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1 Religião, educação e direitos humanos: uma análise das audiências e discussões públicas sobre o ensino religioso no Brasil em 2015 Maurício de Aquino Considerações iniciais Este trabalho desenvolve uma análise das manifestações de entidades que se pronunciaram na audiência pública sobre a disciplina de Ensino Religioso, convocada em 10 de março de 2015 pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e realizada no dia 15 de junho de 2015. O ministro Barroso convocou tal audiência para melhor avaliar as percepções dos representantes dessas entidades sobre o tema visando balizar adequadamente o seu relatório acerca de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Procuradoria Geral da República em agosto de 2010 que questiona a legalidade da disciplina de Ensino Religioso na escola pública. Ao analisar esse conjunto de manifestações pretende-se, de um lado, apontar e refletir sobre as características predominantes e definidoras dessa disciplina, e, de outro lado, ampliar essa discussão ao inserir a análise do Ensino Religioso no ponto axial das relações entre religião, espaço público, laicidade e direitos humanos na contemporaneidade. A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4439/2010 e a audiência pública sobre o ensino religioso em escolas públicas _____________________ Doutor em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/FCL-Assis). Professor Adjunto do Curso de Graduação em História e do Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, linha de pesquisa Função Política do Direito, na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). E-mail: [email protected]

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Religião, educação e direitos humanos: uma análise das audiências e discussões públicas sobre o ensino religioso no Brasil em 2015

Maurício de Aquino

Considerações iniciais

Este trabalho desenvolve uma análise das manifestações de entidades que

se pronunciaram na audiência pública sobre a disciplina de Ensino Religioso,

convocada em 10 de março de 2015 pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo

Tribunal Federal, e realizada no dia 15 de junho de 2015. O ministro Barroso

convocou tal audiência para melhor avaliar as percepções dos representantes

dessas entidades sobre o tema visando balizar adequadamente o seu relatório

acerca de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela

Procuradoria Geral da República em agosto de 2010 que questiona a legalidade da

disciplina de Ensino Religioso na escola pública.

Ao analisar esse conjunto de manifestações pretende-se, de um lado, apontar

e refletir sobre as características predominantes e definidoras dessa disciplina, e, de

outro lado, ampliar essa discussão ao inserir a análise do Ensino Religioso no ponto

axial das relações entre religião, espaço público, laicidade e direitos humanos na

contemporaneidade.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4439/2010 e a audiência pública

sobre o ensino religioso em escolas públicas

_____________________

Doutor em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/FCL-Assis). Professor Adjunto do Curso de Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, linha de pesquisa Função Política do Direito, na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). E-mail: [email protected]

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Em 10 de março de 2015 o ministro Luís Roberto Barroso convocou uma

audiência pública para discutir o ensino religioso em escolas públicas. Barroso

atendia a uma solicitação da petição da Procuradora-Geral da República, senhora

Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, que propôs uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI), em 30 de julho de 2010, deferida em decisão do ministro

Ayres Britto, em 03 de agosto de 2010, para o qual foi distribuída a referida ADI,

número 4439, na condição de relator.

Em sua decisão, o ministro Ayres Britto (2010) esclarece a petição, sinaliza a

tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) e evidencia o encaminhamento legal:

DECISÃO: Vistos, etc. A autora pede, liminarmente, a suspensão da eficácia: a) “de qualquer interpretação do art. 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.394/96, que autorize a prática do ensino religioso em escolas públicas que não se paute pelo modelo não-confessional, bem como permita a admissão de professores da disciplina como representantes de quaisquer confissões religiosas”; b) “de qualquer interpretação do art. 11, § 1º, do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, (...) que autorize a prática do ensino religioso em escolas públicas que não se paute pelo modelo não-confessional”. 2. Do exame dos autos, enxergo a relevância da matéria veiculada na presente ação direta de inconstitucionalidade, bem como o seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica. Tudo a recomendar um posicionamento definitivo deste Supremo Tribunal Federal acerca da impugnação que lhe é dirigida. 3. Nessa moldura, adoto o procedimento abreviado de que trata o artigo 12 da Lei 9.868/99. 4. Solicitem-se informações, no prazo de 10 (dez) dias, ao Congresso Nacional e ao Presidente da República. Após, encaminhem-se o processo, sucessivamente, ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, dispondo cada qual do prazo de 05 (cinco) dias. Publique-se. Brasília, 03 de agosto de 2010.

Lê-se no artigo 12, da referida Lei n. 9.868/99 (BRASIL, 1999):

Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica,

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poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

Após essa decisão inicial, o ministro relator passou a servir-se do instituto do

amicus curiae (prevista pela Lei 9868/99) no que concerne à manifestação de outros

órgãos ou entidades no processo. Ainda no âmbito desta lei prevê-se a realização

de audiência pública. Ao longo de dois anos o ministro Ayres Britto considerou os

pedidos de amicus curiae, sem a audiência pública. Havia a intenção manifesta de

julgamento da ADI-4439 em novembro de 2012. Entretanto, a Ação foi retirada de

pauta por conta da aposentadoria compulsória de seu relator.

Em 26 de junho de 2013 houve redistribuição dos processos cabendo ao

ministro Luís Roberto Barroso a condição de relator da ADI em questão. Em

despacho de 10 de março de 2015, o ministro Barroso convocou a audiência

pública.

Para o professor do mestrado em Direito da FGV, doutor Fernando Leal em

seu texto intitulado “Para que servem as audiências públicas no STF?” (2015), os

ministros do STF consideram que as audiências e o instituto do Amicus Curiae têm

impactos positivos, mas é preciso observar que:

Amicus Curiae e audiências públicas não precisam ser mecanismos sobrepostos de participação na jurisdição constitucional. São instrumentos que o tribunal pode utilizar para enfrentar dois déficits permanentes e objetivos da jurisdição constitucional: o de legitimação democrática (como pode o Judiciário invalidar legitimamente decisões majoritárias?) e o de expertise técnica (como pode o Judiciário tomar decisões justificadas sobre questões de fato, que dizem respeito ao domínio da ciência?).

Na sequência de sua argumentação, Fernando Leal (2015) considera:

Na prática, as audiências públicas parecem cada vez menos servir para que a corte se municie de argumentos e informações realmente técnicas. Nota-se um movimento cada vez maior de aproximação entre audiência públicas e amicus

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curiae como institutos destinados a lidar apenas com a já repetida “dificuldade contramajoritária” dos tribunais. [...] Em vez de duas ferramentas para dois problemas diferentes, audiências e amicus tornam-se, na prática, recursos para enfrentar uma só questão: a legitimidade da jurisdição constitucional na democracia.

Fernando Leal escreveu o seu texto como que na forma de uma réplica ao

texto do ministro Luís Roberto Barroso (2015c) publicado no caderno Opinião, da

Folha de São Paulo, em 14 de junho de 2015, um dia antes da audiência sobre o

ensino religioso nas escolas públicas. Nesse texto, o ministro Barroso (2015c)

observa:

No Supremo Tribunal Federal, sou relator de uma ação direta de inconstitucionalidade na qual se discute o papel do ensino da religião nas escolas públicas. Há basicamente duas posições em debate. De um lado, há os que defendem que o ensino religioso possa ser ligado a uma religião específica, sendo ministrado, por exemplo, por um padre, um pastor ou um rabino. É o que se chama de ensino religioso confessional. De outro, há os que sustentam que o Estado é laico e que o ensino de religião tem de ser de caráter histórico e plural, com a apresentação de todas as principais doutrinas. Isto é: não pode ser ligado a um credo específico. São diferentes formas de ver o papel da educação religiosa. Ao Supremo Tribunal Federal caberá determinar qual dessas duas posições realiza mais adequadamente a vontade constitucional. A Constituição não tem uma norma expressa a respeito, mas prevê a existência de ensino religioso facultativo, assim como prevê que o Estado é laico e que não deve apoiar ou embaraçar qualquer culto. Convoquei para esta segunda-feira (15), no Supremo, uma audiência pública para debater o tema e convidei representantes de todas as principais religiões no país. Com essa iniciativa, busco promover um debate aberto e plural, no qual pretendo colher a opinião de todos. Também se inscreveram pensadores religiosos, leigos e ateus, que igualmente serão ouvidos. Em seguida, farei um relatório com as principais posições e apresentarei meu voto.

Foi nesses termos que o ministro Barroso se propôs a presidir a audiência

realizada no dia 15 de junho de 2015 sobre o ensino religioso nas escolas públicas.

Em despacho de 15 de maio, o ministro Barroso (2015b) definiu a participação de 31

entidades com base nos seguintes critérios: “(i) representatividade da comunidade

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religiosa ou entidade interessada; (ii) especialização técnica e expertise do

expositor; e (iii) garantia da pluralidade da composição da audiência e dos pontos de

vista a serem defendidos”.

O próprio ministro Barroso (2015b) convocou 10 entidades:

- Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED);

- Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE);

- Confederação Israelita do Brasil (CONIB);

- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB);

- Convenção Batista Brasileira (CBB);

- Federação Espírita Brasileira (FEB);

- Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS);

- Igreja Assembleia de Deus – Ministério Belém (IAD-Belém);

- Liga Humanista Secular do Brasil (LIHS);

- Sociedade Budista do Brasil (SBB).

Além das 10 entidades convidadas, 227 registros de inscrição foram

apresentados para participação na audiência. Destes, ao final, foram deferidos 21

em despacho de maio (BARROSO, 2015b), com a participação de 31 entidades. A

seguir arrolam-se as 21 entidades cujas inscrições foram deferidas:

- Federação Nacional do Culto Afro-brasileiro (FENACAB) e conjunto com a

Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e entorno;

- Convenção Nacional das Assembleias de Deus – Ministério de Madureira

(CNAD-Madureira);

- Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação;

- AMICUS DH- Grupo de atividade de cultura e extensão da Faculdade de

Direito da USP;

- Anis- Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero;

- ANAJUBI- Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel;

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- Arquidiocese do Rio de Janeiro;

- ASSINTEC- Associação Inter-religiosa de Educação e Cultura;

- Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em

Teologia e Ciências da Religião – ANPTECRE;

- Centro de Raja Yoga Brahma Kumaris;

- Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ;

- Comissão de Direitos Humanos e Minorias – CDHM;

- Comissão Permanente de Combate às discriminações e preconceitos de

cor, raça, etnia, religiões e procedência nacional;

- Comitê Nacional de respeito à diversidade religiosa da secretaria de direitos

humanos da Presidência da República;

- Conectas Direitos Humanos;

- Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação;

- Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso – FONAPER;

- Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família;

- Igreja Universal do Reino de Deus – IURD;

- Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB;

- Observatório da Laicidade na Educação em conjunto com o Centro de

Estudos Educação & Sociedade.

Posições em face do ensino religioso na escola pública

Considerando os pronunciamentos das 31 entidades, disponíveis em notícias

no site do STF e na íntegra em vídeos no youtube.com, podemos traçar 07 posições

apresentadas:

1) Contra o Ensino Religioso na escola pública com o ensino transversal de

temas de religião: 01 entidade, a CNTE;

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2) Contra qualquer tipo de Ensino Religioso em escola pública: 04 entidades,

CONIB, CBB, Assembleia de Deus – ministério de Madureira, Liga

Humanista Secular;

3) Contra o Ensino Religioso confessional e a favor do Ensino Religioso laico:

15 entidades; CONSED, IURD, Anis, Observatório da Laicidade, Amicus-

DH, Conectas Direitos Humanos, FONAPER, ASSINTEC, CNE-MEC,

Comissão Permanente de Combate à Discriminação, ANPTECRE, IAB,

ANAJUBI, Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ, Comitê Nacional de

Respeito à Diversidade;

4) Contra o Ensino Religioso confessional e por um ensino de valores, de

ética: 03 entidades, Federação Espírita, Centro de Raja Yoga, Ação

Educativa;

5) A favor do modelo confessional do Ensino Religioso: 06 entidades, CNBB,

Arquidiocese do RJ, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da

Câmara dos Deputados, Federação das Associações Muçulmanas

(proposta de ensino ecumênico, interconfessional), Assembleia de Deus –

ministério de Belém, Frente Parlamentar em Defesa da Família;

6) A favor do Ensino Religioso que contemple todas as religiões, resultante

de parceria entre MEC e religiões: 01 entidade, Federação Nacional de

Culto Afro-brasileiro em conjunto com a Federação de Umbanda e

Candomblé;

7) Sem manifestação específica: 01 entidade, Sociedade Budista Brasileira.

Das 31 entidades, 22 entidades foram favoráveis ao Ensino Religioso na

escola pública, sendo que 16 foram favoráveis a uma abordagem laica dos

conteúdos tal como peticiona a ADI-4439, sendo 08 entidades contrárias e 01 que

não se manifestou especificamente sobre o assunto.

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Em uma primeira análise, aparentemente despontam os três núcleos político-

epistemológicos do ensino religioso, como formulados por Viviane Cristina Cândido

(2004) em sua dissertação sobre as fontes epistemológicas dessa disciplina: 1) a

confessional ou de discurso teológico, exemplificada pela CNBB; 2) a escolarizada

ou de discurso fenomenológico e antropológico, exemplificada no FONAPER; e, 3) a

de não oferta da disciplina ou de visão laica e pragmática da educação laica

denominada por Cândido (2004) como o Grupo do Não (na audiência esse grupo foi

constituído pela CONIB – cuja expositora Roseli Fishmann advoga pela não oferta

da disciplina desde meados dos anos 1990, CBB, Assembleia de Deus – ministério

de Madureira, Liga Humanista Secular).

Significativamente se observam divergências no interior dos grupos católico,

evangélico e parlamentar, com alguma convergência dos grupos universitários e das

religiões demograficamente minoritárias.

Posições das entidades de Direitos Humanos acerca do Ensino Religioso

Das 31 entidades, 05 eram evidentemente nomeadas como promotoras e

defensoras de direitos humanos:

- AMICUS DH, Grupo de Atividade de Cultura e Extensão da Faculdade de

Direito da USP (expositor na audiência foi o prof. Virgílio Afonso da Silva), trabalha

com casos paradigmáticos de interpretação dos direitos humanos e tem atuado

principalmente por meio do instituto jurídico do Amicus Curiae que prevê a

manifestação especializada de terceiros em processos;

- Anis, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (expositora: Débora

Diniz), criado em 1999, é uma ONG voltada para estudos e ações sobre os direitos

das mulheres e das minorias. Em 2010, pesquisadoras desse instituto publicaram o

livro “Ensino Religioso e Laicidade no Brasil” que demonstrou a predominância do

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caráter confessional do ensino religioso ministrado nas escolas públicas brasileiras.

Esse livro é citado na petição que gerou a ADI-4439;

- Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), uma das comissões

permanentes da Câmara dos Deputados, para a qual se atribuem trabalhos de

promoção, denúncia e defesa dos direitos humanos e direitos de minorias. O

expositor da CDHM foi o consultor da Câmara, senhor Manoel Morais;

- Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de

Direitos Humanos da Presidência da República (expositor: Gilbraz Aragão), criado

em 2014, para assessorar a implementação de eixo do Plano Nacional de Direitos

Humanos a respeito da valorização e defesa dos direitos de liberdade religiosa, bem

como da laicidade do Estado;

- Conectas Direitos Humanos (expositor: Oscar Vilhena Vieira), é uma ONG

internacional fundada em São Paulo no ano de 2001. Propõe-se a promover a

efetivação dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito no Sul Global –

África, América Latina e Ásia.

Das 05 entidades, 04 assinalaram a necessidade de um ensino religioso não

confessional nas escolas públicas, isto é, salvo a CDHM- Câmara dos Deputados,

se observou que apenas o ensino não confessional da disciplina poderia preservar a

laicidade do Estado. Para a AMICUS-DH o melhor seria a completa exclusão de

disciplina de ensino religioso, mas, em havendo previsão legal, que o seja no

modelo não confessional.

A Conectas Direitos Humanos ressaltou o princípio constitucional da laicidade

ao qual está subordinada a disciplina de Ensino Religioso.

A Anis e a CNRDR asseveraram pela necessária escolarização da disciplina

que implica no estabelecimento pelo MEC (Ministério da Educação) de diretrizes

curriculares, diretrizes de formação de professores, bem como de avaliação dos

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livros didáticos da disciplina nos mesmos critérios adotados pelo Programa Nacional

do Livro Didático – PNLD.

Considerações finais

Nas considerações finais deste texto que objetivou apresentar uma análise

inicial (ou notas de pesquisa) sobre a audiência pública a respeito do ensino

religioso nas escolas públicas pretende-se ressaltar alguns conceitos e aspectos

implicados nessa discussão, especificamente associados às entidades

nomeadamente voltadas para a promoção e defesa dos direitos humanos.

Primeiro, a questão da laicidade do Estado e dos direitos humanos. A

laicidade é reconhecida como princípio constitucional ao qual devem subordinar-se

os demais dispositivos, institutos e textos legais. Na exposição de Oscar Vilhena

Vieira, da Conectas Direitos Humanos, desponta a definição de laicidade:

O art. 19, I, [da Constituição Federal da República do Brasil] determina a laicidade do Estado brasileiro. Trata-se de regra. Uma regra que estabelece uma conduta peremptória ao Estado. E essa regra, como todos sabemos, proíbe qualquer forma de subvenção, qualquer forma de apoio, qualquer forma de comportamento estatal que favoreça a religião. (VIEIRA, 2015)

A Conectas Direitos Humanos e as demais entidades consideram em suas

exposições que a liberdade religiosa, ou ainda mais, a liberdade de consciência,

decorrente de um Estado laico permite a efetivação dos direitos fundamentais, dos

direitos humanos. Assim, para Vieira (2015): “A liberdade religiosa talvez tenha sido

o primeiro dos direitos humanos concebido pela modernidade. E em grande medida

ela é responsável pela pacificação e pelo fim das guerras religiosas no continente

europeu. Onde a liberdade religiosa não chegou, as sociedades continuaram

vivendo em ambientes de profunda intolerância”.

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A expositora da Anis foi Débora Diniz, uma das autoras do livro “Laicidade e

Ensino Religioso no Brasil” (2010). Ela é antropóloga e na Anis desenvolve

pesquisas sobre laicidade e direitos humanos. A sua intervenção na audiência

retomou o que foi discutida por ela no livro supramencionado. Nele, pode-se ler a

respeito da laicidade e dos direitos humanos:

O Programa Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, na terceira edição (PNDH-3), propõe a secularização dos espaços públicos pela retirada dos símbolos e adornos religiosos. Em uma linha argumentativa semelhante, o tema do ensino religioso foi discutido, havendo recomendações de que seu conteúdo respeite a diversidade e a história das religiões, enfatizando valores políticos e éticos como a diversidade cultural, a tolerância e a laicidade. (DINIZ, LIONÇO, CARRIÃO, 2010, p. 24).

A partir dessas considerações, podemos tratar da plena escolarização da

disciplina de Ensino Religioso. O Ensino Religioso pode estar na escola, mas não

tem sido tratado plenamente como disciplina. (AQUINO, 2013) A Anis e o CNRDR-

SDH enfatizaram a necessária escolarização da disciplina de Ensino Religioso com

o estabelecimento de diretrizes curriculares, diretrizes de formação docente, bem

como de avaliação dos livros didáticos.

Nessa direção, deve-se considerar que o Ensino Religioso teria por ciência de

referência a Ciência da Religião. Para Sérgio Junqueira (2012, p. 192): “o

fundamental é a compreensão do cenário em que esta disciplina será desenvolvida

– contexto pedagógico, acrescido de outro elemento que o ensino religioso é uma

didática da ciência da religião”. O pesquisador Sérgio Junqueira também

desenvolveu essa ideia em outro texto, sobre a aplicação da ciência da religião na

educação (JUNQUEIRA, 2013). Ainda nesse sentido de legitimidade do Ensino

Religioso não confessional, como disciplina referenciada nas ciências humanas e

sociais, podem-se registrar as contribuições dos pesquisadores Eulálio Figueira e

Maurício de Aquino.

Para Eulálio Figueira (2014, 462):

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Entendemos que uma disciplina como o Ensino Religioso poderá construir sujeitos históricos mais sabedores de seus recursos, mais conhecedores de suas possibilidades e capazes de entender melhor os fatos a nosso redor. O Ensino Religioso nos ajudará a construir o que Rorty aponta como a Utopia Liberal – isto é, a Solidariedade Humana.

Para Maurício de Aquino (2013, p. 129):

Historicamente, a sociedade brasileira tem dificuldade em lidar com a diversidade. Assim, uma disciplina escolar específica para os estudos das religiões poderia oferecer conhecimentos confiáveis e analiticamente distanciados para as crianças, jovens e adultos pensarem sobre o sagrado em suas diferentes facetas, inclusive civis.

Enfim, a disciplina de Ensino Religioso chega ao século XXI implica em

disputas pelos sentidos de mundo que envolve significações e ressignificações da

natureza e objetivo dessa disciplina em face das novas composições do campo

religioso brasileiro e das atuais exigências de efetivação de direitos humanos desde

uma ética da diversidade que depende para a sua realização e eficácia da valoração

da laicidade do Estado como princípio constitucional da República do Brasil com a

devida correspondência social.

Referências

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BARROSO, Luís Roberto. Despacho de convocação de audiência pública para discutir o ensino religioso em escolas públicas. Brasília, 10 de março de 2015. ADI-4439. 2015ª. Disponível em: file:///C:/Users/Mauricio/Downloads/texto_15319105319

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rrosoafearazaoeoutrascrencas.shtml Acesso em: 10/07/2016 CÂNDIDO, Viviane Cristina. O Ensino Religioso em suas fontes: uma contribuição para a epistemologia do Ensino Religioso. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Nove de Julho – UNINOVE, São Paulo, 2004. BRASIL. Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm Acesso em: 10/07/2016 BRITTO, Ayres. Decisão: visto etc. Brasília, 03 de agosto de 2010. ADI-4439. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente

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Acesso em: 10/07/2016

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