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Relatório Final de Estágio Mestrado Integrado em Medicina Veterinária INTRODUÇÃO AO DESIGN HIGIÉNICO DE INSTALAÇÕES E EQUIPAMENTOS PARA A INDÚSTRIA ALIMENTAR André Miguel Tavares Vieira da Fonseca Orientador Prof. Dr. Paulo Manuel Rodrigues Martins da Costa Co-Orientadores Eng.º Isidro Batista Taborda da Silva Eng.ª Paula Barbosa Porto 2011

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

INTRODUÇÃO AO DESIGN HIGIÉNICO DE INSTALAÇÕES E

EQUIPAMENTOS PARA A INDÚSTRIA ALIMENTAR

André Miguel Tavares Vieira da Fonseca

Orientador Prof. Dr. Paulo Manuel Rodrigues Martins da Costa

Co-Orientadores Eng.º Isidro Batista Taborda da Silva Eng.ª Paula Barbosa

Porto 2011

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

INTRODUÇÃO AO DESIGN HIGIÉNICO DE INSTALAÇÕES E

EQUIPAMENTOS PARA A INDÚSTRIA ALIMENTAR

André Miguel Tavares Vieira da Fonseca

Orientador Prof. Dr. Paulo Manuel Rodrigues Martins da Costa

Co-Orientadores Eng.º Isidro Batista Taborda da Silva Eng.ª Paula Barbosa

Porto 2011

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RESUMO

Ao longo das últimas décadas a segurança alimentar tem sido alvo de uma preocupação

crescente a nível global. O aumento progressivo das necessidades de produção e a maior

exigência por parte dos consumidores e autoridades desencadearam um conjunto indelével de

alterações nos objectivos e práticas da indústria alimentar, criando a necessidade de um

controlo rigoroso no processo de fabrico. Neste sentido, o design higiénico de instalações e

equipamentos emergiu como requisito crucial para a produção de alimentos seguros.

Este relatório tem como objectivo central reunir, de uma forma concisa, os principais requisitos

para a construção de unidades alimentares que potenciem operações de higienização eficazes

e permitam a produção de géneros alimentícios em condições higio-sanitárias satisfatórias.

Na primeira parte deste relatório revêem-se os mecanismos que regulam a formação de

biofilmes em superfícies de contacto alimentar, considerando a importância da sua prevenção e

controlo na obtenção de alimentos seguros. Seguidamente abordam-se os fundamentos legais

e os principais requisitos para o design higiénico de instalações e equipamentos para a

indústria alimentar descritos em diversas fontes bibliográficas.

Por último, descreve-se sumariamente a aplicação de novas tecnologias na indústria alimentar,

nomeadamente a utilização de nanotecnologia em superfícies de contacto com alimentos, mais

precisamente o seu revestimento com titânio, referindo as suas principais características e

apontando a sua potencial utilidade em materiais futuros.

A leitura de um grande número de documentos possibilitou o aprofundamento e a integração

de conhecimentos sobre esta importante temática, permitindo enriquecer um conjunto muito

diversificado de actividades empreendidas durante o estágio na Silliker Portugal, S.A.,

nomeadamente o acompanhamento de auditorias de higiene e segurança alimentar na

restauração e distribuição alimentar, o desenvolvimento de um manual para realização de

auditorias e a colaboração na actualização de uma check-list para a realização de auditorias na

restauração, entre outras actividades.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de aproveitar esta ocasião para agradecer a todas as pessoas que me

acompanharam ao longo deste trajecto e que, directa ou indirectamente, contribuíram para o

seu sucesso.

Agradeço aos meus pais e irmão pelo apoio incondicional nos bons e maus momentos, pela

sua força e carácter que me inspiraram a superar todas as dificuldades.

Agradeço ao Professor Paulo Martins da Costa pelas suas palavras inspiradoras, pela

orientação ao longo deste projecto, por todos os conhecimentos transmitidos no decorrer da

minha formação académica, pelo apoio concedido e pelo aconselhamento e disponibilidade.

Agradeço ao Engenheiro Isidro Silva, à Engenheira Paula Barbosa e a toda a equipa da Silliker

Portugal pela recepção, apoio, atenção, partilha de conhecimentos e paciência dedicados ao

longo do estágio.

Agradeço a todos os meus amigos pelos momentos bem passados e pelo apoio concedido.

Agradeço aos meus companheiros da UTAD que me acompanharam no início deste longo

trajecto.

Por último gostaria de dedicar este trabalho ao meu Avô Artur que me inspirou e apoiou

incondicionalmente. Sei que estás feliz com o culminar deste trajecto, onde quer que estejas.

Obrigado!

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ABREVIATURAS

µm micrómetros

CE Comunidade Europeia

CEN Federação Europeia de organizações de normalização

CIP cleaning-in-place

cm centímetros

e. g. exempli gratia

EHEDG European Hygienic Equipment Design Group

EPS Substâncias poliméricas extracelulares

et al. et alii

i.e. id est

mm milímetros

MMA metacrilato de metilo

nm nanómetros

PTFE politetrafluoroetileno

PVC polyvinyl chloride plastisol

Ra Rugosidade

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ÍNDICE

RESUMO ....................................................................................................................................................... iii

AGRADECIMENTOS....................................................................................................................................... iv

ABREVIATURAS .............................................................................................................................................. v

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................ 1

FORMAÇÃO E CONTROLO DE BIOFILMES EM INSTALAÇÕES DE PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS ........... 1

FUNDAMENTOS LEGAIS ................................................................................................................................ 7

DESIGN HIGIÉNICO DE INSTALAÇÕES PARA A INDÚSTRIA ALIMENTAR ........................................................ 8

LAYOUT ...................................................................................................................................................... 9

ÁREAS DESCOBERTAS (ACESSOS, ESTACIONAMENTO E ZONAS DE CARGA E DESCARGA) ..................... 10

EXTERIOR DO EDIFÍCIO ............................................................................................................................ 11

INTERIOR DO EDIFÍCIO ............................................................................................................................ 11

Pavimento ........................................................................................................................................... 12

Paredes ................................................................................................................................................ 15

Portas e Janelas ................................................................................................................................... 16

Tecto .................................................................................................................................................... 16

Ventilação ............................................................................................................................................ 17

REQUISITOS ADICIONAIS ......................................................................................................................... 17

Área de recepção de matérias-primas ................................................................................................ 17

Áreas de armazenamento ................................................................................................................... 18

Áreas de processamento e acondicionamento do produto ................................................................ 19

DESIGN HIGIÉNICO DE EQUIPAMENTOS PARA A INDÚSTRIA ALIMENTAR ................................................. 20

NOVOS MATERIAIS E TECNOLOGIAS NA INDUSTRIA ALIMENTAR .............................................................. 25

NANOTECNOLOGIA – APLICAÇÃO EM SUPERFÍCIES DE CONTACTO COM ALIMENTOS .......................... 25

REVESTIMENTO DE SUPERFÍCIES COM TITÂNIO ..................................................................................... 26

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................. 30

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INTRODUÇÃO

A Indústria Alimentar engloba uma série de actividades complexas, interligadas e dinâmicas

que se estendem desde a produção de matérias-primas agrícolas, passando pela

transformação destas em alimentos processados e de valor acrescentado, terminando nos

estabelecimentos de venda de alimentos a retalho e estabelecimentos de restauração, onde

estes são comercializados e servidos respectivamente (Marriott et al. 2006).

Na última década, a Segurança Alimentar tem sido alvo de uma preocupação crescente para

consumidores, retalhistas e toda a área de produção e processamento da indústria alimentar,

assumindo uma importância crucial para o sistema de saúde e para a economia das nações

(López-Gómez et al. 2009). A optimização no aproveitamento das fontes de proteína animal e o

aumento na complexidade dos processos tecnológicos criaram a necessidade de um maior

controlo do processo de fabrico (Lelieveld 2000). Neste sentido, o design higiénico de

instalações e equipamentos da indústria alimentar é um elemento fundamental para se

produzir, armazenar e transportar produtos alimentares. No mercado actual e futuro, a

qualidade dos produtos é e será um dos aspectos fundamentais para o seu êxito comercial. Se

os edifícios, instalações e equipamentos não estão desenhados higienicamente, não será

possível, por mais esforços correctivos que sejam postos em prática, obter produtos seguros

(Lagarriga & Botiffol 1995).

Uma instalação desenhada tendo em conta princípios de higiene pode melhorar a salubridade

de todos os alimentos e melhorar a eficácia e eficiência de um programa de higienização.

Instalações novas ou renovadas devem ser planeadas de forma a reforçar operações de

higiene e limpeza eficazes.

Ao longo deste trabalho pretende-se descrever aspectos críticos para a higiene na indústria

alimentar, nomeadamente a formação e controlo de biofilmes nas superfícies e o design

higiénico de instalações e equipamentos.

FORMAÇÃO E CONTROLO DE BIOFILMES EM INSTALAÇÕES DE

PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS

Ao longo das últimas décadas foram feitos vários estudos acerca da colonização microbiana de

superfícies (biofilmes). Neste sentido, a definição de biofilme sofreu algumas alterações: Hood

& Zottola (1995) descrevem biofilme como um grupo de bactérias que colonizaram uma

superfície incluindo não só bactérias, mas também todo o material extracelular produzido na

superfície e qualquer material aprisionado na matriz resultante. Já Shi & Zhu (2009) descrevem

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biofilme como um conjunto de células microbianas associadas a uma superfície interligadas por

substâncias poliméricas extracelulares hidratadas (i.e. polissacarídeos, proteínas, fosfolípidos e

até ácidos nucleicos).

Um biofilme pode incluir uma ou várias espécies de bactérias e formar uma camada única ou

uma estrutura tridimensional formando agregados tais como flocos ou grânulos. Esta

comunidade de bactérias funciona através de complexas interacções bióticas que auxiliam a

sobrevivência das células que o constituem, em ambientes desfavoráveis. Estas condições

digenésicas (e. g. pouca disponibilidade de nutrientes) despoletam alterações fenotípicas nas

células, que passam da sua forma livre para a sua forma séssil. Outros factores que

influenciam a formação de biofilmes são a composição do substrato, as características

químicas e topográficas da superfície e o efeito de arrasto pelo fluxo de fluído (Chmielewski &

Frank 2003). Biofilmes maduros são ecossistemas bastante organizados nos quais estão

dispersos canais de água que podem providenciar a passagem de nutrientes, metabolitos e

resíduos (Shi & Zhu 2009).

Está documentado em várias publicações científicas que muitos microrganismos patogénicos

formam biofilmes em alimentos e em superfícies que contactam alimentos. O primeiro relato

publicado de um biofilme em alimentos foi feito em 1966 por Duguid et al., identificando os

mecanismos de adesão de Salmonella na superfície de alimentos. Desde então, várias

publicações descrevem a capacidade de microrganismos patogénicos aderirem a alimentos e a

superfícies que contactam com alimentos, incluindo Listeria monocytogenes (Frank & Koffi

1990), Yersinia enterocolitica (Herald & Zoottola 1988a), Campylobacter jejuni (Kuusela et al.

1989) e Escherichia coli 0157:H7 (Dewanti & Wong 1995). A ligação de microrganismos

patogénicos a superfícies que contactam com alimentos pode levar a potenciais problemas

higiénicos pois estes são um reservatório de contaminação na indústria alimentar (Shi & Zhu

2009).

Recentemente foi descrita, em diversas publicações, a composição microbiana de biofilmes

formados em superfícies de equipamentos de processamento de alimentos em várias

indústrias alimentares. Estas investigações revelaram que os biofilmes eram normalmente

estabelecidos por diversos microrganismos (Quadro 1). Também indicaram que biofilmes que

contêm patogénios como L. monocytogenes tornaram-se numa das principais causas de

contaminação de produtos alimentares aumentando o risco de transmissão de doenças (Shi &

Zhu 2009).

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Quadro 1: Espécies microbianas presentes em biofilmes formados em superfícies de contacto alimentar. Adaptado

de Shi & Zhu (2009).

Existe uma série de mecanismos que habilitam várias espécies de bactérias a entrar em

contacto próximo com uma superfície, ligarem-se firmemente a ela, promoverem interacções

célula a célula e crescerem como uma estrutura complexa. Presentemente, os processos

inerentes à formação de biofilmes incluem: (i) pré-condicionamento da superfície de adesão; (ii)

transporte de células livres para a superfície de adesão; (iii) adsorção de células na superfície;

(iv) separação de células adsorvidas reversivelmente; (v) adsorção irreversível de células

bacterianas na superfície; (vi) produção de moléculas sinalizadoras célula a célula; (vii)

transporte de substratos para e dentro do biofilme; (viii) metabolização do substrato pelas

células constituintes do biofilme e transporte de produtos para fora do biofilme. Estes

processos são acompanhados por crescimento celular, replicação e produção de substâncias

poliméricas extracelulares; (ix) remoção parcial do biofilme por desprendimento (Figura 1)

(Simões et al. 2010).

Unidade de processamento Espécies microbianas isoladas (%) Referência

Produtos lácteos (linhas de pasteurização)

Bacillus cereus (12)

Escherichia coli (11)

Shigella sp. (11)

Staphylococcus aureus (8)

Sharma & Anand (2002)

Gelados Listeria monocytogenes

Shigella Gunduz & Tuncel (2006)

Caviar

Neisseriaceae (25)

Pseudomonas (6)

Vibrio (10)

Listeria (3)

Bagge-Ravn et al.(2003)

Camarões

Pseudomonas (66)

P. fluorescens

P. putida

Guobjornsdottir et al. (2005)

Peixe Enterobacteriaceae (27)

Serratia liquefaciens

Guobjornsdottir et al. (2005)

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Figura 1: Processo de formação de biofilmes. Adaptado de Simões et al. (2010).

A ligação de microrganismos a uma superfície e o subsequente desenvolvimento de biofilmes

são processos muito complexos, afectados por diversas variáveis (Quadro 2). Normalmente a

ligação ocorre mais rapidamente em superfícies mais rugosas, mais hidrofóbicas e revestidas

por filmes condicionantes de superfícies. Propriedades da superfície das células,

particularmente a presença de apêndices extracelulares, as interacções envolvidas na

comunicação célula a célula e a produção de substâncias poliméricas extracelulares são

factores importantes para a formação e desenvolvimento de biofilmes (Simões et al. 2010).

Quadro 2: Variáveis que influenciam a ligação de células e a formação e desenvolvimento de biofilmes. Adaptado

de Simões et al. (2010).

A adesão a um substrato pode ser activa ou passiva dependendo da mobilidade da célula

microbiana. Adesão passiva é feita por gravidade, difusão e dinâmica de fluidos. Na adesão

Superfície de adesão Fluido Célula

Textura ou rugosidade; Velocidade do fluxo; Hidrofobicidade da superfície da célula;

Hidrofobicidade; pH; Apêndices extracelulares;

Química da superfície; Temperatura; Substâncias poliméricas extracelulares;

Carga; Catiões; Moléculas sinalizadoras.

Película de condicionamento. Presença de produtos antimicrobianos;

Disponibilidade de nutrientes.

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activa a superfície da célula bacteriana facilita a adesão inicial. Propriedades da superfície da

célula tais como a posse de flagelos, fímbrias, proteína adesina, cápsulas e a carga eléctrica

superficial influenciam a adesão. Os flagelos permitem que a bactéria se mova para um local

específico de adesão, enquanto as alterações na fisiologia da célula que afectam as

propriedades químicas da sua membrana celular, as proteínas de superfície como fímbrias e

adesinas, a síntese de polissacáridos e a agregação celular influenciam a adesão. A adesão

normalmente ocorre entre 5 a 30 segundos e em duas fases: adesão reversível seguida de

adesão irreversível (Chmielewski & Frank 2003).

A ligação reversível é uma interacção inicial fraca entre a bactéria e o substrato. Envolve forças

de van der Walls e electrostáticas e interacções hidrofóbicas. Nesta fase as bactérias ainda

exibem movimento Browniano e são facilmente removidas (Chmielewski & Frank 2003).

A ligação irreversível resulta da ancoragem de apêndices e/ou da produção de polímeros

extracelulares. Forças repulsivas geralmente evitam o contacto directo das bactérias com o

substrato (normalmente tanto o substrato como as células bacterianas são carregadas

negativamente). A ligação entre os apêndices bacterianos (fímbrias, flagelos e adesinas) e o

substrato envolvem forças de curto alcance tais como interacções dipolo-dipolo, ligações de

hidrogénio e ligações covalentes iónicas. Estas ligações normalmente ocorrem com poucas

horas de contacto. Vários estudos indicam que, entre 4 a 20ºC, a ligação irreversível necessita

de 20 minutos a 4 horas para acontecer (Chmielewski & Frank 2003).

As fímbrias são apêndices finos e filamentosos, também com uma estrutura proteica,

normalmente rectos e não estão envolvidos na mobilidade das células. A sua única função

conhecida é de tornar as células mais aderentes, já que bactérias que possuem fímbrias

aderem mais firmemente tanto a outras células bacterianas, como a partículas inorgânicas.

Segundo Sauer & Camper (2001), foi demonstrado que as fímbrias são importantes na

aderência e colonização de superfícies provavelmente porque permitem à célula superar a

barreira electrostática repulsiva inicial que existe entre a célula e o substrato.

A produção de substâncias poliméricas extracelulares (EPS) é outro factor que regula a

formação de biofilmes. EPS são responsáveis por unir células e outros materiais (coesão) e

pela ligação a superfícies (adesão). A composição geral de EPS bacteriano compreende

polissacarídeos, proteínas, ácidos nucleicos, lipidos e fosfolípidos sendo os polissacarídeos e

as proteínas os seus principais componentes (Simões et al. 2010). A função normalmente

atribuída a estas substâncias consiste em proteger os microrganismos presentes no biofilme de

condições adversas. A matriz de EPS atrasa ou previne o contacto de substâncias

antimicrobianas com os microrganismos, pois limita a difusão das mesmas ou interage

quimicamente com elas. Adicionalmente, no interior da matriz de EPS, as moléculas

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necessárias para comunicação célula a célula e comportamento da comunidade podem

acumular-se a concentrações suficientemente altas para serem efectivas (Simões et al. 2010).

A força motriz no desenvolvimento de comunidades bacterianas é a sua auto-organização e

cooperação entre células, ao invés da competição clássica entre microrganismos individuais.

Foi demonstrado que a sinalização entre células desempenha um papel importante na adesão

e desprendimento de células nos biofilmes. O sucesso da adaptação das bactérias a alterações

das condições naturais depende da sua capacidade de detectar e responder face a essas

alterações, modulando a expressão de genes em conformidade. Quorum sensing é baseado no

processo de auto-indução. Este fornece um mecanismo de auto-organização e regulação das

células bacterianas e envolve um sistema de sensores ambientais que permite às bactérias

monitorizar e responder à sua própria densidade populacional. As bactérias produzem um sinal

orgânico difusivo, denominado originalmente como molécula auto-indutora, que se acumula no

ambiente envolvente durante o seu crescimento. Elevadas densidades celulares resultam em

altas concentrações do sinal, o que induz a expressão de certos genes e/ou alterações

fisiológicas nas células vizinhas. A resposta a sinais químicos na comunicação celular é um

processo dependente de concentração, onde deve ser atingida uma concentração limiar da

molécula sinalizadora para que seja induzida uma resposta fisiológica. Os sistemas de quorum

sensing estão envolvidos em diversas actividades microbianas tais como biossíntese de

enzimas extracelulares, desenvolvimento de biofilmes, biossíntese de antibióticos, síntese de

EPS e de factores de virulência extracelulares em bactérias Gram-negativas (Simões et al.

2010).

A remoção de células ligadas irreversivelmente é difícil e requer a aplicação de forças maiores

(fricção ou raspagem) ou quebra química das forças de ligação através da utilização de

enzimas, detergentes, surfactantes, desinfectantes e/ou calor (Chmielewski & Frank 2003).

Idealmente, prevenir a formação de biofilmes seria uma opção mais lógica do que removê-los.

No entanto, não se conhece actualmente nenhuma técnica que previna ou controle com

sucesso a formação de biofilmes sem causar efeitos secundários adversos. A principal

estratégia para prevenir a formação de biofilmes é a de limpeza e desinfecção regulares,

evitando a ligação de bactérias às superfícies (Simões et al. 2010).

A disponibilidade de água e nutrientes, o design de equipamentos e o controlo da temperatura

são factores importantes no controlo de biofilmes. Infelizmente na maioria dos casos não é

possível reduzir a disponibilidade de água, melhorar o design de equipamentos ou reduzir as

temperaturas das operações. Portanto, actualmente, o controlo de biofilmes está centrado

numa limpeza e desinfecção eficazes de locais potenciais de crescimento dos mesmos. Ao

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longo deste trabalho pretende-se focar os aspectos relacionados com o design de instalações e

equipamentos inerentes ao controlo da formação de biofilmes na indústria alimentar.

FUNDAMENTOS LEGAIS

O design higiénico de instalações e equipamentos desempenha um papel importante no

controlo da segurança microbiológica e na qualidade dos produtos alimentares. Esta premissa

é oficialmente reconhecida na legislação, nomeadamente em diversas Directivas da União

Europeia (e. g. “higiene dos géneros alimentícios” e a Directiva 98/37/CE – “Directiva

Máquinas”). O Codex Alimentarius também relaciona o design higiénico com a segurança

alimentar (Lelieveld 2000).

A legislação europeia requer que os materiais que contactam com os alimentos cumpram

diversos requisitos ao longo de toda a cadeia de produção. O Artigo 2º do Regulamento (CE)

178/2002, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2005, explicita que “género alimentício

não deve incluir resíduos nem contaminantes”. O Artigo 14º especifica que “não serão

colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros. Os géneros

alimentícios não serão considerados seguros se se entender que são (a) prejudiciais para a

saúde ou (b) impróprios para consumo humano”.

Esta legislação não especifica como cumprir os requisitos, mas traça os objectivos a serem

alcançados. As iniciativas e responsabilidades para atingir estes objectivos são deixadas ao

critério dos operadores e dos fornecedores de equipamentos utilizados na indústria alimentar.

Para auxiliar a indústria a desenvolver linhas de produção e equipamentos desenhados de

forma higiénica, foi fundada nos Estados Unidos em 1927 a organização 3-A (Lelieveld 2000).

Nesta organização, os fabricantes de equipamentos, processadores de alimentos e inspectores

alimentares trabalham em conjunto para definir os requisitos necessários ao fabrico de géneros

alimentícios seguros. Várias normas e recomendações foram publicadas. Em 1989, a

Comissão Europeia mandatou a federação europeia de organizações de normalização (CEN)

em Bruxelas a produzir normas tendo em conta os aspectos higiénicos dos equipamentos de

processamento de alimentos. Desde então várias normas foram preparadas pelo Comité

Técnico 153 do CEN e seus grupos de trabalho. O EHEDG (European Hygienic Equipment

Design Group) também elaborou uma série de publicações que descrevem como cumprir com

os requisitos higiénicos para a produção de géneros alimentícios seguros. Para além disso, o

EHEDG publicou métodos de teste normalizados, que podem ser utilizados para verificar se o

equipamento cumpre os requisitos necessários à realização de operações higiénicas ou

assépticas em unidades de processamento de alimentos. A 3-A e o EHEDG trabalham em

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conjunto desde 1992 com o objectivo de harmonizar princípios e requisitos entre a Europa e a

América do Norte (Lelieveld 2000).

O principal resultado das actividades do EHEDG foi a publicação de mais de trinta guias de

orientação que fornecem aconselhamento prático a fabricantes de equipamentos e a

operadores da indústria alimentar acerca da aplicação dos princípios de design higiénico em

vários tipos de equipamentos. O EHEDG também desenvolveu uma variedade de métodos de

teste para verificar a facilidade de limpeza do equipamento de processamento de alimentos.

DESIGN HIGIÉNICO DE INSTALAÇÕES PARA A INDÚSTRIA

ALIMENTAR

No sentido de potenciar as operações de higiene e assegurar uma higienização efectiva, as

novas ou renovadas instalações da indústria alimentar devem ser desenhadas tendo em conta

um conjunto de novos princípios. Como a maior parte das instalações e equipamentos são

desenhados de forma a serem funcionais, deve-se colocar um novo ênfase em princípios de

construção que assentem num design higiénico. Uma instalação desenhada tendo em conta

estes princípios irá melhorar a qualidade dos produtos e a eficácia e eficiência de um programa

de higienização.

SELECÇÃO DO LOCAL

Preferencialmente, as instalações de uma indústria alimentar não devem ser localizadas

próximas de locais onde os níveis de microrganismos, insectos ou roedores sejam elevados.

Locais próximos de quintas, estações de tratamento de águas e áreas municipais de deposição

de resíduos devem ser evitados. A proximidade a fontes de água, embora seja desejável

devido a questões de transporte do produto ou para abastecimento próprio, deve ser evitada

desde o ponto de vista higiénico. Caso as instalações se encontrem próximas de focos de

insalubridade, devem-se tomar medidas extra para atingir as condições higiénicas necessárias

à produção de géneros alimentícios seguros. Estas medidas podem incluir a instalação de um

sistema de filtração de ar ou a colocação portas duplas de comunicação com o exterior

(Lelieveld 2000).

Caso seja possível, a unidade alimentar deve ser construída num plano elevado, de forma a

permitir que a sujidade acumulada no exterior não convirja para as instalações. A presença de

árvores, arbustos e flores nos arredores das instalações atrai insectos e outros animais e,

portanto, deve ser evitada. Deverá ser instalada uma cerca em volta das instalações, no

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sentido de manter os animais fora do perímetro das mesmas. Para ser eficaz, a cerca deverá

ser alta e desenhada de forma a não servir como escada para os animais, assim como funda o

suficiente para não permitir a entrada a animais escavadores. A cerca deverá ser ininterrupta e

qualquer portão deverá ter um sistema de fecho automático (Lelieveld 2000).

O local escolhido para a construção da unidade deverá possibilitar uma eventual expansão

futura, pois instalações superlotadas são ineficientes e representam um risco sanitário (Marriott

et al. 2006).

É importante considerar as comunicações com o exterior. A unidade deverá estar localizada

numa zona de fácil acesso e numa zona onde disponha de todos os serviços complementares

necessários ao seu funcionamento, caso contrário pode originar, por exemplo, que as

reparações sejam feitas por operários não especializados ou com materiais inadequados, o

que pode ser a causa de problemas higiénicos no produto (Lagarriga & Botiffol 1995).

As águas residuais produzidas em estabelecimentos de processamento de alimentos contêm

grandes quantidades de matéria orgânica, podendo ser necessário considerar um espaço para

a construção de uma estação de tratamento de efluentes antes de os enviar para a rede

pública ou para um curso de água.

O destino dos resíduos sólidos deve ser bem planeado de modo a que não se levantem

problemas de contaminações. Além de se considerar as disposições legais vigentes, dever-se-

á ter em atenção que os locais de armazenamento de resíduos sólidos deverão estar

suficientemente afastados das zonas de produção de modo a que não haja problemas com

pragas e num local acessível aos veículos de recolha de resíduos.

LAYOUT

A unidade alimentar deve ser construída de forma que o produto final não possa ser

contaminado por matérias-primas ou qualquer produto intermédio. Sendo assim, o fluxo de

material deve ser unidireccional, sem cruzamentos, retrocessos ou sobreposições (Lelieveld

2000). A matéria-prima deverá dar entrada pelo cais de recepção seguindo, sequencialmente,

para a área de preparação, área de embalagem e armazenamento (Marriott et al. 2006). Da

mesma forma, os trabalhadores deverão passar de uma área “limpa” para uma área “menos

limpa”. O regresso à área “limpa” necessita de uma mudança de vestuário e calçado e um

processo de higienização (lavagem das mãos, por exemplo) e a entrada deverá ser feita por

uma zona pressurizada e com ar filtrado (“air lock”). Funções que não estejam directamente

envolvidas no processo de fabrico, tais como escritórios administrativos, laboratórios e

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cantinas, devem estar fisicamente separados das áreas de produção de forma a evitar que

pessoas estranhas à laboração entrem nestes locais (Lelieveld 2000).

No que diz respeito ao planeamento do layout de uma fábrica de processamento de alimentos,

Van Donk & Gaalman (2004) apresentam uma abordagem sistemática que abrange os

princípios higiénicos inerentes a indústrias de processamento de alimentos. Segundo estes

autores, embora haja uma quantidade significativa de conhecimentos sobre a higiene dos

géneros alimentícios, estes não são abordados de uma forma sistemática na avaliação e

desenho do layout das unidades de processamento de alimentos. A literatura existente sobre o

planeamento do layout das instalações tem até agora ignorado a influência dos factores

higiénicos e a natureza específica das unidades de processamento de alimentos. Neste

sentido, Van Donk & Gaalman (2004) publicaram um artigo no qual sistematizam os aspectos

críticos para a definição de layouts para fábricas de processamento de alimentos, tendo em

conta a sensibilidade do produto e o nível de higiene requerido. Sendo assim os autores

desenvolveram um modelo de decisão passível de avaliar o design do layout de uma unidade

alimentar, tendo em conta explicitamente a higiene do produto e do processo, com o objectivo

de definir a segregação apropriada das áreas de trabalho ou de diferentes zonas higiénicas. No

artigo o método foi testado em situações reais e vem ilustrado com um caso. Por último, os

autores referem que o método provou a sua utilidade, mas devem ser considerados certos

aperfeiçoamentos ao nível dos modelos e diagramas de decisão. (Van Donk & Gaalman 2004).

ÁREAS DESCOBERTAS (ACESSOS, ESTACIONAMENTO E ZONAS DE CARGA E

DESCARGA)

Os caminhos de acesso, áreas de estacionamento, zonas de carga e descarga e outras áreas

descobertas circundantes às instalações devem ser pavimentadas (cimento ou asfalto), com o

objectivo de minimizar o número de partículas e bactérias em suspensão no ar envolvente. As

superfícies descritas deverão ser providas de ralos e esgotos para permitir a rápida e total

drenagem da água da chuva evitando, assim, a formação de água estagnada e a

contaminação derivada dos salpicos ou lama. Os ralos deverão situar-se nos pontos mais

baixos e devem estar providos de grades que evitem a passagem de detritos maiores (que

podem eventualmente entupir as tubagens), assim como prevenir o acesso de roedores

através da rede de esgotos. Por este motivo é recomendável que a distância máxima entre as

barras das grades seja de 10 mm (Lagarriga & Botifoll 1995).

Também é recomendável que as áreas exteriores que não tenham uma função concreta sejam

bem cuidadas, reduzindo a tentação de as utilizar como armazém de resíduos ou materiais

(equipamentos e paletes degradadas). Adicionalmente, um exterior cuidado predispõe os

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trabalhadores a assumirem um comportamento higiénico. No planeamento do povoamento

vegetal deverá ter-se em conta princípios higiénicos evitando-se, por exemplo, a plantação de

árvores de fruto que irão atrair grandes quantidades de insectos. A plantação de relva é uma

solução adequada em numerosas situações, em virtude de minimizar a formação de poeiras e,

simultaneamente, manter um aspecto verde e agradável durante a quase totalidade das

estações do ano (Lagarriga & Botifoll 1995). Deverá existir uma faixa de 60 a 90 cm livre de

ervas, relva ou arbustos à volta dos edifícios. Esta faixa poderá ser coberta por pedras ou

seixos de modo a evitar o crescimento de ervas e aparecimento de roedores.

EXTERIOR DO EDIFÍCIO

O exterior de edifícios da indústria de processamento de alimentos deve ser desenhado de

forma a não possuir sulcos ou protuberâncias que possam albergar aves e outros animais, não

fornecendo de abrigo ou que favoreçam a reprodução. A parte inferior das paredes dos

edifícios devem ser à prova de roedores. Para tal é indispensável uma construção sólida que

impeça o surgimento de fissuras na junção entre paredes e pavimentos. O telhado também

deverá ser construído de forma a não atrair insectos e outras pragas, com uma inclinação

superior a 1 a 2% de forma a manter-se seco e limpo (Lelieveld 2000). As entradas de ar não

devem ser colocadas próximas de saídas de ar e devem ser providas de redes mosquiteiras

para prevenir a entrada de insectos e de outras pragas.

É recomendável que as portas e janelas exteriores tenham um sistema de fecho automático,

evitando assim que fiquem abertas durante períodos de tempo prolongados, o que permitiria o

acesso de animais, insectos e outras pragas. As armações das janelas e as portas deverão ser

construídas com materiais resistentes a roedores, como por exemplo o aço inoxidável. Deverá

ser implementado um programa de inspecção e limpeza regulares das janelas e portas

(Lelieveld 2000).

INTERIOR DO EDIFÍCIO

As superfícies existentes no interior do edifício devem ser facilmente higienizáveis, facto que

deve ser tido em conta aquando da escolha dos materiais de construção a utilizar. Estes

materiais devem suportar os métodos, temperaturas e produtos químicos utilizados no

processo de higienização (e. g. as paredes devem resistir a limpezas com jactos de alta

pressão).

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Pavimento

Segundo Lagarriga & Botifoll (1995), na construção de um pavimento deve-se ter em conta os

requisitos descritos de seguida.

O pavimento deve ser fisicamente resistente a todos os materiais que possam, de forma

sistemática ou acidental, ser descarregados sobre ele. Cumulativamente, o pavimento deverá

ser resistente a agressão química que possa advir do produto acabado, das matérias-primas e

aditivos que se utilizem em cada área, assim como dos materiais de limpeza e desinfecção

utilizados. No caso de produtos ácidos ou alcalinos, presentes em determinadas áreas da

indústria alimentar, deve ser equacionado o revestimento do pavimento com um material

resistente a estes produtos. Placas de cerâmica ou um revestimento de resina epoxi com

espessura adequada podem ser uma solução para este problema.

O pavimento deve ser resistente a alterações bruscas de temperatura que possam existir em

áreas refrigeradas ou aquecidas. Nestes casos deve-se utilizar, por exemplo, resinas de

poliuretano, tolerantes a altas e baixas temperaturas e suficientemente resistentes a agressões

químicas.

A superfície deverá ser impermeável, caso contrário poderá dar origem a problemas higiénicos

consequentes da deterioração do pavimento ou da contaminação microbiana gerada no interior

deste.

O pavimento deve permitir uma limpeza e desinfecção completas e fáceis, adequadas ao tipo

de actividade existente na área em questão. Portanto, recomenda-se que a superfície do

pavimento seja lisa, sem fendas ou fissuras. Todavia, a superfície deverá ser anti-derrapante

de forma a evitar acidentes de trabalho O ângulo de união entre as paredes e o pavimento

deve ser arredondado, com um raio de curvatura superior a 2,5 cm. Desta forma a limpeza

destas zonas é facilitada e previne-se a acumulação de sujidade e escorrências.

Com o objectivo de evitar a formação de focos de água estagnada, o pavimento deverá ter uma

inclinação de 1-2%, com a instalação de ralos ou condutas de drenagem nos pontos inferiores.

A inclinação correcta de um pavimento depende da rugosidade do mesmo em virtude de um

pavimento mais rugoso tender a dificultar a drenagem. Os ralos deverão ser dotados de uma

grade desenhada de forma a evitar a acumulação de água à sua volta. Os elementos da grade

devem ter uma separação máxima de 6 mm e o seu peso não deverá ser inferior a 2 kg. Estes

dois últimos aspectos têm a finalidade de prevenir a entrada de roedores através dos esgotos.

A grade deverá ser facilmente desmontável e higienizável, sem fendas nem protuberâncias.

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É aconselhável que o pavimento nas áreas de processamento se encontre a uma cota superior

à cota do exterior, de modo a diminuir os riscos de infiltrações e facilitar a drenagem de

líquidos.

O processo de selecção do material do pavimento para uma unidade alimentar é de extrema

importância para a sua funcionalidade e higiene. Neste sentido pretende-se descrever certas

propriedades de diversos tipos de materiais tendo em conta a sua aplicação na indústria

alimentar.

Em termos dos materiais utilizados deve-se ter em conta a área que o pavimento vai sustentar.

Pavimentos de betão liso são geralmente aceitáveis para áreas de recepção e armazenamento

de matéria-prima. Em áreas que o produto não esteja protegido, placas de cerâmica ou

revestimentos de resina são preferíveis. Nas áreas de risco mais elevado, pavimentos de

resina contínuos (sem junções) são a melhor opção (Lelieveld 2000). Caso se opte por um

pavimento de placas de cerâmica, a estrutura que suporta o pavimento deve ser

suficientemente resistente para não deformar quando submetido a pesos elevados. Caso

contrário, as placas de cerâmica ou o material que as une pode quebrar e as placas podem

eventualmente soltar-se. A estagnação de água ou escorrências deve ser evitada, pois

potencia o crescimento de microrganismos entre e por baixo das placas. Para além do foco de

insalubridade, os produtos do metabolismo (e. g. ácidos) destes microrganismos favorecem o

descolamento das peças de cerâmica. (Lelieveld 2000). Os pavimentos à base de placas de

cerâmica são sobejamente utilizados em diversas unidades de processamento de alimentos,

apesar do seu elevado custo. A sua escolha deve-se ao facto de serem pisos de elevada

durabilidade e longevidade, por vezes até três ou quatro décadas. Outra vantagem deste tipo

de pisos prende-se com a sua manutenção, podendo substituir-se uma placa danificada ao

invés da substituição da totalidade do piso, como acontece com certos tipos de pisos

monolíticos (Petrak 2009).

Os pavimentos de vinil, linóleo, asbestos de vinil ou lajes asfálticas não são adequados em

zonas de processamento de alimentos ou de armazenagem, dado que a água ou soluções de

limpeza passam facilmente pelas frinchas existentes acelerando o descolamento destes

materiais. Restos de alimentos nas zonas afectadas podem ser locais de crescimento de

microrganismos ou constituir zonas de alimentação de insectos. Folhas de vinil com juntas

soldadas poderão ser utilizadas em certas situações.

Se a escolha recair sobre um pavimento de resina contínuo, deverá ser garantido que o

revestimento possa suportar qualquer tratamento possível. Isto requer que o material seja

resistente a água quente e fria, gorduras e massas lubrificantes, agentes de limpeza e

desinfecção, assim como às elevadas pressões causadas por maquinaria pesada. O material

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utilizado também deverá resistir ao desgaste causado pelo movimento de equipamentos e

máquinas. Pavimentos de resina não deverão ser utilizados em locais onde se desloquem

frequentemente empilhadores. Estão disponíveis no mercado vários tipos de resinas (epóxi,

metacrilato, poliéster ou poliuretano), devendo a selecção ser baseada na área e função que

vai ser realizada sobre o pavimento em causa (Lelieveld 2000). Este tipo de pavimentos

consiste numa camada de composição uniforme que se liga directamente à base, normalmente

de betão.

O poliuretano representa a mais recente tecnologia a nível mundial que reúne muitos dos

requisitos acima descritos. Apresenta, por exemplo, um grau de flexibilidade funcional evitando,

por um lado, o aparecimento de fendas na superfície do piso e, por outro lado, a sua malha é

suficientemente compacta evitando a penetração de agentes externos e a acumulação de

microrganismos (Bjerklie 2008).

Há cerca de 30 anos foi patenteado na Europa um novo tipo de material, o betão de uretano,

que se verificou ser um material ideal para pisos de indústrias alimentares. Estes sistemas de

uretano betonoso não libertam substâncias tóxicas, não são perigosos, não libertam odores

nocivos ou desagradáveis e são muito resistentes a produtos químicos. Cumulativamente, não

se degradam em ambientes húmidos, mantendo, nestas condições, a sua superfície lisa e

íntegra. Devido à sua elevada capacidade de resistência a variações térmicas, este material

revelou-se de extrema utilidade para pisos de matadouros, indústrias transformadoras de

produtos à base de carne, unidades de processamento de produtos lácteos e unidades de

produção de cerveja. Este tipo de material consiste numa camada uniforme, sem juntas ou

elementos pré-fabricados, evitando assim a acumulação de resíduos que poderiam potenciar o

crescimento microbiano. Adicionalmente, permitem uma instalação mais eficiente e eficaz que

os sistemas mais antigos, possibilitando também a sua reparação sem necessidade de

substituição da totalidade do piso, através da aplicação de uma capa de uretano na zona a

reparar. Esta propriedade revela-se extremamente importante em indústrias de processamento

de alimentos pois permite que a unidade alimentar não interrompa a sua produção durante

longos períodos, minimizando assim os prejuízos inerentes à substituição ou reparação do

piso. Por último verifica-se que este material está disponível no mercado em diversas cores,

possibilitando a distinção das diferentes áreas de processamento aplicando cores distintas

(Bjerklie 2008).

Com tantos benefícios o betão de uretano parece ser a escolha lógica para o pavimento de

qualquer unidade alimentar. No entanto é um material dispendioso e não é a solução perfeita

para cada necessidade. Alternativamente tem sido utilizado um revestimento polimérico, o

metacrilato de metilo (MMA), que é mais económico em relação ao betão de uretano e revela-

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se uma boa alternativa em zonas em que as variações térmicas não são tão elevadas e onde

não há passagem de equipamentos ou maquinaria pesada (Bjerklie 2008). Os pisos de MMA

secam num espaço de uma hora após a sua aplicação, minimizando o tempo de inactividade

da unidade durante a reparação ou substituição do piso. Adicionalmente este tipo de piso

permite uma manutenção e limpeza fáceis e aderem firmemente ao betão que o sustenta. No

entanto são mais sensíveis a choques térmicos e humidade elevada (Petrak 2009).

Paredes

As paredes devem ser lisas e facilmente higienizáveis, sem fissuras nem cantos de difícil

acesso. As junções entre paredes devem ser arredondadas, com um raio mínimo de 2,5 cm

(Lagarriga & Botifoll 1995). Podem ser constituídas por diversos tipos de materiais, tais como

betão, alvenaria ou painéis. Paredes em betão ou alvenaria devem ser revestidas por azulejos

de cerâmica ou por uma tinta impermeável, inalterável e de cor clara (Lelieveld 2000). Deve-se

ter em conta que os azulejos apresentam pouca resistência a impactos mecânicos e dificultam

a limpeza adequada da superfície, nomeadamente nos espaços existentes entre azulejos e

entre os azulejos e a parede que recobrem (Lagarriga & Botifoll 1995). A escolha do

revestimento das paredes requer um aconselhamento especializado, pois existem vários tipos

de revestimento com resistências térmicas e químicas muito variáveis (e. g. epoxi, uretano). O

revestimento deve estar bem fixo e selado, de forma a evitar a entrada de humidade. Os

painéis sanduíche são constituídos por três camadas, nomeadamente um núcleo isolante

central coberto por placas de isolamento externo. O material utilizado no núcleo pode ser, por

exemplo, lã mineral, poliestireno extrudido, poliestireno expandido ou espuma de poliestireno.

Estes materiais servem como isolante térmico e sonoro. As placas de isolamento externo

podem ser feitas em plástico, vidro, alumínio, aço inoxidável ou metal lacado. Os painéis

sanduíche apresentam um conjunto de propriedades vantajosas para utilização na indústria

alimentar. A sua superfície é lisa, de cor clara, não absorvente, fácil de limpar e desinfectar e

resistente a corrosão. Esta resistência a corrosão é assegurada pela sua espessura e pelos

revestimentos poliméricos utilizados, nomeadamente poliéster, poliuretano e PVC, entre outros.

Cumulativamente, estes painéis podem ser instalados de uma forma rápida e simples, sendo

esta propriedade muito importante nos casos em que se procede à remodelação ou ampliação

de instalações em funcionamento. No entanto, possuem uma resistência física débil,

deformando-se com facilidade. Esta desvantagem pode ser ultrapassada pela aplicação de

rodapés em betão ou pela substituição de placas deformadas.

Paredes que separem áreas com temperaturas diferentes devem dispor de um sistema de

isolamento térmico adequado para evitar a condensação de vapor de água na face da parede

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correspondente à área mais quente, prevenindo o crescimento de fungos e bactérias e

evitando também que a pintura da parede se degrade e solte (Lagarriga & Botifoll 1995).

Portas e Janelas

As portas devem cumprir os mesmos requisitos das paredes que as contêm. Deve-se tentar

garantir que não se acumulem resíduos no seu sistema de abertura consequentes da sua

utilização. A instalação de portas com sistema de fecho automático permite melhorar

sensivelmente os problemas higiénicos relacionados com a sua utilização.

Outro aspecto importante é o período de tempo que as portas permanecem abertas, que deve

ser o menor possível, caso contrário a função de isolamento entre duas áreas da parede em

que a porta está inserida é comprometida. Nos casos em que seja necessário evitar, de uma

forma rigorosa, a passagem de ar de uma área para outra, podem ser instaladas cortinas de ar

que entrem automaticamente em funcionamento quando se abrir a porta (Lagarriga & Botifoll

1995).

Relativamente às janelas, é importante que a sua superfície seja lisa e sem fissuras, permitindo

uma higienização fácil e completa das mesmas. Caso as janelas tenham um sistema de

abertura e fecho, estas devem conter uma rede mosquiteira perfeitamente ajustada à janela e

com uma malha inferior a 0,2 mm (Lelieveld 2000). É recomendável que as janelas sejam de

vidro inquebrável ou não estilhaçante, o que evitará a possível contaminação do produto em

caso de embate nos vidros.

Em última análise é importante referir que um controlo ambiental adequado e a instalação de

iluminação apropriada ultrapassam a necessidade de presença de janelas, que podem

representar um perigo para a segurança dos produtos.

Tecto

O tecto é muitas vezes ignorado como elemento crítico para o nível de higiene. Convém

recordar que as poeiras, microrganismos, gorduras e vapores presentes na sala de trabalho

vão contactar com o tecto e podem fixar-se neste. Com o passar do tempo estas incrustações

podem soltar-se e contaminar o produto. Para evitar esta situação o tecto deve ser revestido

por materiais impermeáveis, lisos e desenhados de forma a facilitar a sua limpeza. Não se

devem instalar tectos falsos, pois estes criam um espaço sob o telhado, que pode albergar

insectos, roedores e outros animais.

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As fontes de iluminação instaladas no tecto devem estar embutidas no mesmo, com a sua

parte inferior nivelada com o tecto, facilitando a sua limpeza e evitando a acumulação de

sujidade. Caso seja necessário instalar fontes de iluminação suspensas no tecto, a sua parte

superior deve ser inclinada o suficiente para evitar a acumulação de pó e sujidade, devendo o

seu sistema de suspensão ser rígido. Todos os focos de iluminação devem estar protegidos de

forma a evitar a contaminação do produto em caso de quebra (Lelieveld 2000). É importante

referir que uma iluminação correcta e completa pode aumentar a visibilidade das zonas a

higienizar, contribuindo decisivamente para um melhor estado de limpeza de toda a instalação.

Ventilação

A função da ventilação é renovar contínua ou periodicamente o ar das salas de trabalho no

sentido de reduzir a contaminação proveniente de gases, partículas e microrganismos em

suspensão procedentes das actividades realizadas. Em termos gerais considera-se que seis

renovações por hora em trabalhos sedentários, ou dez renovações por hora em trabalhos que

exigem esforços físicos superiores aos normais são suficientes numa sala fechada (Lagarriga &

Botifoll 1995).

A contaminação microbiológica do ar de uma sala é directamente proporcional à contaminação

das superfícies que estão em contacto com ele, e igual ou superior à contaminação do ar que

entra na mesma. Assim sendo, em salas onde existam alimentos expostos, é recomendável

controlar a ventilação, garantindo que o ar fornecido a estas salas seja descontaminado (por

sistema de filtros ou radiações ultravioleta).

REQUISITOS ADICIONAIS

Área de recepção de matérias-primas

A área de recepção de matérias-primas deve ser desenhada de forma a impossibilitar o acesso

de veículos à zona onde as matérias-primas vão ser armazenadas. A colocação de placas

sinalizadoras não é suficiente. Um modo efectivo de garantir o cumprimento deste requisito é a

construção de uma plataforma de descarga. Como as portas destas plataformas vão estar

abertas por períodos de tempo prolongados, o seu design deve prevenir a entrada de roedores

e outros animais. Neste sentido, as paredes exteriores destas plataformas devem ser lisas e

sem escadas de acesso pelo exterior e construídas, no mínimo, um metro acima do pavimento

(Marriott et al. 2006). O acesso dos trabalhadores deverá ser realizado através de escadas no

interior das instalações ou através do interior do veículo de descarga. Com o objectivo de

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prevenir a entrada de insectos e aves, estas instalações devem ser providas de cortinas

flexíveis ou cortinas de ar eficazes (Lelieveld 2000).

No sentido de evitar a contaminação das matérias-primas com pó, terra e insectos, o layout da

área de recepção deverá permitir a descarga do material sem necessidade de o colocar no

pavimento exterior. Deverá ser possível transferir rapidamente materiais que necessitem de ser

refrigerados ou congelados para a área de armazenamento correspondente. Do mesmo modo,

deverá ser possível identificar e etiquetar qualquer material que seja descarregado, assim

como recolher amostras de qualquer produto que entre nas instalações (Lelieveld 2000).

Áreas de armazenamento

Todas as zonas das áreas de armazenamento devem ser desenhadas de forma a não

possibilitar locais que alojem insectos e outras pragas. Todas as superfícies devem estar

acessíveis para limpeza e desinfecção. Todos os espaços mortos que possam eventualmente

existir devem ser eliminados, isto é, quaisquer prateleiras, armários e outras estruturas

auxiliares deverão estar fixas ao pavimento e/ou à parede. De modo a evitar danos nos

produtos armazenados e para prevenir a sua contaminação, a área de armazenamento deverá

estar livre de protuberâncias afiadas tais como parafusos, cavilhas e pregos não protegidos

(Lelieveld 2000).

Deverão existir áreas separadas para o armazenamento de materiais de limpeza, produtos

químicos, peças sobresselentes de equipamentos e ferramentas. O acesso a produtos

químicos deve ser restrito. Também deverão existir armazéns isolados para produtos

intermédios na linha de produção. Pessoal que manuseia matérias-primas não deverá ter

acesso directo a estes armazéns sem antes proceder à troca de uniforme e à higienização das

mãos.

Caso os produtos sejam armazenados durante períodos prolongados (vários dias ou meses), o

crescimento de microrganismos é potenciado se a humidade no armazém for superior a 55%.

Como tal é importante manter a humidade abaixo deste valor. Dependendo das condições do

local a instalação de um sistema de ventilação poderá ser suficiente. No entanto, em certos

casos, pode ser necessária a instalação de ar condicionado ou um equipamento de

desumidificação. Alternativamente, poder-se-á reduzir a temperatura de armazenamento

(Lelieveld 2000).

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Áreas de processamento e acondicionamento do produto

As áreas de processamento podem ser divididas em áreas que o produto está exposto (open

plant) e áreas em que o produto está protegido (closed plant). Nas open plant existe um maior

risco de contaminação do produto a partir do ambiente. É importante salientar que durante o

acondicionamento primário do produto, este está exposto e portanto as áreas onde o produto é

acondicionado devem ser consideradas open plant, mesmo que o produto provenha de uma

linha de processamento fechada (Lelieveld 2000).

Os requisitos básicos para as áreas de processamento e acondicionamento do produto são

semelhantes às descritas para as áreas de recepção e armazenamento. Devem ser

desenhadas de forma que os veículos provenientes do exterior não tenham acesso a elas.

Neste sentido, todos os materiais (matérias-primas e outros) necessários à produção devem

ser transferidos para veículos exclusivos ao transporte no interior da linha de processamento.

Todas as superfícies na área de produção devem ser higienizáveis. As janelas devem ser

protegidas com redes mosquiteiras com uma malha suficientemente fina. Não poderão existir

reentrâncias onde se possam albergar insectos. Qualquer equipamento deverá ter toda a sua

superfície em contacto com o chão e/ou paredes ou, caso isto não aconteça, deverão permitir

espaço suficiente para inspecção e limpeza dos locais onde estão instalados (Lelieveld 2000).

É recomendável que se adoptem todas as medidas necessárias para prevenir a entrada de

insectos nas áreas onde o produto e os materiais de acondicionamento primário estão

expostos, para que não haja necessidade de colocação de dispositivos de controlo de insectos

(insectocutores ou insectocoladores). Caso estes dispositivos sejam colocados nestas áreas,

deve-se garantir que não sejam uma fonte de contaminação do produto, colocando-os fora de

zonas onde o produto e os materiais de acondicionamento primário estejam expostos (Lelieveld

2000).

Deverão existir nas zonas de produção lavatórios (para lavagem das mãos) em número

suficiente, devidamente localizados e sinalizados, equipados com água corrente quente e fria,

produtos de limpeza e dispositivos para secagem higiénica. Estes dispositivos devem ser

instalados em locais suficientemente afastados das zonas destinadas à manipulação de

alimentos e devem ser equipados com sistemas de accionamento não manual.

Nas áreas de processamento, o risco de contaminação ambiental deve ser tido em conta, quer

o produto se encontre exposto ou não. Sendo a humidade um factor determinante para o

crescimento microbiano, uma das formas de prevenção passa pela manutenção de valores

baixos de humidade na área de processamento. É recomendável manter os valores de

humidade relativa abaixo de 50%. Neste sentido pode ser necessária a instalação de um

sistema de ar condicionado (Lelieveld 2000).

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Por último é importante referir que, para além das medidas apresentadas anteriormente, certas

áreas de processamento e certos produtos podem requerer medidas extra. Estas medidas

podem incluir a restrição de acesso a estas áreas, uma zona para troca ou limpeza de calçado,

uma manutenção de uma pressão positiva na área de produção, entre outras. Deverá ser

levada a cabo uma avaliação de risco apropriada para se estabelecer que medidas são

necessárias para se atingir os objectivos delineados.

DESIGN HIGIÉNICO DE EQUIPAMENTOS PARA A INDÚSTRIA

ALIMENTAR

A função do equipamento é auxiliar a conversão de matéria-prima em produtos alimentares

salubres. Se o equipamento não for desenhado ou instalado correctamente, a salubridade dos

alimentos pode ser posta em causa.

O equipamento deve ser projectado de modo a potenciar uma limpeza, inspecção e

manutenção fáceis, devem proteger os alimentos e não constituir um risco de contaminação

dos mesmos. Devem também obedecer à Directiva 98/37/CE (“Directiva Máquinas”) da

Comissão Europeia, devendo por isso possuir elementos de segurança relativos às partes

móveis e possuir medidas anti-ruído quando necessário.

Em termos gerais, os equipamentos utilizados na indústria alimentar devem permitir uma

limpeza adequada através de procedimentos normais, sem que as suas superfícies sejam

danificadas. Estas devem ser lisas, sem juntas, orifícios ou fissuras de forma a minimizar a

retenção de materiais e microrganismos e facilitar a limpeza. Devem permitir uma fácil

inspecção, excepto quando se provar que os procedimentos de limpeza eliminam a

possibilidade de contaminação.

As superfícies dos equipamentos devem ser inertes, inócuas e não libertar substâncias tóxicas,

devendo ser resistentes a agentes corrosivos quando sujeitos a exposições prolongadas, a

agentes químicos ou aquecimento intenso.

No que diz respeito ao seu funcionamento, os equipamentos devem ser desenhados de forma

a evitar acumulação excessiva de produtos alimentares e resíduos durante o seu

funcionamento. As superfícies de contacto com alimentos devem ser desenhadas de forma a

drenar naturalmente, evitando a acumulação de líquidos (Figura 2). Devem ser instalados de

forma a garantir um fluxo correcto e utilização higiénica das matérias-primas e dos produtos

alimentares.

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Figura 2: Capacidade de drenagem de equipamentos. Em A e B os orifícios de drenagem situam-se acima do nível

inferior do equipamento, incapacitando a sua total drenagem. Em C, D, E e F a drenagem do equipamento é total,

verificando-se uma ligeira inclinação para o local de drenagem e os cantos dos equipamentos arredondados,

evitando a acumulação de resíduos. Adaptado de Lelieveld (2000).

Existem vários factores que determinam a qualidade e a facilidade de limpeza dos

equipamentos, dos quais se podem destacar a rugosidade das superfícies, a resistência à

corrosão, a toxicidade do material, a qualidade das soldas e a qualidade dos materiais

vedantes, entre outros (Lelieveld 2000).

As superfícies de contacto com alimentos devem ser lisas de modo a serem facilmente

higienizáveis. A rugosidade de uma superfície é normalmente expressa em µm e definida como

Ra. É recomendado um valor de Ra = 0,8 µm. Para se atingir esta qualidade da superfície pode

ser necessário polir ou aplicar outros tipos de tratamentos à mesma. Folhas de aço inoxidável

laminadas a frio geralmente apresentam um valor de Ra entre 0,2 e 0,5 µm, portanto não

necessitam da aplicação de qualquer tratamento. As superfícies devem ser livres de quaisquer

fendas, dobras ou orifícios (Lelieveld 2000). Um especial cuidado deverá ser tido com

equipamento fechado, usado para o tratamento de líquidos e normalmente acoplado a um

sistema cleaning-in-place (CIP), onde se devem utilizar materiais com baixa rugosidade.

Com o intuito de manter uma superfície lisa, esta deve ser resistente à corrosão decorrente das

condições de utilização e higienização. Vários produtos alimentares contêm cloro e têm um pH

entre 3 e 5, o que representa uma combinação muito corrosiva. Como o tempo de contacto da

superfície com o produto alimentar é muito superior ao tempo de contacto com o agente

químico de higienização, normalmente a taxa de corrosão da superfície é determinada pelo

Risco Higiénico Correcto

Resíduo Arredondado Inclinação ≥ 3º

Equipamento

não drenável Design drenável

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produto alimentar. Este facto deve ser considerando aquando da escolha do material de

construção.

O material mais satisfatório para o contacto directo com os alimentos é o aço inoxidável (séries

AISI-304, AISI-316 e AISI-316L). O mais utilizado nas indústrias alimentares é o aço inoxidável

com crómio-níquel, com adição de molibdénio em casos específicos. Este material apresenta

uma elevada resistência à corrosão, é fácil de limpar, desinfectar e esterilizar. Apresenta ainda

uma resistência considerável, embora limitada face aos cloretos provenientes de alguns

produtos de higienização. A sua elevada resistência à corrosão deve-se, em grande parte, à

fina camada de óxido de crómio existente na sua superfície. A durabilidade do aço inoxidável

pode ser substancialmente prolongada se se reparar qualquer dano existente na camada de

óxido de crómio aplicando-se um tratamento com ácidos oxidantes como, por exemplo ácido

nítrico. Este tratamento denomina-se passivação (Lelieveld 2000).

Um dos factores referidos anteriormente prende-se com a qualidade das soldaduras. Em

princípio, para junções permanentes, soldar é o método mais eficaz em termos higiénicos,

particularmente se a soldadura for efectuada correctamente, por um profissional experiente.

Soldaduras defeituosas podem causar problemas críticos numa superfície de contacto com

alimentos. Neste sentido, para se garantir que as soldaduras cumprem os requisitos higiénicos,

recomenda-se que se sigam as orientações do EHEDG para soldadura em aço inoxidável

(Lelieveld 2000). As juntas permanentes, soldadas ou unidas permanentemente de outra

forma, devem ser contínuas, suaves, planas e niveladas com as superfícies adjacentes.

Deverão ser eliminadas as saliências, os rebordos e as reentrâncias das ligações entre as

peças que possam facilitar a acumulação de resíduos, favorecendo deste modo a proliferação

de microrganismos.

No que concerne aos materiais vedantes, estes podem por em causa uma limpeza e

higienização eficazes dos equipamentos. Tradicionalmente, estes materiais são feitos de

borrachas sintéticas ou elastómeros. No entanto, devido às condições que estes materiais

suportam na indústria alimentar (e. g. temperaturas negativas durante o processamento e

temperaturas superiores a 100ºC durante a esterilização), os fabricantes de equipamentos

tendem a usar politetrafluoroetileno (PTFE) como material vedante. Este material apresenta

pouca elasticidade. Devido à elevada diferença entre o coeficiente de expansão térmica do

PTFE e do aço inoxidável, o arrefecimento da superfície após a aplicação de um tratamento

térmico leva a que se forme um orifício entre o PTFE e o aço inoxidável. É portanto

recomendável a não utilização de material pouco elástico como vedante (Lelieveld 2000).

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A utilização de alumínio em superfícies de contacto com alimentos, embora seja aceitável, não

é de todo desejável. A sua tendência para se deformar e a sua susceptibilidade a agentes

abrasivos condicionam a sua escolha.

Para além dos factores anteriormente referidos, há que ter em conta certos aspectos no design

de equipamentos para a indústria alimentar. Estes devem possuir uma drenagem eficiente. Os

líquidos e gases provenientes dos géneros alimentícios, bem como os produtos de limpeza, de

desinfecção e de enxaguamento devem poder escorrer livremente para o exterior da máquina.

Os ângulos internos e cantos devem ser arredondados, sempre que possível, de modo a

facilitar as operações de limpeza e desinfecção. Não deverão existir zonas mortas. No caso de,

por razões técnicas, ser impossível garantir a sua inexistência, estas deverão estar acessíveis

para permitir uma fácil drenagem e lavagem. O equipamento deve ser concebido de forma que

os produtos auxiliares (e. g. lubrificantes) não possam entrar em contacto com os géneros

alimentícios. Os instrumentos de medida e de controlo (botões, interruptores) deverão ser

construídos em materiais apropriados, em especial aqueles que são muitas vezes tocados

pelos operadores, devendo ser desenhados de modo a impossibilitar a entrada de

contaminação e serem facilmente laváveis. As portas, tampas e painéis de acesso deverão ser

projectados de forma a prevenir a acumulação de resíduos. Deverão ter uma inclinação para

um ângulo externo e deverão ser de fácil remoção para facilitar as operações de limpeza e

desinfecção.

Em caso de dúvida, a facilidade de limpeza de um equipamento pode ser testada. Actualmente,

na Europa, existem cerca de dez laboratórios independentes que podem testar a facilidade de

limpeza de equipamentos relativamente pequenos (e. g. válvulas ou sensores) utilizando testes

desenvolvidos pelo EHEDG. Um consórcio de laboratórios e indústrias estão a desenvolver

métodos para testar a facilidade de limpeza em equipamentos de maior dimensão, tais como

homogeneizadores ou permutadores de calor (Lelieveld 2000).

A localização dos equipamentos em relação ao pavimento, às paredes, ao tecto e outros

equipamentos tem influência no nível de higiene e segurança alimentar. A existência de um

espaço reduzido entre equipamentos ou entre estes e o pavimento, as paredes e o tecto pode

dificultar a limpeza e inspecção de determinadas áreas, onde se poderá acumular sujidade.

Consequentemente, deve-se manter uma distância mínima entre os equipamentos e as

porções periféricas dos elementos fixos existentes numa unidade alimentar, de modo a permitir

a limpeza, inspecção e acesso a todas as superfícies destes (Figura 3). A título de exemplo,

existem alguns valores das distâncias mínimas recomendadas entre os equipamentos e os

elementos fixos em seu redor. Entre o pavimento e o equipamento deverá haver uma distância

mínima de 15 cm, ao passo que entre as paredes e os equipamentos esta distância deverá ser

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superior a 90 cm. A distância entre o tecto e os equipamentos deverá ser de 45 cm. Nos casos

em que não é possível deixar qualquer espaço entre as secções de um equipamento e alguma

das partes da sala onde este se encontra, deve-se garantir que a união entre ambos seja

completa, sem criação de algum nenhum espaço livre onde se possam acumular resíduos ou

refúgios para insectos (Lagarriga & Botifoll 1995).

Figura 3: Esquema do posicionamento de um equipamento em relação ao pavimento e formas de maximizar o

acesso a este, permitindo a sua inspecção e limpeza. Adaptado de Chilled Food Association Ltd (2002)

1. Maximizar exposição do pavimento

2. Minimizar número de pernas

3. Minimizar as estruturas de suporte

4. Minimizar área ocupada

pelo equipamento 5. Minimizar contacto com o pavimento

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NOVOS MATERIAIS E TECNOLOGIAS NA INDUSTRIA ALIMENTAR

A evolução da indústria alimentar gravitou sempre em torno dos progressos técnicos e

científicos. Houve um desenvolvimento contínuo desde os primeiros utensílios, utilizados para

cozinhar carne há 770000 anos, até aos actuais equipamentos complexos. Este progresso,

verificado principalmente no final do século dezanove e inicio do século vinte, deriva da

ampliação das necessidades produtivas, da redução de custos e das crescentes exigências

dos consumidores por alimentos atractivos, nutritivos e saborosos. Esta mudança das

ferramentas primitivas para maquinaria sofisticada cumpriu com as exigências de melhor

qualidade de produtos disponíveis de uma forma global. No entanto, estes desenvolvimentos

trouxeram consigo outros factores a ter em conta, nomeadamente a compreensão de quais os

contaminantes que levam a problemas na salubridade dos produtos. Desde meados do século

vinte esta tornou-se numa das principais preocupações dos fabricantes de ferramentas e

equipamentos para a indústria alimentar.

Ao longo deste capítulo pretende-se introduzir algumas tecnologias emergentes na indústria

alimentar, nomeadamente aquelas que interferem na higiene e segurança dos géneros

alimentícios.

NANOTECNOLOGIA – APLICAÇÃO EM SUPERFÍCIES DE CONTACTO COM

ALIMENTOS

Tal como noutros sectores, os recentes desenvolvimentos das nanociências e nanotecnologias

oferecem novas oportunidades para inovação no sector alimentar. Mundialmente, as

aplicações das nanotecnologias oferecem uma enorme variedade de benefícios para os

consumidores. Estes incluem uma possível redução no uso de conservantes, sal e gordura nos

géneros alimentícios; o desenvolvimento de novos sabores e texturas através do

processamento de alimentos à nanoescala; nano-formulações que podem melhorar a absorção

e biodisponibilidade de nutrientes e suplementos; o desenvolvimento de novos materiais de

acondicionamento de alimentos através de compostos poliméricos derivados da

nanotecnologia, permitindo manter os alimentos seguros durante o transporte, frescos por

períodos mais longos durante o seu armazenamento e livres de microrganismos patogénicos;

nano-revestimentos antibacterianos aplicados em superfícies de contacto com alimentos,

melhorando a higiene durante o seu processamento, entre outras vantagens (Chaudhry &

Castle 2011).

No entanto, apesar de todos estes benefícios, o nível actual de aplicações de nanotecnologia

no sector alimentar ainda está a emergir em inúmeros países. Apesar do desenvolvimento

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sustentado de novos produtos, a grande maioria ainda se encontra na fase de investigação e

desenvolvimento.

Os actuais exemplos de aplicação de nanotecnologia para o processamento de alimentos

incluem, entre outros, a inclusão de nano-materiais inorgânicos em superfícies de contacto com

alimentos, tais como metais de transição e óxidos de metal (prata, ferro, dióxido de titânio),

metais alcalinos (cálcio, magnésio) e não metais (selénio, silicatos). As embalagens para

alimentos são actualmente a maior área de aplicação de nanomateriais de metal e óxido de

metal. Exemplos destes nanomateriais incluem compostos poliméricos-plásticos com nano-

argila para barreiras de gases, óxidos de nano-prata e nano-zinco com acção antimicrobiana,

dióxido de nano-titânio para protecção contra radiação ultravioleta, nano-silica para

revestimentos de superfícies hidrofóbicos. A utilização de nano-prata como antimicrobiano,

anti-odores e suplemento saudável já ultrapassou todos os outros nanomateriais utilizados em

todos os sectores. A utilização actual de nano-prata é principalmente para aplicações em

embalagens (Chaudry & Castle 2011).

Chaudry & Castle (2011) desenvolveram uma tabela onde indicam as aplicações actuais e

futuras da nanotecnologia nos sectores alimentar e agrícola, onde descrevem a natureza da

aplicação, benefícios esperados, potenciais riscos e comentários. Uma das aplicações referida

por estes autores é o revestimento de superfícies de contacto com alimentos com uma

cobertura de nanomateriais com propriedades antimicrobianas. Os benefícios esperados

prendem-se com a obtenção de superfícies com propriedades de auto-limpeza em superfícies

de contacto com alimentos, o que pode reduzir muito significativamente os riscos de

contaminação Os potenciais riscos da aplicação desta tecnologia estão relacionados com a

potencial exposição dos consumidores às nanoparticulas, através da sua migração das

superfícies para os alimentos.

Considerando a quantidade de nanomateriais descritos, o relatório centra-se nos benefícios do

titânio como nano-revestimento de superfícies de contacto com alimentos.

REVESTIMENTO DE SUPERFÍCIES COM TITÂNIO

Na indústria alimentar, as superfícies devem estar em boas condições e serem facilmente

higienizáveis. Nas unidades alimentares as superfícies de trabalho são consideradas como

potenciais fontes de contaminação microbiana, portanto o seu estado e a sua facilidade de

limpeza são condições de extrema importância. A presença de microrganismos viáveis

aderidos ou retidos nas superfícies pode prejudicar a eficácia dos procedimentos de

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higienização das mesmas e constituir um perigo para a produção de alimentos salubres

(Verran et. al. 2010).

O aço inoxidável é o material de eleição utilizado na indústria alimentar. No entanto, é um

material quimicamente heterogéneo e portanto é difícil de especificar o efeito das

características químicas de superfície na retenção de microrganismos. Uma possível

abordagem será de manter a topografia da superfície e simultaneamente criar uma superfície

quimicamente homogénea, através do revestimento destas. O titânio exibe propriedades bem

conhecidas, tais como uma elevada resistência à corrosão, mínima toxicidade e elevada

biocompatibilidade, e portanto pode ser considerado um material seguro para entrar em

contacto com os géneros alimentícios. Para além disso, foi descrito anteriormente que o titânio

exibe propriedades antibacterianas: superfícies de titânio nanofásico e óxido de titânio cristalino

reduzem a adesão de Staphylococcus epidermidis (Colon et al. 2006) e Streptococcus spp.

respectivamente (del Curto et al. 2005).

Verran et al. (2010) desenvolveram um trabalho com o objectivo de verificar se, modificando

as características químicas de uma superfície, a retenção de microrganismos e a acumulação

de resíduos orgânicos na mesma era diminuída. No seu trabalho utilizaram uma superfície de

aço inoxidável revestida com titânio e verificaram que a retenção de Escherichia coli nestas

superfícies era inferior a superfícies polidas de aço inoxidável (Figura 4). Embora a retenção de

microrganismos fosse baixa em ambas as superfícies, foi possível verificar uma redução

significativa na retenção de microrganismos e de resíduos orgânicos na superfície de titânio

(figuras 5 e 6). Este trabalho permite indicar que o revestimento de aço inoxidável com titânio

diminui a retenção e aumenta a facilidade de remoção de microrganismos e resíduos

orgânicos, potenciando assim as propriedades higiénicas de uma superfície de contacto com

alimentos (Verran et al. 2010).

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Figura 4: Micrografia de uma peça em aço inoxidável revestido com uma película de titânio (esquerda). Micrografia

de a) superfície de aço inoxidável não revestida, onde se observa um elevado número de E. coli retidas na superfície

e b) superfície de aço inoxidável revestida com uma película de titânio, onde não se observam células de E. coli.

Adaptado de Verran et al. (2010).

1. 2.

Figuras 5 e 6: Percentagem de resíduos orgânicos (1) e células (2) retidas em superfícies de aço inoxidável revestidas e não revestidas com titânio. Adaptado de Verran et al. (2010).

Revestida Não revestida Revestida Não revestida

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Numa outra perspectiva, foi demonstrado que o óxido de titânio possui capacidade de gerar

radicais hidroxilo e modificar a estrutura do oxigénio quando exposto a radiações ultravioleta. O

primeiro artigo sobre este assunto foi publicado no jornal “Nature” em 1972, designado

“fotocatálise”, mais tarde denominado “efeito Honda-Fujishima”. Numa investigação mais

recente, o Professor Fujishima e os seus colegas concluíram que o óxido de titânio possui uma

enorme capacidade de oxidação, que poderia ser utilizada para decompor materiais passíveis

de causar problemas, mesmo em quantidades baixas. Nestas investigações os investigadores

desenvolveram superfícies em placas cerâmicas que possuíam capacidades de desinfecção e

desodorização simultâneas. Eles cobriram as paredes e pavimento de uma sala de cirurgia de

um hospital com placas de cerâmica revestidas com óxido de titânio e chegaram à conclusão

que tanto as placas de cerâmica como o ar da sala operatória apresentavam números de

microrganismos muito inferiores ao normal (Napper 2006). Mais tarde foi descoberto pelo

Professor Fujishima e seus colegas um novo fenómeno que ajudou a expandir as aplicações

da fotocatálise. Quando uma superfície de vidro revestida com óxido de titânio era exposta à

luz, as gotas de água na sua superfície não mantinham a sua forma esférica, mas tornavam-se

planas. A superfície exibia propriedades superhidrofílicas (Napper 2006). Observou-se que a

luz ultravioleta tinha removido parcialmente os átomos de oxigénio da superfície de óxido de

titânio. As áreas onde tinham sido removidos os átomos de oxigénio eram hidrofilicas,

enquanto as áreas onde eles se mantinham eram hidrofóbicas. Áreas hidrofilicas de cerca de

30 nm x 50 nm existiam lado a lado com áreas hidrofóbicas com mais ou menos a mesma

dimensão. As gotas de água não se mantinham esféricas mas sim planas, formando assim

uma camada uniforme pois a água dissemina-se através das áreas hidrofílicas. Caso houvesse

gordura já presente na superfície, a água ao entrar em contacto com ela dissemina-se por

baixo da gordura, tornando fácil a sua remoção. Estes materiais de revestimento baseados em

propriedades superhidrofílicas com uma função de auto-limpeza existem actualmente em

espelhos retrovisores de automóveis e no exterior de edifícios (Napper 2006).

Com estas propriedades, facilmente se pode verificar os possíveis benefícios na aplicação de

revestimentos de titânio em superfícies de contacto com alimentos.

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