Remedio Amargo-Br Doc Txt

download Remedio Amargo-Br Doc Txt

of 263

Transcript of Remedio Amargo-Br Doc Txt

REMDIO AMARGO Arthur Hailey Digitalizao: Argo www.portaldocriador.org Traduo A. B. Pinheiro de Lemos.

Doenas, em desespero crescidas, Por meios desesperados ho de ser curadas. Ou no sero. let

Shakespeare, Ham

J estamos sufocados por uma abundncia infinita de medicamentos sempre exaltados e ainda acrescentam um novo. Dr. Thomas Sydenham (1624-1689)

PRLOGO: 1985 No 747, na primeira classe e meia hora depois da partida de Londres, o Dr. Andrew Jordan pegou a mo da esposa. Pare de se preocupar recomendou ele. Nada pode acontecer. Alguma coisa vai acontecer. Dennis Donahue cuidar para que assim seja. Andrew fez uma careta meno do populista senador americano da Nova Inglaterra. Eu aguardava ansiosamente o almoo protestou ele. Precisava estrag-lo me deixa ndo nauseado? Vamos falar srio, Andrew. No se esquea que houve mortes. Relacionadas com as d rogas. Voc estava muito longe delas. Mesmo assim, eu seria includa se houvesse um processo criminal. Poderia ir p ara a priso. Ele tentou reanimar os nimos abalados. Ainda no aconteceu. Mas se por acaso acontecer, prometo que a visitarei todo s os dias e levarei bolos com serras dentro. Oh, Andrew! Ela virou-se para o marido, o sorriso uma mistura de amor e tristeza. Depoi s de 28 anos de casamento, pensou Andrew, era maravilhoso contemplar a esposa, c om admirao, to bonita, inteligente e forte. E no estava sendo sentimental, disse a s i mesmo. J percebera todas essas qualidades e muito mais, exibidas mil vezes. Isso lindo interveio uma voz de mulher, ao lado deles. Andrew levantou os o lhos. Era uma aeromoa, jovial, bonita, observando-os de mos dadas. Ele comentou, c om uma expresso impassvel: O amor tambm pode acontecer aos velhos. mesmo? A aeromoa imitou o seu tom zombeteiro. Isso nunca tinha me ocorrido. Mais champanhe? Queremos, sim, por favor. Ele percebeu que a moa o inspecionava e compreendeu, sem qualquer vaidade, q ue ainda era atraente, mesmo para algum to jovem que podia ser sua filha. Como aqu ele colunista do jornal londrino o descrevera na semana anterior? "O atraente e distinto mdico de cabelos brancos, marido de... et cetera, et cetera." Andrew no o dissera, mas bem que gostara ao ler. Servido o champanhe, Andrew recostou-se. Gostava das mordomias que acompanh avam a viagem em primeira classe, mesmo que naquele dia parecessem menos signifi

cativas que habitualmente. Era o dinheiro da esposa que proporcionava aqueles pr ivilgios, claro. Sua renda como um mdico bastante procurado era mais do que razovel , mas duvidava que pudesse proporcionar viagens de primeira classe entre Londres e Nova York; e certamente no poderia financiar o jato particular em que a esposa e s vezes o prprio Andrew viajavam pela Amrica do Norte. Correo, ele lembrou a si mesmo: havia viajado, at agora. Eram indefinidas as m udanas que se estendiam pela frente. O dinheiro, no entanto, nunca fora um problema no casamento. Jamais tiveram qualquer discusso a respeito e desde o incio a esposa insistira que tudo o que po ssuam era comum. As contas bancrias eram sempre conjuntas. Embora a contribuio de An drew atualmente fosse de longe a menor, nenhum dos dois se preocupava com aritmti ca comparativa. Seus pensamentos vaguearam e continuaram de mos dadas, enquanto o 747 seguia para oeste, por cima do Atlntico. Andrew, voc um conforto e tanto disse a esposa subitamente. Sempre est ao me lado. E sempre to forte. curioso... forte era justamente o que eu estava pensando em relao a voc. H espcies diferentes de fora. E eu preciso da sua. Comeava a movimentao comum em uma viagem area, quando se preparavam para servir a refeio. Mesas embutidas eram arrumadas, com toalhas brancas e talheres. Depois de a lgum tempo, a esposa declarou: O que quer que acontea, eu vou lutar. No o que sempre fez? Ela pensava com extremo cuidado, como sempre. Escolherei um advogado nos prximos dias. Deve ser slido, mas no bombstico. Um e xcesso de exibio seria um erro. Andrew apertou-lhe a mo. Assim que eu gosto de ver. Ela retribuiu-lhe o sorriso. Sentar ao meu lado no tribunal? Todos os dias. Os pacientes tero de se arrumar sozinhos at acabar. Voc nunca deixaria que isso acontecesse, mas eu gostaria que ficasse ao meu lado. H outros mdicos. Pode-se dar um jeito. Talvez, com o advogado certo, possamos realizar um milagre. Andrew meteu uma faca numa poro de caviar que acabara de ser colocado sua fre nte. Por mais graves que fossem os seus problemas, no havia sentido em renunciar q uilo. Pode acontecer disse ele, espalhando o caviar pela torrada. Comeamos com um milagre, voc e eu. E houve outros desde ento, que voc promoveu. Por que no mais um? E desta vez s para voc. Seria um milagre e tanto. Ser corrigiu Andrew, gentilmente. Ele fechou os olhos. O champanhe e a altitude deixavam-no sonolento. Mas, e m sua sonolncia, recordou o primeiro milagre. H muito tempo...

PARTE UM - 1957-1963 CAPTULO 1 O Dr. Jordan disse, suavemente: Sua mulher est morrendo, John. S lhe restam mais algumas horas. Uma pausa e, consciente do rosto plido e angustiado do jovem magro sua frent e, ainda vestindo o macaco de operrio, ele acrescentou: Eu gostaria de poder lhe dizer outra coisa. Mas achei que preferia saber a verdade.

Estavam no St. Bede's Hospital, em Morristown, New Jersey. Vinham l de fora os rudos do incio da noite os rudos de uma cidade pequena mas no chegavam a perturb r o silncio entre os dois. luz fraca do quarto de hospital, Andrew observou o pom o-de-ado do marido da paciente se sacudir convulsivamente duas vezes, antes que e le conseguisse balbuciar: No posso acreditar. Estamos apenas comeando. E sabe que temos um filho pequen o. Sei, sim. to... Injusto? O rapaz assentiu. Um homem bom e decente, trabalhador, a julgar pela aparnci a. John Rowe. Tinha 25 anos, apenas quatro anos mais moo que o Dr. Jordan. Estava absorvendo muito mal a notcia... o que no era de surpreender. Andrew desejava pod er confort-lo mais. J se encontrara muitas vezes com a morte e estava preparado pa ra reconhecer os indcios de sua aproximao, mas ainda no sabia direito como se comuni car com os amigos ou a famlia de uma pessoa agonizante. Um mdico deveria ser brusc o, direto ou haveria algum meio mais sutil? Era uma coisa que no ensinavam na fac uldade de medicina. Nem depois. Os vrus so injustos, embora a maior parte no se comporte como este fez com Mar y acrescentou Andrew. Geralmente reagem ao tratamento. No h nada que se possa fazer? Alguma droga que poderia... Andrew sacudiu a cabea. No adiantava entrar em detalhes ao responder: Ainda no . At agora, no existe qualquer medicamento para coma agudo de hepatite infecciosa avanada. Tambm nada se ganharia se informasse que, no incio daquele dia, consultara seu colega snior da clnica, Dr. Noah Townsend, que era tambm o diretor-mdico do hos pital. E cerca de uma hora antes Townsend dissera a Andrew: Fez tudo o que pde. No h nada que eu prprio fizesse de maneira diferente. Somente ento que Andrew enviara um recado fbrica, na cidadezinha prxima de Boo nton, onde John Rowe trabalhava. Mas que droga! Os olhos de Andrew se desviaram para a cama elevada de metal , com o vulto imvel. Era a nica cama no quarto, por causa do aviso destacado de "I SOLAMENTO" no corredor l fora. O vidro de soro, em seu suporte por trs da cama, pi ngava o contedo dextrose, soluo salina, vitaminas do complexo B em Mary Rowe, atrav de uma agulha que penetrava numa veia do antebrao. J estava escuro l fora, ocasion almente se ouvia os estrondos das trovoadas, chovia forte. Uma noite horrvel. E a ltima noite de vida para aquela jovem esposa e me, que fora saudvel e ativa apenas uma semana antes. Era mesmo injusto. Hoje sexta-feira. Na ltima segunda-feira, Mary Rowe, pequena e bonita, embor a visivelmente indisposta, apareceu no consultrio de Andrew. Queixou-se de vertig ens, sentir-se fraca, no conseguir comer direito. A temperatura era de 39C. A Sra. Rowe informou que quatro dias antes tivera os mesmos sintomas e mais o vmito. Mas sentira-se melhor no dia seguinte e pensara que o problema, qualque r que fosse, j desaparecera. Mas agora voltara. E passava muito mal, ainda pior d o que antes. Andrew examinou os brancos dos olhos de Mary Rowe; estavam amarelados. reas de sua pele tambm j se mostravam amareladas. Ele apalpou o fgado, mole e intumescid o. Um breve interrogatrio extraiu a informao de que ela estivera no Mxico com o mari do, em breves frias, no ms anterior. Isso mesmo, hospedaram-se num pequeno hotel, porque era mais barato. Isso mesmo, ela comera os pratos locais e bebera a gua. Vou intern-la imediatamente no hospital disse-lhe Andrew. Precisamos de um e xame de sangue para confirmar, mas tenho quase certeza que est com hepatite infec ciosa. Depois, como Mary Rowe parecia assustada, ele explicou ser quase certo que ela consumira um alimento ou gua contaminada no Mxico, que provavelmente alguma pe ssoa com a doena manuseara a comida. Acontecia freqentemente em pases de sistema sa nitrio precrio. Quanto ao tratamento, seria principalmente de apoio, com a absoro de bastante fluido pelo corpo, por meio intravenoso. Andrew acrescentou que a recuperao total

, em 95 por cento dos casos, levava de trs a quatro meses, embora Mary devesse es tar em condies de voltar para casa dentro de poucos dias. Com um sorriso apreensiv o, ela perguntou: O que acontece com os outros cinco por cento dos casos? Andrew riu. Esquea. uma estatstica em que voc no ser includa. E fora nisso que ele se enganara. Ao invs de melhorar, o estado de Mary Rowe se agravou. A bilirrubina no sang ue foi subindo cada vez mais, indicando uma ictercia crescente, o que era evident e pelo amarelado alarmante da pele. Ainda mais crtico, os exames na quarta-feira revelaram um nvel perigoso de amonaco no sangue. Era amonaco originrio dos intestino s, que o fgado em deteriorao no podia mais manipular. E no dia anterior o estado mental se deteriorara. Ela se mostrara confusa, desorientada, no sabia onde estava ou por qu, no reconhecera Andrew nem o marido. F ora ento que Andrew advertira a John Rowe de que sua esposa se achava gravemente doente. A frustrao por no ser capaz de fazer nada para ajudar atormentou Andrew durant e toda a quinta-feira. Nos intervalos entre os pacientes que recebia no consultri o, ele ficava pensando no problema, mas sempre em vo. Compreendia que um obstculo para a recuperao era o acmulo de amonaco. Como remov-lo? Ele sabia que, no estado atu al da medicina, no havia qualquer meio eficaz. E finalmente com total injustia, ele pensava agora descarregara a sua raiva na maldita vendedora da companhia farmacutica que aparecera em seu consultrio quan do a tarde terminava. No se lembrava de seu nome ou aparncia, exceto que usava culo s e era jovem, apenas uma criana, provavelmente inexperiente. Era representante da Felding-Roth Pharmaceuticals. Depois, Andrew se pergun tou por que concordara em receb-la, quando a recepcionista a anunciara. Mas receb era, talvez pensando que pudesse aprender alguma coisa. A moa se pusera a falar s obre o mais recente antibitico que seu laboratrio lanara no mercado, enquanto os pe nsamentos de Andrew vagueavam para longe. Ela acabara dizendo: No est prestando ateno, Doutor. E isso o deixara furioso. Talvez porque eu tenha algo mais importante em que pensar e voc esteja despe rdiando meu tempo. Era uma grosseria e ele no faria uma coisa dessas em circunstncias normais. M as sua preocupao intensa com Mary Rowe se somara a uma averso antiga aos laboratrios farmacuticos e seus mtodos de vendas sob forte presso. Claro que havia alguns medi camentos bons, fabricados pelas grandes firmas, mas Andrew achava ofensivo o sis tema de vendas, inclusive os promotores que adulavam os mdicos. Tivera o primeiro contato com tudo isso ainda na faculdade de medicina, onde os estudantes futuro s receitadores, como os laboratrios farmacuticos bem sabiam eram sempre procurados , bajulados e envolvidos pelos representantes das grandes firmas. Entre outras c oisas, os representantes distribuam estetoscpios e valises mdicas, que alguns estud antes aceitavam com a maior satisfao. Andrew no fora um deles. Embora tivesse pouco dinheiro, preferira manter sua independncia e comprar os seus equipamentos. Talvez possa me contar, Doutor, o que to importante assim dissera a propagan dista do Felding-Roth no dia anterior. Fora ento que Andrew soltara tudo, falando sobre o estado crtico de Mary Rowe , com intoxicao por amonaco. Acrescentara caustica-mente que gostaria que laboratrio s como o Felding-Roth, em vez de se concentrarem em algum antibitico provavelment e no melhor nem pior que meia dzia de outros j disponveis no mercado, desenvolvessem um medicamento para deter o excesso de produo de amonaco... Ele parara por a, j envergonhado de sua exploso. Certamente teria pedido descu lpas, se a moa, recolhendo seus papis e amostras, no estivesse se encaminhando para a porta, dizendo simplesmente ao se retirar: Boa tarde, Doutor. Tanto trabalho ontem e Andrew no via crescer sua capacidade para ajudar Mary Rowe! Naquela manh, ele recebera um telefonema da enfermeira-chefe do andar, Sra . Ludlow. Estou preocupada com a sua paciente Rowe, Dr. Jordan. Ela est se tornando co

matosa, no reage absolutamente. Andrew correra para o hospital. Um residente se encontrava junto a Mary Row e, que a esta altura estava em coma profundo. Embora no pudesse deixar de seguir apressadamente para o hospital, Andrew j sabia, antes de chegar, que no havia qual quer possibilidade de medidas hericas. Tudo o que podiam fazer era manter o fluxo de fluidos por via intravenosa. E rezar. Agora, quase ao final do dia, era evidente que toda e qualquer esperana fora em vo. O estado de Mary Rowe parecia irreversvel. Reprimindo as lgrimas, John Rowe perguntou: Ela vai recuperar a conscincia, Doutor? Mary saber que estou aqui? Lamento muito, mas no provvel. Ficarei com ela, mesmo assim. No tem problema. As enfermeiras estaro por perto e darei as instrues necessrias ao residente. Obrigado, Doutor. Ao sair, Andrew pensou: Obrigado pelo qu? Sentia a necessidade de tomar um c af e seguiu para o lugar em que sabia que o encontraria. A sala dos mdicos era escassamente mobiliada, com umas poucas cadeiras, uma prateleira para a correspondncia, um aparelho de televiso, uma mesinha e armrios. M as oferecia as vantagens da privacidade e de uma cafeteira permanentemente abast ecida. No havia ningum na sala quando Andrew chegou. Ele serviu-se de caf e arriou numa poltrona velha e surrada. No havia necessi dade de permanecer no hospital por mais tempo, mas instintivamente ele adiou a p artida para o seu apartamento de solteiro fora Hilda, a mulher de Noah Townsend, quem o arrumara bastante confortvel, embora s vezes solitrio. O caf estava bastante quente. Enquanto o deixava esfriar um pouco, Andrew de u uma olhada num exemplar do Newark Star-Ledger. Em destaque na primeira pgina do jornal estava a notcia de uma coisa chamada "Sputnik", um satlite da Terra, o que quer que isso fosse, lanado recentemente pelos russos ao espao exterior, entre fa nfarras, anunciando "o amanhecer de uma nova era espacial". Enquanto o President e Eisenhower, segundo a notcia, deveria ordenar uma intensificao do programa espaci al dos Estados Unidos, os cientistas americanos se declaravam "chocados e humilh ados" com a vanguarda tecnolgica dos russos. Andrew torceu para que um pouco do c hoque extravazasse para a cincia mdica. Embora tivesse ocorrido um grande progress o durante os 12 anos desde a Segunda Guerra Mundial, ainda havia falhas deprimen tes, muitas perguntas sem resposta. Largando o jornal, ele pegou um exemplar de Medical Economics, uma revista que alternadamente o divertia e fascinava. Dizia-se que a publicao era lida avidam ente pelos mdicos, que lhe dispensavam mais ateno at do que ao prestigioso New Engla nd Journal of Medicine. Medical Economics tinha uma funo bsica instruir os mdicos sobre as maneiras de ganhar o mximo de dinheiro e, depois disso, como investi-lo ou gast-lo. Andrew com eou a ler um artigo: "Oito Maneiras de Reduzir os Impostos na Clnica Particular". Pensou que deveria tentar compreender essas coisas, porque cuidar de dinheiro, q uando um mdico finalmente comeava a ganhar algum, depois de anos de treinamento, e ra outra coisa que no ensinavam na faculdade de medicina. Desde que se associara ao Dr. Townsend, h um ano e meio, Andrew ficara espantado com a quantidade de din heiro que flua a cada ms para sua conta bancria. Era uma experincia nova e no de todo desagradvel. Embora no tivesse a inteno de permitir que o dinheiro o dominasse, mes mo assim... Com licena, Doutor. Uma voz de mulher. Andrew virou a cabea. Fui a seu consultrio, Dr. Jordan. No estava l e resolvi procur-lo aqui no hospi tal. Mas que diabo! Era a mesma promotora de laboratrio farmacutico que estivera e m seu consultrio no dia anterior. Estava de capa, completamente encharcada. Os ca belos castanhos pingavam, os culos se achavam embaados. Mas que desfaatez... vir pr ocur-lo ali! Parece no saber que esta uma sala particular disse Andrew, irritado. Alm dis o, no recebo promotoras...

A moa interrompeu-o: No hospital. Sei disso. Mas achei que era muito importante. Com uma srie de movimentos rpidos, ela largou uma pasta na mesa, tirou os culos para limp-los, comeo u a remover a capa molhada. Est um tempo horrvel l fora. Fiquei encharcada s de atra vessar o estacionamento. O que to importante assim? A promotora Andrew observou novamente que ela era jovem, no devia ter mais q ue 24 anos largou a capa numa cadeira. E falou devagar, incisivamente: - Amonaco, Doutor. Disse-me ontem que tinha uma paciente de hepatite que esta va morrendo por intoxicao de amonaco. Disse que gostaria... Sei muito bem tudo o que eu disse. A promotora fitou-o calmamente, com seus olhos verdes-cinzas. Andrew perceb eu que ela possua uma personalidade forte. No era o que se podia chamar de bonita, pensou ele, embora tivesse um rosto simptico, de malares salientes; com os cabel os secos e penteados, provavelmente seria at atraente. E sem a capa, o corpo at qu e no era dos piores. No tenho a menor dvida quanto a isso, Doutor. E tambm estou certa de que sua m emria melhor do que suas maneiras. Andrew fez meno de dizer alguma coisa, mas ela deteve-o com um gesto impacien te e continuou: O que eu no lhe disse ontem... no podia dizer... que meu laboratrio, o Felding -Roth, vem trabalhando h quatro anos numa droga que reduziria a produo de amonaco pe las bactrias intestinais... um medicamento que seria til num estado crtico como a d e sua paciente. Eu tinha conhecimento disso, mas no sabia at que ponto as pesquisa s j haviam progredido. Fico contente em saber que algum est tentando murmurou Andrew. Mas ainda no e tendo... Vai entender, se escutar. A promotora empurrou para trs diversas mechas de c abelos molhados que haviam cado sobre o rosto. A droga que eles desenvolveram... chama-se Lotromycina... j foi usada com sucesso em animais. Est pronta agora para os testes em seres humanos. Consegui arrumar um pouco de Lotromycina.. E a troux e. Andrew levantou-se. Ser que compreendi direito, Srta. ...? Ele no conseguiu lembrar-se do nome e pela primeira vez sentiu-se contrafeit o. No esperava que se lembrasse. Novamente a impacincia. Sou Celia de Grey. Por acaso est sugerindo, Srta. Grey, que eu d minha paciente um medicamento d esconhecido e experimental que at agora s foi experimentado em animais? Como qualquer medicamento, sempre tem de haver um primeiro ser humano a us-l o. Se no se importa, prefiro no ser o mdico pioneiro. A promotora alterou uma sobrancelha ceticamente, a voz se tornou mais incis iva quando acrescentou: Nem mesmo quando sua paciente est morrendo e nada mais se pode fazer? Como e st a sua paciente, Doutor... a de que me falou ontem? Pior do que ontem. Andrew hesitou por um instante. Ela entrou em coma. Quer dizer ento que ela est morrendo? Sei que est bem intencionada, Srta. Grey, e lamento muito a maneira como fal ei quando entrou aqui. Mas o fato lamentvel que j se tornou tarde demais... tarde demais para se tentar quaisquer drogas experimentais. E mesmo que eu estivesse d isposto, tem alguma idia de todos os procedimentos e protocolos por que teramos de passar? Tenho, sim. Os olhos da promotora estavam agora ardendo intensamente, fixados em Andrew . Ocorreu-lhe que comeava a gostar daquela moa franca e corajosa. Ela continuou: Conheo exatamente todos os procedimentos e protocolos que so necessrios. Desde que o deixei ontem, no fiz praticamente outra coisa que no descobrir tudo a respe ito... e tambm torcer o brao do nosso diretor de pesquisa para me fornecer um supr imento de Lotromycina, da qual s existe uma quantidade mnima. Mas eu peguei... h trs

horas, em nosso laboratrio em Camden. E guiei at aqui sem parar, enfrentando este tempo horrvel. Andrew comeou, a murmurar "Estou grato...", mas ela sacudiu a cabea, impacien temente. E tem mais, Dr. Jordan: j providenciei toda a documentao necessria. Para usar o medicamento, s precisa agora obter permisso deste hospital e do parente mais prxim o. E mais nada. Ele s podia fit-la com uma expresso aturdida. Essa no! Estamos perdendo tempo. Celia de Grey abrira a pasta e estava tirando algun s papis. Por favor, comece por ler isto. uma descrio da Lotromycina preparada espec ialmente para voc pelo departamento de pesquisa do Felding-Roth. E aqui est um mem orando do nosso diretor mdico... com instrues sobre a maneira como a droga deve ser ministrada. Andrew pegou os dois documentos, que pareciam ser os primeiros de muitos. E ficou absorvido assim que comeou a ler. Quase duas horas haviam passado. Com a sua paciente in extremis, Andrew, o que temos a perder? A voz ao tele fone era de Noah Townsend. Andrew localizara o chefe mdico do hospital num jantar particular e descrevera a oferta da droga experimental Lotromycina. Townsend pe rguntou: O marido j deu permisso? Por escrito. Falei com o administrador em sua casa. Ele veio ao hospital e mandou datilografar o formulrio. J est assinado e com testemunhas. Antes da assinatura, Andrew conversara com John Rowe no corredor, junto por ta do quarto em que se encontrava sua esposa agonizante. O jovem marido reagira ansiosamente... to ansiosamente, na verdade, que Andrew o advertira a no acalentar grandes esperanas. A assinatura na autorizao estava trmula, porque John Rowe no fora capaz de controlar o tremor da mo. Mas estava ali e o documento era legal. Agora , Andrew disse a Noah Townsend: O administrador est convencido de que os outros documentos, enviados pelo Fe lding-Roth, se acham em ordem. Aparentemente, tudo se tornou mais fcil porque o m edicamento no teve de cruzar uma fronteira estadual. Ter de registrar todos os detalhes na ficha da paciente. J cuidei disso. Ento tudo o que precisa da minha autorizao? Isso mesmo. Pelo hospital. Pois eu a concedo. No tenho muita esperana, Andrew. Acho que sua paciente j fo i longe demais. Mas no custa tentar. E agora, se me d licena, posso voltar a um del icioso faiso assado? Andrew desligou o telefone, na sala das enfermeiras, e perguntou: Est tudo pronto? A enfermeira-chefe do planto noturno, uma veterana, j preparara a bandeja com a seringa hipodrmica. Abriu a geladeira e acrescentou o vidro transparente com o medicamento, trazido pela promotora do Felding-Roth. Est, sim. Pois ento vamos embora. O mesmo residente que estivera com Mary Rowe naquela manh, Dr. Overton, enco ntrava-se ao lado da cama quando Andrew e a enfermeira entraram no quarto. John Rowe esperava num canto. Andrew explicou a Lotromycina ao residente, um texano corpulento e extrover tido, que disse em seu sotaque arrastado: Espera um milagre? No respondeu Andrew, bruscamente. Ele virou-se para o marido de Mary Rowe. Q uero ressaltar mais uma vez, John, que se trata de um tiro no escuro, no sabemos o que pode acontecer. Mas, nas circunstncias... Compreendo perfeitamente murmurou o rapaz, a voz baixa, impregnada de emoo. A enfermeira preparou a inconsciente Mary Rowe para a injeo, que seria intram

uscular, na ndega, enquanto Andrew dizia ao residente: O laboratrio farmacutico informa que a dose deve ser repetida a cada quatro h oras. Deixei uma ordem por escrito, mas gostaria que voc... - Estarei aqui, chefe. Entendido, de quatro em quatro horas. O residente ba ixou a voz ao acrescentar: Que tal uma aposta? Posso lhe dar alguma vantagem... Andrew silenciou-o com um olhar furioso. O texano estava no programa de tre inamento do hospital h um ano. J demonstrara que era altamente competente como mdic o, mas sua falta de sensibilidade se tornara notria. A enfermeira terminou de aplicar a injeo, verificou o pulso e a presso da paci ente. E informou: No h reao, Doutor. Nenhuma mudana nos sinais vitais. Andrew assentiu, aliviado por um momento. No esperava qualquer efeito positi vo, mas uma reao adversa fora uma possibilidade, particularmente com um medicament o experimental. Ele ainda duvidava, no entanto, que Mary Rowe sobrevivesse at a m anh seguinte. Telefonem para minha casa, se ela piorar. Depois, em tom mais suave, ele acrescentou para o marido, ao se retirar: Boa noite, John. Foi somente quando j estava no apartamento que Andrew se lembrou que no falar a com a promotora do Felding-Roth, a quem deixara esperando na sala dos mdicos. D esta vez ele se lembrou do nome... de Grey. Seria Cindy o primeiro? No, Celia. An drew estendeu a mo para o telefone, mas depois calculou que quela altura a moa j des cobrira o que acontecera. Deixaria para falar com ela no dia seguinte. 2 Normalmente, nas manhs de sbado, Andrew recebia pacientes no consultrio desde as 10 horas da manh e passava pelo hospital por volta de meio-dia. Hoje, no entan to, ele inverteu o procedimento, chegando ao St. Bede s nove horas da manh. A tempestade com muita chuva da noite anterior fora substituda por uma manh c lara e fresca, um pouco fria, mas ensolarada. Andrew subia a escadaria do hospital quando a porta principal se abriu abru ptamente e o residente, Dr. Overton, saiu quase correndo. Ele parecia muito agit ado. Os cabelos estavam desgrenhados, como se tivesse acabado de sair da cama e esquecido de pente-los. A voz era ofegante quando pegou o brao de Andrew e disse: Liguei para o seu apartamento. J tinha sado. O zelador do prdio disse que vinh a para c. E eu tinha de encontr-lo antes que entrasse. Andrew desvencilhou o brao. O que aconteceu? Por que tudo isso? O residente engoliu em seco. No importa. Apenas venha comigo. Apressadamente, Overton seguiu na frente pelo corredor e entrou no elevador . Recusou-se a falar ou sequer fitar Andrew nos olhos enquanto subiam para o qua rto andar. O residente saiu rapidamente do elevador, seguido por Andrew. Pararam diante do quarto em que, na noite anterior, Andrew deixara a incons ciente Mary Rowe, seu marido, a enfermeira e o residente. Entre! Overton gesticulou impacientemente. Vamos, entre logo! Andrew entrou. E parou. Olhando aturdido. Atrs dele, o residente disse: Deveria ter aceitado a minha aposta, Dr. Jordan. Uma pausa e ele acrescento u: Se eu no testemunhasse pessoalmente, no acreditaria. Andrew murmurou: Ainda no tenho certeza se eu mesmo posso acreditar. Mary Rowe, plenamente consciente, recostada na cama, usando uma camisola az ul de renda, sorriu-lhe. Embora o sorriso fosse dbil, assim como a prpria Mary Row e, o estado dela era um contraste to grande com o coma profundo da noite anterior que parecia um milagre. Ela estivera bebendo gua, ainda tinha um copo de plstico na mo. O tom amarelado da pele, que aumentara no dia anterior, estava agora perce ptivelmente mais claro. Quando Andrew se adiantou, o marido levantou-se, com um

sorriso largo, as mos estendidas. Obrigado, Doutor! Muito obrigado! O pomo-de-ado de John Rowe balanava para cima e para baixo enquanto Andrew lh e apertava a mo. Da cama, Mary Rowe acrescentou, em tom suave, mas fervoroso: Deus o abenoe, Doutor! Foi a vez do residente. Overton sacudiu vigorosamente a mo de Andrew. Meus parabns! E, depois, ele acrescentou, insolitamente, "senhor". Andrew ficou surpreso ao ver lgrimas brilhando nos olhos do corpulento texano. A enfermeira-chefe do an dar, Sra. Ludlow, entrou no quarto. Normalmente compenetrada e solene, ela se mo strava agora radiante. A notcia j se espalhou por todo o hospital, Dr. Jordan. No se fala de outra co isa. Foi um medicamento experimental que me trouxeram, Lotromycina protestou And rew. Eu no... Tornou-se um heri aqui disse a enfermeira. No seu lugar, no lutaria contra is so. J providenciei um exame de sangue informou o residente. Mostrou que o amonaco est abaixo do nvel txico. E como a bilirrubina tambm no est subindo, o resto da cura ser uma questo de rotina. Uma pausa e ele acrescentou, para si mesmo: incrvel! Andrew disse paciente: Estou feliz por voc, Mary. Um pensamento ocorreu-lhe. Algum viu aquela moa do Felding-Roth, Srta. de Grey? Ela passou por aqui mais cedo disse a Enfermeira Ludlow. Talvez esteja no p osto de enfermagem. Com licena murmurou Andrew, saindo apressadamente. Celia de Grey esperava no corredor. Trocara as roupas da noite anterior. Um sorriso suave lhe iluminava o rosto. Enquanto se olhavam, Andrew percebeu que havia um constrangimento entre os dois. Voc parece muito melhor com os cabelos secos comentou ele. E voc no est to sombrio e ameaador como ontem. Houve uma pausa e depois ele indagou: J soube? J. L dentro... Andrew gesticulou para o quarto. L dentro me agradeceram. Mas vo que merece todos os agradecimentos. Celia murmurou, sorrindo: Voc o mdico. E depois, subitamente, todas as barreiras removidas, os dois riam e chorava m juntos. Um momento mais tarde, para surpresa, Andrew abraou-a e beijou-a. Durante um caf e um sanduche partilhado na cantina do hospital, Celia de Grey tirou os culos e disse: Telefonei para o diretor-mdico do laboratrio e relatei o que aconteceu. Ele f alou com a turma da pesquisa. Todos esto felizes. E tm todo o direito a isso. Fabricaram um bom medicamento. Pediram-me que lhe perguntasse: Escrever um relatrio sobre o caso, incluindo o uso de Lotromycina, para publicao em alguma revista mdica? Com o maior prazer. Claro que isso seria timo para o Felding-Roth. O tom da promotora era agora absolutamente profissional. Esperamos que a Lotromycina se torne um medicamento importante, lder de vendas. Mas tambm isso no lhe far mal algum. Andrew reconheceu o fato com um sorriso. Provavelmente no. Ele se manteve pensativo enquanto tomava o caf. Sabia que, por mero acaso, p or uma sorte inesperada proporcionada pela moa sentada sua frente, que agora via

como admirvel e atraente, participara de um captulo importante da histrica mdica. Er am bem poucos os mdicos que tinham essa oportunidade. H uma coisa que preciso dizer, Celia. Falou-me ontem que eu tinha pssimas man eiras e estava com toda razo. Fui muito grosseiro. Peo desculpas. No precisa disse ela, bruscamente. Gostei de voc como era. Estava preocupado com a sua paciente e no se importava com mais nada. E deixou transparecer a sua p reocupao. Mas sempre foi assim. O comentrio surpreendeu Andrew. Como sabe? As pessoas me contaram. Novamente o sorriso afetuoso. E ela estava outra vez com os culos no lugar; tirar e pr os culos parecia ser um hbito. Celia acrescentou: Sei muita coisa a seu respeito, Andrew Jordan. Em parte porque minha funo con hecer os mdicos e em parte... mas deixarei isso para mais tarde. Esta moa excepcional, pensou Andrew, possui muitas facetas. Ele Perguntou: O que exatamente voc sabe? Para comear, foi um dos primeiros de sua turma em John Hopkins. Fez o estgio de interno e a residncia no Hospital-Geral de Massachusetts... e sei que somente os melhores vo para l. E depois o Dr. Townsend escolheu-o, entre 50 candidatos, tr azendo-o para sua clnica, porque sabia que voc era bom. Quer mais? Andrew soltou uma risada. Tem mais? Somente que voc um homem muito simptico, Andrew. E o que todo mundo diz. Mas tambm descobri alguns aspectos negativos em voc. Estou chocado... Por acaso pensa em sugerir que no sou absolutamente perfeit o? Tem alguns pontos em que se recusa a raciocinar. Por exemplo, em relao aos la boratrios farmacuticos. Est cheio de preconceitos contra ns. Concordo em algumas coi sas... Pare por a! Andrew levantou a mo. Admito os preconceitos. Mas tambm posso dec arar que, esta manh, estou disposto a mudar de idia. Isso timo, mas no deve mudar completamente. - Celia usava outra vez o tom prof issional. H muitas coisas boas em nossa indstria e acaba de testemunhar uma delas. Mas h tambm coisas que no so to boas, algumas que no me agradam e tenciono alterar. Voc tenciona alterar? Andrew alteou as sobrancelhas. Pessoalmente? Sei o que est pensando... que sou uma mulher. J que mencionou, tem toda razo, notei isso. Celia manteve-se compenetrada: Est chegando o momento... mais do que isso, j chegou... em que as mulheres fa ro muitas coisas que nunca ousaram antes. Neste momento, estou disposto a acreditar nisso tambm, especialmente no seu caso. Uma pausa e Andrew acrescentou: Falou que tinha outra coisa para me dizer, mas deixaria para mais tarde. Pela primeira vez, Celia de Grey hesitou. verdade. Os olhos verdes-cinzas se encontraram com os de Andrew. Ia esperar at nos encontrarmos outra vez, mas posso dizer logo de uma vez. Decidi casar com voc. Mas que moa extraordinria! To cheia de vida e personalidade, para no falar das surpresas sucessivas. Andrew jamais conhecera algum como ela. Ele comeou a rir, ma s um instante depois mudou de idia abruptamente. Um ms depois, na presena de uns poucos amigos ntimos e parentes, o Dr. Andrew Jordan e Celia de Grey casaram, numa discreta cerimnia civil. 3 Celia disse a Andrew no segundo dia da lua-de-mel: Nosso casamento ser muito bom. Faremos com que d certo.

Se quer saber minha opinio... Andrew rolou na toalha de praia que partilhava m e conseguiu beijar a nuca da esposa. Se quer saber minha opinio, j est dando cert o. Eles se encontravam na ilha de Eleuthera, nas Bahamas. Por cima deles, havi a apenas um sol quente no meio da manh e umas poucas nuvens brancas. Uma praia de areia branca, da qual eram os nicos ocupantes, parecia estender-se pelo infinito . Uma brisa soprava do mar, balanando as folhas das palmeiras e, imediatamente fr ente, levantando ondulaes no mar sereno. Se est falando de sexo, disse Celia, at que no nos samos to mal assim, no Andrew soergueu-se, apoiado num cotovelo. No nos samos mal? Voc dinamite. Onde foi que aprendeu... Ele parou de repente No, no me diga. Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta murmurou Celia zombeteira. Ela estendeu a mo e acariciou-lhe a coxa, enquanto a lngua contornava sua boc a. Andrew abraou-a, sussurrando: Vamos voltar ao bangal... - Por que no aqui mesmo? Ou naquelas moitas ali? E chocar os nativos? Ela riu, enquanto Andrew a levantava e saam correndo pela praia. Voc um pudico... um pudico de verdade! Quem teria adivinhado? Andrew levou-a para o pitoresco bangal de teto de colmo em que haviam se ins talado no dia anterior e que ocupariam por mais 10 dias. No quero partilhar voc com as formigas e caranguejos... e se isso me torna um pudico, que assim seja. Andrew tirou o calo enquanto falava. Mas Celia se antecipara. J estava sem o b iquni, estendida nua na cama, ainda rindo. Uma hora depois, de volta praia, Celia disse: Como eu estava falando sobre o nosso casamento... Ser muito bom arrematou Andrew por ela. Concordo plenamente. E para fazer com que d certo, devemos ambos ser pessoas realizadas. Andrew estava estendido de costas, satisfeito, as mos entrelaadas por trs da c abea. Ainda concordo. Portanto, devemos ter filhos. Se h alguma coisa que eu possa fazer para ajudar nisso, basta me dizer... Andrew! Por favor, estou falando srio. Mas eu no posso. Sinto-me feliz demais. Ento serei sria por ns dois. Quantos filhos, Celia? E quando? Tenho pensado a respeito e acho que devemos ter dois filhos... o primeiro o mais depressa possvel e o segundo dois anos depois. Dessa maneira, terei todos o s filhos antes dos 30 anos. Isso timo disse Andrew. E metdico. Apenas por curiosidade, tem algum plano p ra a sua velhice... depois dos 30 anos? Terei uma carreira. No mencionei isso antes? No que eu me lembre. Mas se bem recordar, meu amor, a maneira como nos lanamo s na aventura do casamento no deixou muito tempo para discusso ou filosofia. Pois mencionei meu plano sobre os filhos para Sam Hawthorne disse Celia. El e achou que daria certo. Sam que se dane... quem quer que ele seja. Andrew franziu a testa. Espere u m instante... ele no esteve em nosso casamento, o homem do Felding-Roth? Isso mesmo. Sam Hawthorne o meu chefe, o gerente regional de vendas. Foi co m a mulher, Lilian. Certo. Tudo est me voltando. Andrew lembrava agora de Sam Hawthorne... alto e afvel, talvez com trinta e poucos anos, mas prematuramente calvo, feies rudes e fortes, que o fizeram pensar nos rostos esculpidos no Monte Rushmore. Lilian, a mulher de Hawthorne, era uma morena deslumbrante. Reconstituindo mentalmente os acontecimentos dos trs ltimos d ias, Andrew comentou: Espero que me d o devido desconto por me encontrar um tanto atordoado na oca

sio. Um dos motivos para isso, recordou ele, fora a viso de Celia ao aparecer, to da de branco, com um vu curto, na sala de recepo de um hotel local em que haviam re solvido casar. A cerimnia seria oficiada por um juiz amigo, que tambm pertencia ao conselho de administrao do St. Bede's Hospital. O Dr. Townsend escoltara Celia, l evando-a pelo brao. Noah Townsend se mostrara plenamente altura da ocasio, a eptome de um experie nte mdico de famlia. Distinto e grisalho, parecia. bastante com o primeiro-ministr o da Inglaterra, Harold Macmillan, que aparecia to freqentemente no noticirio naque les dias, tentando melhorar as relaes britnico-americanas, abaladas com as divergnci as no ano anterior a propsito do Canal de Suez. A me de Celia, uma viva pequena e modesta, que residia em Filadlfia, comparece ra ao casamento. O pai morrera na Segunda Guerra Mundial e fora por isso que Tow nsend assumira o seu lugar. Ao sol das Bahamas, Andrew fechou os olhos, em parte por causa da claridade intensa, mas principalmente para reconstituir aquele momento em que Townsend en trar com Celia... No ms que transcorrera desde que Celia, naquela manh memorvel na cantina do ho spital, anunciara sua inteno de casar com ele, Andrew cara cada vez mais sob o que julgava nada menos que o encantamento mgico dela. Achava que amor era a palavra, s que parecia mais e diferente... o abandono da individualidade que Andrew sempre procurara e o total entrelaamento de duas vidas e personalidades, de maneiras qu e ao mesmo tempo o aturdiam e deliciavam. No havia absolutamente outra mulher com o Celia. Nenhum momento em sua companhia jamais era inspido. Ela permanecia reple ta de surpresas, conhecimento, inteligncia, idias, planos, tudo borbulhando da fon te de sua natureza exuberante, dinmica e independente. Quase desde o incio Andrew experimentara uma sensao de sorte intensa, como se tivesse ganhado, pelas maquinaes do acaso, o grande prmio que todos cobiavam. E ele podia realmente sentir que os o utros cobiavam Celia, ao apresent-la a seus colegas. Andrew j tivera outras mulheres em sua vida, mas nenhuma por algum perodo mai s prolongado. Tambm no houvera nenhuma com quem pensasse seriamente em casar. E o que tornava tudo ainda mais extraordinrio era o fato de que, desde o momento em q para pr em termos convencionais "pedira-o em casamento", ele no tivera a ue Celia menor dvida, hesitao ou propenso para recusar. E, no entanto... fora somente naquele momento inacreditvel, quando vira Celi a no vestido branco de casamento radiante, adorvel, jovem, desejvel, tudo o que qu alquer homem podia querer numa mulher e mais, muito mais fora somente naquele mo mento que, com um claro que pareceu uma bola de fogo a explodir em seu crebro, And rew se apaixonou de verdade e compreendeu, com a certeza absoluta que poucas vez es ocorre na vida, que era excepcionalmente afortunado, aquilo que estava lhe ac ontecendo seria para sempre, nunca haveria, apesar do ceticismo dos tempos, sepa rao ou divrcio para ele e Celia. Fora essa palavra, "divrcio", disse Andrew a si mesmo quando pensara a respe ito depois, que o mantivera solteiro, numa poca em que muitos dos seus contemporne os casavam com vinte e poucos anos. claro que foram os pais que lhe proporcionar am essa posio. A me, que representava (na opinio de Andrew) a divorciada non grata, comparecera ao casamento. Ela voara de Los Angeles como uma borboleta envelhecid a, anunciando a quem quisesse escutar que interrompera a busca do quarto marido para estar presente ao "primeiro casamento" do filho. O pai de Andrew fora seu s egundo marido. Quando Andrew perguntara por ele, a me respondera: Ora, meu querido menino, nem me lembro direito como ele parecia. No o vejo h 20 anos e na ltima vez em que tive notcias o velho devasso estava vivendo em Paris com uma prostituta de 17 anos. Ao longo dos anos, Andrew tentara compreender a me e racionalizar seu compor tamento. Tristemente, porm, sempre chegava mesma concluso: era ela uma beldade ftil , superficial e egocntrica, que atraa um tipo de homem similar. Ele convidara a me para o casamento embora mais tarde se arrependesse por um senso de dever e a convico de que todos deveriam ter um sentimento por um parente natural. Tambm enviara uma carta, comunicando o casamento, ao ltimo endereo conhec ido do pai, mas no recebera qualquer resposta. Andrew duvidava que algum dia have

ria. A cada trs anos ou por a, ele e o pai conseguiam trocar cartes de Natal, mas i sso era tudo. Andrew fora o nico filho do breve casamento dos pais. A nica outra pessoa da famlia que gostaria de apresentar a Celia morrera dois anos antes. Era uma tia so lteirona com quem Andrew vivera durante a maior parte de sua infncia e que, embor a no fosse prspera, conseguira de alguma forma providenciar o dinheiro suficiente sem ajuda dos pais dele para manter Ernest durante todo o curso de medicina. For a somente depois da morte da tia, quando os remanescentes patticos de seus bens, no valor de umas poucas centenas de dlares, foram apresentados no escritrio de um advogado, que Andrew compreendera como fora grande o sacrifcio. No casamento, Celia no se perturbara com a me de Andrew. Avaliando a situao sem precisar que qualquer coisa lhe fosse explicada, Celia se mostrara cordial, at m esmo afetuosa, mas no efusiva. Posteriormente, quando Andrew manifestara pesar pe lo comportamento bizarro da me, Celia respondera: Casamos um com o outro, querido, no com nossas famlias. Depois, ela acrescent ara. Sou sua famlia agora e receber mais amor de mim do que jamais teve em toda a sua vida at agora. E hoje, na praia, Andrew j podia compreender que isso era verdade. O que eu gostaria de fazer, se voc concordar, disse Celia, continuando a con versa, trabalhar durante a maior parte da primeira gravidez, depois tirar um ano de licena para ser me em tempo integral. Retornarei ao trabalho at a segunda gravi dez e tornarei a fazer a mesma coisa. Claro que eu concordo. E nos intervalos entre ser amado e engravid-la, plane jo me dedicar um pouco medicina. Vai se dedicar muito medicina e continuar a ser um mdico interessado e maravi lhoso. Espero que sim. Andrew suspirou, feliz e poucos minutos depois estava dormindo. Passaram os poucos dias seguintes aprendendo coisas um sobre o outro que no haviam tido temp o para descobrir antes. Uma manh, ao caf, que era servido no bangal todos os dias por uma preta jovial e maternal, chamada Remona, Celia disse: Adoro este lugar. A ilha, seu povo, a tranqilidade. Fico contente que o tenh a escolhido, Andrew. Nunca mais o esquecerei. Tambm estou contente. A primeira sugesto de Andrew para a lua-de-mel fora o Hava. Mas ele sentira uma relutncia em Celia e trocara para o que fora originalmen te uma segunda opo. Agora, Celia comentou: No lhe falei antes, mas ficaria triste se fssemos para o Hava. Quando ele perg untou o motivo, mais uma pea da geometria do passado ajustou-se no lugar. A 7 de dezembro de 1941, quando Celia tinha 10 anos e estava em Filadlfia co m a me, o pai, da Marinha dos Estados Unidos, Suboficial Willis de Grey, se encon trava no Hava, a bordo do couraado Arizona, em Pearl Harbor. Durante o ataque japo ns naquele dia, o Arizona fora afundado e 1.102 marinheiros a bordo morreram. A m aioria se achava nos pores e seus corpos nunca foram recuperados. Willis de Grey fora um deles. Lembro dele muito bem disse Celia, respondendo a uma pergunta de Andrew. ve rdade que ele passava muito tempo ausente, no mar. Mas quando estava em casa, de licena, havia sempre muito movimento, uma grande alegria. Era emocionante quando ele estava para chegar. At mesmo Janet, minha irm caula, sentia-se assim, embora no o lembre to bem quanto eu. Como ele era? perguntou Andrew. Celia pensou por um momento, antes de responder. Grande e com uma voz trovejante, fazia as pessoas rirem e adorava crianas. T ambm era forte... no apenas fisicamente, mas ainda mentalmente. Minha me o e provav elmente voc o percebeu. Ela se apoiava totalmente em papai. Mesmo quando no estava presente, ele lhe dizia o qu fazer atravs das cartas. E agora ela se apia em voc?

u. .

Pareceu funcionar assim. E quase que imediatamente depois que meu pai morre Celia sorriu. claro que eu era horrivelmente precoce. Provavelmente ainda sou

Um pouco, Celia. Mas j cheguei concluso de que posso conviver com isso. Mais tarde, Andrew disse, gentilmente. Posso compreender por que voc no escolheria o Hava para a lua-de-mel. Mas j est eve l... j foi a Pearl Harbor? Celia sacudiu a cabea. Minha me jamais quis ir e eu... embora no saiba direito por qu... ainda no esto u preparada. Ela fez uma pausa, antes de continuar: Fui informada que se pode ch egar perto do lugar em que o Arizona afundou, olhar para baixo e avistar o navio , embora nunca tenham conseguido i-lo. Pode achar isso estranho, Andrew, mas um di a gostaria de ir ao lugar em que meu pai morreu. Mas no sozinha. Gostaria de leva r meus filhos. Houve um momento de silncio, rompido por Andrew: No, no acho absolutamente estranho. E vou-lhe contar uma promessa. Um dia, de pois que tivermos nossos filhos e eles puderem compreender, cuidarei disso. Em outro dia, num bote vazando, curtido pelo tempo, enquanto Andrew lutava ineptamente com os remos, eles conversaram sobre os trabalho de Celia. Sempre pensei que os laboratrios farmacuticos s contratassem homens para promo tores comentou Andrew. No se afaste muito da praia pediu Celia. Tenho o pressentimento de que esta banheira se encontra prestes a afundar. Tem razo, quase todos so homens, embora ha ja algumas mulheres... especialmente enfermeiras militares. Mas sou a primeira e ainda a nica promotora no Felding-Roth. uma conquista e tanto. Como conseguiu? Por meios tortuosos. Em 1952, recordou Celia, ela se formara no Colgio Estadual da Pensilvnia, com um diploma de bacharel em qumica. Financiara os estudos com uma bolsa, complemen tando com trabalho noturno e nos fins de semana numa drugstore. Essa poca... aviando receitas com uma das mos e entregando grampos e desodora ntes com a outra... ensinou-me muitas coisas que depois se tornaram teis. Havia a t ocasies em que vendia por baixo do balco. Ela explicou tudo. Os homens, especialmente os jovens, entravam na loja e flanavam irrequietos , tentando atrair a ateno do homem que atendia. Celia sempre reconhecia os sinais. E indagava: Em que posso servi-lo? A resposta era quase que invarivel: Quando ele estar livre? - Se quer preservativos, dizia Celia, suavemente, temos uma boa variedade. Ela pegava caixas de diversas marcas por baixo do balco e empilhava por cima . Os homens, de cara vermelha, compravam logo e se retiravam apressadamente. Oca sionalmente, algum mais ousado indagava se Celia no o ajudaria a experimentar o pr oduto. Ela tinha uma resposta pronta para isso: No h problema. Quando voc quiser. Acho que minha sfilis j acabou. Alguns podiam compreender que era um gracejo, mas ningum queria correr o ris co, pois ela nunca mais tornava a ver o homem que a convidara. Andrew riu, parou de remar, deixou o bote deriva. Armada com o seu diploma de qumica, explicou Celia, ela se candidatara a um emprego no Felding-Roth. Fora aceita e trabalhara nos laboratrios por dois anos. Aprendi algumas coisas l... principalmente que o trabalho de laboratrio monton o e repetitivo, a menos que a pessoa seja um cientista dedicado. O que me intere ssava mesmo era marketing e vendas. E ainda interessa. Uma pausa e ela acrescent ou: tambm onde se tomam grandes decises. Mas a transio do trabalho de laboratrio para venda fora difcil. Celia tentara o curso convencional de solicitar uma transferncia e fora rejeitada. Disseram-me que a poltica da companhia era que as nicas mulheres empregadas e

m vendas fossem as secretrias. Recusando-se a aceitar essa deciso, eia planejara uma campanha. Descobri que a pessoa que teria de recomendar a mudana dessa poltica, se isso viesse a acontecer, seria Sam Hawthorne. Conheceu-o em nosso casamento. Seu chefe, o maestro regional de vendas disse Andrew. O que deu sua aprovao a termos dois filhos. Isso mesmo... a fim de que eu possa continuar a trabalhar. Cheguei concluso de que a nica maneira de influenciar Hawthorne era por intermdio de sua esposa. Er a uma manobra arriscada e quase fracassou. Celia descobriu que a Sra. Lilian Hawthorne participava ativamente de diver sos grupos femininos. Sendo assim, ao que tudo indicava, poderia se mostrar simpt ica s ambies de carreira de outra mulher. Num momento em que Sam Hawthorne estava n o escritrio, Celia fora procurar sua esposa em casa. Eu nunca a vira antes disse Celia a Andrew. E no marcara um encontro. Apenas toquei a campainha e fui entrando.. A recepo fora hostil. A Sra. Hawthorne, de trinta e poucos anos, sete anos ma is velha do que Celia, era uma mulher forte e objetiva, cabelos muito pretos, qu e empurrava impacientemente para trs, enquanto Celia explicava seu propsito. Ao fi nal, Lilian Hawthorne dissera: Isto absurdo. No tenho nada a ver com o trabalho do meu marido. E tem mais: ele ficar furioso quando souber que voc esteve aqui. Sei disso respondeu Celia. Provavelmente me custar o emprego. Deveria ter pensado nisso antes. E pensei, Sra. Hawthorne. Mas resolvi correr o risco de encontrar uma mulhe r de pensamento atualizado, acreditando em tratamento igual para ambos os sexos. Algum que achasse que as mulheres no devem ser punidas injustamente por causa de seu sexo. Por um momento, parecera que Lilian Hawthorne explodiria. Ela dissera brusc amente a Celia: Voc muito atrevida! Tem toda razo. justamente por isso que darei uma grande vendedora. A outra mulher fitara-a fixamente por um longo momento e depois desatara a rir. Por Deus, acredito que voc realmente merece! Um momento depois, ela acrescentara: Eu ia fazer caf quando chegou, Srta. de Grey. Vamos at a cozinha e conversare mos. Fora o incio de uma amizade que persistiria ao longo dos anos. Mesmo depois disso, Sam ainda precisou de bastante persuaso disse Celia a An drew. Mas ele acabou me entrevistando e acho que gostou. Ao mesmo tempo, Lilian continuou a pression-lo. Depois, ele teve de obter a aprovao de seus superiores. Ao final, porm, tudo deu certo. Ela baixou os olhos para a gua no bote, que subia agora at os tornozelos. Andrew, eu estava certa! A coisa est afundando! Rindo, os dois pularam do bote e nadaram at a praia, rebocando a embarcao. Quando comecei a trabalhar em vendas, como promotora, disse Celia a Andrew, durante o jantar, naquela noite, compreendi que no tinha de ser to boa quanto um homem no cargo. Tinha de ser melhor. Lembro muito bem de uma experincia recente em que voc no apenas foi melhor que um homem, mas tambm melhor do que este mdico comentou Andrew. Ela presenteou-o com um sorriso exuberante, tirou os culos e tocou em sua mo, por cima da mesa. Tive sorte neste caso... e no apenas com a Lotromycina. Tira os culos a todo instante, Celia. Por qu? Sou mope e preciso deles. Mas sei que fico melhor sem os culos. S por isso. Voc fica maravilhosa de qualquer maneira. Mas se os culos a incomodam, devia pensar na possibilidade de lentes de contato. Muitas pessoas esto comeando a us-las . Descobrirei tudo a respeito quando voltarmos prometeu Celia. Mais alguma co isa, j que estamos falando nisso? Tem outras mudanas a sugerir?

Gosto de tudo do jeito como est. Para chegar onde estavam, haviam andado um quilmetro e meio desde o bangal, d e mos dadas, por uma estrada sinuosa e tosca, em que o trfego era uma raridade. O ar noturno era quente, ouvindo-se apenas os rudos dos insetos e o marulhar das on das nos recifes ao largo. Agora, num pequeno restaurante, modestamente decorado, chamado Travellers Rest, comiam o prato tpico local, garoupa frita, ervilhas e a rroz. Embora o Travellers Rest no se qualificasse para figurar no Guia Michelin, s ervia uma comida saborosa para os famintos, o peixe sempre fresco e preparado nu ma frigideira antiga, sobre um fogo de lenha, pelo anfitrio, um bahamense encarqu ilhado mas vigoroso, Cleophas Moss. Ele instalara Andrew e Celia a uma mesa que dava para o mar. Uma vela acesa numa garrafa de cerveja se erguia entre os dois. Diretamente frente havia nuvens dispersas e uma lua quase cheia. Em New Jersey, lembrou Celia a Andrew, provavelmente est frio e chovendo. Celia contou que sua primeira misso como promotora fora em Nebraska, onde at ento o Felding-Roth no tinha representantes. De certa forma, at que foi bom para mim. Eu sabia exatamente onde estava, po rque comeava do nada. No havia organizao, poucos registros, ningum para dizer a quem procurar ou onde. Seu amigo Sam fez isso deliberadamente... como alguma espcie de teste? bem possvel. Nunca perguntei a ele. Em vez de perguntar, Celia se lanara com afinco ao trabalho. Arrumara um apa rtamento pequeno em Omaha e a partir dessa base percorrera todo o estado, cidade por cidade. Em cada lugar arrancava toda a seo de mdicos das pginas amarelas da lis ta telefnica, depois datilografava as fichas e comeava a telefonar. Descobrira que havia 1.500 mdicos em seu territrio. Posteriormente, resolvera se concentrar nos 200 que calculava serem os maiores receitadores de medicamentos. Estava muito longe de casa disse Andrew. Sentia-se solitria? No tinha tempo para isso. Vivia ocupada demais. Uma descoberta inicial fora a dificuldade para se encontrar com os mdicos. Eu passava horas sentada em salas de espera. E depois, quando finalmente en trava, o mdico me concedia cinco minutos, no mais do que isso. Chegou o dia em que um mdico de North Platte expulsou-me de seu consultrio. Mas, ao fazer isso, ele m e prestou um grande favor. Como assim? Celia provou mais um pouco da garoupa frita, proclamando: Frita em gordura! Eu no deveria comer, mas est gostosa demais para dispensar. Ela largou o garfo e recostou-se, recordando. Ele era um mdico de doenas internas, Andrew, como voc. Devia ter em torno dos 40 anos e acho que estava num mau dia. Comecei minha conversa de venda, mas ele prontamente interrompeu, dizendo: "Mocinha, est tentando me falar em termos profi ssionais de medicina. Portanto, deixe-me dizer-lhe uma coisa. Passei quatro anos em uma faculdade de medicina, outros cinco como interno e residente, estou h 10 anos com este consultrio. Posso no saber de tudo, mas sei tanto a mais do que voc q ue at engraado. O que est tentando me dizer, com os seus conhecimentos inadequados, posso ler em 20 segundos num anncio em qualquer publicao mdica. Portanto, saia daqu i!" Andrew fez uma careta. Cruel. Mas muito bom para mim, embora eu tenha sado de l me sentindo a coisa menor d o mundo. Porque ele estava certo. O laboratrio... o Felding-Roth... no havia lhe proporcionado qualquer tratame nto? Um pouco. Mas curto e superficial, principalmente uma srie de discursos sobr e vendas. Meus conhecimentos de qumica ajudavam, mas no muito. Simplesmente no me e ncontrava preparada para conversar com mdicos muito ocupados e bastante qualifica dos. J que mencionou o assunto, interveio Andrew, esse um dos motivos pelos quais alguns mdicos no recebem os promotores. Alm de se ter de escutar uma conversa de v enda padronizada, pode-se obter informaes incorretas, o que muito perigoso. Alguns

promotores so capazes de dizer qualquer coisa, at mesmo enganam, s para persuadir os mdicos a receitarem seu produto. Andrew querido, quero que faa uma coisa por mim em relao a isso. Eu lhe direi o que mais tarde. Est certo... se eu puder. O que aconteceu depois de North Platte? Compreendi duas coisas. Primeiro, devia parar de pensar como uma vendedora e no tentar qualquer venda agressiva. Segundo, apesar dos mdicos saberem mais do q ue eu, precisava descobrir coisas especficas sobre os medicamentos que eles no con hecessem, o que lhes poderia ser til. Com isso, eu me tornaria til. De passagem, p osso acrescentar que descobri mais uma coisa, enquanto tentava tudo isso. Os mdic os aprendem muitas coisas a respeito das doenas, mas no so to bem informados sobre o s medicamentos. Tem razo concordou Andrew. O que ensinam na faculdade de medicina sobre drog as no vale nada. E, na prtica, j bastante difcil se manter atualizado com os desenvo lvimentos mdicos, para no falar nos novos medicamentos. Assim, tendo-se que receit ar medicamentos, o sistema experincia e erro. Cheguei ainda a outra concluso continuou Celia. Compreendi que sempre devia dizer aos mdicos a verdade exata, nunca exagerar, nunca esconder. E se me pergunt assem sobre o produto de um concorrente e fosse melhor do que o nosso, eu assim diria. Como efetuou essa grande mudana? Por algum tempo, eu dormia apenas quatro horas por noite. Celia descreveu como, depois de um dia regular de trabalho, passava as noit es e fins de semana lendo todos os manuais sobre medicamentos que podia encontra r. Estudava cada detalhe, fazendo anotaes e memorizando. Se havia indagaes sem soluo, procurava as respostas nas bibliotecas. Fez uma viagem sede do Felding-Roth em N ew Jersey e pressionou antigos colegas na seo cientfica a lhe falarem mais do que s e encontrava nos manuais, alm do que estava sendo desenvolvido e em breve se acha ria disponvel. No demorara muito para que suas apresentaes aos mdicos melhorassem; al guns lhe pediam que obtivesse informaes especficas, o que ela prontamente providenc iava. Depois de algum tempo, Celia constatara que j obtinha resultados favorveis. Os pedidos dos medicamentos do Felding-Roth em seu territrio aumentaram. Andrew c omentou, com evidente admirao: Celia, voc nica. No existe outra igual. Ela riu. E voc preconceituoso, embora eu adore isso. Seja como for, em pouco mais de um ano a companhia triplicou suas vendas em Nebraska. Foi ento que a tiraram de l? Entregaram o territrio de Nebraska a algum mais novo, um homem, transferiramme para um territrio mais importante, em New Jersey. Pense um pouco, Celia. Se a tivessem mandado para algum outro lugar, como I llinois ou Califrnia, nunca teramos nos conhecido. Est enganado declarou ela, confiante. De um jeito ou de outro, estvamos desti nados a nos encontrar. "O casamento o destino." Andrew arrematou a citao: "E o enforcamento tambm." Os dois riram. Mas que coisa estranha! exclamou Celia, deliciada. Um mdico totalmente devot ado que sabe recitar John Heywood! O mesmo Heywood, um poeta do sculo XVI, que tambm cantou e tocou msica para He nrique VIII gabou-se Andrew, igualmente satisfeito. Eles se levantaram e o anfitrio gritou do fogo de lenha: O peixe estava bom, apaixonados em lua-de-mel? Est tudo bem? Est tudo muito bem garantiu Celia. Com o peixe e a lua-de-mel. Andrew comentou, divertido: No h segredos numa pequena ilha. Ele pagou a refeio com uma nota bahamense de 10 xelins uma quantia modesta, q uando se convertia em dlares e dispensou o troco. L fora, estava um pouco mais frio e a brisa marinha era revigorante. Felizes , os braos dados, eles voltaram pela estrada tranqila e sinuosa.

Era o ltimo dia. Como a acompanhar a tristeza da partida, o tempo nas Bahamas se tornara nub lado. Choveu pela manh, enquanto um vento forte soprava de nordeste, encarneirand o o mar e lanando as ondas impetuosamente para a praia. Andrew e Celia partiriam ao meio-dia de Rock Sound, pela Bahamas Airways, f azendo conexo em Nassau com um vo da Pan Am para o norte, que os deixaria em Nova York naquela noite. Chegariam a Morristown no dia seguinte, onde ficariam residi ndo no apartamento de Andrew, na South Street, at que encontrassem uma casa a seu gosto. Celia, que residia antes em aposentos mobiliados em Boonton, j sara de l, d eixando algumas de suas coisas num depsito. No bangal da lua-de-mel, que deixariam em menos de uma hora, Celia arrumava as coisas, suas roupas espalhadas pela cama de casal. Ela gritou para Andrew, qu e se achava no banheiro, fazendo a barba: Foi tudo maravilhoso aqui. E isso apenas o comeo. Ele respondeu pela porta aberta: um comeo espetacular! Mesmo assim, estou pronto para voltar ao trabalho. Quer saber de uma coisa, Andrew? Acho que voc e eu vicejamos com o trabalho. Temos isso em comum e ambos somos ambiciosos. Sempre seremos assim. Hum, hum... Ele saiu do banheiro, nu, enxugando o rosto com uma toalha. Mas no h motivo para no parar um pouco de trabalhar de vez em quando. Desde que haja u m bom motivo. Celia comeou a indagar "Temos tempo?", mas foi incapaz de terminar porque An drew a estava beijando. E ele murmurou, um momento depois: Pode fazer o favor de desocupar essa cama? Estendendo a mo para trs, sem olhar e com um brao enlaando Andrew, Celia comeou a jogar as roupas no cho. Assim melhor disse ele, quando se deitaram sobre o lugar em que antes se en contravam as roupas. para isso que as camas so feitas. Celia soltou uma risadinha. Podemos chegar atrasados para o vo. Quem se importa? E, logo depois, ela murmurou, feliz: Tem razo... quem se importa? E ainda mais tarde, ternamente, a voz transbordando de felicidade: Eu me importo... Oh, Andrew, eu o amo tanto! 4 A bordo do Vo 206 da Pan American, seguindo para Nova York, havia exemplares daquele dia do New York Times. Passando os olhos pelo jornal, Celia comentou: No mudou muita coisa enquanto estivemos ausentes. Um despacho de Moscou citava Nikita Khruschev como tendo desafiado os Estad os Unidos a uma "partida de disparo de msseis". Uma futura guerra mundial, gabara -se o lder sovitico, seria travada no continente americano. Ele previa "a morte do capitalismo e o triunfo universal do comunismo" O Presidente Eisenhower, por outro lado, garantia aos americanos que as def esas dos Estados Unidos acompanhariam altura os desafios soviticos. E as investigaes sobre a guerra de quadrilhas, culminando com a morte do chefo da Mfia, Albert Anastasia, metralhado numa cadeira de barbeiro no Park-Sheraton Hotel, em Nova York, continuavam, at agora sem quaisquer resultados. Andrew tambm folheou o jornal, mas logo largou-o. Seria um vo de quatro horas no DC-7B. O jantar foi servido pouco depois da d ecolagem. Assim que acabara de comer, Andrew lembrou esposa: Disse que havia uma coisa que queria que eu fizesse. Algo relacionado com o s promotores dos laboratrios farmacuticos. Isso mesmo. Celia Jordan recostou-se confortavelmente na poltrona, depois p

egou a mo de Andrew. Remonta conversa que tivemos no dia seguinte ao seu uso da L otromycina e a recuperao da paciente. Disse-me que comeava a mudar de idia em relao dstria farmacutica. Respondi que no a mudasse demais, porque h coisas que so erradas e que eu espero mudar. Lembra? Como poderia esquecer? Andrew riu. Todos os detalhes daquele dia esto gravad os em minha alma. timo! Pois ento deixe-me agora fornecer-lhe um panorama geral. Olhando para a esposa, Andrew mais uma vez se espantou com a quantidade de determinao e inteligncia contida numa embalagem to pequena e atraente. Nos anos pela frente, refletiu ele, precisaria se manter alerta e bem informado s para acompan har Celia mentalmente. Agora, ele concentrou-se em escutar. A indstria farmacutica em 1957, comeou Celia, ainda se encontrava, sob alguns aspectos, muito perto de suas razes, de suas origens. No faz muito tempo que comeamos, vendendo leo de cobra nas feiras do interior, poes de felicidade e uma plula para curar tudo, de dor de cabea a cncer. As pessoas que apregoavam essas coisas no se importavam com o que apregoavam ou prometiam. T udo o que queriam era efetuar as vendas. E garantiam qualquer resultado para con segui-las. Muitas vezes, continuou Celia, essas drogas milagrosas e remdios populares e ram negociados por famlias. Foram algumas dessas famlias que abriram as primeiras drugstores, as primeiras farmcias. Ainda mais tarde, seus descendentes continuara m a tradio de famlia e construram firmas fabricantes de medicamentos, que se tornara m, com o passar dos anos, grandes, cientficas e respeitveis. Enquanto tudo isso ac ontecia, os toscos mtodos iniciais de venda mudaram e tambm se tornaram mais respe itveis. Mas, s vezes, no eram bastante respeitveis. Um dos motivos para isso era a per sistncia do controle familiar. A tradio do velho leo de cobra, da venda de qualquer maneira, estava no sangue. No podem restar tantas famlias assim controlando os grandes laboratrios farmacu ticos comentou Andrew. No, no h muitas, embora algumas das famlias originais ainda controlem grandes b locos de aes. Mas o que persistiu, mesmo com executivos bem remunerados dirigindo os laboratrios, a venda a qualquer custo, antiquada, no muito tica. E muito disso a contece quando os promotores visitam os mdicos para lhes falar sobre os novos med icamentos. Celia fez uma pausa, antes de continuar: Como voc sabe, alguns promotores... no todos, mas ainda assim demais... diro q ualquer coisa, podem at mentir, para persuadir os mdicos a receitarem o que esto ve ndendo. Os laboratrios farmacuticos podem declarar oficialmente que no concordam co m isso, mas sabem que continua a acontecer. Eles foram interrompidos por uma aeromoa, anunciando que aterrissariam em No va York dentro de 40 minutos. O bar seria fechado em breve. Antes disso, no queri am pedir um drinque? Celia pediu o seu predileto, um daiquiri, enquanto Andrew o ptava por scotch com soda. Depois que os drinques foram servidos e tornaram a se acomodar a ss, Andrew disse: J testemunhei muitos exemplos do que voc estava dizendo. E tambm ouvi histrias de outros mdicos... sobre pacientes que ficaram ainda mais doentes ou at morreram depois de tomarem remdios, tudo porque os promotores forneceram informaes falsas, e m que os mdicos acreditaram. Ele tomou um gole do scotch, antes de acrescentar: H tambm a publicidade dos laboratrios farmacuticos. Os mdicos so inundados de ios, mas uma grande parte da publicidade no lhes diz o que devem saber... especia lmente sobre os efeitos dos remdios, inclusive os perigosos. Quando se est muito o cupado, com pacientes a receber e uma poro de outras coisas na cabea, muito difcil a creditar que algum de um laboratrio farmacutico ou a prpria empresa esteja deliberad amente enganando-o. Mas acontece comentou Celia. E, depois, a coisa varrida para baixo do tapet e, ningum mais fala a respeito. Sei disso porque j tentei falar a respeito no Feld ing-Roth.

E qual o seu plano? Fazer um registro meticuloso de tudo. Um registro que ningum possa contestar . E us-lo quando chegar o momento oportuno. Celia pensou por um instante, antes de passar a explicar: No vou mais visit-lo, Andrew. a poltica do laboratrio. Assim, outra pessoa do elding-Roth ficar cobrindo seu consultrio e do Dr. Townsend. Mas sempre que recebe r um promotor, homem ou mulher, do nosso laboratrio ou de qualquer outro, descobr indo que recebeu informao errada, no foi alertado para os efeitos secundrios de um m edicamento ou qualquer outra coisa que deveria saber, quero que escreva um relatr io e me d. Tenho outros mdicos fazendo a mesma coisa, mdicos que confiam em mim, em Nebraska e New Jersey. Meu arquivo est cada vez maior. Andrew deixou escapar um assovio baixo. Est se metendo em uma coisa bem grande. E tambm com alguns riscos. Algum tem de assumir riscos quando se quer melhorar uma situao negativa. E eu no tenho medo. No creio que pudesse ter. Vou lhe dizer mais uma coisa, Andrew. Se os grandes laboratrios farmacuticos no fizerem uma limpeza diretamente, muito em breve, creio que o governo acabar cui dando disso. J h protestos no Congresso. Se a indstria farmacutica esperar pelas aud incias do Congresso e depois pelas novas leis com restries vigorosas, vai se arrepe nder e desejar ter agido antes, por sua prpria iniciativa. Andrew ficou em silncio por algum tempo, absorvendo o que acabara de ouvir e remoendo outros pensamentos. E, finalmente, disse: No lhe perguntei isso antes, Celia, mas talvez seja agora um bom momento par a compreender uma coisa a seu respeito. Os olhos da esposa estavam fixados nele, sua expresso era compenetrada. Andr ew escolheu as palavras com extremo cuidado: Voc falou em ter uma carreira. Est timo para mim e tenho certeza de que voc no eria feliz sem isso. Mas tive a impresso, durante o tempo que passamos juntos nes tas ltimas semanas, que voc quer mais de uma carreira do que aquilo que faz atualm ente... sendo uma promotora. Celia disse suavemente: Tem toda razo. Vou subir at o topo. At o mais alto? Andrew ficou surpreso. Pensa em dirigir um grande laboratrio farmacutico? Se eu puder. E mesmo que no consiga chegar at l, tenciono ficar bastante perto para ter influncia e poder de verdade. Andrew murmurou, aturdido: E isso o que voc quer... poder? Sei o que est pensando, Andrew... que o poder s vezes se torna obsessivo e co rruptor. No tenciono permitir qualquer das duas coisas. Quero simplesmente uma vi da cheia, com casamento e filhos, mas tambm com algo mais... uma realizao slida. Naquele dia na cantina... Andrew fez uma breve pausa e corrigiu-se. Naquele dia memorvel. Voc disse que era o momento das mulheres fazerem coisas que nunca a ntes haviam realizado. Pois acredito nisso tambm. J est acontecendo, numa poro de lug ares, inclusive na medicina. Mas tenho dvidas sobre a sua indstria... a farmacutica . Todo esse negcio conservador e dominado pelos homens... voc mesma disse. Celia sorriu. E horrivelmente. Ento j est pronto... para algum como voc? Pergunto isso, Celia, porque no quer icar observando e v-la sair magoada ou infeliz, enquanto se lana com tudo o que te m no esforo e depois descobre que no adianta. No serei infeliz, Andrew. uma coisa que lhe prometo. Ela apertou o brao do ma rido. uma coisa nova para mim ter algum a se preocupar tanto quanto voc, querido. Gosto disso. Quanto sua pergunta... no, a indstria ainda no est pronta, para mim ou qualquer outra mulher ambiciosa. Mas tenho um plano. Eu deveria saber que voc j tinha calculado tudo. Em primeiro lugar, tenciono me tornar to competente no meu cargo que o Feldi ng-Roth descobrir que no pode deixar de me promover. Aposto que conseguir. Mas disse "em primeiro lugar". No suficiente?

Celia sacudiu a cabea. Estudei outros laboratrios, suas histrias, as pessoas que os dirigem. E desco bri uma coisa. A maioria dos homens que chegam l em cima est agarrada em algum. No m e interprete erroneamente... eles precisam trabalhar arduamente e ser excelentes . Mas, desde cedo, escolhem algum... um pouco mais alto, geralmente um pouco mais velho... que acreditam estar a caminho do topo, na sua frente. E depois se torn am teis a essa pessoa, concedem sua lealdade e seguem atrs. A verdade que um execu tivo, ao ser promovido, gosta que algum a quem esteja acostumado, que seja compet ente e em quem possa confiar, suba em sua esteira. A esta altura, voc j escolheu algum para seguir? J decidi isso h algum tempo respondeu Celia. Estou seguindo Sam Hawthorne. Ora, ora... O marido alteou as sobrancelhas. De um jeito ou de outro, Sam p arece assomar enorme em nossas vidas. Apenas em questes profissionais. Portanto, voc no precisa ficar com cime. Est bem. Mas Sam j sabe dessa deciso... que voc est se atrelando sua estrela? Claro que no. Mas Lilian Hawthorne sabe. Discutimos o assunto confidencialme nte e Lilian aprova. Est me parecendo que tem havido muitas conspiraes femininas por a. E por que no? Por um momento, o ao interior de Celia faiscou. Algum dia poss l que tudo isso se torne desnecessrio. Mas, neste momento, o mundo dos altos negci os como um clube privado masculino. Sendo assim, uma mulher deve usar todos os m eios que puder para ingressar no clube e seguir em frente. Andrew ficou em silncio, pensando a respeito, antes de murmurar: At hoje, eu no tinha pensado muito sobre isso. Creio que a maioria dos homens no o faz. Mas faz sentido o que voc diz. Portanto, Celia, enquanto voc est subindo at o topo... e acredito sinceramente que conseguir chegar l... eu estarei por trs de voc, ao longo de todo o caminho. Ela inclinou-se na poltrona e beijou-o. Eu sabia disso desde o incio. um dos motivos pelos quais casei com voc. Eles sentiram o ritmo dos motores do avio se reduzir, enquanto se acendia o aviso de "Favor Apertar os Cintos". Pelas janelas de bom-bordo, as luzes de Manh attan cintilavam na escurido do incio da noite. Dentro de poucos minutos estaremos pousando no Aeroporto Internacional de I dlewild anunciou uma aeromoa. Celia tornou a pegar a mo de Andrew. E ns estaremos comeando a nossa vida conjugal disse ela. Como poderamos errar 5 Ao retornarem a seus trabalhos separados, Andrew e Celia descobriram que ha viam alcanado, de maneiras diferentes, a posio de celebridades. Como muitos desenvolvimentos mdicos importantes, a notcia sobre o uso de Lotr omycina por Andrew levara tempo para circular. Mas agora, cerca de seis semanas depois da extraordinria recuperao de Mary Rowe, o assunto fora descoberto pela impr ensa nacional. O pequeno Daily Record, de Morristown, divulgara a histria em primeiro lugar , com o seguinte ttulo: Mdico Local Usa Remdio Maravilhoso Recuperao "Milagrosa" de Paciente O Newark Star-Ledger, que aproveitava o noticirio de jornais locais em sua re a de influncia, tambm publicou a histria, atraindo com isso a ateno de redatores de a ssuntos cientficos do New York Times e do Time. Ao voltar, Andrew encontrou mensa gens urgentes, pedindo que telefonasse para as duas publicaes. O que ele fez. O re sultado foi ainda mais publicidade, com o Time, de propenses mais romnticas, acres centando notcia a informao do casamento de Andrew e Celia. Cumulando tudo isso, o New England Journal of Medicine comunicou a Andrew q

ue, dependendo de determinadas revises, seu artigo sobre a Lotromycina seria publ icado, no momento oportuno. As revises sugeridas eram mnimas e Andrew concordou im ediatamente em efetu-las. No me importo de confessar que estou me roendo de inveja comentou o Dr. Noah Townsend, quando Andrew lhe falou a respeito do New England Journal. Mas me con solo com a reputao que isso est trazendo para o nosso consultrio. Mais tarde, a mulher de Townsend, Hilda, bastante atraente em seus cinqenta e poucos anos, confidenciou a Andrew: Noah no lhe vai dizer isso, mas sente tanto orgulho por voc que passou a enca r-lo como um filho... o filho que ambos gostaramos, mas nunca tivemos. Celia, embora recebesse menos publicidade pessoal, descobriu que sua posio no Felding-Roth mudara, de maneiras no to sutis. Antes, ela fora um anacronismo, para alguns uma fonte de curiosidade e dive rso... a nica mulher promotora do laboratrio, que ainda tinha de provar sua competnc ia a longo prazo, apesar do sucesso inicial e inesperado em Nebraska. No era mais assim. A maneira como promovera a Lotromycina e a publicidade continuada, que t anto deliciava o Felding-Roth, lanaram o medicamento e Celia pela estrada do suce sso. Dentro da companhia, seu nome era agora bem conhecido dos altos executivos, inclusive o presidente do Felding-Roth, Eli Camperdown, que mandou cham-la um di a depois de seu retorno ao trabalho. O Sr. Camperdown, um veterano da indstria, magro, quase cadavrico, de sessent a e poucos anos, sempre vestido impecavelmente e nunca sem uma rosa vermelha na lapela, recebeu Celia em seu suntuoso gabinete no 11 andar do prdio do Felding-Rot h em Boonton. Ele comeou pelas amenidades. Parabns pelo seu casamento, Sra. Jordan. Fao votos para que seja muito feliz. Uma pausa e ele acrescentou, com um sorriso: Tambm espero que o seu marido, daqu i por diante, no receite outros medicamentos que no os produtos do Felding-Roth. Celia agradeceu e decidiu que o comentrio sobre Andrew era simplesmente joco so. Por isso, deixou-o passar, sem ressaltar a total independncia do marido em te rmos de medicamentos e medicina. Voc se tornou uma espcie de legenda, minha cara continuou o presidente. A pro va viva de que uma mulher eminente pode s vezes se sair to bem quanto um homem. S espero, senhor, disse Celia, suavemente, que algum dia no sinta a necessida de de usar esse "s vezes". Creio que ainda ver muitas outras mulheres neste negcio e algumas podero ser ainda melhores do que os homens. Por um momento, Camperdown pareceu aturdido e franziu o rosto. Depois, recu perando a jovialidade, ele comentou: Creio que coisas mais estranhas j aconteceram. Veremos, veremos... Continuaram a conversar, Camperdown fazendo perguntas a Celia sobre suas ex perincias profissionais. Parecia impressionado com as respostas informadas e obje tivas. Depois, tirando um relgio do bolsinho do colete, verificou a hora e anunci ou: Estou para comear uma reunio, Sra. Jordan. Relaciona-se com um novo medicamen to que tencionamos lanar no mercado em breve, depois da Lotromycina. Talvez queir a ficar e participar. Celia aceitou e o presidente chamou meia dzia de homens que esperavam l fora, na sala da secretria. Depois das apresentaes, todos passaram para uma sala de reun io na sute executiva. Sentaram-se em torno de uma mesa, com Camperdown na cabeceir a. Entre os recm-chegados estavam o diretor de pesquisa, Dr. Vincent Lord, um c ientista ainda jovem, contratado h pouco tempo; um idoso vice-presidente de venda s, prestes a se aposentar; e mais quatro outros, inclusive Sam Hawthorne. Com a exceo de Sam, o nico que Celia conhecia antes, os outros observavam-na com franca c uriosidade. O novo medicamento em considerao, explicou Camperdown, em benefcio de Celia, no era um produto desenvolvido pelo Felding-Roth, mas sim obtido sob licena por uma firma da Alemanha Ocidental, Chemie-Grnenthal. um sedativo, um dos mais seguros que j se descobriu declarou o presidente. P roduz um sono normal, revigorante, sem a vertigem desagradvel da manh seguinte.

O produto no apresentava efeitos secundrios significativos, acrescentou Campe rdown, era to seguro que podia at ser receitado a crianas pequenas. O sedativo j se achava venda e era bastante popular em quase todos os grandes pases, exceo dos Esta dos Unidos. Agora, o Felding-Roth era afortunado em ter os direitos americanos. O nome da droga, acrescentou o presidente do laboratrio, era Talidomida. Apesar do registro comprovado de segurana da Talidomida, eram indispensveis a s experincias com a droga em seres humanos nos Estados Unidos, antes que seu lanam ento no mercado fosse aprovado pela Administrao Federal de Alimentos e Medicamento s. Nas circunstncias, com todos os dados estrangeiros incontestveis, resmungou C amperdown, uma tola exigncia burocrtica. Mas temos de aceitar. Seguiu-se uma discusso sobre onde e como seriam realizadas as experincias com Talidomida nos Estados Unidos. O diretor de pesquisa, Dr. Lord, era favorvel ao recrutamento de 50 mdicos em clnica particular para receitarem a droga a seus paci entes, relatando depois os resultados, que seriam encaminhados pelo Felding-Roth s autoridades federais. Devemos providenciar uma mistura de clnicos gerais, internistas, psiquiatras e obstetras sugeriu ele. O vice-presidente de vendas perguntou: Quanto tempo vai demorar toda essa bobagem? Provavelmente trs meses. No pode reduzir para dois? Precisamos lanar logo esse produto no mercado. Creio que possvel. Algum expressou sua preocupao pelo fato das experincias serem to difundidas. No eria mais simples e se conseguiria um resultado mais rpido se as experincias fosse m concentradas num mesmo lugar, como um hospital? Depois de vrios minutos de discusso, Camperdown interveio com um sorriso: Talvez a nossa jovem convidada tenha algumas idias a respeito. Tenho, sim declarou Celia, prontamente. Todas as cabeas se viraram em sua direo. Ela falou com extremo cuidado, sabendo que sua presena ali era inslita, at mes mo um privilgio; assim, seria uma tolice estragar a oportunidade parecendo muito segura ou impetuosa. Uma coisa que pode ser inquietante a sugesto de que obstetras receitem a dro ga. Isso significa que mulheres grvidas a tomariam e geralmente aconselhvel que a gravidez no seja um perodo para experincias de qualquer espcie. O Dr. Lord interrompeu-a, irritado: Isso no se aplica neste caso. A Talidomida j foi amplamente usada na Europa e em outros lugares, inclusive por mulheres grvidas. Mesmo assim, interveio Sam Hawthorne, suavemente, a Sra. Jordan tem um argu mento forte. Celia continuou: Uma pergunta que se pode formular a seguinte: Quem so as pessoas que tm mais problemas para adormecer e por isso precisam de uma plula para dormir? Baseada na minha experincia de promotora... visitando hospitais e asilos, alm de mdicos... eu diria que so os velhos, especialmente os pacientes geritricos. Ela tinha agora a ateno total do grupo. Vrios homens em torno da mesa assentir am em concordncia ao seu ltimo comentrio. O Dr. Lord, o rosto rgido, no o fez. Portanto, o que eu recomendaria, acrescentou Celia, que os testes com a Tal idomida sejam realizados em um ou dois asilos para velhos. Se isso for de algum proveito, conheo dois... um em Lincoln, Nebraska, outros nos arredores de Plainfi eld, neste estado. Os dois so bem administrados e eficientes, cuidariam perfeitam ente dos registros. Conheci os mdicos encarregados em ambos e teria o maior praze r em procur-los. Houve um silncio indeciso quando Celia terminou. Foi rompido por Eli Camperd own. O presidente do Felding-Roth parecia surpreso. No sei o que os outros pensam, mas me parece que faz perfeito sentido o que a Sra. Jordan acaba de sugerir. Indicado o caminho, os outros acrescentaram sua concordncia. Mas o Dr. Lord permaneceu em silncio. Celia sentiu imediatamente um antagonismo com o diretor de

pesquisa que persistiria pelo futuro. Pouco depois, foi tomada a deciso que Celia entraria em contato com seus con hecidos nas duas instituies no dia seguinte; se eles estivessem dispostos a cooper ar, o Departamento de Pesquisa cuidaria de todo o resto. Quando a reunio foi encerrada, Celia saiu primeiro, entre sorrisos e apertos de mo amistosos. Cerca de uma semana depois, tendo feito o que lhe fora pedido, Celia foi in formada por Sam Hawthorne que as experincias com a Talidomida nos dois asilos de velhos comeariam em breve. Na ocasio, parecia apenas o trmino de um pequeno incidente.

Entre as presses de suas vidas profissionais, Andrew e Celia ainda encontrav am tempo para visitar casas venda. Uma delas, que Celia encontrou e gostou, fica va em Convent Station, um subrbio residencial na cidadezinha de Morris, onde as c asas eram bem separadas e proliferavam os gramados e rvores. Como ela ressaltou, quando falou com Andrew, a casa ficava a apenas trs quilmetros do consultrio dele e ainda mais perto do St. Bede's Hospital. Isso muito importante, declarou Celia, porque no quero que seja obrigado a d irigir por longos percursos, especialmente quando tiver visitas noturnas e talve z esteja cansado. A casa representava 15 quilmetros na ida e na volta para Celia, nos dias em que ia ao Felding-Roth, em Boonton. Mas como a maior parte de suas visitas era e m outras reas de New Jersey, a distncia no se tornava to importante assim. Mas a casa, que era grande, desocupada, abandonada, em estilo colonial, cho cou Andrew, quando a viu. E ele protestou: Mas este velho estbulo todo arrebentado no serve para ns, Celia! Mesmo que con segussemos remend-lo, o que parece impossvel, j pensou no que faramos com cinco quart os? Ela explicou pacientemente: Um quarto para ns, dois para as crianas e mais um para a empregada que precis aremos depois que nascerem. Ela acrescentou que o quinto quarto seria para hspede s. Minha me nos visitar ocasionalmente, talvez a sua tambm. Celia tambm previa "um estdio no primeiro andar que ns dois poderemos partilha r, permanecendo juntos quando trabalharmos em casa". Embora no tivesse a menor in teno de concordar com uma idia to pouco prtica, Andrew no pde deixar de rir. Voc certamente parece ter previsto tudo. O que nenhum de ns vai querer a interrupo e o incmodo de mudar de casa a inter alos de poucos anos, s porque precisamos de mais espao e no planejamos devidamente argumentou Celia. Ela olhou ao redor, inspecionando as teias de aranha, o assoalho imundo pel o qual andavam, numa tarde de domingo, em janeiro, com o sol plido brilhando pela s janelas sujas. Este lugar precisa ser raspado, pintado, organizado, mas pode se tornar lin do... o tipo de lar que nunca deixaramos, a menos que fssemos obrigados. Estou deixando agora mesmo, protestou Andrew, porque a coisa que esta casa mais precisa de um trator. Uma pausa e ele acrescentou, com uma rara demonstrao de impacincia: Voc tem-se mostrado certa em uma poro de coisas, mas no desta vez. Celia parecia inabalvel. Abraando Andrew, ela se ergueu na ponta dos ps para b eij-lo. Ainda acho que estou certa. Vamos para casa e conversaremos a respeito. Mais tarde, naquela noite, relutantemente, Andrew acabou cedendo. No dia se guinte, Celia negociou a casa, arrumou um timo preo e prontamente providenciou a h ipoteca. A entrada no foi dificuldade. Tanto ela como Andrew haviam economizado d e seus ganhos durante os anos anteriores e seus rendimentos somados atuais eram substanciais. Mudaram-se ao final de abril. Quase que imediatamente, Andrew reco nheceu que se enganara em relao casa. J gosto dela declarou ele, no primeiro dia. E posso at passar a am-la. A reforma custara menos do que ele imaginara e os resultados eram impressiv

os, at mesmo bonitos. Foi um perodo feliz para ambos... e uma das causas, talvez a maior, era o fato de Celia se achar agora grvida de cinco meses. 6