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  • Revista frica e Africanidades - Ano IX n. 23, abr.2017 ISSN 1983-2354www.africaeafricanidades.com.br

    Revista frica e Africanidades - Ano IX n. 23, abr.2017 ISSN 1983-2354www.africaeafricanidades.com.br

    Representao Simblica da Cerimnia deCasamento Tradicional Angolano

    Vilmria Bispo dos [email protected]

    Graduada em Comunicao Social com Habilitao em Rdio e TVUniversidade Estadual de Santa Cruz.

    RESUMO

    Estudo introdutrio que visa conhecer a respeito da preservao de patrimniocultural de Angola atravs de fotografias de casamento tradicional, conhecido comoalambamento. Utiliza-se a anlise semitica e semiolgica em quatro fotografias dealambamento para a identificao e interpretao dos seus elementos simblicos, bemcomo a sua relao com os principais costumes vigentes da sociedade. Ter como base ateoria semitica desenvolvida por Sanders Peirce, por se tratar de uma cincia de teoriacomposta por ampla arquitetura filosfica e abrangente a qual permite a anlise esttica,tica e lgica sob uma observao fenomenolgica e metafsica. Roland Barthes outroreferencial terico utilizado, sobretudo, nos aspectos de decodificao de significadosmediante a noo de semitica conotativa e denotativa de Hjelmslev sob a teoria daestratificao dos sentidos.As fotografias analisadas foram extradas de portais online,uma vez que tais imagens esto restritas entre os seus pares nas comunidades.

    Palavras-chave: alambamento; fotografia; angola.

    Artigo desenvolvido a partir do Trabalho de Concluso de Curso, apresentado em 1 de agosto de 2016 naUniversidade Estadual de Santa Cruz. A verso monogrfica foi apresentada em Mesa Redonda no VIII WorkshopInternacionalizao Universitria na Universidade Estadual de Feira de Santana.

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    1. IntroduoQuem educa uma mulher, educa um povo. O provrbio africano possui autor

    desconhecido, mas a partir do conhecimento do contexto do papel social da mulherafricana, este provrbio sentencia a centralidade da famlia atravs do casamento,sobretudo, formao da mulher para esse momento to importante. De modo geral ocasamento na cultura africana, provavelmente, uma das instituies sociais maisantigas, apresenta-se em diversos grupos tnicos e por isso, o ritual se reveste de grandeprestgio, constituindo tanto para o homem quanto para a mulher, um importante rito depassagem.

    Este artigo parte do resultado de um processo de pesquisa bibliogrfica eemprica iniciada em 2015, durante um Intercmbio Cultural que foi realizado em Portugal.Sendo assim, o recorte espacial escolhido deve-se a fatores como aproximao pessoalcom angolanos e identificao de semelhanas com aspectos da cultura afro-brasileira.Para, alm disso, Angola faz parte dos Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa PALOPs, o que considero um fator favorvel para futuras pesquisas e imerses culturais.

    Contrariamente ao que se acreditava h muitos sculos, saber sobre fricasignifica tomar conscincia de sua prpria histria e, registrar suas tradies uma formade perpetuar memrias cujas significaes culturais, simblicas e indenitrias precisamser preservadas para que haja as transformaes sem que se percam as origens.

    A anlise das fotografias de casamento tradicional angolano de uma das culturasmais antigas, possivelmente herdada dos povos bantu, um mtodo de decodificaodos seus smbolos, ritos e rituais, bem como de identificao das possveis relaes destacerimnia com o contexto sociocultural e religioso em que as pessoas envolvidaspertencem. Sendo assim, observa-se ainda, os principais motivos que justificam a suamanuteno da tradio no decorrer dos anos.

    A estrutura metodolgica deste trabalho, consiste em uma anlise semitica defotografias de arquivo, com pesquisa bibliogrfica, historiogrfica e etnogrfica. Aproposta de aplicao ter como base as teorias semitica e semiolgica desenvolvidapor Sanders Peirce e Roland Barthes, sobretudo nos aspectos de decodificao eestratificao dos sentidos mediante a noo de semitica conotativa e denotativa deHjelmslev.

    Para a identificao e compreenso dos elementos simblicos presentes nasimagens a serem analisadas, foi necessrio e ampliao do meu repertrio cultural,sobretudo, no que diz respeito a conhecimentos a partir de diversas reas como histria,religio, antropologia, bem como dos estudos etnogrficos dos povos africanos. Tendo emvista que processo de decodificao dos smbolos exige o conhecimento prvio docontexto sociocultural o qual esses smbolos so reconhecidos convencionalmente, poisse o repertrio de informaes do receptor muito baixo, a semitica no pode realizarpara esse receptor o milagre de faz-lo produzir interpretantes que vo alm do sensocomum (SANTAELLA, 2002, P. 6).

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    2. ANGOLA: aspectos gerais e suas multiplicidades culturaisAssim como a maioria dos pases africanos, Angola tambm possui uma variedade

    de recursos florestais, principalmente na provncia de Cabinda, floresta do Maiombe, ondeh madeiras de elevado valor econmico como o sndalo, pau-preto, bano, pau-raro epau-ferro. Os solos angolanos so ricos em recursos minerais, principalmente, o petrleo(Cabinda, Soyo e Kissama) e os diamantes (Lunda e Malange). Alm desses, possuiainda grandes jazidas de ferro, mangans, cobre, ouro, chumbo, zinco, urnio volfrmio eestanho como relata Zau (2002).

    Dentre as principais cidades destacam-se Luanda, a capital da Repblica deAngola que em 1988 deveria ter cerca de 2.081.000 habitantes. Huambo, com cerca de203.000 habitantes, Benguela 155.000 habitantes e Lobito 150.000, segundo dados de1983. J a cidade do Lubango, em 1984, comportaria cerca de 105.000 habitantes5.

    A Repblica Democrtica de Angola est dividida administrativamente em 18provncias, lideradas por governadores provinciais, nomeados pelo Presidente daRepblica, que tambm o Chefe do Governo. De acordo com a figura 1 ilustrada abaixo,so elas: Bengo, Benguela, Bi, Cabinda, Cunene, Huambo, Hula, Cuando Cubango,Kwanza, Norte, Kwanza Sul, Luanda (Capital), Lunda Norte, Lunda Sul, Malange, Moxico,Namibe, Uge, Zire.

    IMAGEM 1: DIVISO ADMINISTRATIVA DA REPBLICA DE ANGOLAFONTE: CONSULADO GERAL DE ANGOLA

    2.1 Principais Influncias CulturaisAs multiplicidades culturais de Angola esto relacionadas aos processos ocorridos

    no perodo pr-colonial. Nesse contexto, os grupos de origem bant devem ser citadoscomo as principais influncias do atual mosaico cultural angolano e suas tradies.

    Foram as diversas etnias que moldaram o pas. No incio do sculo XVI, Portugaliniciou a ocupao na regio de Luanda e mais tarde tambm em Benguela, mantendo ocontrole da regio at 1975. Sendo assim, tanto Portugal quanto Angola compartilha de

    5VVAA (2000), Guia do Mundo/2000, Trinova Editora, p.18.

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    aspectos culturais como a lngua e a religio crist catlica romana, a qual tambm setornou a principal religio no pas africano. No entanto, pode-se afirmar que a culturaangolana , em grande parte, de origem bantu, em que mistura tradies e lnguasnativas ou dialetos, nesse caso se incluem os Ovimbundos, os Ambundos, os Bakongos,os Ckwee outras.

    Conforme o linguista Guthrie(2010), a origem da grande massa dos povos delngua bantu se situaria em Shaba e na regio adjacente do nordeste da atual Zambia.Angola inicialmente foi a regio habitada majoritariamente pelo povo bantu. Prticasreligiosas, conhecimentos tcnicos agrcolas e de minerao, valores sociais, costumes ehbitos de alimentao e tantos outros elementos fizeram parte da bagagem cultural queformou a atual Repblica Democrtica de Angola e essas contribuies esto presentesno cotidiano at os dias atuais.

    Para Vansina (2010), a partir dos estudos feitos pela antropologia histrica, aponta-se para probabilidades das primeiras formaes tnicas regionais existirem desde muitoantes de 1500 como, por exemplo, os Imbangalas formados pelos Lunda, Luba,Ovimbundu e Ambundu. Embora esses povos sejam de suma importncia para acompreenso cultural do pas, no aprofundarei a respeito devido a sua extenso ecomplexidade.

    De acordo com Malandrino (2010), a partir de 1.100 nota-se uma srie demigraes dentro da prpria frica, que durou aproximadamente dois mil e quinhentosanos. Segundo dados historiogrficos, durante o processo migratrio, os bantuteriampartido do atual Camares e se espalhado pela frica Central, Oriental e do Sul ( comomostra a figura 2). Dos principais motivos de deslocamentos est o aumento dapopulao, o que obrigou a migrao para terras mais frteis.

    IMAGEM 2: DESLOCAMENTOS E MIGRAES DOS GRUPOS BANTUFONTE: REPBLICA POPULAR DE MOAMBIQUE, HISTRIA.

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    De acordo com Silva (1980), por volta do ano mil Depois da Era Crist DEC, coma entrada dos povos bantu na frica Meridional houve um complexo industrial da Idade doFerro Antiga, caracterizado pela introduo de novos elementos como a metalurgia, acermica e a agricultura, que provocaram a ruptura com as antigas sociedades. Taisaspectos forjaram as principais formas naturais de fuso cultural como relata Serrano:

    Desde longa data, nota-se um persistente deslocamento de populaes que,partindo da frica, mesclaram-se com outras j assentadas, o mesmo ocorrendono sentido contrrio, todas indiferentes s categorias construdas posteriormentepara defini-las. De resto, em muitas situaes as populaes regressavam s suasregies de origem, sendo que nesse vai-e-vem carregavam consigo dinmicassociais, tcnicas e culturais inditas, contribuindo para a sua difuso (SERRANO;WALDMAN, p. 86-87)

    H uma diversidade de fatores que contribuem para a fuso cultural ouaculturao, dentre eles esto as entradas de missionrios, de trabalhadores, atravs docomrcio e at mesmo dos casamentos entre grupos tnicos de culturas diferentes.

    2.2 Culturas Material, Histrica e Artstica de AngolaAs Mscaras esculpidas so das mais populares formas de arte tradicional em

    Angola. H uma variedade de tipos e formas, tamanhos e qualidade artstica. Asmscaras normalmente so esculpidas em madeira, bronze e outros metais. Geralmenterepresentam a ideia de descendncia, cl ou antepassados da famlia, divindades, figurasmitolgicas, e at mesmo animais.

    Ainda hoje, as mscaras continuam sendo as produes artsticas tradicionais maisconhecidas de Angola. Na Angola moderna, a nfase est pautada, principalmente, novalor esttico da arte e torna-se objeto de museu e exposies de galeria, no entanto asua criao est muito mais pautada nos aspectos simblicos e em carter sacralizado.Citarei brevemente alguns exemplos das mais conhecidas, bem como suasrepresentaes.

    A Mscara de Mwana Pwo (a jovem solteira) representa o ancestral feminino. Estamscara era usada em rituais de puberdade e fertilidade.

    IMAGEM 3: MWANA PWO FONTE: BLOG ABDEL LUNDA

    A Mscara de Cihongo (esprito da riqueza) representa o ancestral masculino eostenta uma expresso de sorriso. Representa um antepassado de origem nobre esimboliza o esprito masculino da riqueza e da autoridade.

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    IMAGEM 4: MSCARA DE CIHONGOFONTE: INSTITUTO CULTURAL MWANA ZAMBE

    No cenrio contemporneo das artes plsticas, h uma gama de artistasreconhecidos internacionalmente por suas obras. Pinturas em telas, esculturas emmadeiras, gravuras ou at mesmo a fotografia angolana so expostas em grandesgalerias, feiras e museus do mundo. Nomes como Yonamine Miguel, Vitei, lino Damio,Maura Faria, Ana Silva, Edson Chagas, dentre outros artistas angolanos esto presentesem exposies de conceituados espaos artsticos, como na Faculdade de Belas Artes daUniversidade do Porto e na Embaixada de Angola atravs da exposio coletiva de artesplsticas Commuting.

    Antnio Ole, por exemplo, ovacionado por muitos artistas como o mais importanteno perodo ps independncia, o qual esbanja criatividade na arte africanacontempornea, utilizando objetos descartados como principal matria prima em suasobras. Assim como Paulo Kapela, conhecido como o profeta de frica, apresentado palaGaleria African Contemporany como um artista capaz de criar representaes do seuuniverso interior que combina parte da cultura bantu com o catolicismo, rastafarismo eiconografias socialistas como forma de louvor.

    3. O CASAMENTO: caractersticas e conceitoDe acordo com Chevalier e Gheerbrant (1999), o casamento simboliza a origem da

    vida humana. Embora a cerimnia, possivelmente, seja uma celebrao presente emtodas as sociedades, nota-se que ainda h poucos estudos que discorram,especificamente, a respeito do assunto. Sabe-se que o casamento uma cerimniareconhecida com alto grau de importncia dentro da sociedade, no entanto, os elementossimblicos presentes no ritual so diversos e na maioria das vezes, esto carregados desimbologias que refletem comportamentos e valores de diferentes grupos tnicos, em quepara muitos deles, o casamento tido como algo sagrado.

    Nesse sentido, Perrot (1991) apresenta a unio entre duas pessoas de sexosopostos como um dos mecanismos sociais e religiosos criados para garantia da vivnciahumana na terra, em que a famlia torna-se o pilar da sociedade e sua base ocasamento. Desse modo, as suas primeiras formas de existncia eram vistas comoferramentas de manuteno de relacionamentos entre grupos sociais.

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    IMAGEM 4: MSCARA DE CIHONGOFONTE: INSTITUTO CULTURAL MWANA ZAMBE

    No cenrio contemporneo das artes plsticas, h uma gama de artistasreconhecidos internacionalmente por suas obras. Pinturas em telas, esculturas emmadeiras, gravuras ou at mesmo a fotografia angolana so expostas em grandesgalerias, feiras e museus do mundo. Nomes como Yonamine Miguel, Vitei, lino Damio,Maura Faria, Ana Silva, Edson Chagas, dentre outros artistas angolanos esto presentesem exposies de conceituados espaos artsticos, como na Faculdade de Belas Artes daUniversidade do Porto e na Embaixada de Angola atravs da exposio coletiva de artesplsticas Commuting.

    Antnio Ole, por exemplo, ovacionado por muitos artistas como o mais importanteno perodo ps independncia, o qual esbanja criatividade na arte africanacontempornea, utilizando objetos descartados como principal matria prima em suasobras. Assim como Paulo Kapela, conhecido como o profeta de frica, apresentado palaGaleria African Contemporany como um artista capaz de criar representaes do seuuniverso interior que combina parte da cultura bantu com o catolicismo, rastafarismo eiconografias socialistas como forma de louvor.

    3. O CASAMENTO: caractersticas e conceitoDe acordo com Chevalier e Gheerbrant (1999), o casamento simboliza a origem da

    vida humana. Embora a cerimnia, possivelmente, seja uma celebrao presente emtodas as sociedades, nota-se que ainda h poucos estudos que discorram,especificamente, a respeito do assunto. Sabe-se que o casamento uma cerimniareconhecida com alto grau de importncia dentro da sociedade, no entanto, os elementossimblicos presentes no ritual so diversos e na maioria das vezes, esto carregados desimbologias que refletem comportamentos e valores de diferentes grupos tnicos, em quepara muitos deles, o casamento tido como algo sagrado.

    Nesse sentido, Perrot (1991) apresenta a unio entre duas pessoas de sexosopostos como um dos mecanismos sociais e religiosos criados para garantia da vivnciahumana na terra, em que a famlia torna-se o pilar da sociedade e sua base ocasamento. Desse modo, as suas primeiras formas de existncia eram vistas comoferramentas de manuteno de relacionamentos entre grupos sociais.

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    IMAGEM 4: MSCARA DE CIHONGOFONTE: INSTITUTO CULTURAL MWANA ZAMBE

    No cenrio contemporneo das artes plsticas, h uma gama de artistasreconhecidos internacionalmente por suas obras. Pinturas em telas, esculturas emmadeiras, gravuras ou at mesmo a fotografia angolana so expostas em grandesgalerias, feiras e museus do mundo. Nomes como Yonamine Miguel, Vitei, lino Damio,Maura Faria, Ana Silva, Edson Chagas, dentre outros artistas angolanos esto presentesem exposies de conceituados espaos artsticos, como na Faculdade de Belas Artes daUniversidade do Porto e na Embaixada de Angola atravs da exposio coletiva de artesplsticas Commuting.

    Antnio Ole, por exemplo, ovacionado por muitos artistas como o mais importanteno perodo ps independncia, o qual esbanja criatividade na arte africanacontempornea, utilizando objetos descartados como principal matria prima em suasobras. Assim como Paulo Kapela, conhecido como o profeta de frica, apresentado palaGaleria African Contemporany como um artista capaz de criar representaes do seuuniverso interior que combina parte da cultura bantu com o catolicismo, rastafarismo eiconografias socialistas como forma de louvor.

    3. O CASAMENTO: caractersticas e conceitoDe acordo com Chevalier e Gheerbrant (1999), o casamento simboliza a origem da

    vida humana. Embora a cerimnia, possivelmente, seja uma celebrao presente emtodas as sociedades, nota-se que ainda h poucos estudos que discorram,especificamente, a respeito do assunto. Sabe-se que o casamento uma cerimniareconhecida com alto grau de importncia dentro da sociedade, no entanto, os elementossimblicos presentes no ritual so diversos e na maioria das vezes, esto carregados desimbologias que refletem comportamentos e valores de diferentes grupos tnicos, em quepara muitos deles, o casamento tido como algo sagrado.

    Nesse sentido, Perrot (1991) apresenta a unio entre duas pessoas de sexosopostos como um dos mecanismos sociais e religiosos criados para garantia da vivnciahumana na terra, em que a famlia torna-se o pilar da sociedade e sua base ocasamento. Desse modo, as suas primeiras formas de existncia eram vistas comoferramentas de manuteno de relacionamentos entre grupos sociais.

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    A partir da perspectiva estruturalista de Lvi- Stratuss (2010), sob o aspectosociolgico e poltico, as fuses culturais, lingusticas e raciais acontecem tambm porintermdio das unies conjugais, sendo elas elementos potenciais nos fenmenos deaculturao e mestiagem racial. O casamento possui aspectos polticos, sociais, culturaisreligiosos e jurdicos que revelam, principalmente, as formas de organizao social epoltico de dada sociedade, atravs da vivncia dos papeis sociais por cada individuodentro e fora do ncleo familiar.

    Segundo Guilouski e Costa (2012), aps a influncia do cristianismo romano naIdade Mdia, o casamento passou a ser encarado como um sacramento em queintervinha a vontade divina e revestia- se de forma cannica, mediado pelo ministro doculto. Com o advento da Revoluo Francesa, no final do sculo XVIII, o casamentopassa a ser compreendido como um contrato.

    No se encontra muitos relatos a respeito dos registros dos primeiros casamentosna histria da humanidade, mas em conformidade com Perrot (1991), os casamentos empases ocidentais, por volta do sculo XI, eram arranjados pela famlia dos noivos quebuscavam conseguir e perpetuar alianas ou a manuteno do poder econmico. Nestemesmo perodo, o consentimento mtuo passa a fazer parte da tradio com o decreto deGraciano. Um sculo aps surgem novas condies para a realizao do casamento, oqual nasce na esfera privada, mas s reconhecido a partir do momento que assume ocarter pblico.3.1 O alambamento, seus ritos e rituais

    Ao abordar sobre o aspecto cultural do casamento angolano, inevitavelmenteelucidarei a respeito de elementos considerados fundamentais em sua composio, comoa religiosidade, espiritualizao dos ritos e os papis sociais da famlia na sociedade.

    Para os africanos o casamento apresenta caractersticas universais como, porexemplo, ser reconhecido pelo grupo social a que pertence s partes envolvidas ougarantir a perpetuao da espcie atravs do fornecimento de herdeiros e cuidados com aprole, busca promover o fortalecimento de vnculos psicolgicos, afetivos, financeiros eculturais dos indivduos e se constituir como clula da sociedade a qual pertence osindivduos envolvidos.

    Diferentemente das demais, a maioria das sociedades africanas desenvolveu atradio oral como o elemento basilar tanto para a comunicao quanto para manutenodas memrias e tradies. De acordo com Ki Zerbo (2010), a tradio oral uma espciede vanguarda e ao mesmo tempo a ponte que liga as diferentes geraes bem como seuscostumes. Elas so as principais responsveis para a manuteno dos rituais dascerimnias de casamento, o que garante a permanncia de seus smbolos esignificaes.

    Guilouski e Costa (2012), afirmam que os rituais so cerimnias constitudas degestos simblicos repetitivos e intencionais que podem ou no ter conotao religiosa,sendo assim, esto presentes em todas as culturas. Os rituais religiosos permitem aosadeptos nas diferentes tradies adentrarem no mundo espiritual divino.

    Por meio da linguagem ritualstica os seres humanos rememoram e atualizammistrios e acontecimentos importantes de um passado distante, geralmente explicadospor meio da linguagem mtica. Os rituais normalmente so realizados com distintasfinalidades como em cerimnias de casamentos, processos de iniciao ou passagem,

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    litrgicos, comemorativos ou festivos, propiciatrios, morturios, divinatrios, de cura,entre outros.

    Os ritos so gestos simblicos repetitivos que expressam uma crena religiosa, umdesejo, uma inteno, uma saudao, entre outras finalidades. Logo, os rituais socompostos por uma srie de ritos e fazem parte do universo simblico na organizao dassociedades humanas, bem como da sua expresso cultural.

    Antes de aprofundar os estudos a respeito do casamento angolano, importanteacentuar que, embora haja outras formas de casamentos no pas devido as suasmulticulturalidades mencionadas anteriormente, at mesmo quanto aos rituais; o objeto deestudo deste trabalho o casamento tradicional ou alambamento, o qual analisado sobos aspectos culturais, etnogrfico e semitico.

    Outra questo a ser evidenciada refere-se diversidade de verses sobre o queconsiste associao do termo alambamento. H indcios que em determinada poca otermo alambamento referiu-se cerimnia de casamento, tendo assim reconhecimento elegitimidade social. Em outras verses, refere-se apenas ao pedido para o enlacematrimonial, o que no atesta ao nubentes os direitos sociais e legais enquanto esposo eesposa.

    De acordo com Mbambe9, uma portaria do ento Governo-Geral da Repblica deAngola, de 22 de dezembro de 1948, caracterizou o alambamento como a prova docasamento.

    Sobre os elementos culturais presentes na cerimnia de casamento oualambamento, identifica-se uma variao desses elementos no tempo e no espao.Todavia, tais variaes no modificam sua importncia na sociedade uma vez queexercem profundas influncias sobre os indivduos, assim como norteiam no s osmodos de unio conjugal, mas tambm os requisitos, as normas e papis sociais a seremcumpridos de acordo com os saberes, valores e costumes que os identificam. Essascaractersticas so compartilhadas atravs da vivncia coletiva e reconhecidas comotradies, que por sua vez possuem o objetivo maior de justificar, explicar e representar aidentidade de uma instituio ou um grupo social.

    Para os africanos de maneira geral, as tradies so os elementos vitais da cultura,revividas e reforadas medida que so mantidas entre seus membros, mesmo sofrendoalteraes no decorrer dos anos como relata Stuart Hall:

    A tradio um elemento vital da cultura, mas ela tem pouco a ver com a merapersistncia das velhas formas. Est muito mais relacionada s formas deassociao e articulao de elementos. Esses arranjos em uma cultura nacional-popular no possuem uma posio fixa ou determinada, e certamente nenhumsignificado que possa ser arrastado, por assim dizer, no fluxo da tradio histrica,de forma inaltervel. Os elementos da tradio no s podem ser reorganizadospara se articular a diferentes prticas e posies e adquirir um novo significado erelevncia. Com freqncia, tambm, a luta cultural surge mais intensamentenaquele ponto onde tradies distintas e antagnicas se encontram ou se cruzam.Elas procuram destacar uma forma cultural de sua insero em uma tradioconferindo-lhe uma nova ressonncia ou valncia cultural. As tradies no sefixam para sempre: certamente no em termos de uma posio universal emrelao a uma nica classe (HALL, 2003, p.243).

    9Um Estudo do Alambamento, apresentado no Auditrio da Rdio Nacional de Angola, no Lubango.

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    Em consonncia com Hobsbawn (1984), as tradies so reforadas atravs doscostumes, os quais possuem as funes de coeso s prticas precedentes, mas noimpedem as inovaes at certo ponto, pois a fora e a adaptabilidade das tradiesgenunas no devem ser confundidas como a inveno das tradies. No necessriorecuperar nem inventar tradies quando os velhos usos ainda se conservam(HOBSBAWN,1984, v.5, p.16).

    Entende-se por tradies inventadas o conjunto de prticas, normalmentereguladas por regras tcitas ou abertamente aceitas, tais prticas, de natureza ritual ousimblicas [...] (HOBSBAWN,1984, v.5, p. 9).

    O recorte espacial para as posteriores anlises compreende apenas aoscasamentos tradicionais ocorridos em Uge, provncia situada no extremo norte deAngola, com 16 municpios e 49 comunas, com uma populao de 1.426.35410. Aprovncia possui como capital a cidade de Uge e suas fronteiras so a norte e leste, coma Repblica Democrtica do Congo, a sudeste, com a provncia de Malanje, a sul com asprovncias de Kwanza Norte e do Bengo, e a oeste, com a provncia do Zaire.

    Mesmo entre povos do mesmo grupo podem ser encontradas diferenas, por isso,as descries so de tradies presentes em dois municpios da provncia do Uige:Damba e Maquela do Zombo e menciona os bakongos11 provenientes destas reas quevivem em Luanda h mais de vinte anos.

    A lngua mais falada pela populao desta provncia, alm do portugus dePortugal o kicongo e os grupos tnicos so majoritariamente dos bakongos, kimbundu eovimbundo, seus costumes culturais e religiosos foram significativamente influenciadospelos povos bantu.

    Conforme Malandrino (2010), a religiosidade bantu pode ser entendida como algoque se encontra presente nas instituies sociais e a partir dessa lgica, no h distinoentre profano e sagrado12. Pois sob uma perspectiva religiosa essas sociedadesentendem a vida como um todo, uma vez que os mundos visveis e invisveis so apenasreflexos um do outro.

    As religies existentes perpassam por uma caracterstica monotesta e apresentama figura divina como o ser supremo que mantm uma relao verticalizada com o serindividual (Muntu), e, posteriormente coletivo (Bantu) como registrou o padre Altuna:

    H um movimento vertical de Nyambe (Deus) para o Muntu (Homem), em seguidaummovimento horizontal do Muntu para os outros homens: Bantu. O equilbrio deforas , acima de tudo, espiritual, depois fsico, seguidamente social e, por fim,csmico e universal. Eis porque a determinao religiosa atravs do social resultacompensao de uma verdadeira funo sciogentica da religio. Todos os

    10Provncia de Uge. Acesso http://www.muanadamba.net/provincia-do-uige-caracteristas-gerais.html11O grupo Bakongo localiza-se originalmente na fronteira norte de Angola com o Congo Kinshasa, estandotambm presentes no Congo Brazzaville (regio do antigo Reino do Kongo formado no sculo XIV). Aclassificao das etnias em Angola leva em conta o critrio lingstico. Dessa forma, o pas conta com cercade 10 grupos tnicos, sendo que os trs maiores grupos Ovimbundu (lngua umbundo), Ambundo (lnguakimbundo) e Bakongo (lngua kikongo) somam 75% da sua populao. Estas populaes so do troncolingstico bantu, que predomina na regio centro-sul da frica.

    12ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. So Paulo: Martins Fontes, 1992.

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    seres, segundo os bantu, tm o Ser Supremo por origem. Recebem dEle vida emovimento. (...) no encalo da religio que convm considerar a antropologiabantu. Ela nambeista: isto , religiosa ( ALTUNA, 1985, p 63 3 64 ).

    Conforme Bevilquia (1976), o casamento um contrato bilateral e solene peloqual um homem e uma mulher se unem, indissoluvelmente, e suas relaes sexuais, solegalizadas, estabelecendo uma estreita comunho de vida e de interesses como ocompromisso de criar e educar a prole que nasce de ambos.

    Para a sociedade angolana assim como na maioria dos pases africanos, aprocriao o principal objetivo do casamento e tal condio fomentada em umaespcie de preparao que ocorre quando os meninos e meninas ainda esto napuberdade, conhecido como iniciao. Em tradies como essas a ideia de no ter filhos considerada como um fator negativo ou at mesmo uma maldio:

    Dentro dessa tradio a escolha de no ter filhos algo impensvel, a falta defilhos para uma famlia vista como uma mensagem, muitas vezes um aviso porparte dos antepassados ou ainda uma dificuldade imposta por um esprito quequer prejudicar aquela famlia. Apenas para relembrar, dentro da tradio bant, ofim da existncia de algum est vinculado falta de descendncia(MALANDRINO, 2010, p. 65-66).

    Nessas tradies existem pelo menos mais dois importantes ritos para o processo daconstituio familiar tradicional, so eles13:

    A) Iniciao da puberdade- Um dos costumes mais importantes tradicionaisde Angola conhecido como o rito da puberdade (Iniciao daPuberdade). Neste ritual os meninos e as meninas quando chegam aidade apropriada so iniciados na fase adulta, em que ambos sopreparados para os seus respectivos papis sociais. O processo duraalgumas semanas e termina com festa para a comunidade. Normalmenteos rituais de iniciao masculina incluem instrues sobre questessexuais, a preparao para assumir o papel conjugal e as outras tarefasque a vida adulta ir exigir deles. A maioria dos ritos de iniciao exigeque os rapazes sejam submetidos a um teste de coragem e fortaleza,uma prova de sobrevivncia durante a qual devem ficar sozinhos nafloresta durante um determinado perodo de tempo. A dana commascaras outra caracterstica importante dos ritos de iniciao dosrapazes, sendo assim, eles devem juntar-se com outros homens e nocom as crianas e mulheres, como faziam antes dos ritos de iniciao.

    De igual forma, os ritos de iniciao feminina tambm so realizados quando elasatingem sua idade frtil. So preparadas pelas mulheres mais velhas para seremesposas e mes; papel tradicional da mulher na sociedade.

    B) Nomeao- Em Angola, o parto tido como o cumprimento decasamento. Nas sociedades tradicionais, a gravidez esperada portodos os familiares. As mulheres grvidas so cuidadas e mantidas emcasa durante toda a gravidez, com a ajuda das mulheres mais velhas datribo. Contrariamente aos costumes ocidentais e europeus h poucoaconselhamento em questes planejamento familiar. A cerimnia denomeao acolhe formalmente o recm-nascido ao mundo e o torna

    13Cerimnias Tradicionais: culturas e costumes de Angola acesso em ttp://blog.micaelareis.com

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    humano perante a sociedade. Tradicionalmente, esta cerimnia dirigidapor um ancio da famlia, que confere criana os nomes que o paiindicou.Em Angola os nomes nunca so meras palavras, eles refletem a histriade uma pessoa e definem a sua personalidade e identidade.Normalmente os nomes so dados com base nas circunstncias donascimento da criana ou condies relacionadas com a famlia. Ascrianas tambm podem receber os nomes dos antepassados, devido crena de que esses ancestrais iro proteger aqueles que recebemesses nomes.

    Vale salientar que, embora o alambamento seja uma prtica tradicional comum entrediferentes pases africanos, no que diz respeito a sua veracidade e legitimidade, asopinies entre os estudiosos divergem, devido s vrias interpretaes sobre suasrepresentaes simblicas. H tambm uma variedade de prticas ritualsticas que somodificadas a partir de fatores culturais, religiosos e etnogrficos. Sobre este aspecto, ocasamento aqui descrito perpassa sob o crivo do olhar de um jurista angolano14.

    De acordo com Mbambi15 o alambamento um neologismo criado pelos angolanospara preencher a lacuna verificada na lngua portuguesa para designar ovilombo (pedidode casamento) em Umbundu. Para o autor o termo ovilombo surge do verbo okulombaquesignifica pedir em portugus. H tambm uma variao lingustica para a pronnciaalembamento, termo que surge da palavra okulemba (alegrar para consolar), em que deacordo com depoimentos a retirada da filha para o seu novo lar pode causar algumatristeza aos pais, e h que consol-los (com um presente!) (MBAMBI, 2014, P.2). Mbambi um defensor do pedido e justifica o ponto de vista dos africanos a respeito:

    Mas, acima de tudo, o alambamento visto pelos africanos como um prmio noiva pelo seu bom comportamento pessoal e pelo de seus pais que a criaram,porque no muito fcil educar uma filha em virtudes, dadas as muitas tentaesna vida que a espreitam. O bom comportamento dela pressupe o bomcomportamento dos seus pais, pelo que todos devem ser premiados: a filha e osseus pais! Esse prmio que exactssimamente o alambamento! (MBAMBI,2014, p.2)

    De acordo com Valente16, dois teros dos pases do continente africano praticam oalambamento, prtica tambm verificada em alguns pases da sia.

    Este refere-se a um conjunto de preparativos e entregas que a famlia do noivo faz parentesco (tambm chamados laos de afinidade ou aliana). Consiste na entrega dequantias em dinheiro, roupas, calados, bebidas, animais e determinados objetos, queso comumente solicitados pelas tias da noiva.

    Assim como em muitos pases ocidentais, por exemplo, o ato de oferecer um anelcom uma pedra de brilhante significa as intenes matrimoniais do interessado (prticaque tambm est sendo utilizada em substituio do alambamento por algumas famlias

    14MBAMBI, Moiss _Prof. Auxil. de Direito, na Universidade Agostinho Neto, e Advogado, no Lubango :Mestre em Cincias Histrico-Jurdicas pela Universidade de Lisboa.15MBAMBI, MOISS. O casamento ao longo dos tempos (Tese de Mestrado na Universidade de Lisboa),pp. 70-81.

    16VALENTE FRANCISCO (Padre), A problemtica do matrimnio tribal, Lisboa.

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    angolanas), em sociedades tradicionais africanas, as intenes matrimoniais prescrevemuma srie de requisitos materiais e simblicos que esto ligados aos saberes dosindivduos e grupos de dada sociedade. O fenmeno atribui mulher desejada um altovalor moral perante a sociedade em que convive, como descreve Mbambi:

    da noiva, com o intento de legitimar o casamento e estabelecer novos laos deVeja-se que uma rapariga africana, por quem se no pague o alambamentoconsidera-se infeliz e desprezada. No se considera estimada na sociedade emque vive. Se se lhe d o alambamento aos pais, passa a considerar-se notvel, efica, por isso, muito feliz. Acha-se como que uma prola na sociedade em que vivee, por isso, algum se sacrifica para a ter sempre a seu lado, pois a oferta de algode valor que se d por algum significa sempre algum sacrifcio que se faz poresse algum ( MBAMBI, 2014, p.3)

    A carta de pedido17, muitas vezes elaborada pelos pais ou tios da noiva, consisteem uma lista de pedidos de bebidas e objetos simblicos para aquele grupo social. Ocumprimento e entrega desses elementos representa a firmao desse compromissoperante a sociedade, a qual presencia como forma de testemunho ocular do contratosocial. O testemunho, seja escrito ou oral, no fim no mais que um testemunhohumano, e vale o que vale o homem Ki Zerbo (2010, p.168).

    Em muitas etnias bantu, o alambamento ou casamento tradicional o maisimportante, pois concede ao marido a categoria de genro. com o alambamento que seadquire os poderes de marido sobre uma mulher e de pai sobre os filhos, os quais porsua vez so criados dentro da moral cvica das suas culturas. A mulher bantu, porexemplo, usa panos como vestidos, suporte para segurar as crianas junto ao corpo oucomo turbantes. O uso de roupas consideradas indecentes (cala, shorts, mini-saia, roupatransparente ou apertada), no so bem vistas pela sociedade.

    Um casamento s se realiza com o acordo dos pais, principalmente do chefe do clou famlia materno chamado Nkulubundu e dificilmente se trata com os noivos, mas simcom os mais velhos destes com a presena das testemunhas chamadas Ntetembua,representados pelos sbios e ancios da comunidade.

    As descries aqui mencionadas pertencem a prticas contidas na tradiobakongo18 que por sua vez, sofreram influncia dos bantu. No entanto, como dito nocaptulo anterior, embora os povos bantu tenham exercido uma forte influncia naformao cultural e etnogrfica de Angola, deve-se considerar a existncia de outrosgrupos nobantu, tambm encontrados no pas como, por exemplo, Khun, conhecidoscomo bosqumanes, presentes no sul do pas.

    4. Semitica, fotografia e comunicao

    4.1 Do objeto

    17 Segue em anexo no final do Trabalho.18Alembamento na Tradio Bakongo; resultado de um estudo sociolgico realizado ao longo de um anoque serviu como tema de dissertao de fim de curso na rea de Sociologia na Faculdade de Letras eCincias Sociais. Publicado em 11 Outubro de 2009, disponvel no endereo eletrnicohttp://www.muanadamba.net/article-o-alambamento-na-tradi-o-bakongo-37323020.html.

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    Como proposto na introduo desse trabalho, o objetivo do estudo consiste,inicialmente, na anlise semitica de quatro fotografias de casamento tradicionalangolano. As imagens aqui utilizadas so de domnio pblico, e encontram-se disponveisem pginas online19

    As fotografias a serem analisadas so compreendidas como signos que permitem adecodificao dos seus smbolos, ritos e rituais. Dessa forma, buscarei identificar aspossveis relaes desta cerimnia com o contexto sociocultural em que as pessoasenvolvidas pertencem. Esta anlise no est centrado na crtica esttica dos elementosfotogrficos como composio, enquadramentos, luz entre outros. Primeiro pelodesconhecimento da autoria das imagens analisadas e segundo, porque o foco centraldeste trabalho est na identificao e interpretao dos elementos simblicos presentesnas fotografias de casamento angolano, bem como a sua significao como um dosprincipais costumes vigentes da sociedade.

    Entre as vrias correntes de estudos semiticos, a proposta de aplicao ter comobase a teoria semitica desenvolvida por Sanders Peirce20, por, dentre outros motivos,considerar uma cincia mais adequada para a finalidade desejada.

    Como descreve Santaella (2002), ao contrrio de uma cincia especial eespecfica, a semitica desenvolvida por Peirce uma teoria e disciplina composta porampla arquitetura filosfica concebida como Cincia, alm disso, possui um carterabstrato e mais abrangente, ao mesmo tempo, permite a anlise esttica, tica e lgica ousemitica sob uma observao fenomenolgica e metafsica.

    As intervenes estaro fundamentadas no primeiro ramo da semitica peirciana, achamada gramtica especulativa21, considero-a suficientemente necessria para forneceras definies e classificaes para os demais tipos de linguagem como a representao,a significao, a objetivao e a interpretao.

    19Disponveis atravs do endereo eletrnicohttps://tetodeestrelas.wordpress.com/2009/07/31/alambamento/e Acesso em:27 de Jun. 2016.20Charles Sanders Peirce foi o fundador do Pragmatismo e da Cincia dos Signos, a Semitica. Peircetambm era matemtico, fsico e astrnomo. Dentro das cincias culturais estudou particularmenteLingustica, Filologia e Histria, com contribuies tambm na rea da Psicologia Experimental.A Semiticafoi a cincia mais recente a despontar no horizonte das chamadas cincias humanas, teve um peculiarnascimento, assim como apresenta, na atual fase do seu desenvolvimento histrico, uma aparncia nomenos singular. A primeira peculiaridade reside no fato de ter tido, na realidade, trs origens ou sementeslanadas quase simultaneamente no tempo, mas distintas no espao e na paternidade: uma nos EUA, outrana Unio Sovitica e a terceira na Europa Ocidental.21Nome dado ao trabalho de desvendar tipologias de signos e classific-las, que deveria ser o primeiro ramoda semitica. O segundo grande ramo da semitica a lgica crtica, considerada como a cincia daverdade das representaes, ou seja, o estudo da possibilidade de um signo representar seu objetoverdadeiramente. Por fim, Peirce concebeu a retrica universal (ou metodutica) como o terceiro ramo dasemitica, definindo-a como o estudo dos efeitos do signo sobre seus intrpretes ou, dito de outramaneira, o estudo de como a forma transmitida do objeto ao interpretante, tendo o signo como veculo.

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    4.2 Semitica e ComunicaoEntender a comunicao como elemento basilar das relaes algo indispensvel

    para a compreenso do desenvolvimento e das transformaes sociais. Neste sentido, aanlise dos smbolos so fatores primordiais no processo de interpretao, o qual exige oconhecimento prvio do contexto sociocultural o qual esses smbolos so reconhecidosconvencionalmente.

    De acordo com Santaella (1996), a conceituao da linguagem, sob o ponto devista semitico, a qual identificada como sistema de gerao, organizao einterpretao da informao serve, inclusive, como meio de comunicao em que seutiliza de signos. Para a autora, no h comunicao sem a presena dos signos e, muitomenos, sem a interao entre os envolvidos em tais processos. Desse modo, tanto acomunicao como a semitica assumem lugar de destaque no processo dedecodificao de mensagens pelo fato de ambas as reas serem inter, multi etransdisciplinares.

    Um signo, ou representamen, aquilo que, sob certo aspecto ou modo,representa algo para algum. Dirigese a algum, isto , cria na mente dessapessoa um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signorepresenta alguma coisa, o seu objecto(PEIRCE, 1977, p. 46).

    4.3 A imagem fotogrficaNo campo das linguagens visuais, o livro The ActofCreation de Arthur Koestler,

    referenciado por Dondis (2007) em Sintaxe da Linguagem Visual constitui uma nfase importncia dos olhos em nossa vida. Para o autor antes mesmo de qualquer outro tipode manifestao externa da linguagem, o ser humano forma imagens mentais, com baseno que foi visto ou sentido anteriormente.

    Para Flusser (1985), a imaginao consiste na capacidade de decodificarfenmenos em smbolos e planos para decodificar as mensagens assim codificadas.Fazer e decifrar imagens so caractersticas inerentes constituio da prpria condiohumana, nesse contexto, a semitica atenta-se para os diversos tipos de signos, sejameles icnicos, verbais, naturais e afins, pois todos apresentaro seus modos designificao e suas propriedades.

    A imagem fotogrfica o que Flusser (1985) chamou de imagem tcnica. Elapossui caractersticas ontolgicas, estticas e conceituais:

    Trata-se de imagem produzida por aparelhos. Aparelhos so produtos da tcnicaque, por sua vez, texto cientfico aplicado. Imagens tcnicas so, portanto,produtos indiretos de textos o que lhes confere posio histrica e ontolgicadiferente das imagens tradicionais. Historicamente, as imagens tradicionaisprecedem os textos, por milhares de anos, e as imagens tcnicas sucedem aostextos altamente evoludos. Ontologicamente, a imagem tradicional abstrao deprimeiro grau: abstrai duas dimenses do fenmeno concreto; a imagem tcnica abstrao de terceiro grau: abstrai uma das dimenses da imagem tradicional pararesultar em textos (abstrao de segundo grau); depois, reconstituem a dimensoabstrada, a fim de resultar novamente em imagem. Historicamente, as imagenstradicionais so pr-histricas; as imagens tcnicas so ps histricas.Ontologicamente, as imagens tradicionais imaginam o mundo; as imagenstcnicas imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo. Essa

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    posio as imagens tcnicas decisiva para o seu deciframento (FLUSSER,1985, P.10).

    Atravs da fotografia de casamento, possvel identificar os principais elementosrepresentativos presentes na cerimnia e qual a relao do fotgrafo com os costumesvigentes, uma vez que [...] existe sempre uma motivao interior ou exterior, pessoal ouprofissional, para a criao de uma fotografia e a reside a primeira opo do fotgrafo,quando este seleciona o assunto [...](KOSSOY, 1999, P.27). Para tanto, o fotgraforecorre tcnica, ao equipamento e, sobretudo, recorre sensibilidade para a captura debelas imagens que, criteriosamente, selecionadas formar uma narrativa visual.

    Durante o processo que pesquisa deste assunto foi identificado que a fotografiaprofissional de casamentos tradicionais angolano no algo to disseminado quanto asfotografias de casamentos brasileiros.

    Para Santaella (2002), dentro da classificao semitica de Peirce, as fotografiasso signos icnicos, ou seja, signos que agem como tal em funo de uma relao desemelhana com seus objetos, os quais esto subdivididos em imagem (relao desemelhana), diagrama (representa se objeto por similaridade), e metfora (representaseu objeto no significado). A partir dos estudos semiticos a imagem fotogrfica atestaexistncia, por isso considerada um ndice, sobre isso, Roland Bathers afirma:

    A imagem, diz a fenomenologia, um nada de objeto. Ora, na fotografia, o quecoloco no somente a ausncia do objeto; tambm, de um mesmo movimento,no mesmo nvel, que esse objeto realmente existiu e que ele esteve onde eu ovejo (BATHES, 2015, p. 47).

    5. Anlise, decodificao dos smbolos e associao das relaes socioculturaisda tradio bantu

    Conforme Eco (1994), o homem um animal simblico e toda a sua expresso ecultura, bem como seus ritos, costumes, instituies e relaes sociais so formassimblicas de organizao e comunicao mtua. Dentro deste processo dedecodificao e interpretao as associaes podem evidenciar a representaessimblicas presentes nas cerimnias de casamento tradicional contidas nas fotografias.Para uma compreenso a respeito do posicionamento dos smbolos na semitica e a suarelao com os demais elementos, Santaella explica:

    O objeto imediato do cone o modo como sua qualidade pode sugerir ou evocaroutras qualidades. O objeto imediato do ndice o modo particular pelo qual essesigno indica seu objeto. O objeto imediato do smbolo o modo como o smbolorepresenta o objeto dinmico. Enquanto o cone sugere atravs de associaespor semelhanas e o ndice indica atravs de uma conexo de fato, existencial, osmbolo representa atravs de uma lei (SANTAELLA, 2002, P 20).

    Nos estudos de comunicao existem duas correntes de investigao distintas, asaber: a que compreende a comunicao, sobretudo, como um fluxo de informao24 eoutra que entende a comunicao como uma produo e troca de sentido. RolandBarthes (1990), em Retrica da Imagem, sistematiza mediante a noo de semiticaconotativa e denotativa de Hjelmslev, a teoria da estratificao dos sentidos e faz adistino entre o primeiro sentido (denotao) e o segundo sentido (conotao). A

    24A ideia de que a comunicao uma transmisso de mensagens surge na obra pioneira de Shannon eWeaver, A Teoria Matemtica da Informao de 1949.

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    diferenciao bsica entre ambas, no processo de decodificao est tanto no seusignificado (denotao), como, sobretudo, no seu sentido (conotao). A partir desseentendimento, compreende-se o smbolo como algo codificado que possui seu potencialinterpretativo, o qual sob o ponto de vista semitico algo institudo de formaconvencional simblica.

    No processo de interpretao das imagens observa-se que os rituais que ocorremnas cerimnias de casamentos tradicionais, fazem parte de um universo simblicoespecfico, o que traduz sua expresso cultural.

    Os smbolos denunciam a identidade cultural de determinados grupos coletivos, aomesmo tempo em que estabelecem pontos em comum, o que gera dentro de umasociedade o sentimento de pertencimento e, posteriormente, de representatividade.

    5.1Anlise das imagens

    O reconhecimento da noiva pelo noivo

    Sentido Denotativo- um homem diante de trs mulheres inteiramente cobertascom panos de estampas semelhantes.

    Sentido conotativo- Como a famlia, na sociedade tradicional angolana, tidacomo o centro da formao social, o ritual de reconhecimento da noiva umaprtica simblica, na qual o homem, aquele que escolheu a mulher que ir casar-se colocado a prova, sobre as formas de intimidades e cumplicidades desenvolvidasentre os nubentes. Algumas vezes o noivo precisa reconhecer a sua noiva dentreas demais mulheres at mesmo sem toc-la, apenas pela observao das formasdo corpo, atravs do pano. Neste ritual tambm so realizadas outras prticassemelhantes que visam, na maioria das vezes, reforar para o homem e seusfamiliares que a mulher escolhida est apta a desenvolver o seu papel social deesposa e me.

    IMAGEM 5: O RECONHECIMENTO DA NOIVAFONTE: WELCOME TO ANGOLA

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    diferenciao bsica entre ambas, no processo de decodificao est tanto no seusignificado (denotao), como, sobretudo, no seu sentido (conotao). A partir desseentendimento, compreende-se o smbolo como algo codificado que possui seu potencialinterpretativo, o qual sob o ponto de vista semitico algo institudo de formaconvencional simblica.

    No processo de interpretao das imagens observa-se que os rituais que ocorremnas cerimnias de casamentos tradicionais, fazem parte de um universo simblicoespecfico, o que traduz sua expresso cultural.

    Os smbolos denunciam a identidade cultural de determinados grupos coletivos, aomesmo tempo em que estabelecem pontos em comum, o que gera dentro de umasociedade o sentimento de pertencimento e, posteriormente, de representatividade.

    5.1Anlise das imagens

    O reconhecimento da noiva pelo noivo

    Sentido Denotativo- um homem diante de trs mulheres inteiramente cobertascom panos de estampas semelhantes.

    Sentido conotativo- Como a famlia, na sociedade tradicional angolana, tidacomo o centro da formao social, o ritual de reconhecimento da noiva umaprtica simblica, na qual o homem, aquele que escolheu a mulher que ir casar-se colocado a prova, sobre as formas de intimidades e cumplicidades desenvolvidasentre os nubentes. Algumas vezes o noivo precisa reconhecer a sua noiva dentreas demais mulheres at mesmo sem toc-la, apenas pela observao das formasdo corpo, atravs do pano. Neste ritual tambm so realizadas outras prticassemelhantes que visam, na maioria das vezes, reforar para o homem e seusfamiliares que a mulher escolhida est apta a desenvolver o seu papel social deesposa e me.

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    diferenciao bsica entre ambas, no processo de decodificao est tanto no seusignificado (denotao), como, sobretudo, no seu sentido (conotao). A partir desseentendimento, compreende-se o smbolo como algo codificado que possui seu potencialinterpretativo, o qual sob o ponto de vista semitico algo institudo de formaconvencional simblica.

    No processo de interpretao das imagens observa-se que os rituais que ocorremnas cerimnias de casamentos tradicionais, fazem parte de um universo simblicoespecfico, o que traduz sua expresso cultural.

    Os smbolos denunciam a identidade cultural de determinados grupos coletivos, aomesmo tempo em que estabelecem pontos em comum, o que gera dentro de umasociedade o sentimento de pertencimento e, posteriormente, de representatividade.

    5.1Anlise das imagens

    O reconhecimento da noiva pelo noivo

    Sentido Denotativo- um homem diante de trs mulheres inteiramente cobertascom panos de estampas semelhantes.

    Sentido conotativo- Como a famlia, na sociedade tradicional angolana, tidacomo o centro da formao social, o ritual de reconhecimento da noiva umaprtica simblica, na qual o homem, aquele que escolheu a mulher que ir casar-se colocado a prova, sobre as formas de intimidades e cumplicidades desenvolvidasentre os nubentes. Algumas vezes o noivo precisa reconhecer a sua noiva dentreas demais mulheres at mesmo sem toc-la, apenas pela observao das formasdo corpo, atravs do pano. Neste ritual tambm so realizadas outras prticassemelhantes que visam, na maioria das vezes, reforar para o homem e seusfamiliares que a mulher escolhida est apta a desenvolver o seu papel social deesposa e me.

    IMAGEM 5: O RECONHECIMENTO DA NOIVAFONTE: WELCOME TO ANGOLA

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    A entrega do pedido Sentido Denotativo Um grupo de pessoas reunido em um cmodo, onde h

    quatro pessoas em p, em volta de caixas e garrafas de bebidas importadas. Hum senhor, aparentemente mais velho que possui uma folha de papel em sua moesquerda. H tambm um homem sentado do lado direito da fotografia trajando umterno.

    Sentido conotativo De acordo com a tradio esta a entrega do pedido feitopelos tios da noiva, o alambamento. De forma simplificada o alambamento,consiste na entrega dos objetos e do dinheiro pedidos em forma escrita pelos paise/ou tios da noiva. Mbambi (2014) compara o alambamento com o mahar, costumeantigo praticado pelos povos hebreus que possua a mesma finalidade. Entre oshebreus, cifrava-se em 50 siclos de prata; entre os angolanos varivel, conformea regio, mas o valor mdio do alambamento cifra-se em 100 dlares. Para osangolanos como um presente dado famlia da noiva como forma dereconhecimento e gratido pelo seu bom comportamento e virtude familiar. O autorexplica que na idiossincrasia africana, as famlias que possuem filhas procuradaspara casamento numa dada sociedade, so consideradas virtuosas e por isso, sobem vistas perante a mesma.

    IMAGEM 6: A ENTREGA DO PEDIDOFONTE: TETO DE ESTRELAS

    A dana Sentido denotativo: Apresenta um grupo de pessoas e evidencia dois casais

    danando ao centro. Sentido conotativo: A dana para os angolanos, bem como para a maioria dos

    africanos parte da essncia do seu povo. Ela acentua a unidade entre seusmembros, por isso que na maioria das vezes, uma atividade grupal. Todos osacontecimentos da vida africana so comemorados com dana, nascimento, morte,plantio ou colheita; ela a parte mais importante das festas realizadas como formade gratido. A dana est presente na vida dos angolanos independentemente dasdemais diferenas culturais e em sua maioria, todos os homens, mulheres ecrianas danam. Em ocasies tradicionais ou com finalidades de cultos, asdanas podem ser realizadas por bailarinos profissionais e com o uso demscaras. O Kizomba, por exemplo, o ritmo angolano mais conhecido

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    internacionalmente. O termo deriva da palavra Kimbundo, que significa festa.Normalmente esse um ritmo que estar sempre presente nas celebraes decomemoraes dos angolanos.

    IMAGEM 7: A DANA

    IMAGEM 8: AS ROUPAS E O USO DOS TURBANTES

    Vesturios Sentido denotativo: Seis mulheres negras vestidas com vestidos e panos de modo

    semelhantes. As cores so predominantemente quentes, com panos, usandoturbantes e assessrios.

    Sentido conotativo: Para os estudiosos da moda, a roupa tem a funo decomunicar um conjunto de signos que identificam o indivduo em um grupo, aomesmo tempo expressam a sua singularidade. Essas funes podem entodemonstrar a variao, a qual Gilson Monteiro8 refere- se quando afirma que asimbologia algo que se altera de cultura para cultura e que o consumidor buscano produto no s uma qualidade fsica, mas tambm uma representaoimagtica do grupo que a vestimenta representa.

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    Por se tratar de um produto da cultura material humana e capaz de envergartantos significados, a cobertura corporal incluindo aqui desde os enfeites at ovesturio propriamente dito tem sido utilizado desde seu surgimento comoinstrumento de organizao em vrias sociedades. Serviu de alicerce pra amanuteno de tradies, elementos distintivos de classes e funes sociais,smbolo para ritos de passagem, suporte para informaes a respeito do indivduoe do grupo a que pertence. O vesturio se tornou, em grande parte pelo seucarter simblico, a primeira materializao do fenmeno de Moda, juntamentecom os costumes, que so a essncia da cultura humana, as normas deconvivncia em sociedade, transmitidas ao longo das geraes (EMERCIANO,2009 p.9).

    Os panos africanos, bem como suas estamparias possuem representaes esignificaes diversas que dependem dos grupos sociais as quais as mulherespertencem. Para muitas delas, sua utilizao em festividades e cerimnias so formas demanuteno e valorizao da tradio. A diferenciao das predominncias de corespresentes nos panos depende das influncias etnias, as quais pertencem essas mulheres.No caso de Angola, o uso de cores como vermelho, preto e amarelo esto semprepresentes nas composies de vestimentas e so relacionadas s cores e significaesda bandeira do pas.

    Os turbantes so panos, de aproximadamente 45 cm, usados tambm pelasmulheres tradicionais angolanas. Dentre outras finalidades elas envolvem a cabea comuma espcie de amarrao. O adereo que, embora no possua informaes exatassobre a sua origem, para muitas delas significa proteo e beleza feminina.

    6 CONSIDERAES FINAIS inegvel a existncia das semelhanas em uma srie de caractersticas culturais

    entre os povos africanos e outros povos, sobretudo em relao ao Brasil, onde permeiasuas artes tradicionais de forma singular, bem como seus sistemas de pensamento e decrenas. Entretanto, nos processos de aculturao devem ser considerados os fatores demodificaes e ressignificaes de sentidos.

    Pressuponho que, embora o contato direto com os angolanos tenha sido um fatorimportante para o conhecimento primrio de tamanha riqueza cultural, ainda h muito quese descobrir e registrar, pois os processos de aculturao e globalizao so fenmenosque atuam como fatores modificadores das culturas tradicionais.

    Para os angolanos, por exemplo, a formao familiar, composta pelas figuras dopai, da me e dos filhos e/ou filhas ainda o smbolo de manuteno da ordem social edos valores e costumes antigos. No Brasil, atualmente essa composio familiar passapor novos questionamentos e ressignificaes.

    Nos aspectos fotogrficos, constata-se que o registro dos costumes requer dofotgrafo ateno e sensibilidade suficiente para captar esses valores e representaes,de modo que garanta a essas imagens alm da preservao da memria, se constituirtambm como uma forma de registro das tradies.

    Ratifico, enquanto fotgrafa social, sobre a importncia do conhecimento ereconhecimento dos valores e costumes que regem determinadas sociedades, bem comoseus casamentos ou qualquer outra cerimnia. indispensvel o prvio conhecimento de

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    determinados rituais que perpassam pelo crivo simblico, os quais so compartilhadosentre os que deles se identificam.

    No processo de elaborao deste trabalho, foram identificadas lacunas abertasrelacionadas s influencias causadas pela atual diversidade religiosa e o casamentotradicional angolano; e sobre as razes da ausncia de disseminao miditica dafotografia profissional dos casamentos tradicionais. Ainda assim, observa-se amanuteno dos seus significados e representaes no decorrer dos anos e mesmo emum contexto de multiplicidades culturais, a tradio repassada de gerao a gerao.

    Para muitos angolanos, o reconhecimento do alambamento como casamento reafirmar valores sociais j estabelecidos como, por exemplo, o papel de destaque que afamlia ocupa na estrutura social e a figura feminina como um elemento basilar nessaestrutura, pois atesta o cumprimento das funes atribudas como virtualidadefeminina,potencial de coeso social e o reconhecimento da comunidade.

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    ANEXO

    IMAGEM 9: CARTA DE PEDIDO

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