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Relatos de experiência de docência sob a perspectiva CTSA por alunos licenciados em Ciências

Biológicas em uma escola de ensino fundamental

Bárbara Samartini Queiroz Alves

Danielle Ferraz Mello

Suzani Cassiani de Souza

Resumo

Este artigo é referente a um trabalho realizado pela turma do curso de licenciatura em Ciências Biológicas da UFSC, proposto durante a disciplina de Instrumentação e Metodologia para o Ensino de Ciências e que consistiu em elaborar e aplicar uma proposta de ensino alternativa ao ensino tradicional com alunos de 8ª série do ensino fundamental. O objetivo desta intervenção foi refletir sobre maneiras de trabalhar diferentemente da abordagem tradicional dos conteúdos de ciências e aplicar um plano de atividades elaborado coletivamente entre licenciados e os coordenadores da disciplina. Durante o planejamento das atividades foram feitas discussões baseadas nas concepções dos licenciados sobre educação, ensino de ciências e o que é trabalhar sobre a perspectiva CTSA. A escolha do tema trabalhado, no caso o esgoto, foi feita a partir da percepção da existência de uma problemática ambiental relacionada e da receptividade dos alunos e da escola em se trabalhar este tema.

Palavras-chave: experiência de docência, perspectiva CTSA, educação em

ciências.

Abstract

Accounts of experience of teaching under the perspective CTSA for

followers licensee in Sciences Biologic in a school of basic education

This article refers a work done by the class of education degree in Biological Sciences from UFSC, proposed by the discipline of Instrumentation and Methodology of teaching of Science and that was constituted of the development and implement of a proposal for alternative education to the traditional to students of the 8th grade of a elementary school. The objective of this intervention was thinking about ways to approach work differently from traditional content of science and implement a plan of activities drawn up jointly

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between licensees and the coordinators of the discipline. During the planning of the activities were done discussions based on the graduates` education conceptions, teaching of science and what is working on the prospect CTSA. The choice of topic work, sewage, was made from the perception of an environmental issue related and receptivity of students and the school.

Keywords: experience of teaching, CTSA perspective, education in science.

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Introdução

A forma tradicional de ensino em vigor privilegia uma visão linear, positivista e atemporal

da formação do conhecimento. As consequências deste modelo vem sendo discutidas a alguns

anos por uma série de pensadores e estudiosos das mais diversas áreas. Destas discussões o que

se nota primordialmente é uma tentativa de romper com estes tipos de modelos pedagógicos,

substituindo-os por uma visão mais dinâmica do processo ensino-aprendizagem (Santos, 2004).

Em um estudo realizado por Kosminsky & Giordan (2002) com alunos de 15 a 18 anos de

uma escola particular paulistana visou, através da aplicação de questionários, investigar as

concepções dos alunos sobre a ciência e cientistas. O que se observou foi que os alunos criaram

uma visão de que a ciência é neutra, à parte da sociedade leiga e descontextualizada. Em relação

aos cientistas a concepção corrente era de que os cientistas são pessoas “diferentes” que vivem

dedicadas ao trabalho. Já em relação à construção do conhecimento pode se verificar que a visão

corrente era que o conhecimento vinha de pessoas tidas como geniais que conseguiam ter

insights em uma noite de sono após um dia inteiro pensando, sozinhas, no problema e que com

estes insights as pessoas produziam uma coisa nova e positiva.

Amorim & Curado (1997) chamam atenção para este tipo de didática, para eles a não

contextualização dos fatos gera mera apresentação dos resultados tornando os saberes uma mera

caricatura do que é a ciência. Pensando nisso, uma nova corrente de ensino propõe um modelo

pedagógico que traz o processo de construção do conhecimento científico mais próximo aos

alunos e com isso desenvolver uma visão mais humana de ciência, tecnologia, sociedade. Este

modelo de educação é baseado na perspectiva Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente –

CTSA, que segundo Linsingen, Cassiani & Pereira (2007) significa, fundamentalmente, possibilitar

uma formação para maior inserção das pessoas no sentido de se tornarem aptas a participarem

dos processos de tomadas de decisões conscientes e negociadas em assuntos que envolvam

ciência e tecnologia.

A partir destes pressupostos teóricos os alunos, do curso de licenciatura em Ciências

Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina aceitaram um desafio proposto durante a

disciplina de Instrumentação e Metodologia para o Ensino de Ciências, que consistia em elaborar

e aplicar uma proposta de ensino alternativa ao ensino tradicional com alunos de 8ª série do

ensino fundamental.

O objetivo desta intervenção foi pensar em maneiras de fugir da abordagem tradicional

dos conteúdos de ciências e aplicar um plano de atividades elaborado coletivamente entre

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licenciados e os coordenadores da disciplina. Essa proposta já havia sido realizada em semestres

anteriores em uma tentativa de antecipar situações de docência aos licenciados. Devido ao seu

grande êxito tanto para os alunos da disciplina quanto para os alunos da escola e também devido

à grande receptividade apresentada pela direção da Escola Básica São Tarcísio, São Bonifácio - SC,

ela sendo continuamente realizada ao longo dos semestres. Este trabalho em específico se deu

no segundo semestre de 2008.

A cidade de São Bonifácio se situa na região do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro a 80

km de Florianópolis. Segundo dados do IBGE (2008) a cidade é constituída de uma pequena

população, 3.271 habitantes e é fruto de uma colonização alemã. Sua economia gira em torno da

agricultura, com ênfase no plantio do fumo, olericultura e fabricação de laticínios e o turismo de

aventura. Sendo que, um dos fatos que mais nos chamou a atenção foi de que poucos são os

jovens matriculados em uma instituição de ensino superior.

Planejando as aulas sob a perspectiva CTSA

Começamos a preparação para as atividades já na primeira semana de aula da disciplina.

Foi nos explicado o que se esperava da atividade e apresentado o que fá havia sido feito nos

semestres anteriores. Ainda neste dia, decidimos trabalhar com a 8ª série e colocamos algumas

sugestões de temas que poderiam ser trabalhados com os alunos. Estes temas preferencialmente

não deveriam coincidir com o que já foi trabalhado anteriormente nos últimos anos da disciplina.

Como percebemos a existência de uma tendência muito forte de dar um enfoque na área de

Biologia, sugerimos que neste ano, fossem priorizados os conteúdos de física e química. Com esta

idéia sugerimos a temática de energia e suas transformações e a partir desta sugestão é que

passamos para o tema específico de transformação da matéria orgânica em energia térmica

através do processo de compostagem. A partir daí, pensando na questão rural presente no

município, a idéia foi extrapolada para o enfoque de biodigestores para o tratamento do esgoto

proveniente da criação de gado na região.

Com isto, iniciamos um trabalho de leitura de textos para inserirmos nas discussões atuais

sobre metodologia de ensino e levantar discussões a respeito do que é ensinar ciências e como os

licenciados vêem o papel dos professores e dos alunos em sala de aula. Além disso, a leitura dos

textos nos auxiliou para repensar a nossa ação e elucidar conceito de CTSA e como trabalhar

sobre esta perspectiva. Esta parte foi primordial para o desenvolvimento do plano de ensino, pois

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havia uma grande vontade por parte dos licenciados de lecionar de uma maneira mais criativa e

mais integrada à realidade dos alunos, mas não se sabia muito bem como fazê-la. Nesta

perspectiva então, tentamos responder algumas das questões levantadas a partir das leituras dos

textos, tais como:

- O que vamos ensinar? E como vamos ensinar?

- Quais são nossos objetivos? E quais são os objetivos da perspectiva CTSA?

- Qual é o papel da linguagem dentro do contexto de ensino? E quais são as

possíveis metodologias para a construção do conhecimento?

- Como vamos trabalhar o conteúdo? E qual o papel da aula teórica dispositiva

e qual o papel da discussão e diálogo com os alunos?

Com o conceito de CTSA mais claro e sabendo melhor o que fazer para planejar a aula

pudemos definir a temática do esgoto como a primeira opção a ser trabalhada e ao mesmo

tempo transitar com mais facilidade dentro desta conjuntura educacional que até então não era

muito clara para todos. O que deveria garantir a escolha efetiva desta temática seria a

comprovação de que haveria um problema ambiental relacionado ao esgoto e se haveria uma

intenção por parte dos alunos e da escola de se trabalhar com este tema.

A partir disso o grupo se subdividiu e distribuiu as tarefas: pesquisa e verificação da

necessidade/carência local de esgoto e ou qualidade da água; o interesse declarado por parte da

escola em trabalhar com o assunto; busca de materiais para embasar nosso conhecimento dentro

da temática e inclusive materiais que possam ser trabalhados com os alunos.

Na semana seguinte, as pesquisas foram colocadas em grande grupo. A pesquisa com o

site da Casan - Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (empresa de saneamento

responsável pela região) não rendeu muitos dados. O site não apresenta muitos detalhes de onde

é feita a coleta de esgoto e o tratamento de água da região e o que se pôde confirmar neste

momento foi apenas que o município de São Bonifacio não possui sistema de tratamento de

esgoto e ficou em aberto quanto à possibilidade de haver tratamento e distribuição de água. O

site oficial do município e da prefeitura também não foi muito enriquecedor quanto às

informações desejadas. A professora ligou para a prefeitura e uma funcionária informou que não

havia sistema de tratamento de esgoto, mas não sabia muitas informações mais.

Quanto à pesquisa de dados para o embasamento do grupo em relação ao conteúdo a ser

trabalhado, foram trazidos artigos sobre biodigestor, esgoto, além de artigos a respeito de

materiais utilizados com os alunos em outras atividades similares e a concepção destes sobre este

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tema a partir deste tipo de intervenção. Após uma conversa decidimos seguir as seguintes

premissas:

- Analisar as condições sócio-ambientais focalizando o impacto dos efluentes.

-Problematizar o tema, as questões da cidade e apontar soluções/alternativas;

-Incentivar o senso crítico;

-Tentar mostrar ao estudante que o conhecimento adquirido na escola é importante

para entender o seu dia-a-dia;

Em seguida, passamos para a discussão sobre o dia da visita prévia na cidade. O objetivo

desta visita era levantar as necessidades e interesses locais e busca de dados que poderiam

aproximar os trabalhos preparatórios à realidade local. Para esta visita, foram levantados alguns

pontos que deveriam ser perguntados para os alunos ou professores em um questionário:

- Que livro utiliza?

- Em que parte eles estão?

- O que aprendem de conteúdo;

- Que parte do conteúdo pode ser articulada à nossa temática;

- Identificar se existe algum problema ambiental na cidade e se os moradores

apresentam algum problema com esgoto e/ou água;

- Identificar o interesse dos alunos em relação ao tema.

A visita prévia nos deixou clara a existência de uma grande problemática ambiental ligada

à questão do esgoto, tanto nos criadouros de animais, quanto nas indústrias do município. Com a

visita foi possível também verificar a receptividade da escola pelo tema que foi confirmada pelo

Diretor que se colocou como bastante favorável às atividades propostas. Ainda, visitamos uma

propriedade rural onde pudemos visualizar a realidade local, colher dados sobre a temática e

onde se pensou em realizar uma saída de campo com os alunos.

De volta à sala de aula após a visita prévia, nos encontramos com muito mais confiança e

informações para a realização da elaboração do plano de ensino. Elaboramos então

coletivamente as atividades dos dois dias em que trabalhamos com os alunos, estas atividades

são relatadas em seguida.

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Colocando a teoria e os planos em prática

No fim da tarde do dia 19 de novembro de 2008, chegamos à pousada onde iríamos ficar

em São Bonifácio. À noite, discutimos os últimos detalhes do planejamento da aula do dia

seguinte. Essa discussão se mostrou muito proveitosa, uma vez que nós alunos ainda estávamos

um pouco perdidos depois de tantas conversas, idéias e planejamentos que ocorreram durante as

aulas anteriores. Deste modo, após a discussão, foi possível obter uma visão mais clara de como

seria o desenrolar das aulas. Além disso, houveram algumas modificações devido à falta dos

questionários respondidos pelos alunos, pela chuva e pela dedução de que a duração de algumas

atividades seria um pouco diferente do que havíamos previsto nas aulas anteriores.

Na manhã seguinte, quando chegamos à escola, fomos muito bem recepcionados pelo

diretor do colégio e por alguns professores. No entanto, outros professores aparentavam um

pouco desconfortáveis com a nossa presença. Chegamos então à sala de aula e tivemos uma

surpresa: como havia poucos alunos no início da manhã, os alunos da manhã e da tarde estavam

todos juntos numa mesma sala (cerca de 30 alunos), por uma decisão do diretor. No início

ficamos todos um pouco incomodados com a tal surpresa, no entanto resolvemos encarar o

desafio. Afinal, a realidade das escolas públicas no Brasil é na maioria das vezes muito pior do que

a que nós nos encontrávamos. Sendo assim, nós trabalhamos com os alunos todos juntos, até o

fim da primeira metade da manhã. Após uma breve apresentação (na qual todos nós, professores

e alunos, tínhamos que falar nossos nomes, o que mais gastamos de fazer e eles deveriam falar o

que queriam ser quando crescer), demos seqüência ao planejamento e iniciamos a

problematização da temática escolhida, “o esgoto”, a partir da seguinte pergunta: “por que

soltamos pum?”. A nossa expectativa com aquela pergunta era: provocar a total quebra de

expectativa dos alunos, incitando o interesse e participação dos mesmos; fazer uma ligação com o

tema das fezes (uma vez que as fezes dos animais de criação são uma das principais fontes de

contaminação das águas na região), com uma alternativa à essa contaminação, que seria o uso de

um biodigestor; e dentro do contexto desses temas cotidianos, seriam tratados alguns conceitos

de química e física.

As respostas foram primeiramente coletadas individualmente, e depois pedimos para que

eles se juntassem em grupos para discutirem a respeito das suas opiniões e ver se conseguiam

chegar num consenso. Como era o esperado, foram obtidas as mais diversas respostas, sendo

algumas mais próximas da realidade e outras não. Alguns exemplos de respostas seguem abaixo:

“Soltamos pum para liberar o ar que há dentro de nós”.

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“Porque o nosso organismo gera gases e faz acontecer o pum”.

“Para liberarmos substâncias ruins do corpo”.

“Deve estar relacionado com alguma reação química que o nosso organismo

produz quando ingerimos alguns alimentos”.

“Porque há acúmulo de gases decorrente do processo da digestão”.

“Porque se ficarmos com eles dentro de nós iremos explodir”.

“Porque eu não sei, mas tem uns que tem um cheirinho”.

Após este momento, entregamos a eles um texto1 cujo título era exatamente a pergunta

efetuada, o qual trazia de forma bem descontraída e bem humorada a resposta para tal pergunta.

Lido o texto, analisamos as respostas que eles tinham fornecido anteriormente para saber o que

eles achavam que era correto ou não de acordo com o texto. Felizmente, esse “jogo de certo e

errado” que se procedeu, finalmente se mostrou eficaz para despertar a classe. O desafio de

acertar qual das respostas ficariam e qual delas seriam apagadas do quadro mais a curiosidade de

saber se as suas próprias respostas estavam certas, parece ter impulsionado o interesse dos

alunos. No entanto, ainda assim era nítida a dificuldade de conseguir respostas deles e fazer com

que participassem.

Dedicamos alguns minutos posteriores, depois de bastante tempo de discussão,

problematização e tentativa de descontração, para introduzir alguns conceitos bioquímicos (de

forma bastante simplificada, é claro) que ocorriam no interior do trato digestivo dos animais após

a ingestão de alimentos, cujo produto seria os tais famosos gases. Entretanto, mesmo depois de

verificarmos que as duas turmas já haviam ultrapassado a parte do livro didático2 que falava sobre

as reações químicas e moléculas, percebemos que muito pouco havia sido incorporado pelos

alunos. Tivemos, portanto, que retomar alguns elementos básicos para poder prosseguir com o

conteúdo. Neste momento, apesar de apenas duas licenciadas serem responsáveis por aquela

parte do dia, os outros quatro licenciados e a professora, intervieram de diversas formas: ora

acrescentando um conhecimento que havia sido esquecido ou que poderia complementar o

assunto; ora corrigindo algum equívoco; ora fazendo um comentário que descontraísse a sala; ou

ora se certificando de que os alunos estavam compreendendo os termos que porventura eram

1 “Por que soltamos pum”. Ciência Hoje das Crianças. Vol. 119. Novembro, 2001.

2 Cruz, J. L. (2007). Projeto Araribá 8º. Ed. Moderna.

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utilizados (intervenção esta realizada com mais freqüência pela professora da disciplina).

Podemos afirmar que se essa forma de ensinar com a intervenção de vários “professores” ora foi

proveitoso, ora um tanto conflituoso, uma vez que pudemos detectar tanto vantagens

(complementação, correção e mais fontes de observação do retorno dos alunos), quanto

desvantagens (contradição, inibição e às vezes confusão). No entanto, como aquela era a primeira

experiência (ou uma das primeiras) como educadores dentro de uma sala de aula da maioria dos

licenciados, pode ser que as vantagens tenham superado as desvantagens, devido à nossa

inexperiência.

Finalizadas as atividades previstas para a primeira metade da manhã, ainda restaram

alguns minutos antes do intervalo. Portanto a professora da disciplina sugeriu que eles fizessem

uma redação a respeito de tudo que haviam aprendido naquela aula. Uma licenciada teve a idéia

de fazer uma brincadeira, incentivando os alunos a escreverem um texto que seria destinado a

um extraterrestre que não sabia nada sobre o nosso mundo, e explicar a ele com detalhes o

porquê soltamos pum. Essa atitude aparentemente os motivou a redigir o texto.

Durante o intervalo, no entanto, chegamos à conclusão de que a união das duas turmas

não havia sido uma experiência muito proveitosa, pois se pode perceber que os alunos da manhã

e da tarde não se simpatizavam muito bem e deduzimos que isso poderia estar inibindo-os de

participarem das atividades. Sendo assim, após o fim do intervalo as duas turmas foram

separadas.

Depois que dividimos as turmas, abordamos as questões do questionário (o mesmo que

enviamos para eles responderem algumas semanas antes da prática), incentivando a participação

dos mesmos, de modo a responderem algumas perguntas e debaterem sobre o assunto.

Entretanto, notamos apenas poucos alunos interessados e que se manifestavam. Após o fim da

discussão das perguntas do questionário, pedimos como lição de casa, para que os alunos

interrogassem, com estas mesmas perguntas, no mínimo duas pessoas sobre a água e a

destinação dos dejetos tanto de origem doméstica quanto das fazendas de criação. De acordo

com o nosso planejamento, após este momento estava planejada a leitura de um texto1 sobre a

poluição dos rios. No entanto, os licenciados que ficaram com a turma da manhã, optaram por

deixar a leitura desse texto para lição de casa, e os que ficaram com a turma da tarde trabalharam

o texto em sala. Apesar de a leitura ter sido realizada em voz alta, com cada aluno lendo um

trecho, eles se mostraram completamente desinteressados, rindo da leitura dos colegas e

cochichando. O desinteresse ficou então comprovado depois que os alunos forram questionados

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sobre assuntos abordados no texto e eles não conseguiram responder perguntas simples e

diretas.

No intervalo a professora havia sugerido que se sobrasse tempo, poderíamos passar para

os alunos um vídeo cujo título é “A História das Coisas”1. Esse vídeo critica a visão consumista

disseminada nos dias de hoje, a partir da revelação de tudo que está por trás de um produto

exposto numa prateleira. Como a turma da manhã não leu o texto em sala sobre a poluição dos

rios, conseguimos exibir o vídeo inteiro para eles, porém não houve tempo para discussão, Já com

a turma da tarde, o sinal bateu e ainda restavam cerca de quinze minutos para terminar o vídeo.

A maioria dos alunos, então, foi embora, uns com o pretexto de que iriam perder o ônibus para

voltar pra casa e outros pegaram carona no motivo dos colegas, simplesmente porque não

estavam interessados. Os poucos que ficaram e assistiram até o final, no entanto, não fizeram

perguntas ou comentários sobre o vídeo, indo embora logo em seguida. Os que ficaram foram

bastante favoráveis à exibição chegando a fazer comentários sobre o caráter consumista da

sociedade e dos problemas apresentados na cidade em relação ao lixo e ao esgoto que muitas

vezes são jogados nos rios.

O dia seguinte, em contrapartida, foi muito mais gratificante que o primeiro. Foram

realizadas atividades mais interativas, como a produção de cartazes pelos alunos sobre métodos

alternativos que minimizam a poluição dos corpos d’água. Cada pequeno grupo deveria tratar

uma alternativa, dentre as seguintes: biodigestor, fossa séptica, bacia de evapotranspiração e

estações de tratamento de esgoto (ETEs). Com essa atividade pudemos dar mais atenção aos

alunos individualmente e pode-se perceber, na medida do possível, um maior interesse da parte

deles. Esta atividade durou até um pouco depois do intervalo, e após todos terem terminado seus

cartazes, unimos novamente as duas turmas e pedimos para que eles apresentassem seus

cartazes para toda a classe. Esta atividade pode nos revelar o quanto os alunos haviam aprendido

naquele dia e a capacidade deles de repassar esses conhecimentos. Durante a apresentação dos

cartazes foram surgindo temas para discussão, termos que deviam ser mais bem esclarecidos e

tudo isso concluímos que produziu um saudável momento de aprendizado, tanto para nós quanto

para os alunos. Depois de apresentadas as alternativas, através da apresentação de fotos de uma

fazenda de criação, foi apresentado um exemplo no qual poderiam ser aplicadas algumas das

3

TORRES, João Paulo Machado. Os rios precisam de um banho. Ciências Hoje. Rio de janeiro, nº 98, p. 21,

dez 1999.

4 Disponível no link: http://video.google.com/videosearch?q=a+historia+das+coisas&emb=0&aq=f#

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alternativas citadas. Os alunos se mostraram em geral interessados e uns até se abriram para

compartilhar alguns episódios que presenciaram ou ouviram falar relacionados com o tema.

Despedimo-nos dos nossos alunos temporários com uma mistura de sentimentos que

variavam entre alívio; sensação de dever cumprido, mas também de que não demos o máximo de

nós mesmos em algumas situações; e, sobretudo de tristeza, por não poder continuar o trabalho

e por saber que nos próximos dias eles voltariam a ter aquela velha e “boa” aula de sempre.

Referências

Amorim, A. C., & Curado, M. C. A produção do conhecimento em Aulas de Biologia: processos ou

produtos? Revista Ciência & Ensino , p. 4, 3 de dezembro de 1997.

Calor, A. R., & Santos, C. M. Filosofia e ensino de ciências: uma convergência necessária. Revista

Ciência Hoje, 2004.

Costa, M. M. B. Porque soltamos pum?. Revista Ciência Hoje das Crianças, p. 28., 01 de

novembro de 2001.

Cruz, J. L. Projeto Araribá 8º . Ed. Moderna, 2007.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Estimativas da população para 1º de julho

de 2008. Página visitada em 5 de setembro de 2008.

Kominsky, L., & Giordan, M. Visões de ciências e sobre cientista entre estudantes do ensino

médio. Química nova na escola , p. 8, 4 de maio de 2002.

Souza, S. C.; Linsingen, I. V.; Pereira, P. B. Repensando a formação de professores de ciências

numa perspectiva CTS: algumas intervenções. 1º Congresso Argentino de Estudos Sociais de la

Ciência y la Tecnologia, (p. 17). Buenos Aires, 2007.

Torres, J. P. Os rios precisam de um banho. Revista Cência Hoje , p. 21, dezembro de 1999.

Bárbara Samartini Queiroz Alves. Licencianda do curso de Ciências Biológicas da UFSC.

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Danielle Ferraz Mello: Licencianda do curso de Ciências Biológicas da UFSC.

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