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    1Relatrio Nacional do Brasil

    BrasilR E L A T R I O N A C I O N A L

    Juventude e Integrao Sul-Americana:

    caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis

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    Juventude e Integrao Sul-Americana:

    caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis

    RELATRIO NACIONAL DO BRASIL

    Rio de Janeiro, novembro 2007

    Coordenao e instituies responsveis

    Apoio

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    4 Ibase | Plis

    Apoio

    Centro de Pesquisas para o

    Desenvolvimento Internacional (IDRC)

    Instituio responsvel

    Plis

    Coordenao geral

    Anna Luiza Salles Souto e Pedro Pontual

    Coordenao tcnica / Elaborao do relatrio

    Helena Wendel Abramo

    Equipes por situao-tipo

    Acampamento Intercontinental da Juventude doFrum Social Mundial/Porto Alegre

    Nilton Bueno Fischer (coord.)

    Ana Maria dos Santos Corra

    Mrcio Amaral

    Cortadores de cana do interior do estado de So Paulo

    Jos Roberto Pereira Novaes (coord.)

    Flvio Conde

    Roberta Maiane

    Tais Zeitune

    Juventude e Integrao Sul-Americana:caracterizao de situaes-tipo e organizaes juvenis

    RELATRIO NACIONAL DO BRASIL

    Uma publicao Ibase e Plis

    Frum de Juventudes do Rio de Janeiro

    Ana Karina Brenner (coord.)

    Lia Dias de Alencar

    Movimento Hip Hop de Caruaru/Pernambuco

    Adjair Alves (coord.)

    Rosilene Alvim (coord.)

    Revolta do Buzu (movimento de estudantessecundaristas de Salvador)

    Jlia Ribeiro de Oliveira (coord.)

    Ana Paula Carvalho

    Sindicato de Trabalhadores em Telemarketingde So Paulo

    Maria Carla Corrochano (coord.)rica Nascimento

    Fotos

    Flvio Conde

    Samuel Tosta

    Vanor Correia

    Projeto grfico e diagramao

    Dotzdesign

    A publicao no foi editada, tendo sidorespeitado o estilo da autora.

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    NDICE

    INTRODUO 61. ESTADO DA QUESTO NO BRASIL 8

    1.1 HISTRICO 9

    1.2 DIAGNSTICOS 11

    1.3 AS DEMANDAS DOS JOVENS 20

    2. SITUAES-TIPO ESTUDADAS 242.1 MANIFESTAES DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS CONTRA O AUMENTO

    DA TARIFA DO NIBUS 24

    2.2 OS TRABALHADORES JOVENS DO CORTE MANUAL DA CANA-DE-ACAR 25

    2.3 GRUPO DE HIP HOP 26

    2.4 TRABALHADORES DO TELEMARKETINGE A DEMANDA POR TRABALHO 262.5 FRUM DE JUVENTUDES DO RIO DE JANEIRO FJRJ 27

    2.6 O ACAMPAMENTO INTERCONTINENTAL DA JUVENTUDE (AIJ) DO FRUM SOCIAL MUNDIAL

    (FSM): EXPERINCIA DE UMA NOVA GERAO POLTICA 27

    3. ANLISE CONSOLIDADA DAS SITUAES-TIPO 303.1 CONSTITUIO E IDENTIDADE JUVENIL 30

    3.2 AS DEMANDAS E O MOTE DA ATUAO 40

    3.3 AES AFIRMATIVAS E VALORIZAO DA DIVERSIDADE 66

    4. PERCEPES DOS ATORES E/OU MEDIADORES DAS DIFERENTES SITUAES-TIPOSOBRE OS TEMAS RECORRENTES NAS AGENDAS PBLICAS CONTEMPORNEAS 70

    5. FORMAS DE ATUAO E EXPRESSO PBLICA DAS DEMANDAS 72

    5.1 INTERLOCUTORES/ MEDIADORES 786. AS POLTICAS RESPONDEM S DEMANDAS? 82

    6.1 TRABALHO 84

    6.2 PARTICIPAO 86

    6.3 AS POLTICAS PBLICAS DE JUVENTUDE 86

    BIBLIOGRAFIA 88

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    INTRODUO

    H uma pista sugerida no projeto pres-

    supondo que as necessidades, as de-

    mandas e os desejos dos jovens fizeram

    surgir um espao de polticas pblicas

    de juventude (que comporta aes, pro-

    gramas e instituies especificamente

    construdas para formulao e execuo

    dessas aes), nos ltimos anos, neste

    pedao do continente americano. As in-

    terrogaes se colocam a partir da e in-

    dagam, principalmente, at que ponto a

    abertura desse espao tem logrado estru-

    turar uma pauta dos direitos a serem ga-rantidos aos jovens. Qual tem sido a visi-

    bilidade alcanada pelos atores juvenis

    e, mais especificamente, qual tem sido

    a disponibilidade para a incorporao

    de suas demandas na agenda pblica?

    As demandas apresentadas pelos jovens

    tm logrado incidir no contedo das pol-

    ticas a eles dirigidas? Qual a fora polti-

    ca que a noo do jovem como um sujei-

    to singular de direitos tem adquirido nas

    sociedades latino-americanas? claro que essas questes pressu-

    pem a necessidade de verificar com

    mais acuidade como se configura a atu-

    ao juvenil em torno de certas deman-

    das, em que direo elas tm apontado

    e que peso tm adquirido. A proposta da

    investigao realizada foi, portanto, bus-

    car compreender quais so as deman-

    das dos jovens que tm tido interferncia

    no espao pblico; quais atores as sus-

    tentam e em que tipos de canais de mo-bilizao e negociao; se h semelhan-

    as entre as demandas, para que seja

    possvel a construo de pautas e redes

    em comum. A metodologia adotada foi a

    de eleger algumas situaes em que fos-

    se possvel aprofundar essas verificaes,

    no com a perspectiva de construir um

    quadro descritivo ou analtico que des-

    se conta do universo das mobilizaes ju-

    venis ou que pudesse represent-lo, mas

    que, aprofundando o olhar sobre situa-

    es concretas, pudesse configurar algu-

    mas pistas de entendimento e formular

    novas questes que enriquecessem o de-

    bate aqui proposto.

    As possibilidades de respostas a es-

    sas questes tambm dependem dos

    contextos nacionais nos quais esses pro-

    cessos so desenvolvidos. Neste rela-

    trio sobre o Brasil, antes de entrar na

    anlise das situaes estudadas, realiza-remos uma breve localizao do contex-

    to nacional.

    O objetivo mais geral desta pesquisa, tal como est

    desenvolvido em seu projeto, contribuir para queas demandas dos jovens ganhem visibilidade, pautemas agendas pblicas e gerem novas iniciativas,enriquecendo o campo da luta por direitos no pas e naregio do Mercosul e perscrutando as possibilidadesde constituio de plataformas comuns na luta pordireitos envolvendo jovens.

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    1. ESTADO DA QUESTO NO BRASIL

    A partir desse perodo, ocorre uma grande

    modificao. Os movimentos estudantis

    retomam a possibilidade de organizao e

    manifestao pblica e participam ativa-

    mente da luta pelo fim do regime militar

    instaurado em 1964. Mas, em seguida, no

    processo de redemocratizao, vo per-

    dendo paulatinamente visibilidade e legiti-midade social. Ao mesmo tempo, emerge,

    como um tema social, a questo dos me-

    ninos de rua: como motivo de pnico, en-

    gendrando ondas de represso e violncia

    contra os menores de idade em situaes

    diversas de abandono e desvio, e como

    bandeira de luta e mobilizao social, en-

    volvendo uma srie de atores dos setores

    progressistas (entre juristas, funcionrios

    pblicos, militantes de movimentos so-

    ciais e comunitrios), demandando a de-fesa dos direitos dessas crianas para que

    passassem a ser tratadas como sujeitos de

    direitos e no como elementos perigosos

    para a sociedade.

    1.1 HISTRICO

    Foi, nesse sentido, durante todo o scu-

    lo 20, um componente do debate poltico,

    mas no propriamente como um tema re-

    lativo ao debate sobre as polticas pbli-

    cas ou relativo ao debate sobre os direitos

    sociais. A emergncia do tema das polti-

    cas pblicas de juventude, e dos direitos

    que devem ser garantidos aos jovens, data

    de cerca de dez anos atrs, de certo modo

    acompanhando uma tendncia presente

    h mais tempo em outros pases do nosso

    continente. O processo brasileiro guarda,

    contudo, algumas particularidades.

    Aqui, as aes desencadeadas pe-

    las agncias da Organizao das Naes

    Unidas (ONU) a partir do Ano Interna-

    cional da Juventude, em 1985, no ti-

    veram a mesma repercusso que em

    outros lugares, produzindo pequeno im-

    pacto na formulao de programas ou

    organismos especficos de polticas paraesse segmento. Naquele momento, o

    tema em relevncia no era o da juven-

    tude, mas o da infncia.

    Durante todo o ltimo quartel do scu-

    lo passado, o foco da preocupao ficou

    centrado na questo das crianas e dos

    adolescentes em situao de risco, que

    emergiu como um tema de extrema gravi-

    dade e desencadeou tanto uma onda de

    pnico social como uma importante mo-

    bilizao em torno da defesa dos direitosdesses segmentos.1 Isso polarizou o deba-

    te no que diz respeito juventude, fazen-

    do com que o termo, por muito tempo, se

    referisse ao perodo da adolescncia, mui-

    tas vezes como algo indistinto da infncia.

    A juventude, propriamente dita, ficou

    de fora do escopo das aes e do deba-

    te sobre direitos e cidadania. Nesse pe-

    rodo, a juventude foi tematizada apenas

    No Brasil, o tema da juventude encontrou inflexes

    significativas nas ltimas dcadas. At os anos 1970,foi enfocada, principalmente, por meio da avaliaode sua capacidade de ser vetor de modernidadee transformao poltica e comportamental: ajuventude era identificada com o segmento de jovensescolarizados das classes mdias que podiam vivera moratria e a escolarizao secundria e superior;o interesse poltico se dirigia para o papel que(principalmente, por meio dos movimentos estudantis,da contracultura e do engajamento em partidos

    polticos de esquerda) jogava na continuidade ou natransformao do sistema cultural e poltico.

    1 Engendrando aes da sociedadecivil e do Estado e resultando noEstatuto da Criana e do Adolescente(ECA), que se tornou instrumentofundamental para implantar a idia decrianas e adolescentes como sujeitosde direitos.

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    com base em sua ausncia ou apatia, em

    contraste com as geraes passadas, en-gajadas e propositivas.

    O que parece valer a pena ressaltar

    que a juventude, como tema poltico,

    emerge depois do processo de redemo-

    cratizao da sociedade brasileira, de-

    pois do momento de debate mais intenso

    sobre a consolidao dos direitos de ci-

    dadania, que se corporificou no proces-

    so da Constituinte no fim da dcada de

    1980. Os sujeitos desse processo foram

    os movimentos sociais que se articula-

    ram (a maioria nos anos 1970, mas al-

    guns antes), sobretudo, pela retomada

    da democracia e pela constituio de po-

    lticas setoriais (como educao, sade

    e trabalho). Entre eles, estavam os cha-

    mados novos movimentos sociais, com

    novas identidades e pautas, e em torno

    de condies singulares, como os mo-

    vimentos de negros e mulheres. , tam-

    bm, nesse perodo, que emerge a pautados direitos das crianas e dos adoles-

    centes. Boa parte dos conselhos mais

    consolidados, no mbito do governo fe-

    deral, resulta da articulao e da con-

    solidao desses movimentos e de suas

    bandeiras na esfera pblica.

    No entanto, nesse momento, a juven-

    tude no se colocou como questo polti-

    ca, como tema para os direitos e para as

    polticas pblicas. Ficou, como tema, fora

    do processo, embora muitos jovens e or-ganizaes juvenis tenham participado

    ativamente da luta pela redemocratizao

    e muitos jovens tenham participado da

    construo dessas pautas no interior de

    outros movimentos.

    Nos ltimos dez anos, o debate sobre

    a juventude e, principalmente, sobre po-

    lticas pblicas para o segmento aumen-

    tou bastante, envolvendo uma mirade de

    atores de mbitos distintos e em diferentes

    arenas pblicas: gestores locais buscandose articular e aumentar sua fora poltica e

    oramentria; ONGs e entidades da socie-

    dade civil aumentando o escopo de suas

    aes e procurando constituir redes para

    propor e executar polticas pblicas; fun-

    daes empresariais e organismos de coo-

    perao internacional financiando projetos

    da sociedade civil e programas pblicos;

    ncleos acadmicos e instituies ligadas

    ONU realizando pesquisas para diagns-

    ticos e fomentando espaos pblicos de

    debate; parlamentares instituindo comis-

    ses pblicas no mbito legislativo para o

    acompanhamento e a proposio de polti-

    cas pblicas e estabelecimento de marcos

    legais para o tema.

    Particularmente, nos ltimos cinco

    anos, esse processo se intensificou com a

    configurao de atores e espaos mais ar-

    ticulados e visveis e a recente criao de

    uma estrutura nacional para o desenvolvi-mento de polticas especificamente pensa-

    das para a juventude. possvel identificar

    algumas vertentes que contriburam para

    a criao do ambiente que permitiu, final-

    mente, que a juventude emergisse como

    tema de poltica do Estado.

    Por um lado, a presso de diferentes

    atores juvenis, principalmente aqueles vin-

    culados aos partidos progressistas e de es-

    querda, assim como por certos atores e

    movimentos juvenis (as entidades estudan-tis, de um lado, os movimentos culturais e

    identitrios, de outro), para a participao

    nos governos de carter democrtico e po-

    pular que conquistaram mbitos executi-

    vos locais e estaduais. A principal deman-

    da era a criao de organismos gestores

    para a formulao e execuo de polticas

    especficas para a juventude e a participa-

    o nesses processos.

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    Ao mesmo tempo, diferentes tipos de

    grupos juvenis, principalmente os ligados

    a atuaes culturais e comunitrias, co-

    mearam a estabelecer dilogo com os

    poderes pblicos para reivindicar espa-

    os e aes voltadas para suas ativida-

    des, como a criao de festivais, shows,

    centros comunitrios e/ou culturais, ofi-

    cinas de formao em linguagens cultu-rais, desenvolvimento de programas es-

    pecficos de sade, ao comunitria etc.

    possvel dizer que foi, principalmente,

    a ao desses e de outros grupos juve-

    nis em diferentes espaos de interlocu-

    o com o poder pblico que comeou

    a montar a pauta atual de polticas mul-

    tissetoriais e diversificadas de juventude

    para alm das tradicionalmente incorpo-

    radas aos programas partidrios, como

    educao e segurana. A apresentao

    de demandas nos centros de referncia

    de juventude, nas assemblias de ora-

    mento participativo, nos congressos de

    cidade, nas conferncias municipais con-

    vocadas pelos organismos gestores foram

    tornando visveis questes especficas e,

    assim, a lgica de necessidades singula-

    res alcanou algum grau de reconheci-

    mento por parte de outros atores sociais.

    Numa outra linha, o desenvolvimen-to de projetos pela sociedade civil, entre

    ONGs e entidades de apoio dos mais di-

    versos tipos, apoiadas por organismos de

    cooperao internacional e por fundaes

    empresariais, tambm compe um acer-

    vo de experincias na conformao do en-

    tendimento das respostas a serem dadas

    s questes identificadas nesse segmento.

    Fundamentalmente, com base em uma vi-

    so da necessidade de operar um resgate

    da dvida social com os segmentos pobresou vulnerveis da juventude, esses atores

    buscaram recuperar a possibilidade de jo-

    vens terem acesso a certos servios, de-

    mandando o direito a viver a juventude,

    o que significava, em grande medida, usu-

    fruir da moratria que jovens de classes

    mdias e altas j usufruam, com progra-

    mas de formao educativa e/ou de retor-

    no escola, alm da possibilidade de viver

    o tempo livre. Concomitantemente, aes

    foram estruturadas para dirimir, resga-

    tar ou prevenir os problemas engendrados

    pelas situaes de vulnerabilidade, princi-

    palmente a violncia, as doenas sexual-

    mente transmissveis e a gravidez precoce,

    que os afastavam da vivncia juvenil. Dife-

    rentes aes nas reas de sade, educa-

    o e cultura vo construindo os eixos pe-los quais programas e projetos pilotos se

    organizam como repertrios comuns. So

    esses eixos que orientaro muitos dos pri-

    meiros programas governamentais, no

    raro realizados em forma de parceria entre

    Estado e ONGs.

    Iniciativas desenvolvidas por agn-

    cias da ONU (como Organizao das Na-

    es Unidas para a Educao, a Cincia e

    a Cultura Unesco; Programa das Naes

    Unidas para o Desenvolvimento PNUD;

    Fundo de Populao das Naes Unidas

    FNUAP) ajudaram a construir e conso-

    lidar (por meio de pesquisas, seminrios,

    oficinas de capacitao, trocas de experi-

    ncias em fruns internacionais e apoios a

    programas e projetos de cooperao tcni-

    ca) certos conceitos e certas diretrizes de

    ao nesse repertrio, principalmente nos

    temas de educao e sade.

    A partir de determinado momento,atores polticos (basicamente aqueles li-

    gados a partidos de esquerda, como o

    Partido dos Trabalhadores PT e o Par-

    tido Comunista do Brasil PCdoB) en-

    campam o assunto, dispostos a transfor-

    mar a juventude em tema de relevncia

    poltica nacional. Vrios processos so

    desencadeados, sendo um dos mais sig-

    nificativos o desenvolvimento do Projeto

    Juventude, entre 2003 e 2004, quando o

    Instituto Cidadania promoveu amplo pro-cesso de discusso envolvendo organi-

    zaes juvenis, pesquisadores e pesqui-

    sadoras, representantes de movimentos

    sociais, de ONGs, de fundaes empre-

    sariais, gestores, intelectuais etc., em

    uma srie de seminrios, oficinas e ple-

    nrias, produzindo pesquisas e publica-

    es com o propsito de elaborar um do-

    cumento de referncia e uma proposio

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    de polticas de juventude para o pas. Na

    verdade, tal processo j foi desenvolvido

    em resposta a uma sinalizao emitida

    pelo recm-eleito presidente Lula, a par-

    tir de sua disposio de tomar o tema da

    juventude como uma de suas preocupa-

    es centrais.

    assim que, em 2003, o governo fe-

    deral, pela primeira vez no pas, instalouum canal para a articulao dos seus

    programas setoriais de juventude (com

    a criao de um grupo de trabalho inter-

    ministerial), que resultou na criao de

    um arcabouo institucional especfico

    para polticas de juventude em 2005: a

    Secretaria Nacional de Juventude, com

    carter de articulao entre as polticas

    desenvolvidas pelos diferentes minist-

    rios, e o Conselho Nacional de Juventu-

    de (Conjuve), rgo de articulao entre

    governo e sociedade civil, consultivo e

    propositivo. Ao mesmo tempo, o governo

    federal definiu a execuo de um grande

    programa nacional de incluso dirigido

    a jovens entre 18 e 24 anos em situao

    de vulnerabilidade social (fora da escola

    e do trabalho, sem ter ainda concludo o

    ensino fundamental). Apesar desse pro-

    cesso estar, ainda, no incio, foi o maior

    avano na consolidao pblica do temaat aqui.

    Em 2003, foi tambm criada a Fren-

    te Parlamentar de Juventude na Cmara

    Federal, que organizou uma srie de au-

    dincias pblicas em torno do tema, as-

    sim como um seminrio e uma confern-

    cia nacional voltados para a estruturao

    de um Plano Nacional de Juventude,

    convertido em projeto de lei em tramita-

    o. Os parlamentares envolvidos nes-

    sa frente tambm tm tido atuao signi-ficativa na aprovao dos decretos e das

    leis propostas pelo governo federal para a

    criao dos rgos e programas dirigidos

    a esse segmento.

    Houve dilogo e certa articulao en-

    tre os processos, o que contribuiu para

    a criao de uma pauta poltica em tor-

    no do tema, apesar da diferena de m-

    bitos, de escopos e de perspectivas entre

    eles. desse modo, tambm, que a idia

    da existncia de direitos da juventude co-

    mea a ser esboada, embora ainda no

    tenha adquirido consistncia poltica real,

    como veremos adiante.

    1.2 DIAGNSTICOS

    O debate pblico sobre juventude se con-

    centrou muito mais nas possibilidades e

    nos entraves para a participao dos jo-

    vens nos processos de reconstituio de-

    mocrtica e nos modos de resgat-los

    das situaes de risco e vulnerabilida-

    de em que se viram crescentemente en-

    volvidos que nas suas necessidades e

    nos seus direitos. No possvel dizer

    que havia, nesse sentido, uma pauta j

    consolidada de demandas ou de reivin-

    dicaes relativas aos direitos dos jovens

    quando os aparatos institucionais para a

    formulao de polticas pblicas de ju-

    ventude foram montados. Havia um acer-

    vo multifacetado e bastante desarticula-

    do de questes publicamente expressas,

    de propostas e experincias-piloto (tan-

    to no mbito governamental como no das

    ONGs), mas poucos espaos de articula-

    o e negociao dessas demandas. Res-taram, assim, muitos hiatos e muitas po-

    lmicas mal enfrentadas a respeito da

    composio dessa pauta.

    possvel dizer que a construo da

    pauta de direitos a serem garantidos pelo

    Estado (e exigidos pelos atores da so-

    ciedade civil) ainda est sendo feita, as-

    sim como est em debate a definio da

    perspectiva que orienta a constituio

    do paradigma dos jovens como sujeitos

    de direitos. O processo de construo deuma poltica nacional de juventude en-

    tre poder executivo, legislativo e socieda-

    de civil est sendo feito em meio a esse

    acelerado, mas ainda frgil, processo de

    debate pblico. A formulao de progra-

    mas com investimento oramentrio sig-

    nificativo por parte do governo federal e

    a montagem de estruturas institucionais

    tm interferido nesse processo. Como

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    lembram Marlia Sposito, Hamilton Harley

    de Carvalho Silva e Nilton Alves Souza,

    a conformao de polticas e programas

    pblicos no sofre apenas os efeitos de

    concepes, mas pode provocar modula-

    es nas imagens dominantes que a so-

    ciedade constri sobre os sujeitos jovens

    (Sposito; Silva; Souza, 2006).

    Deve ser ressaltado que cresceumuito, nos ltimos anos, a legitimidade

    poltica do tema e o espectro de atores

    que se acercam desse campo de aes

    e debates, como o movimento sindical,

    o Movimento dos Sem Terra (MST), mo-

    vimentos de mulheres, pela liberdade de

    orientao sexual, alm do crescente n-

    mero de ONGs, fundaes empresariais,

    instituies religiosas etc. Mesmo assim,

    h ainda invisibilidade e incompreenses

    a respeito do tema tanto quanto interro-

    gaes e polmicas nas formas de abor-

    dagem, at mesmo relacionadas pr-

    pria pertinncia da constituio desse

    campo de atuao. H desde uma inter-

    rogao genrica sobre a validade para

    o fortalecimento dos princpios da demo-

    cracia e da universalidade dos direitos,

    da afirmao das singularidades identi-

    trias (e, nesse sentido, por que fortale-

    cer mais um movimento identitrio?), atdiferentes tipos de dvidas ou contesta-

    es da consistncia da singularidade

    juvenil para a produo de uma alterida-

    de poltica significativa.

    Com relao a esse ltimo ponto,

    existem pelo menos trs linhas de contes-

    tao. Primeiro, o questionamento sobre

    a possibilidade de construo de uma

    identidade poltica com base em uma

    condio passageira e no permanente,

    como so as identidades relacionadas afases do ciclo da vida (diferentes, nesse

    sentido, da condio fundada no gne-

    ro ou na raa/etnia). Em segundo lugar (e

    esta tem sido uma das mais fortes fontes

    de resistncia manifestadas por parte dos

    atores envolvidos no campo da defesa

    dos direitos de segmentos vulnerveis), a

    discusso sobre a pertinncia de consti-

    tuio de um campo relacionado juven-

    tude separado do da infncia e da ado-

    lescncia baseada em argumentos que

    questionam a existncia de diferenas

    significativas entre essas fases do ciclo de

    vida que justifiquem a conformao de

    polticas, equipamentos, estrutura institu-

    cional e marco legal diferenciados para a

    juventude, alm da oportunidade poltica

    de desviar recursos, financeiros e polti-cos (de militncia), do campo da infncia

    para o da juventude, uma vez que a pri-

    meira foi definida, constitucionalmente,

    como prioridade nacional. A terceira linha

    de questionamentos diz respeito pos-

    sibilidade de tomar a juventude como

    segmento para alm das diferenas e de-

    sigualdades internas, to profundas que

    explodiriam a possibilidade de pensar em

    direitos gerais da juventude ou de polti-

    cas universais a ela dirigidas.

    A ltima linha tem sido desenvolvi-

    da no interior do prprio campo de de-

    bate sobre as polticas de juventude, em

    torno da crescente produo de dados,

    reflexes e manifestaes sobre os dife-

    rentes aspectos e as diferentes situaes

    que compem o imenso mosaico que

    o universo juvenil brasileiro. Ela se as-

    socia ao debate relacionado s definies

    contemporneas sobre a condio juve-nil ou sobre o conceito de juventude to-

    mado para definir as aes polticas. in-

    teressante verificar que o item conceito

    de juventude tem entrado em todos os

    documentos e processos de debate vol-

    tados para a definio das polticas e dos

    rumos de atuaes poltica dos jovens,

    o que pode, de certo modo, revelar um

    processo de definio de um novo para-

    digma em torno do qual o tema pode ser

    pensado e enfrentado.Parece relevante, aqui, localizar duas

    questes sobre as quais parte desse de-

    bate conceitual tem se processado.

    Uma delas diz respeito posio relacio-

    nada necessidade de considerar dife-

    renas e desigualdades que percorrem

    o segmento, reafirmada na insistncia

    em usar o termo no plural juventu-

    des para evitar o risco de naturalizar

  • 8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil

    13/92

    13Relatrio Nacional do Brasil

    uma condio que social e historica-

    mente construda e para no reprodu-

    zir desigualdades ao tomar o todo pela

    parte. Assim, boa parte do esforo atu-

    al dos diagnsticos e do debate se diri-

    ge considerao de diferenas e de-

    sigualdades, assim como boa parte do

    esforo poltico se dirige busca de in-

    corporar no processo de construo dasarenas de debate atores juvenis dos dife-

    rentes segmentos. No entanto, ainda no

    est equacionado, no debate, o que si-

    milar e o que diferencial na juventude.

    No plano conceitual, avana-se na bus-

    ca para estabelecer uma diferena entre

    condio, que diz respeito ao modo como

    uma sociedade constitui e atribui signi-

    ficado a esse momento do ciclo de vida,

    e que alcana abrangncia social maior

    quando referida a uma dimenso hist-

    rico-geracional, e situao, que revela

    o modo como tal condio vivida com

    base nos diversos recortes relaciona-

    dos s diferenas sociais classe, gne-

    ro, etnia etc. (Abad, 2003; Sposito, 2003;

    Abramo, 2005 a e b). Porm, no plano

    poltico, ainda muito incipiente o debate

    sobre o que comum juventude e, por-

    tanto, de quais seriam as pautas comuns

    aos jovens brasileiros.H, tambm, outra questo relati-

    va ao entendimento do significado da

    condio juvenil contempornea. Se h

    compreenso generalizada sobre sua

    transformao no atual momento hist-

    rico, h diferenas de interpretao dos

    sentidos dessa mudana, principalmen-

    te em torno do entendimento sobre o ca-

    rter da moratria, sobre se h acentu-

    ao ou diluio desse fenmeno, se a

    tendncia o adiamento generalizadoda entrada na vida adulta ou o estabele-

    cimento de uma relao peculiar de in-

    sero e experimentao. Dito de ou-

    tro modo: se o contedo da transio se

    faz como passagem de uma etapa a ou-

    tra (da infncia idade adulta, da esco-

    la ao trabalho, como etapas sucessivas

    e opostas) ou se muito mais o desen-

    volvimento de uma trajetria de inser-

    o, longa e plena, de contedo prprio,

    o que confere condio juvenil uma

    dupla dimenso a ser considerada a

    preparao para a vida futura e a expe-

    rimentao da vida presente. Aqui, con-

    tudo, preciso dizer que ainda predomi-

    na, na postura da maior parte dos atores

    e na formulao das polticas destinadas

    aos jovens, o paradigma da juventudecomo perodo preparatrio:2 esta viso

    do jovem como sujeito em preparao

    e, portanto, como receptor de formao,

    o eixo que predomina em quase to-

    das as aes a ele dirigidas, combinada

    aos mais diferentes paradigmas, no s

    nas polticas pblicas estatais (Abramo,

    2005b). Como aponta Livia De Tommasi

    em texto de anlise sobre o trabalho de

    ONGs brasileiras com jovens, a abor-

    dagem principal aquela orientada pela

    idia de formao (Tommasi, 2004).

    Alm disso, a relao que os adultos (os

    militantes, tcnicos e funcionrios das

    ONGs) estabelecem com os jovens, em

    qualquer projeto desenvolvido, a de

    educadores (Abramo, 2005).

    H, contudo, um esforo despendido

    por parte de vrios atores no sentido de

    construir outra abordagem, que pode ser

    observado no documento publicado peloConselho Nacional de Juventude:

    Mas a vivncia juvenil na contem-poraneidade tem se mostrado maiscomplexa, combinando processosformativos com processos de ex-perimentao e construo de tra-jetrias que incluem a insero nomundo do trabalho, a definio de

    identidades, a vivncia da sexuali-dade, da sociabilidade, do lazer, da

    fruio e criao cultural e da parti-cipao social. [...] Assim, a tendn-cia ao prolongamento e multiplici-dade de dimenses da vida juvenilprovocariam a considerao de doiseixos de viso sobre os jovens: suavida presente (a fruio da juventu-de) e sua projeo para o futuro (osmodos pelos quais deixam de serjovens para se tornarem adultos).

    2 Por exemplo, isso pode ser visto nadefinio constante de um dos diag-nsticos mais importantes realizadosrecentemente: Esta deciso estrelacionada ao conceito de juventudeaqui adotado, como fase de transio,em que cada sociedade define umtempo socialmente necessrio para atransformao dos jovens de depen-dentes em adultos autnomos eprodutivos. As atividades dos jovens,desse modo, remetem preparao eao aprendizado para o cumprimentodos papis de adulto na sociedade(Waiselfisz, 2004).

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    Desse modo, no s as possibilida-des de formao para o exerccio davida adulta tm que ser considera-das, mas tambm as possibilidadespara a vida juvenil. Disso decorre aimportncia de considerar essa mul-tiplicidade das dimenses(Novaes;Cara; Silva; Papa, 2006).

    De todo o modo, esse um debate

    que informa e, ao mesmo tempo, se en-

    riquece com a definio das polticas e

    dos diagnsticos que orientam sua for-

    mulao. Esse , tambm, um ponto no

    qual academia, tcnicos de informao,

    gestores e militantes de diversos campos

    tm se encontrado e confrontado ,

    ajudando a construir as representaes

    em torno das quais as disputas polti-

    cas se processam. Nesse processo, tem

    crescido a produo de informaes,

    pesquisas e reflexes sobre a juventu-

    de brasileira, embora muito ainda tenha

    que ser feito. preciso superar a natu-

    reza episdica dos estudos realizados e

    criar espaos mais permanentes de re-

    flexo que permitam gerar acmulo de

    conhecimento, assim como afinamento

    das informaes sobre as mltiplas e di-

    ferentes questes que afetam os jovens.No interior do debate, diversos so

    os pontos de partida para o delineamen-

    to das questes da juventude. Um de-

    les o que foca nas condies e possi-

    bilidades da participao dos jovens na

    conservao ou transformao da socie-

    dade e seus traos dominantes, exami-

    nando, valores, opinies, atuao social

    e poltica para avaliar como os jovens

    podem vir a interferir no destino do pas

    e tambm nas questes singulares queos afetam. Outro ponto importante o

    que toma a juventude como contingen-

    te demogrfico e busca verificar as ca-

    ractersticas das situaes de incluso e

    excluso dos diferentes subgrupos de jo-

    vens, e das vulnerabilidades que os afe-

    tam especialmente, para concluir sobre

    os focos prioritrios para as polticas so-

    ciais necessrias. H, tambm, aque-

    le que, partindo da postulao do jovem

    como sujeito de direitos, busca examinar

    o que constitui a singularidade da con-

    dio juvenil e quais so os direitos que

    dela emergem e que devem ser garanti-

    dos por meio de polticas pblicas.

    A maior parte dos documentos dirigi-

    dos para o debate das polticas pblicas,

    apesar de afirmarem a postulao dos jo-vens como sujeitos de direitos e a neces-

    sidade de incorporar a participao dos

    jovens tanto nos processos sociais mais

    amplos como na prpria definio e im-

    plementao das polticas a eles dirigidas

    (como protagonistas na busca de solu-

    es para sua vida e para a comunidade,

    como agentes estratgicos para o desen-

    volvimento ou como sujeitos fundamen-

    tais para a transformao, dependen-

    do da vertente), desenham as questes

    da juventude que devem ser enfrentadas

    pela sociedade, gerando respostas de

    polticas pblicas principalmente, pela

    segunda senda acima enumerada.

    Um rpido exame de parte desses

    documentos nos revela as questes dese-

    nhadas no debate atual sobre a juventu-

    de brasileira.

    A primeira questo ressaltada o

    peso demogrfico da populao juve-nil brasileira, argumento inicial e evi-

    dente da importncia e magnitude do

    tema: segundo dados do Instituto Bra-

    sileiro de Geografia e Estatstica (IBGE),

    em 2005, o pas contava com cerca de

    35 milhes de pessoas entre 15 e 24

    anos (representando 19% da populao

    do pas); computada a faixa entre 15 e

    29 anos, os nmeros sobem para mais

    de 50 milhes de jovens, representando

    mais de um quarto (27%) do total dosbrasileiros.3

    A anlise demogrfica ganha rele-

    vncia, tambm, por meio da referncia

    ao fenmeno da onda jovem alarga-

    mento momentneo da faixa etria ju-

    venil na virada do sculo 20 para o 21,

    constituindo, naquele momento, a popu-

    lao juvenil como o grupo qinqenal

    mais numeroso da estrutura etria bra-

    3 Quando o debate se instituiu, emmeado dos anos 1990, o recorteetrio adotado pela maior parte dosatores e das instituies foi o de 15 a24 anos, tomando as referncias dasagncias da Organizao das NaesUnidas. Mas quando a estrutura ins-titucional federal criada, em 2005,toma como definio a faixa maislarga, ampliada at os 29 anos. Noentanto, a maior parte dos dados con-solidados pelos institutos de pesquisase refere ao primeiro recorte.

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    15Relatrio Nacional do Brasil

    sileira (cf. Madeira, 1998; Rua, 1998).

    Esse fenmeno foi (e ainda ) ampla-

    mente citado como fator constituinte da

    emergncia da juventude na agenda p-

    blica, uma vez que acentua a presso

    que os jovens exercem sobre o mercado

    de trabalho e os servios oferecidos pelo

    Estado (educao, sade etc.), tal como

    aparece no Documento-base para a IConferncia Nacional de Juventude:

    Esse grupo etrio nunca foi (e nemser, desde que se mantenham astendncias demogrficas) to nu-meroso, em termos absolutos, como hoje. Essa onda jovem tem gera-do, ao mesmo tempo, preocupaoe esperana. A preocupao por-que o Estado no se preparou parareceber adequadamente esse enor-me contingente de jovens. A ofertade bens e servios pblicos insu-ficiente para atender toda a deman-da(Secretaria Nacional da Juventu-de, 2007).

    Muitos tm buscado ressaltar a pos-

    sibilidade de ver como oportunidade esse

    bnus populacional, apostando no re-

    torno de contribuio que essa gerao

    pode dar sociedade se receber adequa-do investimento para o desenvolvimento.

    H, porm, quem questione o peso

    do argumento, alertando para o fato

    de que os jovens j tiveram maior peso

    na composio da populao do pas e

    nunca foram incorporados com facilida-

    de ao mercado de trabalho, assim como

    nunca se alcanou cobertura comple-

    ta dos servios oferecidos pelo Estado,

    nem mesmo dos servios educacionais

    (Porchmann, 2004). Fundamentadasnum outro tipo de percepo, as neces-

    sidades e questes dos jovens so com-

    preendidas como componentes da dvi-

    da social histrica que o pas tem com

    as classes desapossadas e, particular-

    mente, como conseqncias do mode-

    lo econmico adotado nas ltimas dca-

    das. A falta de crescimento econmico,

    a crise no universo laboral gerada pela

    reestruturao produtiva, o desmonte

    do estado pelo neoliberalismo, a des-

    responsabilizao do poder pblico com

    relao questo social so entendidos

    como fatores de aprofundamento da de-

    sigualdade e da gerao de novas for-

    mas de excluso, num processo que

    atinge, especialmente, os jovens.

    As altas taxas de desemprego e aprecariedade da ocupao profissional

    dos jovens apontam as dificuldades de

    incluso que a juventude brasileira tem

    de enfrentar: no comeo da dcada, em

    2001, a taxa de desemprego aberto es-

    tava em torno de 18% e a mdia brasi-

    leira era de 9,4%. Naquele ano, cerca

    de 3,7 milhes de jovens estavam sem

    trabalho, representando 47% dos de-

    sempregados do pas.

    Nesse sentido, tem sido chamada a

    ateno para a singularidade da experi-

    ncia histrica dessa gerao quanto s

    dificuldades de construir perspectivas de

    vida e processar a insero social (pro-

    cessos constituintes da juventude) num

    momento histrico que se verifica o agra-

    vamento das desigualdades e da exclu-

    so, ou seja, as dificuldades relativas a

    entrar numa sociedade onde cabe cada

    vez menos gente. Para alguns (ver, porexemplo, Abramo e Novaes) essa expe-

    rincia geracional que faz com que os jo-

    vens tenham passado a ocupar o centro

    das questes que comovem o pas (Ins-

    tituto Cidadania, 2004).

    Em todos os documentos e diagns-

    ticos, os dados indicando as diferen-

    tes situaes de excluso, assim como

    de risco e vulnerabilidade social, so

    os mais acionados para compor o qua-

    dro de questes da juventude e de ar-gumentos a respeito da urgncia em de-

    senvolver repostas que a resgate dessas

    situaes. A questo da vulnerabilidade

    e do risco entendida tanto pela chave

    do resultado de processos cumulativos

    de excluso como pela de caractersticas

    comportamentais associadas idade:

    Exibir acentuada vulnerabilidade for-

    mao de hbitos e padres de compor-

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    16 Ibase | Plis

    tamento de risco, bem como morte por

    causas externas e a formas diversas de

    morbidade devido maternidade pre-

    coce, uso de drogas, acidentes de trn-

    sito, violncia fsica, AIDS (Rua, 1998).4

    possvel dizer que essas so as ques-

    tes que polarizam o empenho de en-

    frentamento tanto por parte do governo

    como por parte dos atores que desen-volvem projetos de ao social dirigidos

    a jovens. Uma srie de indicadores tem

    sido construda para definir e permitir a

    focalizao desses segmentos como al-

    vos prioritrios de ao pblica.

    A questo do envolvimento dos jo-

    vens com a violncia, como autores e v-

    timas, aparece como o tema mais dra-

    mtico na composio das questes. Os

    dados de mortalidade, tomados como

    os principais indicadores desse envol-

    vimento, iluminam o tamanho do pro-

    blema e se tornam parte constitutiva do

    argumento central a partir do qual as

    aes dirigidas aos jovens podem ga-

    nhar legitimidade como alvo a ser atingi-

    do. A preocupao com o tema cresce,

    onipresente, e sua magnitude torna-

    se eloqente. Em 2002, a Unesco pu-

    blicou documento apontando que a taxa

    de homicdios entre a populao juvenilera de 54,5 para cada 100.000, contra

    21,7 para o resto da populao. Os prin-

    cipais atingidos so os jovens do sexo

    masculino, negros e moradores de regi-

    es com pouca infra-estrutura e presen-

    a de grupos criminosos. O envolvimen-

    to com o crime e, principalmente, com o

    narcotrfico uma das principais faces

    do problema, seguido da suspeio e re-

    presso por parte dos aparatos policias,

    que constitui outra fonte de relaes vio-lentas. Outro dado significativo revela

    que mais de 50% das pessoas com pri-

    vao de liberdade no pas tm entre 20

    e 29 anos.

    H, contudo, crescentemente, pre-

    ocupao em no construir uma abor-

    dagem da juventude como problema e,

    principalmente, no reforar a estigma-

    tizao que se abate sobre certos seg-

    mentos juvenis. Embora muitos setores

    permaneam ancorados numa perspec-

    tiva de abordagem criminalizadora da

    juventude (em alguns casos, num pro-

    cesso de radicalizao, como atestam

    os ataques ao ECA5 e as proposies

    de reduo da idade de responsabilida-

    de penal), outros buscam respostas no-

    vas para o dilema de enfrentar o proble-ma sem transform-lo na nica maneira

    pela qual os jovens aparecem como me-

    recedores de ateno por parte da so-

    ciedade e do Estado, sem transformar os

    jovens pobres na verso atualizada das

    classes perigosas. Afirmaes so de-

    senvolvidas para reforar a necessria

    ampliao do escopo do foco da ateno

    do Estado e produzir uma abordagem

    fundada no cumprimento dos mltiplos

    direitos, construindo pontes e conexes

    entre as polticas estruturantes e aquelas

    emergenciais e compensatrias, e para

    superar a reproduo da abordagem di-

    cotmica estabelecida no pas a respeito

    da juventude.

    No entanto, essa , ainda, uma das

    polmicas mais profundas na formatao

    do entendimento sobre a necessidade

    de polticas para jovens. Boa parte do es-

    foro atual de construo dos novos pro-gramas e das novas polticas para jovens

    acontece com base nesse paradigma.

    H, muito disseminado, entendimento de

    que na vulnerabilidade e exposio aos

    riscos que reside a singularidade da ju-

    ventude e que por isso devem ser gera-

    das polticas especficas. Isso pode ser

    visto neste trecho de recente e importan-

    te documento de avaliao de um progra-

    ma federal dirigido aos jovens:

    Recentemente, no entanto, a deman-da por polticas para juventude temum sentido mais preciso, em que oproblema da juventude se articulaem torno de segmentaes socioeco-nmicas, raciais e de classe, das mu-danas recentes no mercado de tra-balho e da associao entre violnciae falta de oportunidades de educa-o e trabalho. Neste sentido, trata-

    4 Ver, tambm, documentos maisrecentes, como o captulo V do livroBrasil: o estado de uma nao,publicado pelo Ipea, em 2005, eorganizado por Fernando Rezende ePaulo Tafner.5 Estatuto da Criana e do Adoles-cente, marco legal de referncia aosdireitos da infncia e adolescncia.

  • 8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil

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    17Relatrio Nacional do Brasil

    se agora de uma demanda por aesfocalizadas, uma vez que o pblico-alvo das mesmas tende a ser definidoem termos de necessidade, pobrezaou risco(Cardoso et al, 2006).

    importante ressaltar que, como

    j anunciamos acima, comeam a ga-

    nhar ateno as informaes que permi-tem mapear as diferenas e desigualda-

    des entre os jovens. Os atores juvenis do

    campo tm insistido para que a juventu-

    de rural no fique apartada do debate so-

    bre os diagnsticos e as proposies po-

    lticas. Embora representem apenas 19%

    da populao juvenil brasileira, persisten-

    te presena de atores significativamen-

    te consolidados tm logrado superar essa

    invisibilidade e pontuar suas questes,

    que abrangem, simultaneamente, dife-

    renas internas (por exemplo, as existen-

    tes entre jovens de famlias de pequenos

    proprietrios rurais e os trabalhadores as-

    salariados) e semelhanas com questes

    vividas pelos jovens do meio urbano.

    Outras singularidades tambm ocu-

    pam espao: as diferenas raciais, so-

    bre as quais o debate comea a se am-

    pliar da denncia das desigualdades para

    a formulao de aes afirmativas quepermitam resgatar a dvida histrica, e as

    questes de gnero, que ganham amplia-

    o de enfoques a partir da militncia de

    grupos de jovens mulheres que propem

    inflexes novas em temas como os dos

    direitos sexuais e reprodutivos. Alm des-

    ses, h os temas emergentes ainda inci-

    pientes, mas que tm logrado conquistar

    ateno significativa a partir de uma for-

    te militncia de pequenos grupos, como

    os relativos liberdade de orientao se-xual e aos grupos com deficincia. Outra

    dimenso que envolve um esforo de ex-

    plicitao quando se trata de pensar os

    parmetros para a elaborao de polti-

    cas a da considerao das diferenas

    nas faixas etrias internas categoria ju-

    ventude, principalmente no que diz res-

    peito diferena entre adolescentes e jo-

    vens adultos.

    Para a composio do quadro de ne-

    cessidades e questes da juventude so

    tomados, com larga margem de impor-

    tncia, os dados sobre a situao educa-

    cional, principalmente os que permitem

    indicar os avanos e as entraves na eleva-

    o da escolaridade da juventude brasilei-

    ra, que apresenta ndices bem abaixo dos

    de outros pases do continente: na mdia,menos de oito anos de estudo.

    Nesse tema, coincidente a consta-

    tao do avano na cobertura educacio-

    nal e nos anos de escolaridade com re-

    lao s geraes passadas (o nmero

    de estudantes passa de 11,7 milhes em

    1995 para 16,2 milhes em 2001). En-

    tre 1995 e 2001, o nmero de pessoas

    de 15 a 24 anos que freqentavam a es-

    cola cresceu 38,5%, o que corresponde

    ao acrscimo de 4,5 milhes de jovens

    condio de estudantes.

    Mas, mesmo assim, o pas ainda no

    oferece aos jovens oportunidades ade-

    quadas para a educao. H problemas

    de oferta de educao pblica nos graus

    mdio e superior, persistindo dificuldades

    para que amplas parcelas de jovens per-

    severem na trajetria escolar, assim como

    graves problemas de qualidade do ensino.

    Apesar do crescimento de freqn-cia, mais da metade dos jovens (em tor-

    no de 60%) j no est na escola. No ano

    de 2005, 18,4 milhes de jovens entre 15

    e 29 anos no haviam concludo o ensino

    bsico e no estavam freqentando ne-

    nhuma escola. Desses, 12,5 milhes no

    tinham sequer concludo o ensino funda-

    mental. Apenas a metade, aproximada-

    mente, chega ao ensino mdio. Alm dis-

    so, a defasagem idade/srie permanece

    como grave problema, atingindo cerca de60% dos jovens estudantes.

    Na maior parte dos documentos, tra-

    ta-se de verificar em que medida o direi-

    to fundamental educao est sendo

    atendido, alm de examinar de que modo

    as diferenas de acesso educao so

    condicionadas pelas desigualdades (e as

    reforam) existentes entre os diferentes

    segmentos juvenis.

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    19Relatrio Nacional do Brasil

    mos: 73% entre os jovens de mais baixa

    renda e 72% entre os de renda mais alta.

    J quando se considera o nvel de esco-

    laridade, as mais altas taxas de jovens na

    populao economicamente ativa (PEA)

    esto entre os de mais baixa escolarida-

    de (84% entre os jovens com at a quar-

    ta srie do ensino fundamental) e os de

    escolaridade mais alta (82% entre aque-les que tm o ensino superior). As maio-

    res desigualdades aparecem com rela-

    o possibilidade de encontrar trabalho

    e qualidade do trabalho encontrada:

    nessa faixa etria, o ndice de desempre-

    go aumenta na proporo inversa ren-

    da (cai de 47% nas duas primeiras faixas

    de renda para 27% na ltima). O mesmo

    com relao escolaridade: somente en-

    tre os jovens com ensino superior que

    a proporo de jovens trabalhando supe-

    ra (quase dobra) a de desempregados ou

    procurando emprego: 54% trabalhando,

    22% j desempregados e mais 6% pro-

    curando o primeiro emprego.

    No entanto, ainda tmida a preocu-

    pao com a qualidade do trabalho dos

    jovens, uma vez que o debate fica pola-

    rizado entre posies que defendem o

    retardamento da entrada dos jovens no

    mundo do trabalho enquanto se com-pleta sua escolarizao e os que bus-

    cam afirmar a perspectiva de garantir o

    direito ao trabalho.

    Nos ltimos anos, o que emerge

    como maior preocupao o segmen-

    to dos que no estudam nem trabalham,

    definido como a populao em situa-

    o de maior excluso e vulnerabilidade

    , que se transformaram no pblico-alvo

    prioritrio para as aes emergenciais e

    as polticas sociais.H, revelada por estudos qualitati-

    vos e pelas demandas de grupos juvenis

    de conformao cultural, uma crescente

    percepo da importncia das dimenses

    da cultura e sociabilidade na vida dos jo-

    vens que devem ser consideradas para

    a formulao das polticas. Na pesquisa

    Perfil da Juventude Brasileira, 15% dos

    entrevistados participavam de algum gru-

    po de jovens, sendo que 7% deles parti-

    cipavam de grupos de msica, dana e

    teatro. Em 2003, um mapeamento rea-

    lizado pela Prefeitura Municipal de So

    Paulo identificou que dos 1.609 grupos

    com participao de jovens, 35,8% dedi-

    cavam-se a formas diversas de manifes-

    taes artsticas.

    As interpretaes que ganham peso nopas entendem que o lazer apresenta-se:

    Como tempo sociolgico no qual a li-berdade de escolha preponderantee que se constitui, na fase da juven-tude, como campo potencial de cons-truo de identidades, descoberta depotencialidades humanas e exerc-cio de insero efetiva nas relaessociais. [...] No espao-tempo do la-zer, os jovens consolidam relaciona-mentos, consomem e re-significamprodutos culturais, geram fruio,sentidos estticos e processos deidentificao cultural. [...] Nos espa-

    os de lazer, os jovens podem encon-trar as possibilidades de experimen-tao de sua individualidade e dasmltiplas identidades necessrias aoconvvio cidado nas suas vrias es-feras de insero social. As diferentes

    prticas de experincia coletiva emespaos sociais pblicos de cultura elazer podem ser consideradas comoverdadeiros laboratrios onde se pro-cessam experincias e se produzemsubjetividades(Dayrell; Brenner; Car-rano, 2005).

    Porm, ainda pouco incorporada

    a idia de que a dimenso cultural deve

    ser tomada como direito a ser garantido.

    Geralmente, vista como meio de apro-ximao do pblico juvenil por meio do

    uso de linguagens desenvolvidas no in-

    terior das culturas juvenis ou como ele-

    mento de desenvolvimento de recursos

    pedaggicos no interior de programas de

    formao para os jovens. Assim, ativida-

    des culturais para jovens tm sido valori-

    zadas como bons instrumento para ele-

    vao da auto-estima, para afirmao do

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    protagonismo juvenil e, em grande medi-

    da, como recurso de anteparo ao envol-

    vimento dos jovens com a violncia.

    Com relao ao tema da participao,

    h, ainda, uma viso cindida ou pelo

    menos dbia na sociedade brasileira.

    Por um lado, se manifesta a preocupao

    com a baixa participao dos jovens, as-

    sentada numa percepo ainda muito di-fundida sobre uma apatia e um desinte-

    resse poltico existente nesta gerao. Por

    outro lado, e esta a principal percep-

    o entre os atores que compem o cam-

    po do debate a respeito das polticas de

    juventude, h a constatao da existn-

    cia de uma grande vontade de participar,

    da diversidade de formas que a participa-

    o pode ter e do papel protagnico que

    os jovens tm assumido e podem assu-

    mir na definio das repostas que o pas

    deve formular. Nesse sentido, tem cres-

    cido muito a predisposio para acolher

    a participao dos jovens, embora com

    muitas limitaes.

    Algumas informaes permitem ver

    que um nmero significativo de jovens

    tem participado de espaos de mobiliza-

    o e debate: em 2003, o 48 Congresso

    da Unio Nacional dos Estudantes (UNE)

    reuniu 15 mil estudantes, sendo que 10mil eram delegados que representavam

    alunos de todo o pas. A Conferncia Na-

    cional de Juventude, convocada pela C-

    mara Federal e realizada em Braslia, em

    2004, reuniu 2 mil jovens, de vrias par-

    tes do pas. O Festival Nacional da Ju-

    ventude Rural, organizado pela Confe-

    derao Nacional dos Trabalhadores da

    Agricultura (Contag), em 2007, reuniu

    5 mil jovens. Os acampamentos dos f-

    runs sociais locais e mundial tm reunidomilhares de jovens no Brasil, chegando,

    na ltima verso do Acampamento Inter-

    continental de Juventude (AIJ), em Porto

    Alegre, a 35 mil jovens.

    Vrias pesquisas recentes tm a am-

    plitude da diversidade dos motes de par-

    ticipao dos jovens. O mapeamento re-

    alizado pela Prefeitura de So Paulo, que

    identificou a existncia de 1.609 grupos

    com participao juvenil, revelou que

    mais da metade deles (52,1%) forma-

    da exclusivamente por jovens e que em

    46,4%, embora tambm haja adultos,

    eles formam a maioria. Alm do grande

    nmero de grupos, chama a ateno a

    diversidade de motivaes que levam

    organizao desses grupos. A maior par-

    te (35,8%) se rene em torno de dife-rentes manifestaes artsticas, mas par-

    celas significativas se renem em torno

    da religio (14,4%), do lazer (13,7%),

    da ao social (12,6%), dos esportes

    (7,3%), da poltica partidria (6,9%), da

    educao (3,1%), da etnia (2,1%), da

    sexualidade (1,3%) e de pessoas com

    deficincia (0,7%).

    1.3 AS DEMANDAS DOS JOVENS

    Alm das identificaes das questes e

    necessidades dos jovens apontadas pe-

    los dados estatsticos constantes nos

    diagnsticos, possvel produzir, tam-

    bm, um levantamento sobre as deman-

    das e os desejos expressos pelos jovens

    brasileiros. Podemos contar com duas

    vertentes de informao: por um lado,

    demandas identificadas em situao depesquisa (o que poderia ser interpreta-

    do como desejos dos jovens), captadas

    em processos de consultas, pesquisas

    quantitativas e qualitativas. Por outro, as

    demandas expressas por diferentes ti-

    pos de atores juvenis, as expresses p-

    blicas de atores coletivos em espaos

    sociais e polticos, tanto aquelas publi-

    cizadas em cartas, documentos, mobi-

    lizaes e aes de presso pblica por

    entidades, organizaes e movimentosjuvenis, como as listas de reivindicaes

    resultantes de processos de consulta/

    construo de pautas coletivas por inte-

    grantes de grupos, entidades e associa-

    es juvenis, tais como nos seminrios

    e oficinas do Projeto Juventude, do Vo-

    zes Jovens, de fruns municipais e ou-

    tros tipos de fruns e redes, seminrio

    nacional etc.

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    21Relatrio Nacional do Brasil

    As questes que podem ser desen-

    volvidas aqui, principalmente para inves-

    tigar at que ponto as demandas dos jo-

    vens tm orientado a construo das

    pautas pblicas, so: at que ponto esses

    nveis coincidem e quais as diferenas

    entre os diversos planos de formulao?

    Quais ganham legitimidade e fora social?

    A quais o Estado busca responder? Quaisso as assumidas e incorporadas por ou-

    tros atores? Quais so as polmicas exis-

    tentes em torno delas?

    Para levantar o que aparece como

    preocupao, interesse ou desejo (que po-

    deriam ser considerados como informa-

    es para perceber as demandas latentes)

    dos jovens brasileiros, podemos lanar

    mo dos resultados de duas pesquisas

    feitas recentemente: Perfil da Juventude

    Brasileira, realizada, em 2003, pelo Insti-

    tuto Cidadania no bojo do Projeto Juventu-

    de, e Juventude Brasileira e Democracia:

    participao, esferas e polticas pblicas,

    realizada, em 2005, pelo Instituo Brasilei-

    ro de Anlises Sociais e Econmicas (Iba-

    se) e pelo Instituto Plis. Embora tenham

    usado metodologias e universos diferentes

    (a primeira realizou pesquisa quantitativa

    com 3.500 jovens de meio rural e urbano,

    em pequenas, mdias e grandes cidades;a segunda realizou pesquisa quantitativa

    com 8 mil jovens e pesquisa qualitativa,

    com rodas de dilogos, envolvendo 913 jo-

    vens de sete regies metropolitanas), as

    duas nos do informaes sobre os jovens

    em geral, que podem ser confrontadas

    com aquelas advindas dos processos que

    envolveram os jovens organizados ou dis-

    postos a participar dos processos de deba-

    te e consulta.

    A primeira observao feita a par-tir da leitura cotejada dos resultados das

    duas pesquisas que h concluses

    muito semelhantes. So coincidentes os

    resultados sobre o que mais preocupa os

    jovens: violncia (e outras questes rela-

    tivas segurana) e desemprego (e ou-

    tras questes relativas s dificuldades

    enfrentadas no mundo do trabalho) ocu-

    pam primeiro e segundo lugar nos dois

    levantamentos; a continuidade dos estu-

    dos e a qualidade da educao, drogas,

    misria e sade so outros problemas re-

    feridos, mas tm ordens diferentes de

    citao em cada uma delas. Por outro

    lado, educao, trabalho e cultura e lazer

    aparecem como temas que interessam e

    mobilizam os jovens.

    Tambm coincidente a anlise deque as demandas se configuram mais no

    campo das questes sociais que na di-

    menso relativa s liberdades polticas,

    indicando que a experincia histrica da

    gerao que vive a juventude na passa-

    gem do milnio inclui, no seu mago, as

    dificuldades relacionadas insero so-

    cial. Como foi observado no relatrio final

    da pesquisa Ibase/Plis:

    A pouca enunciao espontnea ademandas por garantia de direitos ci-vis, tais como aquelas que se rela-cionam com o direito participaona vida pblica, e a forte referncia a

    demandas sociais insatisfeitas ates-tam o estgio de espoliao urba-na ao qual a maioria dos jovens estsubmetida. Nesse contexto, o que seevidencia que a conscincia de di-reitos para esses jovens mais ime-

    diatamente percebida no plano daquesto social do que na esfera dosdireitos relacionados com a vida cvi-ca e as liberdades fundamentais(Ri-beiro; Lnes; Carrano, 2005).

    A interpretao dos dados da pesqui-

    sa Perfil da Juventude Brasileira tambm

    caminha nesse sentido:

    Pode-se dizer que os jovens esto an-tenados com seu tempo histrico, em

    que muito do debate poltico e dasmobilizaes sociais e disputas se pro-duzem em torno dos direitos sociais,ameaados de diferentes modos pelastransformaes desencadeadas na es-fera da economia e da poltica nos lti-mos anos(Abramo, 2005a).Com relao s demandas apresenta-

    das por organizaes, movimentos juvenis

    em processos de discusso, fruns etc.,

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    22 Ibase | Plis

    preciso dizer que, a partir dos anos 1990,

    comeam a ocorrer encontros de jovens

    vinculados a certos setores para estrutu-

    rar possveis formas de organizao e par-

    ticipao no interior de organizaes mais

    amplas ou para debater temas especficos,

    prtica j comum nos setores estudan-

    tis (que contam com uma srie de redes

    e estruturas de articulao local, regionale nacional, como congressos da UNE, da

    Unio Brasileira dos Estudantes Secunda-

    ristas Ubes e das correspondentes en-

    tidades estaduais; Conselhos Nacionais de

    Entidades de Base Coneb; encontros de

    estudantes universitrios por reas etc.).

    Entre as organizaes religiosas, essa

    prtica tambm mais consolidada. Des-

    de 1995, a Pastoral da Juventude, por

    exemplo, discute polticas pblicas para a

    juventude. No campo sindical, o processo

    se inicia em meado da dcada de 1990: o

    primeiro encontro nacional da juventude

    da Central nica dos Trabalhadores (CUT)

    ocorre em 1996, apesar de ter se intensi-

    ficado mais recentemente. No meio rural,

    o processo parece mais consolidado, com

    encontros peridicos e documentos ela-

    borados pela Confederao Nacional dos

    Trabalhadores na Agricultura (Contag), Fe-

    derao dos Trabalhadores na AgriculturaFamiliar do Estado (Fetrafe) etc.

    Outros segmentos e movimentos tm

    iniciado processos de encontro e debate,

    como o da juventude negra, que realizou,

    este ano, sua segunda conferncia, e o

    movimento hip hop, que j realizou dois

    encontros nacionais no interior do Frum

    Social Mundial.

    Nesses encontros, alm do levanta-

    mento de bandeiras especficas dos jo-

    vens, ocorrem processos de formaopoltica, discusso das bandeiras mais

    gerais do setor ao qual esto vinculados e

    de temas gerais da poltica nacional.

    Por outro lado, durante todo a ltima

    dcada, foram realizados encontros de re-

    des de ONGs envolvendo jovens atendi-

    dos em seus programas e/ou pertencentes

    a grupos comunitrios apoiados por elas

    (por exemplo, a iniciativa da Fundao

    Kellogg, que resulta no Redes e Juventu-

    des). Ao mesmo tempo, encontros, ofici-

    nas e seminrios promovidos por agn-

    cias internacionais, como aquelas ligadas

    ONU, tambm incluram a participao

    de jovens em projetos desenvolvidos por

    ONGs, principalmente nos tema de sa-

    de e sexualidade, meio ambiente, direitos

    humanos, preveno violncia, gneroe raa. Tomadas como referncias de de-

    mandas para polticas pblicas e aes da

    sociedade civil (embora, nesse caso, en-

    volvendo mais adolescentes que jovens

    propriamente), as pautas dos encontros

    so, fundamentalmente, os projetos envol-

    vendo o protagonismo de jovens.

    Esses processos, de linhas paralelas,

    produziram listas de demandas e propos-

    tas ainda pouco desenvolvidas e explici-

    tadas e muito timidamente publicizadas.

    Poucas geraram processos significativos

    de mobilizao ou reivindicao pblica.

    Foi a partir do ano 2000 que ocor-

    reram, mais intensamente, certas expe-

    rincias de encontros de grupos e orga-

    nizaes juvenis, oriundos de diferentes

    setores, em duas vertentes: em torno do

    debate e da criao de canais para pol-

    ticas pblicas e juventude, como j assi-

    nalamos anteriormente, e em torno daslutas anticapitalistas, como os acampa-

    mentos dos fruns sociais mundial, bra-

    sileiro e do Nordeste.

    Para termos uma rpida viso a res-

    peito desse conjunto de demandas, usa-

    mos como fonte um relatrio elabora-

    do por um grupo de trabalho do Conjuve

    com base nos seguintes documentos:

    Projeto Juventude (Instituto da Cidada-

    nia, 2004); Vozes Jovens (Banco Mun-

    dial, 2004); Seminrios e Audincias P-blicas do Plano Nacional da Juventude. A

    primeira observao nesse relatrio :

    A demanda principal a demanda deincluso social, sendo a escola e o tra-balho considerados como fundamen-tais para essa incluso. Nesse sentido,a garantia de uma educao pbli-ca de qualidade para todos aparececomo a grande demanda prioritria.

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    23Relatrio Nacional do Brasil

    A desigualdade no acesso educao citada como fator fundamental demanuteno de outras desigualdades.

    A importncia do tema educao

    pode ser percebida, tambm, pela ordem

    e pelo volume de itens relacionados ao

    tema na maior parte dos documentos re-

    sultantes dos processos de consulta dasdemandas juvenis: sempre a primei-

    ra mesa nos processos de debate, o pri-

    meiro item nos documentos e o que re-

    ne maior quantidade de reivindicaes e

    contribuies.

    O trabalho, no entanto, tem ocupado

    lugar cada vez maior nas demandas, mas

    de um modo diferente do ocupado pela

    educao. Com menos clareza e insistn-

    cia na ordem das reivindicaes, o de-

    semprego aparece como um dos fatores

    mais importantes a denunciar a preca-

    riedade em que se encontra a juventude,

    explicitada pelas altas taxas de desem-

    prego entre os jovens. Desse modo, so

    acionadas diversas bandeiras articula-

    das busca de enfrentamento do desem-

    prego, particularmente a necessidade

    de criar mecanismos para a superao

    das discriminaes sofridas pela condi-

    o juvenil, como a questo da inexperi-ncia que dificulta o acesso ao primeiro

    emprego. Demandas de apoio ao empre-

    endedorismo juvenil e s alternativas de

    economia solidria esto cada vez mais

    presentes nas reivindicaes. Aparecem,

    tambm, demandas relacionadas possi-

    bilidade de articulao entre escola e tra-

    balho muito fortemente, a de educao

    profissional pblica e de qualidade.

    importante notar que, associa-

    dos a essa questo, documentos dos ato-res juvenis tm apresentado, de forma

    destacada, a demanda por crescimento

    econmico ou por outro modelo de desen-

    volvimento, afirmando que a resoluo das

    questes dos jovens s pode ser processa-

    da se considerada nessa perspectiva.

    Outra grande demanda diz respeito

    participao dos jovens em vrias di-

    menses, principalmente a de participar

    das decises e do controle das polticas

    pblicas.

    A demanda por transporte aparece

    constantemente, com expresses varia-

    das na cidade e no campo: passe para

    estudantes; passe para jovens; pas-

    se para estudantes ou jovens para ati-

    vidades alm da escola; passe livre; ga-

    rantia de transporte rural para a escola;transporte para circulao entre proprie-

    dades e municpios no meio rural, neces-

    srio para trabalho e sociabilidade; pas-

    se livre para pessoas que no conseguem

    primeiro emprego etc.

    A demanda por cultura se traduz em

    demanda por equipamentos culturais di-

    versificados e com infra-estrutura; ma-

    nuteno dos equipamentos existentes;

    incentivo e valorizao da produo cul-

    tural dos jovens; formao e capacitao

    na rea da cultura; possibilidade de apos-

    tar na cultura como modo de insero

    econmica; descentralizao das aes e

    dos equipamentos culturais (incluso das

    periferias); apoio para intercmbio cultu-

    ral; democratizao do acesso cultura.

    No tema relacionado ao esporte e la-

    zer, so citados a criao de espaos e

    programas dirigidos aos esportes pratica-

    dos pelos jovens; a ampliao de reasde lazer; programas voltados para desen-

    volvimento e no s para competio ou

    especializao; espaos e programas no

    meio rural e nas periferias das cidades.

    Com relao a esse ponto, preci-

    so dizer que se h congruncias entre as

    muitas necessidades identificadas pelos

    diagnsticos, entre as demandas laten-

    tes captadas pelas pesquisas e aquelas

    expressas publicamente pelos jovens, h

    tambm alguns deslocamentos de pesoe ngulos entre os diferentes planos. Por

    exemplo, a questo do trabalho aparece,

    aqui, como tema mais demandado que

    enfrentado por atores juvenis e gestores.

    Os temas relacionados cultura e ao direi-

    to circulao ainda no aparecem como

    pontos to sensveis ou urgentes entre os

    jovens nem como temas dignos de maior

    ateno por parte dos gestores.

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    24 Ibase | Plis

    2. SITUAES-TIPO ESTUDADASPara verificar, com mais cuidado, o sen-

    tido dessas demandas, analisaremos osestudos de situaes-tipo nas quais elas

    se ancoram. No caso do Brasil, decidi-

    mos eleger seis situaes, descritas a se-

    guir, com o objetivo de investigar as ques-

    tes aqui assinaladas.

    2.1. MANIFESTAES DOSESTUDANTES SECUNDARISTAS

    CONTRA O AUMENTO DA TARIFADO NIBUS

    A Revolta do Buzu Salvador Bahia agosto e setembrode 2003JLIA RIBEIRO DE OLIVEIRA E

    ANA PAULA CARVALHO

    A srie de manifestaes em resistncia

    ao aumento do valor da tarifa do trans-

    porte pblico, de agosto a setembro de2003, em Salvador, conhecida como A

    Revolta do Buzu, foi protagonizada, prin-

    cipalmente, pelos estudantes secundaris-

    tas, em sua maioria das escolas pblicas

    da cidade, e incorporou estudantes de n-

    vel universitrio, de cursinhos preparat-

    rios para vestibular e de ensino tcnico.

    Esse movimento surpreendeu pela

    massividade (reuniu cerca de 20 mil es-

    tudantes) e pelo vigor com que foi sus-

    tentado. Manteve-se por aproxima-damente 20 dias, com assemblias e

    manifestaes pblicas (concentraes

    e passeatas), paralisando vias principais

    de circulao, causando alto impacto na

    vida da cidade e nas suas relaes polti-

    cas. considerado um marco na histria

    local das organizaes, dos grupos estu-

    dantis e dos jovens que dela fizeram par-

    te, sobretudo pelo grau de envolvimen-

    to dos manifestantes e da repercusso e

    amplitude alcanadas. Essa manifestaose vincula, tambm, a outras semelhan-

    tes ocorridas em outras capitais brasilei-

    ras, revelando forte disposio de mobili-

    zao dos jovens estudantes em torno da

    demanda do direito circulao.

    Alm da reivindicao pelo congela-

    mento da tarifa, outras necessidades fo-

    ram levantadas, como extenso da meia

    passagem para os estudantes nos fins

    de semana, feriados e frias; garantia da

    meia passagem para estudantes de cur-

    sos pr-vestibulares, supletivos e ps-gra-

    duao (mestrado e doutorado); gratui-

    dade da primeira via do carto de meia

    passagem (Smart Card); revitalizao do

    Conselho Municipal de Transporte e me-

    lhoria dos transportes.

    Vrios atores estiveram envolvidos,

    principalmente entidades estudantis de

    amplitude regional e nacional (UNE, Ubes

    e a Associao dos Estudantes da Bahia Abes), os grmios das escolas estaduais

    e as organizaes poltico-partidrias,

    como as juventudes partidrias e as orga-

    nizaes de inspirao anarquista. Hou-

    ve divergncia sobre a conduo do movi-

    mento, o que revela diferenas de postura

    poltica e de compreenso sobre a defini-

    o da demanda, o carter da representa-

    o e o sentido poltico do acontecimento.

    A divergncia revelou-se, fundamental-

    mente, na postura em torno da negocia-o da demanda com o poder pblico

    local: parte das lideranas (ligadas s enti-

    dades gerais e aos partidos polticos) deci-

    diu aceitar a proposio do poder pblico,

    posio no aceita por muitas lideranas

    locais e pela massa dos estudantes que

    continuaram a mobilizao, que se esva-

    ziou, depois de muitos dias, sem lograr o

    atendimento da reivindicao.

    24 Ibase | Plis

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    25Relatrio Nacional do Brasil

    A identificao da questo do trans-

    porte como poltica que abrange todaa famlia e a sociedade de modo ge-

    ral foi um dos principais argumen-

    tos utilizados e o que fez os estudan-

    tes sustentarem as manifestaes por

    tanto tempo e receberem grande apoio

    da populao. Os trabalhadores, de

    maneira geral, professores e at mes-

    mo alguns policiais e motoristas de ni-

    bus reconheciam a importncia do ato,

    mesmo diante do imenso transtorno

    causado na cidade.

    2.2 OS TRABALHADORESJOVENS DO CORTE MANUAL DACANA-DE-ACAR

    Jovens migrantes canavieiros:entre a enxada e o facoJOS ROBERTO PEREIRA NOVAES

    A expanso recente da agroindstria ca-

    navieira ao combinar mecanizao e

    trabalho manual ampliou a deman-

    da de trabalho temporrio, procurando

    para o corte manual da cana,o trabalha-

    dor migrante sazonal, principalmente os

    jovens rapazes, que so potencialmente

    mais produtivos. O foco do estudo des-

    ta situao tipo so esses jovens, perten-

    centes a famlias de agricultores pobres

    do Nordeste, onde as oportunidades detrabalho so escassas. Por isso, migram

    e buscam na safra da cana uma oportu-

    nidade concreta de obter renda para si e

    assegurar a sobrevivncia da sua famlia

    na agricultura. Sua demanda , central-

    mente, a de trabalho.

    O corte manual da cana um traba-

    lho duro e extremamente desgastante. O

    padro de produtividade das usinas im-

    pe a cada trabalhador o corte de 10 to-

    neladas de cana por dia. Para cumprir ameta, o corpo precisa de resistncia fsi-

    ca, da a necessidade de trabalhadores

    jovens nos canaviais. O ritmo de trabalho

    alucinante: os trabalhadores ficam no

    limite da capacidade fsica, os proble-

    mas de sade pelo excesso de trabalho

    se agravam e no so raras as ocorrn-

    cias de acidentes fatais. As demandas,

    nesse sentido, dizem respeito s condi-

    es de trabalho e se configuram, tam-

    bm, no desejo de um trabalho melhor.

    No h, aqui, identidade ou organizao

    ancorada na categoria juventude, a no

    ser em situaes e dimenses circuns-

    critas (sociabilidade nas regies de ori-

    gem, marcas corporais, desejos de con-

    sumo e expectativas de mudana de

    vida que carregam consigo). Os atores

    com que se relacionam so os Sindica-

    tos de Empregados Rurais e a Pastoral

    dos Migrantes. importante salientar que os jovens

    migrantes canavieiros com ou sem par-

    ticipao sindical ou em movimentos so-

    ciais se relacionam com dois conjuntos

    de demandas: o trabalho na agricultura

    familiar e o trabalho assalariado.

    Mesmo sem a existncia de um ator

    juvenil envolvido nesta situao-tipo, a

    escolha se justifica pela atualidade do de-

    bate pblico que tem colocado em pau-

    ta a produo do etanol e seus benefcioscomo fonte energtica e que, via de re-

    gra, no se detm na questo do trabalho

    (do fator humano) nas plantaes cana-

    vieiras. Por outro lado, jovens trabalhado-

    res assalariados da cana so quase invis-

    veis no debate sobre polticas pblicas de

    juventude. Se os jovens rurais j se res-

    sentem do lugar que seus problemas es-

    pecficos ocupam na hierarquia das

    25Relatrio Nacional do Brasil

  • 8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil

    26/92

    26 Ibase | Plis

    demandas juvenis, podemos dizer que a

    juventude dos trabalhadores assalariados

    da cana recorrentemente ignorada.

    2.3 GRUPO DE HIP HOP

    A Famlia do Morro do Bom Jesus

    (FMBJ) Caruaru PernambucoROSILENE ALVIM E ADJAIR ALVES

    O hip hop tem se desenvolvido como

    uma das mais expressivas e vigorosas

    culturas no interior da qual se organizam

    os jovens vivendo em situao de exclu-

    so e discriminao na sociedade brasi-

    leira. Apesar de ter aparecido (e ainda ser

    majoritariamente) como um fenmeno li-

    gado aos jovens negros das periferias das

    grandes metrpoles do Sudeste do pas,

    extrapola, hoje, esses contornos e se tor-

    na referncia e canal de expresso tam-

    bm para jovens de outras regies e con-

    figuraes urbanas. A Famlia MBJ surgiu

    no incio dos anos 2000, em um bairro

    pobre da cidade de Caruaru, no interior

    de Pernambuco, estado do Nordeste do

    Brasil, como uma espcie de comisso

    coordenadora de uma dzia de grupos

    de hip hop do bairro.Sua demanda principal a incluso

    e o reconhecimento social, buscando,

    fundamentalmente, a superao da dis-

    criminao e da excluso por serem po-

    bres, negros e moradores de regies so-

    cialmente desprestigiadas. Porm, essa

    demanda congrega vrias outras, como

    educao mais inclusiva e de qualida-

    de, acesso a um trabalho digno, condi-

    es para a produo e expresso cultu-

    ral, possibilidade de construo de umaperspectiva de vida que no seja minada

    pela violncia (criminal e policial).

    As formas de atuao esto funda-

    das, principalmente, na expresso artsti-

    ca (o rap, os grafites, o break), por meio

    da qual expressam demandas, denncias

    e viso de mundo, visando construir al-

    ternativas centradas, principalmente, na

    busca por conquista/melhoria/transforma-

    o de equipamentos para o atendimen-

    to de suas necessidades (escola, centro

    cultural, cursos profissionalizantes) e de

    outros jovens da comunidade. Seus inter-

    locutores so, nesse sentido, autoridades

    e representantes do poder pblico local.

    H, tambm, uma forte relao de con-

    flito com as foras policiais, e o tema da

    violncia sofrida constante.

    2.4 TRABALHADORES DOTELEMARKETING E A DEMANDAPOR TRABALHO

    Demandas de jovens no mun-do do trabalho urbano: jovens,sindicato e trabalho no setor detelemarketingCARLA CORROCHANO E RICA NASCIMENTO

    O setor de telemarketing um dos que

    mais tm crescido, nos ltimos anos, no

    bojo das mudanas provocadas pelo avan-

    o das tecnologias da informao, pela

    privatizao dos setores de telecomuni-

    cao e adoo da terceirizao. Repre-

    senta um nicho de mercado de trabalho

    para os jovens, principalmente para aque-

    les oriundos de famlias de baixa rendae que lograram alcanar uma escolariza-

    o maior que a de seus pais, concluindo

    o ensino mdio. O trabalho como operador

    de telemarketing representa, muitas vezes,

    o primeiro emprego formal e se configu-

    ra como uma sada para a forte demanda

    por um trabalho que permita a concilia-

    o com a continuidade dos estudos (em

    funo da jornada ser de 6 horas). As du-

    ras condies e a desvalorizao do tra-

    balho (ritmo intensivo, alto nvel de estres-se, assdio moral, baixos salrios), porm,

    engendram lutas sindicais especficas e

    abrem a discusso sobre a qualidade do

    trabalho e a demanda por um trabalho de-

    cente, ainda pouco desenvolvida no cam-

    po de debate sobre a juventude.

    Os atores presentes so os sindica-

    tos da categoria (existem dois em So

    Paulo. O escolhido para a pesquisa foi

  • 8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil

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    27Relatrio Nacional do Brasil

    o Sindicato dos Trabalhadores em Tele-

    marketing Sintratel , que se apresen-

    ta como um sindicato to jovem quanto

    sua categoria) e os coletivos juvenis das

    centrais sindicais, principalmente a CUT,

    qual o Sintratel filiado. Foram anali-

    sados, neste estudo, tanto a expresso

    das desmandas dos jovens trabalhadores

    como a dos sindicalizados e suas lideran-as jovens e adultas. O resultado permi-

    te constatar as mesmas polmicas e os

    mesmos debates que marcam o cenrio

    nacional a respeito do tema do trabalho

    para os jovens, revelando, principalmen-

    te, que a configurao das demandas e

    do entendimento do trabalho como um

    direito dos jovens est, ainda, em pro-

    cesso de disputa e formatao.

    2.5 FRUM DE JUVENTUDES DORIO DE JANEIRO FJRJ

    ANA KARINA BRENNER

    Desde meado dos anos 1980, vem se

    compondo um campo de aes de or-

    ganizaes da sociedade civil (principal-

    mente ONGs, mas tambm entidades

    ligadas a movimentos sociais e entida-des empresariais) voltado para crianas

    e adolescentes em situaes variadas de

    desvantagem social (principalmente, os

    moradores de favelas e bairros das peri-

    ferias urbanas), que desenvolve projetos

    sociais de diferentes escopos, mas cen-

    trados na perspectiva de um resgate das

    situaes de vulnerabilidade e risco e no

    oferecimento de alternativas de incluso

    e desenvolvimento de vnculos de cida-

    dania. Nos ltimos anos, aumentou o n-mero de projetos desse tipo voltado para

    jovens e cresceu o envolvimento desses

    atores no campo do debate a respeito

    das polticas de juventude.

    O Frum de Juventudes do Rio de

    Janeiro (FJRJ) se estruturou, no incio

    dos anos 2000, com a perspectiva de

    congregar militantes e jovens atendidos

    pelas entidades responsveis por esses

    projetos, participar dos debates e incidir

    na formulao de polticas. Na formao

    atual, congrega dez entidades com pre-

    sena mais permanente, alm de um n-

    mero no preciso de colaborao even-

    tual. Tem como principais bandeiras a

    discusso sobre as polticas pblicas de

    juventude e a participao dos jovens em

    espaos de definio e elaborao des-sas polticas. Alm de participar de certos

    mbitos onde tal debate se desenvolve,

    realiza, peridica e itinerantemente, En-

    contros de Galeras, com o objetivo de

    desenvolver a discusso dos temas e das

    demandas com os jovens em locais prxi-

    mos aos bairros onde eles moram.

    As demandas dos jovens que par-

    ticipam de projetos, a forma como elas

    tm sido consideradas no debate pbli-

    co e de que modo a constituio de um

    ator como FJRJ tem possibilitado que os

    jovens se configurem como sujeitos de

    participao poltica na definio das po-

    lticas a eles dirigidas so questes de-

    senvolvidas nesse estudo.

    2.6 O ACAMPAMENTOINTERCONTINENTAL DA JUVENTUDE

    (AIJ) DO FRUM SOCIAL MUNDIAL(FSM): EXPERINCIA DE UMA NOVAGERAO POLTICA

    NILTON BUENO FISCHER, ANA MARIA DOS

    SANTOS CORRA E MRCIO AMARAL

    O Acampamento Intercontinental da Ju-

    ventude foi um espao organizado por jo-

    vens durante a realizao das edies

    do Frum Social Mundial em Porto Ale-

    gre. Foi, em primeira instncia, propos-to como um modo de garantir e ampliar a

    participao dos jovens nesse importan-

    te acontecimento dos movimentos empe-

    nhados na afirmao da possibilidade da

    transformao do mundo. Porm, carac-

    terizou-se, na sua realizao e posterior

    proposio, como um territrio juvenil de

    prticas e experincias dos mais diversos

    grupos e movimentos juvenis em torno de

  • 8/7/2019 Relatrio Juventude Brasil

    28/92

    28 Ibase | Plis

    diferentes demandas na direo de um

    outro mundo possvel. Surpreendeu pela

    capacidade de convocao (reuniu 2 mil

    jovens na primeira edio, em 2001, e

    35 mil na quinta edio, em 2005) e pelo

    vigor utpico, ensejando o desenvolvi-

    mento de uma srie de proposies ex-

    perimentadas na prtica, tais como a de-

    mocracia direta, a economia solidria e aauto-gesto.

    Reuniu diversos movimentos e gru-

    pos juvenis: partidos e movimentos as-

    sociados a um posicionamento poltico

    de esquerda, MST, entidades de repre-

    sentaes estudantis e sindicais, pas-

    torais da juventude, jovens de militn-

    cias e organizaes autnomas ligadas

    a temticas sociais e culturais especfi-

    cas (movimento hip hop, punksetc.), jo-vens de movimentos antiglobalizao e

    anticapitalistas, diversos grupos de ins-

    pirao anarquista etc. O acampamen-

    to favoreceu a convergncia desses dife-

    rentes grupos, mantendo sua identidade

    e seu posicionamento, sem criar uma

    sntese nica, mas uma leitura diversifi-

    cada, fortalecida por meio de prticas so-

    ciais alternativas ao capitalismo que fo-

    ram amplamente discutidas e postas em

    voga, caracterizando um espao de con-gruncia de intencionalidades e, ao mes-

    mo tempo, de dilogo de diversidades.

    O ator estudado nessa pesquisa foi

    o Comit Organizador do Acampamen-

    to (COA), formado por jovens de diferen-

    tes comisses de organizao do acampa-

    mento e cerca de uma dezena de jovens

    do estado do Rio Grande do Sul, respon-

    sveis pela organizao de todas as edi-

    es nacionais, assim como pela sistema-

    tizao da experincia. Eles acabaram porconstituir um grupo com demanda e pro-

    posio poltica prprias, o que deu forma-

    tao experincia dos acampamentos.

    O presente relatrio foi elaborado com

    base nas informaes e reflexes elabora-

    das nesses seis relatrios de situaes-tipo

    desenvolvidas no Brasil. Cada uma delas

    foi desenvolvida por uma equipe diferente,

    em uma cidade diferente. Apesar da pers-

    pectiva e do roteiro de investigao co-

    muns, cada uma das situaes foi pesqui-

    sada de um modo singular, em funo da

    peculiaridade do caso e dos recursos dis-

    ponveis. Alguns obstculos e, principal-

    mente, a limitao de tempo impuseram a

    necessidade de realizar recortes e rearran-

    jos no planejamento original. Em alguns

    casos, entrevistas desmarcadas em cimada hora no puderam ser, de novo, pro-

    gramadas. Algumas contaram com maior

    possibilidade de pesquisa documental, se-

    gundo a existncia de fontes mais ou me-

    nos disponveis. Outras tiveram que fazer

    uma reconstituio histrica, por se tratar

    de fato ocorrido h alguns anos, ou con-

    taram com material de outras relaes de

    investigao, devido relao do pesqui-

    sador com o objeto ser de longa data.

    Em alguns casos, a disputa pelas ver-

    ses e interpretaes do fato investigado

    exigiu cuidados redobrados e ocupou boa

    parte do esforo interpretativo. Tambm

    importante dizer que cada equipe de

    investigao apresentou um tipo de pro-

    blematizao, que tentaremos apresen-

    tar no decorrer deste relatrio. As cita-

    es a esses estudos aparecero com as

    referncias do autor e do ano indicados

    na bibliografia. Para mais detalhamentos,podem ser consultados os relatrios dos

    respectivos estudos.

    O esforo de investigao e anlise

    apresentados neste relatrio, com base

    nos estudos das situaes acima des-

    critas, esto voltados para compreen-

    der as demandas dos jovens e as carac-

    tersticas dos atores que as sustentam:

    como se expressam tais demandas e

    que mobilizaes engendram; que ato-

    res as sustentam, que tipo de organiza-o e com que identidade as sustentam;

    como so ou no absorvidas pela socie-

    dade, que apoios e oposies desenca-

    deiam, como so ou no respondidas

    pelas polticas pblicas dirigidas aos j