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REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NA SOCIEDADE BRASILEIRA:

desafios e perspectivas de abordagem sobre preconceito no ambiente

escolar

Neuza Aparecida Petrin Schuster1 Wander de Lara Proença2

Resumo

O presente artigo mostra as ações resultantes da aplicação do projeto PDE, intitulado Representações do negro na sociedade brasileira: desafios e perspectivas de abordagem sobre preconceito no ambiente escolar, realizado com alunos do 8° ano do ensino fundamental do Colégio Estadual Professor Francisco Villanueva, na cidade de Rolândia - PR. O projeto teve como principal objetivo propiciar condições para que o aluno faça uma análise critica a respeito da participação do negro na formação da sociedade brasileira, destacando e reconhecendo importantes aspectos da cultura negra, para que desse modo não apenas amplie sua visão valorativa em relação ao negro como indivíduo, mas também desenvolva o respeito à diversidade étnica de nosso país. Tomando como referência conteúdos do livro didático, veiculações de valores na mídia e levantamento de dados junto aos próprios alunos, os resultados apontam para a necessidade de se trabalhar no ambiente escolar as raízes históricas do preconceito racial ainda tão presente em nossa sociedade. Para isso, o tema da escravidão, revisitado pelo olhar dos novos enfoques conceituais e metodológicos da historiografia – de autores como João José Reis, Sidney Chalhoub, Robert Slenes e Flávio dos Santos Gomes - constitui-se num ponto de partida fundamental para uma compreensão mais profunda das origens desse preconceito, possibilitando assim a reconstrução – a partir do ambiente escolar - de valores que promovam inclusão social e respeito à diversidade.

Palavras-chave: Brasil. Escravidão. Resistência. Livro didático. Preconceito.

1 Autora. Especialista em Administração e Gestão Escolar. Graduada em Ciências Sociais.

Professora do Colégio Estadual Professor Francisco Villanueva. [email protected] 2 Orientador. Doutor em História. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de

Londrina – UEL. [email protected]

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1 - Introdução

O presente artigo é o resultado final do projeto PDE aplicado no colégio

Estadual Professor Francisco Villanueva – Ensino Fundamental, Médio e

Profissionalizante no município de Rolândia, com alunos do 8° ano do ensino

fundamental.

As ações do projeto proporcionaram aos alunos uma reflexão mais ampla

sobre a questão da escravidão no Brasil, as raízes do preconceito racial incutidos

em nossa sociedade e como esse assunto é tratado nos manuais didáticos, na mídia

e nas escolas enfatizando-se que o negro não era escravo, mas foi escravizado.

Discutir as questões relacionadas à escravidão no Brasil e a trajetória

histórica do povo africano é dar condições para o aluno refletir e consequentemente

ter um novo olhar sobre o assunto. Valorizar a cultura negra é uma forma de

também valorizar nossos alunos afrodescendentes e seus familiares contribuindo

com ações escolares onde os mesmos possam sentir orgulho e se identificar com

suas origens.

A promulgação da lei Nº 10.639/03 representa um grande passo no sentindo

de conscientizar quanto aos estereótipos criados ao longo do tempo por uma

sociedade que se constituiu preconceituosa.

Como sujeitos da História, aqueles que sofreram com a escravidão no período

colonial e imperial brasileiro e com a exclusão social no pós-abolição, são

justamente os que buscaram questionar a “verdade” contida no ensino de nossa

História. Se construirmos representações do passado com equívocos em relação ao

povo negro estamos contribuindo para fomentar práticas de preconceitos,

discriminação e racismo em nossa sociedade. Para construir uma sociedade com

equidade precisamos olhar o passado a partir de novas referências buscando

representações que valorizem a cultura negra.

O período de escravidão no continente americano utilizou milhões de

africanos que foram obrigados a abandonar suas terras tornando o tráfico de

escravos um grande empreendimento comercial, assim, por mais de trezentos anos

o Brasil usufruiu da mão de obra escrava.

Estudar a história e trajetória do negro nos faz entender qual a real

necessidade do país em manter o processo de escravidão deixando claro para o

aluno as raízes do preconceito racial incutidos em nossa sociedade e a necessidade

de reverter essa "dívida" social com os afrodescendentes

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É necessário trabalhar com os alunos a história de luta dos negros no

decorrer do tempo fazendo-os compreender que os mesmos não foram sujeitos

passivos no período escravocrata, e sim, agentes transformadores de sua realidade.

Pois, de acordo com o autor João José Reis, "onde houve escravidão houve

resistência. Mesmo sob ameaça o escravo negociava autonomia" (2005, p. 47). É

preciso, portanto, fazer uma análise sobre a visão que nos foi passada sobre o

comportamento do escravo.

Segundo as Diretrizes Curriculares de História (PARANÁ, 2008) propõem-se

o uso racional, crítico e problematizador dos livros didáticos. O uso de diferentes

livros didáticos em diferentes contextos, quando bem realizado, amplia as

possibilidades de reflexão por parte de alunos e professores.

2 - Cultura Afro nos manuais didáticos

Muitas vezes a omissão dos conteúdos relacionados à Cultura-Afro nos

manuais didáticos nos leva a questionar e criticar junto ao educando a forma

preconceituosa com que o assunto é abordado, sendo fundamental que o professor

questione as raízes dos movimentos sociais que levaram ao fim da escravidão.

É importante salientar a visão que o aluno do Ensino Fundamental tem sobre

o negro e a sua participação na construção e formação da sociedade brasileira.

Percebe-se que ainda no Ensino Fundamental existem limitações quanto ao trabalho

relacionado ao negro e as questões raciais, bem como as abordagens feitas sobre o

assunto nos manuais didáticos.

Atualmente, muito se tem escrito e debatido sobre as imagens do negro nos

livros didáticos, na literatura infanto-juvenil, na mídia e a forma como os mesmos são

representados, bem como, as consequências dessas representações.

Os livros ainda estão repletos de estereótipos. No trato da História do Brasil o

negro aparece, infelizmente, representado como primitivo, como povo escravizado,

como vítima de castigos terríveis, como coitado, como miserável ou derrotado. Que

criança negra sentira orgulho de sua etnia? Quem é que vai querer parecer-se com

os tipos e com a vida dos negros postos em cena?

Com o surgimento da lei Nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) foi dado um grande

passo para a superação desses entraves no ambiente escolar.

O quadro a seguir, apresenta alguns apontamentos desses desafios:

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Quadro 1 – Ensino da História do Brasil

Ensino da História do Brasil anterior à lei Nº 10.639/03

Referências eurocêntricas e

etnocêntricas (1)

Criam representações estereotipadas

do povo negro que (2)

Geram práticas de preconceitos discriminação e racismo que (3)

Reproduzem as representações

existentes a partir de (4)

Ensino da História do Brasil na perspectiva da lei Nº 10.639/03

Novos referenciais (Africanidades)

(1)

Viabilizam novas representações do

povo negro que (2)

Geram práticas de respeito e

valorização que (3)

Criam e passam a reproduzir novas

representações a partir de (4)

Fonte: Autora.

O grande desafio da escola é superar a discriminação e valorizar a

diversidade étnico-cultural que compõe a sociedade brasileira, valorizando a riqueza

de cada grupo. A escola deve ser local de diálogo e de aprendizagem de

convivência que respeita as diferentes manifestações culturais. Sendo assim os

conteúdos trabalhados valorizarão a diversidade e as atitudes de respeito.

O paradigma vigente em nossa sociedade aponta para a valorização da

diversidade cultural presente em nossa estrutura social. Somos resultado de um

longo processo histórico e social mesmo sob a influência da cultura europeia, por

força da colonização, não conseguiu apagar a influência das culturas indígena e

africana. (Somos de fato uma nação) de notável diversidade cultural, no entanto, as

escolas brasileiras ainda não aprenderam a conviver com esta realidade, no

momento em que os conteúdos propostos nos livros didáticos contemplam e dão

maiores destaques a cultura dita "superior e civilizada", ou seja, europeizada.

Os livros didáticos, sobretudo os de história, estão permeados por uma

concepção da historiografia que primou pelo relato dos grandes fatos feitos dos

chamados "heróis nacionais, geralmente 'brancos', retirando a participação de outros

segmentos sociais no processo histórico do país” (FERNANDES, 2005, p. 2). Na

maioria delas despreza-se a participação das minorias étnicas especialmente índios

e negros. Quando aparecem nos livros, são citados de forma pejorativa e

preconceituosa.

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Nega-se ao negro a participação na construção da história e cultura brasileira,

embora tenha sido ele a mão de obra predominante na produção da riqueza

nacional. Os livros didáticos omitem ao longo do tempo a situação de conflito e

resistência em que é permeada a história da escravidão no nosso país.

3 - Representações do negro nas abordagens teóricas

No decorrer do tempo diversos autores discorrem em seus discursos sobre as

relações sociais dos escravos e seus senhores. Gilberto Freyre, na década de 1930,

em sua obra Casa Grande e Senzala destacam: "Desde logo salientamos a doçura

nas relações de senhores com escravo doméstico, talvez maior no Brasil do que em

qualquer outra parte da América" (FREYRE, 1963, p. 393).

De acordo com o autor, as relações entre escravos e senhores eram de certa

forma harmoniosa. O senhor era visto como bondoso e o escravo passivo e

submisso. Segundo essa visão o escravo seria mais feliz com o cativeiro brando no

Brasil do que na África negra oprimido na sua tribo.

Posteriormente, a visão de docilidade do senhor e submissão do escravo vêm

sendo contestada por outros autores que destacam os suplícios da escravidão e a

ação de quilombolas e a resistência permanente dos escravos contra seus

senhores. Para Moura, a forma mais expressiva de resistência negra à escravidão

foi a quilombagem. Na definição de Moura (1992, p. 22):

Entendemos por quilombagem o movimento de rebeldia permanente organizado e dirigido pelos próprios escravos que se verificou durante o escravismo brasileiro em todo o território nacional. Movimento de mudança social provocado, ele foi uma força de desgaste significativa ao sistema escravista, solapou as suas bases em diversos níveis econômico, social e militar e influiu poderosamente para que esse tipo de trabalho entrasse em crise e fosse substituído pelo trabalho livre.

Novas abordagens historiográficas, porém, têm revisado essas concepções.

A partir da década de 1980, diversos autores concentraram seus esforços na

percepção dos cativos enquanto sujeitos das transformações históricas ao longo dos

períodos da escravidão. Nestes novos enfoques adotados, destacam-se Robert

Slenes, João José Reis, Flávio dos Santos Gomes, Sidney Chalhoub e Silvia Hunold

Lara. Esses pesquisadores enfatizam a relevância dos escravos como agentes

históricos manifestados no plano da resistência social e da cultura.

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Na elaboração e implementação do projeto PDE, foram tomados como

principais referências os autores João Jose Reis e Flávio dos Santos Gomes (2005),

os quais, na obra Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil, por

exemplo, destacam uma nova história social da escravidão. Ressaltam o modo

como os escravos, a respeito da violência e opressão tentavam organizar suas

vidas. Segundo os autores os negros souberam cavar seu caminho em direção à

liberdade.

Conforme João José dos Reis e Eduardo Silva (1989), entre a passividade e a

agressividade dos escravos havia uma posição intermediária, um espaço de

manobra, de indefinição, de negociação e de conflito. Nesse espaço permeava a

engenhosidade e o compromisso com o sistema. Os escravos deixam então de

ocupar a posição de heróis ou vítimas, para possuir uma autonomia que os

historiadores econômicos insistem em lhes negar. Assim se faziam valer as

pequenas conquistas do dia a dia. Dessa forma, os cativos assumem um papel ativo

na sociedade, o que se demonstra tanto no plano social, como no econômico,

cultural e judicial.

Esse contexto vem desmistificar o dia 13 de maio como representação da

doação de liberdade ao negro, destacando a importância que o mesmo tem na

conquista da liberdade, retirando a visão de sujeito omisso e passivo que lhe foi

imposta pelo sistema social vigente.

A escravidão, na visão de autores pertencentes à historiografia recente, não

foi um período de morosidade, harmonia e passividade, e sim períodos de intensos

conflitos sociais entre negros e a sociedade da época.

Dentro de todo esse contexto o enfoque que é dado para essa questão nos

livros didáticos é muito insignificante devendo o professor pensar a questão social

do negro como sujeito social e participativo na formação da sociedade, resgatando a

contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política.

Atualmente, o que se prevê, é o respeito à diversidade étnico e cultural e o

direito de todos à educação de qualidade. Sendo assim:

Devem os professores ao tratar da História da África e da presença do negro no Brasil fazer abordagens positivas sem deixar de tratar do sofrimento provocado pela escravidão, mas não se limitando a esse momento. Deve antes, realçar a luta dos escravos contra o cativeiro, a contribuição do negro em todos os campos da cultura brasileira, no passado e no presente. (PARANÁ, 2006, p. 23).

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Devem todos os trabalhadores da educação banir do cotidiano da escola,

tanto dos livros didáticos quanto da linguagem e das ações, linguagens e

expressões depreciativas, estigmatizadas em relação ao povo negro, assim como a

qualquer outra etnia.

Efetivar a Lei Nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) é tarefa não só dos professores

negros, mas de todos os professores, pois esta não é uma lei para os negros, mas

para o Brasil, como afirma Hélio Santos (2001, p. 27):

A história narrada nas escolas é branca, a inteligência e a beleza mostradas pela mídia também o são. Os fatos são apresentados por todos na sociedade como se houvesse uma preponderância absoluta, uma supremacia definitiva dos brancos sobre os negros. Assim o que se mostra é que o lado bom da vida não é e nem pode ser negro. Aliás, a palavra negro além de designar o indivíduo deste grupo étnico-racial pode significar sujo, lúgubre, funesto, sinistro, maldito, perverso, triste, nefando, etc.

Portanto, o conhecimento da história da África e do negro contribuirá para

“desfazer os preconceitos e estereótipos ligados ao segmento afro-brasileiro” [...],

como também para contribuir para “o resgate da autoestima de milhares de crianças

e jovens que se veem marginalizados por uma escola de padrões eurocêntricos que

nega a pluralidade étnico cultural de nossa formação.” (FERNANDES, 2005, p. 382).

Um longo caminho precisa ser percorrido pra que a escola seja de fato instrumento

de afirmação de uma identidade pluricultural. Pois, “enquanto o negro brasileiro não

tiver acesso ao conhecimento da historia de si próprio, a escravidão cultural se

manterá no país.” (REIS, 2005, p. 189).

4 - A abordagem do tema no ambiente escolar

Inicialmente o tema do projeto foi apresentado à comunidade escolar,

professores, equipe pedagógica, direção e funcionários do Colégio Estadual

Professor Francisco Villanueva – Ensino Fundamental, Médio e Profissionalizante

durante a semana pedagógica no mês de fevereiro de 2013.

A justificativa para o projeto ser trabalhado na escola é a valorização do negro

e sua cultura com ações socializadas entre alunos e professores com propostas a

eliminar atitudes discriminatórias e preconceituosas no meio escolar uma vez que

uma parte considerável dos nossos alunos é afrodescendente. Explicar aos alunos

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que em nosso país existem leis que estabelecem políticas educacionais para

valorização do negro e sua cultura, foi fundamental para iniciar os trabalhos. As leis

surgiram por pressões dos movimentos negros que exigiram do governo políticas

públicas de inserção social e valorização do negro bem como a sua cultura.

Trabalhamos com a letra da música Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre

nós, dos compositores Niltinho Tristeza, Vicentinho, Jurandir e Preto Joia, para

despertar o interesse dos alunos sobre o tema e o que é realmente ser livre dentro

da nossa sociedade. Muitos questionamentos foram feitos sobre o porquê de ser o

negro o escravo e não outra raça.

As imagens dos africanos representados em situação de submissão ao

homem branco também causaram desconforto em alguns alunos que questionaram

por que o negro é sempre mostrado assim: “ainda não vi imagens diferentes dessas

nos meus livros didáticos!”

Os exemplos de textos dos livros didáticos também foram discutidos para

mostrar aos alunos a necessidade de analisar as informações contidas nele

chegando à conclusão que são informações superficiais e extremamente

preconceituosas.

Os alunos também fizeram pesquisa nos meios de comunicação: novelas,

noticiários propagandas, filmes para conhecimento de como as pessoas negras são

representadas. Essa pesquisa serviu de parâmetro para os alunos avaliarem o

preconceito existente em nossa sociedade.

E depois de abolida a escravidão? O que restou aos negros? Restou o

preconceito. Abordamos essa questão com o trecho da canção do cantor Gilberto

Gil, Mãos da limpeza, que mostra as condições de vida dos ex-escravos.

O preconceito também foi muito discutido, pois são ideias preconcebidas

sobre outros. Os apontamentos feitos com a participação interativa dos alunos

demonstraram que preconceito pode ser percebido em várias situações do nosso

cotidiano:

Os salários pagos aos negros são quase sempre menores que os salários

pagos aos brancos;

Anúncios de empregos que exigem “boa aparência” indicam, muitas vezes, a

procura por empregados brancos, escondendo com essas palavras a discriminação

evidente;

A evasão escolar é muito maior entre negros do que entre brancos;

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Cadeias, asilos, orfanatos, entre outros, são, em sua grande maioria,

ocupados mais por negros que por brancos.

O tema preconceito e as situações do cotidiano foram tema para discussão e

debate em sala de aula, finalizando com uma produção de texto. As produções

foram lidas para socialização.

No decorrer da aplicação do projeto os alunos também pesquisaram algumas

biografias de personagens negros que se destacam na sociedade, na música, na

política, no esporte etc. Elaboraram uma entrevista com membro da nossa

comunidade escolar com questões relacionadas ao projeto e a escravidão. A

entrevista foi muito proveitosa, pois a pessoa falou sua opinião sobre situações de

preconceito que já presenciou e já sofreu e o que pensa que as escolas podem fazer

para resgatar o respeito entre as pessoas.

Nas discussões também colocamos a questão: existe trabalho escravo nos

dias atuais? Com as discussões posteriores os alunos chegaram a conclusão que

em muitos lugares pessoas ainda trabalham em situações de escravidão, com

míseros salários e sem as mínimas condições de sobrevivência.

O resgate da história da escravidão também foi trabalhado dentro do poema

Vozes Mulheres, de autoria de Conceição Evaristo; literatura afro-brasileira que

destaca o papel da mulher negra na incumbência de transmitir às outras gerações

as experiências vivenciadas pelo seu povo.

Com o filme Mãos Talentosas discutiu-se a questão da valorização do aluno

negro, o bullying na escola e o papel dos professores na intermediação desses

conflitos. O filme também foi trabalhado por professores de outras áreas que

aproveitaram a ocasião para também estarem participando das discussões.

Ao término das atividades os alunos foram relatando o que sentiram com as

questões surgidas no decorrer desse processo sendo penas, vergonha e humilhação

sentimentos destacadas. Muitos disseram que as pessoas precisam se colocar no

lugar do outro que sofre essas situações. Concluíram que muitas ações ainda

precisam ser feitas no âmbito escolar para melhorar as condições de vida das

pessoas (afrodescendentes).

Os professores participantes do grupo de trabalho em rede (GTR) deram uma

contribuição significativa no momento da implementação do projeto colocando as

suas considerações pessoais à cerca da relevância do mesmo.

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Todos foram unânimes em afirmar que o papel da escola e dos professores

juntamente com nossos alunos é reescrever a história do negro buscando fontes e

documentos que comprovem a sua importância no contexto da formação da

sociedade brasileira, sendo fundamental transformar a realidade de injustiças sociais

que sempre dominou a história dos negros no Brasil.

Discutiu-se muito a questão do trabalho com os livros didáticos na sala de

aula, uma vez, que os mesmos retratam o negro quase sempre de forma negativa,

preconceituosa sendo fundamental a intervenção do professor para questionar junto

com os alunos os textos e imagens disponíveis nos livros.

A história da cultura africana é importante e significativa, mas desconhecida

da maioria dos estudantes brasileiros, por isso é de suma importância desenvolver

trabalhos que reforcem a implementação da lei Nº 10.639/03 superando atitudes

discriminatórias e excludentes.

O trabalho nas escolas valorizando o negro como indivíduo garante uma

aprendizagem pautada no respeito e fundamentada na valorização das diversidades.

Visando contemplar um número maior de alunos, os professores podem

montar o seu material de apoio com textos, filmes, imagens, textos jornalísticos,

trechos de novelas, pesquisas, reportagens que fomentem no ambiente escolar,

discussões sobre o tema desprendendo-se do livro didático.

Muitos avanços vêm acontecendo na elaboração dos textos dos livros

didáticos de história que tentam esclarecer para o aluno o verdadeiro papel dos

sujeitos históricos e as transformações feitas pelos mesmos com a passagem do

tempo Hoje, muitos professores e as escolas em si já trabalham diferente as

questões relacionadas ao negro e a escravidão para tentar abolir de dentro da

escola toda atitude discriminatória e preconceituosa tanto relacionada ao negro

como a outros segmentos da nossa sociedade índios mulheres, homossexuais que

muitas vezes passam por situações vexatórias sofrendo humilhações em público

com piadas de mau gosto. Felizmente, diversos autores já veem a questão da

escravidão com olhares diferentes, ou seja, destacando o negro como uma raça

forte e que aos poucos foi conquistando o seu espaço e liberdade.

Combater o racismo e o preconceito não são tarefas exclusivas das escolas,

mas sim de toda sociedade que luta para acabar com as desigualdades surgidas

ao longo do tempo.Valorizar as diferenças é com certeza uma forma de dar a todos

uma oportunidade de uma vida mais digna.

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5 - Considerações finais

O projeto PDE, que trata a questão social do negro no Brasil, da escravidão

aos dias atuais, contribuiu, com certeza, de forma positiva na minha prática como

docente. Foi o momento de leituras, pesquisas, interações e um espaço de pensar

formas diferentes de trabalhar a valorização da cultura negra muitas vezes passada

para o aluno de forma resumida às contribuições na culinária, capoeira, futebol,

samba e algumas palavras presentes no nosso vocabulário.

As discussões surgidas a partir desse projeto levantaram questões

problemáticas em relação às raízes do preconceito racial em nossa sociedade e

quais ações podem ser feitas dentro da escola para superar esses entraves levando

em consideração a diversidade em nosso meio.

A análise do livro didático foi importante para o aluno perceber como esse

grupo muitas vezes é representado de forma negativa e desvalorizado; sendo que

os conteúdos historicamente construídos nos currículos foram questionados durante

a implementação do projeto, uma vez que estes não destacam com clareza a

participação do negro como sujeito histórico importante na construção da sociedade

brasileira.

Partindo desses referenciais novas práticas podem ser adotadas para o

trabalho com esse tema levando em consideração também a diversidade em nossa

escola. Nossos alunos terão sua autoestima valorizada e novas concepções

poderão ser adotadas pautadas principalmente no respeito ao cidadão.

Os resultados obtidos com a implementação do projeto na escola podem ser

considerados positivos e aparecerão em longo prazo, toda vez que os mesmos se

depararem com esse assunto tanto na escola como no seu meio social, podendo

opinar criticamente já demonstrando os conhecimentos adquiridos.

O comportamento dos alunos em relação às atividades propostas foi

significante para a comunidade escolar também programar novas ações visando à

valorização da cultura negra e o respeito aos nossos alunos afrodescendentes e

seus familiares criando atitudes de respeito.

Felizmente, a nova historiografia traz um novo olhar sobre a questão da

escravidão de negros no Brasil e a trajetória desses povos, que não mediram

esforços para mudar a sua condição de escravizado, agenciando assim sua própria

liberdade.

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Referências

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