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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL “REPRESSÃO AOS ESTUDANTES DA UFRJ NO CENÁRIO DITATORIAL” Adriana da Silva Freitas Orientadora: Profa. Dra. Suely Souza de Almeida Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Cunha Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

“REPRESSÃO AOS ESTUDANTES DA UFRJ NO

CENÁRIO DITATORIAL”

Adriana da Silva Freitas Orientadora: Profa. Dra. Suely Souza de Almeida

Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Cunha

Rio de Janeiro

2008

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ADRIANA DA SILVA FREITAS

“REPRESSÃO AOS ESTUDANTES DA UFRJ NO

CENÁRIO DITATORIAL”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra. Suely Souza de Almeida. Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Cunha.

Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro

2008

3

ADRIANA DA SILVA FREITAS

“REPRESSÃO AOS ESTUDANTES DA UFRJ NO

CENÁRIO DITATORIAL”

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Serviço Social, da Escola de Serviço Social, do Centro de Filosofia e Ciências

Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisição parcial

para obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social.

Aprovada em __ de _________ de _____.

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________ Profa. Dra. Suely Souza de Almeida Universidade Federal do Rio de Janeiro Orientadora

_______________________________________ Prof. Dr. Luiz Antônio Cunha Universidade Federal do Rio de Janeiro Co-orientador _______________________________________ Profa. Dra. Maria Lídia Souza da Silveira Universidade Federal do Rio de Janeiro _______________________________________ Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira Universidade Federal do Rio de Janeiro

Universidade Federal do Rio de Janeiro

4

Dedico este trabalho àquela que, como instrumento de Deus, motivou seu início, meio e fim, Suely Souza de Almeida (In Memorian).

5

AGRADECIMENTOS

À Deus, pelo dom da vida, pela possibilidade de concluir mais uma

jornada certa de que tudo o que tenho, o que sou e o que possa vir a ser vem

d’Ele, como fruto do seu grande amor por mim.

À minha família, pelo apoio incondicional em todos os momentos. Em

especial aos meus pais (Adriano e Maria), indispensáveis nessa caminhada; ao

meu irmão (Vinicius), pela compreensão e pelo auxílio na informática; e ao meu

noivo (Luciano), pelo companheirismo e pelo empenho na torcida por mais

essa vitória.

Ao CNPq, pela bolsa de estudos que financiou esta pesquisa.

À minha orientadora, professora Suely Almeida, pela atenção dedicada,

por acreditar neste trabalho e por investir seu conhecimento nesta pesquisa.

Em especial pela motivação em toda minha trajetória acadêmica, pela

perseverança, garra e coragem na luta pela vida.

Ao meu co-orientador, professor Luiz Antônio Cunha, pela contribuição

clara e objetiva, pelo incentivo diário e pela seriedade ao examinar cada fase

do trabalho.

À professora Maria Lídia Souza da Silveira e ao professor Francisco

Carlos Teixeira, pela participação, contribuição, compreensão e força

fundamentais, sobretudo nos últimos momentos desse processo.

Ao professor Almir Fraga Valadares e à Victória Grabois, pelos valiosos

depoimentos que enriqueceram a pesquisa.

Ao professor Sérgio Salomé da Silva, pelo auxílio na pesquisa.

Aos meus amigos, pela alegria desta conquista, particularmente à Camila

Freire, companheira de formação, à Mônica Ron-Rén, Taíssa Machado e Julia

e Sá da Silva Campos, pelo auxílio no processo de elaboração da pesquisa.

A todos que, em alguma medida, participaram e contribuíram para a

conclusão de mais essa etapa.

6

“(...) Num tempo Página infeliz da nossa história Passagem desbotada na memória Das nossas novas gerações Dormia A nossa pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas transações (...)”.

(Vai Passar – Chico Buarque e Francis Hime)

7

RESUMO

A sociedade brasileira, no período compreendido entre 1964 e 1979 – quando se viveu uma ditadura militar no país –, passou por momentos de intensa repressão em que os direitos, sobretudo civis e políticos, eram negados em favor da segurança nacional. Um dos principais alvos de controle do governo ditatorial foram os estudantes, que a partir de meados dos anos 40 passaram a se inserir em lutas de caráter nacional e tiveram destaque nas movimentações que antecederam o golpe de 1964. Diante disso, uma série de ações e medidas foi tomada no sentido de conter suas atividades políticas. Esta pesquisa propõe uma análise da repressão direcionada, principalmente, aos estudantes de ensino superior no país, em especial o corpo discente da UFRJ, que também protagonizou a resistência na luta contra a ditadura militar. As leis e decretos criados a fim de controlar a participação e organização política da juventude incidiram fortemente no cotidiano da UFRJ. A partir do processo de pesquisa, foi possível observar o gradativo fechamento do governo militar também no espaço institucional da universidade, expresso, dentre outras questões, por meio da aplicação de sanções disciplinares aos estudantes. Palavras Chaves: Ditadura Militar; Movimento Estudantil; Repressão.

8

ABSTRACT

The brazilian society, during the period of 1964 to 1979 – when was experienced the military dictatorship in the country –, passed through moments of intensive repression in which its rights, above all civils and political, were denied in favor of the national security. One of the main targets of the dictatorial government were the students, that since the 40’s started to insert themselves in struggles of national character and they distinction in the movements that preceded the stroke of 1964. Before this, a series of actions and measures was established in due to contain this political activies. This search proposes an analysis of the repression directed, specially, to the university students in the country, above all the student body of UFRJ, that also played the lead role of resistance during the struggles against the military dictatorship. The laws and decrees created in order to control the political participation and organization of the youth repercuted strongly in the daily life of UFRJ. Through the process of searching, it was possible to observe the gradual closure of the military government also in the institutional space of the university, expressed, among other metters, by the application of disciplinal sanctions to the students. Key Words: Military Dictatorship; Students Movement; Repression.

9

GLOSSÁRIO DE SIGLAS

AAC – Ação Anticomunista

ABI – Associação Brasileira de Imprensa

AI – Ato Institucional

ALA – Ala Vermelha do Partido Comunista do Brasil

ALN – Aliança Libertadora Nacional

AMES – Associação Metropolitana dos Estudantes Secundários

AP – Ação Popular

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

ASI – Assessoria de Segurança e Informação

BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNM – Brasil: Nunca Mais

CA – Centro Acadêmico

CACO – Centro Acadêmico Cândido de Oliveira

CAD – Coligação Acadêmica Democrata

CCC – Comando de Caça aos Comunistas

CCM – Centro de Ciências Médicas

CCS – Centro de Ciências da Saúde

CEB – Comunidade Eclesial de Base

CFE – Conselho Federal de Educação

CGT – Comando Geral dos Trabalhadores

CLMD – Cruzada Libertadora Militar Democrática

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNBB – Conferência Nacional de Bispos do Brasil

COLINA – Comando de Libertação Nacional

CONSUNI – Conselho Universitário

CPC – Centro Popular de Cultura

CPOR – Centro Preparatório de Oficiais da Reserva

CT – Centro de Tecnologia

DA – Diretório Acadêmico

10

DCE – Diretório Central de Estudantes

DEE – Diretório Estadual de Estudantes

DI-GB – Dissidência do PCB da Guanabara

DI-RJ – Dissidência do PCB do Rio de Janeiro

DISP – Dissidência do PCB de São Paulo

DNE – Diretório Nacional dos Estudantes

DOI/CODI II – Destacamento de Operações de Informações/ Centro de

Operações de Defesa Interna do II Exército

DOPS – Departamento de Ordem Política e Social

EBA – Escola de Belas Artes

EE – Escola de Engenharia

EEAN – Escola de Enfermagem Ana Néri

EEFD – Escola de Educação Física e Desportos

EM – Escola de Música

ENE – Encontro Nacional de Estudantes

EPES – Equipe de Planejamento do Ensino Superior

EQ – Escola de Química

ESS – Escola de Serviço Social

FAC – Frente Anticomunista

FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

FCE – Faculdade de Ciências Econômicas

FD – Faculdade de Direito

FE – Faculdade de Educação

FEA – Faculdade de Economia e Administração

FL – Faculdade de Letras

FM – Faculdade de Medicina

FMI – Fundo Monetário Internacional

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FO – Faculdade de Odontologia

FUP – Frente Universitária Progressista

GPMI – Grupo Permanente de Mobilização Industrial

IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática

ICB – Instituto de Ciências Biomédicas

IES – Instituições de Ensino Superior

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IF – Instituto de Física

IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

IGEO – Instituto de Geociências

IM – Instituto de Matemática

IP – Instituto de Psicologia

IPM – Inquérito Policial Militar

IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros

JUC – Juventude Universitária Católica

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MAC – Movimento Anticomunista

MAR – Movimento de Ação Revolucionária

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

ME – Movimento Estudantil

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MIA – Movimento Inter-Sindical Antiarrocho

MNR – Movimento Nacionalista Revolucionário

MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro

MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes

MUC – Movimento Universidade Crítica

Mudes – Movimento Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OBAN – Operação Bandeirantes

OPAC – Organização Paranaense Anticomunista

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PDC – Partido Democrata Cristão

PE – Polícia do Exército

POC – Partido Operário Comunista

POLOP – Organização Política Marxista – “Política Operária”

POR(T) – Partido Operário Revolucionário (Trotskista)

PRT - Partido Revolucionário dos Trabalhadores

PSB – Partido Socialista Brasileiro

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PSD – Partido Social Democrático

PSP – Partido Social Progressista

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PUC-RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

RAN – Resistência Armada Nacionalista

RU – Reforma Universitária

SAPP – Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco

SBPC – Sociedade brasileira para o Progresso da Ciência

SNI – Serviço Nacional de Informações

SUPRA – Superintendência para a Reforma Agrária.

UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundários

UDN – União Democrática Nacional

UEE – União Estadual de Estudantes

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UIE – União Internacional dos Estudantes

UME – União Metropolitana de Estudantes

UnB – Universidade de Brasília

UNE – União Nacional dos Estudantes

USAID – United States Agency for International Development (Agência dos

Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional)

USP – Universidade de São Paulo

VAR – Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares

VPR – Vanguarda Popular Revolucionária

13

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15

CAPÍTULO 1 – O MOVIMENTO PRÉ-1964 .................................................... 19

1.1 - Progressistas retornam à liderança estudantil ......................................... 23

1.2 - Hegemonia católica na UNE .................................................................... 25

1.3 - A luta pela representação na base de 1/3 ............................................... 30

1.4 - Radicalização do Movimento Estudantil .................................................. 35

CAPÍTULO 2 – INSTRUMENTOS LEGAIS DE REPRESSÃO AO MOVIMENTO

ESTUDANTIL E RESISTÊNCIA DISCENTE ................................................... 43

2.1 - A Lei Suplicy: tentativa de controle do ME .............................................. 57

2.2 - O Decreto Aragão: fortalecimento da Lei nº 4.464/64 ............................. 64

2.3 - Decreto-lei nº 477 .................................................................................... 70

2.4 - Processo de abertura política .................................................................. 76

CAPÍTULO 3 – A REPRESSÃO SOBRE OS ESTUDANTES DA UFRJ

SEGUNDO OS BOLETINS .............................................................................. 80

3.1 – Intensificação do controle........................................................................ 90

3.2 – Fortalecimento da repressão .................................................................. 94

3.3 – Controle político “mascarado” – A aplicação do Código Disciplinar na

UFRJ .............................................................................................................. 105

CAPÍTULO 4 – EPISÓDIOS DA REPRESSÃO E DA RESISTÊNCIA

DISCENTE NA UFRJ ..................................................................................... 111

4.1 - Expulsão de 19 alunos .......................................................................... 116

4.2 - A repressão imediatamente após o golpe ............................................. 122

4.3 - A repressão em 1968 ............................................................................ 129

4.4 - Movimentação discente em fins da década de 70 ................................. 136

14

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 143

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................... 147

OUTRAS FONTES ........................................................................................ 150

ANEXOS – ANEXO I ..................................................................................... 152

ANEXO II ..................................................................................... 153

ANEXO III .................................................................................... 154

ANEXO IV ................................................................................... 156

ANEXO V .................................................................................... 160

ANEXO VI ................................................................................... 162

ANEXO VII .................................................................................. 168

ANEXO VIII ................................................................................. 169

ANEXO IX ................................................................................... 170

ANEXO X .................................................................................... 172

15

INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema é fruto do meu envolvimento, como bolsista de

iniciação científica, no processo de pesquisa que, dentre outras questões,

abordava o período ditatorial e a violência praticada por agentes do Estado,

visando, através destes fatos, a perceber a constituição da mulher como sujeito

político. A pesquisa integrava o núcleo GECEM – Gênero, Etnia e Classe:

Estudos Multidisciplinares – da Escola de Serviço Social da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (ESS/UFRJ), tendo como título: “Violência Estatal e

Lutas Sociais: a Constituição da Mulher como Sujeito”. Minha inserção neste

processo também possibilitou a participação contínua em debates, estudos

sistemáticos, elaboração e apresentação de trabalhos.

Assim, ao analisar a história do movimento estudantil neste período da

história foi possível observar a ausência de relatos e análises acerca da

repressão direcionada aos discentes da UFRJ, no espaço institucional. Tal

percepção se deu a partir da participação que tive em um evento organizado

pelo CFCH/UFRJ, de 29 de março a 02 de abril de 2004, um seminário

intitulado “64+40: Golpe e Campo(u)s de Resistência”. Dentre outras

atividades, fiquei como uma das responsáveis por realizar uma pesquisa sobre

a UNE (União Nacional dos Estudantes), quando constatei a falta de um estudo

específico que tratasse da repressão e da resistência no interior da UFRJ.

Ademais, apesar do empenho dos responsáveis pelo evento em organizar

alguma atividade que focasse o momento da ditadura na UFRJ, constatou-se

sua inviabilidade, tendo como um de seus fatores a dificuldade em localizar os

arquivos da época.

Permanecem ainda hoje polêmicas e lacunas em relação a este período

da história, o que demonstra a necessidade de analisar as ações do Estado no

que concerne à supressão dos direitos do indivíduo como cidadão, além do

impedimento da construção da memória social, tão necessária para se pensar

as continuidades e descontinuidades entre o passado e o presente. A

16

recuperação da memória desse período é fundamental, posto que a literatura

sobre a época apresenta intermissões que contribuem para o esquecimento,

que tem como fruto a produção do inexistencialismo1 (Cardoso, 1999).

Diante disso, este trabalho, articulado à linha de pesquisa Estado,

Sociedade e Direitos Humanos, do PPGSS/ESS/UFRJ, teve o intuito de

analisar a Repressão aos estudantes da UFRJ2 no cenário ditatorial – entre os

anos de 1964 e 1979. Tal repressão se refere ao controle e à contenção da

participação política dos universitários na estrutura institucional.

Concomitantemente receberão destaque as ações de resistência por parte dos

estudantes, bem como os episódios de entrechoque com o aparato repressivo.

Aqui, optou-se por enfatizar a movimentação estudantil, o que não elimina a

atuação dos professores e a dura repressão dispensada a eles também neste

cenário político.

Para tanto, o estudo teve como ponto de partida uma pesquisa

bibliográfica sobre o contexto sócio-político do período de 1964 a 1979, além

do período imediatamente anterior ao golpe de Estado, com ênfase na

repressão direcionada aos estudantes de ensino superior em nível nacional.

Após esse primeiro momento foi realizado um mapeamento e uma análise do

plano legal no âmbito geral, no que se refere às leis e decretos direcionados

também a este segmento estudantil no intuito de conter sua atuação política.

Logo após, analisou-se como tais medidas foram aplicadas no cotidiano da

UFRJ. Recebeu destaque, ainda, o Código Disciplinar da UFRJ, criado em fins

da década de 60. Todo este conjunto de instrumentos legais de repressão fazia

parte da composição dos aparelhos coercitivos de Estado do governo ditatorial,

1 Cardoso se refere ao inexistencialismo ao discutir a imposição do esquecimento, o seu peso na experiência do Brasil, “(...) realidades que passaram a ser consideradas inexistentes: o não-sucedido, o não-nomeado, o não-incluído no âmbito da linguagem e da história, a pura e simples abolição simbólica dos acontecimentos” (1999, p.138). A autora ressalta alguns aspectos que foram determinantes na consolidação desse esquecimento, como: a questão dos desaparecimentos políticos; o fato da repressão ter atingido um número restrito de pessoas, se comparado às demais experiências latino-americanas, o que resultou em grande parte da população não ter tomado conhecimento dos seus desdobramentos; a presença da censura; e, um processo de transição política em demasia longo. 2 No processo de pesquisa optou-se por adotar a denominação utilizada atualmente na universidade, bem como no que se refere às suas unidades. No início do governo ditatorial a UFRJ era oficialmente chamada de Universidade do Brasil e a maior parte de suas unidades recebia o complemento Nacional, mas em 1965 foi realizada esta alteração.

17

que, nos termos gramscianos, fortaleceu gradativamente sua sociedade

política.

No momento seguinte, realizou-se uma pesquisa empírica através da

consulta ao arquivo do PROEDES (Programa de Estudos e Documentação

Educação e Sociedade)/FE (Faculdade de Educação)/UFRJ sobre a UNE, aos

documentos dos arquivos do LEU (Laboratório de Estudos das

Universidades)/CFCH/UFRJ, aos Boletins da UFRJ – localizados no Acervo de

Periódicos do CFCH –, a coleções particulares e à Biblioteca Nacional. Tal

levantamento de informações contribuiu para uma melhor apreensão das

formas como as medidas foram efetivamente aplicadas na vida acadêmica dos

estudantes. Ademais, foram realizadas duas entrevistas semi-estruturadas com

ex-alunos da UFRJ no período estudado.

Posteriormente, a partir da análise e da sistematização da pesquisa, foram

elaborados quatro capítulos. O primeiro analisa o movimento estudantil no

período anterior ao golpe de 1964, suas influências políticas, seu processo de

envolvimento na luta por questões nacionais, bem como o contexto político-

econômico da época.

O segundo capítulo trata dos instrumentos legais de repressão ao

movimento estudantil, que visava a controlar as atividades políticas dos

estudantes de ensino superior no país, e da resistência discente perante as

arbitrariedades praticadas pelo governo. Utiliza-se da concepção gramsciana

de Estado ampliado na compreensão da configuração do governo pós-golpe de

1964, uma ditadura – dominação respaldada pela coerção. Dentre outras

questões, estabelece uma relação entre algumas determinações do sistema

capitalista e as movimentações políticas protagonizadas por essa geração de

jovens dos anos 60-70.

No que tange ao terceiro capítulo, vale considerar o necessário tempo de

pesquisa e a indispensável atenção requerida, por referir-se aos Boletins da

UFRJ, um material rico e detalhado. Nesta parte do trabalho encontra-se

indicada a maior parte das punições direcionadas aos estudantes da UFRJ. Por

meio das sanções disciplinares também era possível constatar a resistência por

parte dos universitários como resposta ao tratamento recebido, além da

repercussão das ações do governo em nível nacional no âmbito da

universidade.

18

Entretanto, alguns episódios – ou aplicações de penas – importantes

desse período não foram registrados nos Boletins, ou foram apresentados de

forma superficial. Por isso, receberam ênfase no capítulo quatro que aborda a

repressão e a resistência discente com base em entrevistas de ex-alunos,

realizadas no decorrer da pesquisa ou encontradas em material jornalístico,

que foi outra fonte importante nessa composição, bem como material

distribuído pelas lideranças estudantis na época.

Diante disso, vale ressaltar que as implicações da ditadura na

universidade, a imposição de mudanças e o controle sobre cada uma das

unidades de ensino, e a efervescência do movimento estudantil são elementos

importantes para a construção da história do ensino superior no Brasil e da

própria militância política da juventude.

19

CAPÍTULO 1

O MOVIMENTO ESTUDANTIL PRÉ-1964

Para a realização de um estudo acerca das ações repressivas, por parte

do governo ditatorial, em relação aos estudantes de ensino superior no país,

faz-se necessária uma análise do movimento estudantil (ME) anteriormente ao

golpe de 1964. Um período de crise político-econômica, sobretudo em virtude

da evidência de problemas resultantes da política desenvolvimentista adotada

pelo país no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando efetuou-se

um aprofundamento do capital por meio do cumprimento do Plano de Metas,

que tinha o objetivo de modificar a estrutura da economia nacional, por meio da

criação da indústria de base e da reformulação das possibilidades de

interdependência com o capital internacional.

Para tanto, o governo buscou garantir condições para atrair investimentos

e empréstimos externos, o que, associado a uma série de medidas gerou um

surto notável de desenvolvimento econômico no país, que camuflou a

contradição existente entre a ideologia nacionalista e a política econômica

internacionalizante. O Plano de Metas determinou o futuro da economia

brasileira. A crise econômica que se seguiu – no início da década de 60 –

manifestou-se, principalmente, por meio da redução do índice de investimento,

da queda da entrada de capital externo e da taxa de lucro, bem como pelo

agravamento da inflação3 (Cf. Ianni, 1986).

No Brasil, os estudantes passaram a ter uma representação em âmbito

nacional a partir de 1937, quando fundaram a União Nacional dos Estudantes

3 Nesse período “a inflação transformou-se no problema central da economia do País: deixou de ser apenas uma técnica de ‘confisco salarial’ (poupança monetária forçada) e passou a funcionar como inflação de custos” (Ianni, 1986, p.196).

20

(UNE), que passou a ser reconhecida oficialmente mais tarde, em 1942, por

meio do Decreto-lei n° 4.105, baixado por Getúlio Vargas. Anteriormente a esse

momento, existiam apenas associações locais e regionais.

As primeiras articulações no intuito de fundar a UNE foram iniciadas no I

Conselho (ou Congresso) Nacional de Estudantes, em 11 de agosto de 1937,

na Casa do Estudante do Brasil – localizada no Rio de Janeiro –, que contou

com a participação do Ministro da Educação e da Saúde Pública, Gustavo

Capanema, bem como de representantes estudantis de São Paulo, Ceará,

Bahia, Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais4. Nesse momento,

o ME defendia a importância da indústria siderúrgica nacional, necessária à

libertação do país. Cabe, ainda, ressaltar, nessa reunião, a aprovação da

proposta, apresentada por um estudante de Minas Gerais, referente à proibição

do levantamento de discussões de cunho político no decorrer do Conselho.

É importante destacar que a constituição da UNE efetivou-se apenas a

partir do II Congresso Nacional de Estudantes, em 22 de dezembro de 1938,

quando teve seu estatuto aprovado e uma diretoria eleita. A partir desse

momento, os Diretórios Acadêmicos (DAs), das instituições de ensino superior

isoladas, bem como os Diretórios Centrais de Estudantes (DCEs), das

universidades, por meio de uma representação estadual, participariam das

atividades da entidade.

O ME brasileiro, representado pela UNE, passou a mobilizar-se não

apenas por questões estudantis, mas também assumiu reivindicações

trabalhistas, participou de uma série de lutas contra o nazi-fascismo e em

defesa da redemocratização do país. Em inícios de 1945, os estudantes

empenhavam-se na campanha contra o Estado Novo – a ditadura de Vargas,

que assemelhava-se5 a Kubitschek no que se refere à idéia de que o caminho

para o progresso econômico-social se daria por meio de uma industrialização

acelerada.

4 Fávero (1994, p.17). 5 Entretanto divergiram quanto à concepção de desenvolvimento, que, para Vargas, baseava-se na criação de um capitalismo nacional, alicerçado numa industrialização autônoma; e, para Kubitschek, a possibilidade estaria num contexto de interdependência e associação com o capital internacional.

21

De acordo com Foracchi, nesse período, “as manifestações estudantis se

revestiram de conotação política” (1965, p.227). Entre os estudantes formava-

se, gradativamente, uma compreensão mais clara e política dos problemas

enfrentados pelo país, o que não reduz a responsabilidade de grandes partidos

nacionais que lideraram a oposição ao Estado Novo. Dentre os que se

formaram ou ressurgiram depois de quinze anos de silêncio pode-se citar a

União Democrática Nacional6 (UDN) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB),

que teve suas primeiras reuniões no salão da UNE.

No mês de março desse ano, na realização de um comício, na cidade de

Recife, em favor do brigadeiro Eduardo Gomes – candidato à Presidência da

República, contrário ao governo Vargas –, o estudante Demócrito de Souza

Filho foi assassinado pela polícia. Após este episódio, a UNE promoveu um

comício-monstro, no Rio de Janeiro, em 8 de março, quando conclamou o povo

a participar da luta pela anistia e pela democracia.

Após o VIII Congresso da UNE, iniciou-se um período de prevalência da

direita no ME. Nesse momento foi introduzida uma tentativa de infiltração norte-

americana no movimento de estudantes do Brasil, no intuito de disseminar o

“anticomunismo”, o que não obteve sucesso. Os dirigentes da UNE, eleitos

para as gestões de 1945 e de 1946, eram ligados à UDN.

Entre 1947 e 1950, a luta em defesa do território e da economia nacional

foi o alvo do ME brasileiro. Sua fase de hegemonia socialista, como denomina

Poerner (2003), teve início após o X Congresso, em julho de 1947, quando a

entidade passou a ser dirigida por estudantes associados ao PSB. As

campanhas promovidas pela UNE, nesse período, referiam-se à luta “(...)

contra a alta do custo de vida, em prol da indústria siderúrgica nacional e do

monopólio estatal do petróleo (campanha ‘O Petróleo é Nosso’), da política

externa independente e da não-intervenção estrangeira em Cuba” (Cunha,

20017). No que concerne ao âmbito educacional, a entidade posicionou-se

6 A UDN foi criada em abril de 1945 e se apresentava como oposição ao governo de Getúlio

Vargas.

7 Verbete intitulado UNE, que consta em: ABREU, Alzira A. (et al.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Edição revista e atualizada. Vol. V. Rio de Janeiro: Editora FGV, CPDOC, 2001, p.5847.

22

diversas vezes “(...) contra o provimento ilegal de cátedras, pela gratuidade do

ensino, pela defesa da escola pública e pela reforma universitária” (Idem). A

repressão policial sobre os estudantes foi intensificada, sobretudo após o

lançamento da campanha “O Petróleo é Nosso”.

Em 1948, a sede da UNE foi, pela primeira vez, invadida pelo aparato

policial do governo Dutra. O intuito da ação consistia em impossibilitar a

realização do I Congresso Brasileiro pela Paz, bem como coibir as

manifestações estudantis de repúdio ao aumento, de 30 para 40 centavos

(cerca de 33%), no preço das passagens dos bondes.

O XII Congresso da UNE realizou-se na Bahia, em 1949. Neste encontro,

os estudantes direitistas8, visando à vitória nas eleições, compareceram ao

encontro acompanhados por uma organização fascista, a Coligação Acadêmica

Democrata9 (CAD), que se empenhava na busca por impedir a atuação das

demais correntes no ME. No entanto, apesar desse movimento, foi novamente

eleito, para a direção da entidade, um socialista, que antes do término do

mandato, em abril de 1950, renunciou ao cargo10.

A partir de então, a esquerda permanece, por seis anos, fora da direção

da UNE, que entre 1950 e 1956, foi dirigida pela direita, com exceção apenas

da gestão progressista de 195411 a 1955. Nesta fase constata-se um refluxo do

ME, o que possibilitou o surgimento do “peleguismo universitário”. Entretanto,

em virtude da linha nacionalista do governo Vargas (1951-1954) e dos

estatutos da UNE, que determinavam como obrigação das diretorias “lutar pelo

8 Em 1949, após sucessivas derrotas da direita estudantil, ela ganha espaço na União Metropolitana de Estudantes (UME) carioca, com a eleição de Paulo Egídio Martins, o primeiro destaque da liderança estudantil conservadora. 9 A CAD era uma organização extremamente violenta, se necessário fosse, na luta por seus objetivos. Era integrante dessa coligação, Paulo Egydio Martins, que mais tarde seria Ministro da Indústria e Comércio, no governo Castelo Branco, e depois governador de São Paulo, quando dispensou um tratamento violento ao movimento estudantil. 10 Por meio de uma reunião extraordinária do Conselho da UNE, constituído pelos presidentes das UEEs, foi eleito um novo presidente, que concluiria o período de hegemonia do PSB na direção da entidade estudantil. 11 Esta gestão progressista se deu de forma distinta das anteriores. Cunha Neto foi eleito no Congresso de 1954, como candidato da direita estudantil, no entanto, de acordo com Poerner (2003), ao recusar o apoio à conspiração para a derrubada de Getúlio Vargas, perdeu sua base de apoio, recebendo em seguida, o auxílio de estudantes progressistas, que, dessa forma, retomaram a direção da UNE.

23

nacionalismo e contra o entreguismo”, os líderes da entidade prosseguiam na

participação de eventos, tais como: a campanha pela criação da Petrobrás; em

1952, a greve contra o provimento ilegal de cátedras; em setembro de 1954, as

manifestações contra as irregularidades nos exames; e, a partir de 1954, as

greves de protesto contra a ineficiência das faculdades.

1.1 – Progressistas retornam à liderança estudantil

Em outubro de 1955, o grupo progressista retomou a direção da União

Metropolitana de Estudantes12 (UME) e destacou-se na campanha promovida

contra o aumento do preço da passagem dos bondes, de um para dois

cruzeiros, que paralisou o Rio de Janeiro nos dias 30 e 31 de maio de 1956.

Diante desta movimentação, a polícia carioca, ao invadir a sede da UNE, onde

se encontravam estudantes que temiam a repressão policial, agrediu

fisicamente parlamentares.

Meses depois, em julho de 1956, no XIX Congresso da UNE, a direção da

entidade foi reconquistada pelo grupo progressista, e passou a ser liderada

pelo estudante que se encontrava à frente da UME. Essa gestão promoveu

grande movimentação no sentido de uma maior politização dos estudantes, o

que comprometeu sobremaneira a influência que o Ministério da Educação e

Cultura (MEC) vinha exercendo no interior do ME. Ademais, nessa fase,

formou-se, no ME, a primeira frente única de católicos e comunistas (Cf.

Cunha, 2001).

A UNE organizou, no ano seguinte (1957), o I Seminário Nacional de

Reforma do Ensino, no Rio de Janeiro, que buscou definir propostas de

mudança para a questão da educação no país por um caminho pedagógico. De

acordo com Fávero (1994), foi a partir desse evento que a luta pela reforma

universitária iniciou-se de maneira sistemática. No entanto, ela destaca que,

segundo José Serra – presidente da UNE em 1963 –,

12 A UME carioca foi criada em setembro de 1942, no V Congresso da UNE.

24

“a visão de reforma desse Seminário é ainda uma visão parcelada, imediatista e exclusivamente didática. Dá-se grande ênfase aos aspectos técnico-pedagógicos, ao problema da formação profissional, procurando-se conferir ao ensino superior maior eficiência na formação daqueles que tivessem o privilégio do acesso ao nível universitário” (p. 25).

E ainda nesse ano, a entidade estudantil empenhou-se na campanha contra a

American Can, empresa norte-americana que representaria uma ameaça à

indústria de lataria nacional.

Em 1958, a UNE empenhou-se na campanha pela demissão de Roberto

Campos da Presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

(BNDE), devido ao seu esforço para que o Brasil assinasse o Acordo de

Roboré13. Roberto Campos pressionava empresas brasileiras que visavam

explorar o petróleo boliviano para que recebessem financiamento da Pan-

American Land Oil & Royalt Co.14. Somente em julho de 1959 ele foi exonerado

após incessantes manifestações de caráter nacionalista.

A UNE, ainda, apoiou, em 1959, a composição de uma Comissão

Parlamentar de Inquérito sobre a Shell e a ESSO. Nesse momento, efetivou-se,

segundo Poerner (2003), um aprofundamento, por parte da entidade estudantil,

da visão crítica sobre a universidade brasileira, “caracterizada como

instrumento das classes interessadas na manutenção da ordem social vigente”

(p.151). Esse processo tomou corpo, sobretudo, nas discussões acerca da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e após a deflagração da greve

pelos estudantes baianos, que indicavam a necessidade de mudança no

posicionamento dos estudantes de ensino superior no país, no intuito de que

passassem a conceber a universidade de forma ampla.

Em 1960, foi realizado, em Salvador, o I Seminário Latino-Americano de

Reforma e Democratização do Ensino Superior. Neste encontro, os estudantes

13 “Segundo esse acordo, assinado entre o Brasil e a Bolívia, a Petrobras deveria aplicar recursos no financiamento de empresas privadas brasileiras criadas com o apoio do BNDE para operar no altiplano boliviano. Do ponto de vista nacionalista, o Acordo de Roboré violava o princípio do monopólio estatal do petróleo e prejudicava, pelo desvio de recursos públicos, as atividades da Petrobras no tocante à prospecção de jazidas no território nacional” (http://cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/biografias/Gabriel_Passos.asp). 14 A esse respeito veririficar verbete que consta na nota n° 5.

25

discutiram a Carta de Córdoba15 – documento utilizado para análise nas

primeiras reuniões de organização da UNE – e diversos outros documentos

nela baseados, sendo forte a influência do movimento hispano-americano pela

reforma universitária.

De 20 a 27 de maio de 1961, a entidade estudantil realizou o I Seminário

Nacional de Reforma Universitária, em Salvador, que teve como produto a

Declaração da Bahia, que, segundo Poerner (2003), possuía uma linha

anticapitalista e revolucionária, e apresentava como proposta:

“1) a luta pela democratização do ensino, com acesso de todos à educação, em todos os graus; 2) a abertura da universidade ao povo, mediante a criação de cursos acessíveis a todos: de alfabetização, de formação de líderes sindicais (nas faculdades de Direito) e de mestres-de-obras (nas faculdades de Engenharia), por exemplo; e 3) a condução dos universitários a uma atuação política em defesa dos universitários” (Idem, p.153).

Cunha (1989), ao analisar o texto final do encontro afirma a ausência de

clareza e definição no direcionamento dos participantes no que se referia ao

contexto social da universidade em nível nacional. Por outro lado, apontou a

convergência nas propostas particulares, compatíveis, em muitos casos, com

os projetos de modernização do ensino superior defendidos por determinados

setores do Estado.

1.2 – Hegemonia católica na UNE

15 A Carta de Córdoba, conhecida também como a Carta Magna da Reforma Universitária, foi resultado do primeiro congresso da Federação Universitária Argentina – composta por delegados de Córdoba, La Plata, Tucumán e Santa Fé – em 1918. Os pontos de destaque da reforma universitária laicizante defendidos no documento eram: “participação dos estudantes e dos formados na direção da universidade (o princípio do co-gobierno); autonomia universitária; assistência livre, como um meio de forçar professores a melhor prepararem as aulas; seleção dos mais capazes e não dos mais favorecidos economicamente; instituição da livre docência com valor igual ao do curso oficial; periodicidade das cátedras; publicidade dos atos universitários; extensão universitária; ajuda social aos estudantes; diferenciação das universidades conforme as peculiaridades regionais, orientação social dos estudos universitários, abordando os grandes problemas nacionais” (Cunha, 1989, p.210).

26

A partir do XXIV Congresso da UNE, realizado em 1961, quando ficou

decidida a filiação da UNE à União Internacional dos Estudantes (UIE), a

entidade estudantil ingressou numa fase de ascensão católica, identificada pela

eleição de Aldo Arantes e pelo crescimento da Ação Popular16 (AP) – que se

organizou por volta de 1960, como resultado da dissensão entre a JUC17

(Juventude Universitária Católica) e a hierarquia religiosa – no interior da

entidade. Essa gestão foi estruturada a partir de uma chapa de unidade entre a

AP, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Organização Revolucionária

Marxista Política Operária18 (POLOP).

Nos primeiros anos da década de 60, a esquerda era composta por forças

heterogêneas, como: Leonel Brizola, representando um nacionalismo pequeno-

burguês; a AP, com um eclético anticapitalismo; o PSB19, com um “difuso e

moderado socialismo”; expressões populares como Miguel Arraes e Francisco

Julião, este último com as Ligas Camponesas; e, o PCB, um dos

representantes da esquerda, de filiação marxista, que no movimento operário-

sindical tinha sua maior expressão no Comando Geral dos Trabalhadores

(CGT). Além de outras organizações marxistas que pretendiam a “vanguarda

revolucionária”: o Partido Operário Revolucionário (Trotskista) – POR(T); a

POLOP, também trotskista; e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), formado

pela dissidência stalinista do PCB em 1962 (Cf. Netto, 2000).

Nesse período, os dirigentes da UNE percorriam todo o país na realização

de uma série de atividades, sobretudo no que se refere à promoção do debate

16 A AP, que contava em sua composição, com membros da JUC, pretendia transformar radicalmente a estrutura da sociedade brasileira, tornando-a socialista (Cf. Cunha, 2001). Cunha (1989) afirma que foram “os conflitos entre a resistência da maioria dos bispos ao ‘avanço’ da Ação Católica e as tentativas desta em defender-se ante as pretensões de controle daqueles levaram seus militantes a fundar, junto a socialistas não-católicos (...) a Ação Popular, livre das restrições da hierarquia eclesiástica e suas limitações ideológicas, principalmente a condenação da luta de classes e da violência revolucionária” (p. 70). 17 A JUC foi fundada em 1950, como uma associação civil vinculada à Ação Católica Brasileira (ACB). Seu intuito era disseminar a ideologia da Igreja Católica no âmbito universitário. 18 Esta organização “nasceu em 1961, agrupando elementos de várias pequenas tendências alternativas ao PCB, com influência sobretudo nos meios universitários. A POLOP contestava as idéias reformistas e pacifistas do PCB, propondo a luta armada revolucionária pelo socialismo” (Ridenti, 1993, p.26). 19 De acordo com Netto (2000), tratava-se mais de uma agremiação eleitoral do que de um partido organizado em nível nacional.

27

em favor das reformas de base. As viagens eram financiadas com verbas

concedidas pelo Ministério da Educação e por empresas públicas, bem como

por meio da doação de passagens no Correio Aéreo Nacional (da Força Aérea

Brasileira) e nas ferrovias e companhias de navegação estatais.

Ao considerar estas concessões feitas pelo governo à entidade estudantil,

Cunha (1989) ressalta que a UNE “constitui um bom exemplo dos mecanismos

que ligavam ao Estado, contraditoriamente, o movimento pelas reformas de

base” (p.57). E aponta, nesse momento em que o governo apoiava ações da

UNE – que se empenhava na luta por tais reformas –, a inclusão da reforma

agrária no Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1962/65)

“com o objetivo, além de superar certos estrangulamentos do processo de

crescimento econômico, de evitar que a massa de camponeses continuasse

sendo ‘presa fácil das pregações demagógicas’” (Idem).

Importante destacar, em 1960, o apoio intenso de grande número de

estudantes na Campanha de Defesa da Escola Pública. Dentre as diversas

ações desenvolvidas nesse sentido, vale ressaltar a participação de discentes,

mobilizados pela União Estadual de Estudantes (UEE), na Convenção

Estadual, realizada em maio de 1960, em São Paulo. Ademais, desde 1959,

uma série de matérias, enfatizando a defesa da escola pública, foram

publicadas no jornal O Metropolitano – ligado oficialmente à UME do Rio de

Janeiro. De acordo com os estudantes, a escola pública

“representa ensino livre de ideologias, sectarismos e particularismos; simboliza ensino para o progresso e para o trabalho, em suma, ensino igual para os que iguais são, conforme ditames de nossa Magna Carta (...). Escola Pública não quer dizer do Estado, mas assegurada por este, por ele fiscalizada e mantida, descentralizada da União e entregue aos estados e municípios, de acordo com sua estrutura social, geográfica e humana”20.

Foram diversas as teses apresentadas nos congressos da UNE e das

UEEs que se referiam às diretrizes e bases da educação nacional. O debate

acerca de propostas para o desenvolvimento do ensino público permaneceu

ainda após o projeto já ter sido enviado ao Senado Federal. Os estudantes 20 O Metropolitano, 12 de julho de 1959, p.1 (apud Fávero, 1994, p.26).

28

acreditavam que “a escola particular, muitas vezes boa, é a escola para quem,

podendo pagar, pode escolher o gênero da educação almejada para seus filhos

enquanto a escola pública é a que oferece igualdade de oportunidades para

todos, sem preconceitos de qualquer natureza”21. É importante destacar, ainda,

a realização constante de comícios-relâmpagos, no Rio de Janeiro, em locais

de grande concentração.

A bandeira de defesa da escola pública também foi levantada na

campanha do marechal Henrique Lott à Presidência da República, que recebeu

apoio da UNE, embora não oficialmente, em virtude de proibições estatutárias.

Vale considerar, ainda, o número relevante de estudantes que passaram a

compor o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE – discutido mais à frente –

após a participação nesta campanha.

Em meados de 1961, quando da crise de sucessão presidencial, em

decorrência da renúncia de Jânio Quadros – candidato da UDN que havia

iniciado seu mandato em 31 de janeiro de 1961 –, a UNE, articulada com o

governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, empenhou-se na defesa da

constitucionalidade, o que garantiria a posse de João Goulart, então vice-

presidente. Para tanto, a entidade estudantil transferiu sua sede para Porto

Alegre, de onde orientava a mobilização estudantil, nos diversos estados, na

luta contra o movimento golpista. Dentre os participantes desta campanha, vale

destacar o CGT, as Ligas Camponesas, além de militares nacionalistas. Tal

iniciativa não visava a demonstrar pleno apoio a João Goulart, mas sobretudo

lutar em defesa da democracia.

Importante considerar a crise econômica com a qual o novo presidente se

deparou – um período de aguçamento das contradições entre as classes

sociais, que dentre outros fatores, gerava extrema instabilidade política. De

acordo com Ianni,

“O governo deveria optar, ainda que de modo implícito, por uma das duas estratégias políticas de desenvolvimento: favorecer a expansão do capitalismo nacional ou acelerar a internacionalização, como meio de promover os investimentos indispensáveis a uma nova expansão econômica. Mas as condições políticas da época, nos termos da ‘democracia

21 O Metropolitano, 12 de junho de 1960, p.8 (apud Fávero, 1994, p.26).

29

representativa’ então em vigor, não possibilitavam uma decisão clara; nem permitiam mais uma atitude ambígua, como transpirava das atuações reais do governo” (1986, p.196).

O autor ainda destaca nesse período a acentuada radicalização dos

posicionamentos dos partidos políticos de esquerda e de direita. E observou a

perda de significado da corrente liberal em face da polarização das posições.

Um dos grandes dilemas desses anos foi o distanciamento entre os

Poderes Legislativo e Executivo. O primeiro, composto, em sua maioria, por

representantes da sociedade agrária, valorizava a economia primária

exportadora e tinha na posse da terra a base do poder político. O segundo

estava preocupado com interesses e valores da sociedade urbano-industrial e

tinha no capital industrial a fonte do poder político, ideologia latente nos

governos de Vargas e Kubitschek. Para Ianni, “tratava-se de um antagonismo

que caracterizava a essência da crise político-econômica dos anos 1961-64.

Por isso, a ‘resolução’ da crise brasileira nessa época estava diretamente

relacionada com a superação daquele antagonismo; ou melhor, exigia a

condenação da ‘democracia representativa’” (1986, p.200).

Em novembro de 1961, um grupo de estudantes, acompanhados pelo

dirigente da UNE, participaram do I Congresso Brasileiro de Lavradores e

Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, quando expuseram tese a

respeito da reforma agrária. Ademais, no decorrer de 1962, a necessidade de

um Congresso Operário-Estudantil-Camponês foi apontada na maioria das

reuniões do conselho de representantes e da diretoria da UNE.

Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

em dezembro de 1961, pelo presidente João Goulart, o presidente da UNE

declarou:

“a UNE não pode esconder a sua decepção diante do sancionamento da atual Lei de Diretrizes e Bases, ainda privatista no seu estilo e forma, e por isso lesiva aos interesses populares que só poderão ser atendidos pela Escola Pública, gratuita e democrática. (...) A UNE no entanto,

30

continuará sua luta pela democratização do ensino, pela Reforma Universitária e pela Escola Pública” (UNE, 196222).

De acordo com Cunha (1989), as reivindicações mais importantes dos

interesses privativistas foram contempladas na referida lei sob a denominação

de “liberdade do ensino”, tornando-se, inclusive, objeto de um de seus títulos.

Dentre outras determinações, o direito de participação dos estudantes na

administração das universidades e escolas isoladas também foi garantido na

Lei de Diretrizes e Bases, devendo ser regulamentado nos estatutos das

instituições de ensino, o que preocupava os estudantes, que temiam dispor de

ínfima participação.

Em março de 1962, foi realizado o II Seminário Nacional de Reforma

Universitária, em Curitiba, quando a Declaração da Bahia foi aprofundada

criticamente, tendo em vista a necessidade de suprir a lacuna deixada no que

se refere à perspectiva tática, transformando-se na Carta do Paraná. Cunha

(1989) destaca que a diversidade de tendências políticas no meio estudantil,

associada a uma abordagem fragmentada dos temas transformou o documento

num “mosaico de proposições”, por vezes antagônicas.

1.3 – A luta pela representação na base de 1/3

Após a realização do 2° Seminário Nacional de Reforma Universitária, a

entidade pôs em prática uma definição dada no encontro: a reivindicação da

participação dos estudantes de ensino superior nas instâncias administrativas

da universidade (Congregação, Conselho Universitário e Conselhos Técnicos),

com direito a voto, na base de 1/3 do total de membros.

Os estudantes afirmavam: “os Conselhos Universitários se compõem com

dois representantes (professores) por Faculdade. Queremos também que, para

cada escola, o corpo discente esteja representado, na pessoa de um

22 Resoluções do Conselho da UNE. Rio de Janeiro: Editora Universitária/ UNE, 1962, p.11 (apud Cunha, 1989, p.132).

31

estudante”23. Para tanto, a UNE deu início a uma campanha nacional, quando

percorreu o país com a UNE-Volante, cujo lema era “A UNE veio para unir”. Por

meio do CPC24 – um órgão que tratava de questões culturais no interior da

UNE, com autonomia no que se refere à administração e às finanças e

respaldado por um regimento interno próprio – a entidade estudantil visava

promover um movimento de cultura popular em nível nacional. Para tanto, a

diretoria da UNE visitou, em três meses, a maioria das capitais do país, quando

esteve presente nas instituições de ensino superior (IES) promovendo o debate

a respeito da reforma universitária e da greve de 1/3, e, ainda, fundou 12 CPCs

estaduais.

O CPC propagava suas mensagens por meio de atividades culturais, tais

como: a realização de peças de teatro (aproximadamente vinte espetáculos),

como o Auto dos 99% (percentual referente aos brasileiros excluídos do ensino

superior), Eles Não Usam Black Tie, Miséria ao Alcance de Todos e A Vez da

Recusa; a composição de músicas, seguidas da organização de shows, bem

como a gravação de dois discos (O Povo Canta e Cantigas de Eleição por

exemplo); a produção do filme Cinco vezes favela, além de um documentário;

investimento em literatura, com a edição de vinte e seis títulos na coleção

Cadernos do Povo, e outras publicações; a promoção de cursos de extensão

também ocorreu, dentre outras atividades. Deve-se destacar que o CPC

baseava-se num referencial teórico estruturado em dois principais textos: um

de Carlos Estevam, cujo título era A questão da cultura popular, onde defendia

a necessidade de “(...) distinguir a arte do povo da arte popular e, ambas, da

arte praticada pelo CPC a que ele chama de ‘arte popular revolucionária’”

(Góes, 1985, p.29); e outro de Ferreira Gullar, denominado A cultura posta em

questão.

É importante ressaltar, ainda, um trecho do Manifesto do CPC, de março

de 1962 – expresso no texto de Carlos Estevam –, onde foi explicitado o alvo

das atividades desenvolvidas pelo CPC, como segue:

23 Trecho do Manifesto da UNE aos Estudantes e ao Povo, que consta na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – n° 87 – julho/ setembro de 1962, p.203. 24 O CPC, Centro Popular de Cultura, filiou-se à UNE a partir de 1961, e foi formado, no Rio de Janeiro – com o intuito de construir e difundir arte política junto às classes populares – por um grupo de jovens intelectuais e artistas que atuaram na campanha do General Lott.

32

“Pela investigação, pela análise e o devassamento do mundo objetivo, nossa arte está em condições de transformar a consciência de nosso público e de fazer nascer no espírito do povo uma evidência radicalmente nova: a compreensão concreta do processo pelo qual a exterioridade se descoisifica, a naturalidade das coisas se dissolve e se transmuda. (...) A arte popular revolucionária aí encontra o seu eixo mestre: a transmissão do conceito de inversão da práxis, o conceito do movimento dialético segundo o qual o homem aparece como o próprio autor das condições históricas de sua existência” (apud Góes, 1985).

Após a realização do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura

Popular, em setembro de 1963, “o CPC reviu a sua diretriz política e começou

a abrir maior espaço para trabalhos mais permanentes e sistemáticos junto às

classes subordinadas, a partir da alfabetização” (Góes, 1985, p.30). O CPC,

ainda, iniciou uma tentativa de organizar-se como empresa de prestação de

serviços, no entanto, dependia do governo federal para a realização da

construção do teatro no prédio da UNE – que acabou sendo inaugurado em 30

de março de 1964 e incendiado no dia seguinte, como resultado da

movimentação do golpe de Estado – e da campanha de alfabetização.

De acordo com Poerner (2003), o grande defeito do CPC residiu na

“contradição entre o cunho empresarial que pretendia assumir e o total

despreparo, em termos empresariais, nos seus quadros” (p.158). Ademais, o

investimento da maior parte dos recursos financeiros no filme Cinco vezes

favela se pôs como outro fator negativo, e que pode ser associado, ainda, ao

empenho em criar a Universidade de Cultura Popular, antes mesmo de o CPC

estar consolidado.

Não tendo sua reivindicação atendida, no que se refere à participação de

1/3 nos órgãos universitários, a UNE decidiu greve geral nacional, que

paralisou a maioria das IES existentes no país naquele período, cerca de 23

federais, 14 particulares e três estaduais (Cf. Idem, p.156). Nesse período,

dentre as diversas manifestações públicas ocorridas concomitantemente à

greve, como assembléias e seminários locais sobre a Reforma Universitária,

destacou-se a ocupação do Ministério da Educação pelos estudantes do Rio de

Janeiro, que foram retirados do local sob pressão da Polícia do Exército.

33

A participação reivindicada pelos estudantes seria um meio de introduzir

mudanças na orientação dada às instituições de ensino superior no país. De

acordo com o Manifesto da UNE aos Estudantes e ao Povo, esta mudança:

“Além de estabelecer, em bases efetivas, um verdadeiro diálogo criador, despertando a massa estudantil de sua situação de passividade e destronando os professores de suas torres de marfim, da confortável infalibilidade do magister dixit, determinaria a nossa interferência, como parcela significativa do povo, na política de destinação dos recursos propiciados pelo Estado ao ensino superior. E todos bem sabem que não estamos de acordo com a absurda e criminosa aplicação de verbas, com prioridades às obras santuárias, características das nossas grandes universidades. Para nós, que nos rebelamos, o fim primordial da Universidade é o povo, analfabeto, carente miserável em sua maioria, na realidade brasileira”25.

Durante o XXV Congresso Nacional dos Estudantes, em julho de 1962,

em Petrópolis, foi eleito, para a sucessão da direção da UNE, Vinicius

Caldeiras Brant, estudante pertencente ao Movimento Revolucionário

Tiradentes26 (MRT), que consolidou a hegemonia da AP no ME. Deve-se

ressaltar nesse Congresso, a ação de militantes do Movimento Anticomunista

(MAC) e oficiais do Exército, que feriram dois estudantes.

Nesse encontro, após mais de um mês de greve, as lideranças decidiram

o prosseguimento do movimento grevista, que foi suspenso somente em

meados de agosto27, quando já estava esvaziado. É importante considerar aí a

tentativa do presidente João Goulart, preocupado em garantir a participação

25 Idem nota 21. 26 O MRT foi fundado por Francisco Julião, por volta de 1962. O movimento inspirava-se na Revolução Cubana e intencionava iniciar uma guerrilha rural, no entanto, seu projeto não foi efetivado em virtude da repressão policial no decorrer do governo de João Goulart. 27 É importante observar que a greve não pode ser considerada como um movimento totalmente fracassado por não ter alcançado suas metas iniciais. Certamente, por meio deste movimento, promoveu-se ampla divulgação da luta travada pelo estudantado empenhado na atuação política, o que possibilitou um maior conhecimento das questões políticas que transpassavam a universidade brasileira naquele período, por parte dos estudantes. Ademais, outro fator positivo residia no apoio da opinião pública, que ao ter acesso às discussões levantadas pelo CPC passavam a compreender as motivações do movimento estudantil. De acordo com Poerner, os organizadores da greve falharam “quando mistificaram com os liderados a iminência do triunfo grevista ou quando manifestaram exagerada confiança na atuação isolada do movimento estudantil” (2003, p.157).

34

dos estudantes na mobilização pelo retorno ao sistema presidencialista – tendo

em vista a atuação estudantil na Campanha da Legalidade – de atender à

reivindicação do ME. Para tanto, o Ministro da Educação, Roberto Lyra,

solicitou auxílio do Conselho Federal de Educação (CFE). No entanto,

discordando do atendimento à reivindicação estudantil, o CFE aprovou o

parecer n° 155/62, de Abgar Renault que defendeu uma representação

estudantil plural, mas nunca homogênea, tendo em vista a necessidade de ser

formada segundo os estatutos de cada instituição de ensino. Abgar Renault

afirmou que

“a representação dos estudantes deve (...) ser vária. Mas, acima de tudo, tem que ser uma representação altamente qualificada. (...) cujos componentes sejam selecionados por suas qualidades morais e intelectuais, pela dedicação ao dever e por um procedimento condigno, que em conjunto comprovem merecimento e assiduidade. Além disso, a representação deverá ser eficaz”28.

O parecer ainda destacava a impossibilidade do direito a voto para a

representação estudantil em todos os assuntos, indicando que “(...) a

inexperiência dos jovens e o seu desconhecimento, muito naturais, de

assuntos, quer didáticos, quer administrativos, desaconselham a sua

intervenção”29.

Em inícios de 1963, no Plebiscito Nacional, que decidiria a permanência

ou não do sistema parlamentarista no Brasil – que havia sido instaurado em

setembro de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto

desse ano –, os estudantes se mobilizaram na defesa do retorno ao regime

presidencialista. Como resultado30 do Plebiscito, Jango retomou os plenos

poderes presidenciais. Importante considerar que durante seu governo houve

um agravamento dos problemas políticos e econômicos, o que intensificou os

28 Fonte: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – n° 87 – julho/ setembro de 1962, p.207. 29 Idem. 30 Em 06 de janeiro de 1963, “(...) 11.531.030 eleitores, de um eleitorado de 18 milhões, votaram no plebiscito. O resultado determinou a volta ao presidencialismo por 9.457.448 votos contra 2.073.582” (Fonte: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/6Na_presidencia_republica/Parlamentarismo_sim_ou_nao.asp).

35

debates acerca das limitações e possibilidades inerentes ao modelo de

desenvolvimento adotado nos anos anteriores. Diante disso, tornava-se

necessária uma alternativa política para que o país pudesse se inserir numa

nova fase de crescimento econômico (Cf. Ianni, 1986).

No que se refere ao movimento estudantil, a UNE deu apoio ao

Congresso Continental de Solidariedade a Cuba – que seria realizado no Rio

de Janeiro de 26 a 30 de março, mas que havia sido proibido por Carlos

Lacerda, governador do Estado da Guanabara – tendo sido condenada pela

UME. Com o intuito de garantir a realização do encontro, a UNE ofereceu sua

sede, que foi cercada por fuzileiros navais com o auxílio da Polícia Militar.

Diante disso, o Conselho de Representantes da UME divulgou nota, onde

afirmou:

“A tônica deste Congresso é o sectarismo ideológico, que aguçaria a radicalização entre os diversos grupos ideológicos estudantis, comprometendo mais ainda a unidade no movimento universitário brasileiro. É a cisão, quando o momento é de união na luta pelas reformas e pela democracia, que não tolera nem arbitrariedades nem irresponsabilidades31”.

1.4 – Radicalização do Movimento Estudantil

A UNE retomou o fôlego somente em 1963, quando foi realizado, em Belo

Horizonte, o 3º Seminário Nacional da Reforma Universitária, que manteve as

orientações básicas apresentadas na Carta do Paraná. Nesse período pós-

greve, duas foram as orientações apresentadas no ME: a defesa de uma

revisão do ME, focando nas lutas específicas do estudantado – que seria a

reforma universitária –, e a defesa do engajamento do ME em lutas mais

amplas, compreendendo que a reforma universitária seria conseqüência e não

31 apud Cunha (1989, p.58).

36

ponto de partida. Cunha (1989) conclui que “embora essas orientações fossem

por vezes articuladas nos documentos estudantis, elas representavam uma

dispersão de forças que acabou por enfraquecer a luta pela reforma

universitária” (p.247).

Em julho de 1963, no 26º Congresso, outro estudante vinculado à AP foi

eleito para a direção da UNE, José Serra, que concluiria essa fase de

predomínio do seu partido. A partir desse Congresso destacou-se o

engajamento dos estudantes em movimentos populares como: a campanha

nacional de alfabetização de adultos, campanhas sanitárias visando à

erradicação de doenças do campo – promovidas pelo Departamento Nacional

de Endemias Rurais do Ministério da Saúde –, trabalho em sindicatos rurais,

centros populares de cultura, dentre outras atividades, que possibilitavam uma

maior aproximação entre os estudantes e a população rural, principalmente nos

Estados do Rio de Janeiro e de Pernambuco, com a contribuição do

governador Miguel Arraes. Deve-se ressaltar, ainda, a participação dos

estudantes nas Ligas Camponesas32, juntamente com lavradores e

trabalhadores intelectuais. O grupo atuava principalmente na região Nordeste,

e, baseado em ideais de liberdade, buscava motivar os camponeses na luta

pela concretização da reforma agrária.

Após a realização do Seminário, os estudantes direcionaram suas ações

para o Legislativo ao encaminharem projetos de emenda à Constituição e à Lei

de Diretrizes e Bases (LDB), elaborados em articulação aos projetos de

reforma universitária. A esse respeito a UNE afirmou que:

“Parece evidente que, de certa forma, não seria possível um projeto de Reforma Universitária, no sentido em que não é a

32 Este movimento social era liderado por Francisco Julião, que tinha como principal palavra de ordem “reforma agrária na lei ou na marra”. O líder iniciou sua relação com o movimento agrário a partir da criação, em 1955, da Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPP). As Ligas Camponesas eram associações de trabalhadores rurais, formadas, a princípio, em Pernambuco, e, depois, em outras regiões do país. Em defesa da reforma agrária, essas organizações se mobilizaram por meio de ações judiciais, passeatas, marchas, encontros e congressos. Mantiveram atuação de 1955 até o golpe militar de 1964, quando Julião foi preso e depois exilado. No fim deste período, as Ligas Camponesas já se encontravam em refluxo como organização. Segundo Ridenti (2003), isto teria ocorrido em função das atitudes vanguardistas tomadas por seus dirigentes.

37

forma jurídica mas o próprio conteúdo da Universidade que importa transformar. Mas, por outro lado, as medidas concretas de reforma e democratização do ensino superior esbarram constantemente em obstáculos, tais como a cátedra vitalícia, os exames vestibulares, a estrutura de decisão dos problemas universitários, e tantos outros, característicos de uma legislação anacrônica. A Luta, essencialmente, é pela democratização da Universidade, o que de imediato significa a democratização do acesso ao ensino superior e a democratização interna da Universidade Brasileira; mas é indispensável remover os obstáculos mencionados, como condição de novos progressos da Reforma da Universidade”33.

Nesse período, aprofundava-se a crise da política nacional, somando-se a

isso a perda de credibilidade que o desenvolvimentismo vinha sofrendo, o que

configurava um cenário de instabilidade política. Concomitantemente a este

processo, era possível constatar a emergência do movimento camponês e a

rearticulação do movimento operário. Diante da situação político-econômica

João Goulart formulou e buscou executar uma política econômica planificada.

Para tanto, o presidente deveria executar o Plano Trienal entre 1963 e 1965.

De acordo com Ianni, “pela primeira vez formulava-se, no âmbito do próprio

poder público, um diagnóstico amplo, detalhado e integrado das condições e

fatores responsáveis pelos desequilíbrios, estrangulamentos e perspectivas da

economia do País” (1986, p.209). No entanto, o autor afirma que um plano

desse viés “não podia fundamentar a política econômica de um governo

apoiado na ‘democracia representativa’, com forte influência do populismo

nacionalista e de esquerda” (Idem, p.218).

Vale considerar que havia um clima favorável à implementação desse

plano, tendo em vista a Carta de Punta Del Este, de meados de 1961, que

tratava das preocupações políticas dos países norte-americanos e latino-

americanos em face da revolução socialista em Cuba. Ganhava visibilidade por

meio, por exemplo, da Conferência (e da Carta) de Punta Del Este e da criação

da Aliança para o Progresso, a crise da liderança dos Estados Unidos na

América Latina em decorrência da situação cubana. Nesta conjuntura, o

33 Luta Atual pela Reforma Universitária. Rio de Janeiro, UNE, 1963. In: Cadernos de Coordenação Universitária – n° 4, p.26-27.

38

governo dos Estados Unidos concordava em contribuir para a elaboração de

planos e programas de desenvolvimento econômico na América Latina.

Entretanto, João Goulart, ao longo de 1963, não conseguiu manter as

medidas preconizadas no Plano Trienal, como o investimento numa “política

monetária, cambial e salarial de cunho antiinflacionário” (Idem, 1986, p.213),

ação estruturada por meio de negociações com representantes do governo

norte-americano e do Fundo Monetário Internacional (FMI). E no intuito de

garantir sua base política, investiu nas campanhas pelas reformas de base, que

não se limitavam à questão agrária, bancária, fiscal e administrativa, mas

também contemplavam outros problemas como o ensino universitário e o

capital estrangeiro, por exemplo; e conferiu atenção à política externa

independente.

A UNE, em face dessa agitação política, pronunciou-se na defesa da

ampliação das liberdades democráticas, da autodeterminação dos povos, dos

interesses nacionais e de uma política externa que não gerasse a dependência

do país. Segundo Poerner (2003), a intensa luta gerava divisões no ME, pois

“ao mesmo tempo que se lançava a palavra de ordem ‘Legalidade com Jango’,

um setor universitário se integrava na tendência pró-resistência armada de

Leonel Brizola” (p.157).

Na organização do comício de 13 de março de 1964, duas semanas antes

do golpe, na Central do Brasil, estavam a UNE, a UME, a UBES (União

Brasileira dos Estudantes Secundários), a AMES (Associação Metropolitana

dos Estudantes Secundários), diversos diretórios acadêmicos, além de grupos

e lideranças de esquerda. Neste evento, manifestou-se aberta e

ostensivamente a separação entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.

Brizola e João Goulart ameaçaram a direita com seus discursos. O objetivo era

promover o avanço da luta pelas reformas de base e para tanto apelava-se à

soberania popular. Brizola defendeu a reforma da Constituição e cogitou o

fechamento do Congresso, caso fosse necessário. Jango, por outro lado, evitou

ameaças e apresentou dois projetos:

“(...) o decreto de encampação das refinarias34 particulares e o decreto da SUPRA35, que declarava sujeitas a desapropriação

34 Gorender (1987) fazia referência às refinarias de petróleo.

39

as propriedades rurais superiores a quinhentos hectares, marginais de vias federais numa faixa de dez quilômetros, e superiores a trinta hectares, marginais de açudes e obras de irrigação financiadas pelo Governo” (Gorender, 1987, p.61).

Gorender (1987) afirma ter sido o empenho pelas reformas de base o que

possibilitou uma mobilização e aglutinação de amplo conjunto de forças sociais,

esboçando então, entre 1963 e 1964, uma situação pré-revolucionária no país.

E ainda ressalta que a indicação da luta pelas reformas de estrutura era um

dos elementos acertados na Declaração Política de Março de 1958, elaborada

no interior do PCB.

A partir desse momento, o próprio presidente, segundo Ianni (1986),

passou a contribuir para a instituição de um “estado de ilegalidade”. À medida

que buscava fortalecer-se, João Goulart ultrapassava os limites

convencionados na Constituição de 1946, marginalizava os partidos políticos e

opunha-se ao Congresso Nacional.

Na semana que antecedeu o golpe, as Forças Armadas tiveram suas

estruturas de disciplina e hierarquia abaladas pela revolta. Fuzileiros e

marinheiros se declararam em assembléia permanente, no Rio, na sede do

Sindicato dos Metalúrgicos. No intuito de demonstrar apoio ao movimento, os

estudantes, representados pela AMES, pelos Diretórios Acadêmicos das

Faculdades de Direito e de Filosofia, da UFRJ, e de Sociologia, da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), divulgaram manifestos no

dia 28 de março. Um dos manifestos afirmava:

“na luta que travam pela obtenção dos direitos comuns que lhes são vedados pelo estatuto arcaico da Marinha e por artigos ultrapassados da Constituição de 1946, assim como pela efetivação das transformações estruturais que se tornam necessárias à sociedade brasileira e pela afirmação da mensagem presidencial”36.

35 SUPRA – Superintendência para a Reforma Agrária. 36 apud Poerner (2003, p.161).

40

A UNE divulgou um panfleto37 direcionado ao povo brasileiro, em março

de 1964, denunciando o golpe reacionário e conclamando a população a

organizar um contra-golpe. Afirmavam que “o golpe é a senha do levante

popular pelas reformas”. Por meio desta atitude, num momento de total

instabilidade política, a liderança da entidade estudantil afrontou diretamente os

setores contrários à permanência de João Goulart na Presidência da

República, e que deram o golpe de Estado.

Dentre os principais interessados na realização do golpe, os estudantes

apontavam “os grupos estrangeiros ligados ao petróleo, às empresas de

publicidade, à indústria farmacêutica”, e os “gorilas militares e civis”. De acordo

com o manifesto, o movimento golpista estaria sendo articulado:

“1) pela exploração dos sentimentos religiosos para fins políticos. 2) pela exploração de setores militares menos esclarecidos, principalmente em virtude da recente crise da Marinha. 3) pela articulação de governadores (Lacerda38, Ademar39, Meneghetti40, Nei Braga41 e José Magalhães Pinto42) da maioria do Congresso (UDN, PSD43), para o ‘impeachment’ do Presidente da República”.

37 Fonte: CPDOC/FGV/arquivo João Goulart/JG pr 1964.02.19 (www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/). 38 Carlos Lacerda foi o primeiro governador do Estado da Guanabara, empossado em 5 de dezembro de 1960. Liderou a ala radical da UDN (União Democrática Nacional) carioca e assinou, juntamente com outros governadores o Manifesto dos Governadores Democratas, estabelecendo um acordo entre governadores sem aliança com João Goulart, que segundo Lacerda teria relação com comunistas e estaria planejando um golpe. 39 Ademar de Barros, do Partido Social Progressista (PSP), governou o Estado de São Paulo a partir de 1966. Em suas declarações, defendia veementemente valores tradicionais, por vezes de cunho religioso, que estariam sendo ameaçados pelo comunismo, difundido na sociedade brasileira por intermédio do governo federal. 40 Ildo Meneghetti governou o Estado do Rio Grande do Sul de 1955 até 1959, e novamente entre 1963 e 1966, quando esteve articulado aos governadores contrários ao governo de João Goulart. 41 Eleito governador do Paraná em 1961, pelo Partido Democrata Cristão (PDC), permaneceu na condução do estado até 1965. Militar desde 1935, Nei Braga tornou-se General do Exército em 1963. 42 O Estado de Minas Gerais foi governado pelo banqueiro José Magalhães Pinto entre 1961 e 1966, período em que participou do financiamento do IPES, bem como da articulação do golpe militar de 1964. 43 O Partido Social Democrático (PSD) foi fundado em 17 de julho de 1945 pelos interventores nomeados por Vargas, que havia indicado a necessidade de aglutinar forças de apoio ao

41

Diante desse clima de efervescência, com a possibilidade de uma grande

movimentação popular, o movimento golpista foi intensificado, com o apoio do

governo norte-americano. Ademais, a expansão do capital estrangeiro no Brasil

passou a ser ameaçada pelo “pacto populista” entre Jango e as classes

populares.

Entidades como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática44 (IBAD) –

criado em 1959, a fim de combater o comunismo e estabelecer influência na

vida econômica, política e social do país – e o Instituto de Pesquisa e Estudos

Sociais45 (IPES) – fundado em 1962 mantendo articulação com o IBAD –

associadas aos governadores do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas

Gerais, difundiam abrangente propaganda antigovernamental, “anticomunista”

e golpista. Quanto aos militares, a ordem era buscar aprofundar o isolamento

do Presidente Goulart no Congresso Nacional, solidificando o movimento de

resistência contra o governo legal no Brasil.

governo. Em 1965 o PSD foi extinto, junto com os demais partidos políticos do país, por meio do Ato Institucional n° 2. O movimento pela posse de João Goulart contou com o apoio do PSD, que em 1963 já se encontrava em processo de afastamento do presidente. Nesse momento, a aliança com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – liderado por Leonel Brizola – vinha se desgastando, e, concomitantemente, firmava-se uma maior aproximação entre PSD e UDN, que se opunha ao governo federal. 44 Dentre outras organizações com as quais o IBAD estabeleceu vínculo ao compartilhar pessoal, técnicas e recursos, vale destacar a relação com o MAC, o Movimento Democrático Brasileiro – que não deve ser confundido com o partido político criado em 1966 –, a OPAC (Organização Paranaense Anticomunista) e a CLMD (Cruzada Libertadora Militar Democrática) (Cf. Dreifuss, 1986). 45 O IPES foi uma espécie de Escola Superior de Guerra na forma civil em contraposição ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão do Ministério da Educação com a função de elaborar e difundir os ideais nacionalistas e desenvolvimentistas, criado em 1955. O IPES era financiado por “pessoas físicas e jurídicas, voltadas para a defesa da ordem capitalista e da ‘democracia’, combatendo a luta de classes e a atitude xenófoba diante do capital estrangeiro” (Cunha, 1989, p.53). Os objetivos declarados da instituição eram simplesmente educacionais e cívicos. Ademais, afirmava-se a preocupação em contribuir para a resolução dos problemas sociais do cotidiano do país. No que se refere ao ISEB, vale considerar, como destaca Cunha (1989), que, concomitantemente ao período de sua criação, o Estado investia na aliança entre o capital “nacional” e o “estrangeiro”, patrocinando a internacionalização integral de alguns setores da economia, bem como a criação de novos setores. A criação do ISEB se deu no intuito de torná-lo “um ‘centro permanente de altos estudos políticos e sociais de nível pós-universitário’, onde se aplicariam as categorias e os dados das ciências sociais ‘à compreensão crítica da realidade brasileira’, visando a elaboração de instrumentos teóricos que permitissem ‘o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional’” (Idem).

42

De acordo com Dreifuss, “no curso de sua oposição às estruturas

populistas, ao Executivo nacional-reformista e às forças sociais populares, o

complexo IPES/IBAD se tornava o verdadeiro partido da burguesia e seu

estado-maior para a ação ideológica, política e militar” (1986, p.164). Entre

1962 e 1964, com o auxílio de oficiais militares, o IPES estabeleceu um

sistema de informações que controlava e distribuía, regularmente, informações

acerca da influência “comunista” no governo.

De acordo com Gorender,

“a concepção direitista pré-64 partiu de diversos núcleos e nunca chegou a ter comando plenamente unificado. Se, no primeiro momento, houve acordo geral das frações da classe dominante na entrega do poder às Forças Armadas, a idéia de um regime militar duradouro não estava nos planos de importantes conspiradores, em particular os candidatos à Presidência da República” (1987, p.71).

No dia 31 de março, permanecia, segundo Gorender (1987), uma inação

generalizada por parte da esquerda, não havendo qualquer iniciativa de luta

por parte das lideranças operárias e nacionalistas. O autor afirma, ainda, o

receio de Jango sobre a possibilidade de ter a direção política transferida para

as correntes de esquerda, caso se empenhasse na luta.

Este cenário de efervescência política, que antecedeu o golpe militar de

abril de 1964, e esta série de ações, por parte do ME, contribuíram para que o

governo que tomou o poder após o dia 1° de abril considerasse os estudantes

como uma espécie de ameaça à ordem social. A inserção dos estudantes na

luta pelas reformas de base, em movimentos populares, bem como no

lançamento de campanhas de combate à influência norte-americana na

economia do país, dentre outras iniciativas, transformaram-nos num obstáculo

para o aprofundamento dos objetivos do movimento golpista.

A ditadura militar passaria a investir violentamente na contenção dessas

mobilizações, não só no que se refere ao ME, mas sobre os diversos

segmentos da sociedade brasileira. A partir do golpe de Estado, as

movimentações políticas contrárias ao que era apregoado e instituído pelos

43

governantes encontrariam uma gama de barreiras, criadas e elaboradas nesse

intuito.

No que concerne à repressão ao ME, a discussão do capítulo a seguir traz

uma série de elementos que possibilitam uma análise, por intermédio dos

instrumentos legais utilizados pelo governo ditatorial, da movimentação que se

deu nos campos político e educacional, tendo como protagonistas,

principalmente, os estudantes do ensino superior.

44

CAPÍTULO 2

INSTRUMENTOS LEGAIS DE REPRESSÃO AO MOVIMENTO ESTUDANTIL E RESISTÊNCIA DISCENTE

Neste capítulo são identificados e analisados os instrumentos legais

criados pelo governo ditatorial – de 1964 até fins da década de 70 – no intuito

de conter a participação política dos estudantes de ensino superior no país,

bem como as formas de resistência adotadas pelo ME na luta contra as

arbitrariedades do governo. Para tanto, buscar-se-á discorrer acerca da Lei n°

4.464/64, a Lei Suplicy, que definia uma estrutura para os órgãos de

representação estudantil, bem como sua forma de funcionamento; do Decreto-

lei nº 228/67, que reforçou os mecanismos de controle da lei anterior; e do

Decreto-lei nº 477/69, cuja finalidade foi definir infrações disciplinares e

determinar as penalidades a serem aplicadas aos docentes, discentes e

funcionários que as cometessem. Todo este aparato normativo, que era parte

dos aparelhos coercitivos do Estado, segundo o pensamento gramsciano,

contribuiu para moldar o tratamento direcionado aos discentes neste período e

instituir um maior controle sobre suas atividades. Ademais, deve-se ressaltar a

criação das Assessorias de Segurança e Informações (ASIs) no interior das

universidades federais – um tentáculo do Serviço Nacional de Informações

(SNI) – cuja ação consistia em investigar movimentações que denotassem

oposição ao regime.

Os primeiros movimentos das tropas golpistas, que ocorreram

concomitantemente à repressão de atividades e possíveis subversivos,

estariam indicando os estudantes como um dos principais alvos de repressão

por parte do regime militar. Em Recife, uma passeata que se direcionava ao

Palácio das Princesas foi cercada por tropas militares, tendo como resultado do

encontro, a morte de dois estudantes. Em Minas Gerais, dirigentes sindicais e

45

estudantes foram presos. No Rio de Janeiro, em 1º de abril, a sede da UNE foi

incendiada e manifestantes reunidos na Cinelândia, em frente ao Clube Militar,

foram alvos de tiros disparados por militares. Centenas de sindicatos sofreram

intervenção. A prisão e a tortura, como formas de coerção sobre dirigentes das

Ligas Camponesas e dos sindicatos de trabalhadores rurais, começavam a ser

disseminadas.

Diante desse clima, setores da esquerda puseram-se em fuga, correndo

aos abrigos improvisados e quando não a caminho do exílio. Neste momento, a

atuação política de parte dos militantes cessou. De acordo com Netto,

“nenhuma força política, de esquerda ou não, opôs resistência ao golpe, e a

repressão que logo seguiu ao 1º de abril, incidindo prioritariamente sobre as

lideranças democráticas e de esquerda, decapitou o movimento popular” (2000,

p.224). No entanto, em maior número estavam os que passariam a buscar uma

rearticulação ainda que na clandestinidade. Para Gorender, o fracasso da

esquerda pode ser explicado por um conjunto de elementos:

“a hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de unidade entre as várias correntes, a competição entre chefias personalistas, as insuficiências organizativas, os erros desastrosos acumulados, as ilusões reboquistas e as incontinências retóricas (...)” (1987: 67).

A partir do golpe, comissões de investigação percorriam repartições

públicas, universidades e empresas estatais, com o intuito de descobrir

opositores associados à política janguista. O denominado Supremo Comando

Revolucionário, composto por três ministros militares, general Arthur da Costa

e Silva, brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e vice-almirante

Augusto Hamann Rademaker Grünewald, elaborou o Ato Institucional nº 1 (AI-

1), que lhes outorgava o poder constituinte. De acordo com este ato, a

Constituição de 1946 e as constituições estaduais, com suas emendas, foram

preservadas. Autorizou-se a cassação de direitos políticos, de qualquer

pessoa, por dez anos. Ademais, a Presidência da República assumiu, de forma

direta, os meios de comando da economia, das finanças e o combate ao

“comunismo”. Para tanto, contava, ainda, com o apoio da alta hierarquia da

Igreja Católica, pelo menos até 1969 – embora tenha sido considerável a

46

resistência e a vinculação à esquerda por parte de segmentos do laicato, que

receberam destaque a partir das chamadas Comunidades Eclesiais de Base

(CEBs), e do baixo clero desde 1964.

O funcionamento do Congresso, neste período, esteve sob controle dos

representantes responsáveis pelo golpe de Estado, apoiados por organizações

civis e comprometidos com os interesses nacionais e internacionais do

capitalismo. Deve-se destacar, ainda, a criação do Grupo Permanente de

Mobilização Industrial (GPMI), com o objetivo de adaptar os recursos bélicos

das Forças Armadas à nova doutrina de segurança.

“Segundo Golbery, a Doutrina de Segurança Nacional fazia uma comparação entre segurança e bem-estar social. Ou seja, se a segurança nacional está ameaçada, justifica-se o sacrifício do bem-estar social, que seria a limitação da liberdade, das garantias constitucionais, dos direitos da pessoa humana. Foram esses princípios de segurança nacional que nortearam a subjetividade dominante à época: a caça ao inimigo interno” (Coimbra, 2002:32).

Ademais, o Decreto-Lei de junho de 1964 regulamentou o SNI, um centro de

processamento de informes políticos, permanentemente mantido em

articulação com o Poder Executivo e com o Conselho de Segurança Nacional46.

Nesse mesmo mês, uma das possibilidades de resistência dos

trabalhadores foi eliminada por meio da instituição da Lei de Greve (Lei n°

4.330/64), que proibiu greves de funcionários públicos e delegou ao governo

autoridade para definir greve política, o que ocasionou a decretação da

ilegalidade de grande parte delas. O artigo 723 da Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT) determinava a impossibilidade da desobediência às decisões

trabalhistas por parte dos empregados, sem a liberação prévia do Tribunal.

Logo após, o Governo de Castello Branco47 impôs medidas de

estabilização financeira, segundo o receituário do FMI. Instituiu o arrocho

46 Nas Forças Armadas, foram montados centros de análise de informes para cada um dos setores: Ciex, no Exército; Cenimar, na Marinha; e, Cisa, na Aeronáutica. Havia, ainda, serviços secretos que espionavam membros das Forças Armadas: E-2, no Exército; M-2, na Marinha; e, A-2, na Aeronáutica.

47

salarial que atingiu tanto operários, que sofreram desemprego e perda do

poder aquisitivo, como a classe média, que demonstrou descontentamento

devido à necessidade de declarar falência de muitos proprietários de

microempresas.

Para uma melhor compreensão desse momento histórico e,

principalmente, da caracterização do Estado que começa a ser implantado,

importante demarcar a necessária utilização do pensamento de Gramsci no

que se refere à sua teoria marxista ampliada48 do Estado. Ao examinar a

superestrutura, ele diferencia duas esferas denominadas sociedade política e

sociedade civil. A primeira faz referência ao “conjunto de aparelhos através dos

quais a classe dominante detém e exerce o monopólio legal ou de fato da

violência; trata-se, portanto, dos aparelhos coercitivos do Estado, encarnados

nos grupos burocrático-executivos ligados às forças armadas e policiais e à

imposição das leis” (Coutinho, 1996, p.53). E a segunda diz respeito ao

“conjunto das instituições responsáveis pela representação dos interesses de

diferentes grupos sociais, bem como pela elaboração e/ou difusão de valores

simbólicos e de ideologias” (Idem, p. 54), que Gramsci nomeia como

“aparelhos ‘privados’49 de hegemonia”: escolas, Igrejas, partidos políticos,

organizações profissionais, meios de comunicação etc.

Essas duas esferas se distinguem no que diz respeito à função que

desempenham na vida social, sobretudo “na articulação e reprodução das

relações de poder” (Idem) – por isso são tratadas por Gramsci de forma

47 Apesar da previsão do término do período ditatorial de Castelo Branco para 31 de janeiro de 1966, a transmissão do cargo para o General Costa e Silva ocorreu somente mais de um ano depois. “Castelo Branco dizia acatar a Constituição de 1946, resguardar a democracia, pôr em prática o bem-estar social, promover reformas, acreditar na autodeterminação dos povos e confiar no desenvolvimento” (Vieira, 2000:193). No entanto, tais preceitos, sobretudo no que concerne à democracia, se mantiveram apenas no discurso. 48 Trata-se de uma teoria ampliada do Estado que parte da noção “restrita” apresentada por Marx, segundo a qual o Estado seria “um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrick., 1998, p.13). Nesta concepção, a materialidade institucional do Estado restringe-se aos aparelhos repressivos e burocrático-executivos. Enfim, o Estado restrito seria uma expressão direta e imediata do domínio de classe, que despolitiza a sociedade e se utiliza da coerção para cumprir seu papel. 49 O adjetivo privado foi posto entre aspas por Gramsci no intuito de “(...) significar que – apesar desse seu caráter voluntário ou ‘contratual’ – eles têm uma indiscutível dimensão pública, na medida em que são parte integrante das relações de poder em dada sociedade” (Coutinho, 1996, p.55).

48

relativamente autônoma – e juntas constituem o Estado em sentido amplo, que

Gramsci define como “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia

escudada pela coerção”50.

O encaminhamento do processo de conservação ou transformação de

determinada formação econômico-social se dá de maneira diferenciada nas

duas esferas. Na sociedade civil as classes tentam exercer sua hegemonia

através da direção e do consenso. No âmbito da sociedade política, chamada

por Gramsci de “Estado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”, “exerce-se

sempre uma ‘ditadura’, ou, mais precisamente, uma dominação fundada na

coerção” (Idem).

As duas esferas se distinguem, ainda, em relação à materialidade (social)

própria, que são seus portadores materiais, os “aparelhos coercitivos de

Estado” e os “aparelhos ‘privados’ de hegemonia”. Enquanto na sociedade

política prevalece o constrangimento sobre o governado (em caso de não

cumprimento das ordens aplica-se uma sanção coercitiva), na sociedade civil,

por se tratar de organismos sociais “privados”, a adesão é voluntária, o que

lhes confere uma relativa autonomia em relação ao Estado estrito. Tal

independência material “funda ontologicamente a ‘sociedade civil’ como uma

esfera específica, dotada de legalidade própria, funcionando como mediação

necessária entre a base econômica e o Estado em sentido estrito” (Idem, p.55).

Para além das divergências apontadas entre as duas esferas, Gramsci

ressalta a unidade existente nessa relação, por exemplo, ao caracterizar a

sociedade política como “o aparelho de coerção estatal que assegura

‘legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem

passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos

momentos de crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso

espontâneo”51. Tal definição contribui para a análise das ações do governo

ditatorial no Brasil no período estudado no que se refere aos diferentes setores

da sociedade, como intelectuais, operários, artistas, estudantes etc. A partir daí

é possível compreender a estrutura na qual se baseavam os agentes do

50 Gramsci, apud Coutinho, 1996, p. 54. 51 Gramsci, apud Coutinho, 1996, p.56-7.

49

Estado, que para além de toda repressão física, por meio da violência, das

prisões, das torturas ou mesmo das mortes e desaparecimentos direcionados

aos que não consentiam, investiram também na elaboração de um conjunto de

leis e decretos que respaldavam a coerção aos indisciplinados, que no caso

seriam os universitários da UFRJ.

Importante considerar, ainda, a unidade, apontada por Gramsci, entre as

duas esferas, quando da manifestação da supremacia de um grupo social.

Nesse momento, as duas funções estatais de hegemonia, por meio da direção

e do consenso (“sociedade civil”), e de dominação, pelo uso da força armada

(“sociedade política”) se unificam, mas sem se homogeneizar. Diante disso, a

caracterização de um Estado como menos coercitivo ou mais consensual

dependerá

“sobretudo do grau de autonomia relativa das esferas, bem como da predominância no Estado em questão dos aparelhos pertencentes a uma ou a outra. E essa predominância, por sua vez, depende não apenas do grau de socialização da política alcançado pela sociedade em tela, mas também da correlação de forças entre as classes que disputam a ‘supremacia’” (Coutinho, 1996, p.57).

A partir do pensamento gramsciano é possível encontrar fundamento para

a compreensão do governo ditatorial pós-1964 que gradativamente foi

ampliando seu grau de controle sobre os diversos espaços da sociedade

brasileira onde se configuravam indícios de possibilidades de ação e de

organização política de opositores, sobretudo no que concerne aos aparelhos

privados de hegemonia. Neste período, paulatinamente, passavam a

predominar os aparelhos de coerção, o que dava contornos de um Estado cada

vez mais coercitivo e menos consensual; prevalecia o Estado-coerção. O grau

de autonomia relativa da sociedade civil foi se tornando ínfimo no processo de

fechamento da ditadura e compelia partidos e lideranças políticas à

clandestinidade.

Por outro lado, como aponta Coutinho, o desenvolvimento do sistema de

produção capitalista no país, que foi consolidado em determinado momento

valendo-se da ditadura militar, promoveu, “objetivamente, uma complexificação

da estrutura social, com a conseqüente diversificação de interesses; estão aqui

50

os pressupostos para uma ampliação do volume de organizações sociais e, em

conseqüência, para a criação de uma sociedade civil não mais ‘primitiva e

gelatinosa’” (Idem, 2000, p.89).

Ademais, este governo não teve a capacidade de subordinar, de forma

totalitária, essa sociedade civil em crescimento, pois não dispunha de bases de

massa organizadas. Por meio do terrorismo de Estado, procurou reprimir, ou

pelo estabelecimento de uma “fachada legal” (o bipartidarismo), domesticar, o

que o levou, a conviver, mesmo que obrigatoriamente e de maneira conflituosa,

com essa sociedade civil (Cf. Idem, p.80-90).

De acordo com Netto (2000), a ditadura não conquistou nenhuma

legitimação considerável pela via política – o que traduzido na concepção de

Gramsci se daria no âmbito da sociedade civil, por meio do consenso e da

direção –; pelo contrário, a partir de 1965, quando das eleições estaduais, já

era possível identificar alguns oposicionistas. Verificou-se o deslocamento de

setores políticos que em princípio apoiavam o golpe. Ademais, o protagonismo

operário foi reativado, tanto por meio da adesão do movimento sindical a

manifestações antiditatoriais – o que ficou marcado, em 1967, com o

surgimento do Movimento Inter-Sindical Antiarrocho (MIA) – como pela

retomada de modelos avançados de luta – como as greves de Contagem, de

abril a maio de 1968, e de Osasco, no mês de julho do mesmo ano. Tal

sentimento de insatisfação atingiu também a pequena burguesia urbana, o que

era expresso mais notadamente entre os estudantes, sobretudo universitários,

dos grandes centros urbanos, que garantiram uma maior visibilidade e

dinamismo dessas oposições.

A partir deste ponto é possível iniciar um aprofundamento no que diz

respeito às ações do governo ditatorial em relação aos estudantes, o que

tomaria proporções cada vez maiores no decorrer do processo de

estabelecimento da ordem e da disciplina. Este movimento foi iniciado, ao

menos no plano formal, quando Gama e Silva – Ministro da Justiça e da

Educação por um curto período de 11 dias –, passados 15 dias do golpe,

baixou uma portaria retirando do Fórum Universitário toda representação

estudantil da UNE e dos DCEs. Em 20 de abril, Flávio Suplicy de Lacerda,

Ministro da Educação, no intuito de cumprir o Ato Institucional, estabeleceu a

51

obrigatoriedade da instauração de inquéritos pelos reitores de universidades e

diretores de faculdades.

A fim de legitimar a intervenção nas IES, Suplicy de Lacerda utilizou-se do

artigo 84 da Lei de Diretrizes da Educação Nacional, que direcionava para o

CFE a responsabilidade de iniciativa e controle sobre as universidades:

“O CFE, após inquérito administrativo, poderá suspender, por tempo determinado, a autonomia de qualquer universidade, oficial ou particular, por motivo de infringência desta lei ou dos próprios estatutos, chamando a si as atribuições do Conselho Universitário e nomeando um reitor pro tempore (grifos originais)”52.

No entanto, o CFE não desempenhou este papel, inclusive ele próprio era alvo

de repressão, posto que alguns de seus membros foram destituídos, outros

solicitaram licença, e os cargos, imediatamente ocupados por representantes

do regime.

Com nova composição, o CFE, em 28 de abril de 1964, aprovou a

intervenção, através do Parecer nº 10653, concluindo que: “os futuros

dirigentes, emanados de novo governo (sic) estariam em condições de apurar

as irregularidades porventura existentes, e de normalizar a vida na

Universidade”54.

A política educacional da ditadura, entre 1964 e 1968, efetivou seu

controle limitando as condições de funcionamento dos instrumentos

organizativos dos estudantes, o que configurou um clima de amedrontamento.

Imediatamente após o golpe, alguns líderes estudantis foram presos, outros se

refugiaram em embaixadas e/ou tiveram de seguir para o exílio. Em diversos

estados, sedes de Centros Acadêmicos (CAs) e de UEEs sofreram invasão da

polícia ou de estudantes direitistas. Uma série de Inquéritos Policiais Militares

(IPMs) foram abertos na tentativa de encontrar os supostos “subversivos” no

movimento estudantil e nas instituições de ensino superior.

52 Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. 53 Parecer, relatado por Clóvis Salgado, que reconhecia a legitimidade da intervenção e apresentava propostas alternativas de desdobramento do caso. 54 apud Cunha (1988).

52

Para Guilhon Albuquerque55, as perseguições às lideranças ocorreram em

função de três principais fatores: por serem dirigentes de organizações

contrárias ao governo ditatorial, como a UNE, e em virtude de suas atividades

no interior do movimento estudantil; por apoiarem Jango por meio de suas

ações em sindicatos, órgãos do Estado, e sobretudo no Ministério de

Educação; e, por integrarem organizações políticas de origem estudantil.

No entanto, um elemento que deve ser considerado, de acordo com

Ridenti (1993), é a distância entre as lideranças e as bases estudantis nesse

período, pois o mecanismo utilizado pelo governo após 1964 de desmobilizar

os estudantes por meio da repressão às lideranças teria, a médio prazo,

fracassado. A responsabilidade pelas ações “subversivas” no meio estudantil

era direcionada para as minorias ativas que não representavam a maioria dos

estudantes. Dessa forma, ainda que considerando alguma distinção entre as

lideranças e as massas estudantis, a política governamental apresentava-se de

maneira equivocada. Segundo Albuquerque56,

“era o próprio movimento que se orientava e agia politicamente, não bastando, portanto, simplesmente substituir ou decapitar as lideranças. É isso que explica a dificuldade encontrada pelo governo para modificar a orientação do movimento estudantil através de medidas legislativas ou repressivas. A interdição das atividades políticas no seio dos diretórios significava a perda da substância dessas organizações oficiais, lançando seus militantes, inevitavelmente, às fronteiras da clandestinidade” (p. 137).

Diante disso, estavam dadas as condições para a inserção das lideranças

e da chamada “massa avançada” do ME na militância política além do espaço

universitário ou secundarista. Destacou-se a notável participação/atuação dos

estudantes nas organizações de esquerda em geral. De acordo com dados do

Projeto “Brasil: Nunca Mais” (BNM), Ridenti (1993) indica que, dos processados

pelo governo em decorrência de ligação com grupos de esquerda, 906 eram

estudantes, ou seja, 24,5% do total de 3.698 com ocupação conhecida. Dentre

55 apud Ridenti (1993, p.126). 56 apud Ridenti (1993, p.124).

53

estes, 583 teriam vinculação com grupos guerrilheiros urbanos, ou seja, 30,7%

do total de 1.897 denunciados.

O autor ressalta, ainda, alguns dados acerca do PCB, que já atuava antes

do golpe de 196457, que indicam o progressivo aumento da participação dos

estudantes nestas organizações no período ditatorial. Em 1964, a

representação dos estudantes no PCB se limitava a 1,1% dos processados,

aumentando entre 1965-68 para 12,3% e reduzida para 11,1% no período de

1969-74 e decaindo para 4% entre 1974-76. No que diz respeito aos Grupos de

11, os estudantes representavam apenas 3,2% do total de processados entre

os anos 60 e 70. Já nas organizações urbanas armadas, a participação dos

estudantes mantinha média em torno de 30% do total de processados, o que

também ocorria no caso dos grupos radicais opostos à luta armada imediata,

como o exemplo da AP, com 30,1%, e da POLOP, com 26,2%.

Outras organizações se destacavam pela proporção expressiva de adesão

estudantil, como o COLINA (Comando de Libertação Nacional) – um grupo de

Minas Gerais, criado a partir de uma dissidência da POLOP, composto

basicamente por estudantes e com ramificações no estado da Guanabara –

com 51% de estudantes, dentre os processados. No Movimento Revolucionário

8 de outubro (MR-8), dos 150 processados com ocupação conhecida, 49,3%

eram estudantes. É importante observar, no que concerne às informações

deste partido, que seus dados são referentes a duas organizações distintas,

que nos processos judiciais recebiam o nome de MR-8, a dissidência estudantil

do PCB58 do estado do Rio de Janeiro (DI-RJ) e a do estado da Guanabara (DI-

GB), apresentadas em conjunto pelo BNM, apesar de não terem elementos em

comum. Deve-se ressaltar igualmente a participação dos estudantes no POC59

(Partido Operário Comunista) e no PCBR (Partido Comunista Brasileiro

57 Ridenti justifica sua omissão acerca de outros grupos de esquerda como o PC do B, a POLOP e a AP, que também atuavam antes de 1964, como decorrência da escassez de dados a respeito deles no BNM. 58 No Brasil, as dissidências universitárias do PCB foram as principais fontes para os grupos de esquerda que investiam na luta armada no período ditatorial. 59 O POC surgiu como resultado da junção, em abril de 1968, de membros da POLOP, pós-Congresso de 1967, com a dissidência do PCB no Rio Grande do Sul. Tratava-se de um partido que, inicialmente, se opôs à luta armada, mas que no processo político acabou por se envolver em algumas ações.

54

Revolucionário) – dissidência do PCB – em torno de 40% do total de

processados.

Outros dois grupos armados devem ser notados, como a ALA (Ala

Vermelha do Partido Comunista do Brasil), com 17,5% de estudantes, e a VPR

(Vanguarda Popular Revolucionária), com 19,7%. Deve ser observada, ainda, a

quase inexistência de estudantes no MAR (Movimento de Ação

Revolucionária), no MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) e na RAN

(Resistência Armada Nacionalista).

Certamente tais estatísticas apontam números inferiores aos reais, nestes

grupos de esquerda, pois, em decorrência da qualificação por ocupação, nos

dados, é possível, de acordo com Ridenti, que muitos dos que foram

identificados como profissionais de alguma área também fossem estudantes,

como era o caso de operários de Osasco, por exemplo. Ainda merece ser

ressaltado um outro dado, agora da Anistia Internacional60, referente a uma

lista que identifica 1.081 vítimas da repressão entre 1968 e 1972, onde, das

565 com ocupação conhecida, 39,8% eram estudantes.

Diante desses dados, pode-se constatar que grande parte dos militantes

das esquerdas no pós-1964 era composta pela juventude, o que não é

resultado de uma busca dos partidos por quadros jovens, mas das condições

sociais após a tomada do poder do Estado pelos militares, o que gerou maiores

possibilidades de mobilização dos segmentos mais jovens, sobretudo

estudantis. A intensa e recente participação política dos estudantes no período

pré-1964, a repressão do governo num período de intensa mobilização entre

1965 e 1968, a movimentação cultural, bem como o aprofundamento dos

problemas de ordem econômica, contribuíram para uma maior adesão dos

estudantes às organizações de esquerda.

Abreu (2003) realizou um estudo com jovens que atuaram na guerrilha

urbana no Brasil – em sua maioria, até 1968, não tinha na militância política

uma opção de vida. O objetivo maior era a formação superior. Não havia a

pretensão de transformar a atividade política desenvolvida, seja no colégio ou

na universidade, em militância integral. No entanto, as condições objetivas

postas a eles, “a repressão, a falta de espaço para a manifestação de idéias e

60 Informação destacada por Ridenti (1993, p.121).

55

a falta de liberdade para atuar politicamente em oposição às forças dominantes

foram empurrando essa geração para formas de participação que não

envolviam a negociação política, e sim ações violentas” (2003, p.185). Tratava-

se de uma geração que tinha uma juventude revolucionária atuante – que não

se referia apenas aos jovens vinculados à guerrilha, mas também àqueles que

tiveram múltiplas formas de participação política.

Importante considerar no presente estudo o conceito de geração utilizado.

Tomaremos as considerações de Mannheim61 que diferencia uma geração, não

somente pela contemporaneidade temporal, mas também pelas experiências e

acontecimentos comuns vivenciados, o que estabelece entre os que a integram

certa ligação. Uma geração é definida a partir de um fato ou uma série de fatos

que estruturam determinada época e que gera entre os indivíduos um

reconhecimento mútuo a partir da semelhança no que se refere aos seus

códigos, práticas políticas, sociais e culturais. Diante disso, indivíduos de

diferentes idades podem pertencer a uma mesma geração. Abreu (2003)

aponta como acontecimentos fundadores da geração de jovens que entraram

para a luta armada no fim da década de 60 no Brasil, como citado

anteriormente, o golpe de 1964 e o AI-5 – acontecimentos precedidos de

grande efervescência política, em contextos distintos mas que comportavam

relevantes níveis de possibilidades de manifestação política.

De acordo com Ianni, “a história do regime capitalista tem sido a história

do advento político da juventude” (1968, p.225). Nos países em que o sistema

capitalista pôde ser implementado e que, de forma cíclica, vem sendo

reconfigurado a partir das crises62 inerentes a ele, os jovens têm assumido,

historicamente, um posicionamento político de notável importância63. O

61 Apud Abreu, 2003, p.182-3. 62 Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, mencionaram a ameaça das crises comerciais periódicas à existência e ao domínio da burguesia. De acordo com eles, “cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas” (1998, p.19). E qual seria o modo de vencê-las? “De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las” (Idem). 63 Importante considerar a presença do radicalismo tanto de esquerda quanto de direita nos países capitalistas. Merece, ainda, destaque o movimento radical de direita que envolveu profundamente grande parte da juventude alemã após 1920, formando muitos líderes ao

56

capitalismo, no intuito de manter-se, compromete tão profundamente as

condições de vida de homens e mulheres que gera/ou nos jovens, recém-

inseridos no convívio universitário, a iniciativa de se engajarem em ações de

caráter político. Ademais, há no estudante, como defende Foracchi (1965), uma

capacidade particular de reconhecer com maior eficácia o significado da

relação entre sua classe de origem e a classe dominante e identificá-la como

um entrave à efetivação de seu projeto de carreira. Diante disso, essa

juventude passou a tomar consciência de que não lhes restava “nenhum futuro,

a não ser a degradação da subsistência. Os novos desempregados

descobriram que o desemprego não era o efeito de um acidente, mas apenas

seu destino. Bruscamente, as massas jovens negaram o sistema que lhes

negava a vida” (Idem, p.234).

Os jovens que aderiram à luta armada eram pertencentes, em grande

parte, a uma classe média ascendente (Cf. Abreu, 2003), que apresenta(va)-se

como uma categoria intermediária, comprimida entre as contradições do

sistema. Afastados da condição proletária e marginalizada no modo de

produção capitalista e, ao mesmo tempo, sem poder de interferência na

distribuição da riqueza, reduzem-se a simples assalariados. Tal condição

promove uma maior identificação com as demandas das camadas populares

(Cf. Foracchi, 1965).

De acordo com Ianni,

“Jovens procedentes das diversas camadas sociais desenvolvem atuações políticas geralmente incompatíveis com os interesses de suas classes. Essa é uma das contradições das sociedades estruturadas em termos da democracia burguesa. Nelas o processo de incorporação dos grupos imaturos não é automático e espontâneo. Ao contrário, ele se realiza por meio de mecanismos complexos, que nem sempre apanham plenamente o indivíduo” (1968, p.226).

Abreu (2003), entretanto, faz uma consideração equivocada no que se

refere a essa geração de revolucionários, ao destacar nessa juventude a

construção de um projeto de vida baseado em seus valores familiares, que

revelam interesses de determinada classe, e segundo o qual eles ocupariam nazismo. No Partido Nacional-Socialista – Hitler – havia grande concentração de jovens (Cf. Ianni, 1968, p.236-7).

57

postos de liderança na sociedade64. Foracchi, por outro lado, faz uma

importante análise desse processo ao afirmar que “a radicalização do

movimento estudantil não seria simples manifestação das polarizações

ideológicas da classe média mas representaria, no plano da personalidade, a

síntese das alternativas de autonomia socialmente oferecidas ao estudante”

(1965, p.237).

Diante disso, o radicalismo político é concebido como “a manifestação de

um tipo peculiar de consciência social, isto é, histórica, desenvolvida pelo

jovem em condições determinadas (...)” (Ianni, 1968, p.230), ou seja, o jovem,

imerso numa estrutura social alienadora, à medida que compreende esse

processo, produz o radicalismo a partir de uma nova consciência.

Entretanto, é válido destacar a existência de limites sociais à ação

estudantil que

“só adquire uma amplitude societária sob condição de estar conjugada com a ação das demais fôrças sociais de renovação, que se manifestam na sociedade brasileira. Somente na medida em que a ação do estudante estiver identificada com um processo renovador, já em curso, é que ela poderá revestir-se de conotação “revolucionária” (Foracchi, 1965, p.294).

Esse processo se deu no quadro de fechamento do governo ditatorial no Brasil

pós-1964, quando parte da juventude, já sem perspectivas, identificou como

possibilidade a vida na clandestinidade e passou a compor os quadros de

organizações de esquerda, inclusive de luta armada.

2.1 – A Lei Suplicy: tentativa de controle do ME

A repressão sobre os estudantes foi institucionalizada, no período

ditatorial, por meio da Lei nº 4.464, de 9 de novembro de 1964, cujo objetivo

64 De acordo com Abreu (2003), a conjuntura dos anos 60 proporcionou a esses jovens a opção de realização de tal projeto, em princípio transformando-os em vanguarda do ME e logo após liderança do movimento de guerrilha.

58

era regular a representação estudantil. Dentre as determinações apresentadas,

constava a novidade do voto obrigatório para a eleição da diretoria do DA, cuja

criação em cada escola/faculdade foi determinada nesta lei. O estudante que

não votasse, estaria sujeito a sanção, como exposto em seu Artigo 5°, § 3º:

“(...) Ficará privado de prestar exame parcial ou final, imediatamente

subseqüente à eleição, o aluno que não comprovar haver votado no referido

pleito, salvo por motivo de doença ou de força maior, devidamente

comprovado”. De acordo com Fávero (1994), as lideranças estudantis

apontavam o voto obrigatório como único fator positivo na lei. Para Ridenti, o

governo teria adotado tal medida na expectativa de que repercutisse, nas

entidades estudantis, no predomínio das parcelas mais “responsáveis” e

moderadas do estudantado.

A referida lei, em seu artigo 1°, letra a, pôs como uma das finalidades dos

órgãos de representação estudantil, a defesa dos interesses dos discentes, não

havendo apresentação de restrição neste item. No entanto, atividades

identificadas como de caráter político-partidário – que iam de encontro aos

interesses do regime vigente - eram expressamente proibidas aos órgãos de

representação dos estudantes, pois segundo determinação da lei em seu artigo

14°: “É vedada aos órgãos de representação estudantil qualquer ação,

manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar,

promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”.

Um outro ponto que merece destaque consta na letra g do mesmo artigo,

onde afirma “lutar pelo aprimoramento das instituições democráticas” como

mais uma das finalidades desses órgãos. No entanto, tal lei estava sendo

imposta no intuito de enquadrá-los e apresentava uma série de obstáculos que

limitavam as possibilidades de mobilização/atuação discente, e reduziam o

caráter democrático dos seus órgãos de representação. Como afirma Fávero

(1994) ao tratar desta norma: “(...) a lei contraria os princípios básicos do

funcionamento de qualquer entidade de representação: direito de autonomia,

de organização interna, de livre manifestação de pensamento e de associação”

(p.61). Destaca-se, ainda, a afirmação do presidente da UNE em 1965:

“os estudantes preferem continuar com suas entidades civis, porque não pedimos o reconhecimento do Sr. Ministro mas o

59

reconhecimento da História, e lutar pela liberdade de associação, requisito mínimo exigido para a expressão autêntica de um grupo social”65.

A lei determinava ainda outros pontos, como a necessidade de existir um

DCE, em cada universidade; um Diretório Estadual de Estudantes (DEE), em

cada capital de Estado, Território ou Distrito Federal, que seria constituído por

representantes de cada DA ou grupos de DAs; além do estabelecimento de um

Diretório Nacional dos Estudantes (DNE) – sediado na Capital Federal – que

coordenaria as ações dos Diretórios Estudantis e seria o elo entre os

estudantes e o Ministério da Educação. Porém, as reuniões do DNE, composto

por representantes dos DEEs, deveriam ocorrer exclusivamente em Brasília, no

período das férias escolares – uma determinação que contribuiria para uma

menor participação dos estudantes.

Deve-se ressaltar que anteriormente a esta lei já existiam outras

instâncias de representação estudantil, locais e regionais, fora do domínio do

governo. E após estas determinações muitas entidades permaneceram em

funcionamento, o que estabelecia a existência paralela de órgãos de

representação dos estudantes. Em diversos lugares foram criados os DAs

segundo a Lei Suplicy, mas de acordo com Ridente, eles terminavam, na

prática, fugindo do controle das administrações das faculdades, o que foi

reforçado a partir de 1965, quando lideranças de esquerda começaram a ser

eleitas. Os CAs livres foram mantidos somente onde predominava um maior

grau de resistência às imposições do governo. No ME duas tendências foram

definidas:

“de um lado, o boicote aos diretórios Suplicy mantendo os estudantes seus diretórios livres, embora não fossem reconhecidos pelas direções universitárias; de outro, a participação naqueles diretórios, para ocupar o espaço disponível, mantendo-se entidades paralelas, quando possível. No Congresso da UNE de 1965, em São Paulo, a posição que defendia o boicote era hegemônica. Os estudantes definiram, então, como palavra de ordem, a defesa

65 ESTUDANTES resolvem lutar contra Lei Suplicy e não elegerão seus diretórios. Jornal do Brasil – 11 de agosto de 1965 – 1° Caderno, p.7.

60

dos diretórios livres e a não participação nas eleições das entidades oficiais ou oficializadas” (Cunha, 1988, p.64).

Nesse momento, os comunistas tornaram-se oposição interna por

defenderem a participação nestas eleições, acreditando que as condições

políticas não eram favoráveis a um movimento de resistência ao

enquadramento dos diretórios. Já a frente que representava a maioria dos

estudantes, constituída pela AP, POLOP, PC do B (Partido Comunista do

Brasil) e outras facções menores, pronunciou-se contrariamente (cf. Poerner,

2003, p.204). Defendiam que, na impossibilidade de manter os diretórios

existentes livres do controle e das modificações impostas pelo governo,

preferiam que fossem fechados. Os estudantes esperavam que a não

participação nas eleições ou os votos nulos ou em branco gerassem a

anulação das eleições, o que repercutiria no fechamento dos diretórios e

possibilitaria os DAs-Livres, o que se efetivou em diversos casos.

O Ministro da Educação, após a realização do XXVII Congresso (1965),

quando todas essas discussões acerca da Lei Suplicy foram ressaltadas,

destacou em entrevista que “a simples discussão do assunto está a demonstrar

que há ainda colônias de vírus entre estudantes, a ameaçar o futuro de um

povo inteiro”66. Tal afirmação revela o ideário que orientava os responsáveis

pela direção do sistema educacional, o que também é possível observar em

outro trecho desse discurso:

“não é a lei em si, que tem importância capital, mas o pretexto da lei para se continuar a subversão nos meios universitários, garantindo-se, assim, a contra-revolução capitaneada por ladrões que fugiram da política, por corruptos e corruptores e por comunistas de várias tonalidades”67.

Importante destacar como reforço do fechamento do regime, a

implementação do AI-2, em 27 de outubro de 1965, que intensificou maior

controle sobre o Congresso Nacional, proporcionou ao Executivo mais

autonomia, dissolveu os partidos políticos e instituiu o bipartidarismo sob regras 66 Trecho da entrevista fornecida ao Diário de Notícias, em 13 de agosto de 1965. (apud Fávero, 1994, p.62). 67 Idem.

61

rigorosas, com a criação da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido do

governo, e do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que agregaria os

opositores ao regime. Os processos de cassações de direitos políticos foram

reabertos e os civis que cometeram “crimes contra a segurança nacional”

passaram a ser submetidos a tribunais militares.

Merece destaque, ainda, no que se refere à Lei 4.464/64, o artigo 22, que

revogou o Decreto-lei nº 4.105, de 11 de fevereiro de 1942, que reconhecia a

UNE como entidade representativa dos estudantes de nível superior, em

âmbito nacional, responsável pela coordenação de suas atividades. No

entanto, a UNE permaneceu atuando, mas sem reconhecimento oficial, não

tendo sido extinta, como alguns autores indicam68. Imediatamente após o golpe

de Estado sua sede fora depredada e incendiada, o que certamente intimidou

seus líderes, que passaram a ser alvos de perseguição mais intensa. No

entanto, os meios de repressão utilizados pelo governo não foram capazes de

impossibilitar completamente a organização e articulação da entidade que

ainda pôde realizar seu XXVII Congresso, em julho de 1965, o último fora da

clandestinidade no período estudado.

A UNE promoveu, ainda, um plebiscito nacional contra a Lei Suplicy em

1965. Segundo dados divulgados pela entidade estudantil, dentre os

estudantes que votaram (número desconhecido), 92% se posicionaram

contrários à lei. Tendo em vista a dificuldade de diálogo do ME com o governo,

a UNE divulgou um manifesto, em que, dentre outras questões, seus dirigentes

apontavam que a proposta do governo era “(...) anular a juventude. Moldá-la

fascista, violenta, corrupta, transformá-la em força de peleguismo e não de

renovação”69.

De acordo com Ridenti, houve um forte apoio das entidades estudantis de

direita moderada70 às ações de resistência à Lei Suplicy. Nesse momento,

estudantes liberais e de esquerda se uniam no combate às medidas

repressivas impostas pelo governo ditatorial e representavam quase que 68 Ver Fávero (1994), Poerner (2003) e Sanfelice (1986), por exemplo. 69 Correio da Manhã, 17 de dezembro de 1965 (apud Fávero, 1994, p.63). 70 Apesar de não terem explicitado apoio ao golpe, os estudantes de direita moderada não sofreram intervenção do Estado em abril de 1964, como as UEEs dos Estados de Pernambuco, Minas Gerais e Paraná, bem como a UME da Guanabara.

62

integralmente a massa de estudantes, com exceção, sobretudo, da extrema

direita71 que se concentrava principalmente na Universidade Mackenzie e na

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Somente em 1965 a esquerda universitária estabeleceu uma rearticulação

efetiva, o que possibilitou a retomada da direção das entidades estudantis que

vinham sendo lideradas por estudantes liberais, resultado, segundo Ridenti, da

fragilidade orgânica deste segmento, num período em que a influência dos

setores civis moderados de direita se reduzia paulatinamente em decorrência

da crescente militarização do governo.

O movimento estudantil ainda pôde atuar durante todo o ano de 1965,

apesar da repressão policial-militar, impulsionado não só pelas limitações

postas em seus campos de atuação, mas também pela insatisfação em função

das ações do governo visando à modernização do ensino superior no país,

sobretudo no que se refere aos acordos MEC-USAID72 (United States Agency

for International Development – Agência dos Estados Unidos para o

Desenvolvimento Internacional), às discussões acerca da Reforma

Universitária73 e ao pagamento de taxas. A estrutura arcaica das instituições

71 Dentre as organizações paramilitares de extrema direita pode-se destacar o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), composto em grande parte por alunos da UFRJ teve como um de seus líderes, Paulo Werneck da Cruz, que fora aluno da Filosofia; o MAC (Movimento Anticomunista); a AAC (Ação Anticomunista); e, a FAC (Frente Anticomunista). Eram segmentos minoritários, inclusive nas faculdades onde exerciam maior influência. 72 Uma série de estudos, análises e propostas já se estruturavam, desde 1964, na elaboração dos acordos MEC-USAID, instituição que percebia o ensino superior como constituinte da formação de recursos humanos, e este último como elemento que impulsionaria o crescimento da produção industrial e agrícola. O convênio foi firmado em junho de 1965 – com vigência prevista até 31 de dezembro de 1967 – através da diretoria de Ensino Superior, com o objetivo inicial de constituir uma Equipe de Planejamento do Ensino Superior (EPES), o que importaria na doação, pela USAID, de aproximadamente 500 mil dólares, num período de dois anos, além dos recursos que seriam viabilizados pelo governo brasileiro. Este convênio não foi aceito facilmente pelo CFE, que cobrava a aprovação dos nomes dos brasileiros que iriam compor a equipe, assim como a análise do documento final da EPES. 73 O Decreto nº 62.937, de 2 de julho de 1968, ordenou a instituição de um grupo de trabalho para “estudar a reforma da Universidade brasileira, visando à sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos de alto nível para o desenvolvimento do país” (Cunha, 1988, p.241). O grupo, composto por membros designados pelo presidente, discorreu, em seu Relatório, acerca de questões como: a importância da universidade no processo de desenvolvimento do país, a limitação da autonomia universitária, a fragmentação dos cursos de graduação, a oferta de cursos de duração reduzida, a implantação da pós-graduação na universidade, a cobrança de anuidades dos estudantes, a racionalização etc. Ademais, o GT propôs a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a fim de financiar os programas do ensino superior.

63

universitárias, desde antes de 1964, o arrocho salarial e a redução da oferta de

empregos são outros elementos que reforçam este quadro. No que se refere à

Reforma Universitária, vale ressaltar o convite feito pelo governo, a dois

estudantes de ensino superior, para comporem o Grupo de Trabalho que

elaboraria a reformulação da universidade no país, o que foi repudiado pelo

ME, gerando a recusa do convite por parte dos estudantes.

A contestação aos acordos MEC-USAID mobilizava as lideranças

estudantis que investiam na luta contra a ditadura, a exemplo da AP, que

percebia os acordos como expressão do imperialismo, bem como a vanguarda

estudantil que buscava estabelecer uma articulação entre as reivindicações

específicas e políticas. Ademais, uma parte considerável do estudantado

acreditava que as reformas apresentadas nos acordos deturpavam a Reforma

Universitária idealizada pelos estudantes desde inícios dos anos 60.

O ano de 1966 representou um ano de denúncia da intervenção norte-

americana no país, principalmente no que concerne à educação. As lideranças

estudantis condenavam o antinacionalismo do governo imposto e

recomendavam aos estudantes o não pagamento das anuidades instituídas

neste ano, o que poderia repercutir na privatização do ensino superior. Um

outro elemento que surgiu neste período foi a fundação do Mudes (Movimento

Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social) pelo general-

presidente Castelo Branco, ou seja, uma tentativa de criar aparelhos “privados”

de hegemonia no âmbito do Estado, a fim de conter a ação política dos

estudantes. Para este,

“constituía ‘um desafio ao idealismo de nossa juventude’ e (...) dava aos jovens ‘a oportunidade de transformar o protesto vazio (sic) e a vocalização de slogans em ação efetiva para corrigir as injustiças, minorar sofrimentos e aperfeiçoar a capacidade construtiva da comunidade’” (Poerner, 2003, p. 213).

Neste momento, a UNE era mantida como alvo de controle direto, tendo

em vista todo o aparato policial-militar direcionado para Belo Horizonte no

intuito de impedir a realização do XXVIII Congresso, que fora proibido pelo

governo federal, apesar de findo o período de seis meses de suspensão do

64

funcionamento da UNE determinado por decreto presidencial – Decreto n°

57.634, de 14 de janeiro de 1966. Diante disso, os estudantes se reuniram

clandestinamente no interior de um templo da Igreja Católica.

É importante que se destaque o fato de o governo baixar uma medida

para suspender as ações de uma entidade que ele já não reconhecia desde

novembro de 1964. E no intuito de manter a suspensão do funcionamento da

UNE foi baixado, ainda, o Decreto-lei n° 8, de 16 de junho de 1966, que

determinava: “(...) a suspensão do funcionamento perdurará até que a

sentença transite em julgado” (§ 2°, artigo 1°). Esse Decreto-lei acrescentava

um parágrafo ao Decreto-lei n° 9.085, de 25 de março de 1946, que trata do

registro civil de pessoas jurídicas e, em seu artigo 6°, suspendia a

personalidade jurídica por um prazo de seis meses de toda sociedade ou

associação “quando seu objeto ou circunstância relevante indique destino ou

atividade ilícitos ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à

segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e

aos bons costumes” (Art. 2°). Diante disso, a UNE permaneceu com suas

atividades suspensas até o fim da década de 70 e passou a ser apresentada

pela grande imprensa como ex-UNE ou a extinta UNE.

Em 18 de setembro de 1966, a UNE definiu uma greve geral, que teve

como um de seus desdobramentos o episódio da Praia Vermelha, no dia 23 de

setembro do mesmo ano – que receberá maior destaque na discussão do

capítulo seguinte. Numa ação comandada, pelo General Nieméier e consentida

pelo Ministério da Educação, a Faculdade de Medicina, da UFRJ, na Praia

Vermelha, onde se encontravam cerca de 600 estudantes em assembléia-geral

no pátio, foi sitiada, e, no dia seguinte, invadida por policiais74.

Destaca-se, ainda, a escolha, pela UNE, do dia 22 de setembro, como o

Dia Nacional Contra a Ditadura. De acordo com Poerner, vários

acontecimentos confirmam a escolha desse dia, como: a organização dos

estudantes da Praia Vermelha; protestos em todo o país; e a morte de um

policial militar, em Goiás, quando participava de manifestação juntamente com

estudantes.

74 ESTUDANTES nas ruas enfrentam a repressão. O Corujão, setembro, 1966.

65

2.2 – O Decreto Aragão: fortalecimento da Lei nº 4.464/64

Com a ascensão do ME, no início de 1967, o Decreto-Lei nº 228,

conhecido como Decreto Aragão (em virtude do Ministro da Educação no

período, Raymundo de Castro Moniz de Aragão), revogou a Lei Suplicy. As

restrições aos estudantes, foram, então, um pouco mais explicitadas, como é

possível observar na letra a do artigo 1°, onde foi apresentada, como uma das

finalidades dos órgãos de representação “defender os interesses dos

estudantes, nos limites de suas atribuições (grifos da autora)”. Ademais, o

artigo 14 da Lei Suplicy – citado anteriormente – foi readaptado nesse Decreto-

lei, sendo acrescentada a proibição de ações de caráter racial ou religioso. E

estabeleceu, ainda, em seu parágrafo único como punição à desobediência ao

artigo, a extinção do DA ou DCE envolvido com a ação condenada.

O Decreto-lei reconhecia apenas os DAs e DCEs como órgãos de

representação dos estudantes e extinguiu todos os órgãos estudantis de

âmbito estadual – como consta no artigo 20 – com a finalidade de eliminar

possibilidades de rearticulações do ME e contornar os problemas iniciais na

organização dos DEEs e do DNE, que também foi extinto. E a fim de amenizar

a ausência dessas instâncias, em níveis regional e nacional, o Decreto-lei

determinou, no artigo 18, a criação da Conferência Nacional do Estudante

Universitário, com o objetivo de examinar e debater os problemas

universitários, no intuito de promover a elaboração de sugestões para os

órgãos de educação. Existia, neste artigo, uma ressalva referente à proibição

dos assuntos de cunho religioso, político-partidário e racial.

Essa medida reforçou a Lei Suplicy no que concerne à ampliação das

restrições e dos mecanismos de coação. E tendo em vista a falta de controle

da direção das universidades em relação à organização das entidades

estudantis, delegou ao Ministro da Educação a possibilidade de convocar

eleições para a composição dos diretórios, caso houvesse “omissão” das

autoridades acadêmicas.

No que se refere à obrigatoriedade do voto, a penalidade foi reforçada, se

comparada à Lei Suplicy, pois, de acordo com o parágrafo único do artigo 5º:

“salvo se comprovar devidamente motivo de força maior ou de doença, o

estudante que deixar de votar será suspenso por trinta (30) dias”. Assim, a

66

punição não se limitava mais à privação de prestar exame, mas era ampliada

para a tentativa de excluir o estudante da vida acadêmica, não permitindo que o

mesmo participasse das aulas.

A fiscalização do cumprimento da lei foi delegada ao diretor do

estabelecimento de ensino superior, no que concerne ao DA ou ao Reitor da

Universidade, no que diz respeito ao DCE, conforme disposto no artigo 12º. Na

Lei Suplicy, tal responsabilidade estava direcionada à Congregação ou

Conselho Departamental e ao Conselho Universitário, respectivamente. Assim,

no Decreto Aragão, esta responsabilidade foi retirada dos órgãos colegiados e

passou a ser atribuída aos ocupantes dos cargos de direção, que possivelmente

apresentariam maior vulnerabilidade às pressões do governo no sentido de

limitar a atuação de cunho político por parte dos estudantes.

O Decreto-lei ainda determinou, em seu artigo 16 que nas unidades de

ensino e nas universidades em que não tivessem sido constituídas

representações estudantis segundo a Lei Suplicy, seriam convocadas eleições,

promovidas pelos diretores ou reitores, o que garantiria a efetividade da norma.

Deve-se ressaltar a ameaça de incorrer em falta grave, o diretor ou reitor que

não garantisse o cumprimento do disposto (§ 1º do artigo 12º).

Destaca-se, ainda, o artigo 21 que estabelece: “o Ministro da Educação

baixará as instruções necessárias para a execução deste decreto-lei” (grifos da

autora). Uma afirmação que não define com precisão a forma de aplicação das

determinações do decreto-lei, o que dava margem a uma série de ações que

poderiam ultrapassar o disposto.

Entre 1967 e 1968, em virtude da intensificação imposta pelo “Decreto

Aragão” e das opções ideológicas, o ME estreitava suas relações com as

organizações de esquerda. A luta de contestação ao regime ditatorial por parte

dos estudantes adquiriu visibilidade social, mais notadamente nesse período,

quando o movimento operário e sindical encontrava-se sob enquadramento. A

capacidade dessas mobilizações em condensar a oposição, que continuamente

sofria ataques no sentido de fragmentá-la, preocupava os agentes do governo

devido aos problemas que poderiam ocasionar para o regime.

As greves e passeatas realizadas pelos estudantes durante o governo

Costa e Silva, segundo Poerner (2003), registravam duas novidades: para além

das demandas sempre apresentadas nesse período, surgia como foco de luta a

67

contestação ao corte de verbas das universidades públicas que foi intensificada

paulatinamente; e um outro elemento se refere à participação majoritária de

estudantes secundaristas, fortemente radicais em seus posicionamentos.

O XXIX Congresso75 da UNE, em 1967, foi marcado pelo surgimento de

uma corrente debreísta76 no ME, que era, segundo Poerner (2003), uma

corrente “(...) radical e romântica, voltada contra o que denominou de ‘mero

reformismo’ dos comunistas, praticamente alijados do movimento estudantil” (p.

225). O encontro foi realizado de forma clandestina no convento dos

beneditinos, em Campinas, apesar da repressão policial direcionada para o

local.

Neste Congresso, foi composta, consensualmente uma chapa única com

uma minoria representada pela AP que conseguiu permanecer na presidência

da entidade. A diretoria funcionava em colegiado e era composta por: quatro

membros da AP, três representantes das diversas dissidências do PCB e

outros três da POLOP – que mais tarde se tornaria POC. Nilton Santos destaca

a importância da participação dos estudantes das dissidências na virada do

Congresso, pois segundo ele, os discentes buscaram

“resgatar a bandeira das lutas específicas, tentando retirá-las daqueles que procuravam dar-lhes um conteúdo legalista e reformista. Era necessário lutar também contra aqueles que diziam que ‘a luta específica é reformista e a luta política é revolucionária’ (...) E o Congresso procura, então, representar uma alternativa de condução das lutas específicas, de modo a vinculá-las a uma luta política contra a Ditadura Militar” (p. 67)77.

75 Pouco antes da realização deste Congresso, foi formada a Frente Universitária Progressista (FUP), que visava transformar a UNE numa verdadeira organização de massas. A FUP defendia “(...) a reconquista dos direitos, o fortalecimento e a democratização da UNE, em defesa dos interesses dos estudantes e da universidade e das liberdades democráticas e dos direitos do povo” (Poerner, 2003, p.227). 76 Influência de Régis Debray, autor de “Révolution dans la Révolution?” (A Revolução na Revolução), onde ele sistematiza e desenvolve mais profundamente a teoria do foco revolucionário, segundo o modelo cubano, que priorizava a luta armada. A revolução se realizaria a partir de um foco guerrilheiro, que, de forma gradativa deveria ampliar seu raio de ação (a esse respeito ver http://culturabrasil.pro.br/revolucaocubana.htm). 77 apud Ridenti (1993, p. 130).

68

De acordo com Marialice Foracchi (1982), um traço característico do ME

se refere à articulação da luta reivindicativa com a luta política. Segundo

Martins Filho78, este foi um posicionamento notável em 1968, quando, na luta

contra a ditadura e nas manifestações visando modificações no sistema de

ensino superior do país, concentravam-se os principais eixos de luta do ME.

As manifestações de massa de grande expressão em 1968 ocorreram,

sobretudo, no Rio de Janeiro e em São Paulo. As entidades estudantis com

representatividade de peso nestes dois locais tinham vinculação com as

dissidências do PCB, como o exemplo da UME carioca, sob a direção da DI-

GB, e da UEE paulista, dirigida pela Dissidência de São Paulo (DISP).

A morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março de

1968, no conflito entre policiais e estudantes no restaurante Calabouço, no Rio

de Janeiro, gerou a articulação entre estudantes e alguns setores da

população, que se organizaram numa série de protestos que sucederam ao

episódio, como a “Passeata dos Cem Mil”, considerada o ápice das

manifestações daquele ano, realizada em 26 de junho, no Rio de Janeiro,

quando pessoas de distintas origens sociais, se manifestaram de forma

pacífica contra as arbitrariedades do governo.

Em 29 de agosto, a Universidade de Brasília foi invadida, com a ação das

Polícias Militar e Civil, do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e

do SNI. As ações violentamente repressivas por parte dos agentes do Estado

foram justificadas sob o argumento de que haveria cerca de cinco subversivos

no interior da instituição, que estariam a ameaçar a segurança nacional.

O Comando de Caça aos Comunistas (CCC79), uma organização

paramilitar de extrema direita, formada por estudantes e policiais, praticava um

elenco de atos terroristas com teor provocativo, realizava atentados contra

intelectuais e buscava utilizar unidades das Forças Armadas para aniquilar

dirigentes oposicionistas. Havia, ainda, a ação de diversas chefias do alto

escalão do governo com o intuito de atribuir sua autoria à esquerda radical. 78 Ibidem. 79 No interior de sua composição encontrava-se a direita liberal estudantil, que em decorrência da política da ditadura no âmbito das universidades, fora paralisada e anulada. De acordo com Reis Filho, o CCC e grupos afins “tinham como programa, coerente com a sigla, a caça aos adversários, o uso da força e a intimidação pura e simples” (1999, p.66).

69

“Conforme se verifica pelo levantamento de Flavio Deckes, os atentados terroristas de direita com autoria oculta atingem o pico em 1968, decaem bruscamente em 1969 e desaparecem, de todo, entre 1971 e 1975. Consumado o fechamento ditatorial, não era mais necessária a atuação provocadora das organizações para-militares” (Gorender, 1986, p.152).

O 30º Congresso da UNE seria realizado em meados de outubro, em

Ibiúna. No entanto, a presença de quase mil estudantes foi foco de atenção, e

rapidamente tornaram-se alvos da repressão policial-militar. Cerca de 920

estudantes foram presos, dentre estes quatro de seus principais líderes.

Houve, nesse período, uma divisão entre as principais tendências políticas

do ME. Uma, liderada pela AP, que defendia as “lutas de rua contra a

ditadura”80, e outra, que buscava estabelecer uma relação entre a luta de

oposição ao governo ditatorial e as demandas específicas dos estudantes. Na

corrente contrária à AP concentravam-se: as dissidências do PCB; a POLOP,

que criou o Movimento Universidade Crítica (MUC) em 1968, sem grande êxito;

a DISP, que teve grande parte de seus estudantes aderindo à Aliança de

Libertação Nacional (ALN) e uma minoria, à Vanguarda Armada Revolucionária

– Palmares (VAR); e, a DI-GB, que mais tarde se tornaria MR-8. Dentre as

organizações relativamente isoladas em relação a essas correntes encontrava-

se o PC do B, que somente em 1969 se aproximaria da AP, e o PCB, com

baixa representatividade em decorrência das diversas dissidências do Partido.

De acordo com Ridenti, os estudantes conservadores ou reacionários não

tiveram participação relevante nesse momento, apesar da existência de uma

direita relativamente organizada nas instituições de ensino superior. Deve-se

considerar, ainda, a existência de uma maioria silenciosa nas faculdades, com

diferentes níveis de politização, que oscilava em seu posicionamento político.

O enquadramento do ME foi intensificado, em fins de 1968, e se

concretizou a partir do AI-5, promulgado em 13 de dezembro de 1968, que não

tinha prazo para vigência e concedia plenos poderes ao Executivo.

80 apud Ridenti (1993, p.134).

70

“vestíbulo dos anos de chumbo, ele [o AI-5] assinala a centralização do poder nas mãos das cúpulas mais reacionárias das forças armadas, com a militarização dos controles sociais e a instauração de um terrorismo de Estado que garante o contexto ideal para a superexploração dos trabalhadores e para as mais altas taxas de lucro para o grande capital (estrangeiro e nativo)” (Netto, 2000, p.228).

Por meio dessa ação, a ditadura retirou então a “roupagem de regime

envergonhado” (Tavares, 1999), assumindo-se como ditadura. Conforme Netto,

“o que fora, até então, uma ditadura reacionária, que conservava um discurso

coalhado de alusões à democracia e uma prática política no bojo da qual

cabiam algumas mediações de corte democrático-parlamentar, converte-se

num regime político de nítidas características fascistas” (2002:38). Gorender,

por outro lado, afirma que o comando ostensivo do Estado era monopolizado

pelas Forças Armadas e não por um partido fascista. Assim, teria havido uma

militarização do Estado, e não uma “fascitização”.

Diante disso, já não havia mais condições para a realização de reuniões

ou manifestações públicas, o que motivou estudantes a ingressarem em

organizações de luta armada – movimento reforçado após as modificações

postas pelo governo no que concerne à representação estudantil no início do

ano seguinte.

A inserção dos estudantes em organizações clandestinas também pode

ter sido resultado, da influência de Mao Tsé Tung – “a linha maoísta de

proletarização dos quadros, inserindo-as na produção, parecia a outros perfeita

como negação da cultura, formação e origem ‘pequeno-burguesa’ dos

militantes estudantis” (Ridenti, 1993, p.132) – e de Ernest Che Guevara – “o

guevarismo, caminho militar de libertação na ‘sierra’ e identificado com os

pobres da terra, era ideal para negar a vida acomodada das camadas médias

urbanas, sem perspectivas de libertação e ameaçadas pelo empobrecimento

constante” (Idem). Suas teorias eram convenientes às parcelas do estudantado

que identificavam os limites da luta estritamente estudantil, localizados

principalmente na estrutura do movimento, no que se refere à reivindicação de

direitos, o que denotaria seu caráter reformista. Estudantes de tendência

guevarista identificavam, já em meados de 1968, a guerrilha rural como o

71

caminho para a revolução, o que acelerava o gradativo abandono da atuação

no ME para a militância nos grupos de luta armada.

2.3 – Decreto-lei nº 477

Em 26 de fevereiro de 1969, foi baixado o Decreto-lei nº 477, que pretendia

reprimir as ações de cunho político e tratava como “subversivo” todo movimento

que pudesse conter alguma oposição real ou imaginária ao governo ditatorial.

Destacam-se, dentre tais restrições, a impossibilidade de qualquer articulação a

fim de promover paralisação de atividade escolar, bem como “(...) passeatas,

desfiles ou comícios não autorizados (...)” (item III, artigo 1º), a confecção, o

porte e a distribuição de “(...) material subversivo de qualquer natureza” (item IV,

art. 1°) e o uso de “(...) dependência ou recinto escolar para fins de subversão

ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública” (item VI, artigo 1º).

Os docentes e funcionários que não se submetessem às restrições seriam

punidos com “(...) demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado,

admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de

cinco (5) anos” (item I, § 1º, artigo 1º). No que se refere aos discentes, seria

aplicada “(...) a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em

qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos” (item II,

§1º, artigo 1º). Caso o infrator fosse portador do benefício de uma bolsa de

estudo ou recebesse qualquer auxílio do Poder Público, deixaria de ser

beneficiário e permaneceria nesta condição por um período de cinco anos. O

decreto atingiu cerca de 500 estudantes – tendo sido aplicado com maior

intensidade até 1973 – e deixou de ser aplicado apenas no governo Geisel.

O diálogo entre o ME e o governo foi totalmente extinto em 1969. Diante

disso, o XXX Congresso, que seria realizado em fins de 1968, acabou por

ocorrer de maneira rigidamente clandestina, somente em abril de 1969, no Rio

de Janeiro. O debate tornou-se muito restrito, sobretudo ao considerar a

participação de apenas cerca de cem delegados no Congresso. A chapa da AP

foi mais uma vez eleita, e nesse momento contava com o apoio do PC do B. As

dissidências do PCB, que estavam na direção do ME no Rio de Janeiro e em

72

São Paulo, após essa derrota, foram gradativamente aderindo aos grupos de

luta armada e de guerrilha urbana81.

Em setembro de 1969, os atos institucionais números 13 e 14 foram

baixados por uma Junta Militar que substituiu Costa e Silva. Segundo o AI-13,

seriam considerados banidos do Brasil, os presos políticos trocados por

diplomatas seqüestrados. ”O AI-14 incrementava o rol de penalidades

existentes, adicionando-lhes penas de morte, de prisão perpétua e de

banimento, em caso de guerra psicológica, guerra adversa revolucionária ou

subversiva (grifos originais) e guerra externa” (Vieira, 2000, p.197-8). Ademais,

a Lei de Segurança Nacional suprimiu as liberdades públicas no Brasil, por

meio da agressão aos direitos individuais e do ataque aos direitos de reunião,

de associação e de imprensa.

Entre os anos de 1969 e 1979, as manifestações de caráter explicitamente

político tornaram-se inviáveis ao ME, que, em decorrência disso, buscava

articular-se clandestinamente. A intensificação do processo de fechamento do

regime no governo de Médici, associada a um súbito crescimento da economia

– o “Milagre Econômico”, que ocorreu entre 1969 e 1973 – a partir desse ano

contribuíram para um aprofundamento do refluxo do ME. No entanto, a direção

da UNE acreditava na possibilidade de ascensão do movimento nesse período,

não percebendo as circunstâncias nas quais suas ações estariam inscritas.

Somente em fins de 1969 esta perspectiva seria anulada, tendo em vista a baixa

representatividade da entidade, bem como a repressão sobre sua liderança, que

teve que se manter na clandestinidade82.

81 É possível verificar um fortalecimento dos grupos armados a partir de 1969: presos políticos fugiam, assaltos a bancos, ataques a quartéis e seqüestro de diplomatas, com o intuito de obter a libertação de militantes presos, eram realizados. Em São Paulo, um grupo revolucionário tomou uma emissora de rádio a fim de transmitir mensagens do líder Marighela. Em inícios de 1969, a ALN e a VPR identificam a necessidade de comprometerem-se com a luta armada. A ALN reforça seu investimento nas ações expropriatórias e de propaganda armada. A Ala Vermelha (dissidência do PC do B), desde fins de 1968, realizava assaltos a bancos, confisco de dinamites e expropriava máquinas gráficas no intuito de montar uma oficina clandestina. A Dissidência Universitária da Guanabara, se baseava em idéias foquistas e se organizava para ações de guerrilha urbana. No PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores) a discussão acerca da realização de ações expropriatórias provocou uma luta interna. No PCBR a entrada para a luta armada foi iniciada no Comitê Regional de Pernambuco.

82 A esse respeito ver em Ridenti (1993).

73

A sobrevivência do ME estava altamente comprometida, pois, dessa forma,

ocorriam apenas atos isolados. Em 1969, foram realizados protestos de repúdio

à presença de Nelson Rockefeller83 no Brasil; em 1970, atos públicos ocorreram

devido ao segundo aniversário de morte de Edson Luís; em 1972, diretórios e

centros acadêmicos de São Paulo e do Rio de Janeiro realizaram uma série de

denúncias a respeito de prisões de estudantes; em 1973, o cardeal Paulo

Evaristo Arns celebrou uma missa, que reuniu aproximadamente 4 mil pessoas,

pela morte do estudante Alexandre Vannucchi Leme, o que desfechou um

elenco de manifestações de oposição à prisão, tortura e assassinato do

estudante pela Operação Bandeirantes (OBAN84) de São Paulo.

Esse posicionamento contrário ao governo ditatorial por parte da Igreja

Católica, representada pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB),

foi gradativamente reforçado no decorrer da década de 70, quando a Igreja

investe na atuação pela defesa dos direitos humanos. Era possível identificar

setores progressistas, que tiveram como alguns de seus grandes atores dom

Helder Câmara e dom Paulo Evaristo Arns, e outros envolvidos com uma

postura socializante, sob o direcionamento da Teologia da Libertação. No

83 De acordo com Gerard Colby e Charlotte Dennett, autores do livro “Seja feita a vossa vontade”, obra que resgata a trajetória de Nelson Rockefeller, este teria estabelecido relações com governos ditatoriais no Brasil com o intuito de se apossar da Amazônia, fonte de recursos minerais e petróleo, além de ter apoiado outras ditaduras na América Latina. Eles afirmam ainda que entre 1964 e 1969, os assessores de Rockefeller teriam ligação estreita com o SNI (a esse respeito ver em http://www.terra.com.br/istoe/1626/1626vermelhas.htm). 84 Com o objetivo de conter diretamente os suspeitos e ativistas de grupos armados e clandestinos, foi estruturada, no estado de São Paulo em 1969, junto ao II Exército, a OBAN, um órgão de caráter extralegal. As verbas que viabilizavam suas ações eram obtidas junto às multinacionais, dentre estas o Grupo Ultra, Ford, General Motors. Mais tarde, a OBAN atuou em diversos estados. O Decreto nº 667, de 1969, instituiu a dependência das polícias militares em relação ao Exército, no âmbito estadual, e direcionou-as à “segurança interna”. A OBAN “foi composta com efetivos do Exército, Marinha, Aeronáutica, DOPS (polícia política estadual), polícias federal, civil e militar; ou seja, todos os tipos de organismos de segurança e policiamento, chegando a contar com os oficiais do Corpo de Bombeiros” (Coimbra, 2002:33).

Em setembro de 1970, o general Médici, que tomara o poder em 30 de outubro de 1969, divulgou o decreto que integrava a Oban ao organograma legal com a nomeação de DOI/CODI II (Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna do II Exército). O órgão era orientado por práticas que violavam a integridade física e psicológica dos indivíduos com o intuito de obter informações funcionais ao regime.

Além de São Paulo, os DOI/CODI se implantaram como instituições oficiais no Rio, Recife, Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza e Belém. Em todas estas capitais, os DEOPS se converteram em apêndices dos DOI/CODI. Exceção apenas do DEOPS de São Paulo, que continuou ativo como órgão autônomo de investigação, captura e interrogatório.

74

decorrer dos anos 80 a Igreja também estaria participando ativamente do

processo de democratização do país (Cf. Netto, 2000).

Na seqüência dos diversos atos isolados desse período, destacou-se,

ainda, em 1974, a criação do Comitê de Defesa dos Presos Políticos, na

Universidade de São Paulo (USP); em 1975, a realização de greves em diversos

estados, e, dentre estas, uma deflagrada em outubro, na USP, em decorrência

da morte de Vladimir Herzog; em 1976, foi fundado o DCE-Livre Alexandre

Vannucchi Leme, na USP, e foram realizados o 1º e o 2º Encontro Nacional de

Estudantes (ENE), em São Paulo, além da organização da campanha nacional

pelo voto nulo85.

Além da Igreja Católica, outras agências da sociedade civil que também

compunham a frente oposicionista à ditadura merecem destaque, como a

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa

(ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que a partir

dos anos 70 passou a dedicar-se também às ciências sociais e humanas, e

transformou-se em canal de expressão da massa crítica contrária ao governo

ditatorial (Cf. Netto, 2000).

A partir de 1975, diversas tendências86 começaram a se formar no ME,

como a Libelu (Liberdade e Luta), de influência trotskista, que exerceu grande

influência, e que defendia a criação de uma aliança entre estudantes e

operários, além do congelamento das anuidades das instituições de ensino

superior particulares.

Somente em 1977 se iniciou o processo de retorno dos estudantes às ruas

na luta contra a ditadura. Em março deste ano, uma passeata reuniu de três a

quatro mil estudantes em São Paulo. A partir desse momento, segundo Poerner

(2003), foram apresentadas reivindicações de teor mais concreto (específico),

como a demanda por mais verbas para o sistema universitário, a redução do

valor pago pelo ensino superior particular, uma melhor qualidade do ensino e da

alimentação oferecida aos universitários, a garantia de um ensino efetivamente

público e gratuito, a anulação das penas impostas a estudantes, o fim do

85 A esse respeito ver em Poerner, 2003, p.259 86 Idem, p. 264.

75

emprego da punição de jubilamento aos estudantes de baixo poder aquisitivo,

bem como a liberdade dos estudantes que se encontravam presos.

Para além dessas demandas, os estudantes empenhavam-se em

manifestações antiditatoriais, como os protestos contra o fechamento do

Congresso, as prisões de operários e intelectuais, a censura aos órgãos de

imprensa, dentre outras arbitrariedades cometidas pelo governo. Nesse período,

o Ministro da Educação e Cultura, Nei Braga, afirmou que “dentro das

universidades devem ser tratados somente os assuntos ligados à educação e à

aprendizagem, deixando para os partidos políticos o debate dos temas alheios

aos interesses específicos da classe estudantil”87. Tal afirmação expressa o

posicionamento do governo quanto às ações dos estudantes, que não deveriam

participar das discussões e mesmo das ações políticas referentes à situação

nacional.

A luta pela reorganização da UNE88 decidida no 3º ENE – que ocorreu de

forma secreta em setembro de 1977, na PUC de São Paulo, quando foi definida

a criação da Comissão Pró-UNE – contribuiu para o ressurgimento gradativo do

ME no fim dos anos 70.

Importante considerar aqui, a luta travada pelo ME, a fim de realizar este

encontro, que no mês de junho, seria realizado em Minas Gerais. No entanto, os

estudantes foram impedidos89 pelas Polícias Civil e Militar, que sitiaram o

Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG). Nessa operação, a Polícia Federal, que ouviu 139

estudantes, enquadrou 98 destes, que eram de outros estados, no Artigo 45 da

Lei de Segurança Nacional, por estarem “fazendo propaganda subversiva”, o

que poderia implicar penas que variavam de dois a quatro anos de reclusão. No

87 LÍDERES estudantis de 34 faculdades e de um colégio fazem assembléia na PUC. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 de abril de 1977 (apud Poerner, 2003, p.261). 88 Apesar das indefinições, no que concerne à situação jurídica da UNE, em 1978 foram apresentados dois projetos de lei, na Câmara, que propunham sua recriação: um do deputado Fernando Coelho, do MDB de Pernambuco, e outro do deputado Hélio de Almeida, do MDB do Rio de Janeiro (ver Poerner, 2003). Importante ressaltar que, Hélio de Almeida, quando estudante do curso de Engenharia da UFRJ, foi presidente do DCE, em 1941, e presidente da UNE, em 1942. 89 MINAS Divulga lista dos que serão processados. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sábado, 11 de junho de 1977.

76

que se refere aos estudantes mineiros, eles seriam indiciados em inquéritos pelo

Departamento de Ordem Política e Social de Minas.

Ademais, deve-se indicar um outro fator que colaborava para a retomada

do ME, a impopularidade do governo, em virtude da crise da política econômica,

que tinha como algumas de suas expressões, o aumento do desemprego, da

taxa inflacionária e dos impostos. A partir de problemas no âmbito da economia,

o caráter repressivo e autoritário do regime ganhava maior visibilidade social, o

que colaborava para um maior repúdio às medidas ditatoriais.

O 4° ENE foi realizado em outubro de 1978, na USP, quando se definiu o

apoio ao MDB nas eleições. Somente tendências mais radicais se posicionaram

contrariamente, defendendo o voto nulo. O XXXI Congresso da UNE, o

Congresso da Reconstrução, seria realizado em maio de 1979 – o que foi

decidido no 4° ENE –, em Salvador, sendo considerado ilegal pelo MEC. Neste

Congresso foi definida a criação de quatro instâncias deliberativas na UNE: o

Congresso Nacional de Estudantes, o Conselho de Entidades de Base, o

Conselho de Entidades Livres, mais especificamente os DCEs e UEEs, e a

diretoria. A partir de então, a UNE lutaria

“pela gratuidade do ensino, por mais verbas para a educação, pela anistia ampla, geral e irrestrita, contra a devastação da Amazônia, por uma assembléia nacional constituinte ‘livre, soberana e democrática’, e pela filiação das entidades de base à UNE” (Poerner, 2003, p. 266-7).

Por meio dessas decisões, a entidade estudantil fora reconstruída, com a

participação de cerca de cinco mil estudantes de ensino superior, ainda que sem

o reconhecimento do governo. Meses depois do Congresso, foi eleito, para a

presidência da UNE, o candidato que contou com o apoio da esquerda católica,

do PC do B e do MR-890.

90 Nos anos seguintes persistiu ininterruptamente o predomínio do PC do B na direção da UNE, que se estendeu até 1987.

77

2.4 – Processo de abertura política

Em meados de 1979 – ano da anistia política91, efetivada pela Lei nº 6.683

e pelo Decreto-Lei nº 84.143 –, a Secretaria de Ensino Superior do MEC e o

Departamento de Assistência ao Estudante iniciaram o processo de mudança

no que se refere à regulamentação da representação estudantil no interior das

instituições de ensino superior, no intuito de revogar os decretos-leis 228 e 477,

bem como os artigos 39 e 40 da Lei 5.540/6892, o que foi efetivado por meio do

artigo 5° da Lei n° 6.680, de 16 de agosto de 1979. Tal lei restabelecia normas

quanto às relações entre os estudantes e a instituição de ensino superior. A

partir de então, a comunidade acadêmica não estaria mais sujeita a leis

especiais. Ademais, as universidades teriam de processar reformulações em

suas legislações internas eliminando qualquer artigo indicado nos decretos e

leis revogados. De acordo com Poerner (2003), o Congresso Nacional apenas

legalizou uma situação de fato, pois estes decretos já haviam sido revogados

com a extinção do AI-5.

91 A anistia política de 1979 “excluiu os crimes de sangue; não soltou imediatamente presos políticos que tentaram reorganizar partido ilegal; aposentou militares punidos, pagando integralmente seus proventos; os funcionários afastados só voltaram a seus cargos depois de confirmados por comissão especial” (Vieira, 2000, p.204). Ademais, o problema dos desaparecidos políticos, desde o golpe de 1964, não foi totalmente solucionado. Entretanto, é necessário considerarmos algumas ações que foram realizadas, como a criação da Lei 9.149, de 1995, que garantiu a reparação econômica de parte dos familiares de mortos e desaparecidos políticos no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e instituiu uma Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEDMP), com a função de reconhecer formalmente os mortos e desaparecidos, aprovar a reparação indenizatória e localizar os corpos. Em agosto de 2002 foi promulgada a Lei nº 10.536 que ampliou a data de abrangência da lei de 1995 para 05 de outubro de 1988 e reabriu novos prazos para requerimento de processos. Outra mudança se deu em 1º de julho de 2004, quando a Medida Provisória 176/2004 foi transformada na Lei nº 10.875 que passou a contemplar “os casos de mortes em conseqüência de 'repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público', e os suicídios cometidos 'na iminência de serem presas ou em decorrência de seqüelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público'” (http://www.mndh.org.br consultado em 19/03/2008).

92 Nestes artigos não constava, ao menos explicitamente, determinações de caráter repressivo. No artigo 39 estava definida a necessidade de submeter os regimentos dos diretórios à instância universitária competente, além da possibilidade de punir o diretório que agir contrariamente aos objetivos para os quais foi instituído. Em relação ao artigo 40 ressalta-se a delegação, às instituições de ensino superior, da função de estimular atividades que contribuam para a formação cívica do estudante, não havendo nenhuma referência às atividades de cunho político, o que já era tratado nos decretos 228 e 477.

78

Tratava-se de uma abertura parcial, visto que a Lei nº 6.680/79

permanecia reconhecendo apenas os diretórios centrais, no que se refere às

universidades, e os diretórios acadêmicos, no que diz respeito às unidades de

ensino superior. Diante disso, os órgãos de âmbito estadual e nacional eram

mantidos na ilegalidade. Ademais, as atividades de cunho político-partidário

continuaram sendo proibidas.

Em 1° de outubro de 1979, pouco antes das eleições para a presidência

da UNE, foi baixado o Decreto n° 84.035, que determinou a destituição da

diretoria da entidade de representação dos estudantes que tenha estabelecido

“participação ou representação (...) em qualquer entidade alheia à instituição de

ensino superior a que esteja vinculado” – uma hipótese que já constava no

parágrafo 2º da lei anteriormente citada, mas que fora apresentada sem uma

punição específica. Ressaltava-se, ainda, que por um período de dois anos os

membros da diretoria destituída estariam impossibilitados de exercer cargos de

representação estudantil.

Somente em outubro de 1985 efetivou-se uma abertura integral, com a Lei

n°7.395, que oficializou o reconhecimento: da UNE como entidade

representativa dos estudantes de ensino superior no país; das UEEs no nível

dos estados, Distrito Federal e dos territórios; dos DCEs nas universidades; e,

dos CAS ou DAs nas faculdades. Nenhuma restrição foi apresentada nesta lei,

que destacava em seu artigo 5° que “a organização, o funcionamento e as

atividades das entidades a que se refere esta lei serão estabelecidos nos seus

estatutos, aprovados em assembléia-geral no caso de CAS e DAs e através de

congressos nas demais entidades”. Esta norma ainda revogou a Lei 6.680/79

e a Lei Suplicy – que desde o Decreto Aragão, baixado em 1967, já havia sido

revogada.

Diante de tais indicações pode-se constatar o empenho do governo

ditatorial no sentido de reprimir as iniciativas políticas dos estudantes, que de

fato eram proibidos de se oporem ao que foi sendo estabelecido, embora, em

distintos momentos, se mobilizassem na tentativa de derrubar as medidas e

ações que pretendessem contê-los, paralisando seus instrumentos

organizativos e restringindo seus campos de atuação.

79

Todos esses instrumentos legais foram criados e implementados em

nome da ordem social e da segurança nacional, o que evidencia o conteúdo

ideológico que fundamentava as discussões entre os responsáveis pela política

adotada no sistema de ensino superior do país nas décadas de 60/70.

Vale destacar, no que se refere a essa legislação, a existência de uma

diferenciação quanto à repressão legal e à repressão de fato, pois estas

normas referiam-se, em muitos casos, a termos inespecíficos que abriam um

leque de possibilidades de exigências, por parte dos defensores da ordem, em

relação ao ME.

Ademais, ressalta-se o processo de acirramento da repressão legal, tendo

em vista o progressivo aumento das restrições e punições estabelecidas.

Processo iniciado na Lei Suplicy – que acabou por fortalecer o ME –, reforçado

no Decreto Aragão e que se solidifica, sobretudo, no Decreto-lei n° 477. Por

meio destas normas, a ditadura militar buscou, gradativamente, consolidar uma

estrutura que garantisse a impossibilidade do envolvimento dos estudantes em

atividades de cunho político-partidário, a fim de conter a oposição ao regime

vigente, que atuava arbitrariamente, intensificando, dentre outros fatores, a

perda das liberdades democráticas.

O processo de abertura política ocorreu, ainda, de forma lenta, tendo em

vista as determinações identificadas na Lei n° 6.680/79, que mantinha

limitações à atuação discente. Somente em 1985 pôde-se afirmar, no plano

legal, uma abertura de fato, ao considerarmos a Lei n° 7.395.

Durante todo este período ditatorial, com momentos de intensa repressão,

deve-se destacar a atuação do ME, que, para além dos equívocos e

dissensões, manteve-se contrário a todos esses instrumentos legais criados

pelo governo a fim de limitar suas possibilidades de ação política, o que teve

forte repercussão no espaço institucional das universidades brasileiras, como

veremos o caso da UFRJ no capítulo que segue.

80

CAPÍTULO 3

A REPRESSÃO SOBRE OS ESTUDANTES DA UFRJ

SEGUNDO OS BOLETINS

A repressão sobre os estudantes da UFRJ, no âmbito da própria

instituição, é o foco deste capítulo, que trata do processo de intensificação e de

fortalecimento do controle em relação às atividades dos discentes, após

fevereiro de 1967 e de 1969, respectivamente. Destaca-se, ainda, a aplicação

do Código Disciplinar na UFRJ a partir da década de 70, quando buscou-se

mascarar o controle político no interior da universidade. Ademais, no

fechamento dessa discussão são apresentados alguns quadros que

especificam as penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período estudado.

O texto foi estruturado a partir de informações obtidas em pesquisas aos

Boletins da UFRJ, onde constam decisões do Conselho Universitário

(CONSUNI) e portarias oficializando as ações de cada unidade da estrutura

universitária. Foi realizado um levantamento dos registros das sanções

disciplinares aplicadas aos estudantes da UFRJ em todos os Boletins da

Universidade publicados no período compreendido entre 1964 e 1979.

As ações repressivas sobre os alunos da UFRJ tiveram início logo após o

golpe militar. Aplicou-se a pena de expulsão a nove alunos da Faculdade de

Filosofia, no dia 23 de abril, por estarem ”incursos em faltas graves”93. Tal ação

foi estendida a outros dez alunos, por decisão do CONSUNI, em 2 de julho,

não tendo sido especificado o motivo da sanção disciplinar. Esta pena será

mais aprofundada no capítulo seguinte.

93 Boletim n° 19, de 08 de maio de 1964, p. 1.

81

Uma Comissão de Investigações foi criada por decisão do Reitor Pedro

Calmon, que atendia à recomendação do Ministro da Educação e Cultura, em

obediência ao disposto no Artigo 7°, parágrafo 2°, e no Artigo 10°, parágrafo

único, do Ato Institucional de 09 de abril. Segundo a Portaria n° 311, de 12 de

maio de 1964, tal comissão seria composta por professores catedráticos,

escolhidos pelo CONSUNI, além de “(...) um oficial general das fôrças

armadas, com a incumbência de abrir, por iniciativa própria ou em

conseqüência de representação, as investigações que se fizerem necessárias

no âmbito da Universidade do Brasil”94. Para tanto, o Reitor designou95 o

professor emérito Maurício Joppert da Silva, os professores catedráticos José

Ferreira de Souza, da Faculdade de Direito, e Mauro Ribeiro Viegas, da

Faculdade de Arquitetura, além do General Acyr da Rocha Nóbrega. Dessa

forma, o controle do governo militar sobre a Universidade era introduzido e

normatizado.

A primeira aplicação da pena de suspensão após o golpe militar consta na

Portaria nº 13, de 1º de julho de 1964, quando nove alunos da Escola de

Engenharia (EE) foram suspensos das atividades escolares por seis meses,

pelo diretor em exercício, Cesar Cantanhede, por terem “(...) participado de

atos considerados como de indisciplina, rebeldia e responsabilidade pela

perturbação da ordem (...)”96 (grifos da autora). Eram eles:

1) Antônio Dias Rollenberg

2) Francisco Miguel de Almeida Pires,

3) Joaquim José de Mello Bastos,

4) Jones Bechara Cerqueira,

5) José Jorge Teixeira,

6) Oduvaldo Siqueira Arnaud,

7) Paulo César G. Brandão,

8) Paulo César Pinto, e

94 Boletim n° 20, de 15 de maio de 1964, p. 17. 95 A designação se deu por meio da Portaria n° 312, de 12 de maio de 1964, como consta no Boletim nº 20, de 15 de maio de 1964, p.18. 96 Boletim nº 29, de 17 de julho de 1964, p. 23.

82

9) Ronaldo Barbosa Macedo.

Alguns dias depois, após sugestões da Comissão de Inquérito instituída

para apurar tais fatos, que teriam ocorrido nos dias que sucederam o golpe,

estes alunos – com exceção apenas do último da lista –, juntamente com

outros quatro, Antônio Carlos Loja, Armando Ribeiro de Araújo, Joel Carlos

Pereira e Roberto de Souza, estariam “(...) impedidos de concorrer a eleição,

ou serem designados para qualquer órgão estudantil durante sua vida

universitária”, por força da Portaria nº 18, de 20 de julho.

Em inícios de novembro de 1964, José Souza de Paula, aluno da

Faculdade de Farmácia, foi afastado das atividades escolares por meio da

Portaria nº 14, que assegurava a duração da pena até a conclusão do

processo. Entretanto, a pena foi convertida em suspensão por 15 dias,

resultado da reunião da Congregação, em 18 de novembro, quando se afirmou

o ato de injúria do aluno a membro do corpo docente.

Na sessão do CONSUNI, de 19 de novembro de 1964, o DCE apresentou

um recurso contra a decisão da Congregação da Faculdade de Direito (FD), de

aplicação de penas a estudantes, mas as causas das punições não foram

relatadas. Diante do exposto, o CONSUNI decidiu:

“a) cancelar as penas de afastamento temporário, por cinco meses, aplicadas pela Congregação antes da conclusão do inquérito; b) homologar as penalidades de suspensão e as de afastamento temporário por noventa dias aplicadas depois do inquérito; c) prescrever que, em caso de aplicação de duas ou mais penalidades a um aluno, pela mesma falta, só prevaleça a penalidade maior; d) assegurar, aos punidos com a pena de afastamento temporário, o direito a prestarem exames de 2ª época e matricular-se, no próximo ano, na série correspondente às aprovações alcançadas”97.

A UFRJ abriu o ano de 1965 apresentando a aprovação da cobrança da

anuidade escolar para os cursos de graduação, como consta na resolução nº

3/6598, que resultou da sessão do CONSUNI de 28 de janeiro, o que tornou-se

97 Boletim nº 47, de 20 de novembro de 1964, p. 1. 98 Boletim nº 5, de 29 de janeiro de 1965, p. 3-4.

83

em mais um motivo de luta para o movimento de estudantes. Estabeleceu-se o

valor de Cr$ 28.000,00, o que equivalia a 2/3 do salário-mínimo, que seriam

pagos em duas quotas. Havia, ainda, a possibilidade de gratuidade para os

alunos que comprovassem insuficiência de recursos.

Em março de 1965, o Reitor Pedro Calmon suspendeu, por 30 dias, Ney

Couto Marinho, aluno da Faculdade de Medicina (FM). Houve, ainda, na EE,

outros dois alunos suspensos, Mauro Fernandes Orofino Campos e Sergio

Ambrosio de Medeiros, por 15 e 30 dias respectivamente. A pena foi aplicada

em função do ofício enviado ao Reitor pelo Comandante do 1º Batalhão da

Polícia do Exército, que afirmou o fato dos estudantes terem sido “(...) detidos

em flagrante desrespeito à Autoridade (...), na manhã de 9 de março corrente,

após a realização da cerimônia inaugural do ano letivo (...)”99 (grifos da autora).

Diante disso, o Reitor decidiu a aplicação das sanções disciplinares “(...)

independentemente das conclusões a que haja de chegar a Comissão de

Inquérito (...)”100, que fora nomeada por meio da Portaria n° 91, de 10 de

março. Essa ação desqualificava a Comissão de Inquérito, tendo em vista que

as penas já seriam aplicadas antes de seu relatório.

Outros dois jovens estariam envolvidos no episódio, mas foram isentos de

punição por não estarem na condição de alunos, mas de candidatos à

matrícula na Universidade. No entanto, os diretores das respectivas

Faculdades, às quais se candidatavam, seriam alertados a respeito da grave

ação cometida pelos jovens. Um deles, Nacif Elias Hidd Sobrinho, pretendia

cursar a Faculdade de Filosofia, e o outro, era candidato ao curso da FD, Milton

Castro Filho. No mês seguinte, já aluno de Direito, foi suspenso por 30 dias,

por decisão do CONSUNI, em sessão do dia 8 de abril101. Mais tarde, em 1967,

como exposto adiante, ele foi expulso da UFRJ. Certamente este aluno entrou

na universidade com a marca de subversivo, que associada a sua

movimentação política, gerou a perseguição chegando ao extremo da expulsão

por parte das autoridades universitárias.

99 Boletim nº 11, de 12 de março de 1965, p. 13. 100 Idem. 101 Boletim nº 15, de 9 de abril de 1965, p. 1.

84

Uma outra decisão tomada ainda nessa sessão do CONSUNI se refere à

suspensão do funcionamento do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira

(CACO), da FD, o que perduraria até a resolução do processo disciplinar –

processo n° 7.096-65. Na sessão seguinte, em 12 de abril, ao examinar tal

processo, o CONSUNI aprovou as seguintes conclusões do parecer elaborado

pela Comissão Especial:

“a) destituição da atual Diretoria do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira; b) imediata convocação de eleições para a nova Diretoria do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, obedecido o que dispõe a Lei n. 4.464, de 9-11-64; c) suspensão por 60 (sessenta) dias dos membros da Diretoria do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (...); d) considerar inelegíveis os atuais membros da Diretoria do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira. O Reitor faz um apelo para que seja compreendida a decisão do Conselho Universitário, como uma providência destinada a normalizar a vida escolar, restituindo a tranqüilidade indispensável às tarefas que incumbem a professores e alunos. Queremos a bôa ordem, como condição para os bons estudos, e estamos certos que este é hoje o espírito reinante na Universidade”102. (grifos da autora)

No que se refere às eleições dos DAs após a promulgação da Lei

Suplicy/1964, é importante destacar o exemplo da Faculdade de Ciências

Econômicas (FCE), que, em julho de 1965 e em abril de 1966103, ao

estabelecer as normas para este processo eleitoral, ratificou a obrigatoriedade

do exercício do voto pelos alunos, os quais seriam excluídos dos atos

escolares que sucedessem as eleições no caso de ausência, conforme consta

no Artigo 8° das normas104. Ademais, em seu Artigo 19, foi proibida a “(...)

fixação de cartazes com comentários políticos ou críticas às autoridades

constituídas”. Deve-se ressaltar, ainda, o Artigo 22, onde afirmou-se que: “o

candidato que infringir as disposições previstas poderá ter o seu registro

suspenso pelo Diretor, além da pena disciplinar, que estará sujeito de acordo

102 Boletim n° 16, de 16 de abril de 1965, p. 1. 103 Boletim nº 16, de 22 de abril de 1966, p. 14-16. 104 Boletim n° 30, de 23 de julho de 1965, p. 18-21.

85

com o Regimento da Faculdade”. Diante de tais indicações pode-se constatar a

incorporação, por parte das unidades da Universidade, dos termos da Lei

Suplicy, que visava regulamentar a representação discente.

Na sessão do CONSUNI de 19 de agosto, o diretor da FCE, Luiz Pedro

Baster Pilar, apresentou uma representação contra o DA de sua unidade, o que

pode ter repercutido na homologação, por unanimidade, do ato baixado por ele,

de suspensão do Diretório Acadêmico por 90 dias. Na sessão seguinte, do dia

26, foi suspenso por igual período o funcionamento do DA da Faculdade de

Filosofia, que poucos dias antes havia tido suas atividades suspensas até que

a Congregação da Faculdade se pronunciasse. A decisão do diretor estaria

fundamentada na Lei Suplicy. Segundo ele, o DA teria fornecido aos jornais

uma nota oficial que, caracterizava-se “(...) em vários trechos, como

manifestação de natureza nitidamente político-partidário vedada pela citada Lei

aos órgãos oficiais de representação estudantil (...)”105 (grifos da autora).

Mais tarde, em fins de outubro, a situação do DA da Faculdade de

Filosofia se agravou devido ao descumprimento da pena por parte dos

membros do Diretório, que decidiram adotar a denominação de DALivre FNFi.

Segundo a direção da unidade, “(...) assim intitulando-se, atribuíram-se funções

que lhes estavam defesas enquanto durasse aquela suspensão (...)”106.

Ademais,

“(...) o referido D.A., por sua Presidente, reconheceu perante o aludido Conselho a autoria e responsabilidade dos recentes manifestos distribuídos aos alunos no recinto da Faculdade e convocações, feitas ilegalmente, para reuniões e movimentos estudantis que, ostensivamente, passou a liderar sem ter em conta a suspensão prescrita”107.

105 Boletim nº 35, de 27 de agosto de 1965, p. 40-42. 106 Boletim nº 46, de 12 de novembro de 1965, p. 26. 107 Idem.

86

Diante disso, ficou decidido o afastamento dos cinco estudantes

declarados integrantes do referido DA Livre: Aloisio Pinto Dias (graduando de

Psicologia), Marcílio Eiras Moraes (graduando de Letras), Maria Oliveira das

Chagas e Silva (graduanda de Jornalismo), Mário Ademilson de Oliveira

(graduando de Filosofia) e Tânia Caetano Marins (graduanda de História

Natural).

De acordo com as determinações que constam nos boletins, somente em

janeiro de 1967, com as modificações do Regimento Interno da Faculdade de

Filosofia, foi que a direção desta unidade tornou a fazer referência ao DA de

forma a regulamentar suas ações. Tendo como base a Lei Suplicy, reforçou-se

nesse momento a proibição de atividades de cunho político-partidário, “bem

como insuflar, promover ou apoiar movimentos que acarretem ausência

coletiva aos trabalhos escolares”108. Ressaltou-se, ainda, que

“o Diretório Acadêmico que, a juízo do Conselho Departamental, infringir disposições da Lei nº. 4.464, de 9-11-64, do Estatuto da Universidade, deste Regimento ou do Regimento do Diretório e, bem assim que não cumprir as decisões dos órgãos universitários competentes, será dissolvido por ato do Diretor, que convocará, imediatamente, novas eleições”109.

A Faculdade de Odontologia (FO), em março de 1967, ao definir seu

Regimento Interno, apresentou, no item referente ao corpo discente, as

mesmas restrições indicadas no caso da Faculdade de Filosofia. Houve apenas

uma exceção no que diz respeito aos deveres dos estudantes, que consta no

item c, do Artigo 91, onde foi afirmado que os membros do corpo discente

deveriam

“abster-se de quaisquer atos que possam importar em perturbação da ordem, danos materiais, ofensa aos bons costumes, desrespeito aos professores, autoridades da

108 Alteração do Regimento Interno da Faculdade de Filosofia, publicada no Boletim nº 1, de 6 de janeiro de 1967, p. 23. 109 Idem, p. 24.

87

Faculdade e da Universidade, bem como aos membros do Corpo Administrativo”110.

Ainda em agosto de 1965, o vice-diretor da FCE, Antônio Garcia de

Miranda Netto, resolveu suspender por 90 dias as atividades do DA, em virtude

do discurso proferido pelo presidente do Diretório quando da posse de seus

membros.

Na primeira semana de setembro, Maurício Zenóbio de Carvalho, aluno

da FCE, por ter agredido um funcionário administrativo, recebeu a pena de

afastamento temporário por 60 dias111, logo depois, reduzida para 35112.

Ademais, um outro aluno, José Alfredo da Luz, foi advertido por ter se referido

de forma descortês ao diretor da Faculdade no momento da posse do DA,

quando criticou as autoridades constituídas no país em seu discurso.

Importante destacar, no dia 16 de setembro, a suspensão da

representação do DA da Faculdade de Farmácia, por meio da Portaria nº 23,

em decorrência de não terem apresentado seu Regimento no prazo previsto

pelo Artigo 6º do Decreto nº 56.241, de 4 de maio de 1965 – decreto que

regulamentou a Lei Suplicy, tratando das normas e prazos de implementação

de seus termos.

Desde agosto de 1965, tem-se registro da designação de professores, em

diferentes unidades, para acompanhar as eleições dos DAs de suas

respectivas unidades, como o exemplo da Faculdade de Farmácia, da FCE e

da FM. Destaca-se, ainda, a apresentação, em sessão do CONSUNI de

outubro de 1965, de emendas ao Regimento Interno, por parte das unidades, a

fim de adaptá-los à Lei Suplicy, como foi o caso da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo (FAU) e da Escola de Música (EM).

Em fins de fevereiro de 1966, o Diretor da FCE, constituiu Comissão de

Sindicância, por meio da Portaria nº 24-66, com o objetivo de apurar atividade

de panfletagem no interior da Faculdade, “(...) bem como, autoria dos mesmos, 110 Regimento Interno da Faculdade de Odontologia, que consta no Boletim nº. 13, de 31 de março de 1967, p.44. 111 Boletim nº 36, de 3 de setembro de 1965, p. 13. 112 Boletim nº 41, de 8 de outubro de 1965, p. 23.

88

e finalidade visada com esse fato e demais circunstâncias relacionadas com

essa irregularidade”113. No mês seguinte, Magdalena Veron, aluna desta

unidade ficou impedida de participar das atividades acadêmicas por um período

de oito dias. Tal decisão não foi justificada, como consta na Portaria n° 25, de

16 de março. Ainda nesse mês, por meio da Portaria n° 26 e n°27114 foi

aplicada a pena de advertência a dois alunos da FCE, Eduardo José Gomes

Petersen e Sonia Hinds de Oliveira, em virtude de estes terem fixado cartazes

e distribuído panfletos no interior da Faculdade, o que foi considerado um ato

de desrespeito ao diretor.

Na EE, em inícios de junho, segundo a decisão da Portaria n° 2, o aluno

Rodrigo Barbosa e Silva foi suspenso por oito dias por ter praticado ato de

indisciplina. Um outro ato da direção que merece destaque se refere à

suspensão da representação do corpo discente nos órgãos de deliberação

coletiva da unidade, o que foi decidido em decorrência do não-cumprimento,

por parte do DA, dos Artigos 20 da Lei Suplicy e 6º do Decreto nº 56.241/65

dentro do prazo estabelecido. Tais artigos referíam-se à adaptação do

Regimento dos DAs às normas prescritas.

No primeiro dia do mês de setembro os atos de indisciplina dos alunos da

FD foram tema de discussão do CONSUNI, que decidiu, de acordo com o

proposto pela congregação e pela direção da unidade,

“determinar a dissolução do D.A. da mesma Faculdade; e, dada a gravidade dos fatos expostos, autorizar o Diretor a afastar, impedindo o ingresso na Faculdade até a conclusão do inquérito instaurado, os alunos componentes do Diretório dissolvido, e ainda os que, por sua conduta observada, se tornaram incompatíveis com o funcionamento regulamentar da instituição”115.

Nessa mesma sessão do CONSUNI foram definidos alguns pontos acerca

da cobrança de anuidades, como consta na Resolução nº 22. Dentre eles,

importante destacar o item 3: “os alunos que, não tendo obtido isenção de

113 Boletim nº 8, de 25 de fevereiro de 1966, p. 7. 114 Boletim nº 13, de 01 de abril de 1966, p. 10-11. 115 Boletim nº 35, de 02 de setembro de 1966, p. 1.

89

pagamento e, no prazo acima (4 de julho a 5 de agosto) não o fizerem, terão

trancadas as matrículas, e, em conseqüência, ficarão impedidos de realizar

trabalhos escolares e exames”116. Tal ameaça revela a efetividade dessas

cobranças no meio acadêmico, o que pode ser confirmado por meio do registro

da aplicação da pena de cancelamento de matrículas a três alunos da FCE,

Joacil Cavalcanti de Oliveira, Luiz Roberto Muniz da Silva e Paulo César

Werneck da Rocha, em virtude da falta de pagamento117, em 15 de julho.

Importante assinalar a decisão do CONSUNI, em 8 de setembro, de

extinguir o DA da FAU, quando destacou em sessão: “(...) uma vez que não

tendo cumprido as decisões do Conselho sobre as anuidades, tiveram suas

matrículas trancadas”118. Essa afirmação foi reforçada e detalhada na Portaria

nº 23, da mesma data, onde o diretor da unidade determinou o impedimento da

entrada, no interior da Faculdade, de 27 alunos119, bem como o cancelamento

de suas matrículas.

A justificativa consistiu na falta de pagamento da taxa de anuidade

escolar e na perturbação da ordem causada por estes alunos. A seguir, a

direção da FAU, por meio da Portaria nº 25120, instituiu uma comissão que

deveria vistoriar as dependências do DA tendo em vista a dissolução de sua

Diretoria. Em 13 de outubro, a Comissão de Inquérito instalada excluiu das

restrições impostas nove121 dos 27 alunos punidos, o que foi divulgado pela

Portaria nº 28-66, que não explicava o motivo da isenção concedida.

No período de abril de 1964 até fins de 1966 iniciou-se, de forma mais

clara, o processo de estabelecimento do controle sobre os estudantes da

UFRJ. Entretanto, os estudantes ainda conseguiram manter um nível elevado

de articulação e organização apesar do elevado número de penas aplicadas

116 Idem. 117 Boletim nº 29, de 22 de julho de 1966, p. 33. 118 Boletim nº 36, de 09 de setembro de 1966, p. 1. 119 Idem. Lista completa dos alunos consta no ANEXO I. 120 Boletim nº 44, de 4 de novembro de 1966, p. 24. 121 Eram eles: Célio Diniz Ferreira, César Augusto Guaracy Costa, Gilson Sérgio Cruz, Gregório Fontan Soto, Jorge Mendonça Furtado, Max Sterenberg, Paulo Roberto Rocha, Rezso Karoly Josef Divenyi e Ruth Tobal Barreto (informação que consta no Boletim nº 42, de 21 de outubro de 1966, p.31-32).

90

pelas autoridades universitárias nessa fase. Este movimento revela justamente

uma intensificação progressiva da repressão, bem como da resistência mantida

pelos alunos da UFRJ frente às ações que visavam reprimir a organização e a

manifestação política. Processos que mais à frente deixam de ocorrer

concomitantemente, havendo uma prevalência da repressão sobre os

estudantes.

Vale ressaltar, que não consta nos boletins, informações acerca da

movimentação dos estudantes em setembro de 1966, quando a FM foi invadida

por policiais que visavam desmobilizar os discentes reunidos em assembléia.

Um episódio significativo na história do movimento estudantil da UFRJ que será

discutido no capítulo a seguir.

3.1 – Intensificação do controle

A partir de fevereiro de 1967, as unidades da UFRJ passaram a ter como

base, no controle do corpo discente, nova legislação, o Decreto-Lei nº 228,

que, como discutido no capítulo anterior, reforçou a Lei Suplicy.

A Faculdade de Economia e Administração (FEA), ao regulamentar a

eleição do DA, em agosto desse ano, declarou obediência ao Decreto Aragão.

Diante disso, pode-se constatar, novamente, a influência da legislação nacional

sobre representação estudantil no interior da UFRJ.

Em maio de 1967 a FD voltou a ser destaque em sessão do CONSUNI,

que instituiu Comissão de Inquérito Administrativo a fim de apurar fatos

envolvendo alunos desta unidade. Ademais, foi aprovado um parecer da

Comissão de Legislação, que havia definido a expulsão do aluno Milton Castro

Filho, e a absolvição dos demais alunos por insuficiência de provas. Este é um

caso extremamente significativo, pois tratava-se de um aluno considerado alvo

de sanção disciplinar antes mesmo de ser aluno. Imediatamente após seu

ingresso da UFRJ, ele recebeu suspensão e foi expulso dois anos depois.

Em inícios de agosto, a Faculdade de Filosofia, “(...) considerando que a

UNE é instituição clandestina, fechada pelo Governo da República;

considerando que, por este motivo, a afixação de cartazes relativos a iniciativa

91

da UNE assume caráter de provocação e desordem (...)”122, resolveu aplicar a

pena de advertência ao aluno José Bastos Ribeiro, por ter fixado cartazes no

DA referentes à atividade daquela entidade estudantil.

Nesse ano, outros sete alunos foram advertidos, dentre estes, cinco da

FEA – Ana Maria de Oliveira Abrão, Franklin de Souza Martins, José Carlos

Ferreira Gomes, Marcílio Campos Casela e Marco Antônio Nascimento Pereira

–, que sofreram sanção disciplinar devido à realização de manifestações na

unidade nos dias 5 e 6 de outubro. A aplicação de tal medida efetivou-se em

virtude do relatório apresentado pela Comissão de Sindicância que foi

instituída, cuja função era:

“1º) apreciar os incidentes e tumultos havidos nos dias 5 e 6 de outubro corrente na sede da Faculdade; 2º) averiguar se o D.A. Thales de Mello Carvalho tem promovido manifestações de caráter político-partidário; 3º) averiguar se o D.A. (...) incitou ou promoveu a ausência coletiva aos trabalhos escolares havidos no dia 6 de outubro corrente”123.

Um outro resultado desse relatório foi a repreensão da diretoria do D.A.,

responsabilizada pelo ocorrido. Destacou-se, ainda, a advertência aplicada à

turma da 3ª série da mesma unidade pelos atos de indisciplina, como definido

na Portaria nº 67, de 21 de outubro de 1967124.

Em meados de janeiro de 1968, em sessão do CONSUNI125, foram

apontadas algumas decisões, que constavam no Relatório da Comissão de

Inquérito que apurou fatos do Instituto de Psicologia (IP) que ocorreram no ano

anterior. Conforme o Relatório, três alunos deveriam sofrer sanção disciplinar,

que consistia em: suspensão por um ano a Paulo Rubens Fonseca, suspensão

por 90 dias a Berenice Fialho Moreira, e repreensão a Luigi Moscatelli. No

entanto, não foi relatado o motivo pelo qual os estudantes estavam sendo

punidos.

122 Boletim nº 34, de 25 de agosto de 1967, p.62. 123 Boletim nº 42, de 20 de outubro de 1967, p.60. 124 Boletim nº 46, de 17 de novembro de 1967, p. 30. 125 Boletim nº 3, de 19 de janeiro de 1968, p. 1.

92

Nessa mesma sessão, retornou como tema de discussão do CONSUNI a

questão do pagamento de anuidades. Dentre as resoluções a que se

chegaram, importante destacar que “o aluno que não pagasse ou não tivesse

solicitado bolsa no prazo estabelecido não poderia executar provas, nem

trabalhos escolares”126 e, ainda, ficaria sem freqüência. Ademais, o cartão de

matrícula seria entregue ao aluno somente após o pagamento da taxa de

anuidade escolar.

No que diz respeito às repreensões aos discentes em 1968, vale

considerar o direcionamento desta sanção à diretoria do DA da FEA, por ter

realizado, em 22 de maio, reunião em sala de aula “(...) em horário escolar com

a presença de seus dirigentes e de elementos estranhos ao corpo discente da

casa, impedindo as aulas dos professores (...) e afixando cartazes nos

corredores do Edifício da Escola”127. Esta ação dos estudantes revela a

resistência que ofereciam a um regime que buscava conter suas formas de

articulação e organização política.

No segundo semestre desse ano, algumas unidades, como a EE, a FAU,

a Faculdade de Farmácia e a Faculdade de Letras (FL), designaram

professores e alunos para comporem grupos de trabalho no intuito de que

analisassem como a Reforma Universitária (RU) deveria ser implantada na

universidade. Tratava-se de uma ação ordenada pelo MEC, a fim de legitimar a

RU no corpo acadêmico, principalmente no que se refere ao corpo discente.

Nesse período, os mecanismos de repressão aos estudantes da UFRJ

foram sendo reforçados. Na Faculdade de Farmácia, por exemplo, 26

estudantes128 receberam suspensão de 30 dias por não terem participado das

eleições do DA em 12 de agosto de 1968. A direção da unidade afirmou

atender ao Artigo 5º, parágrafo único do Decreto Aragão.

Em outubro, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), em

decorrência da falta de 66 alunos na eleição do DA, tendo apenas 17 deles

justificado o não comparecimento, também receberam a pena de suspensão

126 Idem, p. 2-3. 127 Boletim nº 22, de 31 de maio de 1968, p. 22. 128 Boletim nº 40, de 27 de setembro de 1968. A listagem completa consta no ANEXO II.

93

por 30 dias 49 alunos129. Igual pena foi aplicada aos alunos da FEA, dos cursos

de Ciências Contábeis, Administração e Ciências Atuariais, também pela falta

na eleição do DA, num total de 112 estudantes punidos130. E para completar o

registro de mais de 239 suspensões no ano de 1968 vale destacar a aplicação

da pena a 48 alunos131 na Escola de Educação Física e Desportos (EEFD).

O DCE, no mês de outubro, foi dissolvido por decisão do CONSUNI, que

posicionou-se de tal forma por meio da Resolução nº 15,

“(...) considerando que o Presidente do Diretório Central de Estudantes tem reiteradamente participado de manifestações públicas de sentido político, o que é incompatível com a função de representação do órgão estudantil; considerando que a atuação do Presidente do órgão de representação tem sido manifestadamente contrária à vida universitária; considerando que o Diretório Central dos Estudantes tem incitado a desordem na vida universitária, com atitudes de indisciplina, com prejuízo, até mesmo para os trabalhos escolares (...)”132 (grifos da autora).

Em fins de 1968, o clima era mais tenso. Na Faculdade de Farmácia,

ocorreram depredações na noite de 18 de dezembro, o que impulsionou a

direção da unidade a criar uma comissão a fim de vistoriar as dependências do

DA Rodolpho Teófilo133. Na EE, em 20 de dezembro teria ocorrido alguma

espécie de agitação estudantil, tendo em vista a pena de suspensão por 15

dias aplicada à aluna Maria da Glória Araújo Ferreira, acusada de perturbar a

ordem e de ter causado danificações no prédio134.

Pode-se observar que nesse ano, o controle sobre os estudantes se

intensificava paulatinamente. O número de penas aplicadas aumentou de

forma significativa, o que foi resultado de uma maior resistência dos estudantes

às imposições da estrutura universitária em obediência ao governo, que em

129 Boletim nº 43, de 18 de outubro de 1968. A lista nominal está localizada no ANEXOIII. 130 Boletim nº 50 de 6 de dezembro de 1968. No ANEXO IV consta a listagem completa. 131 Boletim nº 50, de 6 de dezembro de 1968. Lista dos alunos no ANEXO V. 132 Boletim nº 42, de 11 de outubro de 1968, p. 1. 133 Boletim nº 6, de 07 de fevereiro de 1969, p. 18. 134 Idem, p. 20.

94

muitos momentos não alcançava seus objetivos, e empenhava-se na

elaboração de novos mecanismos de repressão.

3.2 – Fortalecimento da repressão

Após a promulgação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, as

possibilidades de articulação e de organização política dos estudantes no

interior da UFRJ tornaram-se bastante limitadas, sobretudo a partir de fevereiro

de 1969, quando foi baixado o Decreto nº. 477, que, como explicitado no

capítulo anterior, agravou o quadro que vinha se apresentando em 1968. Este

Decreto reforçou, mais uma vez, e com força ainda maior, a estrutura de

controle sobre os discentes, configurando um cenário temeroso.

Importante destacar que anteriormente à aprovação do Decreto-Lei 477

em fevereiro de 1969, a UFRJ já havia criado o Código Disciplinar135, que

visava a regulamentar a aplicação de sanções disciplinares a todo o Corpo

Social da UFRJ – discentes, docentes, técnicos e administrativos. Desde julho

de 1968, o ante-projeto do Código Disciplinar já vinha sendo discutido em

sessões do CONSUNI, tendo sido aprovado em 10 de outubro do mesmo ano.

Somente em março de 1976 o referido Código sofreria atualização e alteração,

sendo, então, incluído no Regimento Geral da UFRJ, Título V.

Dentre as penas aplicadas nesse período, importante destacar, em fins de

maio, a suspensão da aluna Cléa Carapêba Melo, por 30 dias, da FL, “por

incitamento à rebelião e desobediência a ordem do Diretor e por desacato e

ofensa à pessoa do mesmo na presença dos alunos”136 (grifos da autora),

sendo, ainda, proibida de entrar no prédio da unidade enquanto durasse a

pena. Na mesma unidade, outros 25 alunos137 também foram suspensos, mas

por 15 dias, sendo igualmente proibidos de entrarem na FL.

135 Segue no ANEXO VI o Código Disciplinar da UFRJ. 136 Boletim nº 22, de 30 de maio de 1969, p. 13. 137 Listagem nominal consta no ANEXO VII.

95

Os estudantes foram acusados de realizarem “(...) atividades e atitudes

incompatíveis com a ordem e a disciplina internas da Faculdade, inclusive

desrespeito e desacato ao corpo administrativo, nas últimas semanas (...)”138

(grifos da autora). Nos dias imediatamente após o retorno dos alunos

suspensos, reiniciaram-se, segundo a Portaria nº 25, de 10 de junho, as

“atividades não condizentes com a ordem e o respeito às autoridades, inclusive

com a afixação de impressos incitando a greve e a revolta contra os podêres

constituídos”. Diante disso, o diretor da FL decidiu instaurar inquérito a fim de

apurar as responsabilidades desses alunos.

No Instituto de Geociências (IGEO), nesse mesmo mês, a representação

estudantil, composta por quatro alunos – Augusto César Sales Galvão, Geraldo

Mac-Dowell Rumpenhorst, Ronaldo de Souza Costa e Telma Regina de

Almeida Cordeiro –, foi suspensa por desobediência às ordens expressas pelo

diretor. No mês seguinte, os mesmos alunos foram desligados do IGEO com

base no Decreto-Lei nº 477, em virtude das atividades por eles desenvolvidas

como membros do DA, do material encontrado nas dependências da entidade

estudantil, e, do desaparecimento de material pertencente ao IGEO.

Em fins de maio de 1969, na Escola de Belas Artes (EBA), alunos foram

suspensos e repreendidos139, também com base no Decreto-Lei nº 477, dentre

outras acusações, por movimentarem-se no intuito de reunir discentes em

reunião não permitida e por incitá-los à greve geral. Um dos estudantes

suspensos foi acusado de ter se empenhado na invasão da portaria da unidade

“em companhia de alunos suspensos, de estranhos e de alunos ainda não

punidos”140, e teria participado, ainda, de atos de subversão e de promoção da

desordem. Os alunos suspensos foram primeiramente penalizados por 15 dias

e logo após foi decidido que a pena duraria enquanto durasse o processo

sumário a que respondiam. Os estudantes suspensos foram:

1) Albertina Rodrigues Costa;

2) Anita de Moraes Slade (presidente do DA); 138 Boletim nº 22, de 30 de maio de 1969, p. 14. 139 A lista dos alunos repreendidos segue no ANEXO VIII. 140 Boletim nº 24, de 13 de junho de 1969, p. 14.

96

3) Dulce Carvalho Fernandes;

4) Dulce Gonzáles (vice-presidente do DA);

5) João Maurício Branco Sette (secretário geral do DA);

6) José Carlos Avelino da Silva; e,

7) Sônia Maria Goulart Salles.

No início do mês seguinte, cinco dos estudantes suspensos foram

desligados141 da EBA – com a exceção de Dulce Carvalho Fernandes e Dulce

Gonzáles – e o Diretório Acadêmico da unidade foi dissolvido. O diretor da

unidade afirmou estar cumprindo o disposto no Decreto-Lei 477 e acusou os

estudantes de praticarem atos que atentavam contra a ordem e a disciplina.

No que se tange ao Código Disciplinar, vale considerar que, apesar de ter

sido criado em 1968, as aplicações de penas aos estudantes passaram a fazer

referência a ele somente a partir de junho de 1969, como foi possível observar

nos boletins da UFRJ. Tratava-se do caso de dois alunos, da FEA, que foram

punidos, Ricardo Corrêa Pimenta e Paulo Cesar Gomes Leite Pitanga, com

suspensão142 de dez e cinco dias respectivamente, de acordo com a Portaria nº

40 e nº 41, nos termos da alínea C, do Art. 7º do Código, porém é importante

considerarmos a inespecificidade da aplicação desta pena. O §1º do Art. 8º do

Código Disciplinar define as faltas, que, cometidas por alunos, os tornariam

alvos de advertência, repreensão, e suspensão de até 15 dias ou de 16 a 30

dias – como consta no Art. 7º – conforme segue:

“I – Desrespeito ao Diretor da Unidade ou a qualquer membro do Corpo Docente ou Administrativo; II – Desobediência a ordem dada por qualquer autoridade Universitária, no exercício de suas funções; III – Ofensa ou agressão a membro do Corpo Discente; IV – Perturbação da ordem em qualquer área da Universidade; V – Danificação de material da Universidade, caso em que, além da pena disciplinar ficarão obrigados à indenização do dano ou substituição do objeto danificado; VI – Improbidade na execução de atos ou trabalhos escolares”.

141 Boletim nº 25, de 20 de junho de 1969, p.8. 142 Idem, p.7.

97

Pode-se, então, perceber, o leque de ações que poderiam ter sido

praticadas pelos alunos suspensos. O Código Disciplinar, dessa forma, abriu

espaço para que alunos fossem punidos sem que o motivo da aplicação da

pena fosse especificado. Aqui, as ações de cunho político-partidário não foram

citadas, tendo em vista a possibilidade de enquadramento destas nos itens de I

a IV. Dessa forma, o sistema de controle aos universitários ganhava uma nova

roupagem, mascarado nas possibilidades de desrespeito e desobediência por

parte dos estudantes.

Dentre as medidas tomadas pelas unidades da UFRJ, também merece

destaque a advertência ao aluno Henrique Octaviano de Moraes Sampaio

Behrens, da FAU, em inícios de agosto, “por ter-se dirigido a seus colegas, em

sala de aula, com informações inquietantes, que provocaram perturbações da

ordem no recinto (grifos da autora)”143. Na EBA, a direção, buscando cumprir o

Decreto-Lei nº 477, instaurou processo sumário no intuito de apurar atividades

subversivas por parte de alunos.

Em meados de agosto de 1969, a direção da FD instituiu Comissão de

Inquérito a fim de apurar agitações estudantis no interior da unidade. De acordo

com análise de tal comissão, há alguns anos, os estudantes vinham fazendo

pichamentos nas paredes internas e externas da unidade, que expressavam

“frases desrespeitosas e subversivas, incitamento aos movimentos contrários à

ordem pública e à regularidade dos trabalhos escolares, com greves e

protestos de toda espécie, até a gravação de nomes de falsos heróis porque

esquerdistas”144 (grifos da autora). Mesmo após a limpeza e a pintura das

paredes do prédio, no início de março, as autoridades universitárias

constataram que os estudantes

“reiniciaram a sua faina de sujeiras, repetindo os pichamentos, as frases de insulto, as gravações de nomes, os cartazes subversivos, as convocações de greves etc. Nada respeitaram e assim continuaram no mês de maio. Os comícios, os discursos incendiários, ataques aos não comunistas principiaram na primeira metade de abril, por ocasião das

143 Boletim nº 31, de 01 de agosto de 1969, p. 13. 144 Boletim nº 42, de 17 de outubro de 1969, p. 20.

98

eleições para representantes de turmas e continuaram em salas de aulas e em horas diversas”145.

Diante disso, no intuito de cumprir o Decreto-Lei nº 477, a direção da unidade

resolveu suspender o CACO (Centro Acadêmico Cândido Oliveira) e fechou

sua sede. Ademais, oito alunos foram desligados, sendo, ainda, proibidos de se

matricularem, pelo prazo de três anos, em qualquer outra instituição de ensino.

Eram eles:

1) Antônio Carlos Rodrigues Pereira;

2) Antonio Rangel Torres Bandeira (presidente do CACO);

3) Aurora Oliveira Coentro;

4) José Augusto da Silva Pereira (2º tesoureiro do CACO);

5) Luiz Carlos Cataldo;

6) Maria Angélica Gonçalves Gentile;

7) Maria Julieta Viana; e,

8) Sônia Regina Yessin Ramos (2º vice-presidente do CACO).

Ao observar a Tabela 1, que apresenta as penas aplicadas aos

estudantes da UFRJ neste período, pode-se perceber a mudança da repressão

sobre os discentes, que se iniciou em 1964, e se intensificou nos anos

seguintes.

Entretanto, destacou-se a exclusão de 19 alunos já em 1964. Em 1966, o

quadro apresenta um número significativo de suspensões, 27, mas que não se

compara às mais de 239 computadas em 1968. Finalmente, com o reforço total

desse controle, o ano de 1969 se põe com 57 repreensões, número máximo,

51 suspensões, e 19 exclusões, repetindo o início desse ciclo.

145 Idem.

99

Tabela 1

Algumas penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido

entre 1964 e 1969

ANO

PENAS

APLICADAS

1964

1965

1966

1967

1968

1969

Advertência

- 2 2

> 8146

1 8

Repreensão

1 - 4 2 > 7 57

Suspensão 10

10 > 27 5 > 239 51

Exclusão (expulsão, desligamento e cancelamento de matrícula)

19 - 3 1 - 19

Na tabela 2, que segue estão apresentadas todas as penas aplicadas aos

estudantes da UFRJ entre 1964 e 1969, com a indicação do número de alunos

punidos, da unidade a que se refere, da data de aplicação da sanção disciplinar

e da causa da pena, bem como da norma na qual a autoridade universitária de

baseou para decidir a punição – estes dois últimos itens constam apenas nos

casos em que havia tal especificação.

146 O sinal > foi utilizado na tabela no intuito de informar a constatação de um número de aplicação de penas maior do que o indicado. Isto ocorreu em virtude de algumas unidades aplicarem sanção disciplinar sem especificar a quantidade de alunos punidos. Como por exemplo, a FEA, no que se refere à advertência à 3ª série em 1967 e à repreensão da diretoria do DA em 1968; na FD a suspensão aplicada a dirigentes do DA em 1966 e a suspensão aplicada pelo IP em 1968.

100

Tabela 2

Penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido entre 1964 e 1969

ANO

PENAS

APLICADAS

1964

1965

1966

1967

1968

1969

Advertência

1 – FCE (10/09) Descortesia ao Diretor 1 – FAU (10/12)

2 – FCE (01/04)

Panfletagem

1 – FCE (06/01) Displicência

1 – FEA (30/06) Mau comportamento 1 – Faculdade de Filosofia (25/08) Ação em favor da

UNE

5 – FEA (10/11) Tumulto na FEA

3ª série – FEA (17/11) Indisciplina

1 – FEA (11/10) Perturbação da ordem

2 – EE (24/01)

Desrespeito à funcionário

Cód. Disciplinar

1 – FEA (25/04) 1 – EEFD (04/07) Indisciplina + Improbidade na

execução de trabalhos

escolares

D-L 477

_

101

1 – FAU (01/08)

Perturbação da ordem

1 – FEA (10/10)

Cód. Disciplinar

2 – EE (04/12)

Cód. Disciplinar

Repreensão

1 – FAU (08/05)

Entrada de

carro no hall

da Faculdade

4 – FAU (09/09)

1 – EE (10/03) Desrespeito à

professor

1 – FCE Desrespeito à autoridade superior

DA – FEA (10/11)

1 – IP (19/01) 1 – EE (03/05) Diretoria do DA – FEA (31/05) 5 – IGEO (18/10)

Desobediência

3 – EE (24/01)

Desrespeito à docente

Cód. Disciplinar 24 – EBA (13/06)

Desrespeito/ D-L 477

1 – EBA (29/08)

Desrespeito à docente 27 – IGEO (26/09) /Cód. Disc. 2 – IGEO (18/12) /Cód. Disc.

_

102

ANO PENAS APLICADAS

1964

1965

1966

1967

1968

1969

Suspensão

9 – EE (17/07) 6 meses/ Indisciplina, rebeldia e perturbação da ordem 1 – Fac. de Farmácia (27/11) 15 dias/ Injúria à docente

1 – FM (10/03) 30 dias Desresp. à autorid 1 – EE (10/03) 30 dias/Idem 1 – EE (10/03) 15 dias/Idem 1 – EE (19/03) 30 dias 1 – FD (09/04) 30 dias Aplicada pelo CONSUNI

1 – FCE (25/03) 8 dias 1 – EE (17/06) 8 dias/Indisciplina Integrantes do DA – FD (02/09) Indeterminado

25 – FAU (09/09) Impedidos de entrar na FNA por não pagamento da anuidade e por perturbação da ordem – em 13/10, 9 destes são isentos da pena

1 – EE (24/02) 8 dias/Cola 1 – FEA (20/10) 8 dias 3 – FEA (17/11) 8 dias/Indisciplina – Port. Anulada em 21/11

1 – IP (19/01) 1 ano 1- IP (19/01) 90 dias 1 – EE (15/03) 30 dias/ Agressão à discente 26 – Fac. de Farmácia (27/09) 30 dias 49 – IFCS (18/10) 30 dias/ Ausência nas eleições do D.A. 112 – FEA (06/12) 30 dias/ Idem 48 – EEFD (06/12) 30 dias/ Idem

1 – EE (07/02) 15 dias/ Perturbação da ordem 1 – EEFD (14/02) 10 dias/ Cód. Disc. 1 – FL (30/05) 30 dias/ Incitamento à rebelião 25 – FL (30/05) 15 dias/ Indisc./ Desrespeito 7 – EBA (13/06)

Subversão/ D-L 477

1 FEA (20/06) 10 dias/ Cód. Disc.

103

Suspensão (afastamento ou impedimento de participação das atividades acadêmicas)

_

Diretoria do CACO – FD (12/04) 60 dias Aplicada pelo CONSUNI 1 – FCE (03 e 22/09) 60 dias reduzido p/ 35 Afastamento Agressão à funcionário 5 – Fac. de Filosofia (12/11) Afastamento

Agitação

_

1 – EE (15/12) 45 dias+anulação das provas em Isostática IP (13/12)

Indisciplina

1 – FEA (20/06) 5 dias/ Cód. Disc. 4 – FD (04/07)

Indeterminado/ D-L 477

4 – IGEO (04/07) Indeterminado/Irregularidades

no DA

1 – FAU (25/07) 10 dias/ Agressão à disc. 1 – EE (25/07) 1 ano/ Injúria/ Agressão func. D-L 477 2 – EE (08/08) 6 meses 1 – EEFD (29/08) 5 meses/ D-L 477 1 – ICB (04/12) 15 dias/ Cód. Disc.

104

ANO PENAS APLICADAS

1964

1965

1966

1967

1968

1969

Exclusão (expulsão, desligamento e cancelamento de matrícula)

9 – Fac. de Filosofia (08/05)

Expulsão

Incursos em

faltas graves 10 – Fac. de Filosofia (03/07) Expulsão

3 – FCE (22/07) Cancelamento de matrícula Não pagamento da anuidade

1 – FD (05/05) Expulsão Aplicada pelo CONSUNI

4 – IGEO (13/06)

D-L 477

1 – FEA (20/06)

D-L 477

5 – EBA (20/06)

Desordem/ Indisc./ D-L 477

8 – FD (17/10) “(…) com privação de se matricularem, pelo prazo de três anos, em qualquer outro estabelecimento de ensino” D-L 477 1 – FEA (11/12)/ D-L 477

Proibição de candidatura

12 – EE (07/08)

_

_

_

_

_

_ _

105

ANO PENAS APLICADAS

1964

1965

1966

1967

1968

1969

Suspensão de representação do DA

Fac. de Farmácia (24/09) Não cumpriu prazo de adaptação à Lei Suplicy

EE (17/06) Não cumpriu prazo de adaptação à Lei Suplicy/ Obs.: suspensão nos órgãos de deliberação coletiva da unidade

FAU (04/11) Diretoria dissolvida

IGEO (19/05)

Desobediência

Vistoria em DA

FAU (04/11) Comissão deveria “(...) arrolar o material existente nas dependências do DA (...)”

Fac. de Farmácia (07/02)

Dissolução de entidades estudantis

_

_

_

_

DCE da UFRJ dissolvido em 11/10

Fac. de Farmácia (05/09)

Dissolução

_ _ _ _

_ _ _

105

3.3 – Controle político “mascarado” – A aplicação do Código Disciplinar na UFRJ

A partir da década de 70 – período em que o movimento estudantil

encontrava-se limitado em suas possibilidades de organização, quando se

percebeu obrigado a restringir-se, sobretudo, a atividades clandestinas –, o

número de sanções disciplinares aplicadas aos estudantes sofreu uma redução

significativa e passou a ter como base o Código Disciplinar unicamente.

Para além do já exposto no item anterior acerca do Código Disciplinar,

vale destacar outros pontos importantes, como a aplicação das penas de

afastamento temporário e de exclusão, que ocorreria em casos de reincidência

em faltas cometidas,

“(...) II – Prática de atos incompatíveis com a dignidade e o decôro da vida universitária; III – Injúria ou agressão ao Diretor da Unidade a qualquer membro do Corpo Docente ou a autoridade administrativa; IV – Agressão a funcionário administrativo; V – Prática de atos criminosos; VI – Por conduta social imprópria e lesiva à reputação da Universidade”147.

A aplicação da pena de exclusão era de competência exclusiva do

Conselho Universitário. Ademais, durante o processo disciplinar, o aluno não

poderia ser transferido para outra instituição de ensino superior, e, caso

estivesse na última série, ficaria impossibilitado de colar grau, como previsto no

§ 5º do Art. 11º.

Ficava sob os cuidados do Diretor da unidade a aplicação de

advertências, repreensões e suspensões até 15 (quinze) dias; e, da

Congregação ou órgão equivalente, a aplicação de suspensões de 16

(dezesseis) até 30 (trinta) dias, bem como o afastamento temporário.

O §3º, do Artigo 8º, fazia referência aos casos não previstos na norma,

que deveriam ser apreciados pela Congregação, responsável por opinar acerca

da gravidade da falta, bem como a respeito da sanção disciplinar que seria

aplicada. Esta determinação ampliava as possibilidades de punição, e abria

caminho para um controle ilimitado sobre os estudantes da UFRJ. Respaldava,

147 Trecho extraído do item II à V, do § 2º, do Artigo 8º, do Código Disciplinar da UFRJ.

106

por exemplo, a suspensão, em 1970, do aluno Gilson Gomes Vieira, do IP, por

um ano, período demasiadamente extenso para aplicação de uma sanção

disciplinar, sem que fosse apresentada justificativa alguma.

Dessa maneira, reforçou-se a prática de aplicação de penas em alunos

sem que se especificasse a causa da medida disciplinar, como pode ser

observado na tabela a seguir:

Tabela 3

Penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido entre

1970 e 1979148

ANO

PENAS

APLICADAS

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1978

Advertência

1 – ICB (16/04) 1 – ICB (16/04)

1 – EE (25/11)

1 – EE

(23/03)

1 – EEAN (25/05)

1 – IGEO (27/12)

1 – EQ (25/07)

1 – FEA (12/08)

Repreensão

1 – EE

(16/07)

1 – FL (28/01) 1 – IGEO (05/08)

1 – IP (13/01) 1 – EEFD (16/11)

FE + EEFD (25/07) 1 – FL (25/10) Desresp. à prof.

1 – FEA (03/01) 1 – FD (14/02) 2 – IGEO (04/07 e 01/08) 1 – CT

1 – IP (02/01) 1 – EQ (10/07) 1 – IGEO (27/11)

1 – FD (06/07) Desresp. à prof.

148 Nos anos de 1977 e 1979 não foram encontrados, nos Boletins da UFRJ, registros de aplicação de penas aos alunos, o que justifica o suprimento destes anos da tabela.

107

(07/11)

Suspensão Suspensão (afastamento ou impedimento de participação das atividades acadêmicas)

2 – EE (09/04) 6 meses 1- IP (09/04) 1 ano 1 – EEFD (25/06) 15 dias 1 – IF (16/07) 15 dias 37 – Fac. de Farmác. (30/07) 8 dias 1 – FL (12/11) 8 dias Desresp+ Indisc 1 – EE (03/12) 3 meses 1 – EE (03/12) 30 dias 1 – EE (24/12) 30 dias

1 – FEA

(28/01)

5 dias Subvers. 1 – EEAN (06/05) 16 dias 3 – EE (15/07) 5 dias 1 – EE (19/08) 7 dias 1 – EQ (30/12) 16 dias

2 – IM (27/04) 7 dias 1 – EEAN (31/08) 8 dias 1 – FAU (09/11) 15 dias

1 – EE (05/04) 15 dias 1 – IGEO (03/05)

Temporariamente

1 – EQ (10/05) 8 dias 1 – FL (25/10)

Temporariamente

1 – EQ (18/04) 1 – CCM (23/05) 30 dias 1 – EE (13/06) 7 dias 1 – EEFD (11/07) 15 dias 1 – FAU (07/11) 15 dias Desord. 1 – IM (14/11) 5 dias 1 – EQ (19/12) 3 dias

7 – FEA (27/03) 15 dias 13 – FEA (27/03) 10 dias 2 – IM (27/04) 45 dias 1 – IM (15/05) 15 dias 1 – EEAN (10/07) 7 dias 2 – IF (14/08) 15 dias

1 – EQ (15/01) 180 dias 1 – EQ (15/01) 150 dias 1 – EQ (15/01) 90 dias 1 – EEFD (24/06) 3 dias

1 – EE (23/02) 5 dias 1 – CCS (02/03) 2 dias 1 – EE (02/03) 10 dias 1 – IM (27/07) 15 dias

Conforme constatado, alunos foram repreendidos, suspensos e advertidos

por contrariarem o Art. 8º do Código Disciplinar, porém não havia nenhuma

explicação sobre que espécie de falta era cometida pelos estudantes, o que era

realizado somente em alguns casos. Em 1970, a única exceção foi a

suspensão por oito dias de uma aluna da FL, por desrespeito e indisciplina.

108

Vale registrar, ainda nesse ano, o número de suspensões computadas,

46, em virtude das 37 ocorridas na Faculdade de Farmácia149 em fins de julho.

Os estudantes da 3ª série do curso de Farmacêutico-Bioquímico foram

suspensos por oito dias em virtude das faltas cometidas pelos mesmos que

eram previstas no Art. 8º, incisos I, II, IV e VI do Código Disciplinar.

Aqui ficou demarcado o fim do período em que suspensões foram

aplicadas em índice elevadíssimo, resultado do fechamento do governo militar.

Apenas em 1975 registrou-se, novamente, uma taxa significativa de aplicação

desta sanção disciplinar, como é possível observar na tabela 4.

Tabela 4

Total de penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido

entre 1970 e 1979

ANO

PENAS

APLICADAS

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1978

Advertência

2

1

2

1

1

-

1

-

Repreensão

1

2

2

>

1150

5

3

-

1

Suspensão (afastamento ou impedimento de participação das atividades acadêmicas)

46

7

4

4

7

26

4

4

149 Boletim nº 30, de 30 de julho de 1970, p. 14. A listagem dos alunos consta no ANEXO IX. 150 O sinal > foi utilizado na tabela no intuito de informar a constatação de um número de aplicação de penas maior do que o indicado. Isto ocorreu em virtude de algumas unidades aplicarem sanção disciplinar sem especificar a quantidade de alunos punidos.

109

Em 1971, somente uma suspensão foi justificada. Tal sanção disciplinar

fazia referência ao aluno Cláudio Vilar Furtado, da FEA, que, por ocasião da

solenidade de formatura, como orador da turma, proferiu termos nitidamente

subversivos, de acordo com a Portaria nº 1, de 15 de janeiro.

No ano de 1973, importante destacar a repreensão, aplicada pelo Diretor

da Faculdade de Educação (FE), sem a devida causa, à turma masculina,

oriunda do 5º período da EEFD, que cursava disciplina na FE. Uma outra

aplicação de sanção que merece atenção, diz respeito à suspensão de João

Carlos Lopes da Rosa, aluno da FAU, “por perturbação da ordem,

desobediência a ordem dada e desrespeito ao Secretário da Faculdade e ao

Administrador da Sede”151 (grifos da autora). E, no que concerne a esse

período, somente em 1978, registrou-se novamente uma justificativa de sanção

disciplinar, que se refere à repreensão de Walter Ropon Horta, aluno da FD,

por desrespeito à professor.

Deve-se ressaltar aqui, a ausência de registros, nos Boletins da UFRJ, de

aplicação de penas a estudantes nos anos de 1977 e 1979, o que pode ou não

configurar a não-aplicação de sanções disciplinares.

O período de 1970 a 1979 foi marcado, inicialmente, por um controle

exacerbado do movimento estudantil, e assim, dos estudantes no interior dos

estabelecimentos de ensino. Diante disso, foi necessário um recuo por parte

dos alunos envolvidos em atividades que pretendessem uma organização

política na universidade, o que explica, em alguma medida a redução do

registro de sanções disciplinares aplicadas nessa década. Somente a partir de

1977 se dá o retorno dos estudantes às manifestações políticas ostensivas –

como consta no capítulo anterior –, precedido, certamente, por uma

rearticulação discente na universidade. Ademais, é importante considerar o

processo de abertura política que se iniciou na segunda metade desse período,

que gerou, no cotidiano da UFRJ, a redução do controle sobre seus

estudantes.

151 Boletim nº 45, de 7 de novembro de 1974, p. 30.

110

Diante do exposto, pode-se constatar, por meio dos registros

apresentados, a repercussão do cenário político em âmbito nacional no

cotidiano da UFRJ. No entanto, vale destacar que as sanções aqui citadas

foram divulgadas nos boletins pelas autoridades universitárias, que também

estavam mantidas sob controle, o que em alguma medida pode ter

comprometido a exatidão das informações, em muitos casos superficiais, sem

clareza nas justificativas expostas.

A discussão desenvolvida no capítulo anterior, acerca da repressão e da

resistência discente no país, estabelece uma relação direta com a realidade da

UFRJ nesse período. A promulgação da Lei Suplicy, do Decreto Aragão, bem

como do Decreto-Lei nº 477 gerou modificações reais na relação estabelecida

com os estudantes no espaço da Universidade como foi possível verificar. A

UFRJ, no decorrer de todo o governo ditatorial, aplicou uma série de penas aos

estudantes que cometeram as faltas previstas nessas leis, sobretudo os

envolvidos em atividades políticas, os subversivos.

Importante considerar também a criação do Código Disciplinar da UFRJ,

que antecedeu o Decreto-Lei 477. Entretanto, a aplicação do Código tomou

força apenas a partir da década de 70. Em 1969, eram poucas as unidades que

o utilizavam; prevalecia a aplicação do Decreto-Lei 477.

Certamente, há outras informações significativas para esta parte da

história da UFRJ que não foram aqui apresentadas, mas que poderão estar em

destaque no capítulo que segue.

CAPÍTULO 4

EPISÓDIOS DA REPRESSÃO E DA RESISTÊNCIA DISCENTE NA UFRJ

A UFRJ foi cenário de episódios importantes para a história do ME que

envolviam não só seus estudantes, mas o estudantado carioca. O presente

capítulo tem o intuito de destacar alguns episódios da repressão e da

resistência discente na UFRJ, tendo por base, principalmente, entrevistas com

ex-alunos e material da imprensa da época.

O ME da UFRJ, no início da década de 60, era baseado, sobretudo, na

articulação mantida entre o DA da Faculdade de Filosofia, o CACO da

Faculdade de Direito e o DA da Engenharia. Outro CA de grande

representatividade era o da Medicina, mas nesse primeiro momento, segundo

Almir Fraga Valadares152 – estudante da medicina até 1966 – encontrava-se

nitidamente dividido, o que também foi afirmado por Jean Marc Van der Weid153

– estudante de Engenharia Química/UFRJ desde março de 1964. Entretanto,

Valadares destacou que,

“(...) depois, durante o avanço do movimento passou a (...) uma prevalência do movimento de esquerda. Até talvez estimulada pela própria ditadura, porque todo mundo virou quase que um movimento só, um movimento de resistir à ditadura (...)154”.

152 Professor da UFRJ, atualmente, decano do CCS (Centro de Ciências da Saúde)/ UFRJ. 153 Afirmação feita em entrevista à Coordenadoria de Comunicação da UFRJ, divulgada no 2º semestre de 2006 em material produzido para o evento “Invasão da FNM – 40 anos”.

Jean Marc formou-se em Economia. Atualmente é coordenador do Programa de políticas Públicas da ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA). 154 Trecho da entrevista realizada com Almir Valadares em 2007.

No que diz respeito aos estudantes de Filosofia, desde o início da década

de 60, começou-se uma mobilização na busca por melhores condições de

ensino. Com uma nova gestão, o DA, composto principalmente por militantes

do PCB e da JUC, dinamizou os centros de estudo e criou um curso pré-

vestibular, com aulas ministradas pelos próprios alunos. De acordo com

Victória Grabois:

“(...) Aquilo era uma efervescência. Aquilo foi crescendo. Eram tantos militantes do PCB lá dentro, que geralmente, é... você tem células né. Você tem célula da Filosofia, a célula do Direito, a célula da Medicina e tal. Mas lá era tanta gente que era dividido por curso (...). Nas Ciências Sociais, metade da turma era do Partido, era impressionante (...). Então a Filosofia fervia. As assembléias eram concorridíssimas (...) 300, 200 alunos que iam para as assembléias”155.

A respeito dessa afirmação pode-se retomar Hobsbawn (1995), que ao

apontar elementos que possivelmente pudessem explicar a inclinação dos

estudantes para a esquerda na década de 60, ressalta, dentre eles, o aumento

do número de estudantes de humanidades, que, no caso da França por

exemplo, foi multiplicado por quase três e meio, e de Ciências Sociais, por

quatro, no decorrer desta década. Apesar de serem dados referentes à

realidade francesa, podem nos auxiliar na análise da agitação estudantil que

ocorreu mundialmente, e, em particular, na Faculdade de Filosofia, que

configurava um local com capacidade em potencial para a realização de

grandes mobilizações e articulações políticas. Um centro que oferecia mais de

20 cursos, e que concentrava um considerável número de discentes,

principalmente da área de humanas.

No que se refere à direção partidária do DA, predominava o PCB, mas já

havia, nesse período, um grupo em discordância, que após o golpe formou a

Dissidência Guanabara, e que participava de cursos de marxismo ministrados

por Maurício Grabois e João Amazonas, dirigentes do PC do B, na sede do

Jornal Classe Operária e no prédio da ABI.

A nova dinâmica da Faculdade de Filosofia, impulsionada pelo DA,

promoveu a criação de cursos noturnos, o que tornou possível o ingresso de

155 Entrevista realizada em janeiro de 2007.

jovens que pretendessem trabalhar. O critério classificatório para o

preenchimento integral das vagas também foi outro ponto de luta dos

estudantes. Ademais, investia-se na promoção de cursos, conferências,

exibições de filmes, apresentações de peças de teatro, seminários e estudos

de política internacional.

Iniciando uma série de punições aos estudantes, deve-se destacar, nesse

momento pré-golpe, o movimento discente, em 1963, que visava destituir o

Diretor da Faculdade, Eremildo Viana, o que repercutiu, no mês de outubro, na

suspensão por tempo indeterminado, de quinze alunos, eram eles:

1) Carlos Mauricio Gierbrecht Ferreira Chaves (4º ano de Física),

2) Elias Mansour Simão Filho (2º ano de Matemática),

3) João Guilherme Vargas Netto (1º ano de Matemática),

4) Fernando Bunchaft (4º ano de Física),

5) Paulo Cesar Esteves (4º ano de Química),

6) Adyr Moisés Luiz (4º ano de Física),

7) Amaury Cano (1º ano de Matemática),

8) Elio Gaspari (1º ano de História),

9) Flavio Vieira da Cunha e Silva (3º ano de Filosofia),

10) Rachel Teixeira (1º ano de Letras),

11) Regina do Prado (3º ano de Filosofia),

12) Sergio Salomé da Silva (1º ano de Ciências Sociais),

13) Victoria Grabois (1º ano de Ciências Sociais),

14) Wilson Barbosa (4º ano de História), e

15) Yeda Salles (3º ano de Filosofia).

Pode-se verificar, diante disso, que as lideranças estudantis já vinham

sendo perseguidas antes do golpe de 1964. A repressão começava a ser

revelada em 1963. Os alunos suspensos só puderam retornar às aulas por

volta do mês de março, após terem recorrido ao presidente João Goulart

(Jango), que revogou a pena. Logo após o golpe, uma das Comissões de

Inquérito criticou a atitude de Jango, sobretudo no que se referia à sua relação

com a UNE.

Vale destacar que imediatamente após terem recebido a sanção, os

estudantes distribuíram um manifesto, a “Carta dos 15 da FNFi aos

Estudantes”156, que dentre outras afirmações ressaltava:

“(...) Que fizemos? Por que somos punidos? Somos punidos porque havendo entre nós quinze, colegas de diversas ideologias, estamos em unidade na direção de uma luta que há 80 dias empolga os colegas de nossa Faculdade. Este é o nosso crime maior: participar da direção da unidade dos colegas, em luta por uma aspiração que só pode dignificar nossa condição de estudante e cidadão: participação dos alunos e professores catedráticos e não catedráticos, no encaminhamento das eleições para a nova direção de nossa Faculdade (...) Com a expulsão157 de nós quinze, pensam – que ilusão! – golpear a liderança dos estudantes da Faculdade, intervir no Diretório Acadêmico e nos Centros de Estudos, atemorizar os colegas e desta maneira, a partir da Filosofia, reprimir e exemplar todo universitário, todo Diretório, toda Faculdade, que ouse erguer mais alto sua luta”.

Por meio deste documento os alunos buscavam informar o corpo discente

acerca da introdução da aplicação de penas e conclamá-los à unidade,

“UNIDADE PELAS BASES”, na luta “PELA REFORMA UNIVERSITÁRIA,

PELAS REFORMAS DE BASE, POR UM GOVERNO CAPAZ DE REALIZÁ-

LAS”. Os estudantes eram capazes de perceber que não se tratava de uma

perseguição pessoal, mas principalmente de sufocar e dispersar o ME. O

exemplo serviria para inibir possíveis tentativas de mobilizações estudantis.

Entretanto, os alunos não temiam e ousaram até mesmo em assumir a direção

de uma greve e a ocupação pacífica do salão nobre da faculdade, o que mais

tarde serviu como embasamento do relatório da Comissão de Inquérito para

suas expulsões.

No período em que foram mantidos suspensos, os estudantes entraram

em greve por cerca de 15 dias, ainda em função da retirada do Diretor Eremildo

Luis Viana. A fim de garantir a permanência da greve, foram formados piquetes

no intuito de impedir a entrada de alunos.

156 O texto completo segue no ANEXO X. 157 Embora, no manifesto, os alunos afirmassem terem sido expulsos, a pena aplicada foi de suspensão por tempo indeterminado, como afirmado anteriormente.

Um episódio que também marcou a atuação dos estudantes em 1963, diz

respeito à cerimônia de formatura dos estudantes de Jornalismo, quando

Lacerda, governador da Guanabara, havia sido convidado para ser paraninfo.

Entretanto, ele foi impedido de entrar pelos estudantes, que lançaram bomba

de gás lacrimogêneo sobre ele.

Entretanto, apesar de toda esta mobilização por parte dos estudantes,

Poerner aponta alguns elementos considerados por ele como fraquezas da

Faculdade de Filosofia. Dentre eles, a generalização estabelecida ao verem o

apoio ao DA como um posicionamento de esquerda, o que teria desestruturado

a base política que vinha se configurando. Ademais, rapidamente, a Faculdade

de Filosofia passou a ter um dos maiores percentuais de socialistas. Discentes

muito jovens acreditavam ter absorvido os escritos de Marx e Engels após

leituras superficiais.

O autor ainda ressalta que, em fins de 1963, estudar passou a ser um

“desvio pequeno-burguês” para grande parte dos estudantes, “(...) pois a

cultura estava morta e a faculdade representava um monumento do latifúndio.

Era preciso derrubar tudo, fazer a revolução e, só então, recomeçar” (Poerner,

2003, p.169). Para Poerner, no início de 1964, era evidente a divisão entre os

estudantes da FNFi, os que tinham participação política mas que também

estudavam, eram vistos como direitistas reacionários pelos radicais. No que se

refere a esta afirmação, os estudantes suspensos, estariam, então, inseridos

no primeiro grupo, tendo em vista, de acordo com o discurso de alguns158

deles, o ótimo desempenho que mantinham nas disciplinas. Entre eles estava,

inclusive, uma aluna que fora aprovada em primeiro lugar no vestibular. Diante

disso, os estudantes militantes não poderiam receber críticas quanto ao

desempenho acadêmico.

Na primeira semana do golpe, o curso pré-vestibular mantido pelo DA da

Faculdade de Filosofia foi fechado, os cursos noturnos extintos e o critério

classificatório dos exames de vestibular foram eliminados, em decorrência da

existência de “comunistas” à frente destas iniciativas. Logo, era necessário

reprimí-los, e, para tanto, o DA foi dissolvido. A partir desse momento, alguns

episódios marcaram o movimento estudantil da UFRJ, que foi alvo de uma

158 Victória Grabois, em entrevista; e Sérgio Salomé, na carta ao leitor, por exemplo.

série de sanções disciplinares, como já apresentado no capítulo anterior.

Destaca-se a seguir alguns deles.

4.1 – Expulsão de 19 alunos

A perseguição às lideranças estudantis da UFRJ, que já se iniciava antes

do golpe, tornou-se ainda mais incisiva após abril de 1964. A expulsão de 19

estudantes da Faculdade de Filosofia, como já apontado no capítulo anterior,

foi uma decisão tomada pelo CONSUNI em duas sessões. Uma no dia 23 de

abril de 1964, dirigida pelo reitor Pedro Calmon e registrada em ata, sem

assinatura, quando o parecer da Comissão de Correição da Faculdade –

presidida pelo professor José Leme Lopes – foi aprovado pelos conselheiros, o

que resultou na expulsão de nove alunos, dentre eles cinco dos que haviam

sido suspensos por tempo indeterminado em outubro de 1963, como segue:

1) Carlos Mauricio Gierbrecht Ferreira Chaves,

2) Elias Mansour Simão Filho,

3) Enylton de Sá Rego,

4) Fernando Bunchaft ,

5) João Guilherme Vargas Netto,

6) Manoel José Rocha e Silva,

7) Paulo César Dantas Esteves,

8) Silvio Clemente da Motta, e

9) Sergio Emmanuel Dias Campos.

E outra sessão, que consta do dia 02 de julho de 1964, iniciada, de acordo

com a ata do CONSUNI, pela

“(...)leitura de parte do relatório (grifos da autora) da COMISSÃO DE INQUÉRITO, referindo às já conhecidas insubordinação e indisciplina dos alunos (idem) daquele estabelecimento de ensino, sugerindo, em nome da COMISSÃO a extensão de penalidades aos demais alunos

implicados na referida insubordinação e que não foram punidos”159.

No entanto, representando oposição à maioria dos membros da sessão, o

professor Oscar Stevenson exigiu a leitura do processo e o representante dos

alunos afirmou a necessidade de um defensor para os estudantes. Diante

disso,

“O professor Moniz de Aragão justificou à luz da tradição dos julgamentos do CONSELHO, não haver razões legais para as objeções do prof. STEVENSON e do representante dos Alunos. À seguir, posta em votação a preliminar do prof. STEVENSON, foi rejeitada, por maioria de votos”160.

Logo após, a expulsão de mais dez alunos – que constam na lista dos

suspensos por tempo indeterminado em 1963 – foi aprovada com apenas dois

votos contrários, sendo baseada nos pareceres dos professores Paulo Góes,

Abelardo de Brito, Leme Lopes e Farias Góes161. E os alunos expulsos dessa

vez foram:

1) Adyr Moisés Luiz,

2) Amaury Cano,

3) Elio Gaspari,

4) Flavio Vieira da Cunha e Silva,

5) Rachel Teixeira,

6) Regina do Prado,

7) Sergio Salomé da Silva,

8) Victoria Grabois,

9) Wilson Barbosa, e

10) Yeda Salles.

Não obstante, o Representante dos Estudantes, na mesma sessão,

apresentou a proposta de transformar a pena de expulsão em suspensão por 159 Trecho da ata do Conselho Universitário de 02 de julho de 1964. 160 Idem. 161 UB estuda expulsão de mais estudantes. Última Hora – 11 de julho de 1964.

um ano, o que foi rejeitado, tendo apenas dois votos favoráveis. Vale ressaltar,

que a posição do professor Stevenson, segundo Rachel Teixeira – uma das

estudantes expulsas –, surpreendeu os alunos que acreditavam tratar-se de um

professor “reacionário e de direita”162.

Havia, ainda, a ameaça163 de outras expulsões, como por exemplo, na

Faculdade de Direito, onde dezenas de alunos tiveram que apresentar defesas

às acusações de “prática de atividades subversivas”. Ademais, a partir de julho,

as investigações na Faculdade de Filosofia, na Faculdade de Direito e na

Escola de Engenharia, foram encerradas e tiveram início IPMs, sob a

competência da Comissão Geral de Investigações.

Vale observar que a sansão não foi comunicada oficialmente. De acordo

com Carlos Maurício Ferreira Chaves, um dos estudantes expulsos, eles

tomaram conhecimento por meio dos jornais164. Imediatamente após o golpe,

os estudantes estavam impossibilitados de freqüentar a universidade e com a

expulsão não podiam mais ir para nenhuma universidade pública do Brasil.

Ademais, quatro dos estudantes, Paulo César Dantas Esteves, Carlos Mauricio

Gierbrecht Ferreira Chaves, Fernando Bunchaft e Wilson Barbosa, estavam no

último ano, prestes a colar grau.

Importante considerar também, no início do governo ditatorial a relativa

liberdade de expressão – se comparada aos períodos que se seguiriam – de

que dispunham os estudantes, o que pode ser observado por meio da

publicação, no Jornal do Brasil, de uma carta165 de Sérgio Salomé Silva, um

dos estudantes expulsos, retificando informações divulgadas em matéria sobre

a expulsão. Onde destacou, ainda, o bom desempenho acadêmico dos

estudantes expulsos.

Impossibilitados de freqüentar outra universidade pública e tendo perdido

anos de investimento intelectual e material num curso interrompido, os

estudantes viam suas perspectivas de futuro comprometidas. Entretanto,

segundo Rachel Teixeira, estudante do curso de Letras expulsa: “Fazer outra 162 VÍTIMAS da intolerância política. Jornal do Brasil – 23 de novembro de 1999. 163 UB estuda expulsão de mais estudantes. Última Hora – 11 de julho de 1964. 164 Idem. 165 Carta do leitor. Jornal do Brasil – 19 de agosto de 1964.

faculdade não foi difícil para a maioria de nós. O difícil foi superar o trauma da

expulsão e daquele período horrível”166.

A estudante Victória Grabois, por exemplo, teve sua casa invadida pelo

Exército, não somente em virtude de sua atuação política, mas principalmente

porque seu pai, Maurício Grabois167, era dirigente do PC do B. O DOPS,

baseado em ofício enviado pelo Diretor da Faculdade de Filosofia, a definia

como “(...) ativa militante comunista no partido do Brasil. Seu pai é dirigente do

partido há anos. Altamente politizada e perigosa agitadora de massas”. Diante

de tais circunstâncias a estudante foi obrigada a sair de casa e se refugiar

aonde não pudesse ser encontrada, bem como seus pais, que tiveram que ir

para um local distinto da filha. No início da década de 70, a estudante perdeu

seu pai, seu irmão, André Grabois, e seu marido, Gilberto Olímpio,

desaparecidos durante atuação na Guerrilha do Araguaia, comandada por

Maurício Grabois – um trauma superior ao da expulsão que marcaria sua vida.

Ao falar acerca do motivo da expulsão, a estudante explicou:

“Eu nunca soube (...). É claro, expulsa pela luta estudantil, mas não tem um envolvimento específico. A questão era, ‘subversiva’, como tá no dossiê do DOPS, ‘altamente perigosa’, né. Eles dizem. Isso eles dizem para todas as mulheres, ‘estando à beira do isterismo’ (...). Muito genérico né. Não tinha o ato específico. O ato específico a gente sabe, a expulsão do Eremildo que detonou”.

De acordo com Raquel Teixeira,

“Foi um ato de vingança. Logo após o golpe, ele se juntou aos militares e liderou a nossa expulsão”168.

166 UFRJ reintegra 19 alunos que foram expulsos em 64. Jornal O Globo – 23 de novembro de 1999. 167 Dentre outras ações, Grabois participou de atividades realizadas pela ANL, em 1935. Durante o Estado Novo foi condenado à revelia num processo em Minas Gerais. A partir de 1948, em decorrência da repressão policial aos comunistas, passou a atuar na clandestinidade. Em 1962 atuou na reorganização do PC do B e no relançamento do jornal A Classe Operária. Logo após o golpe de 1964, voltou a viver na clandestinidade. Iniciou os preparativos para a Guerrilha do Araguaia em 1967. E foi assassinado em 1972, juntamente com outros 58 (cinqüenta e oito) guerrilheiros do PC do B na localidade de Faveira, no sul do Pará , onde foi estabelecido o núcleo guerrilheiro descoberto então pelo Exército. 168 Vítimas da intolerância política. Jornal do Brasil – 23 de novembro de 1999.

“Fomos expulsos porque a universidade não queria reivindicações, como a da Reforma Universitária. Foi um ato interno, por isso nem fomos anistiados. Mas, apesar disso, a lista foi aleatória. Alguns não se conheciam ou não militavam. Tanto que a maioria nunca mais se encontrou (...)”169. /“(...) não formávamos uma gangue, como pareceu na época (...)”170.

Tratou-se de um processo que visava excluir do corpo discente da UFRJ

estudantes que pudessem comprometer o avanço do controle sobre a

universidade por parte do governo ditatorial, e que serviriam de exemplo, a fim

de gerar temor nos estudantes que pretendessem alguma ação que pudesse

configurar contrariedade ao governo. A insubordinação e a indisciplina dos

alunos expulsos, citadas na ata da sessão do CONSUNI de julho, não foram

especificadas. No que se refere às informações do DOPS acerca dos

estudantes, vale destacar outros exemplos, como segue:

“ENYLTON SÁ REGO – É membro efetivo do Partido Comunista, participando dos movimentos orientados pelas esquerdas no meio estudantil. ELIAS MANSOUR SIMÃO FILHO – Em 24.10.63 promoveu agitações nos meios estudantis. É comunista militante e lidera movimentos do Partido entre estudantes e operários. FERNANDO BUNSCHAFT – Brasileiro, (...) é comunista confesso. É pago pelo P.C. para orientar os alunos comunistas. Em 24.3.1962, foi detido na gare D. Pedro II, quando se encontrava distribuindo prospectos alusivos ao 40º aniversário do P.C.B. SILVIO CLEMENTE DA MOTA – É membro do P.C.B. e perigoso agitador da classe estudantil. (...) ADYR MOISÉS LUIZ – Agitador comunista, militando na U.N.E. e participando de todos os movimentos empreendidos pelo P.C. no setor estudantil. ELIO GASPARI – Em 24.10.63 era funcionário da embaixada cubana. É comunista e perigoso agitador.”

Diante dos termos utilizados na identificação dos estudantes torna-se

clara a ameaça gerada por suas ações e ideais políticos naquele momento

169 UFRJ reintegra 19 alunos que foram expulsos em 64. Jornal O Globo – 23 de novembro de 1999. 170 VÍTIMAS da intolerância política. Jornal do Brasil – 23 de novembro de 1999

histórico, mas principalmente o serviço prestado pelo Diretor da Faculdade de

Filosofia ao governo ditatorial. Todas essas informações constavam no ofício

Nº 1824171, que foi enviado por Eremildo Viana ao DOPS, como indicado no

documento. Havia, no responsável pela unidade da UFRJ, o cuidado em

delatar as atividades e as opções políticas de cada estudante, o que reforçava

o teor da repressão sobre eles, que se dava além da universidade.

A fim de reparar, em alguma medida, a aplicação desta pena sobre os

estudantes, que não puderam ser anistiados nem pedir indenização à União –

pelo fato da expulsão não ter resultado de um ato institucional –, apenas uma

medida foi tomada, 35 anos depois. No dia 22 de novembro de 1999 houve

uma cerimônia simbólica de reintegração dos 19 alunos expulsos, presidida

pelo Reitor José Henrique Vilhena de Paiva, a partir de proposta do professor

Aloísio Teixeira – atual Reitor da UFRJ – que foi aprovada por aclamação pelo

CONSUNI. Para ele, a expulsão é “uma mancha, uma vergonha na história da

UFRJ”172.

4.2 – A repressão imediatamente após o golpe

Outros episódios também puderam marcar a história do ME da UFRJ,

como por exemplo, o do dia 1º de abril de 1964, no decorrer do golpe militar,

quando cerca de 300 estudantes concentraram-se no CACO, orientados pelo

PCB. Durante todo o dia eles permaneceram no interior da Faculdade de

Direito ouvindo a Rádio Mayrink Veiga (Rádio da Legalidade), que em

determinada hora saiu do ar, deixando os estudantes sem notícias acerca dos

últimos acontecimentos no cenário político que encontrava-se em plena

ebulição. O CCC mantinha-se em frente a Faculdade direcionando

provocações aos estudantes que em alguns momentos respondiam a elas.

171 A referência ao ofício é feita no documento Nº 6.405 da Superintendência Executiva do DOPS. 172 UFRJ reintegra 19 alunos que foram expulsos em 64. Jornal O Globo – 23 de novembro de 1999.

Quase no fim do dia bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas no local

aonde se mantinha a concentração discente e em seguida o Exército entrou.

“Eu tenho essa imagem. Eu lá em cima (...) e vendo aqueles homens do Exército de capacete de guerra, de guerra! ‘E vocês têm que sair daqui agora, porque a ordem que eu recebi do I Exército (...) é pra jogar bomba e que vocês todos sejam mortos aqui dentro. É pra matar os estudantes. Então vocês saiam’”173.

O militar responsável pela execução desta ação era o Capitão Ivan

Proença. Entretanto, ele não acatou as ordens e orientou aos estudantes que

se retirassem, o que foi feito rapidamente, em grupos. Em decorrência deste

posicionamento ele foi preso por longo período, na Ilha das Flores, por

desacato. E em seguida, expulso do Exército.

Os estudantes já representavam ameaça ao governo que começava a ser

estabelecido, por isso era necessário que se providenciasse uma forma de

conter este perigo, sobretudo por tratar-se de estudantes ligados ao PCB. Por

meio desta ação, o governo ditatorial começou a demonstrar uma face dos

métodos que passariam a ser utilizados para legitimar-se: a violência física.

Ademais, a inserção de militares na universidade foi outra forma de

garantir o controle. Pode-se citar como exemplo a presença do general Arcy da

Rocha Nóbrega, que presidiu a Comissão Especial de Investigações quando da

intervenção174 na Faculdade de Filosofia. Tal decisão foi tomada pelo

CONSUNI – em sessão no dia 30 de maio – que acolheu as conclusões do

relatório da Comissão de Inquérito instaurada na Faculdade de Filosofia175, no

qual continha acusações contra: o ex-diretor Eremildo Viana176, o DA que já se

173 Trecho da entrevista realizada com Victória Grabois. 174 INQUÉRITO manda intervir na FNFi e acusa Eremildo Viana. Jornal do Brasil – 31 de maio de 1964. 175 Nesse momento o professor José de Faria Góis era o diretor da unidade. 176 O relatório faz alguns apontamentos em relação a Eremildo Viana: “a) Referiu-se à ação deletéria de vários professores, sem declarar qual a providência que tomou para corrigir a anormalidade; b) Cedeu diversas dependências do edifício-sede e do anexo (antigo Tribunal Federal de Recursos) ao Diretório Acadêmico, quando 32 cadeiras não possuíam instalações; c) Acusou o Reitor de ser conivente com vários desacertos dos alunos, ao fazer-lhes algumas concessões quando, segundo as provas trazidas aos autos pelo Reitor, tais concessões foram por ele, Professor Eremildo Luís Viana, encaminhadas e recomendadas; d) Concedeu recursos

encontrava dissolvido, os 15 alunos suspensos em outubro de 1963, dentre

outras. O documento também buscou enquadrar o ex-presidente Jango, por

não ter punido os repetidos excessos dos estudantes, quando da aula

inaugural daquele ano, sendo, ainda, acusado de apoiar os “planos subversivos

da UNE”.

Constam, ainda, no relatório da Comissão de Inquérito os nomes de

outros177 alunos envolvidos no episódio da formatura de Jornalismo ou

pertencentes ao DA, além dos suspensos antes do golpe, alguns deles são:

1) Fernandes Antonio Laert Rizzo;

2) Paulo Lobo;

3) Vilas Boas;

4) Nesi Werneck;

5) Luís Maria Ganan;

6) Pedro Celso;

7) Ordefla Silva de Almeida;

8) Tomitahe Zaguti; e,

9) Orlando Guerra.

No intuito de garantir sua hegemonia, o governo também buscou

respaldar suas ações em todo um aparato legal, que no meio estudantil foi

apresentado inicialmente por intermédio da Lei Suplicy – analisada no capítulo

II. Entretanto, como foi possível observar, essa lei acabou por fortalecer o ME.

Segundo Almir Valadares, estudante da medicina até 1966:

“Era proibido tudo. Só que os estudantes continuavam fazendo. Era proibido, mas ainda não era reprimido. Era reprimido localizadamente. Eles buscavam algumas pessoas,

financeiros para uma publicação de um centro de estudos que, segundo suas próprias palavras, ‘completava a subversão da ordem na Faculdade’; e) Não entregou à Comissão Especial de Inquérito, até o término dos seus trabalhos, e apesar de insistentemente solicitado, a cópia de suas declarações à CPI de Brasília, as quais determinaram a abertura do presente inquérito”. 177 INQUÉRITO manda intervir na FNFi e acusa Eremildo Viana. Jornal do Brasil – 31 de maio de 1964.

algumas lideranças (...). Mas o movimento continuou ainda organizado, ainda funcionando (...)”. “Qualquer encontro coletivo, em princípio, era proibido. Nos CAs, naquela época, devia existir só eventos sociais e esportivos (...) futebol. Atividades políticas eram proibidas”178.

No que se refere à Faculdade Nacional de Direito, vale destacar, em

outubro de 1964, a realização de uma greve contra o terrorismo cultural. O

CONSUNI, dirigido pelo reitor Pedro Calmon, dissolveu a direção do CACO que

organizou a greve. Em 12 de abril, decorridos 60 dias da suspensão desta

diretoria, o diretor da faculdade, no intuito de impedir uma reunião de protesto

dos estudantes, solicitou a presença de agentes do DOPS e de choques da

Polícia Militar. O encontro foi marcado por ferimentos e prisões, e resultou,

ainda, na suspensão das aulas.

Outro episódio de destaque envolve o marechal Castelo Branco, que foi

alvo de vaias, diante do corpo diplomático, no decorrer de uma aula inaugural,

na Escola Nacional de Arquitetura, em 9 de março de 1965. A Polícia do

Exército, então, prendeu cinco dos estudantes que participaram do protesto. No

entanto, mesmo com estas punições o episódio se repetiu na cerimônia de aula

inaugural da FNFi, quando grande parte dos estudantes se retiraram no

momento em que o Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o

ministro Luís Viana Filho iniciou seu discurso, tendo sido também vaiado.

Mais tarde, em junho de 1966, na Faculdade de Filosofia179, 23

estudantes receberam a punição de 3 a 6 meses de suspensão. Mais tarde, 35

alunos da Faculdade de Direito, dentre os quais, 11 diretores do CACO recém-

eleitos, foram suspensos “preventivamente”, por terem liderado movimento e

resistência ao pagamento das anuidades. Na Faculdade de Arquitetura, 4

estudantes foram ameaçados de expulsão e outros 400 poderiam ter suas

matrículas canceladas devido à recusa em pagar a 2ª parcela das anuidades.

Nas Faculdades de Filosofia, Química, Farmácia, Medicina, Arquitetura foram

eleitos diretórios contrários à política universitária do governo.

178 Trecho da entrevista realizada com Almir Valadares em 2007. 179 Por que se agitam os universitários. Correio da Manhã – Terça-feira, 20 de setembro de 1966.

Por outro lado, em unidades como a da Medicina, por exemplo, a

repressão não se dava ou não tinha visibilidade para a maioria dos estudantes

nesse primeiro momento. Talvez pela divisão, apontada nesse primeiro

momento pelos estudantes. De acordo com Almir Valadares, logo após o golpe

“As direções das unidades em geral não reprimiam não. Elas recebiam orientação para reprimir, mas não reprimiam não. Eu posso falar aqui pela Medicina. (...) Pelo contrário, eles até tentavam evitar que a repressão policial entrasse nas dependências da Medicina (...)”180. “(...) entre os estudantes da Medicina não tinha penas aplicadas. As penas eram aplicadas de fora, os alunos eram presos. Eles ficavam afastados. Naquele período da prisão eles ficavam afastados das aulas”181.

Diante dessa afirmação pode-se observar a ação direta do governo

ditatorial na busca pela manutenção de sua ordem. No que se refere às prisões

dos alunos, Valadares destaca que

“Os alunos eram presos, ficavam presos de 3 meses, 6 e às vezes perdiam o ano, porque naquela época não era por período não, era por ano. Então de repente eles perdiam o ano ou tinham que trancar a matrícula”. “(...) pessoas às vezes ficavam sumidas. E às vezes até os próprios professores da FM, que tinham algum prestígio com (...) os políticos que estavam no poder, conseguiam descobrir aonde estavam essas pessoas e buscava até dar alguma assistência, de proteção. Não podia libertar, pelo menos procuravam evitar conseqüências maiores”.

Em inícios de setembro de 1966, a Reitoria determinou o fechamento de

todas as suas faculdades, o que visava impedir a realização de uma grande

passeata que estava sendo organizada pelos estudantes. E no dia 14 desse

mês, alunos da Faculdade de Odontologia entraram em greve de protesto.

Estudantes de vários Estados do país realizaram gigantescas

manifestações. No Rio de Janeiro, foi realizada uma passeata composta por

universitários que se posicionavam “(...) contra o fechamento do CACO, a

180 Trecho da entrevista realizada em 2007. 181 Idem.

dissolução do DA da Faculdade Nacional de Arquitetura, a suspensão de 35

alunos de Direito e 28 da Arquitetura, em defesa da autonomia das

universidades”182. Com o intuito de não permitir o acesso dos estudantes à

Central do Brasil, aonde certamente receberiam o apoio dos trabalhadores, a

repressão policial-militar os interromperam a cassetetes e bombas.

Talvez o episódio de maior destaque na história da resistência discente e

da repressão sobre o ME da UFRJ tenha sido a invasão da FM, na Praia

Vermelha. Vale ressaltar que, apesar da violência policial-militar incisiva sobre

os estudantes, não se tratou de um massacre como divulgado pela imprensa:

“O Massacre da Praia Vermelha”. O episódio ocorreu no dia 22 de setembro de

1966, quando cerca de 600 estudantes se encontravam em assembléia-geral

na FM, que foi sitiada, e, no dia seguinte, no momento em que decidiam a

possibilidade de retirada, foi invadida pelos policiais que espancaram os

universitários, o que resultou em grande número de feridos. Jean Marc Van der

Weid, na época estudante de Engenharia Química, afirmou:

“(...) naquele instante, os policiais invadiram, arrombaram a porta e, em minutos, chegaram no local da assembléia. Foi um espalha geral. Eu corri para o terceiro andar e notei que não tinha mais como resistir. Como sobreviveríamos àquilo? (...) Eles arrombaram a porta sem nenhum tipo de resistência”183.

Todos os estudantes que se retiravam da unidade eram obrigados a

passar por um “corredor polonês”. Tratou-se de uma ação executada pelo

General Nieméier, diretor do DOPS, acompanhado pelo Coronel Darci Lázaro,

e consentida pelo Reitor da Universidade, Pedro Calmon, que após

incessantes discussões com os estudantes na tentativa de convencê-los a

retirarem-se da Faculdade afirmou não ter mais o que fazer, pois o general

havia estabelecido um prazo para a saída dos discentes.

Outro episódio que merece ser ressaltado nesse período se refere aos

alunos da Faculdade de Filosofia, que em inícios de março de 1967,

promoveram a aula inaugural que havia sido cancelada pelo Diretor Raul

182 Estudantes nas ruas enfrentam a repressão. O Corujão, setembro de 1966. 183 Trecho da entrevista concedida à Coordenadoria de Comunicação da UFRJ, divulgada no 2º semestre de 2006 em material produzido para o evento “Invasão da FNM – 40 anos”.

Bittencourt, a fim de evitar que houvessem manifestações, tendo em vista que,

no dia anterior à aula, as paredes da Faculdade amanheceram cobertas por

cartazes de convocação aos alunos e a todos os que se posicionassem

contrariamente à ditadura, para que comparecessem ao salão nobre da

unidade para participarem da aula inaugural184. Enquanto o Presidente do

Diretório Acadêmico discursava e protestava contra a prisão dos acadêmicos

Lincoln Bicalho Roque185 e Antônio Carlos, do 4º ano, vestibulandos eram

convocados a realizarem as últimas provas do processo seletivo186, que

apresentava muitas pendências e modificações inesperadas. Diante de tanta

confusão, estudantes distribuíam um manifesto que condenava a Direção pela

desorganização da unidade e apresentava “discursos de crítica à repressão

policial aos movimentos estudantis, à infiltração policial no corpo discente, e às

relações Direção-alunos”187. O problema do pagamento das anuidades foi outro

ponto abordado pelos líderes do movimento que afirmavam a necessidade de

veteranos e calouros não efetuarem o pagamento e exigirem da Direção o

recibo de isenção.

4.3 – A repressão em 1968

184 Faculdade de Filosofia da UFRJ cancela a sua aula inaugural temendo agitação. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sexta-feira, 03 de março de 1967 – p. 13. 185 Importante considerar a atuação política desse estudante, que apesar da repressão conseguiu formar-se em 1967, e em seguida passou a lecionar na UFRJ. Entretanto, em abril de 1968 foi compulsoriamente aposentado em virtude de suas atividades políticas. Após várias prisões, o dirigente do PC do B foi para a clandestinidade em 1972 e desapareceu em 13 de março de 1973, quando foi morto com 15 (quinze) tiros. Entretanto, em sua certidão de óbito consta que havia no corpo feridas transfixantes no coração, pulmão, rins e fígado. A versão oficial de sua morte era falsa (Fontes: entrevista de Tatiane Roque, filha do militante, localizada no acervo da pesquisa “Violência Estatal e Lutas Sociais: a constituição da mulher como sujeito”, do GECEM – Gênero, Etnia e Classe: Estudos Multidisciplinares – da ESS/UFRJ; e o site www.desaparecidospoliticos.org.br/detalhes1.esp?id=200). 186 Duas semanas depois, tornou-se necessária a realização de novos vestibulares, em virtude do número de candidatos aprovados, para alguns cursos, terem sido inferiores ao número de vagas (Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sábado, 11 de março de 1967). 187 Alunos da FNFi promovem aula inaugural cancelada para evitar manifestações. Jornal do Brasil – Caderno 9 – 04 de março de 1967.

Com o intuito de reivindicar uma melhor qualidade na alimentação e

preços mais baixos, os estudantes da UFRJ, em março de 1968, realizaram

uma manifestação em frente ao restaurante Calabouço, vinculado à

universidade. A ação policial contra os estudantes foi incisiva, o que resultou na

morte do estudante Édson Luís de Lima Souto, secundarista de 16 anos.

Milhares de estudantes acompanharam o velório, enterro e missa, que foram

marcados por novos conflitos. O episódio repercutiu numa série de

manifestações por todo o país. Dessa forma, a repressão ditatorial tornava-se

cada vez mais evidente no cenário social.

Em 20 de junho de 1968, estudantes da UFRJ organizaram uma

Assembléia-Geral, no anfiteatro da Faculdade de Economia, na Praia Vermelha,

com a presença do vice-reitor, Clementino Fraga – Muniz de Aragão

encontrava-se em Brasília –, de membros do Conselho Universitário e

professores. Estiveram presentes representantes discentes de diversas

faculdades que expuseram faixas com frases como: “Abaixo a ditadura”, “Mais

verbas federais” e “Contra a fundação”. Os assuntos em destaque na

Assembléia foram: a prisão de estudantes, o aumento de vagas na

Universidade, a luta por verbas federais e a política educacional do Governo.

Antes do início da Assembléia tropas e agentes do DOPS instalaram-se ao

redor da Universidade à espera da saída dos estudantes que temiam a

repressão. O estudante Arlindo Lima Chardel, da Faculdade de Química, foi

preso ao tentar entrar na Universidade, porque estava carregando impressos

que seriam distribuídos na assembléia188. No decorrer da reunião, uma

comissão de deputados que pretendia estabelecer contato com o governador

Negrão de Lima – Alberto Rajão, Fabiano Vilanova, Salvador Mandin, Mauro

Magalhães e Ciro Kurtz – foi recebida pelo vice-Reitor. E somente no início da

noite, com a informação dada pelo Reitor de que o governador prometera

suspender a ação de policiais, foi que os universitários decidiram retirar-se do

local.

No entanto, apesar da organização e do apoio dos professores na

assembléia, bem como dos apelos dos pais para que os policiais permitissem a

saída pacífica de seus filhos, foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo no

188 Cêrco começou antes de estudante chegar. Jornal do Brasil – 21 de junho de 1968.

interior do campus e, no momento da saída, quando estudantes caminhavam

juntamente com professores e o vice-reitor, soldados agiam violentamente.

Diante da reação da polícia, Clementino Fraga retornou para a Faculdade, que

permaneceu cercada por policiais, com os deputados e cerca de 20 alunos, e a

grande maioria correu em direção à sede do Clube do Botafogo, aonde foram

agredidos fisicamente por soldados, que invadiram o local em busca de

estudantes lá refugiados e se propuseram a cessar as agressões somente após

terem decidido prender os universitários. Foram detidos pelo DOPS

aproximadamente 360 estudantes não só da UFRJ, sendo 61 mulheres189.

No dia seguinte ao episódio, aconteceria, como decidido em assembléia,

uma concentração de estudantes no MEC190. Porém, de acordo com o Jornal

Última Hora191, o I Exército já estaria atento a qualquer movimentação. No que

se refere aos estudantes que foram detidos no Batalhão Blindado do Centro

Preparatório de Oficiais da Reserva (CPOR) e no Quartel da PE (Polícia do

Exército), o I Exército havia firmado o compromisso de interferir, ainda na noite

do dia 20, em favor dos estudantes detidos. Apenas 30 permaneceriam detidos,

mas seriam liberados nos próximos dias. Entretanto, os quatro estudantes –

dentre eles Jean Marc Von Der Weid e Lourivaldo Dourado – anteriormente

presos sob acusação de terem depredado uma camioneta do I Exército na

Avenida Rio Branco, seriam enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

Os acontecimentos do dia 20 impulsionaram uma série de críticas

direcionadas aos estudantes universitários, que foram defendidos por

deputados, professores e pelo Reitor da Universidade, por meio da denúncia da

violência policial e da ênfase dada à passividade dos estudantes em todo o

decorrer da Assembléia, como segue a declaração do vice-reitor, que divulgou

em nota à imprensa, a decisão de suspender por 48 (quarenta e oito) horas o

funcionamento da Universidade, e afirmou, ainda, que

189 DOPS prendeu 400 mas já soltou alguns – Jornal do Brasil – 1º Caderno – 21 de junho de 1968. 190 Promessa de Negrão não foi cumprida. Jornal do Brasil – 1º Caderno – sexta-feira, 21 de junho de 1968 – p.4. 191 PM levanta cerco à Reitoria e DOPS liberta primeiro as môcas. Última Hora – Sexta-feira, 21 de junho de 1968.

“(...) apesar dos aspectos lamentáveis e constrangedores do episódio, não houve detenção de professores, nem depredação da reitoria e, a autoridade universitária conseguiu evitar a penetração da polícia na universidade, o que daria lugar a conseqüências e danos morais e materiais fáceis de prever. O Reitor, finalmente, agradece a digna e corajosa colaboração prestada pelos professores e deputados presentes”.

Mesmo após declaração do vice-Reitor, o Jornal O Globo, que contribuía

fortemente para a manutenção do poder do governo ditatorial diante da opinião

pública, divulgou, no dia seguinte, uma pequena matéria intitulada: Vice-Reitor

Nega Ocupação e Diz Que Professores Não Eram Reféns. E na página seguinte

uma única manchete: Estudantes Forçam Conselho ao Diálogo, cujo conteúdo

era iniciado em tom de intimidação:

Vinte e um professores viveram ontem uma experiência inusitada ao verem-se coagidos pelos alunos a permanecer oito horas sentados (...) ouvindo invectivas às autoridades (...) sem faltar os ataques ao ‘colonialismo e imperialismo norte-americano’ (...) enquanto cerca de 1600 estudantes se apinhavam nas escadarias do teatro (...), o restante do edifício (...) achava-se sob ocupação de grupos de rapazes armados de paus envoltos em panos. Eram estes os componentes da ‘tropa de choque’ estudantil que horas antes ocupara o prédio e persuadira os professores a ‘apressarem’ o diálogo, cuja realização já havia sido por estes decidida”192.

Ainda no dia da Assembléia acima referida, o Comandante do I Exército

divulgou a seguinte nota:

“O Comandante do I Exército renova o apelo que fez aos pais e responsáveis pelos jovens e estudantes da Guanabara, para que envidem todos os esforços no sentido de esclarecerem seus filhos e tutelados e, assim, evitarem que sejam eles explorados pelos demagogos e agitadores que outras causas não defendem que não a da subversão da ordem”193.

192 Estudantes forçam Conselho ao diálogo. O Globo – 21 de junho de 1968 – p. 14. 193 Exército vai manter a ordem e punir todos os responsáveis. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sexta-feira, 21 de junho de 1968 – p. 15.

O ano de 1968 foi marcado por movimentações estudantis em toda parte

do mundo. Segundo Martins Filho (1996), muitas delas foram iniciadas pela

violação do espaço universitário por parte das forças policiais. A fim de

exemplificar tal afirmação, o autor aponta, no início deste ano, a invasão da

Universidade de Madri, na Espanha; em março, a Universidade de Roma, na

Itália; e, na Bélgica, a Universidade de Louvain. Também havia as ocupações

iniciadas por parte dos estudantes. Dentre estes episódios, podem-se destacar

os casos da Universidade de Dakar, tomada pelos jovens de Senegal, em fins

de fevereiro; e da Universidade de Colúmbia, em Nova York, em maio. No

Brasil, apesar do empenho do governo ditatorial em manter a aparente

normalidade, utilizando-se, dentre outros mecanismos, da censura, e se

servindo de parceiros como o jornal O Globo, ganhava cada vez mais

visibilidade social, a repressão sobre os estudantes, principalmente após a

morte do estudante secundarista Edson Luís, no mês de março, fato que ocupou

a primeira página dos jornais e gerou manifestações em todo o país.

Diante disso, setores da classe média e da Igreja Católica demonstraram

solidariedade aos estudantes, aderindo, então, ao protesto nas ruas contra o

regime. A Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968 no Rio de Janeiro, foi uma

das manifestações de maior expressão neste período, não tendo sido reprimida

em virtude da pressão da opinião pública. Indiretamente vinculados ao ato de

protesto, estavam o PCBR, a Dissidência Universitária da Guanabara e a AP.

Em 30 de agosto de 1968, estudantes realizaram protesto na Reitoria da

UFRJ contra a prisão de líderes estudantis e a invasão da UnB, e mantiveram

os portões fechados a cadeado, exigindo uma posição da UFRJ. A

movimentação teve início com uma assembléia composta por cerca de 150

estudantes, que foi seguida de uma passeata194 pela Avenida Pasteur em

direção à Faculdade de Medicina, com aproximadamente 500 discentes. Ao

passar em frente ao Iate Clube do Rio de Janeiro, cinco agentes do DOPS

iniciaram um tumulto, por meio de disparos para o alto, o que gerou um

confronto entre estudantes e agentes. Diante disso, choques da

194 Agentes do DOPS dispersam uma manifestação de 500 estudantes na Av. Pasteur. Jornal do Brasil – 31 de agosto de 1968.

PM foram mantidos em frente ao Iate Clube até o início da noite, com o intuito

de reprimir possíveis manifestações.

Ainda no decorrer desta semana, lideranças do movimento de estudantes

no Rio organizaram manifestações de rua e comícios-relâmpagos, marcando

como local de encontro o Largo São Francisco e a Reitoria195. E por meio de

reuniões secretas, decidiram convocar assembléias-gerais em todas as escolas

superiores com o intuito de definir as formas de protesto repudiando “a nova

violência policial, em Brasília e no Rio”196.

A movimentação dos estudantes da UFRJ, juntamente com discentes

secundaristas e de outras faculdades ou universidades do Rio de Janeiro

fazem parte da composição do cenário político do Brasil no decorrer de 1968,

que foi marcado por manifestações políticas de repúdio ao governo ditatorial

por parte de diversos segmentos da sociedade. Exatamente nesse contexto, a

ditadura instituiu o AI-5, no intuito de conter toda essa efervescência política e

garantir a dominação do governo instituído.

Nesse período, mesmo os estudantes que buscavam não estabelecer

envolvimento com atividades políticas deviam ter cautela ao agirem, pois o

controle era sobre todos. Qualquer estudante ou mobilização representava uma

ameaça em potencial. A realização de uma greve de alunos no IP197, em 1969,

exemplificou bem esse cenário. Tratava-se de uma greve contra um professor

em virtude da má qualidade das aulas ministradas, o que foi compreendido

pela direção da unidade, que preferiu não comunicar à Reitoria a fim de que o

órgão de segurança não estabelecesse intervenção. Entretanto, após um

momento de ausência da direção, o Serviço de Segurança e a Reitoria

intervieram e afastaram alunos do curso, expulsaram outros da universidade,

havendo, inclusive, aplicação de advertência aos professores envolvidos.

Porém, mais tarde, tais punições foram canceladas pelo professor Clementino

Fraga.

195 Protesto de estudantes resulta em conflito. O Globo – 31 de agosto de 1968. p.3. 196 Líderes convocam reuniões estudantis para segunda-feira. Jornal do Brasil – 1º Caderno, 31 de agosto de 1968, p.11. 197 PENNA, Antonio Gomes. História da Psicologia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1992.

O temor dominava grande parte dos estudantes, como é o exemplo das

alunas da Escola de Serviço Social, que ao tratarem da reivindicação acerca da

obtenção de uma unidade própria, que somente após 1967 passou a funcionar

fora da Escola de Enfermagem Ana Nery, destacaram em ata, do DA Mary

Richmond, do dia 27 de agosto de 1964: “(...) devemos estudar nosso caso,

pois qualquer movimento atualmente é duvidoso, principalmente as escolas de

Ciências Sociais”.

Em 1968, quando do fechamento do Restaurante Calabouço e

Pentágono, organizou-se um movimento198, para sua reabertura, por parte dos

estudantes que buscavam um diálogo com o Ministro da Educação, mas não

houve adesão das estudantes de Serviço Social ao movimento dos estudantes

atingidos – grupo do qual também eram integrantes, pois utilizavam o

Restaurante Pentágono, que era exclusivo para os alunos da Economia,

Serviço Social e Educação Física. De acordo com Cristina Salomão, estudante

da ESS na época, as estudantes não tinham essa dimensão de coletivo.

Ademais, ela enfatizou, no que se refere ao DA:

“Não tenho recordação (...) de nenhuma conversa aberta, de nenhuma discussão clara, política, nessa época (...) eram poucas as pessoas que tentavam puxar essa discussão mais política”. “O grande conjunto dos estudantes tinha um olhar de que o Diretório devia promover filmes, lanches, festa (...) dentro de uma linha de confraternização”.

O que predominou então foi uma ação no sentido de demonstrar a

aparente normalidade tão ratificada pelos ditadores, de acordo com a

afirmação encontrada na ata do DA:

“(...) foi debatido o fechamento dos refeitórios e as implicações causadas pelo mesmo. Ficou resolvido fazer-se um movimento de erradicação sobre o assunto na escola,

198 Movimento integrado pela UME, DCE/UFRJ, Diretórios Acadêmicos das Faculdades de Medicina, Odontologia, Química, Farmácia, Economia, Psicologia, Belas-Artes, Geografia, Filosofia, Engenharia Operacional, Letras, História Natural, Direito, Matemática, Física e Arquitetura.

através de cartazes, jornal, mural e exposição em classe, levando os resultados da reunião (...)”199.

Constata-se, diante disso, a busca por impedir a circulação e a

apropriação das informações pelo conjunto de estudantes. Ademais, para

“compensar” a ausência do restaurante, o Governo Federal, através do

Departamento Nacional de Educação (DNE), concederia bolsas de alimentação

aos estudantes com o auxílio dos acadêmicos da ESS/UFRJ. De acordo com o

diretor do DNE, Jorge Boaventura:

“(...) para se beneficiarem das bolsas, terão de provar carência real de recursos e comprovação de que estudam. A triagem sobre a vida social dos candidatos será feita por alunos da Faculdade de Serviços Sociais da UFRJ”200.

Dessa forma, as estudantes estariam legitimando a repressão na estrutura

universitária e fragmentando a ação dos estudantes envolvidos no movimento,

visto que também eram prejudicadas pela medida ditada. Os executores deste

controle estavam se utilizando do corpo discente para afirmar suas ações.

4.4 – Movimentação discente em fins da década de 70

O IFCS, no dia 27 de maio de 1977, em pleno período letivo foi fechado

para realização de obras, segundo informação oficial fornecida pela Reitoria. A

partir daí, estudantes iniciaram um processo de luta por sua reabertura e

planejaram entrar com um mandado de segurança contra o Reitor da UFRJ.

Entretanto, o Reitor, de acordo com o Jornal do Brasil201, os teria ameaçado de

199 Trecho retirado do livro-ata do Diretório Acadêmico Mary Richmond, referente à reunião do dia 24/09/1968 – verso da p. 76. 200 COBAL diz que não lhe cabe a iniciativa da concessão das bolsas de alimentação – Boaventura afirma que Calabouço não reabrirá. Jornal do Brasil – 19 de abril de 1968. 201 ALUNOS da UFRJ são ameaçados com o 477. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sexta-feira, 03 de junho de 1977.

punição com o Decreto 477, informação que teria sido fornecida pelo advogado

dos estudantes, Artur Muller. Ao ser questionado, o Reitor negou e afirmou que

“Em nenhum momento disse que faria, nem nunca me passou pela cabeça usar o Decreto 477, como foi divulgado. Quando a gente precisa aplicar as sanções que são necessárias à Educação, e sempre foram, temos para isso o Código Disciplinar da Universidade. Não há necessidade, portanto, de usar o 477”202

A afirmação do Reitor poderia ser verdadeira, pois, como constatado no

capítulo anterior, a partir da década de 70, as direções das unidades da UFRJ

baseavam-se sobretudo no Código Disciplinar para aplicar sanções aos

estudantes. Entretanto, a ameaça poderia ser ainda maior, tendo em vista a

inespecificidade das ações previstas como faltas no Código.

O fechamento era considerado pelos universitários um “abuso de direito”,

pois outro espaço deveria ser apresentado para a realização das aulas pelo

menos até o início das férias. Ademais, muitos alunos estavam recebendo

intimações do Departamento de Polícia Política e Social (DPPS).

Diante disso, foi organizada uma greve de protesto que teve como

principal atividade a realização de uma assembléia203 ampla no prédio da

Reitoria, com cerca de 1000 estudantes, que exibiam faixas e cartazes com

palavras de ordem, tais como: “liberdades democráticas”, “entidades livres” e

“liberdade de manifestação e organização para trabalhadores, estudantes e

oprimidos”204. A pauta de discussões foi composta por três itens: as

paralisações das aulas na UFRJ; o fechamento do IFCS; e a repressão aos

estudantes do Rio de Janeiro na tentativa de realização do 3º Encontro

Nacional de Estudantes.

Acerca deste último item vale destacar, que dentre os 98 estudantes que

seriam processados por tentarem participar da realização do encontro, 12

pertenciam à UFRJ, a saber: 202 UFRJ não precisa usar o 477. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Terça-feira, 07 de junho de 1977. 203 RIO faz greve de protesto. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Quinta-feira, 09 de junho de 1977. 204 Idem.

1) Ana Maria de Siqueira,

2) Celso Hugo Girafa,

3) Cleber Lago do Valle Mello Filho,

4) Flávia de Oliveira Barreto,

5) Flávio das Neves Cruz,

6) Iclea Gomes Correa,

7) José Francisco de Assis Pereira,

8) Marcelo Cardoso Caldas,

9) Maria da Glória Bonelli Santos,

10) Maria Isabel de Medeiros Vale,

11) Regina Maria Vilela Vieira de Castro Ferreira e

12) William Bugarin Menezes dos Santos205.

Após discussões, a assembléia aprovou um manifesto e uma carta ao

Reitor reivindicando, além da reabertura do IFCS, um posicionamento firme

diante das intimações policiais. Ademais, os estudantes recomendaram a

abertura de entidades representativas livres em todas as unidade como melhor

meio de encaminhar suas lutas. No manifesto os universitários ressaltavam que

“num momento em que todo o país geme pela miséria e opressão, a principal preocupação das nossas autoridades está em reprimir um encontro de estudantes. Levantamos aqui nossa voz, a força que temos contra tudo isso: contra a repressão crescente, contra os abusos das autoridades, contra a miséria da maioria da população, contra os atos arbitrários dentro da Universidade, como o recente fechamento do IFCS, enfim, contra todo o quadro que compõe a realidade do Brasil de hoje”206.

205 MINAS Divulga lista dos que serão processados. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sábado, 11 de junho de 1977. 206 RIO faz greve de protesto. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Quinta-feira, 09 de junho de 1977.

Após algumas tentativas, uma comissão de estudantes foi recebida, no

dia 10 de junho de 1977, pelo Reitor, Hélio Fraga, que negou a acusação de

que o fechamento do IFCS teria sido motivado pelas atividades políticas dos

estudantes, que se encontravam em greve. Ademais, não foi liberado auxílio

jurídico da UFRJ para os estudantes intimados pelo DPPS207.

O movimento de recomposição dos CAs, ou de criação dos CAs-livres,

tomou força a partir de 1977 – embora essas entidades não fossem previstas

nos estatutos da UFRJ. O decano de Graduação, professor Doyle Maia, ao

tratar da movimentação estudantil para as eleições afirmou: “as reuniões na

Universidade, inclusive para eleição dos Centros Acadêmicos, têm transcorrido

sem incidentes, apesar de preferirmos que estas eleições se dessem conforme

previstas pelos estatutos”208. Pode-se observar, diante disso, um princípio de

abertura para a organização estudantil no interior da universidade, pois apesar

de não declarar concordância com a ação dos universitários, a UFRJ não

proibiu as atividades. O professor ainda declarou “não há razão para

preocupações; nossos alunos têm feito muitas dessas reuniões e sempre têm

mantido um clima de disciplina. A Reitoria, entretanto, ficará atenta para

qualquer quebra dessa tradição”209. Ele também afirmou a importância da

universidade preocupar-se com o ensino e com a proteção aos alunos,

cabendo às autoridades policiais as medidas que julgassem necessárias.

O processo eleitoral dos CAs teve início no IFCS, em 1974, que foi

seguido da Escola de Comunicação e da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo. Em setembro e outubro as Faculdades de Medicina e Engenharia

também promoveram as eleições de seus CAs. Predominava, nas chapas

apresentadas, a luta pelas liberdades democráticas. Na Faculdade de Medicina

havia duas chapas: Libertas, que defendia “o fim do AI-5, do Decreto 477 e

todas as leis de exceção; anistia ampla, geral e irrestrita para presos políticos,

207 REITOR nega apoio da Universidade a quem depôs no DPPS. Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sábado, 11 de junho de 1977. 208 UFRJ não impedirá manifestações. Jornal do Brasil – 27 de setembro de 1977. 209 Idem.

banidos e exilados; e a Constituinte”210; e Unidade e Luta, que reivindicava

liberdades democráticas e a melhoria das condições de ensino.

No que se refere à Escola de Engenharia, também prevalecia, nas duas

chapas, reivindicações quanto às liberdades democráticas; entretanto havia

certa divergência em relação à Constituinte, vista somente pela Chapa Debate

como um meio para se alcançar a liberdade, e investiam na idéia de que

“coerentemente com a concepção de que a luta pela democracia é concreta, e

diz respeito a todos nós, é que propomos a convocação de uma Assembléia

Nacional Constituinte, livremente eleita e democrática”211. Por outro lado, a

chapa Unidade defendia uma

“verdadeira Constituinte, aquela que seja verdadeiramente livre, soberana e democrática, isto é, feita pelo povo, do povo e para o povo. Por ela lutaremos no momento apropriado. Portanto, somos contra lutar pela Constituinte, hoje. Por ora nossa posição deve ser de travar a luta pelas liberdades democráticas ao nível em que elas nos são possíveis, ao nível que o Movimento comporta”212.

A chapa eleita com 1.022 votos foi a Debate. A chapa Unidade obteve 638

votos. Houve 45 votos nulos e 23 em branco. A eleição contou com a

participação de 66% dos alunos inscritos na Escola de Engenharia. Apesar da

entidade não ser reconhecida pela universidade, os estudantes puderam contar

com seu apoio indireto, pois foi fornecida a eles a lista nominal dos alunos

inscritos na unidade para que pudessem organizar o processo eleitoral.

Por outro lado, o decano do Centro de Tecnologia (CT), professor Afonso

Henriques de Brito, ao falar sobre a carta de solicitação do reconhecimento

oficial do CA, que representantes dos estudantes no colegiado superior do CT

– apoiados pelos representantes de estudantes da Química e da Física –

entregariam ao Reitor Luis Renato Caldas, afirmou que “o órgão foi feito à

210 DELEGADA do MEC acha Rio calmo – Medicina muda data de eleição. Jornal do Brasil – 29 de setembro de 1977. 211 Idem. 212 DELEGADA do MEC acha Rio calmo – Medicina muda data de eleição. Jornal do Brasil – 29 de setembro de 1977.

revelia dos estatutos, não cabendo, portanto, exame da matéria”213, ademais,

não estaria preocupado com a ação do CA,

“pois não é legal, nem oficial, e, portanto, como entidade, não

existe para a universidade. Se os representantes estudantis

no Colegiado se dizem ou não subordinados ao Centro

Acadêmico, não importa a nós, porque eles são vistos

individualmente e não como porta-vozes de uma entidade”214.

Desde o primeiro semestre de 1977, os estudantes vinham realizando

manifestações, tornando-se alvos de vigilância diária da polícia universitária.

Entretanto, no dia 27 de setembro215 uma passeata, que reuniu cerca de 300

estudantes, foi realizada no campus da Praia Vermelha, quando estudantes

hasteavam a bandeira da UNE, gritando: “A UNE é nossa voz, a UNE somos

nós”. A seguir realizaram uma assembléia acompanhada por guardas

universitários e vigiada por aproximadamente 300 soldados da PM que

permaneceram de prontidão na Praça General Tibúrcio, próxima ao campus.

No decorrer da reunião, sete caminhões do 19º Batalhão da PM e do Batalhão

de Choque e um caminhão-prisão com capacidade para 50 pessoas

concentraram-se na praça, a fim de reforçar o contingente policial. Ao término

da assembléia, os estudantes, percebendo o esquema da PM, que nesse

momento estacionou uma camioneta próxima ao portão da UFRJ, deixaram a

universidade em pequenos grupos. Dessa forma, não houve confrontos.

Diante dessas movimentações estudantis, pode-se verificar a existência

de um processo de abertura política que já vinha se dando no seio da

sociedade brasileira. Movimento que aparentemente se dava de forma mais

acelerada no interior da universidade, mas que encontrava grande resistência

entre os militares, que temiam a perda do controle e para tanto demonstravam

os instrumentos dos quais dispunham para manterem-se na condução do

governo.

213 ENGENHARIA da UFRJ elege CA. Jornal do Brasil – 30 de setembro de 1977. 214 Idem. 215 BANDEIRA da UNE hasteada na UFRJ. Jornal do Brasil – 28 de setembro de 1977.

Neste capítulo buscou-se demonstrar, por meio de alguns episódios da

repressão e da resistência discente na UFRJ, os mecanismos utilizados no

interior da universidade para controlar seus estudantes, que não receberam

destaque nos Boletins, ou que foram apresentados de maneira superficial.

Concomitantemente, foi possível constatar a intervenção militar no âmbito

universitário, uma autoridade externa se impondo, por vezes violentamente, na

contenção das movimentações dos estudantes. Por outro lado, pudemos

verificar a iniciativa, por parte de alguns professores, ou mesmo do Reitor, de

promover a proteção dos estudantes, o que se dava, por exemplo, por meio de

discursos e da negociação da retirada dos alunos quando da invasão da FM.

Importante considerar nesse momento, que a repressão direcionada aos

estudantes não teve início a partir do golpe. Este processo já havia sido

iniciado antes do golpe, mas começou a adquirir visibilidade social no pré-

golpe, inclusive com uma suspensão por tempo indeterminado de estudantes

da Filosofia, como anteriormente.

Pôde-se perceber, ainda, a movimentação política e a articulação entre os

estudantes de algumas unidades, sobretudo da Filosofia, do Direito e da

Engenharia, e por outro lado, a alienação quanto às questões universitárias e

sociais por parte de outros. Ademais, a repressão também atingiu aqueles que

lutavam não por questões políticas, explicitamente, mas por uma qualidade

melhor das aulas, como foi o caso dos alunos da Psicologia.

A simultaneidade da movimentação estudantil de 1968 em diversas partes

do mundo foi outro dado importante, pois torna visível a inserção dos

estudantes da UFRJ, bem como da juventude carioca, num contexto mundial,

tendo em vista a movimentação política promovida por eles nesse período. Não

que as ações dos estudantes cariocas estivessem em outros momentos

desvinculadas de um contexto histórico, mas em 1968 torna-se evidente em

virtude de se tratarem de manifestações públicas realizadas em diversas partes

do mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa, que teve como foco a repressão sobre o corpo

discente da UFRJ no espaço universitário, durante a ditadura militar no Brasil,

no período de 1964 a 1979, buscou, inicialmente, resgatar o protagonismo do

movimento estudantil no período pré-64. Como foi possível observar, as

manifestações estudantis no início da década de 60 se tornaram motivo de

alerta aos governantes a partir do golpe de abril de 1964. Os estudantes

representavam uma ameaça ao governo ditatorial – tendo em vista suas

principais bandeiras de luta, como por exemplo, a defesa da ampliação das

liberdades democráticas e de uma política externa que garantisse a

independência do país –, e por isso eram considerados um dos principais alvos

da repressão.

Decretos e leis foram criados e implementados nas universidades

brasileiras no intuito de controlar e conter a participação política dos estudantes

universitários, tanto no interior das universidades quanto fora dela. Apesar da

Lei Suplicy ter sido a primeira norma que buscou conter a representação

estudantil nesse período, foi possível constatar que, em fins de 1963, 15 alunos

da Faculdade de Filosofia foram suspensos por tempo indeterminado. Antes

mesmo da promulgação desta lei, imediatamente após o golpe de Estado, já

haviam sido iniciadas as primeiras ações de repressão ao movimento

estudantil. Não havia, porém, nenhuma lei que respaldasse as ações tomadas

por policiais e militares. As lideranças estudantis, quando não presas, tiveram

que se abrigar em esconderijos; a sede da UNE, no Rio de Janeiro, foi

incendiada; e, dentre outros fatos importantes, destacou-se, ainda, a expulsão

dos 19 alunos da Faculdade de Filosofia da UFRJ bem no início da ditadura

militar. O objetivo era manter a ordem social e garantir a segurança nacional.

Diante do exposto pode-se concluir que, embora já houvesse repressão no

período que antecedeu o golpe de Estado, não é possível afirmar a existência

de uma continuidade, mas uma ruptura no que diz respeito ao tratamento

dispensado aos estudantes, em virtude da extrema mudança na intensidade e

na qualidade da repressão.

A Lei Suplicy, que foi elaborada pelo governo a fim de controlar a

organização e a articulação discente não foi capaz de conter eficazmente suas

ações, apesar de ter apresentado uma série de limitações aos estudantes,

principalmente no que se refere às ações político-partidárias, que foram

vetadas. Nesse primeiro momento, ainda era possível aos estudantes manter a

resistência às imposições do governo, como, por exemplo, a não adequação à

Lei Suplicy por parte de alguns DAs, que, por isso, intitulavam-se D.A.s Livres.

Com o objetivo de intensificar o controle sobre os estudantes, o governo

baixou o Decreto nº 228, em fevereiro de 1967, que buscava desarticular os

estudantes, tendo em vista que reconhecia apenas DAs e DCEs como

entidades representativas do corpo discente. Importante destacar que esta

ferramenta de controle fora criada por Moniz de Aragão, Reitor da UFRJ de

1966 a 1969 e Ministro da Educação e Cultura por curto período em 1966, no

intuito de reforçar as limitações impostas pela Lei Suplicy. Ademais, o ano de

1966 foi marcado por uma série de manifestações estudantis, consideradas

pelo governo ditatorial como subversivas.

A culminância desse processo de intensificação das ações repressivas se

deu com o Decreto nº 477, baixado em inícios de 1969. Esta norma foi

implementada de forma a bloquear eficazmente as ações dos estudantes,

sobretudo os empenhados em atividades políticas. A partir desse momento, o

movimento estudantil entrou em refluxo. Não era mais possível enfrentar

diretamente a estrutura de controle criada pela ditadura militar. Diante desse

quadro, um número elevado de estudantes passou a compor organizações

clandestinas.

Pode-se concluir, através desse processo de fortalecimento do controle

sobre os estudantes universitários, que a incapacidade inicial do governo em

extinguir as manifestações discentes foi resultado da efervescência política do

pré-64, que respaldou a resistência dos estudantes apesar da coerção sofrida.

Com as modificações dos mecanismos utilizados pelo governo militar e o seu

reforço, associados ao apoio ostensivo da força policial, os discentes não

tiveram outra escolha.

Esta repressão legal imposta pelo governo a todas as universidades

brasileiras gerou importantes reflexos no cotidiano da UFRJ, que inclusive,

antecipou-se no processo de endurecimento das ações repressivas ao criar o

Código Disciplinar, que antecedeu o Decreto-Lei 477. Esta norma interna não

especificava as atividades que poderiam repercutir em aplicação de penas,

mas abria campo para uma série de possibilidades, uma forma de mascarar a

pretendida repressão.

Ao longo desse processo de aprofundamento da ditadura, o governo foi

fortalecendo sua sociedade política, por meio da criação de todo este aparato

legal que legitimava suas ações, o que no interior da UFRJ era sentido pelo

corpo discente quando da aplicação de sanções disciplinares que variavam

entre advertências, suspensões, expulsões, afastamentos, fechamentos de

DAs, enfim, um grande número de penas que se apresentavam, nos momentos

de maior repressão de forma mais volumosa e intensa. Nos momentos de

inviabilidade do enquadramento “pacífico” dos estudantes às diretrizes postas

pelo governo, se fazia necessária a imposição de uma disciplina, cuja

efetivação fosse garantida normativamente, e, quando preciso, a repressão,

identificada de maneira mais evidente nos episódios destacados no último

capítulo. A intenção era conter a sociedade civil, representada nesses eventos,

pela organização estudantil que recebia influência de determinados partidos

e/ou grupos políticos, que tinham como membros indivíduos que, de maneira

espontânea/voluntária, se associaram sem coerção.

Os Boletins da UFRJ também serviram como instrumento disciplinador à

medida que registrava as ações das autoridades acadêmicas em relação às

atividades políticas dos estudantes. Dessa forma, tinham caráter exemplar para

o corpo discente os procedimentos tomados a partir da identificação de casos

de desobediência e indisciplina, o que poderia servir para inibir possíveis

atividades subversivas, além de comprovar ao governo o cumprimento das

ordens relativas aos estudantes, bem como a todo o corpo acadêmico.

Importante ressaltar a ausência de referência, nos Boletins, de episódios

importantes, não só para a história do movimento estudantil da UFRJ, como

também do país, ocorridos no interior da universidade com repercussões para

além de seus limites institucionais. Tal posicionamento, por parte das

autoridades acadêmicas, certamente, contribuiria para reforçar a aparente

normalidade na vida universitária. Entretanto, materiais da imprensa da época

divulgavam manchetes e páginas destacando os eventos e a violência

engendrada pelos braços armados do Estado. Vale considerar que, nos

períodos que seguiam os episódios, tornava-se evidente a tentativa, ou de fato,

um reforço do fechamento do regime. Era preciso diminuir o grau relativo de

autonomia da sociedade civil para que a sociedade política fosse fortalecida.

Para tanto, a ditadura militar também se valia de agentes inseridos na vida

universitária, compondo comissões, órgãos como a ASI, a fim de garantir a

caça ao inimigo interno tão defendida pelos ditadores.

Outro elemento interessante, no que se refere aos Boletins, diz respeito à

ausência de punições em 1977, o que se repetiu em 1979. Este fato pode estar

relacionado ao início do processo de abertura política no interior da

universidade, que pode ser percebido no último capítulo.

Este estudo possibilita constatar que a movimentação política não era

homogênea no corpo discente. Havia divergências. O destaque dado ao

posicionamento dos estudantes do Direito, da Filosofia e da Engenharia se

contrapõe ao conformismo das estudantes de Serviço Social, por exemplo.

Ademais, trata-se de uma pesquisa que visa a contribuir para o resgate da

memória da UFRJ, sobretudo da repressão e da resistência ocorrida nesse

período.

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_____. Coleção das Leis. Atos Legislativos do Poder Executivo. Decreto-lei de

janeiro a março. Volume I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1967. p. 343-

346.

_____. Coleção das Leis. Atos Legislativos do Poder Executivo. Leis de janeiro

a março. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1969. p. 77-78.

CARDOSO, Irene. Há uma herança de 1968 no Brasil? In: Rebeldes e

Contestadores 1968: Brasil, França e Alemanha. GARCIA, Marco Aurélio e

VIEIRA, Maria Alice (Org.). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.

COIMBRA, Cecília M. B. Doutrina de Segurança Nacional e produção de

subjetividade. In: Clínica e Política: Subjetividade e Violação dos Direitos

Humanos. Equipe Clínico-Grupal, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. Instituto

Franco Basaglia. Rio de Janeiro: Editora TeCorá, 2002.

COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e

outros ensaios. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 1996.

_____. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo:

Cortez, 2000.

CUNHA, Luiz Antonio. A Universidade Crítica – O ensino superior na República

Populista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.

_____. A Universidade Reformanda – O golpe de 1964 e a modernização do

ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

_____ e Góes, Moacyr de. O Golpe na Educação. 6ª edição. Rio de Janeiro:

Zahar, 1985.

DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – ação política, poder

e golpe classe. Petrópolis: Vozes, 1981.

FÁVERO, Maria de Lourdes de A. A UNE em Tempos de Autoritarismo. Rio de

Janeiro: Editora UFRJ, 1994.

FERNANDES, Florestan. Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução? São

Paulo: Alfa-Omega, 1979.

FILHO, João Roberto Martins. A Rebelião Estudantil: 1968 – México, França e

Brasil. São Paulo: Mercado de Letras, 1996.

FORACCHI, Marialice M. O Estudante e a Transformação da Sociedade

Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965.

_____. A Participação Social dos Excluídos. São Paulo: Editora HUCITEC,

1982.

GORENDER, Jacob. Combate nas trevas – A esquerda brasileira: das ilusões

perdidas à luta armada. São Paulo: Editora Ática, 2ª edição, 1987.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São

Paulo: Companhia das Letras, 1995.

IANNI, Otávio. O Jovem Radical. In: Sociologia da Juventude, I – da Europa de

Marx à América Latina de Hoje. BRITTO, Sulamita de (Org.). Rio de Janeiro:

Zahar Editores, 1968.

_____. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. 4ª edição. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1986.

MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista (Trad. Mª Lúcia

Como). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

NETO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: Uma Análise do Serviço Social

no Brasil pós-64. 6ª edição. São Paulo: Cortez, 2002. (p. 15-112).

_____. Em busca da contemporaneidade perdida: a esquerda brasileira pós-64.

In: Viagem Incompleta (1500-2000): a experiência brasileira: a grande

transação. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000.

POERNER, Arthur. O Poder Jovem – História da Participação Política dos

Estudantes Brasileiros. 5ª edição. Rio e Janeiro: Booklink, 2003.

REGULAMENTAÇÃO da nova lei em estudo no MEC. Folha de São Paulo –

Educação – Sexta-feira, 1° de junho de 1979. p.16.

RIDENTI, Marcelo Siqueira. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo:

Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993.

TAVARES, Flávio. O golpe de 1964, início de 1968. In: Rebeldes e

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VIEIRA, Maria Alice (Org.). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.

VIEIRA, Evaldo. Brasil: do golpe de 1964 à redemocratização. In: Viagem

Incompleta (1500-2000): a experiência brasileira: a grande transação. São

Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000.

OUTRAS FONTES

- Boletins da UFRJ no período de 1963 a 1979.

- Jornais do período analisado:

Correio da Manhã

Diário de Notícias

Jornal do Brasil

Jornal O GLOBO

O Corujão

O Metropolitano

Última Hora

- Entrevistas concedidas à autora por:

Victória Lavínia Grabois, e

Almir Fraga Valadares.

ANEXOS

ANEXO I

Listagem referente aos alunos da FAU que tiveram suas matrículas

canceladas, conforme Portaria n° 23, de 8 de setembro de 1966:

1) Emédio José Cintra Montenegro – 1º ano;

2) Gilson Sérgio Cruz – 1º ano;

3) Mauro Malin – 1º ano;

4) Luiz Cristóvão de Oliveira Martins – 2º ano;

5) Regina Lucia da Silva Bezerra – 2º ano;

6) Sylvia Goyanna de Carvalho – 2º ano;

7) César Augusto Guaracy Costa – 3º ano;

8) Gregório Fontan Soto – 3º ano;

9) Jacques Zajdsnajder – 3º ano;

10) Jorge Mendonça Furtado – 3º ano;

11) Matias Francisco Racz Marcier – 3º ano;

12) Ronaldo Rondeli – 3º ano;

13) Ruth Tobal Barreto – 3º ano;

14) Sônia Perez de Aquino – 3º ano;

15) Emídio Jeremias Fereira Soares – 3º ano;

16) Célio Diniz Ferreira – 3º ano;

17) Paulo Roberto Rocha – 3º ano;

18) Denoy Gonçalves de Oliveira – 3º ano;

19) Beatriz Vallandro do Valle – 4º ano;

20) Edith Maria Vargas da Costa Gama – 4º ano;

21) Henri Michel do Amaral Lesboupin – 4º ano;

22) Maria Lúcia Wendel de Cerqueira Leite – 4º ano;

23) Max Sterenberg – 4º ano;

24) Rezso Karoly Josef Divenyi – 4º ano;

25) Rui Rocha Velloso – 4º ano;

26) André Solti – 5º ano; e,

27) Cláudio Gastão Kipper – 5º ano.

ANEXO II

Listagem referente aos alunos da Faculdade de Farmácia que foram

suspensos por 30 dias:

1) Vanius Meton Gadelha Vieira – 1ª série;

2) Carmem Silvia Sardenberg Maravalhas;

3) Wandedrlei Candido de Oliveira;

4) Evaldo Rezende Cunha;

5) João Garcia do Amaral;

6) José Francisco Oliveira Carvalho;

7) Roselene Maria da Mota Marinho;

8) Paulo Roberto Ferreira de Santana;

9) Fernando Costa Miguens;

10) Marcio Kleber Pereira Torreão da Costa;

11) Antonio de Souza Lima;

12) Luiz Moreira Pantoja;

13) Léa de Jesus Malheiros;

14) Maria da Conceição Silva;

15) Elias Augusto Bouhidi Hissi;

16) Cyntia Araújo de Souza;

17) Rosamelia Queiroz da Cunha;

18) Nelza da Silva Jordão;

19) Mario Guilherme Gonçalves;

20) Wilson de Araújo Moura;

21) Francisco José Vitório;

22) Luiz Carlos da Silva;

23) Sebastião Renaldo Silva Hora;

24) Jorge Aarão Neto – 2ª série;

25) Flávio da Costa Leite; e,

26) Adilson de Oliveira Pinheiro.

ANEXO III

A listagem se refere aos alunos do IFCS suspensos por 30 dias:

1) Antônio Carlos de Melo Severiano Ribeiro – Curso de Ciências Sociais

– 1ª série;

2) Alan Melo Marinho de Albuquerque;

3) Christiano Whitaker;

4) Dalma da Silva Ferraz;

5) Darcan El Carih;

6) Francisco de Assis Paes Ferrari;

7) Heloisa Ribeiro Guimarães;

8) Joaquim Augusto Montenegro Filho;

9) João Lins de Albuquerque;

10) Manuel da Silva Gomes Tato;

11) Roberto Wrencher;

12) Roberto Gaspari Tôrres;

13) Sérgio Luiz de Souza Tapajós;

14) Sônia Rosadas Théme;

15) Wanderley de Andrade Monteiro;

16) Armando Ribeiro – 2ª série;

17) Ângela Maria Galdi Ferreira;

18) Joaquim Augusto Whitaker Sales;

19) Lincoln de Abreu Pena;

20) Vânia Maria Lopes Pinheiro;

21) Jorge da Silva Gomes – 3ª série;

22) Leila Bittencourt Brasil;

23) Márcia de Castro Lopes;

24) Sheila Vera de Melo Rodrigues;

25) Jayme Quartin Pinto Neto – 4ª série;

26) Izabel Guimarães de Abreu – Curso de História – 1ª série;

27) Maria Augusta Souza Cunha;

28) Abram Cheventer – 2ª série;

29) Hério Saboga Cardoso;

30) Louise Anne Nadjariam;

31) Marcos César Carvalho;

32) Rafael de Faria Domingues Moreira;

33) Thereza Christina Whitaker – 3ª série;

34) Helena de Britto Macedo Fernandes – Curso de Filosofia – 1ª série;

35) Jorge Eduardo Saavedra Durão;

36) Leder Souza Rodrigues;

37) Lílian Azeredo Holzmeister;

38) Marina de Godoy Bezerra;

39) Francisco de Paula Pereira de Souza – 2ª série;

40) Paulo Roberto Cavalcanti Pessoa;

41) Ana Luiza Job – 3ª série;

42) Moisés Hendler;

43) Telmo Luiz Meira Wambier

44) Claudelson Pessoa do Amaral – 4ª série;

45) Frederico Sérgio Moreira da Rocha;

46) Joaquim de Souza Bastos;

47) Mário Ademilson de Oliveira;

48) Nisete de Araújo Sampaio;

49) Rony Silveira.

ANEXO IV

Lista dos alunos da FEA suspensos:

1) David Tygel – Curso de Ciências Econômicas – 1ª série;

2) Luiz Cláudio Machado Monteiro;

3) Marcelo Cláudio Pires Lenz César;

4) Milton Arnaldo Suzuki;

5) Roberto Carvalho Carneiro;

6) Ruth Kelson;

7) Zilda Alves de Magalhães;

8) Benedito Caeté Ferreira Filho;

9) Carlos de Magalhães Frankel Filho;

10) Jaime Luiz Ferreira;

11) Marcos Antônio Canongia;

12) Sergio Luiz Cláudio da Silva;

13) Thais Neves Fraebel;

14) Edgar Vargas Tejada Nestor Maciel Barbosa;

15) João de Alvarenga Souto Maior Filho;

16) Luiz Felipe Garcia Savaget – 2ª série;

17) Paulo Oliveira Guimarães;

18) Sandra Maria Teixeira de Almeida;

19) Franklin de Souza Martins;

20) Joaquim Fernandes Fraughes – 3ª série;

21) Luiz Fernando Braga Saurdes;

22) Paulo Buscactio de Almeida Junior;

23) Matheus Antonio Pereira de Carvalho;

24) Maria Lúcia Bonnet – 4ª série;

25) Artur Max Potzesmhein – Curso de Ciências Contábeis – 1ª série;

26) Frederico Paulo Ramalho Chaves;

27) João Paulo Xavier;

28) Ricardo dos Reis Carvalho Kneipp;

29) José Lira;

30) Daniel da Cruz Paiva – 2ª série;

31) Fernando Bastos Ribeiro;

32) Joacil Gomes Pinto;

33) José Maria Vicente Rosa;

34) Luiz Antônio Raposo Carneiro;

35) Jorge Pereira Leite;

36) José Carlos Barbastefano;

37) Antonio Luiz Tenório de Albuquerque;

38) Luiz Carlos Soares da Silva;

39) Alexandre Carlos Hugueney;

40) Ademário Anacleto Vasconcellos;

41) Milton Avelino Sodré;

42) Ana Maria de Oliveira;

43) Gustavo Ribas da Gama Lima – 3ª série;

44) Joacil Cavalcanti de Oliveira;

45) Aldo de Albuquerque Barreto;

46) Francisco Ricardo Costa;

47) Roberto Coelho de Figueiredo Costa;

48) Berta Laura Grunaum – Curso de Administração – 1ª série;

49) Fernando Sá de Sá Rego;

50) Fernando Teixeira da Silva;

51) Flávio Sauer Spinola Dias;

52) Hermam Schmall;

53) José Júlio Motta da Silva;

54) José Ricardo Boselli;

55) Luiz Felipe Pereira das Neves;

56) Paulo Sérgio de Souza;

57) Roberto Aloísio Zarco da Câmara;

58) Sálvio Augusto Guimarães;

59) Sérgio Castro de Almeida;

60) Tácito de Barros Barreto do Amaral;

61) Wilson delgado Pinto;

62) Adalberto Luçan de Oliveira – 2ª série;

63) Alfredo Corrêa Libano Soares;

64) Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho;

65) Clécio Parreiros Henriques Gomes;

66) Dílson Vasquez Castro;

67) Enio Flores da Silva;

68) Helio Junqueira M.;

69) José Eduardo Ribeiro Moretzohn;

70) José Peixoto Neto;

71) Judith Mota Bastos;

72) Leonor Alice Pereira;

73) Luiz Felipe Stallone;

74) Manoel Mendes Irmão;

75) Maximino Teixeira;

76) Paulo Caeté Felipe Ferreira;

77) Raul Alberto Soares da Silva Neves;

78) Ruy Carmo Guerra;

79) Thiers Garcia de Matos;

80) Marco Antonio Ferreira de Souza;

81) Ruy L. Neto;

82) Carlos Alabno Guise da Fonseca Costa;

83) José L. Benevenuto de Lima;

84) Alexandre Fradkin – 3ª série;

85) Almir Vieira Dias;

86) Edmar Ferreira Damasceno;

87) Elinar Rodrigues Penna;

88) Elio Dagoberto de Almeida;

89) Fernando Pinto de Moura;

90) Ilo José Dantas Ramalho;

91) Jorge Antonio de Miranda S.;

92) Jorge de Monte França;

93) José Eduardo Valverde;

94) Luis Antonio Rosalindo Artigas;

95) Odilon Vieira Silva;

96) Paulo Cícero Lima Batista;

97) Ricardo Junqueira Lustosa;

98) Sérgio Suwey Gabiso;

99) Simon Wenna;

100) Waldemir Messias de Araújo;

101) Marcio Flávio Rezende;

102) Paulo Schvinger;

103) Domingos Gabriel Plastina – 4ª série;

104) José Alexandre S. Teixeira;

105) Jayme Pinto da Silva – Curso de Ciências Atuariais – 1ª série;

106) Sergio Rios;

107) Nuno Lisboa Filho – 2ª série;

108) Mario Kleiner – 3ª série;

109) Sergio Fernandes;

110) Paulo de Tarso de Mello Dantas;

111) Sergio Luiz Vieira Lima;

112) Sergio de Souza Bahia.

ANEXO V

Listagem dos alunos suspensos da EEFD:

1) Alfredo Abílio Costa Cavalcante – 1ª série;

2) Cyro Beltrão Filho;

3) Eduardo Gomes Affonso;

4) Flávio Dutra Machado;

5) João Durval de Lion;

6) Newton Moreira Lopes;

7) Paulo Augusto de Souza Oliveira;

8) Roberto de Souza Carvalho;

9) Sergio Vianna Pereira;

10) Abigail Ramos Cruz;

11) Jandira Furtado Gonçalves;

12) Maria Lucia Ferreira Machado;

13) Jane Calhau Mourão;

14) Alex Costa Ajús – 2ª série;

15) Fábio de Carvalho Costa;

16) Ivan Alves Torres Homem;

17) José Paulo Pereira Souto;

18) Júlio César Simões Advet;

19) Luiz Fernando Bravo Galvão;

20) Oberdan Araújo de São Bernardo;

21) Ruabian de Caldas Brito;

22) Dilma Cairo de Carvalho;

23) Vilma Rita Lopes;

24) Durval Caldeiras Martins Junior – 3ª série;

25) Mário Borges Junior;

26) Adaucto Sebastião Alves Vieira – Curso de Medicina Aplicada;

27) Antonio Carlos Heusi Rasseli;

28) Arildo da Silva;

29) Bernardo Grosman;

30) Daniel Maya;

31) Efroim Wolf Horowicz;

32) Epitácio de Almeida Siqueira;

33) Guilerme Suarez Curtz;

34) Jorge Galvão Fortuna;

35) José Augusto do Nascimento Pereira;

36) José Roberto Lopes Ferraz;

37) Wilson Santos;

38) Jacy Dotigatti de Souza – Curso de Especialização em Dança;

39) Gilliatt Vaz – Curso de Massagem;

40) Nilton Pinto das Neves;

41) Júpiter Flores Pereira – Curso de Técnica Desportiva;

42) Martha Helga Campmann;

43) Nelson Esteves;

44) Carlos Afonso Nery da Rocha;

45) Lineu Paulo Soares;

46) Luiz Carlos Ferreira César;

47) Carlos Alberto Florentino dos Santos; e,

48) Luiz Carlos de Andrade e Silva.

ANEXO VI

CÓDIGO DISCIPLINAR (Aprovado pelo Conselho Universitário, na Reunião de 10 de outubro de 1968)

DO CÓDIGO DISCIPLINAR

TÍTULO I

DA INTRODUÇÃO

Art. 1º - O CÓDIGO Disciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro

destina-se a regulamentar a aplicação de sanções disciplinares a que está

sujeito o Corpo Social da Universidade.

Parágrafo único – O Corpo Social da Universidade compreende:

I – O Corpo Docente

II – O Corpo Discente

III – O Corpo Técnico

IV – O Corpo Administrativo.

TÍTULO II

DOS DEVERES DOS MEMBROS DO CORPO SOCIAL

Art. 2º - Constituem deveres dos membros do Corpo Social:

a) - a fiel observância da Lei, do Estatuto e dos Regimentos;

b) - o acatamento às ordens emanadas das autoridades universitárias; c) - a urbanidade no procedimento; d) - o resguardo do prestígio e bom nome da instituição.

Parágrafo único – Cabe ao corpo docente, em particular, contribuir para a

ampliação, difusão e transmissão do saber, a formação integral da

personalidade do estudante e a autenticidade democrática da vida universitária.

TÍTULO III

DAS SANÇÕES

Art. 3º - Os membros do Corpo Docente estão sujeitos às seguintes

sanções disciplinares:

a) – advertência; b) – repreensão; c) – suspensão até 15 (quinze) dias; d) – afastamento temporário; e) – destituição;

Art. 4º- Cabem as sanções previstas no artigo anterior nos seguintes

casos:

I – a da advertência:

a) – por transgressão de prazos regimentais ou falta a ato escolar a cujo

comparecimento esteja obrigado, salvo se apresentar justificativa

adequada;

b) – pelo não comparecimento a 3 (três) trabalhos docentes

consecutivos ou a 5 (cinco) não consecutivos, no período de 30 dias,

sem causa justificada.

II – a de repreensão:

Na reincidência das faltas citadas nas alíneas do item anterior.

III – a de suspensão até 15(quinze) dias:

a) – por não acatamento a determinações das autoridades universitárias, baseadas na Lei, no Estatuto e nos Regimentos;

b) – por prática de outros atos de indisciplina.

IV – a de suspensão de 16 (dezesseis) até 30 (trinta) dias:

na reincidência das faltas citadas nas alíneas do item III.

V – a de afastamento temporário:

a) – por desídia no desempenho de suas funções; b) – em casos de indisciplina considerada de especial gravidade, a juízo

da Congregação ou órgão equivalente; c) – por conduta social imprópria e lesiva à reputação da instituição; d) – por não comparecimento, sem justificativa, a 25% das preleções e

trabalhos docentes diretamente a seu cargo; e) – por falta de, cumprimento de pelo menos, 75% do programa da

atividade docente a seu cargo.

VI – a de destituição:

a) – por reincidência nas faltas referidas nas alíneas do item V; b) – por atos incompatíveis com a moralidade e a dignidade da vida

universitária; c) – por condenação à pena de reclusão por mais de 2 (dois) anos ou

detenção por mais de 4 (quatro) anos;

Parágrafo único - Nas hipóteses previstas nos incisos III, IV, V e alíneas a

e b do inciso IV deverá ser instaurado o competente processo administrativo,

de cujas conclusões dependerá a aplicação das sanções.

Art. 5º - A aplicação de sanções aos membros do Corpo Docente, em

razão de faltas cometidas no âmbito da Unidade, é da competência da

Congregação ou órgão equivalente.

Art. 6º - A sanção disciplinar de advertência será aplicada verbalmente e

as demais serão aplicadas por escrito.

§ 1º - Nos casos citados nas alíneas a e b do inciso IV do art. 4º a

destituição dependerá da aprovação da Congregação ou órgão equivalente,

que os julgará em reunião a que estejam presentes pelo menos 2/3 da

totalidade dos seus membros.

§ 2º - A destituição dos docentes que gozarem de vitaliciedade será

efetivada mediante sentença do Poder Judiciário, transitada em julgado.

CAPÍTULO II

Do Corpo Discente

Art. 7º - Os membros do Corpo Discente estão sujeitos às seguintes

sanções:

a) – advertência; b) – repreensão; c) – suspensão até 15 (quinze) dias; d) – suspensão de 16 (dezesseis) a 30 (trinta) dias; e) – afastamento temporário; f) – exclusão.

Art. 8º - Na aplicação das sanções disciplinares serão consideradas a

natureza e a gravidade da infração e os danos dela provierem.

§ 1º - Serão punidos com as sanções a que se refere o artigo 8º itens

a,b,c e d, os membros do Corpo Discente que cometerem as seguintes faltas;

I – Desrespeito ao Diretor da Unidade ou qualquer membro do Corpo

Docente ou Administrativo;

II – Desobediência a ordem dada por qualquer autoridade

Universitária, no exercício das suas funções;

III – Ofensa ou agressão a membro do Corpo Discente;

IV – Perturbação da ordem em qualquer área da Universidade;

V – Danificação de material da Universidade, caso em que, além da

pena disciplinar ficarão obrigados à indenização do dano ou

substituição do objeto danificado;

VI – Improbidade na execução de atos ou trabalhos escolares;

§ 2º - Serão aplicadas as sanções a que se referem os itens e e f do

art. 8º conforme a gravidade da falta, nos casos de:

I – Reincidência nas faltas citadas no parágrafo anterior;

II – Prática de atos incompatíveis com a dignidade e o decoro da vida

universitária;

III – Injúria ou acusação ao Diretor da Unidade a qualquer membro do

Corpo Docente ou a autoridade administrativa;

IV – Agressão a funcionário administrativo;

V – Prática de atos criminosos;

VI – Por conduta social imprópria e lesiva à recuperação da

Universidade.

§ 3º - Os casos não previstos neste Código serão apreciados pela

Congregação, que opinará sobre a gravidade do ato praticado, bem como

sobre a respectiva sanção.

Art. 9º - São consideradas faltas graves as previstas no parágrafo 2º do

artigo 8º.

Art. 10 – No âmbito das Unidades, a aplicação das penas de

advertência, repreensão e suspensão até 15 (quinze) dias é da competência do

Diretor e a das penas de suspensão de 16 (dezesseis) até 30 (trinta) dias e de

afastamento temporário, da competência da Congregação ou órgão

equivalente.

§ 1º - Na área dos Centros, iguais atribuições competem ao Decano e

ao Conselho de Coordenação, respectivamente.

§ 2º - A pena de exclusão é da competência do Conselho Universitário.

Art. 11 – Nos casos em que couber a pena de afastamento temporário,

ou a de exclusão, será instaurado processo disciplinar convocando-se o aluno

acusado.

§ 1º - A autoridade que instaurar o processo administrativo poderá

determinar o afastamento preventivo do acusado.

§ 2º - Todas as convocações para qualquer ato do processo disciplinar

serão feitas por escrito.

§ 3º - No caso de não ser encontrado o acusado, a convocação será

feita por Edital, publicado em órgão oficial.

§ 4º - O não comparecimento do acusado no prazo previsto em Edital,

justifica o prosseguimento do processo à revelia.

§ 5º - Durante o processo, o aluno acusado não poderá obter

transferência para outro estabelecimento de ensino superior, e, se se tratar de

aluno de última série ficará impedido de colar grau.

§ 6º - Terminado o processo e apurado o motivo para aplicação de sanção

disciplinar, será o fato comunicado por escrito ao acusado ou ao seu

responsável, se o aluno for menor, dando-se conhecimento dos motivos que

determinaram a conclusão adotada.

§ 7º - Se o processo concluir por ausência de culpa, as conclusões do

processo deverão ser afixadas no quadro de avisos, na Portaria da Unidade em

que estiver matriculado, no prazo de trinta dias a contar do término do

processo.

Art. 12 – Das penalidades impostas pelo Diretor cabe recursos à

Congregação e das impostas Poe esta ou pelo Reitor cabe o recurso ao

Conselho Universitário.

CAPÍTULO III

Dos Corpos Técnicos e Administrativos

Art. 13 – Os membros dos Corpos Técnicos e Administrativo ficam sujeitos

ao regime disciplinar instituído pela legislação em vigor.

Art. 14 – No âmbito da Unidade o Diretor promoverá a instauração do

processo administrativo para apurar responsabilidades de membros do Corpo

Técnico e do Corpo Administrativo, aplicando as penalidades de repreensão,

multa e suspensão até 30 (trinta) dias.

Parágrafo único – As penalidades de suspensão por mais de trinta dias,

destituição da função, demissão ou dispensa serão aplicadas pelo Reitor.

Art. 15 – No âmbito da Reitoria o processo administrativo será instaurado

pelo Sub-Reitor de Pessoal e Serviços Gerais, para apurar responsabilidades

dos servidores ou empregados técnicos ou administrativos.

§ 1º - As penalidades de repreensão, multa e suspensão até 3 (trina) dias,

serão aplicadas pelo Sub-Reitor de Pessoal e Serviços Gerais e as demais

penalidades pelo Reitor.

§ 2º - Das penalidades aplicadas pelo Sub-Reitor de Pessoal e Serviços

Gerais caberá recurso ao Reitor.

TÍTULO IV

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 16 – A jurisdição disciplinar do Reitor estende-se a todas as áreas da

Universidade, cabendo-lhe aplicar as penalidades previstas neste Código, que

não sejam privativas de órgãos colegiados.

Art. 17 – Os casos omissos serão resolvidos pela Congregação ou órgão

equivalente da Unidade, pelo Conselho Universitário, conforme a área.

ANEXO VII

Listagem de alunos da FL suspensos por 15 dias:

1) Eliana Gomes de Oliveira;

2) Rose Denise de Matos;

3) Carlos Moraes Deane;

4) Tânia Maria Alkmim;

5) Maria José Passos Lima;

6) Armando Luís Pahl Campos Lopes;

7) Carlos Silveira Versiani dos Anjos Júnior;

8) Viena Lion Barros Soares;

9) Maria Alice Fernandes Martins;

10) Carlos Augusto Corrêa;

11) Maria Deolinda Amigo;

12) Antônio Monteiro Guimarães Filho;

13) Feliciana Maria Ferreira Pinto;

14) José Luís de Araújo Sabóia;

15) Marília Monteiro de Souza;

16) Afonso José Sena Cardoso;

17) Lúcia Tôrres Shibuya;

18) Sônia Maria Gomes Faria;

19) Sylvia Maria Gomes Faria;

20) Sônia Maria Vaz Motta;

21) Martha Maria Saavedra dos Anjos;

22) Emília Rosa Silveira Tortima;

23) Tereza Augusta Correia Lima Rebello;

24) Ebe Campista Guarino; e,

25) Tânia Jatobá de Matos Menezes.

ANEXO VIII

Lista de alunos da EBA que foram repreendidos em 1969:

1) Dulce González;

2) Déa Guimarães;

3) Paulo Roberto Ribeiro de Mattos;

4) Leni da Costa Teixeira;

5) Sônia Williams Marlene Netto;

6) Maria dos Remédios;

7) Sônia Simpson;

8) Maria Luiza Mathias Borba;

9) Sandra Noronha;

10) Paulo César Lamego;

11) Eliane Tinoco;

12) Judith Ferreira;

13) Neide Linhares Jurema Medeiros;

14) José Antônio Trigueiro;

15) Elvira Wanderley;

16) Ney Piá de Távora;

17) Eliete Machado;

18) Ana Maia das Neves Vidal;

19) Ronaldo Kumer;

20) Darvin Barbosa Silva; e,

21) Célio Barroso.

ANEXO IX

Listagem de alunos suspensos da Faculdade de Farmácia em 1970:

1) Ariam Gómez Barreto;

2) Nílton Antonio R. Maia;

3) Luiz Carlos Teixeira;

4) Paulo Roberto Pereira da Costa;

5) Roberto José de Oliveira Tavares;

6) Ana Lúcia Pessoa de Campos;

7) Heloísa Molinari;

8) Reginelena Ferreira da Silva;

9) Myriam Cezarie Jourdan;

10) Álvaro Pinheiro Guimarães Neto;

11) Maria Lúcia Viana;

12) José Domingos Tassi;

13) Maria Lúcia de Brito Morley;

14) Marieta Souza Granuzzo;

15) Cristina Serafim Tavares;

16) Sueli Baldi Palmeira;

17) Orestes Bencardino;

18) Frieda Catran;

19) Olímpio Pereira de Carvalho;

20) Nilton Guimarães;

21) Ângelo da Cunha Pinto;

22) Coca Rozenbaum;

23) Valmy Curvo Vieira de Souza;

24) Antonio Carlos M. de Morais;

25) Hygia Maria Nunes;

26) Elionae de Menezes Dantas;

27) Rogério Augusto Pinto Mattos;

28) Maria Pureza Nunes Duarte;

29) André Luís Gemal;

30) Laerth Macelaro Thomé;

31) Adolpho de Alencar Araripe Júnior;

32) Marco Antonio Moreira Santini;

33) Antonio Sousa Neto;

34) José Carlos Nunes de Moraes;

35) José Pedro Viana Voto;

36) Ana Lúcia Guambo Noriega; e,

37) Antonio Teodoro de Castro.

ANEXO X

CARTA DOS 15 FNFi AOS ESTUDANTES

Caro colega universitário!

Nós, os 15 abaixo-assinados – dos quais 3 membros do Diretório Acadêmico – em vias de sermos expulsos da Faculdade Nacional de Filosofia, por resolução do seu Diretor, professor Eremildo Luiz Viana, do dia 18 de outubro, sentimo-nos no dever de nos dirigirmos a você, neste momento em que tentam nos afastar da coletividade universitária da qual nós e você fazemos parte. Devemos prestar-lhe contas de nossos atos, porque o julgamento da comunidade universitária e do povo é o que importa pra nós. Que fizemos? Por que somos punidos? Somos punidos porque havendo entre nós quinze, colegas de diversas ideologias, estamos em unidade na direção de uma luta que há 80 dias emplga os colegas de nossa Faculdade. Este é o nosso crime maior: participar da direção da unidade dos colegas, em luta por uma aspiração que só pode dignificar nossa condição de estudante e cidadão: participação dos alunos e professores catedráticos e não catedráticos, no encaminhamento das eleições para a nova direção de nossa Faculdade. Pleiteamos que a nossa opinião seja levada em conta, que um programa de gestão seja delineado, enfim, o que reunimos na palavra DIÁLOGO. Neste diálogo que se ouvisse nossa voz pela reforma universitária, por uma Direção que inserisse nossa Faculdade na aspiração geral dos estudantes e do povo, pelas reformas de estrutura da sociedade brasileira. A isto, um grupo de catedráticos, liderados pelo atual diretor, Sr. Eremildo Luiz Viana, opôs e opõe uma resistência desesperada. Defendendo as atuais estruturas universitária e social, ultrapassadas e os privilégios delas decorrentes, temem a discussão, o confronto de idéias e a participação da grande maioria que estuda e aspira a criar, que luta e deseja contribuir para a melhoria do ensino, da cultura e da vida de nosso povo. Contra essa intransigência senil dirigimos assim – e disso nos orgulhamos – uma greve valente de protesto, por dois dias, na qual derrotamos as investidas da polícia, do Diretor e seus agentes da F.J.D infiltrados entre nós. Contra esse obscurantismo feudal participamos sim – e por isso nos consideramos honrados – da ocupação pacífica do salão nobre da Faculdade, transformando em símbolo de resistência medieval ao debate de grandes questões do pensamento moderno: humanismo, existencialismo, marxismo,

cristianismo. Por único instrumento escadas e por única aspiração, no dizer do poeta: “Luz! Luz para o novo mundo!” Nesta luta, temos sido parcela dirigente sim, mas de toda uma coletividade unida, plenamente consciente e criadoramente participante. Com a expulsão de nós quinze, pensam – que ilusão! – golpear a liderança dos estudantes da Faculdade, intervir no Diretório Acadêmico e nos Centros de Estudos, atemorizar os colegas e desta maneira, a partir da Filosofia, reprimir e exemplar todo universitário, todo o Diretório, toda a Faculdade, que ouse a erguer mais alto sua luta. Mas não só isto, mas nem principalmente isto. De fato, por que toda esta sanha, este ódio, estas tentativas de desmoralizar os rapazes e moças da Filosofia, uma vez acusados de baderneiros, outra de “agitadores”, ainda outra de participantes em bacanais ou de estudantes “profissionais”? Por que se unem neste fogo concentrado contra a Filosofia, certa Imprensa, onde nunca encontram eco as vozes estudantis quando clamam pela reforma universitária; certos catedráticos e cúpulas universitárias há anos surdas aos nosso reclamos, e determinados políticos retrógrados, que quando se lembram dos universitários brasileiros é para nos colocar no pelourinho, juntamente com nossas entidades representativas? É que a Filosofia tem uma importante experiência vivida e comprovada, a partir do Diretório do colega Enylton Sá Rego: a da UNIDADE PELAS BASES. Unidade através das turmas, dos cursos, dos centros de estudos, na luta e convívio diários, em torno dos pequenos e grandes problemas. Unidade que não surge de conchavos. Unidade que é a união de pessoas de diferentes concepções filosóficas e religiosas em torno de princípios e perspectivas, objetivos e meios, comuns: PELA REFORMA UNIVERSITÁRIA, PELAS REFORMAS DE BASE, POR UM GOVERNO CAPAZ DE REALIZÁ-LAS. A vida nos mostrou que a unidade é possível, que com a unidade nossa força se multiplica, se luta melhor e só assim se alcança grandes vitórias! Este processo de unidade pelas bases, germina e se desenvolve em todo o movimento estudantil. No momento atual, na Filosofia ele adquire grande amplitude, profundidade e consciência. É esta consciência, este “mau exemplo” que agora se trata de sufocar, de isolar do conjunto do movimento universitário. Daí, que se assista a este fato insólito: um diretor de Faculdade, o Sr, Viana, não se contenta em combater a unidade dentro de nossa Faculdade e intervém abertamente, através de jornais na campanha eleitoral que ora se trava para a diretoria da União Metropolitana dos Estudantes procurando acirrar divergências e dificultar o caminho da unificação dos estudantes de todas as faculdades da Guanabara. Isto é o que nos sentimos obrigados a lhe dizer, colega! Esta é a nossa prestação de contas a você! O que está em jogo são as nossas pessoas! O que está em jogo não são interesses eleitorais momentâneos, neste instante em que a campanha para a direção da UME proporciona, infelizmente, uma divisão temporária das forças democráticas de nossa coletividade estudantil. O que está em jogo são os interesses permanentes do movimento estudantil. O que se decide agora é:

Resguardaremos a autonomia das entidades estudantis ou vencerá a intervenção nelas? Fortalecer-se-á a unidade do movimento estudantil na Guanabara ou prevalecerá a divisão? Cultura ou obscurantismo? Democracia ou opressão? A decisão está com você, com seu Diretório Acadêmico, cm os colegas de sua Faculdade, com todo o movimento estudantil. SALVE A UNIDADE DO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO, EM MARCHA PARA NOVAS VITÓRIAS!!! Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1963. Sérgio Salomé -1º ano de Ciências Sociais Rachel Teixeira -1º ano de Letras Amaury Cano -1º ano de Matemática Wilson Barbosa -4º ano de História Carlos Maurício Chaves -4º ano de Física Adyr Moisés Luis -4º ano de Física Fernando Bunchaft -4º ano de Física Ieda Salles -3º ano de Filosofia Flávio Silva -3º ano de Filosofia Regina do Prado -3º ano de Filosofia Victória Grabois -1º ano de Ciências Sociais Elio Gaspari -1º ano de História Elias Mansur -2º ano de Matemática Paulo César Esteves -4º ano de Química João Guilherme Vargas Neto -1º ano de Matemática.

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