Resenha Filme - O Mal Dos Trópicos

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Resenha Filme: O Mal dos Trópicos

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Resenha do Filme o Mal dos Trópicos

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Resenha Filme:

O Mal dos Trpicos

O filme MAL DOS TRPICOS, de Apichatpong Weerasethakul, um filme dividido em dois. Na primeira parte do filme vemos uma tpica histria de amor entre duas pessoas, a nica diferena est em que a histria de amor entre dois homens, uma histria de amor gay. A trama se atm a contar o envolvimento de um soldado do exrcito, Keng, e um rapaz que mora em uma fazenda e trabalha em uma fbrica de gelo, Tong, que no decorrer do filme fica desempregado. Apesar de no haver envolvimento carnal entre os personagens, as cenas mais calientes entre os dois so um toque na coxa enquanto esto assistindo um filme e uma lambida na mo na ltima cena juntos da primeira parte do filme, fica claro e evidente o desejo que ambos sentem um pelo outro e o clima de namoro que surge quando ambos esto em cena. Apesar de a narrativa parecer clich primeira vista, um casal de homens que se gostam e sabe que o amor entre eles algo distante de poder concretizar-se, o filme inicia com um grande plano no campo de batalha e uma cena intrigante de um homem nu atravessando toda a tela em um grande plano. Percebe-se desde o incio do filme que estas sensaes que so passadas pelas cenas sero uma tnica do mesmo. O diretor Apichatpong pode ser includo no rol de cineastas do chamado cinema de fluxo, sendo um grande expoente desse tipo de filme. Este dado importantssimo para que entendamos as escolhas realizadas por ele. Apesar de o filme passar essas sensaes e fazer com que os seus ambientes ganhem tanta importncia quanto os personagens, fazendo-nos perceber esse cinema de atmosfera, j que em vrias cenas h a contemplao da natureza, os sons da floresta, os grandes planos estticos caractersticos do cinema contemporneo, tambm notamos alguns planos caractersticos do cinema clssico, quando h alguns plano detalhes do toque entre os personagens. Mas cabe aqui destacarmos que Apichtpong em muito se afasta da ideologia clssica de guiar a narrativa, em vrias passagens, mesmo na primeira parte do filme, vemos que explicar alguns eventos (uma aula de ginstica no meio da rua, uma visita a um templo subterrneo com algum que aparece para lhe vender flores, etc) menor do que acompanhar as conseqncias de deslocamento nas novas relaes de espao e tempo relacionadas a este evento.

O cinema de fluxo tem suas ideologias e concepes de mundo, mas no o faz de uma forma impositiva como fazem o cinema clssico e o cinema moderno, cada um sua maneira. Vemos no cinema de fluxo um respeito narrativa implcita aos planos e s aes, o que um dos pontos que o afasta das estticas realistas. No incio do filme, quando ainda no sabemos nem direito o nome dos personagens, que vo se tornando foco do filme no decorrer do mesmo, somos levados a crer que Tong tem desejo por mulheres, em uma cena vemos o mesmo paquerando com uma moa em um veculo que se assemelha a uma lotao. essa liberdade que o filme d ao espectador para tirar suas concluses, para criar sua narrativa, que pode ser verificado em todo o filme. No final da primeira parte, quando Tong some no escuro da rua e Keng sai em sua moto pela rua, ele passa por uma cena de espancamento de uma pessoa por um grupo de rapazes. Apesar da roupa da pessoa que espancada ser diferente da roupa de Tong o desenrolar da narrativa com o sumio dele e o comentrio de que um monstro anda sumindo com vacas na fazenda, deixa para o espectador a funo de narrar essa parte da histria. Teria Tong sido espancado por ser reconhecido homossexual ? Teria ele apenas sumido na floresta e virado uma alma da floresta, um ser que percorre o imaginrio das pessoas e as lendas locais ? A narrativa no novamente impositiva e d o mote para que se inicie a segunda parte do filme, que se assemelha a um recomeo, com um grande perodo negro na tela e a indicao de que inspirada em histrias de Noi Inthanon.

Na segunda parte do filme temos uma narrativa ainda mais sensorial, que se aproveita das histrias e lendas Tailandesas para oferecer ao espectador uma imerso ainda maior no filme. Ainda temos o soldado Keng, que nesta parte do filme designado apenas soldado, ainda vemos Tong que um misto de esprito, animal, homem. Seria a continuao da histria ? Seria outra histria contada com os mesmos atores fazendo outros papis ? Neste ponto o filme fica a merc do espectador e da sua experincia sensorial, ambiental com o filme. Na segunda parte do filme os personagens no possuem mais nomes, deixando ainda mais no ar as idias geradas com a mudana brusca da histria. O certo que nesta parte da histria vemos tambm uma outra histria de amor impossvel, de um homem e de um esprito, tigre, homem. Eles iniciam uma busca, uma busca que se torna uma batalha de amor. E a fazemos um paralelo com a primeira parte do filme, com o amor impossvel, que nesta parte alm de impossvel se torna fantstico ao incorporar narrativa as histrias de xams, espritos, animais guardies da floresta e tudo isso contemplado na perspectiva de um ser amado. As aventuras sensoriais proporcionadas pelo filme nesta parte so muitas e variadas, cabendo muitas explicaes e percepes. Nesse ponto se torna clara a diferenciao de plano e plano-fluxo no cinema de Apichatpong e no cinema de fluxo em geral. O plano-fluxo independe dos outros planos seguintes para passar uma emoo, esta emoo pode ser dissociada do plano seguinte, ela tem a inteno de passar uma determinada sensorialidade, antes at de tornar-se articulao narrativa a fim de construir a obra. Ela tem a inteno principal nesta sensorialidade, sem pensar na narrativa ou na estruturao da mesma. Ento vemos alguns planos em que a narrativa no evolui, mas que trazem uma percepo particular ao espectador. Esses planos contribuem para a carga emocional do filme. Vemos aqui uma fuga do mise em scne tradicional, clssico, apesar de que em Mal dos Trpicos ainda guardamos uma relao da narrativa com o lirismo, principalmente em sua primeira parte, vemos que nesta segunda parte do filme o lirismo prevalece sobre a narrativa, levando o espectador a uma profuso de sensaes. Vemos rvores enormes serem iluminadas por vagalumes, espritos sarem de vacas, vemos o diretor igualar homem, esprito e animal em seus sentimentos e sensaes.

Por fim, vemos em Mal dos Trpicos, mais uma imerso imagtica do diretor Apichatpong. Dividindo o filme em duas partes, utilizando-se do som para criar essa ruptura e contar quem sabe a mesma histria de ticas completamente diferentes, sendo uma mais realista e outra mais mgica e imaginativa. Apichatpong coloca o espectador dentro dessa imerso de sensaes e planos-fluxo. Essa imerso faz com que o espectador mergulhe no filme como se mergulhasse em uma vdeo instalao, trao caracterstico do diretor, que transita entre esses mundos como ningum.