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61 De Conto, S. M. Resíduos sólidos: uma análise comportamental Resíduos sólidos: uma análise comportamental Suzana Maria De Conto Introdução Os problemas relacionados aos resíduos sólidos não são resol- vidos apenas sob a ótica da Física, da Química, da Engenharia ou da Bioquímica. Esses problemas, por serem comportamentais, exigem so- luções complexas e sistêmicas de todos os responsáveis pela geração exacerbada e cada vez mais heterogênea dos resíduos sólidos. Analisar os diferentes aspectos relacionados à adoção de programas de geren- ciamento desses resíduos, sejam eles de origem industrial, doméstica, comercial, hospitalar, hoteleira, sejam da construção civil, de portos, aeroportos, ferroviária e/ou rodoviária, exige conhecimentos sobre ti- pologia de resíduos, legislação, passivos ambientais, responsabilidade pós-consumo, fatores determinantes nas condutas da população em re- lação ao consumo de bens e à geração de resíduos, entre outros. Gerenciar resíduos sólidos requer um esforço sistêmico e integrado da sociedade Os problemas relacionados ao gerenciamento dos resíduos só- lidos domésticos começam muito antes de sua coleta na via pública. 1 Engenheira Química pela Universidade de Caxias do Sul. Mestre em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos na Universidade de São Paulo. Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Professora no Departamento de Engenharia Química e no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Turismo da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Pesquisadora no Instituto de Saneamento Ambiental da UCS. Direito ambiental-06.indd 61 6/11/2006 16:23:52

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Resíduos sólidos: uma análise comportamental

Suzana Maria De Conto�

Introdução

Os problemas relacionados aos resíduos sólidos não são resol-vidos apenas sob a ótica da Física, da Química, da Engenharia ou da Bioquímica. Esses problemas, por serem comportamentais, exigem so-luções complexas e sistêmicas de todos os responsáveis pela geração exacerbada e cada vez mais heterogênea dos resíduos sólidos. Analisar os diferentes aspectos relacionados à adoção de programas de geren-ciamento desses resíduos, sejam eles de origem industrial, doméstica, comercial, hospitalar, hoteleira, sejam da construção civil, de portos, aeroportos, ferroviária e/ou rodoviária, exige conhecimentos sobre ti-pologia de resíduos, legislação, passivos ambientais, responsabilidade pós-consumo, fatores determinantes nas condutas da população em re-lação ao consumo de bens e à geração de resíduos, entre outros.

Gerenciar resíduos sólidos requer um esforço sistêmico e integrado da sociedade

Os problemas relacionados ao gerenciamento dos resíduos só-lidos domésticos começam muito antes de sua coleta na via pública.

1 Engenheira Química pela Universidade de Caxias do Sul. Mestre em Engenharia Civil pela Escola de Engenharia de São Carlos na Universidade de São Paulo. Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Professora no Departamento de Engenharia Química e no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Turismo da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Pesquisadora no Instituto de Saneamento Ambiental da UCS.

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Começam com a concepção, produção e o uso dos bens de consumo, com as características desses bens (durabilidade, consertabilidade e reciclabilidade), e com o comportamento da população urbana com relação às condições de descartabilidade desses bens após seu uso.

Em geral, esses problemas não são considerados, ou o são de forma parcial, nos programas de manejo de resíduos sólidos domésticos nos municípios. Devido à falta de planejamento des-ses programas, muitas vezes justificada pela escassez de recursos humanos, os administradores e técnicos dos municípios agem para “resolver problemas”, quando esses resíduos são colocados na via pública. Também, outro problema que freqüentemente ocorre nas mudanças de administração pública, está relacionado à não-conti-nuidade dos programas já implantados e que apresentam resultados satisfatórios.

Problemas que são de economia, de marketing, de engenharia de materiais, de processos produtivos, de agências de publicidade e de pessoas no âmbito das residências passam a ser, no momento do descarte desses resíduos para a via pública, responsabilidade do poder público. A falta de interlocução entre os diferentes agentes responsáveis pelo ciclo dos resíduos sólidos (concepção, produção e uso dos bens de consumo, descarte dos resíduos sólidos, coleta, tratamento e destino final) contribui para a manutenção dos atuais problemas que decorrem do processamento dos resíduos sólidos domésticos. Há um problema sério quando isso se configura: não há clareza do papel dos diferentes agentes responsáveis por esse processamento. Um problema, talvez ainda maior, é a definição do papel do poder público, uma vez que o mesmo está numa posição de “resolver problemas” localizados e não o de gerenciar o siste-ma como um todo. A quem compete a função de gerenciar todas as atividades relacionadas ao ciclo dos resíduos sólidos domésticos? A necessidade de identificar a natureza e os determinantes desses problemas parece ser importante para a implantação de programas de gerenciamento de resíduos sólidos nos municípios.

Como, então, cobrar adesão da população urbana no mane-jo de resíduos sólidos se o sistema não possui gerência apropria-da? Nesse contexto, parece importante estabelecer relações entre comportamentos da população ao manejar resíduos sólidos do-

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mésticos e os comportamentos dos agentes responsáveis pela eco-nomia, pelo marketing, pela engenharia de materiais, pelos pro-cessos produtivos, pela publicidade, pelo ensino, pela educação e pela produção de conhecimento. Se essas relações forem entendi-das e bem construídas, será possível criar condições que facilitem a conduta da população ao manejar resíduos sólidos domésticos. (MANDELLI, 1997, p. 3).

Nesse sentido, é importante considerar as contribuições de Skinner (1978), ao estudar a relação entre o comportamento das pessoas e a engenharia. Estudos como esses, que desenvolvem, de forma integrada, o conhecimento, as pessoas e a tecnologia, são importantes para a implantação de programas de manejo, tratamen-to e disposição final de resíduos sólidos domésticos. A adoção de uma engenharia comportamental (engenharia que envolva técnicas, envolva indivíduos, envolva a interação entre os sistemas físicos, administrativos, urbanos, sociais, sanitários, educacionais e com-portamentais) favorece a construção de condições para a mudança ou o aperfeiçoamento de comportamentos da população no manejo desses resíduos no âmbito das residências.

Resíduos sólidos: uma relação de poder

A própria definição do termo lixo demonstra uma relação ne-gativa. Examinando diferentes contribuições na literatura sobre esse termo, podemos encontrar algumas expressões relacionadas ao mesmo e que podem ser citadas: coisas inúteis, velhas e sem valor e coisas indesejáveis. Já a expressão resíduo sólido, tecnicamente empregada, é definida como um produto descartado diariamente, re-sultante da atividade do homem na sociedade. Várias contribuições, fruto da experiência profissional, são apresentadas para definir o ter-mo lixo e a expressão resíduo sólido. O importante é que todas as contribuições merecem ser analisadas e esclarecidas, no sentido de evitar equívocos no momento de tomadas de decisão.

A partir dessas colocações, é importante o questionamento: a) como nos posicionamos frente à limpeza de nossa cidade? b) Quanto

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à escolha de áreas para o tratamento e destino final dos resíduos sóli-dos que geramos diariamente em nossas residências? c) Quanto à es-colha de áreas para a instalação de presídios? d) Quanto aos parques e às vias públicas que são utilizados pelos cidadãos como locais para depósito de excrementos de seus cães? e) Quem instituiu o parque ou a via pública como local para depósito de excrementos de ani-mais criados, principalmente, em apartamentos? f) Com que direito o espaço público é denegrido pelo espaço privado? g) Que relação de poder é essa que é estabelecida com os resíduos sólidos?

Essas questões merecem um desdobramento: qual o indicador de limpeza de nossa casa? É o centro da sala ou o rodapé? Em rela-ção à via pública, qual o indicador de limpeza? O centro ou a peri-feria? Que relações estabelecemos entre a sala e o rodapé, a casa e a via pública, o centro da cidade e a periferia?

Essas perguntas indicam a necessidade de reavaliarmos nossa conduta frente aos nossos direitos e deveres, frente ao que é público e ao que é privado, frente à marginalidade relacionada aos resíduos sólidos que geramos diariamente, e pelos quais, portanto, somos responsáveis. É cômodo esquivar-se de problemas como esses. É cômodo falar sobre o exercício da cidadania para algumas situa-ções e não para a totalidade das situações. O exercício da cidadania ocorre quando são estabelecidas relações entre o poder público e o privado, sem deixar que os problemas individuais sejam transferi-dos para o público.

Em síntese, essas colocações equivalem a dizer que, em geral, as relações que estabelecemos com os resíduos que geramos diaria-mente são relações de poder: retiramos os resíduos sólidos do centro da casa para a lavanderia, garagem ou para o “rodapé”; transferimos para a via pública e, posteriormente, para a periferia. No âmbito na-cional ainda a periferia é usada para os “lixões”, basta acompanhar os dados sobre o saneamento de nosso País. (IBGE, 2002). Dados apresentados por BIO – Revista Brasileira de Saneamento e Meio Ambiente (BIO, 2002) apontam que 80% dos municípios brasilei-ros (4.338) investem apenas 5% de seu orçamento anual nos servi-ços de limpeza urbana e/ou coleta de resíduos sólidos. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000, realizada pelo IBGE, são produzidas 125.281 toneladas de resíduos sólidos

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domésticos diariamente. Dessa produção, 30,5% é disposta em li-xões (IBGE, 2002). Analisando os dados apresentados por Cempre (2006), apenas 327 municípios no País operam programas de coleta seletiva, sendo que a concentração é maior nas Regiões Sudeste e Sul do Brasil.

Também, ao estudar sobre os fatores que interferem na origem e formação dos resíduos sólidos domésticos, percebe-se que o poder aquisitivo da população é um fator determinante nas relações de po-der que se estabelecem na sociedade. Diferentes pesquisas realiza-das sobre a composição gravimétrica desses resíduos revelam que as frações dos componentes presentes estão associadas diretamente ao poder de compra das pessoas.

Alguns exemplos para ilustrar essa relação podem ser citados. A fração do componente vidro é maior nas residências de poder aqui-sitivo maior. Basta observar as prateleiras do supermercado. Quem tem a possibilidade e o hábito de comprar vinhos, uísques, licores, sucos, champanhes, cerejas, azeitonas, entre outros produtos acondi-cionados em embalagem de vidro? A quantidade de embalagens de vidro na composição dos resíduos sólidos revela o poder aquisitivo das pessoas que a gerou.

Já os componentes panos, trapo, couro e borracha – resultan-tes de vestuário – aparecem em maior quantidade nas residências de menor poder aquisitivo (bairros carentes e favelados). Após o uso do vestuário, revela-se que há uma transferência dos mesmos de residências de condições financeiras maiores para as menores. Por sua vez, a população que recebe esses donativos, após seu uso, descartam-nos conjuntamente com os demais componentes dos resí-duos sólidos gerados diariamente em suas casas. Somente esses dois exemplos permitem concluir que a composição dos resíduos sólidos gerados na sociedade revela uma relação de poder que se estabelece sempre na mesma direção: do centro para a periferia.

Essas relações de poder se estabelecem em diferentes graus, em diferentes situações. Como geradores compulsivos de resíduos – basta analisarmos diariamente o “saco de lixo” que se encontra em nossa lavanderia, garagem ou cozinha – percebermos o quanto so-mos responsáveis pela sua geração e pela manutenção das relações de poder delas decorrentes.

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Informação e condutas em relação ao gerenciamento de resíduos sólidos

A informação é uma variável que determina o comportamento da população ao manejar os resíduos sólidos. Parece necessário examinar com profundidade algumas questões para refletirmos sobre o nível de informação que temos sobre o assunto: que in-formações temos sobre o fenômeno resíduos sólidos? Que tipo de resíduos geramos em todas as nossas atividades diárias? Que ca-racterísticas possuem nossos bens de consumo? Nossos bens de consumo, após seu uso e descarte, apresentam algum grau de pe-riculosidade para o meio ambiente? Com que critérios adquirimos nossos bens de consumo? É considerado o processo de produção desses bens? Esses bens são passíveis de consertabilidade e reci-clabilidade? Geramos resíduos por opção ou por falta de opção? Para optar é necessário informação?

Uma técnica para examinarmos os resíduos que produzi-mos diariamente está relacionada ao ciclo de vida dos produtos. Conhecendo esse ciclo, percebemos aspectos relacionados ao uso da água, da energia, das riquezas naturais e aos impactos poten-ciais relacionados a todas as etapas de produção, uso e descarte desses produtos.

Assim, analisar o fenômeno resíduos sólidos exige um conheci-mento prévio sobre sua origem, uma vez que os problemas relacio-nados a esses resíduos iniciam muito antes da coleta na via pública, iniciam com a concepção dos bens de consumo. Portanto, o simples ato de comprarmos um determinado produto no mercado exige infor-mações sobre todos os aspectos ambientais relacionados ao mesmo. À medida que a informação está disponível, a população começa a perceber com maior clareza as suas responsabilidades quanto à ge-ração de resíduos sólidos. Começa a perceber que a responsabilidade não é apenas de quem coleta e trata seus resíduos.

Parece importante avaliarmos de forma consistente nossas deci-sões. É necessário adotarmos condutas globalmente interessantes do ponto de vista ecológico. Para isso, a informação se torna importante e necessária para a tomada de decisões ambientalmente corretas.

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É cômodo pensar que uma parcela dos resíduos gerados no âmbito de nossas residências ou resultante de uma refeição rápida (lanche), por exemplo, é potencialmente reciclável, bastando, por-tanto, realizar a segregação na fonte, coleta seletiva, processamento nas centrais de triagem e posteriormente reciclagem nas indústrias. Cabe destacar que garantir a reciclabilidade dos materiais não ga-rante uma plena política de gerenciamento dos resíduos sólidos. É necessário repensar o ciclo de produção dos materiais no sentido de garantir a minimização na geração de resíduos.

Um exemplo de “descartabilidade fácil” é constatada após a realização de um “lanche rápido”. Um simples pão, um pedaço de carne ou de queijo, por exemplo, acompanhado de batata frita e um refrigerante gera um copo plástico, um canudo plástico, uma tampa plástica; uma caixa de papelão que embala o pão, carne e quei-jo; uma embalagem de papel para a batata frita; duas embalagens plásticas utilizadas para embalar os guardanapos e o brinde; um brinde (que acaba em um curto espaço de tempo sendo descartado) e uma caixa de papelão que acondiciona todo o lanche. É percebi-da a quantidade de “lanches infelizes” que é gerada a partir de um simples lanche?

Sabemos exigir produtos que após seu consumo gerem a menor quantidade possível de resíduos? Analisando a escala de priorida-des no gerenciamento de resíduos sólidos (prevenção, minimização, reaproveitamento, tratamento e disposição final), observamos que, em geral, ainda estamos distantes de repensar a geração exacerbada desses resíduos. O ideal é não gerar, ou gerar a menor quantidade possível. Mas, como decorrência de nossa vida moderna, somos le-vados diariamente a consumir produtos cada vez mais descartáveis e com isso é incentivada a reciclagem como se fosse a melhor solução. É útil lembrar que a melhor solução é reavaliar nossas condutas no sentido de não gerar ou minimizar a produção desses resíduos.

Examinando o Decreto-lei 38.356, que aprova o regulamento da Lei 9.921, de 27 de julho de 1993, que dispõe sobre a gestão dos resíduos sólidos no Estado do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 1998, p. 316), é possível identificar o compromisso da legislação com o princípio da precaução (a não-geração de resíduos) e com a coleta seletiva:

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Art. 1º. A gestão dos resíduos sólidos é responsabilidade de toda a so-ciedade e deverá ter como meta prioritária a sua não-geração, devendo o sistema de gerenciamento destes resíduos buscar sua minimização, reu-tilização, reciclagem, tratamento ou destinação adequada.Parágrafo único – O gerenciamento de resíduos poderá ser realizado em conjunto por mais de uma fonte geradora, devendo, previamen-te, seu projeto ser licenciado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM.Art. 2º. A segregação dos resíduos sólidos na origem, visando seu aproveitamento otimizado, deverá ser implantada gradativamente nos municípios, mediante programas educacionais e sistemas de co-leta segregativa, entendida esta como o acondicionamento e coleta em separado dos materiais para os quais exista viabilidade técnica e reaproveitamento.

É oportuno destacar as contribuições de Valle ao examinar os termos reduzir, reaproveitar, tratar e dispor os resíduos gerados nas atividades diárias:

reduzir – abordagem preventiva, orientada para diminuir o volume e o impacto causado pelos resíduos. Em casos extremos pode-se eliminar completamente o resíduo pela prevenção de sua geração.reaproveitar – abordagem corretiva, direcionada para trazer de volta ao ciclo produtivo matérias-primas, substâncias e produtos extraídos dos resíduos depois que eles já foram gerados. A reutilização e a reciclagem são formas de reaproveitar resíduos.tratar – abordagem técnica que visa alterar as características de um resí-duo, neutralizando seus efeitos nocivos. O tratamento pode conduzir a uma valorização do resíduo – abordagem de cunho econômico dirigida para extrair valores materiais ou energéticos, que contribuem para dimi-nuir os custos de tratamento e, em alguns casos, podem gerar receitas superiores a esses custos.dispor – abordagem passiva, orientada para conter os efeitos dos resí-duos, mantendo-os sob controle, em locais que devem ser monitorados. (2004, p. 97).

Nessa direção, convém salientar que a reciclagem dos resíduos sólidos é apenas uma forma de reaproveitar os mesmos. Portanto, é uma abordagem corretiva.

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Reciclagem como uma garantia de sobrevivência

Com relação ao aspecto social da reciclagem, é oportuno des-tacar a análise feita por De Conto (2004) sobre a reciclagem como uma garantia de sobrevivência. A autora comenta que é comum ou-vir ruídos de madrugada nas ruas das cidades. Ruídos que vêm se tornando familiares, visto a necessidade de sobrevivência dos menos favorecidos de nossa sociedade. Trata-se de seres humanos que ca-tam latas de alumínio nas lixeiras localizadas nas vias públicas.

Após a catação, as latas são jogadas ao chão e amassadas com os pés, ocasionando ruídos freqüentes em frente a residências. Essa atitude, que vem se tornando uma rotina, contribui para aumentar os índices da reciclagem em nosso País. Segundo a Associação Brasileira de Alumínio (Abal), citada por Cempre (2003), o Brasil reciclou em 2002, 121 mil toneladas de alumínio, gerando 152 mil empregos diretos e indiretos e um faturamento de R$ 850 milhões.

Há dois anos, o índice de reciclagem de latinhas em nosso País é de 85% contra 83% do Japão. Convém destacar que um quilo de latas equivale a 70 latinhas. Cada brasileiro consome, em média, 51 latas anualmente (CEMPRE, 2003). Outro aspecto importante da reciclagem está associado à economia no consumo de energia. Também, de acordo com CEMPRE, a reciclagem de latinhas propor-cionou em 2002 uma economia de cerca de 1.700 GWh/ano, o que corresponde a 0,5% de toda a energia gerada no País (com esse total é possível atender a uma cidade de um milhão de habitantes).

Em síntese, é possível afirmar que o Brasil não é líder na re-ciclagem de alumínio apenas por aspectos relacionados à sensibili-zação da população com relação à segregação e coleta seletiva dos resíduos sólidos. Lamentavelmente, essa liderança na reciclagem é fruto também da pobreza e da necessidade de sobrevivência de nosso povo.

A condição marginalizada da coleta de latinhas na via pública por pessoas carentes é um problema a ser resolvido pelas adminis-trações municipais. Também Magera (2003), ao tratar de pesquisa sobre a formação das cooperativas de trabalhadores do setor de tria-gem de resíduos, comenta que ao mesmo tempo que os cooperati-

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vados colaboram para uma sustentabilidade econômica para o meio ambiente, os mesmos se encontram em um ambiente de precariedade das relações e condições de trabalho. Por que lidar com resíduos só-lidos parece ser uma atividade estigmatizada pela sociedade? Bastos (1996), ao analisar o discurso social sobre o lixo, apresenta diferen-tes exemplos de relações estigmatizantes entre o lixo e as pessoas que trabalham ou convivem perto dele de alguma forma. O autor relaciona o termo lixo com morte, estigma e poder. Bastos destaca que a ligação do lixo com o sujo, com o desprezível e com a morte é observada desde a Idade Média, quando por medidas punitivas as prostitutas e os criminosos – pessoas consideradas de comportamen-to desviante e, portanto estigmatizadas – eram penalizados sendo obrigados a limpar as cidades.

Para considerarmos as pessoas que trabalham com a coleta e a triagem de resíduos sólidos como “empresárias do lixo”, é necessá-rio prioritariamente definir sua função na sociedade e fornecer con-dições dignas de trabalho.

Consumo consciente calcado na não-geração de resíduos

Em entrevista realizada pela Bio (BIO, 2003, p. 37), Fritjof Capra, ao analisar a sustentabilidade, disse: “Uma das principais ca-racterísticas dos sistemas sustentáveis é o fato de não gerarem re-síduos. O que é resíduos para um segmento é matéria-prima para outro, como acontece na natureza, que tem seu próprio sistema de autodepuração.” Entre outras palavras, é necessário construir o con-ceito de consumo sustentável para o direito ambiental e para o direi-to do consumidor.

Nessa direção, é importante destacar as contribuições de Gonçalves ao apresentar quatro princípios fundamentais da produ-ção limpa: “1) princípio da precaução; 2) princípio da prevenção; 3) princípio da integração e 4) princípio do controle democrático”. Pelo princípio da precaução, o autor afirma: “O produtor – não a comunidade nem o governo – é responsável pelo ônus da prova de que determinado produto, processo ou material não irá causar da-

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nos ao homem e ao ambiente.” Gonçalves continua destacando que: “Sempre que houver indícios de problemas ambientais, recomenda-se o redesenho do sistema de produção e consumo.” (2004, p. 88).

O princípio da prevenção propõe a substituição de controle da poluição end-of-pipe pela prevenção da geração de resíduos e dos conseqüentes impactos ambientais. Em relação a esse princípio, Gonçalves (2004, p. 89) comenta que o modelo de prevenção de re-síduos traz grandes vantagens sobre o modelo end-of-pipe, uma vez que visa a reduzir ou eliminar, na fonte, as emissões potencialmente poluidoras, perigosas ou tóxicas.

O princípio da integração, de acordo com o autor, estabelece que os princípios da precaução e da prevenção sejam aplicados em todos os fluxos do sistema global de produção. Nesse princípio, é utilizada a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) do produto, capaz de prever a melhoria ambiental que poderia ocorrer a partir de mudan-ças na matéria-prima, no produto, no processo ou no seu uso.

Para o princípio do controle democrático, Gonçalves comenta que as tendências internacionais apontam a importância da partici-pação social em assuntos que ultrapassam os limites de métodos pu-ramente científicos e afetam, diretamente, os interesses da sociedade comum como um todo.

Nessa direção, é importante destacar o que o autor apresenta:

Assim, esse princípio propõe que trabalhadores, consumidores e comu-nidade, por estarem diretamente sujeitos aos impactos dos processos in-dustriais, dos produtos e de suas embalagens, devam ter acesso às infor-mações sobre emissões, efeitos, potenciais danos, segurança e outros da-dos factuais que afetem a qualidade ambiental e para a saúde humana.O controle democrático requer livre acesso a tais informações. Para isso, recomenda-se que a indústria mantenha sistemas de levantamento da opinião pública a respeito de seus processos, produtos e embalagens, para a tomada de decisões de negócios, e implemente uma política de comunicação ambiental. (GONÇALVES, 2004, p. 15).

Em síntese, para construir o conceito de consumo consciente, é necessário um esforço sistêmico de toda a sociedade no sentido de desenvolver uma política industrial realmente comprometida com o meio ambiente.

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Responsabilidade pós-consumo

O que significam as expressões responsabilidade pós-consu-mo e produto pós-consumo? Como nos posicionamos sobre os bens de consumo adquiridos no mercado e os produtos resultantes dos mesmos após o consumo? Quem é responsável pelas embalagens descartáveis?

O poder público não pode continuar na posição de resolver problemas imediatos decorrentes do consumo exacerbado da popu-lação. Para tal, questiona-se sobre a responsabilidade pós-consumo. Essa responsabilidade decorre da necessidade do desenvolvimento da responsabilidade civil sobre a geração dos resíduos sólidos, ou seja, dos produtos pós-consumo. Entre outras palavras, significa res-ponsabilizar as empresas pela destinação final dos resíduos gerados a partir de seus produtos. Para entender esse assunto, é necessário entender o ciclo de vida dos produtos que adquirimos no dia-a-dia (concepção do produto, extração das riquezas naturais, transforma-ção da matéria-prima, produção dos bens de consumo, uso desses bens, descarte dos produtos pós-consumo, até a coleta, o tratamento e o destino final desses produtos).

Dias e Rosa, ao analisarem a responsabilidade pós-consumo, concluem destacando:

A falta de responsabilização dos fabricantes pelo destino final dos produ-tos utilizados, oriundos do consumo, é um exemplo de que as normas e os princípios ambientais existem, mas não estão sendo aplicados no sentido de assegurar o direito de todos em viver num ambiente ecologicamente equilibrado, tal como requer a nossa atual Carta Magna. (2002, p. 9).

Ainda, os autores destacam que “as atividades produtivas não podem mais ficar alheias aos problemas que ela mesma trouxe com o lançamento desses produtos no mercado”. (p. 9). Cabe destacar que não se trata apenas de definir responsabilidades pela poluição gerada, ou seja, “pagar por aquilo que gerou”, e sim rever processos produtores de bens de consumo, no sentido de introduzir tecnologias mais limpas, que reduzam o consumo de água e de energia e a gera-ção de resíduos sólidos.

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Em síntese, parafraseando Johnson (2002), é importante e ne-cessário planejar a mudança. O processo de produção de bens de consumo é dinâmico e, com isso, toda a sociedade deve estar prepa-rada para mudar rapidamente muitas vezes a sua conduta em relação ao uso e descarte dos produtos pós-consumo. A legislação deve ser dinâmica, assim como o ensino e os mecanismos de controle.

A responsabilidade pós-consumo tem por objetivo comprome-ter os fabricantes com a responsabilidade pelo ciclo global de vida dos seus produtos. (DIAS; ROSA, 2002). Portanto, são responsáveis pelo destino final ambientalmente correto dos produtos/mercadorias mesmo após o uso pelo consumidor. Essas colocações estão respal-dadas pela Política Nacional do Meio Ambiente, o que significa dizer que todos nós (governantes e sociedade civil) temos o compromisso de nos informar e cobrar condutas gerenciais sobre o destino dos produtos que descartamos diariamente e que comumente chamamos resíduos sólidos.

Passivo ambiental: conhecer para contabilizar

O que significa a expressão passivo ambiental? Que informa-ções temos sobre danos ambientais? Como as empresas vêm desen-volvendo sua contabilidade? Quantas empresas, em seu balanço con-tábil, demonstram o passivo ambiental? Em um processo de compra e venda de terrenos e de empreendimentos industriais, o comprador avalia o critério ambiental? Essas e tantas outras perguntas merecem ser analisadas por todos no momento da compra de qualquer terreno ou empreendimento industrial ou de serviços.

A expressão passivo ambiental pode ser expressada como o conjunto das dívidas e obrigações da empresa com questões am-bientais. Schianetz (1999, p. 12) define passivos ambientais como “deposições antigas e sítios contaminados que produzem riscos para o bem-estar da coletividade, segundo a avaliação tecnicamente res-paldada das autoridades competentes”.

Para o mesmo autor: “Deposições antigas são aterros ou deposições abandonadas, nas quais foram colocados resíduos.”

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(p.12). Já, para a expressão sítios contaminados, Schianetz co-menta que são, em geral, “áreas industriais fechadas ou abando-nadas nas quais no passado foram usadas substâncias nocivas”. (p.12).

Para Ribeiro e Lisboa (2001), passivo ambiental representa o sacrifício de benefícios econômicos que serão realizados para a pre-servação, recuperação e proteção do meio ambiente de forma a per-mitir compatibilidade entre o desenvolvimento econômico e o meio ecológico ou em decorrência de uma conduta inadequada em relação às questões ambientais.

Sánchez (2001) e Schianetz (1999) apresentam importantes contribuições para os programas ambientais que contemplem pla-nos diretores de resíduos sólidos. Os autores apresentam procedi-mentos para o planejamento da desativação de empreendimentos industriais, como também as atividades a serem desenvolvidas durante o levantamento, a avaliação e a recuperação de passivos ambientais.

Convém destacar que, com o princípio da responsabilidade objetiva pelos danos diretos ou indiretamente causados ao meio ambiente, independentemente de culpa, existe a obrigação de al-guém vir a ser responsabilizado pelo dano ambiental causado pela atividade econômica causadora de prejuízo. Exemplos reais de processos envolvendo passivo ambiental podem ser citados: Condomínio Recanto dos Pássaros em São Paulo (solo e água con-taminados por pesticidas da Shell Química); a Rhodia em 1976 adquiriu a Clorogil, vindo a responsabilizar-se pelo dano ambien-tal, uma vez que a Clorogil mantinha depósito de resíduos tóxicos nos fundos da propriedade; a Parmalat, em 1998, adquirindo a Etti, também adquiriu o passivo ambiental avaliado em US$ 2 milhões. Alguns desses exemplos foram apresentados no XVI Congresso Brasileiro de Contabilidade realizado em Goiânia em 2000. Como esses, existem inúmeros casos de passivo ambiental, apenas não são revelados.

Assim, é importante a realização de auditorias especiali-zadas para a identificação de passivos ambientais no momen-to da compra de terrenos e empreendimentos industriais ou de serviços. Essas auditorias envolvem estudos sobre a atividade

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industrial até então desenvolvida, processos, produtos, resíduos gerados, destinação desses resíduos desde o início da atividade, existência de depósitos de produtos químicos ou de resíduos na área do empreendimento, ocorrência de degradação ambiental ocasionada pela remoção de solo, entre outros. O comprador precisa se preocupar com o seu novo empreendimento. O dono do terreno é responsável pelas infrações ambientais apesar da possibilidade de mover um processo de crime ambiental contra a empresa poluidora.

Nessa direção, é importante alguns questionamentos: como a gestão imobiliária lida com conceitos relacionados à gestão am-biental? Que fatores devem ser considerados no momento de efe-tuar um contrato de compra e venda de um imóvel? Como as variá-veis ambientais interferem no processo de transferência de um em-preendimento? O que empresários da construção civil e corretores de imóveis devem saber antes de realizar projetos de novos prédios e de reaproveitamento de prédios antigos? Como os programas de ensino em gestão imobiliária lidam com as variáveis ambientais? Que relações são estabelecidas no processo de compra e venda de imóveis em relação aos passivos ambientais? Como proprie-tários e corretores lidam com cláusulas ambientais nos contratos de compra e venda de imóveis? Essas, entre tantas perguntas, são importantes para serem analisadas e respondidas pelos diferentes segmentos da sociedade, no sentido de capacitar profissionais que atuam na área de gestão imobiliária a melhor lidar com o fenômeno “passivo ambiental”.

Em síntese, cabe observar que as questões legais relacionadas ao passivo ambiental são recentes; porém, as práticas de degrada-ção são antigas. Para entender a dimensão do passivo ambiental, é importante que a contabilidade das empresas seja realizada de for-ma transparente, isso significa contabilizar também as dívidas com o meio ambiente. Entre outras palavras, a contabilidade ambiental deve fazer parte do planejamento de qualquer atividade, não apenas de origem industrial, mas também comercial, doméstica; da cons-trução civil, educacional, turística, hoteleira, de serviços de saúde, entre outras.

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Comportamento da sociedade em relação à escolha de áreas para tratamento e disposição final de resíduos

Com relação à escolha de áreas para o tratamento e a disposição final dos resíduos sólidos gerados diariamente em nossas residên-cias, como nos posicionamos? Quantos cidadãos têm um comporta-mento de fuga e esquiva em relação aos resíduos que geram? Essas são questões que precisam ser feitas pela sociedade para assumir sua responsabilidade frente ao gerenciamento de resíduos sólidos do município. Cabe destacar que historicamente a solução para os problemas, decorrentes dos resíduos sólidos, teve como diretriz a conhecida lei do menor esforço. Afastar os resíduos sólidos o mais rápido possível de nossas residências tem sido, em geral, uma práti-ca diária, sem o questionamento sobre o destino dos mesmos.

No momento em que os nossos municípios precisam escolher uma nova área para o sistema de tratamento e disposição final dos “nossos” resíduos sólidos, é importante e necessário que os cidadãos eliminem o temor pelo desconhecido, e que fatores estéticos e co-merciais não prevaleçam nas decisões. É preciso estar predisposto a aprender primeiramente sobre as variáveis que se inter-relacionam e que realmente definem a melhor área para o sistema proposto.

Como cidadãos geradores de resíduos sólidos, temos o dever de participar das decisões relacionadas a todas as etapas que compre-endem o gerenciamento desses resíduos. Assim, precisamos rever e construir conceitos, eliminar preconceitos e assumir uma postura ativa, e não continuar passivamente, porque é cômodo transferir a responsabilidade a técnicos e políticos sobre o destino dos “nossos resíduos sólidos”.

Construção da educação ambiental

O art. 1o, da Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental refere: “Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,

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atitudes e competências voltadas para a conservação do meio am-biente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.” (BRASIL, 1999).

Quais e quantos segmentos da sociedade (indústria, comércio, meios de hospedagens, serviços de saúde, escolas, universidades, meios de comunicação, igrejas, agências bancárias, portos, aeropor-tos, rodoviárias, ferroviárias, setor da construção civil, clubes so-ciais, prefeituras, entre outros) conhecem tal lei? b) Como esses seg-mentos são responsáveis pelo cumprimento da lei? Essas perguntas merecem ser explicitadas e respondidas por todos esses segmentos, no sentido de identificar as responsabilidades de cada um em prol da construção de políticas ambientais próprias em cada município.

O desafio que temos é identificar as demandas comunitárias na área ambiental e integrar todos os segmentos da sociedade. Nos programas de ensino, professores e alunos precisam identificar a re-levância ambiental dos mesmos, estabelecendo suas relações com o meio ambiente. No “sermão”, o padre pode inserir assuntos relacio-nados ao meio ambiente atingindo grande parcela da população. A alta administração das empresas perceberá facilmente que conceitos relacionados à contabilidade ambiental (ainda esquecida por muitos) estão relacionados à educação ambiental. Aos meios de comunica-ção, por exemplo, cabe colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre o meio am-biente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação.

Em síntese, vários exemplos que se estabelecem nas ativida-des desenvolvidas nos diferentes segmentos da sociedade podem ser apresentados, mas o mais importante é que todos esses segmentos assumam sua responsabilidade no processo de educação ambiental da sociedade.

Em relação às crianças, muitos esforços têm sido realizados no sentido de proporcionar situações de aprendizagem às mesmas, em relação ao meio ambiente. Contudo, é necessário encorajá-las a construir o conceito de meio ambiente, no sentido de que as mes-mas saibam lidar com as situações-problema e com as possíveis soluções.

Sommer (1979, p. 49) comenta: “Quando as regras dos adultos obrigam a criança a ficar passivamente olhando seu meio ambiente,

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proibindo-a de arrumar sua sala de aula ou playground, ela provavel-mente não terá um papel ativo na solução dos problemas em sua casa ou no escritório quando for adulta.” Quantas crianças são encoraja-das a fazer mudanças e arrumar seus quartos? Os adultos em geral não percebem que o interior da residência é um laboratório para as crianças experienciarem o meio ambiente.

Para que a criança possa solucionar, quando adulta, problemas relacionados à agressão ambiental, é necessário dar condições e es-timulá-la para tal. “Mais que tudo, é preciso enraizar na criança o gosto, para não dizer a paixão, por construir. Brinquedos mecânicos ou passatempos mecanizados acabam com sua imaginação e inicia-tiva; a proeza de colocar blocos um em cima do outro não sobrecar-rega nem o cérebro de um macaco.” (RUDOFSKY apud SOMMER, 1979, p. 48).

Entre outras palavras, essas contribuições permitem dizer que se queremos que as crianças sejam os administradores das questões ambientais no futuro, precisamos ensiná-las a construir o conceito de organização da própria casa, para que percebam os diferentes ní-veis de organização que se estabelecem entre seu quarto e o centro da sala, a área de serviço, a via pública e a periferia, ou seja, a orga-nização do meio ambiente como um todo.

Entretanto, não basta apenas educar as crianças. É necessá-rio um esforço sistêmico no sentido de capacitar profissionais que saibam lidar com problemas relacionados ao meio ambiente. Nesse sentido, a universidade deve cumprir seu papel na formação de um novo profissional. A multidisciplinariedade se destaca como uma condição importante da formação de recursos humanos e produção de conhecimento em resíduos sólidos. A formação de recursos hu-manos para atuar em gerenciamento de resíduos sólidos ainda é in-suficiente. O planejamento de ensino formal, em diferentes cursos de graduação necessita do desenvolvimento de pesquisas em resídu-os sólidos. Essas pesquisas podem fornecer subsídios para integrar conhecimentos e avançar nos programas de ensino de graduação, no sentido de formar profissionais que saibam lidar com a realidade da população ao manejar esses resíduos.

A partir da análise das variáveis que interferem no comporta-mento da população no manejo de resíduos sólidos domésticos no

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âmbito das residências – tese de doutorado da autora – (MANDELLI, 1997), é possível concluir que lidar com esses resíduos exige um esforço integrado e multiprofissional. Diferentes áreas do conheci-mento podem contribuir na minimização dos problemas e das difi-culdades enfrentadas pela população urbana no manejo de resíduos: engenharias, arquitetura, marketing, ecologia, psicologia, sociolo-gia, administração, ciências jurídicas, entre outras.

Os problemas relacionados aos resíduos sólidos não constituem uma condição isolada. Se a solução dos problemas relacionados aos resíduos sólidos for limitada às suas conseqüências em relação ao ambiente, ignorando os estudos dos processos pelos quais eles foram originados, a intervenção nos problemas será limitada e tenderá a constituir fracassos. Também examinar a ocorrência de problemas ocasionados pelos resíduos sólidos apenas por meio da Física, da Química ou da Biologia, sem considerar a influência dos processos sociais e comportamentais sobre essa ocorrência, é uma forma de considerar o fenômeno de maneira parcial ou incompleta.

Nesse contexto, parece importante estabelecer relações entre comportamentos da população ao manejar resíduos sólidos e com-portamentos dos agentes responsáveis pela economia, pela engenha-ria, pelos processos produtivos, pelo marketing, pela educação, pelo ensino, pela publicidade e pela produção do conhecimento. Se es-sas relações forem entendidas e bem construídas, será possível criar condições que facilitem as mudanças de condutas da população em relação ao manejo dos resíduos que produzem.

É importante e necessário perceber situações relacionadas à geração exacerbada de resíduos sólidos em nossa vida diária. A par-tir do momento em que estivermos dispostos a educar nossos olhos para a percepção ambiental, estaremos na direção de assumir as nos-sas responsabilidades diante do meio ambiente.

Referências

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