RESENHA - A Sociedade Civil No Brasil Contemporâneo

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RESENHA

FONTES, Virginia. A Sociedade Civil no Brasil Contemporneo: lutas sociais e luta terica na dcada de 1980. Acesso em: 14/05/2014. Disponvel em: < http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/d/CAPITULO_6.pdf> Anny Karine Matias Novaes Machado

A Sociedade Civil no Brasil Contemporneo: lutas sociais e luta terica na dcada de 1980 de Virginia Fontes, um dos artigos presentes no livro Fundamentos da Educao Escolar do Brasil Contemporneo, cuja produo foi empreendida em 2006 para seminrio homnimo pela Escola Politnica Joaquim Vennacio, buscando compreender atravs de diversas perspectivas as mudanas pelas quais a educao, a poltica, o estado e a sociedade tem passado na contemporaneidade.Virginia Fontes historiadora, Mestre pela Universidade Federal Fluminense e Doutora em filosofia pela Universit de Paris X, integra o ncleo interdisciplinar de estudos e pesquisas sobre Marx e o marxismo, docente da Escola Nacional Florestan Fernandes e Coordenadora da Anpun historia e marxismo. Neste trabalho, Virginia faz um aparato geral acerca dos conceitos de sociedade civil, com nfase na reelaborao proposta por Gramsci e suas repercusses na formao social brasileira, nas esferas polticas e de lutas sociais, em especial nas dcadas de 80 e 90.O artigo pode ser dividido em cinco partes: uma breve introduo, seguida dos subtpicos: O conceito de sociedade civil e sua reformulao por Antonio Gramsci, A configurao da sociedade civil no Brasil, transformaes sociais e os usos do conceito: os anos 1980; Sociedade truculenta, estado trunco, servios pblicos truncados e por fim, Sociedade civil e corporativismo. Na introduo, Fontes expe que o objeto do trabalho consiste na reflexo da histria brasileira recente a partir da conceituao gramsciana de sociedade civil, a qual se constitui como um conjunto de aparelhos privado de hegemonia, como terreno de lutas sociais. Buscando tambm perceber os processos de formao sociais em suas interrelaes com as lutas sociais, ideolgicas, os papeis dos intelectuais, assim como a construo da formao poltica contempornea, em seus processos histricos e de lutas de classes. Nesse sentido importante salientar que a autora toma o conceito de classe numa percepo no cristalizada, enfatizando que esta remete as diferentes formas de expropriao do trabalho na esfera histrica e social.Em, O conceito de sociedade civil e sua reformulao por Antonio Gramsci, temos um breve aparato histrico conceitual das transformaes nos significados de sociedade civil. Segundo a autora a reformulao de Gramsci sobre o conceito de sociedade civil se aplicada as sociedades de capitalismo avanado. Contudo, historicamente este conceito surgiu a partir do pensamento contratualista tendo como maior expoente Tomas Hobbes (1588 1679). Nessa perspectiva o Estado figura como um principio de conveno humana, em que a humanidade devido a sua natureza violenta necessitaria de um pacto para conte-la, o Estado, na figura do soberano cumpriria este papel poltico. Direito civil viria sobrepor-se ao cannico.

Dessa maneira, como bem explicita Fontes, h a instaurao de um poder desigual, que traz uma ciso entre o individuo e o mundo social, em especial o da poltica. Em suas palavras, esse pacto, derivando do sofrimento da natureza humana, no-natural ou, mais propriamente, antinatural. Ele um acordo entre os homens contra a natureza humana (p. 204). Nesse contexto, o termo sociedade civil emaranha-se com os conceitos de Estado e Governo. A caracterizao de sociedade civil ganhar outras feies com Locke (1632-1704) dando-lhe uma ampliao, em que na medida em que todos os homens integram essa associao, esta restringi-se a somente os detentores de propriedade so dela integralmente membros (p. 206). Assim, o pensamento liberal interpola o ponto de vista da sociedade civil e o da sociedade poltica ou do estado. A gnese do conceito de sociedade civil, possui ainda uma serie de bifurcaes. Com Ferguson, empregado como expresso similar ao progresso. Na perspectiva francesa e alem, graas s criticas ferrenhas a Rousseau e a lgica contratualista, obtm feies negativas, ao expressar o espao da propriedade privada, elemento da corrupo da natureza humana (p. 207). Ser apenas a partir da tica alem com Hegel e Marx que o conceito de sociedade civil ganhar maior preciso.Para Hegel, o Estado (perspectiva filosfica, pautada na Razo) deve incorporar a eticidade, a liberdade e a integrao com o todo social, com ele a sociedade civil ter uma formao histrica e social precisa, estar interligada a burguesia, expressando os interesses particulares ao mesmo tempo que liga-se ao Estado mantendo uma relao de tensionamento constante. Ou Idia de reconciliao de interesses? A percepo de Estado hegeliana, como nos esclarece Fontes ser modificada a partir da crtica de Marx e Engels, para os quais o Estado conceituado como elemento histrico, coligado a existncia de classes sociais (p.209), a sociedade civil mantm sua definio como intrinsecamente ligada luta de interesses, ao Estado (perspectiva de superao) e as relaos sociais de produo. Marx e Engels, conforme enfatiza a autora acabam por abandonar o conceito de sociedade civil, visto que este conceito esta atrelado a noo de bem estar comum e que dada a luta da classe essa percepo de bem estar flutuar de acordo com os interesses especficos da classe dominante. assim que Gramsci, a partir das reflexes propostas por Marx e Engels, recriar o conceito de sociedade civil tornando-o inseparvel da noo de totalidade, de Estado e da luta entre as classes sociais. A autora nos mostra de forma clara e precisa que para Gramsci o conceito de sociedade civil procura dar conta dos fundamentos da produo social, da organizao das vontades coletivas e de sua converso em aceitao da dominao, atravs do Estado (p. 211). Em suma, em Gramsci o conceito expande-se ganhando novos contornos em que a sociedade civil ser o escopo da formulao, da reflexo e da consolidao dos projetos sociais e das vontades coletivas. No h portanto, no pensamento de Gramsci a oposio entre Estado e sociedade civil.Dando continuidade a suas proposies, no subttulo A configurao da sociedade civil no Brasil, transformaes sociais e os usos do conceito: os anos 1980, Fontes faz um retrospecto quanto a formao do conceito de sociedade civil no Brasil, que segundo a autora comea a ganhar repercusso a partir da dcada de 70, sendo introduzida principalmente pela tradio intelectual liberal. Na apropriao do conceito no Brasil, devido a ditadura militar, uma das acepes correntes do termo deu-se em opor a sociedade civil a militar. Dessa maneira, a formao do conceito no Brasil, alem de ter sido fortemente influenciado pelas medidas polticas e econmicas da ditadura militar, tambm sofreu grandes influncias das lutas sociais internacionais, tais como: os movimentos negros contra o apartheid, o movimento feminista, ambientalista e pacifista to disseminado na dcada de 70.A ditadura militar, se por um lado reprimiu por um longo tempo os movimentos e associaes que lutavam pela ampliao e universalizao dos direitos civis, por outro, graas adoo do modelo econmico de modernizao acelerada, terminou por incentivar e propiciar a formao de associaes paralelas que ao longo das dcadas seguintes contribuir para a formao de uma sociedade civil. Um dos principais impulsos deu-se partir de 1979 com a lei de anistia, que possibilitou a ampliao das universidades e promoveu o retorno dos exilados pela ditadura. O pensamento promovido pelas universidades girava em torno da crtica ao estruturalismo e as abordagens de classe social no baseadas nas experincias dos indivduos. Este cenrio oportunizou o surgimento de Organizaes no governamentais (ONGs), que Protagonizadas por muitos ex-exilados trariam um modificao substancial nas formas de organizao popular (p.219).Dessa maneira, as ONGs ligadas muitas vezes a intelectuais militantes cumpriram um papel segmentador, educando e consolidando as lutas sociais, ao mesmo tempo que as cristalizavam transformando-as em assessoria profissionalizada. Para Fontes, alem das ONGs o Partido dos Trabalhadores assegurar atravs de lutas pela democracia a politizao da sociedade civil de base popular, atuando como conexo entre os diversos movimentos populares, como fundamento para a ampliao do teor e do escopo das lutas sociais (p. 224). Assim, o conceito de sociedade civil no sentido gramsciano no Brasil ter como alicerce o PT, enquanto partido nucleador dos movimentos sociais de base popular, o conceito ainda interligar-se- as lutas populares, aos processos histricos e sociais hegemnicos e de base empresarial. O conceito de sociedade civil no Brasil, ser igualmente influenciado pelas lutas ideolgicas impostas pelo empresariado brasileiro. Na dcada de 80, Fontes nos mostra que os aparelhos privados de hegemonia, o empresariado brasileiro, foram bastante incisivos ao longo do processo constituinte, tanto no sentido de reafirmar seu papel, quanto de reduzir as conquistas universalizantes pelos direitos sociais. Esta mesma dcada tambm ser marcada pela retrao dos movimentos grevistas no setor privado, pela penetrao do empresariamento nas entidades sindicais e pela ascenso do sindicalismo nos setores pbicos.Em Sociedade truculenta, estado trunco, servios pblicos truncados, Virgnia Fontes historiciza alguns fatores que contriburam para que os servios pblicos no Brasil fossem limitados e seletivos. Para ela, a universalizao dos servios pblicos direcionados as camadas populares, como sade e educao nunca foram completas. Nossa historia demonstra que coexistiram e ainda em certa medida coexistem setores controlados por nepotismo e clientelismo e outros organizados, dinmicos? em que h a predominncia da ascenso meritocrtica.As lutas pelas melhorias nos setores pblicos remontam a dcada de 1940 onde j se exigia o fim do nepotismo, concurso pblico e a ampliao dos direitos sociais. Contudo, a associao sindical por melhorias recente, remontando a dcada de 1980, sendo marcada, sobretudo pela permanncia das desigualdades, expressas na incorporao de benefcios oriundos de empresas privadas, pelo difcil acesso aos concursos, enfim pela srie de complementaes no-salariais que desqualificavam e ainda desqualificam os servios pblicos.Por fim, na ultima parte do artigo, Sociedade civil e corporativismo, Fontes nos mostra que na constituio da sociedade civil, o corporativismo se fez presente em todas as instncias. No Partido dos Trabalhadores, no sentimento de pertena proporcionados pelas associaes e ONGs, nas lutas sindicais, e em especial nos projetos dos aparelhos hegemnicos, em especial pelas mdias que se consolidaram aproveitando-se das contradies presentes no pensamento social brasileiro, seduzindo os setores populares contra seus prprios direitos.Virginia Fontes, nos instiga ao contemplar o que se props, a repensar a formao da sociedade civil brasileira em todas suas facetas e contradies, nos faz perceber que muitos processos sociais hoje vivenciados mais nitidamente pelas camadas populares, como as greves pela melhoria nos transportes pblicos, tem origem em amplos processos histricos de lutas de classes em que h momentos de conteno e resistncia. A partir de suas proposies podemos perceber a reproduo de princpios de corporativismo e clientelismo to ntidos nas instituies pblicas, e como os servios pblicos so descaracterizados pelo prprio funcionalismo. Poucos professores de instituies pblicas tem seus filhos estudando nelas, poucos funcionrios da sade pblica utilizam os servios prestados. Enfim, o texto riqussimo para se pensar a formao da sociedade civil brasileira na contemporaneidade em suas interfaces histrico-sociais e polticas.

Mestranda em Educao pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Ps-Graduada em Educao a distncia (UNEB) e em Ensino Superior, contemporaneidade e novas tecnologias (UNIVASF). Email: [email protected]