Reletao de Caso Código 265 Complicação pós-operatória com … · 2018-10-22 · Podem estar...

5
164 �������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 3, p. 164-168, julho / agosto / setembro 2013 Complicação pós-operatória com risco de morte após biópsia incisional de boca Layssa Amorim Marquezini 1 Fabio Lima de Almeida 2 Arthur Aburad de Carvalhosa 3 Maria Carmen Palma Faria Volpato 4 Paulo Henrique de Souza Castro 5 Luiz Evaristo Ricci Volpato 6 1) Cirurgiã-Dentista. Residente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital de Câncer de Mato Grosso. 2) Cirurgião Bucomaxilofacial. Membro do Corpo Clínico do Hospital de Câncer de Mato Grosso. 3) Doutor em Patologia Bucal. Membro do Corpo Clínico do Hospital de Câncer de Mato Grosso. Professor da Universidade de Cuiabá (UNIC). 4) Mestranda em Ciências Odontológicas Integradas (UNIC). Protesista do Hospital de Câncer de Mato Grosso. 5) Cirurgião Bucomaxilofacial. Chefe do Departamento de Odontologia do Hospital de Câncer de Mato Grosso. 6) Doutor em Odontopediatria. Membro do Corpo Clínico do Hospital de Câncer de Mato Grosso. Professor da Universidade de Cuiabá. Instituição: Hospital de Câncer de Mato Grosso. Cuiabá / MT - Brasil. Correspondência: Layssa Amorim Marquezin - Rua das Margaridas, 355 - Cuiabá / MT - Brasil - CEP: 78043-108 - Telefone: (+55 65) 3641-5378 - E-mail: [email protected] Artigo recebido em 01/12/2011; aceito para publicação em 24/07/2013; publicado online em 23/09/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Reletao de Caso Postoperative complication with a risk of death after an incisional biopsy of mouth Resumo Introdução: O linfangioma é uma malformação congênita do sistema linfático frequente do nascimento aos dois anos de idade. Acomete comumente a região de cabeça e pescoço, mas é raro em cavidade bucal. objetivo: Descrever o caso de um paciente apresentando duas lesões em cavidade bucal cuja biópsia realizada para diagnóstico das lesões evoluiu para complicação com risco à vida. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, cinco anos de idade, com duas lesões intra-bucais, sendo uma em dorso de língua e outra em assoalho bucal compareceu para diagnóstico e tratamento acompanhado pelos pais. Após realização de biópsia incisional para diagnóstico da lesão em dorso de língua, o paciente evoluiu com quadro intenso de linfoedema em língua, progredindo a cada dia, com risco de obstrução das vias aéreas. O paciente foi tratado inicialmente com corticoide e antibiótico e a partir do sexto dia foi instituída laserterapia, visando à ativação da drenagem linfática da região. O linfoedema regrediu consideravelmente após a primeira sessão de laserterapia, e completamente após cinco dias. Comentários finais: Independentemente da causa do edema em língua, este deve sempre ser considerado como uma condição de risco à vida, pois sua evolução pode vir a comprometer as vias aéreas do paciente. Assim, toda intercorrência nessa região deve ser tratada imediatamente. Descritores: Linfangioma; Edema; Criança; Língua. AbstRACt Introduction: Lymphangioma is a congenital malformation of the lymphatic system often from birth to the age of two years. It commonly affects the head and neck region, but is rare in the oral cavity. objective: To describe the case of a patient with two lesions in the oral cavity whose biopsy for diagnosis of the lesions progressed to life-threatening complication. Case Report: A male, five-year-old patient, with two intra-oral lesions, one at the tongue and another in the mouth floor, attended for diagnosis and treatment accompanied by his parents. After incisional biopsy for diagnosis of the lesion on the dorsum of the tongue, the patient evolved with severe lymphoedema of tongue, progressing every day, with the risk of airway obstruction. The patient was initially treated with antibiotics and corticosteroids, and from the sixth day on laser therapy was instituted aiming to activate the lymphatic drainage of the region. The lymphoedema decreased considerably after the first session of laser therapy, and completely after five days. Final comments: Regardless of the cause of edema in language, this should always be considered as a life-threatening condition, because its evolution may compromise the patient’s airway. Thus, all complications in this region should be treated immediately. Key words: Lymphangioma; Edema; Child; Tongue. INTRODUçãO Descrito pela primeira vez em 1823 por Redenbacker, o Linfangioma foi definido como uma malformação con- gênita do sistema linfático, composto de canais linfáti- cos e espaços císticos de tamanho variável 1, 2 . Trata-se de tumor hamartomatoso benigno dos vasos linfáticos. É controverso que sejam neoplasmas verdadeiros; em vez disso, considera-se que representem mais uma mal- formação do desenvolvimento que se origina a partir da sequestração de tecido linfoide que não se comunica normalmente com o restante do sistema linfático 1 . Com predileção pela região de cabeça e pescoço, mais de 50% das lesões são observadas no nascimento, e cerca de 90% se desenvolvem por volta dos dois anos de idade. Seu diagnóstico é normalmente realizado atra- vés do exame clínico 2 . A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha, porém novas terapias são atualmente propostas: injeção intra- lesional com agentes esclerosantes incluindo bleomicina

Transcript of Reletao de Caso Código 265 Complicação pós-operatória com … · 2018-10-22 · Podem estar...

164 �������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 3, p. 164-168, julho / agosto / setembro 2013

Complicação pós-operatória com risco de morte após biópsia incisional de boca

Layssa Amorim Marquezini 1

Fabio Lima de Almeida 2

Arthur Aburad de Carvalhosa 3

Maria Carmen Palma Faria Volpato 4

Paulo Henrique de Souza Castro 5

Luiz Evaristo Ricci Volpato 6

1) Cirurgiã-Dentista. Residente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital de Câncer de Mato Grosso.2) Cirurgião Bucomaxilofacial. Membro do Corpo Clínico do Hospital de Câncer de Mato Grosso.3) Doutor em Patologia Bucal. Membro do Corpo Clínico do Hospital de Câncer de Mato Grosso. Professor da Universidade de Cuiabá (UNIC).4) Mestranda em Ciências Odontológicas Integradas (UNIC). Protesista do Hospital de Câncer de Mato Grosso.5) Cirurgião Bucomaxilofacial. Chefe do Departamento de Odontologia do Hospital de Câncer de Mato Grosso.6) Doutor em Odontopediatria. Membro do Corpo Clínico do Hospital de Câncer de Mato Grosso. Professor da Universidade de Cuiabá.

Instituição: Hospital de Câncer de Mato Grosso. Cuiabá / MT - Brasil.

Correspondência: Layssa Amorim Marquezin - Rua das Margaridas, 355 - Cuiabá / MT - Brasil - CEP: 78043-108 - Telefone: (+55 65) 3641-5378 - E-mail: [email protected] recebido em 01/12/2011; aceito para publicação em 24/07/2013; publicado online em 23/09/2013.Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Reletao de Caso

Postoperative complication with a risk of death after an incisional biopsy of mouth

Código 265

Resumo

Introdução: O linfangioma é uma malformação congênita do sistema linfático frequente do nascimento aos dois anos de idade. Acomete comumente a região de cabeça e pescoço, mas é raro em cavidade bucal. objetivo: Descrever o caso de um paciente apresentando duas lesões em cavidade bucal cuja biópsia realizada para diagnóstico das lesões evoluiu para complicação com risco à vida. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, cinco anos de idade, com duas lesões intra-bucais, sendo uma em dorso de língua e outra em assoalho bucal compareceu para diagnóstico e tratamento acompanhado pelos pais. Após realização de biópsia incisional para diagnóstico da lesão em dorso de língua, o paciente evoluiu com quadro intenso de linfoedema em língua, progredindo a cada dia, com risco de obstrução das vias aéreas. O paciente foi tratado inicialmente com corticoide e antibiótico e a partir do sexto dia foi instituída laserterapia, visando à ativação da drenagem linfática da região. O linfoedema regrediu consideravelmente após a primeira sessão de laserterapia, e completamente após cinco dias. Comentários finais: Independentemente da causa do edema em língua, este deve sempre ser considerado como uma condição de risco à vida, pois sua evolução pode vir a comprometer as vias aéreas do paciente. Assim, toda intercorrência nessa região deve ser tratada imediatamente.

Descritores: Linfangioma; Edema; Criança; Língua.

AbstRACt

Introduction: Lymphangioma is a congenital malformation of the lymphatic system often from birth to the age of two years. It commonly affects the head and neck region, but is rare in the oral cavity. objective: To describe the case of a patient with two lesions in the oral cavity whose biopsy for diagnosis of the lesions progressed to life-threatening complication. Case Report: A male, five-year-old patient, with two intra-oral lesions, one at the tongue and another in the mouth floor, attended for diagnosis and treatment accompanied by his parents. After incisional biopsy for diagnosis of the lesion on the dorsum of the tongue, the patient evolved with severe lymphoedema of tongue, progressing every day, with the risk of airway obstruction. The patient was initially treated with antibiotics and corticosteroids, and from the sixth day on laser therapy was instituted aiming to activate the lymphatic drainage of the region. The lymphoedema decreased considerably after the first session of laser therapy, and completely after five days. Final comments: Regardless of the cause of edema in language, this should always be considered as a life-threatening condition, because its evolution may compromise the patient’s airway. Thus, all complications in this region should be treated immediately.

Key words: Lymphangioma; Edema; Child; Tongue.

Introdução

Descrito pela primeira vez em 1823 por Redenbacker, o Linfangioma foi definido como uma malformação con-gênita do sistema linfático, composto de canais linfáti-cos e espaços císticos de tamanho variável1, 2. Trata-se de tumor hamartomatoso benigno dos vasos linfáticos. É controverso que sejam neoplasmas verdadeiros; em vez disso, considera-se que representem mais uma mal-formação do desenvolvimento que se origina a partir da

sequestração de tecido linfoide que não se comunica normalmente com o restante do sistema linfático1.

Com predileção pela região de cabeça e pescoço, mais de 50% das lesões são observadas no nascimento, e cerca de 90% se desenvolvem por volta dos dois anos de idade. Seu diagnóstico é normalmente realizado atra-vés do exame clínico2.

A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha, porém novas terapias são atualmente propostas: injeção intra-lesional com agentes esclerosantes incluindo bleomicina

Complicação pós-operatória com risco de morte após biópsia incisional de boca. Marquezini et al.

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 3, p. 164-168, julho / agosto / setembro 2013 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––165

(BLM), tetraciclina, álcool2, OK-4323 e laser de dióxido de carbono4.

Na ausência de terapia adequada, os linfangiomas, principalmente os localizados em língua (principal ocor-rência na cavidade oral), são extremamente recorren-tes, levando a complicações graves como hemorragia e obstrução das vias aéreas superiores, sendo, portanto, seu diagnóstico precoce de extrema importância para a realização de um tratamento adequado, evitando desta forma a ocorrência de severas complicações5.

É relatado o caso de um menino de cinco anos de idade, apresentando duas lesões na cavidade bucal, uma em dorso de língua e outra em assoalho bucal, de diagnósticos diferentes, evoluindo com edema conside-rável em língua após a realização de biópsia incisional.

Revisão da literatura com diagnóstico diferencialLinfangioma é um tumor benigno hamartomatoso de

vasos linfáticos, classificado com uma malformação e não neoplasia, comumente encontrado na região de ca-beça e pescoço, porém raramente situado na cavidade bucal1,5-7.

São lesões pediátricas comuns, apresentando-se ge-ralmente ao nascimento ou durante os primeiros anos de vida. Em neonatos, cistos superficialmente localizados na mucosa alveolar com um quadro histológico linfan-giomatoso são descritos como linfangiomas alveolares. Tais lesões, mais comuns em neonatos negros do que em brancos, são geralmente confundidas com cistos de erupção ou mucocele, desaparecem espontaneamente com a mastigação e a erupção dentária8.

Podem estar presentes em qualquer região da pele e mucosa. Ocorrem isoladamente, ou, mais frequente-mente em associação com hemangioma ou outros vasos sanguíneos anômalos com os quais os vasos linfangio-matosos estão anastomosados8. Os locais de ocorrência mais comum são região de cabeça e pescoço, seguido pelas extremidades, nádegas e tronco. Às vezes, eles podem ser localizados no intestino e pâncreas. Rara-mente afetam a cavidade bucal e, quando afetada, os locais mais frequentes incluem a língua, palato, rebordo alveolar inferior e lábios7.

Apresenta-se clinicamente como inchaço pouco cir-cunscrito e indolor, flutuante e macio à palpação. Quan-do a cavidade bucal é envolvida, a língua é o local de maior ocorrência. Nesses casos a lesão ocorre prefe-rencialmente na superfície dorsal da porção anterior, de tamanho variável, podendo envolver toda a língua e es-truturas vizinhas9.

O linfangioma típico de língua caracteriza-se pela presença de nódulos irregulares em seu dorso com pro-jeções semelhantes a cachos de uva, de coloração cinza e avermelhada9.

Seus achados histopatológicos caracterizam-se por vasos linfáticos dilatados, de paredes delgadas e diferentes tamanhos, que são revestidos por endotélio achatado, não encapsulado9, 10. A luz pode estar vazia ou conter fluido proteico, linfócitos e por vezes eritrócitos9.

Diagnósticos diferenciais de linfangiomas da língua

incluem hemangioma, hipotireoidismo congênito, Síndro-me de Down, amiloidose, neurofibromatose, várias do-enças de acumulação (ex.: síndrome de Hurler e doença de acúmulo de glicogênio) e primariamente hipertrofia muscular da língua, todos podendo causar macroglos-sia. O diagnóstico diferencial deveria também considerar certas anomalias no pescoço, incluindo vários cistos de inclusão, celulite e rânula mergulhante ou cervical, que os grandes angiomas do pescoço podem simular8.

relato de caso

Paciente do sexo masculino, 5 anos de idade, leuco-derma, procedente do interior de Mato Grosso, procurou o serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial em Cuiabá, em fevereiro de 2011, tendo como queixa principal, relatada pela mãe: “a língua do meu filho in-chou, já fui ao médico e ele pediu para procurar um den-tista” .

Na anamnese não foi relatada nenhuma doença de base, e segundo a mãe o paciente já havia sido interna-do em junho de 2010, por causa de inchaço na língua. Na história da doença atual a mãe referiu ter notado uma lesão acometendo o ventre de língua e assoalho bucal desde o nascimento de seu filho.

No exame físico extra-bucal, não havia nada digno de nota. No exame físico intra-bucal, foi constatada uma lesão acometendo ventre de língua e assoalho bucal do lado direito e outra de aspecto distinto acometendo o dorso da língua. A lesão que acometia o assoalho bucal e ventre de língua era nodular, superfície lisa, bem de-limitada, flácida, de coloração arroxeada. No dorso da língua constataram-se lesões nodulares, de coloração variada, exibindo áreas eritematosas e de permeio regi-ões leucoplásicas. A superfície era irregular, com inúme-ras projeções exofíticas, com limites imprecisos. Ambas eram indolores à palpação. Frente aos aspectos clínicos, foram levantadas as seguintes hipóteses de diagnóstico: para a lesão de assoalho e ventre de língua foi sugerido o diagnóstico clínico de rânula, para a lesão de dorso de língua suspeitou-se de linfangioma. Como conduta inicial optou-se pela enucleação da lesão no ventre lin-gual e assoalho bucal e por biópsia incisional em dorso de língua para maior esclarecimento do diagnóstico. No trans-operatório houve insucesso da enucleação levan-do à realização de marsurpialização da lesão com sus-peita de rânula. A peça resultado da biópsia incisional foi encaminhada para exame histopatológico, confirmando juntamente com os aspectos clínicos o diagnóstico de linfangioma.

Com três dias de pós-operatório (PO), a mãe e o pa-ciente retornaram ao serviço, relatando inchaço na lín-gua, iniciado na noite anterior. Clinicamente, o paciente evoluiu com aumento volumétrico significativo de língua (em toda sua extensão). Negava dispneia, alegava dis-fagia. Frente ao quadro clínico de linfoedema, o paciente foi internado, cuja principal preocupação era a permea-bilidade das vias aéreas. Exames laboratoriais de rotina

foram solicitados e nenhuma alteração dos valores de referência foi observada. A terapêutica instituída foi Ce-falotina 1 gr de 6/6h e Hidrocortizona 100mg 6/6h, via endovenosa.

No dia seguinte, notou-se piora do quadro clínico, apresentando ressecamento labial, sialorreia e dor em ATM bilateralmente. A equipe da Pediatria junto com a equipe de Cirurgia Bucomaxilofacial optou pela troca do antibiótico por Ceftriaxona 1gr de 12/12h; Metronidazol 500mg/100ml de 8/8h e Oxacilina 500 mg 6/6h e conti-nuação da Hidrocortizona.

Não se optou por sonda nasogástrica porque o pa-ciente conseguia ingerir líquidos.

No 5º dia de PO o paciente melhorou no período ves-pertino, porém, no período noturno a língua retornou a edemaciar, apresentando áreas cianóticas (Figura 1A). Mesmo assim, o paciente negava dispneia. No 6º dia de PO sua condição clínica não apresentava melhoras (Figura 1B).

Foi então solicitada uma Tomografia Computadoriza-da de face e região cervical. Nela, observou-se área hi-podensa na região de assoalho bucal direito e esquerdo, sendo que a área do lado direito causava o deslocamen-to da glândula submandibular homolateral no sentido lateroposterior e a língua apresentava grande aumento volumétrico (Figura 1C).

Optou-se, no 6º dia PO, frente a gravidade do caso, pela realização de laserterapia de baixa intensidade, com protocolo para pós-operatório cirúrgico. A metodo-logia de tratamento empregada foi a irradiação pontual, sendo seis pontos em dorso de língua, três pontos em ventre lingual e assoalho bucal direito e doze pontos em região cervical na topografia das cadeias dos linfonodos submandibulares e submentual. O aparelho utilizado foi o Kondortech Laser Control, comprimento de onda de 655 nm (vermelho visível), 40 mW de potência sob dose de 3,0 J/cm², totalizando 36 J intra-bucal e 36 extra-bu-cal por dia, uma sessão diária, durante cinco dias. Este tratamento foi instituído visando a ativação da drenagem linfática da região onde o quadro inflamatório está esta-belecido.

Complicação pós-operatória com risco de morte após biópsia incisional de boca. Marquezini et al.

Figura 1. A. Quinto dia de pós-operatório. Percebe-se excessivo edema da língua com presença de áreas cianóticas. B. Sexto dia de pós-operatório. C. Tomografia Computadorizada evidenciando significativo aumento volumétrico da língua.

Figura 2. Característica clínica após a 1 ª sessão de laserterapia. Nota -se redução significativa do edema em língua.

O linfoedema regrediu consideravelmente após a pri-meira sessão de laserterapia (Figura 2), e completamen-te após cinco dias.

Paciente permanece em proservação há cinco me-ses, sem intercorrências (Figura 3). A ressecção total da lesão seria um procedimento mutilante, impactando so-bremaneira na qualidade de vida da criança, portanto, optou-se inicialmente pelo seu acompanhamento clínico.

dIscussão

Considerado uma anomalia congênita do sistema linfático, o linfangioma frequentemente manifesta-se ao nascimento até os dois anos de idade 5,6,11. O paciente deste caso apresentava cinco anos de idade, quando sua lesão foi diagnosticada.

As malformações linfáticas em língua são as anoma-lias mais comuns. Essas lesões são frequentemente lo-calizadas nos dois terços anteriores da língua, podendo envolver toda sua extensão. Na presença de infecção

166 �������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 3, p. 164-168, julho / agosto / setembro 2013

contínua e aumento volumétrico, as papilas linguais am-pliam e a língua assume uma aparência granular, po-dendo apresentar múltiplas vesículas e bolhas. A ruptura ocasional dos capilares linfáticos criam áreas na língua de coloração preto-azulada, as quais ficam edemacia-das, levando a quadro de macroglossia. Assim, a boca não pode ser fechada, resultando em seu quadro inicial à sialorreia com posterior quadro de xerostomia e úlceras por secura, como observado no presente caso. Macro-glossia em crianças é uma condição incomum, podendo causar morbidade significativa3.

Pacientes apresentam em seu maior estado de ede-ma, mordida aberta, prognatismo mandibular, dificulda-des na fonação, disfagia, podendo complicar mais ainda o quadro quando há presença de hemorragia, na maioria das vezes ocasionada por trauma3.

O edema, sinal mais característico do presente caso, representa um aumento no volume de líquido intersti-cial12,13. Qualquer que seja a causa, é devido a um dese-quilíbrio entre a filtração capilar e a drenagem linfática. Linfoedema ocorre quando o edema é estritamente devi-do a uma falha de drenagem linfática em circunstâncias as quais a filtração capilar não é aumentada. Devido ao desequilíbrio entre a filtração capilar e drenagem linfática, alguns edemas clínicos são susceptíveis de ser apenas um edema por falha na filtração ou linfoedema. Os vasos linfáticos que estão excessivos em número e tamanho podem ser considerados um tumor ou uma malforma-ção hamartomatosa, como o linfangioma12, presente no paciente deste relato, e devido a sua localização, o rico fornecimento sanguíneo proveniente da artéria lingual e seus ramos, permite a ocorrência de um edema enorme em língua, e esse edema na musculatura faz com que a língua seja projetada superior e anteriormente para fora da boca14. Uma das dificuldades para elucidar a causa de qualquer linfoedema é a escassez de métodos sensíveis de investigação. Não existem meios para explorar a con-tratilidade linfática em seres humanos, e métodos de ima-gem para elucidar vasos linfáticos in vivo são limitados12.

O efeito da laserterapia de baixa intensidade na re-dução do processo inflamatório em pós-operatório ci-

rúrgico e na ativação do sistema linfático é conhecido15. Seu efeito depende do feixe de luz que penetra os teci-dos e dos fluidos presentes na região. A energia pode ser melhor penetrada quando a concentração de fluido é maior, e assim, mais facilmente absorvida pelo tecido inflamado e edemaciado15. Outro estudo mostra que de-pendendo do volume do edema, a irradiação pode não ser muito eficaz pela dificuldade de a luz penetrar até o local da inflamação pelo excesso de líquido que será necessário atravessar13. Tem sido afirmado que esta energia pode estimular diversas reações biológicas en-volvidas no processo de cicatrização, e também atuar na redução da fase inflamatória13, no aumento do número de novos vasos colaterais, na ativação de transporte de materiais através das paredes dos vasos, na resolução mais precoce do edema intersticial e na redução do teci-do envolvido13, 15, neste caso, a língua.

O tratamento do edema com fototerapia pode ser re-alizado diretamente sobre o tecido edemaciado ou indi-retamente através da irradicação dos linfonodos locais.

A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha para o linfangioma, mas os resultados são muitas vezes in-satisfatórios devido a complicações, incluindo danos às estruturas vizinhas, particularmente nervos e vasos san-guíneos, cicatrizes e recidiva devido a incompleta exci-são. Por estas razões, outras são terapias atualmente propostas2-4.

comentárIos fInaIs

O prognóstico é favorável para a maioria dos pacien-tes com diagnóstico de linfangioma, embora as grandes lesões localizadas no pescoço ou na base de língua possam ocasionar obstrução das vias aéreas. Na maior parte dos casos, linfangiomas pequenos não causam in-capacidade física, estética e funcional. No entanto, estas lesões devem ser tratadas, pois tendem a evoluir.

Independente da causa do edema em língua, este deve ser considerado como uma condição de risco à vida, devendo ser tratada imediatamente, sendo a via aérea prioridade. Observação adequada e cuidados in-tensivos devem ser realizados.

A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha. En-tretanto, as lesões podem mostrar recidivas após sua remoção, cuja tendência parece crescer com o aumento da idade do paciente.

Enfatiza-se, portanto, o diagnóstico e o tratamento precoce, pois, minimizam as complicações decorrentes destas lesões, em relação à adaptação funcional, esté-tica e principalmente a qualidade de vida do indivíduo.

referêncIas

1. Balakrishnan A, Bailey CM. Lymphangioma of the tongue. A review of pathogenesis, treatment and the use of surface laser photocoagulation. J Laryngol Otol. 1991;105(11):924-9.2. Okazaki T, Iwatani S, Yanai T, Kobayashi H, Kato Y, Marusasa T, Lane GJ, Yamataka A. Treatment of lymphangioma in children: our ex-perience of 128 cases. J Pediatr Surg. 2007;42(2):386-9.

Complicação pós-operatória com risco de morte após biópsia incisional de boca. Marquezini et al.

Figura 3. Pós -operatório de cinco meses.

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 3, p. 164-168, julho / agosto / setembro 2013 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––167

3. Ogita S, Tsuto T, Nakamura K, Deguchi E, Tokiwa K, Iwai N. OK-432 Therapy for Lymphangioma in Children: Why and How Does It Work? J Pediatr Surg. 1996;31(4):477-480. 4. Tasca RA, Myatt HM, Beckenham EJ. Lymphangioma of the ton-gue presenting as Ludwig´s angina. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1999;51(3):201–5.5. Stănescu L, Georgescu EF, Simionescu C, Georgescu I. Lymphan-gioma of the oral cavity. Rom J Morphol Embryol. 2006;47(4):373-7.6. Bozkaya S, Ugar D, karaca I, Ceylan A, Uslu S, Baris E, Tokman B. The treatment of lymphangioma in the buccal mucosa by radiofrequen-cy ablation: a case report. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2006;102(5):28-31.7. Iamaroon A, Pongsiriwet S, Srisuwan S, Krisanaprakornkit S. Lymph-angiomas of the tongue. Int J Paediatr Dent. 2003;13(1):62-3.8. Greenberg MS, Glick M. Medicina Oral de Burket - Diagnóstico e Tratamento. São Paulo: Santos; 2008.

9. Mosca RC, Pereira GA, Mantesso A. Cystic hygroma: characteriza-tion by computerized tomography. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2008;105(5):65-9.10. Jian XC. Surgical Management of lymphangiomatous or lymphangiohemangiomatous macroglossia. J Oral Maxillofac Surg. 2005;63(1):15-9.11. Dinerman WS, Myers EN. Lymphangiomatous macroglossia. Laryn-goscope. 1976;86(2):291-6. 12. Mortimer PS. The Pathophysiology of Lymphedema. Cancer. 1998;83(12):2798–802.13. Kahraman SA. Low-level laser therapy in oral and maxillofacial sur-gery. Oral Maxillofac Surg Clin North Am. 2004;16(2):277-88.14. Gadban H, Gilbey P, Talmon Y, Samet A. Acute edema of the tongue: a life-threatening condition. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2003;112(7):651-3.15. Eduardo CP. Fundamentos de Odontologia – Lasers em Odontolo-gia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010.

Complicação pós-operatória com risco de morte após biópsia incisional de boca. Marquezini et al.

168 �������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 3, p. 164-168, julho / agosto / setembro 2013