Representações sociais na psicologia social

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    Anlise Socialvol xxviii123-124), 1993 (4.-5.), 887-919

    As representaes sociaisno quadro dos paradigmas e metforasda psicologia socialNa dcada de 60, com a publicao da obra de M oscovici La psychanalyse,son image et sonpublic, iniciava-se um novo movimento terico em psico logiasocial o estudo das representaes sociais. Este movimento terico foi-seestruturando e, trinta anos depois, adquiriu a consistncia necessria para serhoje um dos referentes importantes no conjunto das orientaes tericas empsicologia social.Oproblemaquevamos examinar oseguinte:oqueh denovo no movimentodas representaes sociais ou dasociedade pensante (Moscovici, 1984)? Ditode outra forma, como situar as representaes sociais, enquanto fenmeno,conceito e teoria, no conjunto das orientaes tericas em psicolog ia social para,a partir da, situar a sua eventual novidade?De forma mais directa ou menos directa, estas perguntas tm sido feitas emerecido respostas diversas por parte de diferentes autores, quer exteriores aomovimento das representaes sociais, como Jahoda (1988) ou Billig (1988),quer com ele comprometidos, como Moscovici (1982) ou Doise (1989), paracitar apenas alguns exemplos. Contudo, as reflexes referidas restringem ocampo de anlise,namedidaemque se estruturam quase ex clusivamenteapartirda comparao entre as representaes sociais, a cognio social e as atitudes. nosso propsito alargar o campo de questionamento.A prossecuodoobjectivo enunciado levou-nossistematizaodasprincipaisorientaes tericas em psicologia social, no quadro das quais situaremos aespecificidade da teoria das representaes sociais. Cremos que s assim sepoder compreender essa especificidade e a mudana paradigmtica que se lheencontra associada. O nosso objectivo no , pois, o de propor uma tipologiadas teorias p sicossociolgic as,mas o decontribuirparauma melhor compreensodo conceito de representao social.Comearemos por formular um certo nmero de hipteses acerca dospressupostos sobre a relao conhecimento-aco e sobre a relao indivduo--sociedade, quetmorientadoapesquisaempsicologia social. Das relaes entre* Instituto de Cincias Sociais da Universidade de L isboa. 887

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    Jorge Valae s s e s p r e s s u p o s t o s f a z e m o s d e c o r r e r a l g u m a s o r i e n t a e s p a r a d i g m t i c a s , n oquadro das quais iremos situar as principais orientaes tericas em psico logiasocial. O posicionamento do conceito de representao social no campo assimconstrudo permitir-nos- salientar a distintividade deste conceito e as suascomunalidades com outros conceitos e teorias que relevam de pressupostossemelhantes.1 . PRESSUPOSTOS FUNDADORES DAS DIFERENTES ORIENTAESTERICAS EM PSICOLOGIA SOCIAL

    O alcance da noo de paradigma proposta por Kuhn (1962) tem originadocontrovrsias vrias, dada, nomeadamente, a s u a polissemia (Masterman, 1970),mas tal no impediu a s u a extenso reflexo sobre o estatuto terico e as teoriasem cincias sociais. Por exemplo, Morgan (1986) parte da noo de paradigmapara analisar as teorias sobre as organizaes. Para aquele autor, estas teorias,como qualquer teoria em cincias sociais, podem ser analisadas a partir dospressupostos sobre a natureza do homem, da realidade e do conhecimento quelhes subjazem, pressupostos estes que esto n a origemd e diferentes paradigmas.Assim, Morgan usa o termoparadigma no seu sentido metaterico (uma visoimplcita ou explcita sobre a realidade). Ainda segundo M organ, os paradigmasgeram metforasque inspiram escolas de pensamento, as quais se desdobramem teoriaseestratgiasconceptuais e m etodolgicas de resoluo de problemas.Esta concepo de Morgan sobre os paradigmas em cincias sociais est muitoprxima do conceito de guiding-idea theoryproposto por M cGuire (19 80) parasistematizar as orientaes tericas em psicologia social. Estas teorias-guiabaseiam-se num pressuposto ou num conjunto de pressupostos que orientam apesquisa sobre o comportamento humano. Estes pressupostos referem-se adiferentes concepes sobre a natureza humana e so geradores de hiptesessobre o mecanismo principal,quando n o nico, aq u e obedece o comportamento.U m exemplodestasteorias-guiaser a ideiad e q u e a economiad o comportamentohumano regulada por u m princpio de realizao (achievement),que orientaa procura de sucesso . E uma das teorias geradas por esta teoria-guia a teoriada personalidade e da motivao de McClelland (1961).Assim, quer os paradigmas na acepo de Morgan, quer as teorias-guia naacepo de M cGuire, podem originar diferentes teorias especficas, algumas dasquais podero assumir a forma de teorias sistemticas (systems theory), aindana expresso de McGuire, ou teorias em sentido restrito. Ou seja, teoriasformalizadas, de que tomamos com o exem plos a teoria d eFestinger (1954) sobrea comparao social e a teoria de Turner et al (1987) sobre a autocategori-zao.Interessa ainda sublinhar que a concepo de Morgan sobre as orientaesparadigmticas no interior de uma disciplina no inclui qualquer pressuposto

    888 sobre a superao de um paradigma por outro, com o inicialmente propusera

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    Representaessociaisnapsicologia soc ialKuhn (196 2). M organ retomaaposio de Lakatos (19 78), segundo a qual nummesmo momento podem ocorrer diferentes paradigmas no interior de umadisciplina. Neste ponto Morgan e McGuire distanciam-se, na medida em queeste ltimo concebe que uma teoria-guia tem uma durao limitada. SegundoMcGuire,cadateoria-guia passaria porumafasedeemergncia,umafasenormale uma fase de declnio, que corresponde emergncia de um novo paradigmaou teoria-guia. No caso da histriadapsicologia social, parece-nos que McGuireapenas em parte poder ter razo. De facto, se, por exemplo, os anos 80 sodominados pelo cognitivismo, com salincia para os estudos sobre a atribuio(v. Souza, 1993) e a formao de impresses (v. Caetano, 1993), tambmverdade que so os anos de ouro da teoria da identidade social (Tajfel, 1981-1982),os anos de reinveno da influncia social (e. g., Moscovici,1985), a pardacontinuao dos estudos sobreaformao e mudanadasatitudes (e. g., Zannae Rempel, 1988), teorias estas que relevam de diferentes paradigmas. Ou seja,a par de uma ou vrias perspectivas normais,ocorrem perspectivas em ergentesevelhasperspectivas,noparecendopor issofazersentidoperfilhar, em psicologiasocial, a ideia de superao paradigmtica.Tomando as ideiasdeM organ e McGuire sobreasorientaes paradigmticasde uma disciplina quando se pretende tipificar o trabalho terico e emprico que realizado no seu mbito e quando se visa delimitar a especificidade de umadada perspectiva no interior de uma disciplina, como nosso propsito,consideremos ento os principais pressupostos que tm orientado a produode conhecimentos em psicologia social.

    Se nos reportarmos histria das ideias, encontramos dois grandes conjuntosde pressupostos metatericos sobre o homem e o comportamento humano quese nos afiguram como particularmente teis para tipificarmos a investigao empsicologia social. Referimo-nosaospressupostossobre as relaesconhecimento-aco,onde se opem a imagem do homem com o sujeito-actor e a imagem dohomem como sujeito-agente1.A primeira exprime a ideia de que o pensamentocomanda a aco. A segunda radica na ideia de que a aco pode ser pensadasem recurso cognio ou de que a cognio segue, no antecede, a aco.Referimo-nos, em segundo lugar, aos pressupostos sobre as relaes indivduo-sociedade, onde se opem,por umlado,aanterioridade e o primado do ind ivduosobreasociedade e,por outrolado,a imagem do homemcomo sujeito socialmentedependente. Da articulao destes pressupostos decorrem quatro orientaesparadigmticas, onde, de forma necessariamente redutora, mas simultaneamentecompreensiva, possvel situar as diferentes teorias em psicologia social,compreender com o se aproximam e se distinguem e, especificamente, compreendero que h de novo na teoria das representaes sociais (figura n. 1).

    1Ostermosactoreagentenodiferem etimologicamente, nem oseusignificadoestcodificado empsicologia social. A utilizaoquefazemos daquelestermos prxima da proposta por Touraine (1 992 ),quedefineactorcomo rindividuoulegroupe quimodifie son environnement social, lesrelations dontil estundes termes, e oagentecomo rindividu ou le groupe travers lesquels se manifeste la logique dusystme. gg

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    Jorge ValaTomemosemprimeiro lugarospressupostos sobre as relaes entre cognioe comportamento para clarificarmos depois os pressupostos sobre as relaesindivduo-sociedade.

    [FIGURA N. l] I Anterioridade do sujeitoSujeito- I Sujeito--actor ' -agente' Anterioridade do social

    1 . 1 . U M S U J E I T O - A G E N T E VS. U M S U J E I T O - A C T O RNa obra Princpios da PsicologiaW. James (1890) refere que duas grandesorientaes dominam o pensamento acerca da actividade humana: a teoria dasfaculdades e a teoria da associao. A primeira enfatiza a ideia do hom em com ouma entidade que tem capacidade para conhecer, desejar e sentir. nestaperspectiva que Bandura (1986 ) se refere s faculdades humanas bsicas, com o,por exemplo, a capacidade de criar smbolos, a capacidade de auto-regulaoe de auto-reflexibilidade. Na segunda orientao o agente e as suas faculdadesdeixam de ser princpios explicativos para se tornarem objecto de explicao.Como refere James, procuram-se os elementos comuns dos diversos factosmentais, mais do que o agente comum que lhes subjaz (p. 1). As metforasque representam estas duas orientaes so, na linguagem de James,respectivamente, o homem autnomo e o homem plstico. O homemautnomo o sujeito da aco, e a aco decorre das suas faculdades. O homemplstico agido, um sujeito passivo.G. Allport (1955-1966) viria a considerar a pertinncia desta classificaodeJames acercadas concepessobreohomem implcitasnas teoriaspsicolgicas,reportando-asao mesmotempos tradiesdepensamento ancoradasem Leibniz

    e Locke. Como sabemos, na tradio lockiana o homem representado comouma tbua rasa: nada pode haver no esprito que no tenha passado pelossentidos (nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu). Contra Locke,Leibniz respondenada,com excepodo intelecto (excipe:nisiipse intellectus).Esta excepo faz, afinal, a regra e transforma o homem de agente em actor.De facto, como refere Allport, para o associacionismo at os motivos queparecem ser mais centrais e espontneos do que qualquer outra coisa napersonalidade so considerados como impulsos, simples questo de mudananos tecidos perifricos [...]; acausareside sempre fora do organismo (p. 23).Mas oque Allport no assinala que, mesmoquandoacausaresideno organismo,890 a imagem do indivduo-agente permanece sempre que este representado com o

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    Representaessociaisnapsicologia so cialdependente de impulsos internos ou traos de personalidade, entendidos comoelementos activadores exterioresactividade cogn itiva, conscienteouautomtica.Esta preciso, que nos distingue dos pontos de partida de Allport e que foiigualmente sublinhadaporW einer (199 2), introduz uma clarificao importantena dicotomia actor-agente e permite diferenciar melhor, como verem os, muitasdas teorias em psicologia social.Importa ento reter que, quer se utilize a imagem do homem plstico vs . ohomem autnomo (James), queraimagemdohomem-agente vs .o homem -actor,encontramo-nosperantevises opostassobre a naturezahumana, sobreanaturezada aco e sobre o papel do conhecimento na aco, e que tais vises orientamainda hoje a produo terica no s na psicologia (Joynson, 1980; Weiner,1992),como nas cincias sociais de uma forma geral. Neste ltimo caso, Hollis(1980) serve-se da oposio sujeito activo ou autnomo vs. sujeito passivo ouplstico para tipificar as grandes clivagens nas teorias sociolgicas, e a estamesma clivagem que, pelo menos em certa medida, recorre Touraine (1986)quando contrasta na sociologia francesa as teorias que se focalizam na anlisedo actor e aquelas que se focalizam na anlise do sistema, contrapondo umasociedade sem actoresesem debateaumasociedadedeactorescomestratgiase projectos (p. 136). Ao nvel da antropologia encontramos uma clivagemhomlogaentre os autoresque conceptualizam a cultura enquanto necessariamenteencalhada no sistema social e aqueles que autonomizam, pelo menos a nvelanaltico,a cultura da estruturasocial, representando o homem com o um animalsuspenso numa teia de significados tecida por ele prprio (Geertz, 1973,p. 5), no quadro da qual o comportamento toma sentido.O que pretendemos salientar, nos pressupostos sobre o homem e o seucomportamento que contrastmos, o lugar conferido cognio. Alargandoos pontos de partidadareflexo de Beauvois (1984 ) sobre o sujeitodapsicologiasocial como sujeito da aco ou como sujeito de conhecimento, diremos que,quandoohomem representado comoplstico/passivo/agente,a aco entendidacomo um produto de factores situacionais, estruturais ou de personalidade, ea actividade cognitiva ou colocada entre parnteses ou analisada como umproduto ou uma racionalizao que segue a aco. Neste ltimo caso trata-sede um sujeito que est na aco, faz a maior parte das vez es o que se lhe pediupara fazer, e esta aco produz conhecimento (Beauvois e Deschamps, 1990,p. 42). A esta perspectiva contrape-se o homem activo/autnomo/actor. Noquadro destas ltimas im agens, entende-se que a anlise do conhecim ento e dassuas modalidades permite compreender os fundamentos da aco. O sujeito doconhecimento torna-se ento o objecto central da psicologia social.1.2. UM SUJEITO ISOLADO VS. SOCIALMENTE DEPENDENTE

    A dicotomia sujeito actor vs. agente , contudo, insuficiente para tipificaras orientaes paradigmticas em psicolog ia social, na medida em que nada nos 891

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    Jorge Valad i z s o b r e a t e n s o i n d i v d u o - s o c ie d a d e . O c u lta r e s ta t e n s o p o d e r , p e l o m e n o sde forma implcita, significar que ela no objecto de crenas particulares ou uma questo resolvida pela psicologia social. Por exem plo, McGuire (198 0),ao tipificar a steorias-guia no quadro d a psicologia social, f-lo a partirde quatrodimenses:

    1 )Actividade v s . reactividade dimensoequivalente daquela que enuncimos);2) Estabilidade v.y. crescimento (a economia da actividade humana geridapor um princpio de preservao do equilbrio ou por um princpio decrescimento);3) Cognio vs. afecto;4) Internalidade v s . externalidade o s estados internos s o descritos e m termosintra-individuais ou em termos das relaes entre o indivduo e o contextoexterno).Como se v , nenhuma destas dimenses questiona a especificidade da psicologiasocial, como no questiona as imagens do homem como sujeito pr-social e asimagens que o tornam indissocivel dos laos sociais. Quando muito, dir-se- que este problema no estranho ltima das dimenses propostas porMcGuire. E, no entanto, as posies a este respeito so consideradas um bomseparador dos diferentes entendimentos sobre o projecto da psicologia social,pelo menos desde as polmicas entre Tarde e Durkheim, o primeiro reduzindo

    o s indivduos e a s sociedades a explicaes psicolgica s eo segundo a explicaessociolg icas. Estas p osies antagnicas revestem,alis,umadimensoideolgica.Para Durkheim necessrio combater les tendances d ispersives qui engendrentIa pratique de Tindividualisme. Para Tarde, malgr le dluge socialiste quise prpare, le libralisme individualiste ne saurait prir et renaitra finalement(referncias em Deschamps, 1989).A fundao da psicolog ia social na Europa encontra-se associada polm icaentre Tarde e Durkheim em torno da oposio entre o individual e o colectivo.Este m esmo debate igualmente central n a fundao desta disciplina n o s EstadosUn idos. R ecorde-se, a este propsito, a oposio de F. Allport (1 924 ), um dosprimeirospsiclogos sociais americanos, a o conceitod e groupmin de McDougall(1920). Para este, os grupos e as sociedades tm uma vida mental que denatureza diferente da vida mental dos elementos que os compem. De formaoposta, para F. Allport, um grupo no mais do que a soma de unidadesindependentes (v. G. A llport, 1968 ). Por outro lado, quando, no in cio d os anos6 0 , se desenvolve u m movimento tendente refundao de u m a psicologia socialeuropeia, que se pretende diferenciada dos modelos dominantes na psicologiasocial americana (Farr, 1990), a polmica em torno da oposio individual--colectivo renasce. Tajfel, um dos heris deste movim ento, retoma esta questoem toda a s u a obra, e n o ltimolivroque escreveu,GruposHumanos e CategoriasSociais (19 81-19 82), ilustra-a de forma bastante impressiva, recorrendo a uma892 citao de Berkow itz (19 62, p. 167). Este autor escrevera: So os indivduos

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    Representaes sociaisnapsicologia socialque decidem fazer a guerra; so os indivduos que combatem nas batalhas; soos ind ivduos que estabelecem a paz. E Tajfel (1981-1982 , p. 44), para ilustraraposio contrria, reescreve: Os governos decidem fazeraguerra; os ex rcitoscombatem nas batalhas; eapaz estabelecida pelos governos. Como sublinhaTajfel,estas duasposiesantagnicasreflectemduastensessemprepermanentesnapsicologia social.ParaTajfel, contudo, qualquer delas constitui um obstculoao projecto desta disciplina, que o de estudararelao entre o funcionamentopsicolgico humano e os processos e acontecimentos sociais em larga escala,que influenciam este funcionamento e so influenciados por ele (p. 17). Ou,como refere Doise (1982, p. 20): As dinmicas sociais no podem rea-lizar-se seno atravs de dinmicas individuais que no so movimentos'brownianos' descoordenados e, por outro lado, as estruturaes individuais noocorrem independentemente das caractersticas do campo social que gera eorienta as dinmicas individuais.Tal com o a tenso recorrente entre a imagem de um hom em actor vs. agentecorresponde a pressupostos sobre a natureza humana, assim tambm a oposioentre a imagem do homem como antecedente vs. consequente dos processossociais,oucomosujeito isolado vs.socialmentedependente,se fundaemcrenas,sendo que estas crenas no s esto presentes na reflexo quotidiana, nopensamento ideolgico e na luta poltica, como subjazem aos projectos tericosdas diferentes cincias sociais.Comoh bastantes anossublinhou Stoetzel(1963),a relevncia desta dicotomia, contudo, particularmente importante paraacompreensodapsicologia social.Segundo este autor, esta disciplina vive um permanente conflito entre aquelesque partem da crena segundo a qual so as disposies psicolgicas queproduzem as instituies sociais e aqueles para quem as condies sociaissobredeterminam o comportamento individual. Retomando uma sugesto deMurphy e Murphy (1931), Stoetzel recorre a Hobbes e Rousseau para ilustraras razes daquela tenso na filosofia social. Em Hobbes o contrato social fun-da-se na natureza humana e nas suas paixes; em Rousseau a sociedade resultade causas fortuitas, no da natureza humana, mas tem um forte impacto sobrea natureza do gnero humano.Numa outra perspectivaanaltica,Sampson (198 9)retoma estamesma questoe discute as suas implicaes para as cincias p sicolgicas. N as conce pes pr--iluministas sobre o homem, este definido a partir de fora, pelos papis efunes que ocupa, o resultado das instituies so ciais. O iluminism o conferiuao homem o estatuto de indivduo, de sujeito, de cidado, subtraiu-o aosconstrangimentos sociais e fez dele um instituinte das instituies sociais. Estaideia do sujeito autnomo viria, no entanto, a ser questionada pelo pensamentode tradio marxista. Nesta outra tradio ideolgica, o homem volta a serrepresentadocomodependente, dependente dosoutros,dascondies econmicase das relaes de produo. Em ruptura com as tradies anteriores, segundoSampson, a era ps-modema est a introduzir a ideia de interdependncia adiferentes nveis entre indivduos, entre indivduos e comunidades e entre 893

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    Jorge Valacomunidades.Estaeradaglobalizao estaconstruir uma nova ideia depessoaque rompe com os pressupostos em que se fundou a clivagem da autonomiado sujeito vs . a sua determinao pelas estruturas sociais. Talvez se registemagora condies para que a psicologia social possa ultrapassar as tensesbloqueadoras que decorrem da oposio que funda e distingue os sistemaspsicolgicos e os sistemas sociolgicos. Por ora, contudo, essas tenses aindaso dominantes e as excepes articuladoras fortemente minoritrias.Retomando as crenas que organizam este segundo eixo , recordamos que elese polariza entre a crena na anterioridade do indivduo face ao social, o queconduz explicao dos comportamentos individuais e colectivos a partir deprocessos e mecanismos individuais, e a crena na anterioridade do social faceao individual (o sujeito socialmente dependente), o que conduz a que, quer oscomportamentos individuais, quer os colectivos, sejam entendidos como umresultado de factores estruturais ou de padres de relaes sociais.

    Antes de mostrar como se conjugam estas diferentes crenas sobre o homeme como se organizam em orientaes paradigmticas, vale a pena explicitaralguns princpios subjacentes nossa estratgia discursiva. Esta estratgiadiscursiva vai levar-nos construo de tipos ou categorias paradigmticos,categorias estas que podem ser entendidas de duas formas: como conjuntosformados por elementos com caractersticas idnticas e separados, com limitesbem definidos, descontnuos (categorias aristotlicas), ou como conjuntosrelativamente difusos, sem fronteiras necessariamente bem definidas, masorganizados em torno de um prottipo, elemento que considerado o melhorexemplar de uma categoria (categorias naturais, tal como as definiu Rosch,1972). As categorias que definiremos so deste ltimo tipo e os respectivosprottipos sero seleccionados em funo do objecto da nossa inquirio. Ali s,dissemos desde o incio que uma mesma orientao paradigmtica pode darorigem a diferentes teorias, e, com o veremos, nada obsta a que um mesmo autorpossa partilhar ao longo da sua obra posies paradigmticas diferentes, peloque as referncias que faremos remetem simultaneamente para um autor e umaobra especfica. Por outro lado, e no quadro desta mesm a lg ica , ao ilustrar cadaorientao paradigmtica, procurar-se- purificar as diferentes teorias, porforma a aproxim-las dos respectivos prottipos.Contudo, a seleco das teorias e orientaes tericas que melhor ilustramcada um dos paradigmas supe que se recorra a critrios ex plcito s. Para almde uma seleco orientada pelo problema que nos ocupa, considermos aindarelevante o grau de difuso de uma teoria na comunidade dos ps ic logo s socia ise escolhemos como indicador de difuso as citaes no Handbook of SocialPsychologyde Lindzey e Aronson nas edies de 1968 e 1985. Para este efeitoservimo-nos do trabalho efectuado por Ibnez (1990), que identificou os oitoautores simultaneamente m ais citados nas edies de 1968 e 1985 do Handbook.Apesar desta preocupao, sublinhamos mais uma vez que o nosso propsitono o de procedermos a qualquer levantamento pretensamente completo da

    894 psicolog ia socia l, mas to-s o de ilustrarmos as suas orientaes paradigmticas

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    Representaessociaisnapsicologia socialmais salientes, pelo que faremos econom ia das correntes que no so essenc iaispara o nosso argumento. De qualquer forma, e como se ver, a tipificaoproposta contempla as principais correntes tericas desta disciplina, tal comoso habitualmente consideradas (v. Ibnez, 1990, e Deutsch e Krauss, 1972).Finalmente, recorde-se que Morgan (1986) considera que os paradigmas seexprimem atravs de metforas e que so estas que orientam a construo deteorias e con ceitos. Esta ideia decorre de uma aproximao entre o pensamentocientfico e o pensamento comum, na medida em que ambos seriam orientadospor uma mesmalgicadeimputaodesignificadoao meioeaosacontecimentos.Neste processo o cientista e o homem comum recorrem de forma explcitaou implcita a metforas, que se tornam elas prprias geradoras de novosconceitos e novos entendimentos sobre a realidade. No questionamento sobreas categorias paradigmticas em psicolog ia social procuraremos, assim, no sidentificar os prottipos dessas categorias, como tambm as metforas que deforma explcita ou implcita melhor as representam.2. ORIENTAES PARADIGMTICASEM PSICOLOGIA SOCIAL

    No contexto do quadro analtico que tramos, passamos a descrever cadauma das orientaes paradigmticas da psicologia social e as metforas que selhes encontram associadas. Em cada orientao paradigmtica destacaremosvrios autores e teorias nucleares, com relevoparaos que se encontram referidosna figura n. 2.

    [FIGURA N . 2] I Anterioridade do sujeitoComputador . Mquinade reaces.Fes t inger (1957)2gg

    " a c t o r - 1 agenteOrquestra de jazz I SonambulismosocialXA . w i n n I Sherif(1961) MOSCO V1C1 ( 1 9 6 1 ) rx i_ / / J / 1 f t C C Nw - n m m Deutsch e Gerard (1955) Mosco vici (l 979) v ' Tajfel (1972 ) ' Anterioridade do social

    2 .1 . O HOMEM MQUINA DE REACESA orientao paradigmtica que resulta de pressupostos sobre a naturezahumana que sublinham a anterioridade do indivduo face ao social e que,simultaneamente, o representam como agente, e no como actor, poder ser

    representada atravs da metfora do homem enquanto mquina de reaces.Trata-se de uma velha metfora. Leonardo da Vinc i falava do hom em com o uma 895

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    Jorge Valamquina maravilhosa, o darwinismo social retomou esta mesma imagem eWatson (1924) fundou sobre ela uma teoria acerca do homem que permaneceviva. Trata-se, assim, de uma metfora que lembra de imediato as correntescomportamentalistas.Como dizia Watson(1924), obeb uma mquina montadae pronta para comear a funcionar, mas cuja energia e direco ser comandadado exterior, uma maravilhosa mquina de reaces. Contudo, esta mesmametfora est igualmente presente, pelo m enos de forma implcita, nas correntestericas em que a cognio recebe um estatuto subalterno e em que a naturezareflexa da aco sublinhada (Weiner, 1992). Por outro lado, esta metforapressupe que os mecanismos que regem o comportamento colectivo soisomrficos daqueles que regem o comportamento individual. A mquina deque se fala no interdeterminada e a sociedade pode ser representada, pelomenos nalgumas das suas dimenses, como uma justaposio de mquinasequivalentes. Como dizia Berkowitz, so os indivduos que fazem a guerra. Asdinmicas individuasso entendidas comonecessriasexplicaodos fenmenoscolectivos.

    De acordo com o nosso objecto, so as seguintes as orientaes tericas quepodem ser entendidas como decorrentes da metfora sobre o homem comomquina de reaces: as teorias diferencialistas (por exemplo, Adorno et al.,1950, e M cClelland,1961);asteoriascomportamentalistas(por exem plo, Dollardet al., 1939-1968); a teoria da dissonncia cognitiva (Festinger, 1957-1975).Nas duas primeiras, o papel da cognio na gerao de comportamentos ,pelo menos, colocado entre parnteses. Na terceira, a cognio uma varivela explicar, no uma varivel explicativa.Nas teorias diferencialistas o comportamento funo de disposiesindividuais est veis , que variamde indivduoou classe de indivduosparaclassede indivduos. Quer estas disposies apresentem configuraes complexas,como pressupe o conceito de personalidade, quer tenham um carcterrelativamente aditivo,comonocasodas motivaes,ocomportamento entendidocomo o resultado de um jogo entre foras internas (personalidade, motivos,impulsos, pulses,traos,instintos),aprendidas ou no, que oindivduo geralmenteno controla e face s quais representado enquanto resultado e no enquantosujeito. No quadro destes pressupostos, a psicologia social entendida comouma psicologia diferencialquedistingue earticulaclasses de indivduos e c lassesde critrios psicolgicos com maior impacto num dado problema ou situaosocial (Moscovici, 1970). Duas teorias geradas no quadro desta orientaoterica devem ser destacadas pelo facto de nelas se enfatizarem claramente asconsequncias sociais de determinadas configuraes de personalidade ou demotivos: a teoria da personalidade autoritria de Adornoet al.(1959), inspiradana teoria psicanaltica, e a teoria dos motivos bsicos, nomeadamente o motivode sucesso,de McClelland(1961).Em qualquerdas duasteoriasocomportamentoindividual explicado a partir de mecanismos cuja origem deve ser procurada896 na histria longa dos indivduos o processo de socializao precoce. Em

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    Representaessociaisnapsicologia socialqualquer das duas se reflecte tambm sobre o impacto social das estruturas depersonalidadeou de motivosindividuais. Para Adornoet al.(1950),a personalidadeautoritria, fruto de prticas de socializao severas e punitivas, est na basedos fenmenos do preconceito, da discriminao social e da xenofobia, bemcom o ainda da atitude positiva face ao autoritarismo e aos regimes totalitrios.Para McClelland (1961), as formas de socializao orientadas para a autonomiae a responsabilidade desenvolvem nos indivduos o motivo de sucesso, e asalincia deste motivo nos membros de uma dada sociedade explica o su-cesso econm ico dessa mesma sociedade para umdesenvolvimento, v. Jesuno,1982).Contrariamentes teoriaspsicossociolgicas diferencialistas,asteorias scio--comportamentalistas diferenciam, no indivduos, mas classes de estmulos.De um forma muito geral, podemos dizer que, no quadro das teoriascomportamentalistas, o homem analisado como determinado por factoresgenticos e contingncias situacionais, ou configuraes de estmulos. Porexemplo,num estudo deLatan e D arley (197 0) sobre o comportamento de ajudaos autores fazem econom iadevariveisinternas paraexplicaremestam odalidadede com portamento. Basta variar o nmero de sujeitos em condies de ajudaremum outro para sepoder predizeraprobabilidadedeocorrnciadocomportamentode ajuda: quanto maior o nmero daqueles que podem ajudar, menor aprobabilidade de algum ser ajudado.Masasteorias scio-comportamentalistas diferenciaram-sem uito,integrandode formas diversas trs princpios orientadores:umponto de vista m etodolgicobehaviorista; os princpios estruturais elementaristas do associacionismo, e omotivodohedonismo (DeutscheKrauss, 1972).De entre estasteorias destacamosa teoriafrustrao-agressodeDollarde t al.(1939-1 968 ) (combinando princpioscomportamentalistas e freudianos), dado o seu impacto na explicao doscomportamentos colectivos de protesto e na explicao da violncia social. Noquadro desta teoria, a frustrao, decorrente de interferncias na realizao deexpectativas, conduz agresso (v. Monteiro, 1993), e, quando um mesmoconjunto de factores produz simultaneamente em d iversos indiv duos um estadode frustrao, assiste-se produo de formas de agresso colectiva. Destaforma, para a teoria de frustrao-agresso, como para o associacionismobehaviorista, de uma forma geral, o social no implica processos especficos, apenas uma ordem de complexidade maior. A unidade elementar do social o indivduo e a crescente complexificao das relaes intersubjectivas queconstituias relaessociais.Se,epistemologicamente,este tipode posicionamentotem sido discutido, verdade que, no caso particular das extenses da teoriafrustrao-agresso,estascontinuam a conferir inteligibilidadea muitassituaesem que ocorrem agresses individuais ou colectivas.Resta-nos justificar o carcter prototpico que, no quadro desta primeiraorientao paradigmtica da psicolog ia socia l, atribumosteoria da dissonnciacognitivadeFestinger (1957-1975) , teoria estamaiscentraldo que asprecedentes S97

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    Jorge Valapara a compreenso do lugar paradigmtico da teoria das representaessociais.Lembremosos elementos bsicos desta teoria. Festinger consideraque, quandodois elementos cognitivos so relevantes, um relativamente ao outro, ou seja,quandoum implica psicologicamenteooutro,apresentaro umarelaodissonantese, considerados isoladamente, o inverso deum elemento decorrer do outro. Isto, x ey so dissonantes se no-xdecorrer dey. Como exemplifica Festinger,se uma pessoa est endividada e compra um novo automvel (claro que se tratade um exem plo dos anos 50...), os elementos cogn itivos correspondentes a estesdois acontecimentos so dissonantes entre si (Festinger, 1957-1975, p. 21).Festinger pressupe ainda que a presena da dissonncia d origem a pressesmotivacionaisparaareduziroulimitar eque a fora dessas presses uma funodo grau de dissonncia (p. 25).Na leitura mais comum desta teoria, ela vista como uma teoria cognitiva,porque incide sobre as consequncias comportamentais das relaes entreelementos de informao ou cognitivos relativos a um objecto ( e. g., Poitu,1974).Aindanas leituras mais correntes, esta teoria aparece ligada aos processosde mudana das atitudes (Lima, 1993), sendo assimilvel s restantes teoriassobreoequilbrio cognitivo (Heider,1946; Abelsonet al.,1968). Masestamesmateoria susceptvel de outras leituras. Em primeiro lugar, pode ser lida comouma teoria basicamente motivacional (Weiner, 1992) 2, na medida em que omecanismo fundamentalpostoem evidnciapela teoriano deordemcognitiva,mas relativo reaco automticado organismo facea uma situao de desprazerprovocada pela dissonncia. Numa segunda leitura, aquela que nos interessaenfatizar aqui, a dissonncia cognitiva uma teoria sobre as consequnciascognitivas do comportamento. Neste sentido, esta teoria exemplar dosentendimentos que fazem da cognio uma consequncia da aco, e no oprincpio organizador da aco. a este nvel que este paradigma da ps icologiasocial melhor se diferencia do paradigma que decorre da metfora do homemcomo computador.Coube a Beauvois (1984; Beauvois e Deschamps, 1990) chamar a atenopara esta ltima perspectiva de leitura da teoria da dissonncia. Este autorsublinha que nas situaes experimentais criadas para ilustrar aquela teoria osindivduosso conduzidos a produzirem um determinado comportamento (atravsde uma deciso pessoal, atravs de submisso forada, mas em que o sujeitoda aco se sente livre de fazer ou no o que aceitou fazer, ou ainda emcircunstncias em que as expectativas dos sujeitos experimentais no seconfirmam ). O que objecto de anlise no , contudo, o comportamento obtidoe as suas determinaes, mas as consequncias deste comportamento. O que

    2 A grande maioria das teorias psicossociolgicas no conseguem dispensar o conceito de m otivao.Devemos distinguir aquelas que pensam a motivao como um conceito universal (por exemplo, asteorias do equilbrio) e aquelas que recorrem aeste conceito para diferenciar indivduos (por exemplo,a teoria dos motivos de McClelland). No primeiro caso, os motivos invocados so um pressuposto89 8 subjacente teoria, no segundo caso , os mo tivos tornam-se o ncleo central da teoria.

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    Representaessociaisnapsicologia socialem Festinger novo a anlise da reestruturao de relaes entre elementosdo universo cognitivo na sequncia da actividade comportamental. Festingerconcluique,quantomaior onveldedissonnciaproduzido pelocomportamento,maior a motivao para a reorganizao das relaes entre os elementoscognitivos activados na situao. Exemplifiquemos. O que que acontece satitudes de algum que foi conduzido a fazer qualquer coisa contra essasatitudes? Essa pessoa tender a mudar as suas atitudes por forma a p-las deacordo com o que fez (e. g., Cohen, 1962). Desta forma restauraraconsonnciacogn itiva, fazendo corresponder a atitude adequada ao comportamento tomado.O comportamento registado teve, assim, consequncias sobre a cognio, e soestas consequncias que Festinger analisou exaustivamente, quer a nvel indi-vidual, quer colectivo (Festinger et ai, 1956). Na mesma linha de raciocnio,Bem (1972) vai mais longe. Segundo este autor, no necessrio evocar oconceito de relaes dissonantes/consonantes entre elementosdosistema cognitivoou qualquer mecanismo motivacional para explicar os resultados experimentaisde Festinger. O problema mais simples. Confrontados com um dadocomportamento pessoal, os indivduos deduzem dele as suas atitudes face a umobjecto. Por exemplo, se aceitei escrever tanto sobre a teoria da dissonnciacognitiva, porque, finalmente, gosto desta teoria. Desta forma, estamos pe-rante um raciocnio coerente com a teoria do comportamento operante deSkinner (1953), que substituiu o modelo simples, S-R,por um m odelo de tipoS1 - R- S 2 , que estmulos situacionais (S\) determinam respostas (R )cujasconsequncias controlam e estimulam comportamentos futuros ( 2). , de facto,a esta luz que Bem (1972) formula a sua teoria da autopercepo: so ascondies nas quais se produz um determinado comportamento e o prpriocomportamentoquedeterminamasproposies verbaisque osindivduos emitemsobre si mesmos. Isto , as atitudes e traos que um sujeito se auto-atribui soresultado da observao dos comportamentos, e no a causa dos comporta-mentos.A fora da metfora do homem como mquina de reaces manifestou-sesobretudo a partir destas ltimas teorias, mas est quase sempre presente nasverses da psicologia social em que o campo de pressupostos que as orientame o campo de generalizao dos resultados que acumulam as aproximam dapsicologia.2.2. O SONAMBULISMO SOCIAL

    No quadro da imagem de um sujeito-agente, ao passarmos da ideia daanterioridade do sujeito para a ideia da anterioridade do social, ocorre umamudana fundamental nas orientaes da psicologia social o centro degravidadedoseu projecto desloca-sedonve l intra-individualpara onvel social,ocampo degeneralizao desloca-se da psico logiapara asociologia.Osestmulos 899

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    Jorge Valaque accionam o comportamento so neste caso um outro organismo. Este outroorganismo pode ser um sujeito ou um grupo. Geralmente, as propriedadesconstitutivas destes organismosso definidasem termosde estruturade estatutos,papis, hierarquias, etc., sublinhando-se as assimetrias entre organismos. O alvodestas anlises, o organismo estudado, sempre um sujeito dependente ouprisioneiro de um outro, indivduo ou grupo, de um estatuto ou de um papel.Dir-se-que estesegundo paradigma da psicolog ia socialse desenvo lve em tornoda metfora do sonambulismosocial metfora esta utilizada por Tarde na suaobra Les lois de l`imitation, publicada em 1890 (la socitc est 1'imitation,et Fimitationc est une espce de sonambulisme, p. 83). Segundo Garcia-Marques (1993), esta metfora, retomada por Asch (1952-1987), embora paradela se distanciar, tem subjacente a ideia seguinte (p. 211): O homem social algum que vive numa realidade que adquiriu por emprstimo de entidadespoderosas, como os lderes, os grupos e os costumes; da que o comportamentoemitidopor essas entidades seja algo que os indivduos docilmente utilizam parasubstiturem a prpria razo, como sonmbulos.Tal como na orientao paradigmtica anterior, tambm nesta convergemteorias diferentes. Consideramos como bons exemplares da metfora dosonambulismo social: a primeira gerao de estudos sobre a influncia social(nomeadamente Deutsch e Gerard, 1955); a teoria das relaes intergrupaisde Sherif (Sherif et al, 1961-1988).A questo de fundo analisada pelas teorias sobre a influncia social aseguinte: qual o papel de outrem no estabelecimento de crenas, normas ecomportamentos individuais e, mais fundamental,em que medida comportamentose crenas individuais podem ser modificados devido aco de outrem. Quaisso os mecanismos que conduzem submisso, ao conformismo, obe-dincia?

    Sherif, na dcada de 30 (e. g., Sherif, 1936), e Asch, na dcada de 40(e. g., Asch, 1952 ), marcam a orientao da pesquisa sobre este problema. Mas a teoria dadependncia informativa e no rmativade Deutsch e Gerard (1955)que melhor pode ilustrar as repercusses do sonambulismo social na psico logiasocial experimental. Estesautoresdeslocam, com clareza,aanlise deste problemado nve l das relaes interindividuais para o nvel das relaes indivduo-grupoe recorrem a dois tipos de mecanismos para explicarem a influncia social,entendida como sinnimo de conformismo. Estes dois mecanismos so adependncia informativa e a dependncia normativa. No primeiro caso,trata-se de um processo j evidenciado por Festinger (1954), segundo o qualo recurso a um outro indivduo ou a um grupo enquanto referentes sociaisconstituiaforma de validao de umjuzo,de uma avaliao ou de uma sim plespercepo (o outro a prova da verdade). No segundo caso, o mecanismo emcausa releva das presses do grupo para a defesa das suas normas, ainda quetal venhaarevelar-se disfuncional (Janis, 1972), e da dependncia do indivduoface ao grupo, do qual se saber excludo caso no respeite essas norm as, com o

    900 havia sido ilustrado experimentalmente por Schachter (1951) .

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    Representaessociaisnapsicologia soc ialEsta dependncia dos indivduos face ao grupo encontra como correlato adependncia face aos lderes e ao poder de uma forma geral. Num ensaio sobrea psicologia da psicologia das massas Moscovici (1981) salienta como paraTarde, Le Bon ou Freud o lder e a submisso ao lder so mais um produto

    das prprias massasdo que das caractersticas do lder. Esta dependncia faceao poder explicada de uma outra formaporM ilgram (1963 ). No clebre estudodeste autor sobre a obedincia autoridade, a obedincia entendida comodecorrente da insero em estruturas de relaes sociais hierarquizadas. Asexperincias de Milgram tipificam um sistema de relaes sociais assim-tricas, onde cada sujeito apenas o agente executivo de uma autoridade queo submete. da metfora do sonambulismo social que decorre esta ideia de depen-dncia dos indivduos faceaoutros e, nomeadamente, a sua dependncia quandoinseridos num sistema de relaes sociais assimtricas. O homem no j umprisioneiro dele prprio ou de configuraes situacionais, como no paradigmaprecedente, mas de um outro que pode representar o papel de um chefe ou deum modelo. A teoria da aprendizagem social de Bandura (Bandura e Walters,1963) perm ite-nos ilustrarasrepercussesdestaorientao paradigmticaanveldos processos de socializao. Na obra citada, Bandura alarga o conceito deaprendizagem social tal como havia sido elaborado por Miller e Dollard (19 41),mostrando com o a aprendizagem vicariante se distingue da im itao, na medidaem que aquela no env olve necessariamentequalquerreforoparao observador,no deixando por isso de ser menos eficaz. Mas o ponto central da teoria inicialmantm-se a aprendizagem rea liza-se atravs da imitao ou observao demodeloseaim itao de m odelos facilitada, entre outros factores, quando estesrepresentam para o observador um estatuto mais elevado . No , po is, um outroindiferenciadoque poder servir demod elo, euma dascaractersticas que tornarum modelo imitvel o seu poder.As observaes de Moscovici (1979) sobre a primeira gerao de estudossobre a influncia social podem, com propriedade, ser aplicadas ao conjuntodas orientaes tericas que classificmos neste paradigma(p.14): Os sistemassociais formais e informais e o meio so considerados como predeterminadospara o indivduo ou o grupo. Fornecem a cada um, anteriormente interacosocial, um papel, um estatuto e recursos psicolgicos. O comportamento doindivduo ou do grupo tem por funo assegurar a sua insero no sistema ouno meio [...] A conformidade apresenta-se como uma exigncia sine qua nondo sistema social. Tajfel (1981-1982) rotularia este segundo paradigma deskinnerianismo sociolgico. E, contudo, apesar do tom crtico com que nosreferimos ideia do sonambulismo social, foi esta a metfora que permitiu umprimeiro estdiona consolidao da psicologia social, representando uma dimensoda vida social e uma dimenso dos comportamentos individuais que no poderser esquecida.

    Os ex em plos at agora apresentados com o prototpicos deste paradigma nopermitem elucidar, de forma clara, como aqui analisado o problemadarelao 901

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    Jorge Valaentre cognioecomportamento, problema que definimos como chave paraoentendimento do homem como sujeito-agente. No paradigma anterior usmosa teoria da dissonncia cognitiva como prottipo do entendimento que fazdecorreracognio dos comportamentos, num contexto em que se faz econom iada interaco social. Ora, a teoria de Sherif sobre as relaes intergrupais vaipermitir-nos ilustrarahiptese segundoaqualascogn ies decorremdepadresde relaes sociais.Em 1949 Sherif iniciou uma srie de pesquisas sobre as relaes intergrupaisque viriam a ser publicadas conjuntamente em 1961 (Sherif et ai, 1961-1988).No sendo possvel descrever aqui o quadro geral destes estudos (v. Monteiro,1993),lembramos apenasasegundadas duas hipteses bsicas daqueles autores,claramente suportadas pelos resultados empricos: If two ingroups are broughtinto functional relationship under conditions of com petitionand groupfrustration,attitudes and appropriate hostile actions in relation to the outgroup and itsmembers will arise and will be standardized and shared in varying degrees bygroup members. (P. 10.) Como conhecido, os autores verificaram que emsituao de competio intergrupal se desenvolvem nos grupos atitudesintergrupais negativas equeem situaode cooperao , quando so introduzidosobjectivos supra-ordenados, essas atitudes se diluem. Como concluem Sherifet ai. (1961-1988), a natureza das relaes entre os grupos vai determinar asatitudes e representaes faceao outgroup(p. 12). As imagens mtuas so enten-didas como reflexos da trama das interaces intergrupais e da natureza dosobjectivos grupais (competio ou cooperao). Ou seja, a cognio de-corre da natureza das relaes sociais. Mais adiante oporemos a esta perspectiva ade Tajfel (1972), assim como oporemos Heider (1952-1970) a Festinger(1957-1975).De todas as imagens sobre o homem postas em evidncia pela pesquisasuscitada pela ideia de um sujeito agente, aquela que mais aceite pelo sensocomum a que representa o hom em como um ser accionado por traos, pulsesou motivos prprios.que neste casoainda restaao homem espaoparaailusode controle sobre o seu comportamento e para a expresso da sua singulari-dade a personalidade de cada um nica, os com plexos de cada um so o sseus com plexos. D izer de algum que um ser moldvel pelas situaes ou umprisioneiro de um grupo, ou deum estatuto, ou da ordem socia l, , afinal, retirar--lhe a ideia de individualidade, coerncia e diferena. Sobre um tal indivduono se poder escrever como epitfio este um homem que foi sempre iguala si mesmo. Da mesma forma, uma tal concepo da pessoa no permite quese diga je n'ai jamais chang , como escreveu M iro sobreum dos seus quadros.2.3. O HOMEM COMO COMPUTADOR

    em m eados dos anos 60que se inicia o que se chamouarevoluo cognitiva,em oposiorevoluo comportamentalistado incio do sculo. A repercusso902 deste movimento em psicologia social conhecida por cognio social.

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    Representaessociaisnapsicologia socialA perspectiva cognitiva tem subjacente um modelo do homem que parte deuma anlise das suas capacidades, tais como a capacidade de simbolizar, acapacidade de visualizar o futuro, a capacidade de auto-regulao, a capacidadeauto-reflexiva. Nesta perspectiva, o homem e o seu meio s existem enquanto

    representados cognitivmente. Cada estmulo, cada situao, cada objecto, novalem enquanto tais, mas enquanto apropriados pelo indivduo, enquantoinvestidos de sentido.Esta abordagem tem as suas razes remotas numa pluralidade de conceitose autores que desde cedo se opuseram s perspectivas comportamentalistas efreudianas e ao reducionismo fisiolgico , contribuindo para o que Jones (19 85)designa como a emergncia do subjectivismo em psicologia social. Esto nestecaso o conceito de esquema proposto por Bartlett (1932-1977), o conceito dequadro de referncia proposto por Sherif (1936) e, com maior expresso erepercusses,oconceito psicolgicodeatitude(Allport,1935).M ais recentemente,o conceito de espao de vida formulado por Lewin (1951-1965), associado ideia da relao de interdependncia pessoa-meio, C=f (P, M), sublinha que o meio, enquanto interpretado, que guia o comportamento. Por outro lado,a adopo e reinterpretao dos princpios da psicologia da gestalt, a partir dosanos30 ,pela psicologia social americana constitui tambmumaviso alternativado ser humano face aos determinismos situacionais comportamentalistas e aosdeterminismos scio-estruturais e inspirou os trabalhosdeLewin, A sch e Heider(v. Jones, 1985).Ainda a nvel das razes remotas da cognio social, ser necessrio referiro movimento terico que ficou conhecido por new look.A anlise da atribuiode sentido ao meio e as suas consequncias comportamentais vo constituir on duro deste movimento. Os trabalhos de Bruner (Bruner e Goodman, 1947)e o s trabalhos dos seus continuadores salientamosseguintes factoresnoprocessodeatribuio de sentido: factoresquedecorrem dagestalt,taiscomoosprincpiosda assimilao e do contraste; factores relativos organizao dos objectos emcategorias (problema que ir tornar-se central na teoria destes autores,particularmente em Bruner, 1957); factores relativos s expectativas do sujeito(designao geralparao papeldevariveis motivacionais e culturais). Entendidadesta forma,apercepo estparaalmdoobjecto, umresultado da actividadedo sujeito, e esta actividade no estritamente individual, nem estritamentecognitiva tem elementos sociais e elementos afectivos e emocionais. Apercepo uma actividade quente.Do conjuntoderefernciasqueacabmosdefazer deve destacar-seoseguinte:a compreenso dos comportamentos implica a compreenso das actividadesinternas atravs das quais a realidade percebida, abandonando-se, assim, omodelo S-R e substituindo-o por um modelo S-O-R; neste novo modelo O (oorganismo) assume um papel estruturante e, por isso, a percepo no poderser apenas entendida como resultando das caractersticas dos estmulos ou daestrutura da informao, mas como produto das expectativas, motivaes einseres sociais dos sujeitos; por ltimo, a realidade que conta para o 903

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    Jorge Valasujeito e para a determinao do seucomportamento a realidade per-cebida.A perspectiva da cognio social vai modificar ou entrar em ruptura comalguns destes pressupostos e acrescentar outros, mas o quadro paradigmticono se altera significativamente: acentua-se o papel do organismo na elaboraodo conhecimento, conferindo-se um peso cada vez m aior aco das mediaesinternas na relaoentreosestmulos easrespostas,o que poderser representadoatravs de um modelo de tipo O-S-O-R; abandona-se o estudo dos factoresdinmicos internos (motivaes, afectos, etc); individualiza-se o sujeitocognoscente; a anlise centra-se nas cognies enquanto tais, na forma comoseencontramestruturadase nos processos que relacionamasestruturascognitivascom a informao externa; finalmente, elegem-se duas questes empricas b-sicas a percepo de pessoas e a atribuio de causas aos comporta-mentos, a primeira a partir das contribuies de Asch e a segunda a partir deHeider.Mas Asch (1946; 1952-1987) e Heider (1944; 1958-1970) so mais do quegeradores das temticas da cognio social, so as suas razes conceptuais emetodolgicas prximas. Neste sentido, as teorias daqueles autores sobre,respectivamente, a formao de impresses (Asch, 1946) e as relaesinterpessoais e a atribuio cau sal(Heider, 1958-1970) devem ser consideradascomo prototpicasdestenovoparadigmaem psicologia sociale dolargomovimentoque, de h vinte anos para c, marca a pesquisa nesta disciplina.Asch (1946)inauguroudeforma sistemtica umcampodeestudosfundamentalpara se entender a interaco social como formamos impresses acerca dosoutros, como, a partir de um nmero reduzido de informaes, conseguimosconstruir um retrato psic olg ico coerente e funcional sobre uma outra pessoa ,podendo a partir da desencadear uma interaco significativa. Segundo Asch,a formao de im presses no realizada atravs da soma de traos ou atributospsicolgicos, dado que nem todos eles so igualmente relevantes. Aquela serento determinadapor traosque socentrais.Estestraos,em nmeroreduzido,determinam a inferncia de outros traos e conduzem formao de retratospsicolgicos coerentes. A metodologia usada por Asch para testar as suashipteses e as suas prprias hipteses esto na origem do ponto de vistaconstrutivista sobre a percepo de pessoas que, em oposio perspectivaassociacionista ou do processamento de informao guiado pelos dados (data-driven),pressupequea percepode pessoasconceptualmenteou teoricamenteguiada (theory-driven) (v. Caetano, 1993).Um outro autor vai marcar a cognio social Heider. Na sua obra de 1958sobre a psicologia das relaes interpessoais Heider prope uma nova teoriasobre o sujeitoda psicologia social este sujeito um sujeito de conhecimento,um sujeito-actor, um cientista ingnuo. Como qualquer cientista, observa,descreve e explica, isto , d sentido ao meio, a si prprio e aos outros, mas,enquanto cientista ingnuo, no est preocupado com a validao do seu

    904 conhecimento, o que no impede que muito deste conhecimento comum no

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    Representaessociais n a psicologia socialformulado ou semiformulado p . 16) seja til e, sobretudo,sejau m programadorda aco.Esta actividade cognitiva do sujeito-actor, sublinhada por Heider, regidap o r u m princpio d e procura d o equilbrio e p o r u m princpio d econtrole. Atribuirsentido a o meio significa procurar u m equilbrio, u m a coerncia entre a realidadee a s representaes da realidade, ques e torna destaforma prev isvel e controlada.Ora, uma das melhores m anifestaes desta actividade de imputao de sentidoe d e procura de controle aatribuiode causas, o estabelecimento d e associaes,por semelhana, entre fenmenos a partir de uma lgica de antecedentes econsequentes (Heider, 1944; v. Souza, 1993). Mais do que descrever compreciso com o Heider teoriza este processo de atribuio, importa salientar aquia sua importncia fenomenolgica. Como refere Heider com algum humor, aatribuio de acontecimentos a fontes causais tem uma grande importncia paraa nossa imagem do meio social. H uma real diferena, por exemplo, entredescobrir que o galho que nos atingiu caiu de uma rvore podre ou foi lanadopor um inimigo. As atribuies em termos de causas impessoais e pessoais e,neste ltimo caso, em termos de intenes so factos quotidianos que determi-nam em grande parte a nossa compreenso e as nossas reaces ao meio.(Heider, 1958-1970, p. 29.) A anlise do processo de atribuio de causasviria a ser desenvolvida, nomeadamente, por Jones e Davis (1965) e porKelley (1967).Se em Festinger (1957) o sujeito da psicologia social um sujeito-agente,que deduz conhecimento de comportamentos, em Heider o sujeito da psicologiasocial um sujeito-actor, que faz decorrer comportamentos de cognies. Emambos o sujeito autodeterminado, os mecanismos que regem a sua actividadeso internos ao prprio sujeito e a partir destes mecanismos que deve serentendida a interaco social. Como sublinha Heider (1958-1970), a unidadede anlise a pesquisar dever ser a pessoa.A partir de A sch e H eider, o movim ento da cognio socia l, que se estruturanos anos 70 , passa a usar uma nova m etfora o homem com o computador.Tal como um computador, a actividade cognitiva envolve um hardware eum software, quer dizer, envolve estruturas cognitivas e processos cognitivos. ao estudo de tais processos e estruturas que se vai dedicar a cogniosocial.O conceito de estrutura cognitiva, ou de estrutura de conhecimento, umadesignao genrica para referir o facto de dispormos de representaes e deestasrepresentaes s e encontrarem organizadas s o b algumaforma. A s estruturascogn itivas so, assim, organizaes de informao armazenada, resultantes deprvios processamentos de informao (Markus e Zajonc, 1985, p. 143). Otermo mais comum para designar as estruturas cognitivas o de esquema.Osesquemas podem ser diferenciados em funo dos objectos a que se refe-rem o eu (self),o s outros, os outros-em-situao, os outros enquanto grupos(esteretipos), os comportamentos (scripts guies relativos a sequncias dec o m p o r t a m e n t o s e a c o n t e c i m e n t o s n u m c o n t e x t o d e t e r m i n a d o ) , a s c a u s a s u m 905

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    Jorge Valae s q u e m a c a u s a l u m e s q u e m a q u e p e r m i t e t r a n s f o r m a r u m a in f o r m a o n u m acausa) (e. g., Lord e Foti, 1986).A nvel dos processos cognitivos, aquele que foi mais frequentementeestudado refere-se s actividades de inferncia.Observado um comportamentoo u u m acontecimento, os indivduos avaliam-no, explicam-no, formam impressessobre os actores envolvidos ou sobre eles prprios enquanto actores e fazemat muitas vezes prognsticos sobre a ocorrncia futura desse mesmoacontecimento o u comportamento.Querdizer, fazemdeduesetiramconcluses.A anlise dos processos de inferncia significa, pois, conhecer como seconjugam os esquemas e a informaoparaproduzir um determinado resultado.Ora, no contexto destas preocupaes, a psicologia social cognitiva ps emevidncia que as actividades inferenciais do homem comum so geralmentedesajustadas face aos dados de que dispe. Elas so atravessadas porenviesamentos (biases) de todo o tipo (v., Markus e Zajonc, 1985). Estesenviesamentos decorrem, por exemplo, da no aplicao do esquema correcto,da no ateno a toda a informao ou ainda de um desajustamento entre ainformao e o esquema accionado. Os autores da cognio social mostram,contra Heider, que o hom em, com o computador, , afinal, um computador comvrus, um computador defeituoso (faulty computer), ou que comete erros,decorrentes do uso de uma lgica natural e de uma racionalidade limitada(Tversky, 1974) ou de uma avareza ou preguia cognitiva (e. g., Leyens eCodol, 1986).Em resumo, no quadro desta orientao paradigmtica e da metfora dohomem como computador defeituoso: a actividade cognitiva uma actividadeindividual, sujeita a imprecises eerros,que assenta n a conjugao deesquemasinternos edadosexternos; a realidade vista co mo exterior ao indivduo , neutrae no social; a validade do conhecimento avaliada atravs do confronto comuma realidade externa, e no atravs do consenso e da funcionalidade socialdo conhecimento.Estes pontos de vista vo ser questionados pela metfora da orquestra dejazz .2 . 4 . A ORQUESTRA DE JAZZ

    no quadro deste novo paradigma que se vai estruturar o c onceito e a teoriadas representaes sociais.Articulando a ideia de um sujeito-actor e a ideia de um sujeito in dissoc ive ldos laos sociais, a cognio no poder ser entendida como urna actividadeindividual,porque o s indivduosestonecessariamente ligados aoutrosindivduosem todos os planos, e o indivduo no poder ser visto como um sujeitodependente, porque se pressupe que dotado de uma actividade cognitivaprpria, cuja dinmica essencial criao dos laos sociais em que est906 emalhado, laosestes,eles prprios, decorrentes d a actividade scio-cognitiva

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    Representaessociaisnapsicologia so cialdos actores socia is. Entra-se, assim,em ruptura com ametforadosonambulismosocial. Da mesma forma, as restantes metforas so igualmente questionadas.O homem no uma mquina de reaces, porque sujeito de conhecimento,no um computador defeituoso, porque os enviesamentos no conhecimentoso consequncias lgicas das suas representaes e da informao criada poressas representaes no decurso da interaco e da comunicao sociais(Moscovici, 1961, 1982).Um exame m nimo desta perspectiva significa esclarecer, em primeiro lugar,alguns aspectos sobre a construo do conhecimento quotidiano 3, e sobre opapel que nesse processo desempenham as estruturas cognitivas. Parte-se daideia, j presente no paradigma do homem como computador, de que oconhecimento teoricamente guiado (theory-driven), decorre de estruturascognitivas (por exemplo, esquemas e representaes). Contudo, considera-seque, quanto sua natureza, estas estruturas cognitivas, no caso presenterepresentaes, so mais expresses do sujeito do que um reflexo interno deuma realidade externa (M oscov ici, 1961) e que, quanto sua funo, no sotanto variveis mediadoras entre os estmulos e as respostas, mas variveisindependentes, constituintes dos estmulos e das respostas (Moscovici,1984).A ideia de processamento de informaocomo mecanismo nico de produode conhecimento, presente no paradigma precedente, perde, assim, a sua acui-dade4. Em segundo lugar, considera-se que as estruturas cognitivas, neste c aso,as representaes, so susceptveis de serem lidas a diferentes nveis de anlise.No caso das representaes sociais, o nvel de anlise que se salienta aqueleque reenvia o sujeito para as pertenas sociais que ele prprio cria e para asactividades de comunicao da decorrentes e a representao para a suafuncionalidade e eficcia sociais.Do homem como computador defeituoso passa-se ao homem como msicodejazz , que toma diferentes sons simples,um par deacordes que podem pareceraleatrios e que a partir da cria uma verdadeira fuga e improvisao, que temuma beleza e harmonia prprias, que no est desligada do tema proposto p eloseu encontro com o ambiente, mas que no o reflecte, como se seguisse umapartitura (Varela, 1984, 1992). Estmulos externos, objectos, doutrinas eideologias formalizadas ou experincias so alimento para pensar e transformarnas interaces quotidianas (Moscov ici, 1984 ), so objecto de ruminao socia l,como outros referem. Ento a metfora de Varela poder ser transformada emorquestra de jazz e o sujeito pensante metaforiza-se na sociedade pensante(Moscovici, 1984).

    3O conhecimento aqui entendido como o conjunto de crenas relativas a um objecto que umindivduo ou um grupo subscrevem (Bar-Tal e Kruglanski, 1988 ).4 A validao do conhecimento faz-se, no contexto desta orientao, pelo consenso e pela suafuncionalidade social, enoatravs do confrontocom umarealidade objectiva. No entanto, dev e notar--se que autoresquese situamnoparadigmado homem comocomputador comeam igualmente a realara importncia da funcionalidade na validao do pensamento quotidiano (e. g., Fiske e Taylor, 1991,eLeyens et al, 1992).

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    Jorge ValaE s t a c o n c e p o s o b r e o c o n h e c i m e n t o e n q u a n t o a s s o c i a d o s a c t iv i d a d e s d ecomunicao e interaco social te m velhas razesem psicologia eem psicologiasocial: Bartlet (1932-1977) Vygostsky (1929, 1981), Mead (1934-1963), Tho-mas e Znanieki (1918-1958) ou Piaget (1967), para citar apenas os principais

    autores (v. Vala, 1993a). Ora, se estes autores coincidem em grande parte comaqueles que associmos emergncia da cognio social, o que se verificoufoi que essa perspectiva terica os releu luz da metfora do homem comocomputador e os depurou d a s u a dimenso social, enquanto eles soagorarelidosno quadro da metfora que, em nosso entender, os inspirou.Mas autores mais consensuais na psicologia social experimental podemigualmente ser convocados em favor desta epistemologia do conhecimentoquotidiano. Segundo Sherif (1936), o conhecimento quotidiano resulta de umanegociao a nvel interindividual, ou, segundo Festinger (1954), de umacomparao com um outro, ou ainda, segundo Hyman (1942), da comparaocom um grupo de referncia. Mesmo o conhecimento sobre ns prprios e asnossas emoes um conhecimento social, como mostrou Schachter (1964).Qualquer destes autores salientou situaes em que o conhecimento intersubjectivo e a sua validao obedece a critrios sociais.De entre estas ltimas referncias, os trabalhos de Sherif (1936) sobre aformao de normas de conhecimento so aqueles que se encontram maisprximos deste novo paradigma, na medida em que as suas hipteses e osresultados das suas experincias salientam a ideia de negociao no processode produo de conhecimento. Ora, a negociao implica dois actores, ambosalvos e fontes de influncia. No se trata de confrontar um sujeito passivo edependente com um outro que fonte de influncia, m as de conferir s unidadesem presena um estatuto partida potencialmente equivalente. Desta forma, eno que toca concepo sobre o sujeito, o sujeito de que se fala neste paradigma um sujeito fonte e alvo de influncia. Ou seja, salienta-se o nvel deinterdependncia que pode estar presente em qualquer interaco social. Com osublinharam Thibaute Kelley(1959), h interaco quandoex iste a possibilidadede que as aces de um afectem as aces de outro, e vice-versa (p. 10).Os paradigmas anteriores so binrios. Ora salientam o papel do sujeito, orasalientam o papel dos objectos ou da estrutura social na configurao doconhecimento ou dos comportamentos. Este novo paradigma ternrio considera-se que a relao de um sujeito (indivduo ou grupo) com um objecto sempre mediada pela interveno de um alter (indivduo ou grupo)(Moscovici,1970). As representaes sociais, enquanto teorias sociais prticasrelativas a objectos e problemas sociais especficos e relevantes na vida dosgrupos (Jodelet,1989), alimentam e so produzidas no quadro destainterdependncia tridica.Cremos ter apresentado as principais referncias que fundam o processo deconstruo do conhecim ento, a teoria sobre o sujeito e sobre a interaco socialalimentada pela metfora da orquestra de jazz , e q u e so particularmente salientadas908 na teoria das representaes socia is.

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    Representaessociaisnapsicologia socialMas, para alm da teoria sobre as representaes socia is, duas outras devemainda ser salientadas no quadro deste paradigma: a teoria gentica sobre ainfluncia social (Moscovici, 1979, e, por exemplo, Mugny e Perez, 1986); ateoriadaidentidadesocialdeTajfel (197 2,1981-1982)e os seusdesenvolvimentos(Doise , 1976-19 84; D eschamps, 1984a; Turneret al., 1987, para citarmosapenasos principais autores).A teoria gentica sobre a influncia social foi construda por oposio perspectiva funcionalista sobre este mesmo problema, elaborada a partir dasmetforas do sonambulismo social e do homem prisioneiro. Moscovici ope daseguinte forma o modelo funcionalista ao gentico: L'un envisage la ralitsociale comme donne, l`autre comme construite; le premier souligne ladpendance des individus relativement au groupe et leur raction celui-ci,tandis que le second souligne l`interdpendance de l`individu et du groupe et

    l`interaction au sein du groupe; celui-l tudie les phnom nes du point de vuede l`quilibre, celui-ci du point de vue du conflit. (Moscovici, 1979, p. 15.)Curiosamente, a oposio entre estas duas perspectivas a nvel dos respectivospressupostos e, concretamente, a nvel da concepo sobre o conhecimento nose reflecte no nvel metodolgico. Ambos os modelos recorrem ao mtodoexperimental como forma de consolidao das suas hipteses, o que, alis,sucede igualmentenas vrias teoriasque situmos nesteparadigma, contradizend oa impossibilidade de uma anlise experimental das perspectivas genticas econstrutivistas.Se a maioria dos autores que analisam a influncia social no quadro da ideiado homem dependente partem da teoria da comparao social de Festinger(1954), o modelo gentico est para alm desta teoria. Segundo Festinger, naausncia de meios objectivos no sociais que permitam validar o conhecim ento,os indivduos recorrem sua validao social, comparando-se com outrosindivdu os. N este sentido, o recurso aos outros ocorre apenas quandoarealidade * ambgua e o sujeito no a consegue validar por meios prprios. Ora o queMoscovici (1979) sublinha que a percepo sempre social e que os sujeitosse comparam com outros no porquearealidadesejapor si ambgua, mas porqueexiste uma norma, a norma da objectividade, segundo a qual o consenso ocritrio de verdade. Sendo assim, sempre que h desacordo entre indivduos ouentre um indivduo e um grupo, a realidade torna-se ambgua, incerta, ge-rando-se um conflito cognitivo, cuja resoluo pode assumir diferentesmodalidades: o compromisso, a submisso, a inovao. E estas modalidades deresoluode conflitos sero orientadas por modalidades especficasde interacoque a teoria gentica da influncia social tipificou e analisou experimentalmente(Moscovici, 1985).Deve referir-se que, nos seus primeiros estudos, o modelo gentico incidiusobre interaces interindividuais, emboravistas comointeraces entre indivduos

    e grupos. Foi a articulao do modelo gentico com a teoria de Tajfel sobrea identidade social que permitiu colocar o problema da influncia social no 909

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    Jorge Valaq u a d r o d o s p r o c e s s o s d e c a t e g o r i z a o e i d e n t id a d e s o c i a i s T u r n e r e t a l . 1 9 8 7 )e no quadro das relaes intergrupais (Mugny e Perez, 1986). Torna-se entoclaro que a incerteza sobre a realidade se gera apenas quando h desacordo comaqueles com quem se espera estar de acordo e que aqueles com quem se esperaestar de acordo so os membros da categoria social a que um sujeito pensapertencer, e que se torna saliente num dado quadro de interaco e a propsitode um dado problema.Mas a teoria de Tajfel sobre a identidade social no apenas uma teoriaauxiliar da teoria gentica sobre a influncia social, prototpica, enquanto tal,dos pressupostos que decorrem da metfora dao rquestra de jazz . Em primeirolugar, trata-se de uma teoria cognitiva, ou seja, que sublinha a actividadeestruturante do sujeito no processo de conhecim ento; em segundo lugar, de umateoria que faz decorrer os comportamentos de cognies, ou, como refere Tajfel,detodosos processos relativos interpretao d o meio,distinguindo-se claramenteda perspectiva de Sherif (1961-1988), que j enuncimos; depois, articula osprocessos cognitivos individuais com processos sociais, no submetendo osprimeiros aos segundos, nem o contrrio (Tajfel, 1972). A teoria distingue onvel das relaes intergrupais do nvel das relaes interindividuais. No nvelintergrupal,o comportamentod o indivduoxn o explicadoenquantodependentedo comportamento do indivduo y,mas enquanto dependente das relaes entreo grupo a e o grupo b . Contudo,estenvel d e anlise d a s crenase comportamentosindividuais supe a salincia de uma dada dimenso da identidade social, e aidentidade social (dimenso do autoconceito que decorre do reconhecimento dapertena a grupos ou categorias sociais) no independente do processopsicolgico de autocategorizao. O conceito de identidade social, que oferecevias de explicao da dinmica das representaes sociais e dos comporta-mentos, , assim, um conceito articulador de processos psicolgicos esociais.Na sequncia dos estudos de Tajfel sobre a identidade social, vrios autoresintroduziram reformulaes ou ajustamentos nessa teoria com consequncias anvel no s da anlise das relaes intergrupais (por exemplo, Doise, 1976-1984), mas tambm dos processos de atribuio (Deschamps, 1977) ou ainda,e como se referiu, dos processos de influncia social (Mugny e Perez, 1986;Turneret al, 198 7). Contudo, interessa-nos sublinhar aqui aqueles autores quecontriburam para novos entendimentos sobre a articulao entre a identidadesocial e a identidade pessoal.O objectivo de Tajfel era antes de mais salientar a irredutibilidade dosfenmenos sociais ed a s relaesintergrupais a o nvel d a srelaes interindividuais(v. Amncio, 1993), sendo levado ento a conceber estas duas dimenses davida social como dois plos de um contnuo, o primeiro decorrente da salinciad a identidade social eosegundod a identidade pessoal. Talvez o desaparecimentoprematuro deste autor no lhe tenha permitido articular estas duas dimenses,910 com o o fez a outros nve is. Do is outros autores, Codol e Deschamps, partem

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    Representaessociaisna psicologia socialde um pressuposto contrrio ao de Tajfel e conseguem mostrar a co-variaoentre estas duas instncias da identidade. Como refere Deschamps (19 89 ), maisdo que partir do postulado de que as diferenciaes interpessoais e intergrupaisso dois extremos de um contnuo, pode colocar-se a hiptese de que, em certascondies, quanto mais forte a identificao com o grupo (ou quanto maissaliente a identidade social), mais saliente ser a diferenciao interindividual(a identidade pessoal) no interior desse mesmo grupo. Neste sentido, os doisprocessos co-variam e ento a percepo da semelhana (identidade socia l) no um contraponto da percepo da diferena (identidade pessoal), mas os doisfenmenos sero correlatos um do outro. Vrias ilustraes experimentaisapoiaramaacuidade desta hiptese (por exemplo, Deschamps,1984b,e Am ncio,1987), que, de resto, homloga da hiptese sobre a conformidade superiordo eu de Codol (1984) quanto mais um indivduo adere s normas de umgrupoe salienteaidentidade socia l,maiseleseprocuradistinguirou diferenciardos membrosdessegrupo(identidade pessoal), considerando-seomelhor exem plardas normas que organizam a vida do grupo. esta uma das formas atravs dasquais a metforadaorquestrade jazzprocuraarticulara experinciada semelhanae da diferena a nvel da representao do eu.Se dedicmos algum espao apresentao de outras teorias desta orientaoparadigmtica, paraalmda teoriadas representaessociais, porque entendemosque o desenvolvimento desta ltima pressupe a sua articulao com aquelas.De facto, a teoria das representaes sociais, ao oferecer as bases para umaepistemologia do conhecimento quotidiano e ao valorizar a ancoragem socialdesse conhecimento, ou seja, ao acentuar que este se constri nas interacesquotidianas, implica que se teorize sobre as redes sociais, e os fenmenospsicossociolgicos no interior dessas redes, que permitem a construo doconhecimento. Ora, a teoria da identidade social oferece as bases para oentendimento da formao simblica dos grupos sociais e para a com-preenso da ancoragem social das representaes sociais (Vala, 1993a, 1993b).Por sua vez, a teoria gentica dos processos de influncia social per-mite compreender, pelo menos em parte, como se aprendem, solidifi-cam e transformam as representaes no interior de um grupo ( e. g., Abramset al, 1990).Tal como a entendemos, a articulao entre as representaes sociais e aidentidade social supe que se sublinhe o pressuposto da teoria da identidadesocial segundooqualosgruposso formaes decorrentesdeprocessos cognitivose simblicos, e no posies objectivas na estrutura social, perspectiva que consentnea com a perspectiva terica do prprio conceito de representaosocial; em segundo lugar, esta articulao implica um segundo pressuposto o de que a salincia de uma categoria ou grupo social est associada salinciadas normas e representaes que distinguem essa categoria de outra categoria.Assim, quando um sujeito se pergunta quem sou eu? e, em resposta a estaquesto, se auto-atribuiapertenaauma categoria social, deduz dessa pertena 911

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    Jorge Valaa p a r t i lh a d e d e t e r m in a d a s n o r m a s e r e p r e s e n t a e s . O s g r u p o s s o c i a i s d e q u eaqui se fala so, assim, grupos reflexivos, e no grupos nominais (gruposdefinidos p o r critriosintroduzidos p o r observadores externos e que no figuramna conscincia d o s membrosd o grupo)(Wagner,1992).Falard euma representaosocial implica, pois, que se identifique o sujeito social dessa representao, ouseja, o grupo social em que ancora ou as identidades sociais que lhe subjazem.E , com o um grupo se define por relao a um outro grupo, ento uma represen-tao grupai estrutura-se por referncia a representaes de outgroups re-levantes.

    A o s pressupostos enunciadospode s e rassociado umcerto nmero d e hiptesesempiricamente validveis, das quais salientamos as seguintes: uma vez que umindivduo integra na sua auto-imagem a pertena a diferentes grupos sociais,caso um mesm o objecto seja pertinente para esses diferentes grupos, ento umindivduo pode partilhar diferentes representaes sobre um mesmo objecto;num dado contexto situacional, a salincia de uma representao depende dasalincia de uma dada dimenso da identidade social; de qualquer forma, arepresentao mais saliente no dever pr em causa a auto-estima do grupo;num contexto em que salientada a referncia a um outgroup,pertinente parauma dada representao grupai, verificar-se- uma polarizao dessa representaon o interior d o grupoe a s u a maiordiferenciao face representao d o outgroupsobre o mesmo objecto. Estas hipteses tm merecido algum apoio em-prico 5.Ao acentuarmos, desta forma, as relaes entre as representaes sociais eos processos identitrios, estamos a privilegiar a anlise das representaessociais a que Moscovici (1988) chamou polmicase a que poderemos tambmchamar grupais. Este , de facto, o nvel de anlise que melhor corresponde teoria das representaes sociais, sem que com isso se deixem de reconheceras chamadas representaes emancipadas,ainda na expresso de M oscov ici, ouseja, representaes sem sujeito, que apresentam j autonomia relativamente aossectores d a sociedade q u e estiveram n a s u a origem, e a s chamadas representaeshegemnicas,ou representaes colectivas, na linguagem de D urkheim (1 898 ).Qualquer destes dois ltimos tipos de representaes se afasta de pressupostosbsicos da teoria das representaes sociais. As primeiras, porque constituemrepresentaes semsujeito; a s segundas, porque, enquanto indiscutve is, estveis,preestabelecidas e coercivas, caem claramente no quadro do paradigma dosonambulismo social. No est em causa o nvel de anlise das representaessublinhado por Durkheim, nem o reconhecimento da hegemonia de certasrepresentaes na sociedade de hoje, nem sequer as presses para a suahomo geneizao. Contudo, a teoria das representaes sociais procura d a r conta

    5 Qualquer destas hipteses no tem sido sistematicamente avaliada. Contudo, possv el invocarpara elas apoio emprico, pelo m enos indirecto. Por exem plo, para a hiptese a) :Vala, 1990; para ahiptese c), Vala et ai, 198 8, e Echebarria et al.,1992; para a hiptese d) , Doise,1969, e Allen e912 Wilder,1975.

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    Representaessociaisnapsicologia socialde outro tipo de fenmenos sociais: os processos criativos e a gerao do novono interior dos grupos sociais. neste sentido que Moscovici enuncia o seuprojecto ao iniciar o estudo das representaes sociais: Era nosso propsitocontribuir mais para a compreenso da inovao do que da tradio, para acompreenso de uma sociedade em construo do que de uma sociedadepreestabelecida (1988, p. 219).CONCLUSES

    Ao definirmos o lugar paradigmtico do conceito de representao social,mostrmos o que h de novo neste conceito e como ele se distingue de outrosconceitos e teorias psicossociolgicas que teorizaram sobre o funcionamentodas actividades cognitivas e simblicas, sobre as relaes entre cognies ecomportamentos e sobre as relaes entre o individual e o co lectivo . O conceitode representao social enfatiza a dependncia da aco face actividadecognitiva, ao mesmo tempo que associa a cognio produo de sentido e construo da realidade social. Por outro lado, as representaes sociais no someros enunciados sobre a realidade, mas teorias sociais prticas sobre objectosrelevantes na vida dos grupos. Enquanto teorias, so organizaes de crenas,atitudes e explicaes; enquanto teorias prticas, so organizadores da aco;enquanto teorias sociais,so produzidasnoquadrodas comunicaes quotidianassuscitadas pelas identidades soc iais.nestalinhaque entendemos que oconceitode representao social ganhar em clareza se restringido s representaessociais cujo sujeito um grupo social e se associado aos processos de produode sentido enquanto decorrentes das interaces no interiorde grupos eda lgicadas relaes intergrupais. Tal perspectiva no exclui, contudo, nveis possveisde articulao entre as representaes grupais, as hegemnicas e as eman-cipadas.No era objectivo deste texto discutiraorganizao internadas representaesou os elementos que as configuram, nem discutir as articulaes entre asrepresentaes sociais eoutrosconceitoseteoriassobreasactividades cognitivasque no se situam no mesmo contexto paradigmtico. O nosso ponto de vistaa este propsito j foi enunciado noutros textos e assenta na hiptese de queas representaes podem ser entendidas como princpios organizadores deactividades cognitivas mais especficas, como sejam a atribuio causal e apercepo de pessoas e grupos, tal como tm sido estudadas pelo paradigmado homem como computador.Acentuar a especificidade e a novidade de um conceito co mo o conceito derepresentao social no significa hegemonizar o seu papel na anlise dosproblemas que constituem interrogaesparaapsicolog ia social. Pelo contrrio,a lgica a que obedeceu o levantamento das perspectivas paradigmticas destadisciplina pressupe qu e, na anlise de um problema, haver que descobrir quala perspectiva que melhor se lhe adequa e que explorar at as possibilidades de 913

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    Jorge Valaarticulaode perspectivas.Cada metfora gerauma pluralidade deolhares sobreo comportamento individual e colectivo, que, no entanto, no esgotam a suapluridimensionalidade. Torna-se ento imperiosa a articulao psicossociol-gica. Mas a articulao s possvel uma vez identificado o significado do quese pretende articular, no reduzindo o novo ao velho e o desconhecido aoconhecido.

    AGRADECIMENTOSUma primeira verso deste texto foi comentada por Lusa Lima, Antnio Caetano,Jorge Correia Jesuno e Jean-Paul Deschamps. Agradeo a estes colegas as crticas esugestes pertinentes que tiveram o cuidado de fazer.

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