pelo fato de ter ocorrido uma mudança estrutural daquelas sociedades, onde os
habitantes do campo, agora dependentes do Estado, perdem sua liberdade, e os homens da
cidade que ainda que juridicamente livres porém não são mais tão livres como os seus
antepassados do mundo clássico.
Nesta belíssima obra, Finley teve o mérito de trazer à luz uma critica na qual abre os
olhos de seus leitores em relação a como fazer uma analise da escravidão antiga, propondo
um novo modelo, o qual abrange os aspectos das sociedades antigas com a finalidade de
compreender a escravidão como tal. Modelo este que faltou em algumas interpretações
modernas citadas e criticadas pelo autor. Sem duvida, um texto instigante e interessante
sobre a escravidão antiga.
Litiane Guimarães Mosca.
Graduanda em História pela Universidade Estadual de Londrina.