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13 Capítulo 2 A comunicação matemática O tema “comunicação” tem adquirido progressiva importância no discurso e na prática da educação matemática. Em particular o movimento de reforma no Ensino da Matemática a partir da década de 80 sublinha o carácter bidireccional da experiência educativa, dando relevância a aspectos como as capacidades de interagir, conjecturar, argumentar, partilhar e negociar com os outros as suas próprias ideias (Cockcroft, 1982; NCTM, 1991, 1994), o que requer necessariamente comunicação. A aprendizagem comporta uma partilha/interacção de significados entre os agentes numa situação de comunicação (professor e alunos) de forma que, como nota Barnes (1976), “o que resulta é parcialmente partilhado e parcialmente único para cada um deles” (p. 22). Neste capítulo começo por abordar a comunicação enquanto fenómeno social, discutindo depois de forma mais específica a comunicação na sala de aula e a sua relação com a aprendizagem matemática. Por último, relaciono esta problemática com o papel do professor. 2.1. A comunicação como fenómeno social Surge logo à partida a questão: De que falamos quando falamos de comunicação?

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Capítulo 2

A comunicação matemática

O tema “comunicação” tem adquirido progressiva importância no discurso e na prática

da educação matemática. Em particular o movimento de reforma no Ensino da Matemática a

partir da década de 80 sublinha o carácter bidireccional da experiência educativa, dando

relevância a aspectos como as capacidades de interagir, conjecturar, argumentar, partilhar e

negociar com os outros as suas próprias ideias (Cockcroft, 1982; NCTM, 1991, 1994), o que

requer necessariamente comunicação. A aprendizagem comporta uma partilha/interacção de

significados entre os agentes numa situação de comunicação (professor e alunos) de forma que,

como nota Barnes (1976), “o que resulta é parcialmente partilhado e parcialmente único para

cada um deles” (p. 22).

Neste capítulo começo por abordar a comunicação enquanto fenómeno social,

discutindo depois de forma mais específica a comunicação na sala de aula e a sua relação com

a aprendizagem matemática. Por último, relaciono esta problemática com o papel do professor.

2.1. A comunicação como fenómeno social

Surge logo à partida a questão: De que falamos quando falamos de comunicação?

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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São conhecidas as definições elementares do tipo “mensagem trocada entre um

receptor e um emissor”, acentuando-se, às vezes, “num contexto particular”. A noção de

comunicação como experiência estruturante da pessoa (Mounier, 1960) ou relação existencial

entre indivíduos singulares e concretos (Kierkegaard, 1941) é, contudo, muito mais vasta e de

maior alcance. A sua concretização na relação pedagógica conduz-nos directamente ao método

socrático – a figura paradigmática do mestre aparentemente ignorante, que se limita a despertar

a dúvida e a inquietação, sem impôr um sistema doutrinal, antes estimulando a interacção e o

diálogo.

Foi o existencialismo que tornou a comunicação como uma das questões fundamentais

da filosofia. Karl Jaspers (1953), na senda de Kierkegaard, sustenta que o problema ético (a

questão kantiana “que devo fazer?”) deve ser fundamentado na comunicação. A primeira

pergunta será: “Como é possível a comunicação?” e, depois: “Que formas de comunicação são

viáveis?”, “como se relacionam?”, entre outras. Em particular, Jaspers distingue comunicação

objectiva de comunicação existencial. A primeira abarca tudo o que pode ser conceptualizado

em saber objectivo. A segunda é a comunicação das “profundidades”: uma relação entre

subjectividades concretas que apenas se realiza na liberdade. A comunicação intersubjectiva só

ocorre perante a ausência de coacções. Jaspers (1953) chama-lhe a livre comunicação de

existências.

Uma perspectiva similar encontra-se no personalismo de E. Mounier e G. Marcel onde se

acentua o caracter primitivo, fundador, da experiência comunicativa: “A experiência primitiva é a

da segunda pessoa. O tu e, dentro dele, o nós, precede o eu ou, pelo menos, acompanha”

(Mounier, 1960, p. 59).

A centralidade da experiência comunicativa na construção pessoal é assim enfatizada

por importantes escolas filosóficas. J. Habermas, pelo seu lado, sublinha a importância do nível

social, em particular, naquilo a que chamou a teoria do agir comunicativo. Trata-se de uma

explicação da racionalidade do agir social, isto é, da organização da sociedade com base na

coordenação das acções dos seus membros. Estas acções são legitimadas por consensos

obtidos através da argumentação racional entre sujeitos que partilham análogas condições de

vida e um mesmo universo de valores (a que chama “o mundo da vida”).

Ao qualificar com o adjectivo comunicativo o conceito de agir social, Habermas (1970,

1989) acentua os seguintes aspectos:

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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A importância do processo de interacção: outros modelos do agir social enfatizam, por exemplo, a busca de um objectivo ou a conformidade a normas. A comunicação, torna possível o entendimento, a negociação de consensos sociais, a coordenação do agir e adquire, assim, um maior relevo na análise social.

A importância do contexto em que essa interacção se realiza (o tal “mundo da vida”) e perante o qual os sujeitos se encontram num duplo papel: produtos desse referente cultural, são também agentes capazes de nele agir e o modificar.

O papel mediador da linguagem como instrumento de comunicação e potencialidade de emancipação dos sujeitos.

Deste modo, existe uma multiplicidade de significados (e definições) para o fenómeno da

comunicação. Definições que englobam tanto a visão esquemática da comunicação como a

troca de mensagens, como perspectivas mais complexas que, ao conteúdo da informação,

associam ainda a dinâmica da interacção e as influências mútuas entre os sujeitos envolvidos.

Thayer (1979), por exemplo, encara a comunicação como um processo vital, “através do qual

indivíduos e organizações se relacionam uns com os outros, influenciando-se mutuamente” (p.

35).

No presente trabalho, adopto uma definição próxima da acima referida, considerando

comunicação como um processo social onde os participantes interagem trocando informações e

influenciando-se mutuamente. Esta definição é suficientemente abrangente para incluir no

estudo da comunicação na sala de aula dois aspectos essenciais identificados na literatura

(Ponte, Boavida, Graça & Abrantes, 1997; Ponte & Serrazina, 2000):

A interacção continuada entre os intervenientes na sala de aula (que é especificamente designada por comunicação por estes autores);

A negociação de significados enquanto modo como esses intervenientes partilham entre si as formas como encaram os conceitos e processos, os fazem evoluir e ajustar ao conhecimento configurado pelo currículo.

Torna-se, assim, particularmente relevante considerar três aspectos na análise do

processo comunicativo (Silva, 1998): (i) a informação que configura o seu objecto e a construção

dos discursos pessoais e colectivos que lhe estão associados; (ii) a interacção que constitui a

sua dinâmica; e (iii) a influência que traduz a sua efectividade e comporta sempre uma

componente de negociação de significados.

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Em primeiro lugar, o processo de comunicação supõe sempre uma troca de informação

(Antão, 1993), isto é, de mensagens (verbais ou não verbais) de um emissor para um receptor

utilizando determinados códigos comuns (Jakobson, 1973). Por exemplo, na Psicolinguística a

comunicação é vista como um intercâmbio de mensagens informativas, analisando-se

principalmente a actuação dos intervenientes sobre os significados. Assim, as características

pessoais dos intervenientes, os seus modos de percepção, as formas como processam

informação, as expressões mais utilizadas, são consideradas muito relevantes. Num contexto

diferente, o da semiótica, outros aspectos são destacados. Por exemplo, ao colocar a

comunicação exclusivamente ao nível do signo, esta torna-se num objecto, independente do

contexto, dos intervenientes e da relação entre eles estabelecida. No entanto, por si só, esta

visão é limitada. Como nota Moisés Martins (2002), numa obra onde propõe uma visão social da

semiótica, proceder assim “é isolá-la e fixá-la como mera representação, como dizer que nada

faz” (p. 24).

Em segundo lugar, a interacção entre os intervenientes emerge como um outro elemento

fundamental na caracterização do processo comunicativo (Watzlawick, Beavin & Jackson, 1993).

A interacção é a dinâmica desse processo, envolvendo dois ou mais sujeitos em graus

eventualmente distintos. Esta componente de interacção é sempre bilateral mesmo quando

existe uma hierarquização entre os intervenientes. Se algo é transmitido, é-o num contexto de

relação. A comunicação só é possível se há uma partilha de conhecimento (Stubbs, 1983), se se

constrói uma “comunidade” (Schramm, 1960, citado em Silva, 1998). A componente interactiva

está, de resto, subjacente à própria etimologia da palavra comunicar (“tornar comum”). Com

esta partilha estabelecem-se laços sociais com os parceiros da comunidade (Almiro, 1997). Por

exemplo, a Psicossociologia, mais propriamente a teoria do interaccionismo simbólico, sublinha

que para que se estabeleça a comunicação é fundamental a existência de uma efectiva partilha

de significados entre os indivíduos de uma sociedade (Blumer, 1969; Mead, 1934).

Finalmente, em terceiro lugar, é preciso considerar a influência, exercida sobre o

receptor (Diéguez, 1985; Sarramona, 1987; Titone, 1981). Segundo Sarramona (1987), a

comunicação só ocorre quando o receptor interioriza significativamente a informação. Se o

receptor não lhe atribui qualquer significado, apenas se pode falar em transmissão. Esta

atribuição de significados por parte do receptor, pressupõe uma reacção deste. Reacção que é

ela própria um processo envolvendo uma negociação semântica mais ou menos complexa e que

tem sido objecto de numerosos estudos em educação. Só nesse sentido, provoca uma mudança

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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e configura uma influência.; “a mudança é a essência da comunicação” (Bitti & Zani, 1997, p.

237). O grau de influência pode variar com o tipo de situações comunicacionais bem como com

o tipo de relação estabelecida pelo receptor com essas situações.

2.2. Comunicação na sala de aula

Um modo de abordar a temática desta secção consiste em retomar os três elementos

atrás referidos como base do processo comunicativo – informação, interacção e influência –

quando este se particulariza no contexto da sala de aula. Nele intervém o professor e o aluno,

este último tanto a nível estritamente pessoal como colectivo (seja como grupo, seja como

turma).

O professor assume usualmente um papel de forte intervenção. A planificação, a

necessidade de tomar decisões, a coordenação do desenrolar da aula, a escolha das

metodologias seguidas e da própria forma como a turma se organiza, são responsabilidades

assumidas, na generalidade das aulas, pelo professor. Representante de uma comunidade

científica, o professor deve, além disso, concretizar um programa estabelecido pelo Ministério da

Educação, procurando seguir as respectivas orientações curriculares nas vertentes científica e

pedagógica. O professor é o responsável por tudo aquilo que ocorre ao longo das suas aulas. O

peso dessa responsabilidade, juntamente com os múltiplos factores envolvidos em cada aula,

forma a complexidade do processo de ensino.

Também o aluno transporta para a sala de aula, de forma directa ou indirecta, as suas

vivências anteriores. A partir delas ou, por vezes, apesar delas, espera-se do aluno que aprenda

e cresça cognitiva, afectiva e socialmente através das experiências que a escola lhe proporciona.

Isto envolve um longo processo comunicativo. Enquanto agente nesse processo, o aluno pode

ser tomado individualmente ou no contexto mais geral do grupo de trabalho ou da turma. A

entidade grupo surge quando a turma se subdivide e a conjuntos, geralmente pequenos, de

alunos são atribuídas determinadas tarefas. Nestes casos há uma intencionalidade associada

que a distingue do ‘falso grupo’, isto é, de situações em que os alunos estão fisicamente

agrupados mas a trabalhar individualmente. Por fim, a turma, é o conjunto de todos os alunos

que partilham a mesma sala de aula e que permanecem juntos ao longo de todo o ano lectivo. A

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turma tem um crescimento próprio, hábitos adquiridos, relações estabelecidas e aprendizagens

conjuntas, pelo que deve ser olhada como uma unidade a ter em conta quando se analisa a

comunicação na sala de aula.

Informação

O conteúdo informativo subjacente ao processo comunicativo na sala de aula está, como

seria de esperar, intrinsecamente associado aos objectivos curriculares de aprendizagem na

disciplina, mas não se esgota nestes. Inclui, ainda, por exemplo, elementos de ordem social e

cívica que são transmitidos, ou estimulados, de forma mais ou menos efectiva em cada caso.

A análise do conteúdo informativo procede essencialmente pelo estudo dos discursos

que, com diferentes pesos, se entrecruzam na sala de aula, e das condições da sua produção. O

termo discurso pode ser entendido tanto como o resultado de múltiplos actos de fala no interior

de um determinado contexto, como, numa perspectiva mais dinâmica, não raro fragmentária, de

um suporte linguístico que o traduz. As duas acepções estão presentes quando se fala, por

exemplo, do discurso matemático, do discurso amoroso ou do discurso da sala de aula,

enquanto emergências de uma comunidade científica, de uma condição sócio-afectiva ou de um

contexto organizacional ou educativo.

Em educação, por exemplo o National Council of Teacher of Mathematics (NCTM, 1994)

inclui no discurso da aula todas as “formas de representar, falar, pensar, concordar ou

discordar” usados por professor e alunos, “englobando tanto a forma como as ideias são

trocadas como aquilo que elas veiculam” (p. 36). A análise do discurso na sala de aula constitui

por si só um tópico de investigação muito rico não apenas para compreender os processos de

construção de significados (Cobb, Yackel & McClain, 2000) como para recolher informação

sobre, por exemplo, as concepções dos professores e o modo como elas influenciam o processo

de ensino-aprendizagem (Menezes, 1997; Wood, 1995). Para além disso, a recepção de

mensagens ao longo de um processo comunicativo traduz-se essencialmente na apropriação de

um discurso, apropriação que comporta, de resto, uma re-elaboração pessoal, uma vez que ela

nunca é independente do sujeito (Ling, Chang-Wells & Wells, 1993). Esse processo comunicativo

desenvolve-se em múltiplas direcções. Na verdade, na sala de aula coexistem diferentes registos

discursivos, que revelam uma multiplicidade de aspectos do seu ambiente e cultura (Lampert,

1990).

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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Diversos autores têm-se debruçado sobre este tópico que, contudo, na comunidade de

educação matemática em Portugal é ainda relativamente recente. Menezes (1997) assinala, por

exemplo, a dificuldade que a tradução do termo discurso provocou há década e meia atrás na

elaboração da versão portuguesa dos Professional Standards for Teaching Mathematics do

NCTM (1991).

Nos trabalhos que se dedicam ao discurso, destacam-se vários aspectos. Um deles é o

estudo das condições de produção do discurso na sala de aula, que, como em qualquer outro

processo comunicativo, depende essencialmente daquilo que cada um transporta para a aula

(Green, 1983). Por exemplo, da parte do aluno, têm um papel fundamental os conhecimentos

prévios, as competências, valores, normas, hábitos e expectativas. Da parte do professor, para

além de todos os aspectos referidos em relação aos alunos, tem particular relevância o

conhecimento nos vários domínios que o seu desempenho profissional exige. Outros elementos

interferem no tipo de discursos praticados, ou complementam-nos. Entre eles, encontram-se os

materiais utilizados, a estrutura social e académica, o currículo, os horários, o número de alunos

por turma bem como a posição social e cultural dos alunos (Green, Weade & Grahan, 1988;

Pedro, 1992). Em particular, o contexto social é um factor sublinhado por vários autores como

determinante no comportamento dos alunos a nível da comunicação (O’Connor, 1998; Stubbs,

1987; Zevenbergen, 2001), e que, como é sabido, resulta em adaptações diferentes ao

ambiente da sala de aula.

Um segundo aspecto é a análise do papel do professor. Vários trabalhos de investigação

sublinham o papel dominante do professor na estruturação do discurso produzido na aula

(Ainley, 1988; Castro, 1991; Lampert & Cobb, 2003; Menezes, 1995; Pedro, 1992; Pereira,

1991; Pimm, 1987; Wood, 1999). Em particular, este predomínio reflecte-se no espaço e na

produção de linguagem (Pedro, 1992), no controlo sobre a “organização”, “andamento” e

“ritmo” (Castro, 1991) e no controlo das trocas verbais da aula (Pimm, 1987).

Um terceiro aspecto, que constitui um campo particular do anterior, é o papel das

perguntas do professor na estruturação do discurso. Regra geral, os professores valorizam as

perguntas, reconhecendo-lhes um papel importante na medida em que estimulam a

participação, permitem ter os alunos mais concentrados, controlam determinados

comportamentos pouco adequados, ajudam o professor a clarificar o discurso e orientam os

alunos no caminho pretendido (Pedro, 1992; Pereira, 1991). De facto, como Ainley (1988)

conclui a partir de uma investigação realizada em torno do discurso do professor, este fala a

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maior parte do período da aula e fá-lo sobretudo através de questões. Alguns estudos debruçam-

se particularmente sobre o tipo de questões colocadas pelo professor ao longo das aulas. Por

exemplo, Love e Mason (1995) dividem as questões colocadas na sala de aula, em três tipos:

perguntas de focalização, de confirmação e de inquirição. Ao fazer perguntas de focalização, o

professor tem como objectivo centrar a atenção do aluno num aspecto específico. Com as

perguntas de confirmação, por outro lado, procura testar os conhecimentos dos alunos. Regra

geral, o professor sabe exactamente a resposta que quer ouvir, bem como onde quer chegar

com as perguntas. As perguntas de confirmação, muito comuns, que induzem respostas

imediatas e únicas, são encaradas pelo professor como naturais quando se pretende que o

aluno resolva apenas exercícios rotineiros (Menezes, 1995). Por último, as perguntas de

inquirição podem ser classificadas de verdadeiras perguntas no sentido em que o professor ao

colocá-las pretende obter, de facto, alguma informação por parte do aluno. Não raro estas

perguntas são pouco frequentes ou mesmo inexistentes (Martinho & Ponte, 2005a). De facto,

muitas vezes as perguntas constituem apenas uma forma de retórica utilizada pelo professor. As

respostas dos alunos tornam-se um complemento ao discurso do professor e praticamente nada

revelam sobre o discurso do aluno dada a sua brevidade e fragmentação.

Por fim, um outro aspecto é o modo como o discurso revela a apropriação da linguagem

específica de cada domínio de saber pelo aluno (Lehrer, Schauble, Carpenter & Penner, 2000),

por exemplo, a apropriação da notação simbólica em Matemática. Certos autores, como Hersh

(1986, citado em Yackel, 2000), tendem a remeter o papel da notação para o lado instrumental

– “O trabalho de Matemática é um trabalho com ideias. Os símbolos são usados como auxiliares

do pensamento tal como as partituras são usadas como auxiliares para a música. A música vem

primeiro, a partitura vem depois” (p.1). Outros autores, porém, como Sfard (2000), sustentam

que essa separação entre pensamento e expressão simbólica é artificial em discursos como o

matemático, que são circulares por criarem os seus próprios objectos. A autora dá exemplos (os

conceitos de forma e de número complexo) em que símbolos foram introduzidos inicialmente

para permitir representar e manipular noções ambiguamente definidas, tendo os significados

evoluído em parte pela própria dinâmica criada pelo discurso simbólico.

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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Interacção

Defino atrás a interacção como a dinâmica do processo comunicativo. A sua

classificação e análise é, pois, muito relevante no estudo da comunicação na sala de aula, o que

é confirmado por numerosos estudos que lhe são dedicados (ver, por exemplo, Brendefur &

Frykholm, 2000; Cobb, 1995; Voigt, 1995; Wood, 1995, 1998).

Podem-se adoptar diferentes grelhas para caracterizar as interacções na sala de aula.

Uma possibilidade será cruzar os diferentes intervenientes e considerar todos os pares

emergentes, isto é, interacção entre professor-aluno, professor-grupo, professor-turma, aluno-

aluno, aluno-grupo, aluno-turma, grupo-turma, bem como os seus simétricos. Uma vez, porém,

que o presente estudo parte do princípio de que o cerne das questões que se colocam em

Educação Matemática passa essencialmente pelo professor, destaco a tipificação das

interacções na sala de aula relativamente ao lugar que nelas o professor assume. Assim,

distingo: (i) as interacções em que o professor assume claramente um papel estruturador (por

exemplo, na condução de um diálogo com a turma); e (ii) as interacções em que esse papel é

essencialmente referencial (por exemplo, no acompanhamento esporádico de um trabalho de

grupo).

Interacção em que o professor é estruturante. Este tipo de interacção é largamente

dominante na prática escolar e muito valorizada na nossa tradição de ensino. Tipicamente, tende

a seguir uma estrutura hierárquica padronizada (Bellack, Kliebard, Hyman & Smith, 1966;

Castro, 1991; Menezes, 1995). Por exemplo, Lampert e Cobb (2003) referem um padrão cíclico,

típico de interacção na sala de aula, onde o professor demonstra os procedimentos, coloca as

questões ou problemas (frequentemente retirados do manual adoptado), aguarda as respostas

dos alunos, julga-as e retoma o ensino. Rittenhouse (1998) apresenta a mesma leitura da aula

usual, sublinhando que os alunos se limitam a ouvir as explicações do professor, como meros

receptores passivos do conhecimento.

Associado ao padrão cíclico de aula apresentado por Lampert e Cobb (2003), surge uma

interacção paradigmática, a sequência triádica ou ‘diálogo triádico’ segundo a denominação de

Lemke (1985) ou ainda, a fala de ‘sanduíche’ na denominação de Stubbs (1987) que pretende

traduzir o facto de a fala do aluno se encontrar habitualmente entre duas falas do professor. A

sequência triádica é constituída por três momentos: Iniciação (I), Resposta (R), Avaliação

(A)/Seguimento (S) (evaluation/feedback/follow-up). Wells (1999), considera que a sequência I-

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R-S (seguimento, no sentido de follow-up), por alternativa à sequência I-R-A, tem uma maior

potencialidade, na medida em que não enfatiza apenas uma avaliação, ou mesmo um feedback,

mas proporciona um incentivo, uma provocação para que os alunos prossigam nos seus

raciocínios, justificações e argumentações. Sinclair e Coulthard (1975) identificam a sequência I-

R-A como um modo de interacção tomado por defeito, enquanto o professor não encontra uma

boa razão para o não usar. Por outro lado, a sequência triádica pode ser justificada como forma

de orientar as aprendizagens e conduzir o conhecimento e as compreensões dos alunos (Mercer,

1992), permitindo ao professor “manter o controlo do discurso, mas também contornar ou

ignorar determinadas respostas” (Pimm, 1987, p. 64). O professor pode justificar esta

diferenciação no que respeita às contribuições dos alunos, do ponto de vista científico. No

entanto, ao fazê-lo transmite-lhes a ideia implícita de que certos pensamentos, raciocínios ou

processos são mais válidos do que outros (Lampert & Cobb, 2003). Além disso, existe uma

crença por parte dos professores que através da sequência triádica podem envolver mais alunos

(Lemke, 1990), apesar desta participação se limitar a respostas muito curtas e por solicitação do

professor, traduzindo-se numa participação alta em quantidade e baixa em qualidade. Na

sequência triádica, tanto o papel da iniciação como o da conclusão cabem habitualmente ao

professor.

Este tipo de situações leva a que se enfatize a existência de uma autoridade na sala de

aula (Alrø & Skovsmose, 2002). O professor tem o controlo sobre os acontecimentos. Há assim

uma relação assimétrica entre alunos e professor. Alrø e Skovsmose atribuem mesmo um nome

a este tipo de aula onde se encontra frequentemente o padrão de comunicação em sanduíche:

“aula absolutista”. Esta aula parte do princípio que existe uma verdade absoluta e que o

professor precisa de a respeitar e transmitir corrigindo para isso os erros e ensinando os

caminhos mais indicados.

Um figurino habitual da aula consiste na sua organização em três fases: introdução,

trabalho e conclusão/revisão (Mehan, 1982). É na fase de introdução que se verifica mais

acentuadamente o controlo do professor, recorrendo para isso à sequência triádica (Mehan,

1979; Zevenbergen, 2001). Quando os alunos são encorajados a colocar questões, estes podem

progressivamente assumir algum controlo (Wood, 1999). No entanto, as questões colocadas

pelos alunos têm lugar habitualmente na fase de trabalho e correspondem essencialmente a

questões de dúvidas. De facto, faz parte da cultura de uma boa parte das salas de aula, mesmo

que não se trate de uma norma explícita, que determinadas questões colocadas na primeira fase

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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podem interromper o fluxo desta (Lemke, 1990). Os alunos que presenciam uma sequência de

aulas com esta estrutura, reconhecem no professor uma autoridade mais notória nas fases de

introdução e conclusão mas patente em todas as fases. Na fase intermédia, têm muitas vezes

presentes outras autoridades, tal como o manual e as respectivas soluções (Alrø & Skovsmose,

2002) ou ainda alguns colegas com um desempenho considerado melhor por eles e pelo

professor.

As interacções professor-alunos/turma podem variar muito consoante o tipo de aula.

Numa aula que não se limite à exposição de matéria ou à resolução de exercícios mas que

envolva, por exemplo, a resposta a questões abertas ou a exploração de situações, o professor

tende a assumir um papel de coordenador e não de controlador (Almiro, 1997; Ponte, Oliveira,

Cunha & Segurado, 1998). A pergunta feita pelo professor pode tornar-se muito relevante no

desempenho deste papel. De facto, a colocação de perguntas pode conduzir ao desenvolvimento

de capacidades de comunicação e de raciocínio (Barrody, 1993; Menezes, 1995). No entanto,

haver perguntas, por si só não é suficiente. Se o professor é o único a colocar questões e as

respostas pretendidas são breves e precisas, podemos estar perante apenas um estilo de

retórica que, no essencial, não se diferencia muito da aula tradicional. Além disso, o modo como

as perguntas são colocadas é fundamental. Por exemplo, o simples facto de estas serem

colocadas pelo professor no início de um processo de interacção só por si já condiciona o

comportamento subsequente dos alunos (Brown, 1997).

Voigt (1995) identifica dois padrões de interacção entre professor e alunos que ocorrem

na sala de aula – a elicitação e a discussão. Relativamente ao padrão de elicitação, Voigt

distingue três fases: a proposta de tarefa pelo professor e sua resolução pelos alunos, o

questionamento conduzido pelo professor e, por fim, a reflexão e avaliação. Na primeira fase, o

professor procura saber o que é que os alunos fizeram na resolução da tarefa. Na segunda fase,

se as respostas forem divergentes, o professor questiona os alunos no sentido de os conduzir à

resposta que tem em mente. Por fim, o professor encoraja os alunos a reflectir. Voigt refere que

este padrão é recorrente nas salas de aula usuais apesar de nessas aulas a terceira fase, a

reflexão, não ter praticamente lugar.

Quanto ao padrão de discussão, Voigt (1995) aponta quatro fases: resolução de um problema,

apresentação e explicação, e duas fases de questionamento. A resolução do problema é

normalmente feita em pequeno grupo e os alunos apresentam e explicam o processo de

resolução a toda a turma sem que o professor tenha tido a preocupação de saber

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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antecipadamente qual a solução a que eles chegaram. Na primeira fase de discussão o

professor questiona os alunos no sentido destes esclarecerem melhor determinados aspectos

que considera relevantes. Por fim, segue-se uma última fase onde o professor questiona os

restantes alunos sobre a existência ou não de diferentes resoluções. As diferenças essenciais

destes dois padrões estão descritas na Tabela 2.1. Voigt concluiu que, por defeito, o professor

recorre ao padrão de elicitação, em particular quando ocorrem situações em que há divergência

nas soluções apresentadas.

Tabela 2.1. Diferenças essenciais entre os padrões de elicitação e discussão

Padrão de elicitação Padrão de discussão

A solução é o principal objectivo. A solução é o ponto de partida para uma explicação.

Os alunos para participar têm que seguir o caminho do professor resolvendo passo-a-passo.

Os alunos participam com as suas argumentações e contribuições originais.

As competências dos alunos tornam-se ocultas.

As competências dos alunos tornam-se públicas.

Os alunos são bem sucedidos na sua participação se aprendem a resolver problemas tal como o professor pretende.

Os alunos têm oportunidade de aprender como argumentar matematicamente.

Paralelamente, Wood (1995, 1998) refere-se a outros padrões de interacção – funil e

focagem. No padrão de funil o professor coloca questões, cuja resposta já conhece, com o

objectivo de verificar o conhecimento dos alunos. No caso da resposta do aluno não

corresponder à esperada, o professor ajuda-o passo-a-passo a chegar à resposta pretendida.

Este padrão tem início com o erro de um aluno ao qual se segue um conjunto de questões que

conduzem a respostas breves e pouco exigentes em termos de raciocínio (Wood, 1998).

Por outro lado, o padrão de focagem, corresponde a uma colocação do centro de

atenção, o foco, num ponto crítico. Por exemplo, o foco pode ser colocado sobre um

determinado aspecto que não foi compreendido por alguns alunos ou um aspecto difícil, sendo

por vezes necessário voltar atrás na discussão. Neste caso, a discussão na sala de aula é

orientada para um caminho que o professor considera relevante. Procura, em particular,

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

25

envolver os outros, tentando constantemente, através de questões, que os alunos clarifiquem os

seus raciocínios (Wood, 1998).

Wood (1995) considera que apesar de ambos os padrões terem em conta a colocação

por parte do professor de uma série de questões dirigidas no sentido que este considera

relevante, no padrão de focagem não se trata da procura da resposta correcta mas

essencialmente de centrar a atenção num aspecto específico importante que pode ajudar os

alunos a procurarem eles próprios a resposta ao problema em mãos. De certa forma os padrões

de funil e de focagem referidos por Wood são semelhantes às fases de questionamento dos

padrões apresentados por Voigt (1995), de elicitação e discussão.

Wood (1998) refere que no padrão de focagem a igualdade no diálogo, entre o professor

e os alunos, é conseguida e as ideias são respeitadas e valorizadas mutuamente. Associa assim

os padrões de funil e de focagem a uma comunicação unívocal e dialógica, respectivamente.

Peressini e Knuth (1998) apontam para o padrão univocal e o dialógico com funções distintas.

Por um lado, o padrão univocal tem como objetivo principal e quase exclusivo a passagem de

informação, por outro lado, o dialógico constitui um apoio do pensamento no sentido de dar

significado, através da interacção.

Brendefur e Frykholm (2000) apresentam uma partição ainda mais estreita, dividindo

cada um dos padrões de elicitação e discussão em dois níveis. Assim, introduzem um modelo de

quatro níveis de comunicação na sala de aula: uni-direccional, contributiva, reflexiva e instrutiva.

A cada um destes níveis de comunicação está subjacente um determinado padrão de interacção.

Relativamente ao padrão uni-direccional, o mais comum, o professor fala quase sempre

só, coloca questões fechadas e não dá oportunidade aos alunos para exprimirem as suas ideias,

estratégias ou pensamentos. No padrão contributivo já se verifica alguma partilha de ideias,

soluções e estratégias embora sem grande exigência cognitiva. As interacções entre alunos são

aqui mais comuns. Quanto ao padrão reflexivo, para além da partilha, são estabelecidas

conversas em torno dos conteúdos e dos próprios discursos. As diferentes falas são utilizadas

como apoio para novas e mais profundas explorações. As reflexões não surgem de forma

espontânea por parte do aluno mas são proporcionadas pela participação na construção do

discurso da aula. Por fim, no padrão instrutivo, o professor para além de encorajar a reflexão,

procura modificar as compreensões matemáticas dos alunos bem como a sua própria prática. O

facto de o pensamento do aluno se tornar público, torna o professor consciente dos processos

de pensamento, limitações e capacidades dos alunos e isso afecta a sua própria prática. A

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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capacidade de potenciar esta reflexão sobre a prática pode levar mesmo à sua mudança, o que

torna este tipo de comunicação muito poderoso.

Brendefur e Frykholm (2000) apresentam estes diferentes níveis como inclusivos e como

etapas progressivas ao nível da comunicação na sala de aula. Numa aula em que os alunos

ainda não são capazes, ou não têm oportunidade, de partilhar ideias com os colegas e professor

não é possível que a comunicação seja reflexiva. É necessário que a comunicação tenha atingido

um determinado nível para que depois, com mais algum esforço, passe para o nível seguinte.

Por exemplo, a comunicação instrutiva só é conseguida através de muitas experiências de

conversações na sala de aula onde a reflexão é uma constante.

Outro autor, Loska (1998) apresenta um método de ensino, que denomina

neo-socrático, em alternativa ao denominado método socrático. O autor aponta falhas e

limitações no método socrático, sublinhando que este se limita a uma relação um-a-um de

professor para aluno; que as questões colocadas são essencialmente do tipo sim-não ou de

resposta breve; que o papel atribuído ao aluno é seguir o raciocínio do professor e revelar que o

faz respondendo a uma sequência precisa de perguntas que lhe são colocadas. Em oposição, o

método neo-socrático procura abranger um conjunto alargado de alunos e reformula o papel

atribuído ao professor. Assim, sustenta que não cabe ao professor emitir juízos de valor sobre as

afirmações dos alunos podendo, no entanto, trazer contribuições acerca dos assuntos em

análise, procurar que não haja dispersão e sublinhar aspectos que surjam entre os alunos e que

pretende que sejam retomados e aprofundados. O aluno tem, assim, a responsabilidade pelo

desenvolvimento de ideias e explicações ao longo das aulas.

Associados a estes dois métodos de ensino, Loska (1998) apresenta dois tipos de

discussões que podem ocorrer na sala de aula a que chama de comum e natural. Na discussão

comum (associada ao método socrático) o professor organiza a aula de forma linear, fazendo

com que os alunos sigam um certo caminho previamente pensado. Formula sequências de

questões, pergunta-resposta. Ao longo da aula, aceita as contribuições dos alunos se estas se

ajustarem ao plano traçado. Na discussão natural (associada ao método neo-socrático) o

professor, apesar de ter pensada uma sequência de pequenos passos, não tenta que as ideias

surjam por uma determinada ordem. Procura desenvolver uma discussão aberta que pode

seguir diferentes caminhos e levar a diferentes pontos. O modo como se gere o tempo não é

muito previsível numa aula deste tipo.

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

27

Schwarz, Dreyfus, Hadas e Hershkowitz (2004) apresentam diferentes tipos de diálogo

que se podem estabelecer na sala de aula. Assim, apresentam o diálogo básico, prospectivo,

crítico, reflexivo e de conferência, baseados nas categorias de fala de sala de aula apresentadas

por Mercer (1995, citado em Schwarz et al., 2004). Os autores consideram que o conceito de

diálogo está associado ao de compromisso e nesse sentido, cada tipo de diálogo tem associado

um determinado compromisso. No diálogo básico os participantes procuram estabelecer um

conhecimento comum. O professor apresenta um tópico e procura saber se os alunos

aprenderam o suficiente. O professor orienta os alunos e preocupa-se com a consolidação dos

conhecimentos e a criação de âncoras. No diálogo prospectivo o professor procura preparar os

alunos para a aprendizagem, estabelecendo apenas um ponto de vista inicial, clarificando o

problema sem recorrer a intervenções muito elaboradas e encorajando os alunos a participar. No

diálogo crítico, a preocupação dos participantes é compreender diferentes pontos de vista:

elaboram e desenvolvem novas ideias, desafiam, argumentam e refutam os pontos de vista dos

outros. O professor encoraja a participação de todos no sentido de levantarem hipóteses,

testarem, elaborarem e argumentarem na construção do conhecimento. No diálogo reflexivo os

participantes procuram integrar e generalizar argumentos aceites. Recapitulam e elaboram

conclusões sobre as acções realizadas preocupando-se mais com o processo do que com os

resultados obtidos. A preocupação por recapitular e avaliar as experiências realizadas está muito

presente. Por último, no diálogo conferência, está presente o compromisso com a transmissão

de conhecimento. O professor prepara e apresenta a aula como se de uma conferência se

tratasse. Como alternativa, pode tratar-se da leitura de um texto em que o professor coloca

questões previamente preparadas. Há uma preocupação constante com a clarificação e

exposição dos conteúdos.

A combinação destes diferentes diálogos na sala de aula é um desafio colocado

diariamente aos professores. Schwarz et al. (2004) consideram, em particular, que não é fácil a

implementação de métodos argumentativos e, por isso, usualmente os professores recorrem

com mais frequência aos métodos básico e prospectivo. O envolvimento activo do professor na

argumentação, procurando desenvolver a pesquisa para sustentar a discussão, estimulando o

envolvimento de todos os alunos e questionando-os para clarificarem e fundamentarem

convenientemente os argumentos utilizados, contribui para o desenvolvimento do diálogo crítico

na sala de aula. Por outro lado, ao ajudar os alunos a reflectir sobre o que fazem, leva-os a

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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abstrair o conhecimento previamente construído durante o diálogo crítico. Assim, os autores

apontam para a importância da combinação entre os diálogos crítico e reflexivo na sala de aula.

Vários são os autores que estabelecem níveis e padrões de interacção e de

comunicação. Alguns deles foram sendo referidos acima a propósito das interacções na sala de

aula. Apresento de seguida um quadro integrador das diferentes classificações que referi até

agora (Tabela 2.2). Os diferentes autores, apesar de lerem a realidade da sala de aula segundo

perspectivas diferentes, sublinham determinados aspectos comuns como especialmente

relevantes.

Tabela 2.2. Diferentes classificações de padrões de interacção, entre professores e alunos, presentes na sala de aula

Autores Padrões comuns na sala de aula e padrões adoptados por defeito

Padrões valorizados como mais apropriados para a sala de aula

Voigt (1995) Padrão de elicitação Padrão de discussão

Wood (1995, 1998) Padrão de funil Padrão de focagem

Peressini e Knuth (1998) Univocal Dialógico

Brendefur e Frykholm (2000) Padrão uni-direccional

Padrão contributivo

Padrão reflexivo

Padrão instrutivo

Alrø e Skovsmose (2002) Aula absolutista Aula dialógica

Loska (1998) Discussão comum

(método socrático)

Discussão natural

(método neo-socrático)

Schwarz, Dreyfus, Hadas e Hershkowitz (2004)

Diálogo básico

Diálogo prospectivo

Diálogo conferência

Diálogo crítico

Diálogo reflexivo

Interacção em que o professor é referencial. Este tipo de interacção na sala de aula

ocorre essencialmente quando os alunos, tipicamente em grupo, estão dedicados à realização

de determinadas tarefas durante as quais a presença do professor é tendencialmente discreta. O

professor circula pela sala, esclarece dúvidas, levanta questões, isto é, de uma forma geral o seu

papel é o de criar condições para a realização das tarefas em curso e acompanhar, com maior

ou menor intencionalidade, o seu ritmo. O papel do professor neste tipo de interacção,

continuando a ser muito importante, é o de um referencial no duplo sentido de fornecer um

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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meio para as interacções mais directas entre os alunos e de representar a comunidade

científica, constituindo uma fonte de legitimação que embora implícita nem por isso deixa de

marcar todo o desenvolvimento das interacções em presença.

Esse papel é, porém, dependente do próprio modo como o professor encara o

desenvolvimento das tarefas em curso, em particular as ligadas ao trabalho de grupo. De facto,

por vezes, o professor olha para o trabalho de grupo apenas como uma forma de dispor os

alunos na sala de aula, para que se ajudem mutuamente e dessa forma contornar o tempo

limitado das aulas (Blunk, 1998). Isso é sobretudo comum no trabalho de pequenos grupos,

particularmente de dois alunos que se encontram sentados na mesma mesa. Nesse caso, o

propósito da criação de grupos não é o trabalho em si mas uma forma de contornar uma

situação como a falta de tempo ou, por exemplo, o número limitado de materiais. Blunk (1998)

reconhece que em muitas salas de aula, o trabalho feito em grupo é menorizado relativamente

ao trabalho individual, quer pelos alunos quer pelo professor. Esta mesma autora sublinha que é

necessário que o professor reconheça o trabalho de grupo como importante em si mesmo e que

o exprima perante a turma e cada grupo. Assim, refere que o professor pode ajudar ao

desenvolvimento da capacidade de trabalho conjunto segundo duas vertentes: aspectos

cognitivos (falar sobre o trabalho realizado e discutir os resultados e conclusões do grupo) e

aspectos sociais (falar sobre a forma como decorre o trabalho).

Uma dificuldade enfrentada pelo professor em aulas de trabalho de grupo é o

desconhecimento daquilo que cada grupo faz na sua ausência. Muitas vezes essa dificuldade

prende-se com o facto de certos professores verem o trabalho feito na sua presença como mais

válido do que o trabalho realizado na sua ausência (Blunk, 1998). No entanto, outros

professores valorizam mais aquilo que os alunos são capazes de fazer sem qualquer supervisão

na medida em que isso é revelador das suas capacidades. Associado a esta atitude diferenciada

estão as expectativas que o professor tem das capacidades dos seus alunos.

O facto do professor não participar na maioria das interacções estabelecidas dentro do

grupo tem diversas potencialidades. Não lhe compete oferecer respostas ao grupo mas apenas

questioná-lo e desafiá-lo (Blunk, 1998), e como não é totalmente conhecedor do que se passa no

grupo, torna-se mais fácil a colocação de verdadeiras questões de inquirição, segundo a

denominação de Love e Mason (1995). O professor pode aproveitar também esses momentos

para se aperceber se o grupo está a trabalhar como grupo, isto é, se todos partilham as suas

ideias, se se ouvem mutuamente, se são capazes de gerir os desacordos, se o ambiente é

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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saudável e se cada um se preocupa com os colegas. Por outro lado, o facto dos alunos

trabalharem sem o acompanhamento permanente do professor, potencia o desenvolvimento da

autonomia do grupo. Segundo Abele (1998) a discussão entre os alunos sem a intervenção do

professor leva, por vezes, a uma melhor e mais rápida compreensão dos conceitos.

Da parte do grupo o professor é muitas vezes visto como autoridade. Para os alunos o

papel do professor quando interage com eles não é o de partilhar ideias, mas sim o de

responder às questões que eles colocam (Blunk, 1998). No entanto, o papel do professor no

desenvolvimento da autonomia do grupo é fundamental e as oportunidades de interacção

professor-grupo podem ser privilegiadas.

Detalhemos, pois, um pouco mais os tipos de interacção em que o professor é

referencial, distinguindo as interacções aluno-aluno/grupo e aluno/grupo-turma.

A interacção aluno-aluno/grupo tem lugar quando dois ou mais alunos interagem sem a

intervenção do professor. Este tipo de situações torna-se muito relevante para o crescimento do

aluno. No entanto, a observação mostra que, “a interacção entre os alunos é quase inexistente

ou é pouco valorizada pelo professor” (Ponte et al., 1998, p. 11), reduzindo-se muitas vezes aos

momentos de resolução das questões ou problemas.

Blunk (1998) aponta para a importância do trabalho de grupo como espaço onde a

verbalização, a criação de caminhos próprios (diferentes dos previstos pelo professor), a

responsabilização pela própria aprendizagem e dos colegas e o desenvolvimento da capacidade

de trabalhar em conjunto são potenciados. Só através da prática de trabalho em conjunto é que

os alunos podem evoluir nessa tarefa, aprendendo a confrontar com os colegas aquilo que

pensaram individualmente e partilhar as suas ideias. É depois deste estádio que estão

preparados para a etapa mais complexa que envolve a capacidade de explicar as suas ideias,

argumentar e procurar convencer os colegas das suas opiniões bem como ouvir e contra-

argumentar. Esta mesma autora reconhece que o grupo, como entidade em si mesma, leva o

seu tempo a desenvolver. Curcio e Artzt (1998) chamam à atenção para o cuidado a ter na

constituição dos grupos. Apontam para a importância da sua heterogeneidade, defendendo-a

como a melhor forma de maximizar as aprendizagens nos alunos. A realização de trabalhos de

grupo maximiza as oportunidades para os alunos questionarem, explicarem e verbalizarem

obtendo reacções dos colegas do grupo. Estas autoras sublinham que o trabalho em grupo e em

pequeno grupo pode constituir um meio natural para o desenvolvimento da comunicação

matematica (Artzt, 1996; Curcio e Artzt, 1998).

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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Segundo vários autores, as interacções aluno-aluno numa aula de investigação, de

trabalho de projecto ou de resolução de problemas, em grupo, são potencialmente mais ricas do

que numa aula com tarefas mais estruturadas e onde os alunos trabalham individualmente (Alrø

& Skovsmose, 2002; César, 2000a; César, 2000b; Ponte et al., 1998; Siegel & Borasi, 1996;

Yackel & Cobb, 1996). As interacções entre alunos provocam discussões estimulando-os a novas

descobertas e permitindo que construam um conhecimento mais sólido. Por outro lado, os

alunos sentem-se mais confortáveis a falar em pequeno grupo do que em grande grupo (Lester,

1996). Nesses contextos, sentem-se cada vez mais à vontade na utilização da linguagem

matemática, num “meio sem ameaças” (Buschman, 1995, p. 325) e aprendendo num

ambiente colaborativo (Siegel & Borasi, 1996). Ao falarem e ouvirem os colegas, vão clarificando

os significados das palavras bem como os seus pensamentos e ideias e, além disso, o

conhecimento pessoal, ao ser combinado com o conhecimento dos outros, torna-se útil

(Buschman, 1995). Efectivamente, quando os alunos trabalham em grupo, a participação é mais

espontânea e ajuda a que todos os alunos se envolvam. Blunk (1998) refere particularmente o

potencial desenvolvimento dos vários elementos do grupo pela sua própria aprendizagem e pela

dos seus parceiros. Por outro lado, se a discussão é ao nível de toda a turma, o aluno acaba por

calcular mais o que diz ou mesmo calar-se se não tiver a certeza da pertinência do comentário.

Isto porque o aluno, habitualmente, pretende agradar o professor (Alrø & Skovsmose, 2002).

Importa salientar que não basta assegurar que os alunos trabalhem em grupo

interagindo com os colegas para assumir que a aprendizagem ocorre (Cobb, 1995; Stacey &

Gooding, 1998). Vários são os factores que influenciam essa aprendizagem, em particular o tipo

de interacções estabelecido entre os elementos do grupo (Cobb, 1995). Para Cobb, há dois

níveis de análise na interacção entre os pares de alunos: ao nível do processo (colaboração

directa/colaboração indirecta) e ao nível do resultado (univocal/multivocal). Existe uma

colaboração directa quando os alunos resolvem uma tarefa em conjunto. Pelo contrário, na

colaboração indirecta os alunos pensam ou resolvem a tarefa sozinhos, não precisando de se

ouvir mutuamente, embora, por vezes, os comentários de determinado aluno influenciem o que

os outros fazem. Pelo seu lado, o resultado é univocal quando uma voz prevalece, ou seja,

quando domina a perspectiva de um dos alunos. Esse aluno representa no grupo uma

autoridade que pode ser social ou científica. Trata-se de um resultado multivocal quando todos

os elementos do grupo exprimem as suas perspectivas tentando mesmo conciliar opiniões

divergentes.

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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Por sua vez Artzt (1996) refere diferentes padrões de interacção que podem ocorrer nos

grupos de trabalho e que representa numa série de diagramas (Figura 2.1). O diagrama (a)

representa situações em que os alunos trabalham de forma isolada apesar de sentados

próximos uns dos outros. Os diagramas (b) e (c) representam, respectivamente, casos em que

dois ou mais alunos interactuam e os restantes trabalham de forma isolada e casos em que um

dos alunos é o líder explícito do grupo. Finalmente, o diagrama (d) representa situações em que

os alunos discutem e realizam em comum todas as tarefas para chegarem a soluções conjuntas.

Entre estes dois extremos há muitas situações intermédias.

Figura 2.1 – Diagramas representativos dos padrões de interacção entre os cinco elementos de um grupo (adaptado de Artzt,1996).

Note-se contudo que não é possível estabelecer uma comparação directa entre as

classificações propostas por Artzt (1996) e Cobb (1995). De facto, Cobb refere-se à interacção

entre pares e Artzt à interacção entre os elementos de um grupo mais alargado.

Stacey e Gooding (1998) apontam para três factores que influenciam o bom

desempenho dos grupos: a interacção com os colegas, a interacção com a tarefa e as

estratégias cognitivas usadas. Esta dinâmica interna do grupo não está necessariamente

associada a relações harmoniosas entre os elementos. Na verdade, podem surgir grupos em que

as relações são conflituosas e que se revelam muito produtivos (Cobb, 1995). Um potencial do

trabalho de grupo para a aprendizagem é precisamente o facto de promover e permitir resolver

conflitos cognitivos (Stacey & Gooding, 1998).

A interacção aluno/grupo-turma verifica-se quando um aluno apresenta uma situação

individualizada a toda a turma, por exemplo, um raciocínio, a resolução de um problema ou

mesmo a colocação de um novo problema, em suma interage com a turma. Por sua vez, a

interacção grupo-turma surge quando o representante do grupo ou o grupo no seu conjunto

apresenta, por exemplo, o resultado do trabalho realizado aos restantes colegas da turma e

proporciona um espaço de discussão.

(a) (b) (c) (d)

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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Esta interacção tem sido pouco analisada na literatura. No entanto, apesar de distinta,

vai sobrepor-se um pouco à interacção professor-turma analisada atrás. Por um lado, o professor

assume o controlo da aula e, habitualmente, adopta o papel de ‘orquestrador’ indicando e

coordenando qual o grupo a intervir e qual a profundidade a que se leva a discussão. Por outro

lado, o professor representa para os alunos uma autoridade, e estes tendem a aguardar a

aprovação do professor para darem crédito ao que o(s) colega(s) diz(em). O sucesso desta

interacção também depende de quem são os alunos que interagem. Quando o aluno que se

dirige à turma é considerado pelos colegas e pelo professor como “bom aluno”, a atenção e o

crédito dado pelos restantes colegas é maior (Blunk, 1998). Mais uma vez se verifica o peso da

autoridade. Neste espaço de interacção, é ainda importante que os alunos escutem o que os

colegas, nomeadamente os de grupos distintos, estão a apresentar e que sejam capazes que

pensar sobre o que é dito e de questionar os colegas (Blunk, 1998).

Influência

A influência está intimamente associada à informação e à interacção. A existência de

interacção e a presença de informação são condições necessárias mas não suficientes para que

ocorra uma influência. Ou seja, num ambiente interactivo onde a informação está presente, pode

contudo, não ser exercida qualquer influência. Para isso tem necessariamente que existir uma

atribuição de significados por parte do receptor, e portanto, um envolvimento activo.

Tipicamente, a informação provém essencialmente do professor, que exerce uma forte influência

sobre os alunos. No entanto, embora menos evidentes, há também influências dos alunos sobre

o professor, por vezes com efeitos muito fortes, positivos ou negativos (Silva, 1998).

Numa sala de aula, há vários tipos de influências que podem ser exercidas sobre os

alunos e que correspondem de forma mais ou menos explícita a preocupações do professor,

particularmente ao nível do desenvolvimento social e cognitivo. Estas influências têm lugar

quando o aluno, através das vivências na sala de aula, interioriza e adopta determinados

comportamentos e atitudes. Estamos assim perante um conjunto de normas sociais que estão

presentes e são desenvolvidas, de uma forma particular, em cada sala de aula. Ao longo do ano,

alunos e professor negoceiam de forma explícita ou implícita os modos de participação, os

papéis, a gestão dos silêncios e falas, os espaços de partilha, argumentação e discussão bem

como aspectos de disciplina dentro da sala de aula.

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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Por exemplo, em determinadas salas de aula, faz parte da responsabilidade dos alunos,

quando trabalham em grupo, ajudar os colegas que apresentam dificuldades. Este papel

atribuído aos alunos de se responsabilizarem pelos restantes elementos do grupo, corresponde a

uma norma social que pode ser desenvolvida nas aulas. O professor desempenha um papel

fundamental no desenvolvimento dessas atitudes. Tal como refere Blunk (1998), o que o

professor diz aos alunos é um dos factores que afecta o que estes fazem na sala de aula, daí

que defenda que o professor deve falar com os alunos sobre os modos de trabalho, as suas

responsabilidades e atitudes e não se limitar aos conteúdos programáticos.

As influências ao nível do desenvolvimento cognitivo, ou seja, as aprendizagens mais

específicas da disciplina curricular, constituem as preocupações mais comuns entre os

professores. Por vezes, confunde-se o desenvolvimento cognitivo com a aprendizagem de

conteúdos isolados.

Alguns autores apontam para a possibilidade de os alunos interagirem, escutarem-se

mutuamente, explicarem e justificarem raciocínios uns aos outros e, apesar de tudo, a

aprendizagem não ocorrer (Cobb, 1995; Stacey & Gooding, 1998). Tal como referem Stacey e

Gooding (1998), pode não ser bem compreendida a explicação ou simplesmente não ser usada

de forma activa por aquele que a ouve.

2.3. Comunicação e aprendizagem matemática

A especificidade da aula de Matemática levanta um conjunto de problemas próprios que

apresento nas subsecções que se seguem. Começo por discutir o duplo papel que aí tem a

comunicação: como objecto curricular e como componente metodológica.

A comunicação estabelece-se através de interacções e estas são o meio pelo qual o

discurso se constrói. Diferentes são os discursos produzidos ao longo de uma aula, no entanto, o

que se torna aqui pertinente referir é o discurso matemático e como é que este se constrói,

assunto a que me dedico a seguir. Por fim, abordo na última subsecção a construção da

comunidade matemática na sala de aula, comunidade onde a negociação de significados tem

um papel determinante.

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

35

Comunicação como objecto curricular e como metodologia

A comunicação, abrangendo aqui de uma forma ampla os padrões de interacção

subjacentes e a negociação de significados a que conduz, no contexto específico da sala de aula

de Matemática e nos vários níveis de ensino, tem sido reconhecida na literatura como essencial

para a aprendizagem desta disciplina (Bishop & Goffree, 1986; Hicks, 1998; NCTM, 1994;

Ponte & Santos, 1998; Ponte & Serrazina, 2000; Romão, 2000; Voigt, 1995; Wood, 1998;

Yackel & Cobb, 1996). Na sala de aula, a comunicação pode ser vista de duas formas. Por um

lado, como objectivo curricular, ou seja como conjunto de aprendizagens a desenvolver –

aprender a comunicar – e, por outro lado, como meio, ou seja, como elemento constituinte das

metodologias de ensino – comunicar para aprender. Estas duas perspectivas são diferentemente

privilegiadas pelas duas formas básicas de encarar a aprendizagem: aprendizagem como

aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de capacidades ou aprendizagem como um

processo em que o aluno se torna participante no estabelecimento de práticas produtoras de

conhecimento. Mesmo numa visão estreita que identifica aprendizagem matemática com a mera

aquisição de conhecimentos matemáticos, a comunicação desempenha um papel que não pode

ser ignorado. Lampert e Cobb (2003) apontam a comunicação como fazendo parte das

metodologias de ensino, funcionando como um instrumento necessário para a aprendizagem.

Além disso, se se considerar que a aprendizagem matemática é uma participação cada vez

maior nas práticas de construção do conhecimento matemático, a comunicação matemática é

um aspecto essencial a ser trabalhado. Aprender a comunicar torna-se, assim, um objectivo

curricular como também se referem Lampert e Cobb (2003). Deste modo, aprender a comunicar

matematicamente bem como aprender Matemática comunicando são perspectivas que podem

ser trabalhadas na sala de aula (McNair, 1998). Lampert e Cobb (2003) alertam para a

impossibilidade de separar estas duas perspectivas.

Como tal, a comunicação matemática é um elemento importante do currículo e do

processo. Em particular, importa ter em consideração duas funções da linguagem na sala de

aula: a Matemática como forma de linguagem e a linguagem como instrumento de comunicação

e, portanto, como um meio para falar acerca da Matemática (Abele, 1998).

Seja qual for a perspectiva em que nos coloquemos, parece indiscutível que quantas

mais oportunidades forem criadas para que o aluno comunique o que sabe, utilizando os

recursos linguísticos disponíveis, maior será o seu desenvolvimento, quer nos conhecimentos

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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propriamente ditos, quer no próprio vocabulário. É o que afirma Buschman (1995), quando se

refere à importância do uso das palavras, que ao serem empregues em situações e contextos

diversos, possibilitam aos alunos uma compreensão progressiva dos seus significados. Nestas

oportunidades para comunicar, pode incluir-se uma grande variedade de situações tais como,

falar, escrever, escutar, observar, ler, argumentar, especular, provar, explicar, pensar e discutir.

Entre estes aspectos, todos eles relevantes para qualquer sala de aula, alguns tomam um

significado específico na sala de aula de Matemática.

De uma forma geral a capacidade de comunicação na sala de aula desenvolve-se,

essencialmente, pela prática. Os aspectos referidos até agora no sentido de promover a

comunicação matemática têm versado essencialmente a comunicação oral. No entanto, a

produção escrita tem também um papel fundamental. Segundo vários autores, a produção de

textos escritos pelos alunos e a sua posterior discussão oral, constituem um meio importante no

desenvolvimento da capacidade de comunicação (Moreira, 2002; NCTM, 1991; Pimm, 1987).

Construção do discurso matemático

Como salientam Lampert e Cobb (2003), as práticas matemáticas desenvolvidas ao

longo de séculos constituem, de certa forma, o património conceptual do aluno. Deste modo, é

necessário que tenha acesso às ferramentas básicas para partilhar desse património e participar

na comunidade comunicando matematicamente. É preciso ter em conta aquilo que o aluno

necessita, em cada momento, para poder participar. Por exemplo, precisa de saber os termos

matemáticos, as operações e os procedimentos. No entanto, precisa igualmente de saber como

falar, pensar e actuar matematicamente, e mesmo o que dizer nas diferentes situações que lhe

vão surgindo (Rittenhouse, 1998; Wood, 1999). Quando o aluno se envolve no processo de

explicar as suas ideias aos outros e com o objectivo de ser entendido, ele próprio pode sentir

uma evolução nas suas compreensões. A comunicação ajuda o aluno a formalizar as suas

próprias ideias (Pimm, 1996). No mesmo sentido, Vygotsky (2001) aponta dois caminhos em

que a linguagem desenvolve o crescimento intelectual do aluno: intrapessoal e interpessoal. Por

um lado, através da linguagem intrapessoal o aluno utiliza a linguagem para se expressar, para

projectar uma solução. Por outro lado, através da linguagem interpessoal partilha ideias e

estimula o desenvolvimento.

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

37

Num contexto em que as interacções são incentivadas, o aluno pode exprimir as suas

ideias, ouvir as dos colegas e do professor, formular e defender as suas conjecturas, comparar

processos, compreender ideias e relações, reflectir e desenvolver o seu vocabulário matemático

(Hiebert, 1992; NCTM, 1991). Desta forma, pode clarificar, organizar e consolidar o seu

pensamento, desenvolvendo o conhecimento matemático, a capacidade de resolver problemas,

o poder de abstracção, bem como a capacidade de raciocínio e a confiança em si próprio e

alcançar uma compreensão mais profunda de conceitos e princípios matemáticos (Barrody,

1993).

Em cada sala de aula, ao longo do tempo, desenvolve-se um determinado discurso

matemático. Esse discurso é composto por uma variedade de discursos individuais que importa

ter em atenção.

Discurso individual. Fomentar nos alunos o discurso matemático ajuda-os a

compreender e usar o discurso para o aprofundamento dos seus conhecimentos matemáticos

(Rittenhouse, 1998). Cada aluno precisa de ter oportunidades para se exprimir sobre aquilo de

que se fala e, acima de tudo, para utilizar o discurso matemático, ao qual atribui um valor

pessoal (Hicks, 1998). Esta mesma autora aponta para o perigo de olhar para os discursos

como estruturas textuais independentes, divorciadas das pessoas que os apropriam. Acrescenta

ainda que essa visão pode levar a assumir capacidades matemáticas em determinado aluno

simplesmente porque esse aluno aprendeu a dominar um particular discurso matemático.

Como referem Pirie e Schwarzenberger (1988), a capacidade de falar sobre Matemática

não revela necessariamente a compreensão matemática. Apontam mesmo dois tipos de

afirmações que podem sugerir uma compreensão que não chegou a ocorrer, as afirmações

reflexivas e operacionais. As primeiras descrevem conceitos e relações mas são fechadas à

compreensão relacional. As afirmações operacionais descrevem acções mas não revelam a

compreensão instrumental. Por outro lado, certos alunos apesar de compreenderem

determinados aspectos da Matemática revelam dificuldades em exprimir esse entendimento

(Irwin & Herbert, 2001).

Um tópico associado a esta problemática é a literacia matemática, discutida, por

exemplo em Hicks (1998). A literacia matemática, passa pela habilidade de falar e escrever

matematicamente, pela capacidade de desencadear tipos de raciocínio que caracterizam a

disciplina de Matemática bem como envolver-se nas expressão oral e escrita desses mesmos

raciocínios. Sustenta que alunos com menor literacia matemática não revelam necessariamente

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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dificuldades na aprendizagem das estruturas linguísticas mas no conflito de alinhamento que os

discursos envolvem. Para O’Connor (1998) um dos objectivos da enculturação matemática é a

habilidade para justificar uma afirmação e fundamentar o seu raciocínio. As práticas discursivas

da sala de aula, em particular as práticas de argumentação, podem revelar-se determinantes

para o desenvolvimento dessa habilidade. Também Alrø e Skovsmose (2002) falam da

aprendizagem crítica da Matemática, apoiada no diálogo, como suporte para o desenvolvimento

da literacia matemática, a que chamam de matemacia.

Discurso reflexivo. Alguns autores apontam como essencial o desenvolvimento de um

discurso reflexivo, isto é, de uma atitude crítica do aluno perante a sua aprendizagem (Hiebert,

1992; O’Connor, 1998). Essa atitude passa pela capacidade de reflexão sobre a actividade

desenvolvida (Abrantes, Serrazina & Oliveira, 1999). Para Hiebert (1992) a reflexão é a tomada

de consciência das próprias experiências. No entanto, certas tarefas propostas aos alunos são

demasiado rotineiras e não estimulam o desenvolvimento do pensamento matemático, não

oferecendo oportunidades de reflexão (Bishop & Goffre, 1986; Rocha & Fonseca, 2005). De

facto, a reflexão é bastante mais exigente que a mera aplicação de algoritmos (Bishop & Goffre,

1986), e quando os alunos reflectem sobre o que fazem, dizem e ouvem, ou seja, estão atentos

às diferentes formas de pensar, o poder matemático desses alunos aumenta. Hiebert (1992)

sugere que a comunicação pode dar origem à reflexão e estimulá-la. Segundo Wood (1999),

pensamentos e raciocínios diferentes podem gerar confusões e conflitos e, por sua vez, estes

são essenciais para a transformação do pensamento.

A aprendizagem matemática envolve sempre a construção progressiva de um quadro de

significados, através do qual o aluno evolui na sua apropriação pessoal do conhecimento

matemático. De acordo com Bishop e Goffree (1986), o significado matemático é atingido

através do estabelecimento de conexões entre a nova ideia e os conhecimentos prévios do

sujeito, podendo estes não se restringirem ao campo da Matemática. Os autores referem-se, de

facto, ao conhecimento no sentido lato, de cada sujeito. Esta apropriação de conhecimento está

associada aos momentos de conflito referidos por Wood (1999) dado que são esses momentos

que exigem do aluno um esforço para o estabelecimento de conexões.

Importa compreender que em cada turma existe um discurso próprio e composto por

uma multiplicidade de discursos que emergem dos diferentes agentes de interacção e

respectivas relações. Os momentos de discussão são potenciadores de construção desse

discurso. Tal como notam McClain e Cobb (1998), se tudo o que se refere à Matemática for

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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objecto de discussão, o discurso tende a ser reflexivo. Estes autores, definem discurso reflexivo

como uma actividade colectiva que ocorre na sala de aula em que tudo o que é dito e feito é

objecto de discussão. McClain e Cobb (1998) apontam três aspectos importantes no

desenvolvimento do discurso reflexivo: a capacidade de voltar atrás, retomando elemento

anteriores da discussão, a capacidade de partilhar as diferentes imagens de apoio ao raciocínio

(por ex., esquemas, tabelas, desenhos, associações a situações reais) e a capacidade de voltar

atrás introduzindo novos elementos. Consideram que a participação num discurso reflexivo ajuda

a potenciar a matematização individual e, portanto, o desenvolvimento de discursos individuais.

Os alunos tornam-se, segundo estes autores, críticos e atentos, as discussões mais acesas e o

discurso colectivo construído tende a ser cada vez mais rico. Assim, os alunos que comunicam

matematicamente têm potencialmente um maior acesso a formas matemáticas de

conhecimento (Hicks, 1998).

Construção da comunidade matemática

O uso da expressão comunidade matemática para designar aquilo em que

tendencialmente a sala de aula se deve tornar, é proposto por vários autores (McNair, 1998;

Wood, 1998). A palavra comunidade, com origem etimológica no latim communitas, remete para

aquilo que é comum, para a construção de um espaço em que cada um se enquadre e,

simultaneamente, perceba como seu.

A construção de uma tal comunidade requer, antes de mais, um referencial de

significados partilhados por todos e relativos tanto aos conceitos como aos procedimentos e

tarefas matemáticos. Segundo Christiansen (1997, citado em Araújo, 2004) qualquer significado

diz respeito a um contexto particular e portanto, a sua génese pressupõe uma compreensão da

situação partilhada. Este referencial de significados de que a comunidade se alimenta é

essencialmente dinâmico e evolui através de processos de negociação. Processos que, por sua

vez, só ocorrem em ambientes cuidados e potenciadores de oportunidades de argumentação e

discussão, para a construção dos quais o papel do professor é incontornável. Percorro de

seguida, com algum detalhe, estes vários elementos.

Negociar significados. Para que se estabeleça comunicação é importante que os

intervenientes entendam e aceitem as perspectivas dos outros (Alrø e Skovsmose, 2002; Araújo,

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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2004). Mais ainda, que compreendam quais são, em cada momento, as “perspectivas

partilhadas” (Alrø & Skovsmose, 2002). Essa partilha de perspectivas exige que os intervenientes

conversem sobre os significados que atribuem a cada conceito ou acção. Esse significado,

porém, está contextualizado num conjunto vasto de experiências e conhecimentos adquiridos até

então (Bleicher, 1998). Cada um dos intervenientes desenvolve um conjunto de recursos

cognitivos, sociais e culturais ao longo de diferentes experiências de interacção. Essa diversidade

de experiências leva-o, também, a criar um conjunto de expectativas para cada tipo de acção, o

que Bleicher (1998) designa por estrutura de referência (frame of reference). Cada pessoa pode

mesmo ter diferentes estruturas de referência para diferentes tipos de interacção. Assim, numa

interacção em que os intervenientes possuem estruturas de referência similares, a conversa

pode fluir suavemente embora seja possível que ignorem a sua estrutura e que não ocorra

qualquer crescimento cognitivo. Quando, pelo contrário, numa situação social as estruturas de

referência de diferentes intervenientes são diferentes, dá-se um choque de estrutura que pode

conduzir à consciencialização da própria estrutura (Bleicher, 1998), à percepção das próprias

acções e, consequentemente, a uma possibilidade de crescimento conjunto.

A negociação de significados torna-se, assim, um processo que evolui por aproximações

sucessivas e requer a participação activa dos intervenientes (Alrø & Skovsmose, 2002; Araújo,

2004). De facto, a verdade é que o significado não é transmitido do professor para o aluno, nem

é construído de uma forma autónoma pelo aluno, antes surge através da interacção no processo

ensino-aprendizagem (Alrø & Skovsmose, 2002). Daí que a negociação de significados tenha

tendência a diminuir à medida que aumenta o controlo exercido pelo professor sobre a dinâmica

da aula (Bishop & Goffree, 1986). Para que a negociação de significados ocorra, não pode uma

das partes dominar a outra. Os diferentes intervenientes têm que se aceitar como iguais ou, pelo

menos, respeitar mutuamente diferentes perspectivas (Alrø & Skovsmose, 2002, 2004).

Por outro lado, só é possível partilhar significados a partir do momento em que estes se

tornam públicos ou visíveis (Bishop & Goffree, 1986), assumindo um carácter colectivo (Siegel &

Borasi, 1996). Note-se que as contribuições dos alunos têm um certo significado para o próprio

aluno, mas tomam um novo carácter quando explicitadas na “arena pública” dirigida pelo

professor (Brown, 1997; Yackel, Cobb, Wood, Merkel & Battista, 1990). O professor pode

decifrar os significados implícitos na intervenção do aluno e, se necessário, ajudá-lo a verbalizar

esses significados, explicitando-os para os outros (Buschman, 1995; Owen, 1995). Em

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

41

particular, as ambiguidades, anomalias e contradições proferidas pelos alunos, podem constituir

uma fonte para a formulação de questões desafiantes.

O papel do professor neste processo é essencial. Antes de mais para que o aluno sinta

que a sua participação, qualquer que seja a forma como é expressa, é valorizada pelo professor

mesmo que o conteúdo não esteja correcto (Owen, 1995). Isso passa, segundo Voigt (1995)

pelo respeito revelado pelo professor pela intervenção do aluno, sem rejeição imediata, que

poderia ser fonte de inibições fututras. Mas também ao professor poderá ser exigido que

reformule ou re-dirija certas afirmações (Forman & Ansell, 2002; Owen, 1995), capitalizando nas

contradições dos alunos ao fazer transferência no discurso (Cobb, Boufi, McClain & Whitenack,

1997). O professor também pode encarar o erro como uma perturbação que provoca conflitos

cognitivos e, desse modo, conduz à aprendizagem (Cestari, 1998). De uma forma geral, deverá

considerar todas as opiniões válidas, passíveis de serem trabalhadas e aceites (Rittenhouse,

1998), assim como incentivar o exercício da argumentação.

Incentivar a argumentação. De facto, a procura de consensos na sala de aula só é

possível se os alunos forem incentivados à argumentação, a tornar explícitas as suas

interpretações, a refutar e contestar aquilo que ouvem, no sentido de trabalharem e construírem

uma comunidade matemática. É importante que os alunos percebam que os desacordos são

normais e essenciais na aprendizagem. Os desacordos são importantes mas necessitam de ser

explicitados para que a capacidade de argumentação matemática se desenvolva nos alunos

(Wood, 1999). Como refere Rittenhouse (1998), importa que aprendam a discordar de uma

forma construtiva. Os alunos precisam igualmente de compreender que não se discutem

capacidades mas sim ideias, e o papel do professor e a sua postura podem tornar isso visível.

Segundo Wood (1999), a diversidade de ideias explicitadas ajuda ao desenvolvimento de

contexto para a argumentação na sala de aula. Os desacordos são ouvidos, os alunos sentem a

necessidade de defender os seus pontos de vista, explicar aos outros e seguir atentamente a

participação dos colegas, procurando dar sentido ao que ouvem e dizem.

Por outro lado, os desacordos podem ter consequências não desejáveis. Os alunos

podem sentir-se desconfortáveis com os desentendimentos e retraírem-se, ou podem limitar-se a

discordar sem que ocorra aprendizagem. Assim, importa que o professor procure manter uma

discussão de ideias matemáticas que potencie a aprendizagem (Chazan e Ball, 1995) para que

a diversidade seja uma mais valia e não um entrave.

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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Segundo Krummheuer (1995, 1998), a argumentação não pode estar estritamente

associada a uma lógica formal. Há mais actividades humanas que recorrem à argumentação,

sem recurso explícito à lógica formal, e mesmo a argumentação matemática é mais abrangente.

Toulmin (1969, citado em Krummheuer, 1995) distingue uma argumentação “analítica” de uma

argumentação “substancial”. A argumentação “analítica” consiste numa dedução logicamente

correcta, no sentido clássico. Por outro lado, a argumentação “substancial” expande o

significado das proposições através de um processo argumentativo em que uma afirmação ou

decisão é gradualmente suportada. Considera que uma argumentação substancial corresponde

a uma apresentação convincente de relações, justificações e explicações. Para Toulmin,

argumentação é uma forma específica de interacção social, uma interacção face-a-face. Nesse

sentido, Krummheuer (1995, 1998) fala de argumentação colectiva e sublinha que os caminhos

seguidos não são necessariamente harmoniosos. Particularmente as disputas podem

encaminhar para situações de argumentação que levam a conexões e modificações. Assim, a

participação activa numa cultura de argumentação leva o aluno a dar sentido ao seu próprio

processo cognitivo e, portanto, a que ocorra a aprendizagem (Krummheuer, 1995).

Wood (1999) aponta para a necessidade de centrar as discussões na argumentação.

Considera ser essa a melhor forma de levar os alunos a encarar a matemática como uma

disciplina suportada em raciocínios para a valorização e refutação de ideias.

Em todo o caso, as discussões em que o professor participa com os alunos,

desempenham um papel importante. Nessas discussões, pode questionar os alunos quando não

entende o que querem dizer e ouvir as suas ideias e explicações. Desta forma desenvolve nos

alunos competências discursivas. Por outro lado, quando o professor sai do seu papel de

participante nas discussões assumindo o papel, igualmente importante, de observador e ouvinte,

tem uma percepção mais fiel daquilo que se discute e poderá depois comentar o tipo de

discurso praticado e introduzir novo vocabulário (Rittenhouse, 1998).

Note-se que nesta discussão importa ter presente aquilo que é específico da

comunicação matemática, do que tem porventura um carácter mais geral. Por exemplo, para

Yackel e Cobb (1996), argumentar, explicar, justificar não são atributos específicos da

Matemática: trata-se de normas sociais aplicadas na sala de aula de qualquer área de saber. Daí

que estes autores utilizem um termo específico para as normas relativas à construção do

conhecimento matemático na sala de aula: normas sociomatemáticas. Como exemplos de

normas sociomatemáticas, referem a explicação, justificação ou argumentação

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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matematicamente aceitáveis, a eficácia matemática, a elegância e sofisticação matemáticas bem

como aquilo que se pode considerar matematicamente diferente. Estas normas têm um carácter

subjectivo e são construídas na sala de aula desta disciplina num ambiente de interacção. Daí

que em salas de aula distintas o significado de cada norma possa ser também variável.

As interacções que se desenrolam na sala de aula proporcionam aos alunos

determinada visão da Matemática. Tal como sugerem Siegel e Borasi (1996), na conclusão de

um trabalho sobre a desmistificação da educação matemática através do questionamento, os

alunos devem ter oportunidade de criar nova Matemática. Segundo estas autoras, é necessário

que se desmistifique a Matemática valorizando o essencial. Argumentam que a Matemática das

salas de aula é como um iceberg, os alunos vêem o topo (definições, procedimentos,…), mas a

parte de baixo, dinâmica e complexa, está escondida (conceitos, raciocínios,…).

Salientei até agora que a qualidade das interacções é um aspecto importante e que o

desenvolvimento da linguagem e da argumentação matemática contribui também para o

desenvolvimento do poder matemático do aluno. Para que a comunicação matemática se

estabeleça é importante que esta se centre nas ideias matemáticas (Lampert e Cobb, 2003), e

que as discussões se orientem para áreas matematicamente significativas e produtivas no que

diz respeito ao propósito de cada aula (Sherin, 2002). Isto conduz-nos, de novo, à importância

do discurso reflexivo para a aprendizagem matemática (Cobb et al, 1997) e a sua relação com o

processo de matematização referido por Lampert e Cobb (2003).

Vários são os autores que se preocupam com a valorização da Matemática nas

discussões da sala de aula. Por exemplo, Pirie e Schwarzenberger (1988) apontam para a

importância da discussão matemática na sala de aula. Consideram que as verdadeiras

discussões matemáticas têm que ser propositadas, centradas num conteúdo matemático,

suportar contribuições genuínas dos alunos e decorrer num espaço interactivo. Apontam como

contra-exemplo as conversas conduzidas pelo professor, próximas da exposição, em que os

alunos procuram adivinhar a resposta correcta às questões colocadas pelo professor e não

produzir as suas próprias opiniões. Por outro lado, sublinham que nem sempre que os alunos

produzem as suas próprias opiniões pode ser considerada uma discussão matemática; se for

produzida de forma isolada falha a interacção, se não corresponder a ideias matemáticas falha a

centralidade na Matemática. Sublinham assim, que é essencial haver um objectivo bem definido

e aceite por todos, centrado em conteúdos ou processos matemáticos, onde, pelo menos alguns

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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alunos contribuem e afectam a discussão e em que as contribuições são retomadas pelos outros

de forma dinâmica, ouvindo-se mutuamente, contrapondo e argumentando.

Sherin (2002) preocupa-se com a produtividade das aulas de matemática e a

necessidade das discussões se centrarem em ideias matemáticas. Nesse sentido, sugere uma

sequência cíclica de três fases dentro da discussão da sala de aula: fase de gerar ideias, fase de

comparação e avaliação dessas ideias e fase de filtragem (Figura 2.2). Na fase de gerar ideias,

cabe ao professor colocar questões sobre o porquê, pedir explicações, solicitar comentários dos

colegas acerca das ideias já levantadas, procurar que mais ideias surjam. Na fase de

comparação e avaliação, cabe ao professor sugerir aos alunos comparações de diferentes

opiniões e procurar que se apercebam onde se encontram de facto essas diferenças. Na fase da

filtragem, o professor deve, partindo das ideias dos alunos, colocar novas questões que orientem

a atenção no caminho pretendido. Segundo Sherin (2002) depois de colocar as questões o

professor não deve tomar parte activa na discussão.

Gerar ideias

Comparação e avaliação

Figura 2.2. Esquema cíclico de três fases de discussão na sala de aula (Sherin, 2002)

O’Connor (2002) refere a importância da discussão orientada por posições1, onde o

professor previamente pensa em situações, exemplos e contra-exemplos no sentido de

enriquecer a discussão e potenciar a sua evolução. Neste tipo de discussão, segundo a autora, a

análise cuidada da lógica das afirmações, o apurar de propriedades e definições, procurando

retomá-las sempre que oportuno, são actividades que potenciam o desenvolvimento de

compreensões dos alunos. O professor pode, quando a confusão se instala e as posições estão

1 Do inglês position-driven-discussion.

Filtr

agem

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

45

colocadas, parar, sumariar e clarificar. Podemos ver aqui um paralelo com o diálogo como

debate sugerido por Burbules (1993)2 em que são confrontadas posições alternativas.

Como refere Pirie (1996), para que este confronto seja efectivo é necessário que o

professor saiba escutar os alunos. Segundo esta autora, é necessário que o professor tente

interpretar as palavras do aluno não segundo a sua própria maneira de pensar, mas segundo o

ponto de vista do aluno.

O espaço da aula pode ser encarado pelo professor como uma “arena” para falar acerca

de Matemática (Owen, 1995). Como indica Voigt (1995), o professor não pode esquecer que

representa nesse espaço a disciplina de Matemática. O professor toma o papel de mediador

entre o uso dos termos por parte dos alunos e do seu uso na comunidade matemática (Lampert

e Cobb, 2003).

Um aspecto um pouco lateral, mas que interfere no envolvimento dos alunos nas

interacções e na capacidade de argumentação, é o da diversidade de linguagens e culturas dos

intervenientes. Por exemplo, Zevenbergen (2001) refere que os estudantes cujos hábitos

linguísticos são próximos da prática discursiva da sala de aula de Matemática, têm mais

facilidade de acesso ao conhecimento representado através de tais práticas. Esta autora, refere o

facto das “interacções na sala de aula serem atravessadas por componentes culturais que

facilitam ou inibem o acesso ao conteúdo matemático” (Zevenbergen, 2001, p. 201). Na mesma

perspectiva, O’Connor (1998) refere que as práticas discursivas de diferentes comunidades

podem ser muito distintas. Aponta, tal como Zevenbergen, para as diferentes comunidades em

que cada aluno se insere, de uma forma particular a família, como determinante para a

adaptação do aluno à prática discursiva da sala de aula.

Como refere Hirigoyen (1997), a diversidade de linguagens e culturas, quando revelada,

torna o discurso produzido mais rico. Este autor sugere como forma de fazer emergir essa

diversidade, a aceitação de diferentes notações como válidas. Apresenta inclusive alguns

exemplos de como essa aceitação pode traduzir-se em oportunidades para os alunos

compreenderem o que é realmente importante na Matemática: as ideias e não os símbolos,

constituindo estes um instrumento precioso para comunicar ideias.

2 Este autor propõe vários tipos de diálogos: como conversa, inquiridor, como debate e como instrução.

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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Cuidar do ambiente. O ambiente na sala de aula é um factor determinante para a

qualidade das interacções e negociações estabelecidas. No entanto, certas salas de aula, onde o

ambiente é agradável e a relação do professor com os alunos é amigável, não correspondem a

espaços críticos e argumentativos (Alrø e Skovsmose, 2002). Se se espera que os alunos sejam

críticos perante os vários tipos de raciocínios, argumentações e justificações, que eles próprios e

os outros vão produzindo, o ambiente deve tender a ser cada vez mais inquiridor (Yackel e Cobb,

1996). Igualmente, se se pretende que os alunos argumentem e produzam provas matemáticas,

têm que ser criadas oportunidades para falar e escrever, expondo os seus raciocínios aos

colegas e professor (Lampert e Cobb, 2003; Rittenhouse, 1998; Yackel e Cobb, 1996).

Comunicando oralmente e por escrito os alunos podem reflectir sobre as suas próprias

compreensões da Matemática, fazendo conexões e personalizando os conceitos. Do mesmo

modo devem ser encorajados a apresentar os seus resultados e pensamentos (Voigt, 1995), isto

é, as aulas não podem ser espaços silenciosos em que cada aluno se envolve apenas com as

suas próprias ideias.

Vários autores sublinham que a comunicação mais estimulante na sala de aula leva a

uma maior participação por parte dos alunos, tornando-os mais responsáveis pela sua própria

aprendizagem e, obviamente, menos dependentes do professor (Alrø e Skovsmose, 2002;

Araújo, 2004; NCTM, 1991; O’Connor, 1998). Para isso, é necessário o incentivo à

argumentação cuidada, ou seja, a criação de oportunidades para os alunos reclamarem,

discordarem, contrariarem, comprovarem, legitimarem e generalizarem (O’Connor, 1998).

Por outro lado, o aluno tem que ser escutado e escutar os outros. De facto,

oportunidades em que os alunos pensam alto e para fora e escutam colegas e professor, levam-

nos à procura da clarificação dos pensamentos e à negociação de ideias, envolvendo-se em

reflexões verbais (Owen, 1995). Assim, os alunos não usam a linguagem apenas para expressar

os seus pensamentos, “usam o processo de comunicação com outros para se envolverem na

conversação com a sua própria inteligência” (Buschman, 1995, p. 329). O ambiente na sala de

aula tem que ser propício para que os alunos se consigam ouvir a si próprios enquanto falam

com os outros. Quando o aluno é capaz de se ouvir a si próprio é porque há espaço para a

reflexão; se fala com os outros é porque há espaço para o diálogo; se as duas situações ocorrem

em simultâneo é porque ocorre uma construção (pessoal) em grupo. Segundo Alrø e Skovsmose

(2002), só através do diálogo é que se estabelece a verdadeira comunicação e o mais

importante no diálogo é “a natureza da conversação e a relação entre os participantes” (p. 115).

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

47

Salientam que através do diálogo é possível contemplar três aspectos essenciais na educação:

questionamento, capacidade de arriscar e igualdade. O questionamento está associado a um

espírito crítico atento. A capacidade de arriscar manifesta-se quando os intervenientes não têm

receios e avançam nos seus pensamentos. A igualdade é necessária dado que se algum dos

intervenientes se considerar mais capaz do que os outros não é possível estabelecer o diálogo,

do mesmo modo este também não ocorre com aqueles que se sentem menos capazes que os

outros.

Dar oportunidade aos alunos de ouvir os colegas e conferir sentido aos conceitos

promove o desenvolvimento da autonomia em Matemática, uma vez que esta está intimamente

ligada ao desenvolvimento da capacidade de raciocínio e da auto-confiança (Owen, 1995; Yackel

et al., 1990). Como refere Rittenhouse (1998), as oportunidades criadas para os alunos

participarem depende dos professores reconhecerem a importância da fala matemática. Nesse

sentido é muito importante que sejam criadas oportunidades para estabelecer conversas

representativas do discurso matemático, e que seja fornecida informação acerca do vocabulário

e de diferentes formas de apresentar as ideias.

Silver e Smith (1996) apontam como essencial para a construção de uma comunidade

na sala de aula, que seja garantido um ambiente de respeito mútuo onde os alunos podem

expressar-se sem receio de eventuais críticas destrutivas da parte dos colegas ou do professor.

Wood (1998) sublinha que quando o professor valoriza as ideias dos alunos ajuda a que cada

um considere igualmente importantes as dos outros. Isso torna-se ainda mais visível quando o

professor valoriza o facto dos alunos se ouvirem mutuamente e acrescentarem elementos a

afirmações de colegas procurando construir conhecimento conjuntamente.

Torna-se, por fim, essencial fazer com que cada aluno, se torne cada vez mais parte

integrante da comunidade matemática, promovendo, para isso, a aprendizagem da comunicação

matemática. Recorde-se que o facto do aluno se envolver em conversas matemáticas, não

garante por si só que compreenda as normas e regras do discurso matemático. Rittenhouse

(1998) defende que os alunos também precisam de ter oportunidade de falar do discurso

matemático, de “falar acerca da fala” matemática (p. 170).

No desenvolvimento de qualquer comunidade é importante que esteja subjacente uma

cultura de colaboração. Em particular, Krummheuer (1995) aponta para um conjunto de

características que caracterizam uma cultura de colaboração na sala de aula de matemática. Por

um lado, cada participante deve sentir-se comprometido com a comunidade, com determinadas

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

48

obrigações a cumprir em prol de todos. Por outro lado, esta cultura potencia o desenvolvimento

e apresentação de argumentações alternativas tidas como legítimas.

2.4. O professor e a comunicação matemática

Diversos estudos referem a importância do professor valorizar a comunicação na sala de

aula de Matemática (Barrody, 1993; Lappan & Schram, 1989; Menezes, 1995; NCTM, 1994;

Pimm, 1987; Yackel, 1995).

Nesta secção percorro vários aspectos relevantes para situar o professor de Matemática

relativamente à comunicação na sala de aula. Começo por me debruçar sobre o papel do

professor nas práticas lectivas e no reflexo que a especificidade de cada professor tem para o

exercício desse papel e dessas práticas. De seguida, tendo em conta os factores referidos na

subsecção anterior, elenco um conjunto de dificuldades que o professor pode experimentar.

A prática lectiva do professor e a comunicação na sala de aula

Na complexidade do papel do professor, algumas das suas opções vão influenciar de

forma directa a comunicação e respectivos padrões presentes na sala de aula. Um aspecto

sublinhado na literatura é a importância da selecção de tarefas estimulantes e o encorajamento

dos alunos a tomar posições, defendê-las e convencer os outros do seu ponto de vista (Ponte &

Santos, 1998; Stein, 2001). Importa que o professor seleccione tarefas que possam despertar e

estimular o aluno para a actividade, as tarefas não devem constituir um pretexto mas um

estímulo para o desenvolvimento do poder matemático dos alunos (Rocha & Fonseca, 2005).

Pimm (1987) sublinha mesmo a relevância das “conversas se centrarem na tarefa, sendo

importantes o estilo e o nível de manifestação explícita da fala” (p. 48). Por outro lado, as tarefas

não podem ser tão distantes das capacidades dos alunos que provoquem uma perturbação sem

qualquer satisfação que a neutralize (Steffe & Tzur, 1996). Para que uma tarefa seja bem

sucedida é necessário, embora não suficiente, que o professor esteja de facto convencido que

esta pode dar origem a uma actividade de aprendizagem para os seus alunos. Quando isso não

acontece, o insucesso é mais provável. De facto, as acções dos professores são condicionadas

pela forma como vêem as tarefas que propõem, nomeadamente se as encaram como criações

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

49

matemáticas dos próprios alunos ou como formas de praticar os skills da Matemática

convencional (Brown, 1997). Em todo o caso, o recurso a tarefas variadas, bem como a

instrumentos distintos, ajudam a promover o discurso centrado nas ideias matemáticas e não

em cálculos e procedimentos (NCTM, 1991).

São vários os autores que apontam para a importância do papel do professor no

assegurar que a atmosfera da sala de aula seja de respeito mútuo e confiança, de modo a que

os alunos se sintam confortáveis para criticar e falar sem demasiada preocupação em produzir

afirmações correctas (Cestari, 1998; Owen, 1995; Rittenhouse, 1998). Outros autores associam

a essa atmosfera um ambiente onde o aluno pode desenvolver a sua autonomia para, entre

outros aspectos, participar e intervir quando considera oportuno (Alrø & Schovsmose, 2002). No

entanto, as aulas em que o professor assume o total controlo e autoridade parecem continuar a

ser relativamente comuns (Ponte & Santos, 1998). Nessas aulas não é possível que o ambiente

seja de verdadeira espontaneidade. Tudo aquilo que o professor diz e como o diz, bem como a

forma como conduz os diálogos na sala de aula determina o tipo de orientação de conhecimento

que proporciona aos alunos (Schwarz et al., 2004).

A valorização de dinâmicas comunicativas na sala de aula não se restringe, no entanto, à

procura de um ambiente agradável, à introdução de novas tarefas, ou até ao incentivo da

participação dos alunos. Stein (2001) refere que quando o professor estimula o interesse dos

alunos, contribui desse modo para enriquecer as interacções estabelecidas. Na verdade, um dos

papéis do professor enquanto elemento orquestrador da comunicação na sala de aula, é trazer

ao de cima a actividade independente de cada aluno através da interacção (Steffe & Tzur, 1996),

partindo do seu trabalho, ajudando-o a empenhar-se na própria aprendizagem e a ganhar auto-

confiança. Cabe-lhe apoiar as tentativas de explicação daquilo que os alunos fazem e pensam

(Yackel, 1995) e encorajá-los a partilhar as suas ideias e usar essas ideias como base para a

discussão e argumentação (Sherin, 2002; Schwarz et al., 2004).

Yackel (1995) aponta para a importância de distinguir entre as falas dos alunos e as

explicações dos alunos. Nem todas as falas são igualmente relevantes e é diferente ajudar o

aluno a desenvolver soluções viáveis para uma dada tarefa ou, por outro lado, ajudar a

desenvolver uma explicação para explicitar os seus processos. Para esta autora, é importante

que o professor distinga entre estas duas participações dos alunos, acrescentando que faz parte

do papel do professor ajudar os alunos a produzir soluções e explicações bem como dar sentido

a essas explicações. Por vezes, os alunos tomam como garantido que os colegas partilhem as

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

50

mesmas interpretações e que compreendam o seu pensamento. Daí que se torna tão relevante

ajudar a exprimir e a dar sentido para quem fala, como para quem ouve.

Um outro aspecto a ter em conta, é a descentralização da autoridade. Segundo Chazan

e Ball (1995), os professores necessitam de repensar o seu papel e procurar transferir mais

autoridade e autonomia aos seus alunos. No entanto, acrescentam que este olhar para o papel

do professor, não significa que este não tem que dizer nada aos alunos e que os alunos

aprendem por si sós desde que estejam perante tarefas válidas e com um conjunto de materiais

adequados à disposição. Para Chazan e Ball (1995) é importante que não se subestime o papel

do professor mas, por outro lado, é necessário que o professor valorize as capacidades e

autonomia do aluno. O professor deve pedir aos alunos justificações sempre que considere

oportuno, procurando que estes assumam também o poder de decidir o que está certo ou

errado (Alrø & Skovsmose, 2002; Chazan & Ball, 1995; Ponte & Santos, 1998). Tal pressupõe a

existência de ritmos e tempos que permitam aos alunos pensar e questionarem-se. Por exemplo,

a partir de experiências realizadas com alunos do 1º ano, que criaram os seus próprios

instrumentos de medida para resolver determinadas situações problemáticas, Stephan, Cobb,

Gravemeijer e Estes (2001) concluíram o quão importante é que os professores dêem tempo aos

alunos para criarem as suas próprias ferramentas e métodos, bem como para exporem as suas

ideias. Se forem colocados perante métodos e ferramentas impostos, eles tendem a tornar-se

“repetidores” de procedimentos cujo sentido, não raro, lhes escapa. O professor desempenha

um importante papel ao facilitar as tentativas de explicação dos alunos. Por um lado, pode

ajudar reformulando de forma mais clara aquilo que o aluno tenta dizer ou, por outro lado, pode

ser persistente na tentativa de o próprio aluno clarificar o que disse (Yackel, 1995). Yackel

aponta ainda para determinadas intervenções do professor que, apesar de bem intencionadas,

provocam inibições nos alunos. Por exemplo, quando o professor abrevia o esforço de

determinado aluno apontando para uma potencial solução ou aliviando a responsabilidade de

compreender quando necessitavam de acrescentar mais explicações, pode originar um

decréscimo de auto-estima do aluno.

Alguns autores lembram que o professor precisa de ouvir os alunos e que estes

precisam de ser ouvidos pelo professor e pelos colegas. Lindquist e Elliott (1996) apontam como

essencial para a comunicação, a capacidade do professor ouvir os alunos. O professor precisa

de ouvir o que compreenderam os alunos, o que sabem, o que pensam acerca da Matemática e

da aprendizagem da Matemática. Sublinham mesmo a capacidade de ouvir no silêncio e do

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

51

silêncio. Irwin e Herbert (2001) referem como essencial que o professor preste atenção ao que

os alunos conversam, falam e respondem às tarefas propostas. Peressini e Knuth (1998)

apontam para a importância do professor ouvir mais e falar menos, no sentido do discurso se

tornar mais dialógico.

O facto do professor ouvir e falar pouco, não quer dizer que se demita de garantir que a

Matemática trabalhada na sala de aula seja correcta e que o curso da aula vá no caminho

pretendido (Chazan & Ball, 1995). O professor pode, através de questões, retomar a discussão

de um tópico que segue um caminho incorrecto ou aprofundar a discussão de um outro

trabalhado de forma superficial. Pode, por exemplo, pedir uma clarificação de alguma ideia

apresentada por um aluno sem precisar de dizer que o aluno se exprimiu de forma pouco clara.

Ou então, através de questões, corrigir uma afirmação incorrecta, ou sublinhar uma ideia

relevante refraseando uma afirmação de um aluno.

Para o aluno, faz parte do papel do professor produzir explicações de forma clara.

Apesar do aluno atribuir habitualmente importância às explicações do professor, não quer

contudo dizer que considere que faz parte do seu próprio papel fazer o mesmo. O professor

mesmo que incentive esse papel nos alunos, não pode assumir que todos os alunos vão

interpretar as obrigações de explicar da mesma forma ou mesmo que as considerem uma

actividade matemática (Yackel, 1995).

Um outro elemento, já referido atrás, que contribui para o desenvolvimento de

capacidades comunicativas dos alunos é a realização de trabalhos de grupo. No entanto, até os

grupos de alunos terem uma certa autonomia, há muito trabalho complexo a realizar pelo

professor. Este tem que procurar que cada grupo trabalhe como um todo, que os elementos se

respeitem mutuamente, saibam discutir de uma forma construtiva, dando as suas opiniões e

ouvindo atentamente as dos colegas e chegando a um acordo quando necessário. O professor

tem que ter cuidado quando ouve um elemento de um grupo no sentido de perceber se a sua

fala representa o pensamento do grupo ou apenas o individual (Yackel, 1995).

Este aspecto é igualmente relevante quando se trata da discussão em grande grupo. No

entanto, nem sempre é fácil saber exactamente se o aluno está a ouvir o colega. Por exemplo, o

facto de o aluno olhar em silêncio para quem fala não quer dizer que esteja a escutar o que é

dito, pode estar simplesmente abstraído da aula ou a aguardar um momento para falar e expor o

seu ponto de vista (Lester, 1996), não estabelecendo qualquer ligação à intervenção anterior.

Numa experiência relatada por esta autora, o professor sentiu que havia alunos que pensavam

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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cada um no seu processo de resolução de um problema particular e não comentavam nem

questionavam o caminho dos colegas. Situações destas podem surgir no dia-a-dia da sala de

aula, sendo necessário recorrer a determinados artifícios para tentar concentrar os alunos em

torno de um processo de resolução de cada vez e estabelecendo conexões entre diferentes

caminhos.

Neste sentido, é assim um aspecto particularmente relevante os alunos darem sentido a

tudo aquilo que ouvem. O professor deve encorajá-los a colocar questões e pedir explicações e

clarificações (Yackel, 1995). Desta forma todos os alunos podem evoluir, por um lado, ao tornar

as suas explicações mais aceitáveis e claras, por outro lado, ao procurar sentido no que ouvem

dos colegas, tornando-se progressivamente mais críticos e exigentes. Assim, o professor

contribui para a construção de uma comunidade matemática na sala de aula. Lindquist e Elliott

(1996) na mesma linha da evolução pela positiva referem que o trabalho nas escolas, em

particular nas salas de aula de matemática, deve centrar-se naquilo que os alunos sabem e

evoluir na procura de mais conhecimento. Apontam mesmo que devemos, professores e

investigadores, estar interessados naquilo que o aluno aprendeu e não naquilo que não

aprendeu para que realmente se caminhe numa procura do conhecimento como objectivo.

Todo este trabalho a ser desenvolvido pelo professor é muito complexo. O desempenho

de um papel mais subtil em que ouve mais os alunos e em que procura não se impôr, sem no

entanto deixar de estar presente, requer uma atenção redobrada perante diversos aspectos, tais

como: orientar a direcção e o foco das discussões, garantir que se estabeleçam e respeitem

normas de interacção, e acautelar o desenvolvimento dos conteúdos matemáticos na sala de

aula (Chazan & Ball, 1995). Estes mesmos autores apontam para a importância do professor

não ser “a fonte de conhecimento”, permitindo que os alunos ganhem terreno e sejam também

eles criadores de novo conhecimento.

No entanto, não é possível falar do professor como uma entidade abstracta e sem

história. Muito pelo contrário, o exercício da sua profissão é, em cada momento, marcado por

um conjunto vasto de influências e percursos anteriores que, em boa parte, determinam o seu

comportamento. Um desses aspectos que nos parece muito relevante diz respeito ao modo

como a prática do professor é influenciada pelo seu modo de encarar a experiência matemática.

Loska (1998), por exemplo, ao traçar o paralelo entre o método socrático e o método

neo-socrático, distingue o caso em que a Matemática é olhada como corpo de conhecimento ou,

na expressão de Brissenden (1980), como um caminho para o conhecimento. Estas diferentes

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

53

posturas têm reflexos no seu entendimento da relevância da comunicação. Como seria de

esperar, professores que entendem a Matemática como um caminho e valorizam a sua

importância para a autonomia dos alunos, tendem a preocupar-se mais com aspectos da

comunicação (Nickson, 2000). Na mesma linha, Brissenden (1980) distingue o professor que vê

o aluno como receptor acrítico do conhecimento dos outros, embora o encoraje a participar e a

responder a perguntas por si colocadas, daquele que espera do aluno um papel activo, que mais

do que ouvir e responder, é capaz de investigar e desenvolver o espírito crítico explicitando as

suas ideias.

Brendefur e Frykholm (2000) referem que um professor que segue o padrão

unidireccional vê a Matemática como um corpo de conhecimento estático, cabendo-lhe

interpretá-lo e cabendo ao aluno recebê-lo de forma passiva. Além disso, quando o professor vê

a Matemática como um corpo de conhecimento, procura ele próprio esse conhecimento para

além de si, confiando nos livros – muitas vezes apenas nos manuais escolares. Tal como

referem Chazan e Ball (1995), alguns professores chegam a estar presos à terminologia

matemática convencional.

Para Brendefur e Frykhom (2000), no padrão unidireccional o professor é visto como a

autoridade do conhecimento matemático, por ele próprio e pelos alunos. No padrão contributivo,

o professor continua a beneficiar do estatuto de autoridade no entanto convida os alunos a

apresentar novas propostas. Estes dois padrões envolvem deferentes normas sociais: focar e

partilhar informação.

Segundo estes mesmos autores, o padrão reflexivo e instrutivo diferem entre si bem

como dos anteriores ao nível das normas sociomatemáticas. Diferenciam-se particularmente na

forma como utilizam o discurso para pensar matematicamente, conjecturar, justificar e

generalizar ideias matemáticas. Por exemplo, no padrão instrutivo o professor incorpora as

ideias e conjecturas dos alunos na sequência instrucional. Assim, para além de serem

convidados a partilhar informação (padrão contributivo), são também convidados a pensar

acerca do que é dito (padrão reflexivo), incorporar as suas ideias nas conversações e construir

caminhos matematicamente significativos (padrão instrutivo).

A tabela 2.3 apresenta esquematicamente um paralelo entre estas duas concepções

sobre a Matemática (como corpo e como caminho) e os padrões de interacção (referidos na

secção 2.2) que os professores seguem conforme se revêem mais ou menos numa ou noutra.

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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Apesar desta divisão de leituras por parte dos professores parecer arrumada, a realidade

é bastante mais complexa. Os próprios professores vivem esta dicotomia no seu dia-a-dia, na

planificação e implementação das aulas.

Tabela 2.3. Concepções sobre a Matemática e padrões de interacção

Concepções sobre a Matemática

Matemática como um corpo de conhecimento

Matemática como um caminho para

o conhecimento

Elicitação Discussão

Funil Focagem

Univocal Dialógico

Unidireccional Contributivo Reflexivo Instrutivo

Aula absolutista Aula dialógica

Padr

ões

de in

tera

cção

Método socrático Método neo-socrático

O papel do professor é fortemente influenciado pelo modo como olha a Matemática. Por

outro lado, a personalidade de cada um também vai interferir de forma directa com as opções

que toma (Canavarro, 2003; Boavida, 2005).

O discurso do professor revela as diferentes estratégias de ensino a que recorre (Mishler,

1972, citado em Menezes, 1995). De facto, dele se pode inferir as suas expectativas em relação

aos alunos e ao desenvolvimento da aula e em relação ao tipo de interacções que pretende

potenciar e que privilegia. No discurso do professor detectam-se, igualmente, as suas próprias

fragilidades. Cestari (1998), por exemplo, ao constatar que professores, que classifica de

construtivistas, usam padrões de repetição em simultâneo com estratégias mais compreensivas,

reconhece aí uma prova da dificuldade na mudança de padrões de comunicação.

Dificuldades e oportunidades de aprendizagem para o professor

São diversas as dificuldades e problemas que se colocam na gestão da comunicação na

sala de aula, umas intrínsecas e outras extrínsecas ao professor. No primeiro grupo inclui-se a

dificuldade do professor em aceder aos modos de compreensão, intuições e construções de

cada aluno, extraindo delas sentido a partir de evidências muito limitadas. O professor tem de

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

55

compreender as formas de falar dos alunos, as explicações dos seus pensamentos bem como os

métodos de resolução (Yackel, 1995). Em particular, como indica Brown (1997), o professor só

tem acesso aos esquemas de representação e raciocínio adoptados pelo aluno através de

trabalhos escritos ou do diálogo. Para além disso, nem sempre uma mudança no discurso

traduz uma mudança no pensamento individual do aluno (Cobb et al., 1997). No entanto, este

esforço para compreender aquilo que o aluno vê é importante para que seja possível relacionar

os novos conceitos com o background efectivo de cada aluno (Barth, 1996). Como também

refere esta autora, este quadro complica-se devido ao grande desafio que os professores

enfrentam da gestão do tempo – por um lado, pretendem assegurar a planificação e

calendarização, por outro, têm consciência que isso nem sempre é compatível com uma

verdadeira aprendizagem dos alunos.

Outras dificuldades têm a ver muito directamente com o modo como o professor actua

no processo comunicativo. Por exemplo, Smith (1998) relata uma experiência de duas aulas em

que procurou que os alunos discutissem em grupo determinados problemas. A autora revela a

dificuldade que sentiu em ouvir os alunos sem interferir nas discussões. Esta dificuldade em

ouvir e conter-se é natural na medida em que o professor habitualmente tem o papel de

controlar tudo o que ocorre na aula e, em particular, de corrigir sempre que surge algo menos

correcto.

Por outro lado, o professor pode ter dificuldade em gerir o silêncio. A mesma autora

revela, na experiência citada, essa dificuldade: quando os alunos liam uma determinada tarefa

em silêncio, sentia que estavam a demorar muito a iniciar a discussão, ocorrendo-lhe perguntas

como: “Porque demoram tanto?”, “De que estão à espera?”.

Entre as dificuldades extrínsecas, surge logo à partida o número, tantas vezes excessivo,

de alunos na sala de aula. Este facto dificulta ao professor dar atenção individualizada a cada

um, sem deixar os restantes entregues a si próprios, com as consequências que daí podem

decorrer.

Além disso, se houver 28 alunos dentro de uma sala é provável que haja também 28

percepções diferentes da mesma aula. As interacções são presenciadas de diferentes formas por

cada interveniente e os significados extraídos dependem do acesso ou não a todas as

interacções (verbais e não verbais) circundantes bem como do conhecimento necessário para

entender cada uma delas (Bleicher, 1998; Brown, 1997). Além do mais, convém ter presente

que professor e alunos partem, geralmente, de referenciais distintos. Alguns autores, como

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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Forman e Ansell (2002), referem-se a diferentes vozes. O professor tem a sua própria voz,

suportada nas suas experiências como professor e como aluno. Os alunos transportam as vozes

dos seus familiares mais próximos e das suas experiências anteriores.

Outras dificuldades extrínsecas ao professor são induzidas pela realidade “alunos”,

nomeadamente no seu desempenho escolar. Por exemplo, a falta de autonomia por parte dos

alunos, dificuldades na leitura e interpretação de textos, falta de confiança deles em si próprios e

nos colegas e, ainda, dificuldade de exprimir ideias e argumentar (Almiro, 1997). O pouco

empenho dos alunos, a dificuldade em ouvirem os colegas e o pouco esforço para se exprimirem

constituem factores por vezes difíceis de ultrapassar por corresponderem a atitudes assumidas.

Além disso, os alunos apresentam uma grande resistência a actividades não rotineiras. Se o

professor decide assumir menos o papel de perito (Siegel & Borasi, 1996), falta-lhes o suporte

habitual daquilo que o professor diz e escreve no quadro, que consideram ser o essencial

(Almiro, 1997). Do mesmo modo, em momentos de discussão os alunos podem sentir-se

perdidos, não sabendo explicitar aquilo que fizeram ou pensaram, e mesmo sentir que aquilo

não faz parte do que seria de esperar numa aula de Matemática (Brissenden, 1980;

Rittenhouse, 1998).

Algumas perspectivas que os alunos têm sobre o seu papel na sala de aula constituem,

também, uma dificuldade para o professor. Alrø e Skovsmose (2002) sublinham algumas

perspectivas mais comuns entre os alunos. Estes tendem a pensar que o professor acaba

sempre por dizer o que está bem e o que está mal, reconhecendo esse como sendo o seu papel

essencial. Habituados desde muito cedo a ser corrigidos pelos professores vão desenvolvendo

naturalmente esta perspectiva, que é assim construída a partir das suas próprias experiências de

sala de aula. A última voz é sempre a do professor e isso tem como consequência os alunos não

se sentirem responsáveis pela sua própria aprendizagem nem confiantes. Isto explica, por

exemplo, o facto de a reacção do professor a uma resposta de um aluno, possa ter da parte

deste uma interpretação precipitada, mudando rapidamente o sentido do que acaba de dizer

(Yackel & Cobb, 1996).

O professor precisa de criar oportunidades para que, por um lado, o aluno aprenda

Matemática e, por outro, que aprenda como discutir e argumentar matemática. Por isso, é

necessário que o professor veja o ensino da Matemática como oportunidade para envolver os

alunos na colocação e resolução de problemas, no raciocinar e no conjecturar (Rittenhouse,

1998), mais do que na mera memorização de algoritmos. Por exemplo, contrariar a atitude de

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Capítulo 2 – A comunicação matemática

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olhar para uma definição, tornando-se “escravo das palavras ao ponto de as confundir com o

seu sentido” em vez de as ver como “ferramentas para compreender” (Barth, 1996, p. 138).

Segundo Sherin (2002), o professor vive na tensão entre o discurso matemático e o

conteúdo matemático desse discurso, deslocando constantemente o foco do seu papel entre o

processo e o conteúdo, respectivamente. Por um lado, procura encorajar os alunos a partilhar as

ideias e a usar essas ideias como base para a discussão, por outro lado, tem que assegurar que

essas discussões sejam matematicamente produtivas (Sherin, 2002; Silver & Smith, 1996).

Dentro do processo necessita de prestar atenção a muitos factores, tais como, quem fala e com

quem, quando e o que diz, a quem se dirigem os alunos quando tecem comentários, se o

interesse dos alunos em participar é genuíno ou não. Relativamente ao conteúdo, necessita de

procurar uma certa profundidade e substância nas ideias matemáticas em discussão; se essas

ideias estão em sintonia com os objectivos curriculares e se a Matemática produzida faz parte da

comunidade mais alargada de que o próprio professor é representante (Sherin, 2002; Silver &

Smith, 1996). Alguns autores sugerem que este trabalho, para ser bem sucedido, seja feito por

fases. Primeiro orientarem a classe para o processo do discurso e depois voltarem-se para os

conteúdos (Rittenhouse, 1998; Wood, 1999; Wood, Cobb & Yachel, 1991). No entanto, Sherin

(2002) defende que o processo e conteúdo podem ser trabalhados em simultâneo.

Cada professor, cada turma, cada escola, cada comunidade são únicas. Assim, o

professor tem que se adaptar a diferentes situações ao longo da sua carreira. Apesar de

potencialmente serem fonte de crescimento e de aprendizagem, esses diferentes contextos

trazem consigo possíveis constrangimentos em termos do modo como os professores vivem o

ensino e a relação dialógica com as turmas.

As estruturas de comunicação e o desenvolvimento das interacções na sala de aula são

mutuamente condicionados. Por isso, os professores podem ter dificuldade em orientar

discussões quando os alunos não se mostram empenhados, não são capazes de ouvir os

colegas ou não fazem um esforço por se exprimir. Para além deste constrangimento, o professor

pode ter dificuldade em compreender determinadas explicações dos alunos e por sua vez em

tomar opções ao longo de uma discussão. Por exemplo, no caso do professor não compreender

uma explicação de um aluno, pode encontrar-se perante o dilema de não saber se é melhor

explorar e tentar que o aluno a clarifique ou se, pelo contrário, aceitá-la e procurar que a

conversação continue a fluir com toda a classe (Wood, 1995). Além disso o professor pode ter

dificuldade em decidir, por um lado, as oportunidades dadas aos alunos para exprimirem os

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

58

seus pensamentos, raciocínios e ideias e, por outro lado, aquilo que ele próprio deve ou não

dizer.

O acto comunicativo é, para professores (e alunos), um risco e uma oportunidade.

Quantas vezes o professor hesita, experimenta dificuldades em gerir os tempos e os ritmos do

diálogo e se interroga (por exemplo, “Que fazer se levantam questões despropositadas?”, “Se

não sei como explicar determinada coisa?”, “Se não compreendo?”) (Owen, 1995, p. 368). No

entanto, neste processo o professor aprende também a observar os alunos, a forma como

reflectem, reagem, tentam exprimir-se, e deste modo aprofunda o seu próprio conhecimento

(ganha insight), avalia a sua capacidade de correr riscos e se envolver na construção comum da

aula (Owen, 1995; Wood, 1995). Nas próprias situações de discordância que proporciona e

perante contradições os alunos chegam a surpreender o professor (Wood, 1995). Correndo

estes riscos, vai conhecendo os alunos e aprendendo com eles, vai percebendo o nível de

compreensão e dificuldade de cada um, a sua capacidade de expressão, aquilo que está menos

explícito na sua intervenção. Por exemplo, o aluno pode tentar apenas chamar à atenção do

professor, pode querer verbalizar aquilo que pensou, pode querer compreender, pode querer

procurar regras e procedimentos mais imediatos, pode simplesmente querer brincar ou distrair o

professor e os colegas. Todas essas aprendizagens levam o professor a reflectir sobre a sua

actividade e a procurar diferentes caminhos para o ensino da Matemática (Wood, 1995).

De uma forma geral, o papel do professor é assim essencial nas dinâmicas de sala de

aula: na iniciação e orientação das normas sociais, no desenvolvimento da capacidade de se

envolverem no diálogo, na potenciação da compreensão do que é uma explicação adequada, no

desenvolvimento de normas sócio-matemáticas e na influência sobre a actividade matemática do

aluno (Yackel, 1995).

De tudo isto emerge a constatação de que o professor é, de facto, uma figura-chave no

processo de ensino-aprendizagem (Ponte, 1994), dele dependendo, portanto, o sucesso de

qualquer transformação.