relatorio final abril 2010-1 Segurança alimentar e Nutricional guarani sao paulo

download relatorio final abril 2010-1 Segurança alimentar e Nutricional guarani sao paulo

of 123

Transcript of relatorio final abril 2010-1 Segurança alimentar e Nutricional guarani sao paulo

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

1

RELATRIO TCNICO FINALEstudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SPProcesso CNPq nmero: 401176/2005-(3)

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

2

Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Cincias Mdicas-Departamento de Medicina Preventiva e Social Faculdade de Educao Fsica Ncleo de Estudos de Populaes

RELATRIO TCNICO FINALEstudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Processo CNPq nmero: 401176/2005-(3)19 de outubro de 2009

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

3

PesquisadoresProf. Livre Docente: Ana Maria Segall CorraCoordenadora DMPS-FCM-UNICAMP

Bernadete Carvalho de Oliveira In MemorianMestranda

Prof. Livre Docente Maria Beatriz R.FerreiraFaculdade de Educao Fsica UNICAMP

Prof. Dr Marta Maria do Amaral AzevedoNEPO/ UNICAMP

Dra. Letcia Len-MarinDMPS-FCM- UNICAMP

Pesquisadoras colaboradorasDra. Anne W. KeppleDMPS-FCM- UNICAMP

Dra Giseli PanigassiDMPS-FCM-UNICAMP

Alunos e BolsistasDaniele Flaviane M. Camargo - Nutricionista; Aux. de Pesquisa-Epidemiologia /DMPS/FCM Bruna F.do N.J. de Souza - Graduanda de Nutrio; Estgio em Epidemiologia /DMPS/FCM Claudeni Fabiana Pereira - PIBIC - IFCH/NEPO/ UNICAMP Cesar Miguel - Estagirio do Centro de Pesquisa do Laboratrio de Aptido Fsica de SoCaetano do Sul - CELAFISCS.

Diego Diego Funahashi (*) - Graduao em medicina/UNICAMP Letcia Marinho Del Corso (*) - Graduao em medicina/UNICAMP Sandra Amaya (*) - Graduao em Medicina - UNICAMP

ContatoE-mail: [email protected] - [email protected] Telefones: (19) 3521 9569 / (19) 9605 2424

*Alunos de Graduao com projetos de Iniciao Cientfica em outros projetos. Participaram como colaboradores e observadores das atividades de grupo focal com os Indgenas.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

4

A realizao desta investigao foi possvel pelo esprito solidrio e agregador e, tambm, pelo profundo compromisso com a vida de Maria Bernadete Carvalho de Oliveira.

Pareceu-me que mais do que dar vacinas, distribuir cestas bsicas, encaminhar pacientes, distribuir fios dentais, a comunidade carece de conversa, presena, motivao para plantar e salvaguardar sua cultura Maria Bernadete de Oliveira(11/02/1960 19/01/2008)

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

5

Agradecimentos

Os nossos mais sinceros e profundos agradecimentos so dirigidos s lideranas e comunidades de Rio Silveira, Aldeinha, Piacagera e Rio Branco, que nos acolheram com respeito e boa vontade. A eles, tambm, devemos pedir desculpas pelo pouco que podemos acrescentar sua luta cotidiana.

"Nossos agradecimentos so devidos, tambm, ao apoio que a equipe recebeu dos funcionrios e tcnicos da FUNAI de Bauru, Rio Silveira e de Itanham, de dirigentes e tcnicos da FUNASA de So Paulo e dos postos de sade e, ainda generosidade e aportes acadmicos do grupo de especialistas em sade indgenas, cujas contribuies esto descritas neste relatrio"

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

6

SUMRIO1. Apresentao .................................................................... 7 2. Introduo ....................................................................... 8 3. Objetivos .......................................................................... 13 4. Mtodos ........................................................................... 14 5. Resultados........................................................................ 21Pesquisa documental e contexto histrico .............................................................. 21 Perfil demogrfico e mobilidade espacial ................................................................ 25 Histria dos assentamentos indgenas de So Paulo .............................................. 30 Condies de vida e sade dos Guarani .................................................................. 37 Tcnicas corporais ..................................................................................................... 50 Reunio de especialistas em sade indgena ............................................................ 59 Estudo Qualitativo sobre segurana alimentar ....................................................... 65 Reflexes finais .......................................................................................................... 76

6. Concluso ........................................................................ 78 7. Outros produtos da investigao ..................................... 79

8. Bibliografia ...................................................................... 80Anexos .................................................................................................... 85

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

7

Apresentao

O

presente projeto teve como objetivo investigar conceitos, conhecimentos e percepo da Insegurana Alimentar (I.A.), e as condies e eventos a ela relacionados entre 4 grupos de etnia Guarani no estado de SP. Suas atividades descreveram os processos de mobilidade espacial, situao demogrfica, condies de sade, hbitos de vida, costumes e cultura alimentares, prticas usuais de atividade fsica. Identificaram entre eles as percepes e conhecimentos prprios sobre segurana alimentar, especialmente aquelas correspondentes s dimenses consideradas universais deste fenmeno; apontaram os indicadores indiretos associados insegurana alimentar e os contedos possveis para a elaborao de um instrumento de medida direta de I.A desses povos. Inicialmente esse projeto abrangia comunidades da etnia Kaingang no litoral sul do pas. Entretanto cortes oramentrios, quando da aprovao do projeto pelo CNPq, inviabilizaram incluso deste grupo tnico.

Os trabalhos desenvolvidos nesta pesquisa seguiram todos os requisitos ticos colocados pela resoluo CNS-196 e apoiou-se no respeito absoluto aos conhecimentos, liberdade de participao e expresso das comunidades Guarani das aldeias Rio Silveira, Aldeinha, Rio Branco e Piaaguera. Aps a aprovao do projeto pelo CNPq e, ao longo de seu desenvolvimento, novos pesquisadores foram convidados a participar da equipe, o que aportou conhecimentos e experincias acadmicas ao estudo. Recursos oriundos da Comisso de Extenso da Faculdade de Cincias Mdicas da UNICAMP complementaram os recursos do CNPq e possibilitaram no apenas finalizar o estudo, mas tambm, incluir atividades no previstas no projeto original, necessrias ao seu sucesso, alm de apoiar a participao de alunos do curso mdico na fase final da pesquisa. Parceria com o laboratrio de jornalismo, Labjor UNICAMP, possibilitou a participao de um grupo de indgenas da terra Rio Silveira na SBPC-2009, como protagonistas de trs oficinas de trabalho: alimentao Guarani, arte e jogos tradicionais deste povo.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

8

IntroduoA apresentao da proposta de investigao dos conceitos, conhecimentos e percepo da Segurana Alimentar (S.A.), de quatro grupos Guarani no estado de So Paulo, baseou-se em experincia anterior do grupo de pesquisadores deste projeto (Segall-Corra et al, 2004; PerezEscamilla et al, 2004, Segall-Corra et al, 2007) e na absoluta necessidade, j expressa em documentos oficiais (CGPAN, 2005), do diagnstico da situao de Insegurana Alimentar (I.A.) e fome vivida pelos povos indgenas no Brasil. Isto traz junto o reconhecimento de que a medida direta da I.A. entre os indgenas, seus determinantes e suas conseqncias para a sade e bem estar constituem desafios que precisam ser enfrentados.

Marco conceitual de SANA segunda Conferncia Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional promovida pelo Conselho Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional, em 2004, definiu a segurana alimentar como: o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base prticas alimentares promotoras de sade, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social econmica e ambientalmente sustentveis (Consea, 2004). Constitui um conceito que abrange, entre outras, as trs dimenses da SAN tradicionalmente citadas: a disponibilidade de alimentos; o acesso aos alimentos; e a sua utilizao (FAO, 1996). Historicamente, a SAN tem sido avaliada por meio de medidas indiretas que buscam quantificar o nmero de indivduos em situao de carncia alimentar ou fome, tais como: indicadores de pobreza; disponibilidade calrica per capita; levantamentos de consumo alimentar; medidas antropomtricas; e indicadores biolgicas e/ou clnicas de desnutrio (FAO, 2002). Todos eles so indicadores indiretos que correspondem a diferentes dimenses da SAN, a maioria aos seus determinantes ou s suas conseqncias. Entretanto, nos ltimos anos, escalas psicomtricas ganharam reconhecimento como ferramentas importantes para a medida direta de SAN em nvel domiciliar (dimenso de acesso), por permitirem a observao desse fenmeno baseada na experincia dos indivduos e famlias (FAO, 2002; Webb et al, 2006). Um instrumento de medio direta de SAN no domiclio possibilita, alm da estimativa de prevalncia de IA, a anlise da sua relao com seus determinantes e conseqncias quando, medida direta, so acrescentados outros indicadores. A Figura 1 apresenta um marco conceitual adaptado de Campbell, (1991) que ilustra a relao entre a SAN, os fatores de risco a ela associados e as suas conseqncias nutricionais (Kepple & Segall-Corra, 2010).

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005Figura 1. Marco conceitual de Segurana Alimentar e Nutricional: fatores de risco e conseqncias

9

Fatores de risco para uma m alimentao

Risco de sobrenutrio

Conseqncias negativas para: Sade Bem-estar fsico, social, e mental

Fatores de risco para desnutrio secundria

INSEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DOMICILIAR

Risco de subnutrio (desnutrio)

Qualidade de vida

importante notar que, na figura, as conseqncias avaliadas atravs de medidas antropomtricas, biolgicas e clnicas, aparecem como conseqncias potenciais, mas no necessrias, da IA. Assim, o grande avano desse marco conceitual o reconhecimento de que a experincia da insegurana alimentar e nutricional pode afetar a sade, tanto por razes ligadas excluso social, perda de auto-estima, estresse e sofrimento emocional quanto pelo comprometimento do estado nutricional, propriamente dito (Alaimo et al, 2001; Jyoti et al 2005). Esse marco conceitual, portanto, contribui para uma compreenso ampliada da SAN. Mais recentemente em 2005 a Segurana Alimentar e Nutricional (SAN) foi includa como uma das Metas do Milnio (MDM), sob a perspectiva do Direito Humano Alimentao Adequada (DHAA), e declarada uma prioridade na 32 sesso do Comit Permanente de Nutrio da ONU de 2005, realizada no Brasil (Valente, 2002; 32SCN/, 2005).

Segurana Alimentar e Nutricional em populaes indgenasA IV conferncia Nacional de Sade Indgena refora as recomendaes das conferncias anteriores a respeito do modelo assistencial de sade indgena e acrescenta temas especficos, devendo ser destacados a demanda por garantia de Segurana Alimentar, Nutricional e o Desenvolvimento Sustentvel (FUNASA, 2007). Muitos autores referem que os indgenas constituem as populaes mais vitimadas pelas desigualdades sociais que so observadas no Brasil. Apesar desse reconhecimento, informaes sobre problemas nutricionais, que so um dos seus reflexos, entre eles e outras populaes especficas, como quilombolas, assentados, acampados, catadores de lixo e moradores de rua, so pontuais e descontnuas (Rocha Ferreira e Zucas 1981; Rocha Ferreira, Malina e Rocha, 1991; Santos, 1993, Leite, 1998; Capelli e Koifman, 2001; Coimbra Jr e Santos, 2001; Fagundes et al, 2004, FUNASA, 2002, 2005, Santos & Coimbra Jr. 2003). Outros estudos relativos a alguns grupos indgenas apontam uma populao com altos nveis de desnutrio. Escobar, Santos e Coimbra (2003) observaram freqncias de desnutrio crnica entre crianas indgenas Pakaanva (Wari), em Rondnia, muito superiores sEstudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005prevalncias da populao brasileira. Diferenas, tambm, so observadas entre grupos e etnias indgenas diversas. Ribas et al (2001) na pesquisa sobre nutrio e sade entre crianas menores de cinco anos de idade, pertencentes ao povo terena da aldeia Crrego do Meio, verificou prevalncia de desnutrio infantil mais elevada ao comparar com outras crianas indgenas de aldeias urbanas e rurais do Centro-Oeste, como os Suru em RO (Coimbra Jr e Santos, 1991) e os Parakan no Par (Martins e Menezes, 1994). Analisando o mapa da fome entre os Povos Indgenas no Brasil de 1995, observamos que das 297 terras indgenas para as quais foram obtidas informaes1 66,67% apresentava algum grau de insegurana alimentar; em 44% havia evidencias de fome; em 12,79% foram identificadas carncias alimentares e em 9% dessas terras existia fome sazonal. Ainda, segundo o Mapa da Fome, algumas etnias tinham melhores condies do que as outras no que diz respeito situao legal da posse da terra, sua extenso e recursos naturais existente e, outras sofriam com a ausncia dessas condies e com o impacto da urbanizao (Verdum, 1995 - INESCANA/BA, 1995). Por outro lado, interessante observar a colocao de alguns autores que apontam diferenas socioeconmicas, no apenas entre diferentes etnias, mas tambm internamente em alguns grupos indgenas (Ribas et al, 2001, Tagliari 2006). Ao longo do tempo, o progressivo contato com a sociedade no indgena e o confinamento em territrios cada vez menores, condicionaram mudanas no modo de relacionamento de alguns grupos indgenas com a terra, com reflexos no que poderia ser chamado de novo padro de trabalho e sobrevivncia, especialmente para aqueles povos localizados fora da Amaznia Legal. Essas condies esto muito presentes entre os povos Guarani, Terena e Kaingang. Gordon (2006) chama a ateno para a insero, cada vez maior das sociedades indgenas no mercado de trabalho. Todas essas condies aqui relatadas tm profundo impacto na segurana alimentar dos povos indgenas e conseqentemente na sua sade, condies nutricionais e bem estar geral. So muitas as razes objetivas que dificultam o diagnstico das condies de vida e sade da populao indgena do Brasil. Entre elas devem ser destacados o difcil acesso a muitas das localidades, a disperso geogrfica, a particularidade lingustica de cada grupo e as suas especificidades culturais. So situaes que impem dificuldades metodolgicas e logsticas, alm de alto custo a qualquer iniciativa de abordagem universal para o conhecimento da experincia de vida, seus condicionantes sociais e polticos e as consequncias para a sobrevivncia saudvel, autnoma e digna desses povos brasileiros. O mesmo ocorre em relao implementao de polticas pblicas voltadas s solues dos problemas que afetam esses povos As polticas do Fome Zero, que objetivam eliminar a fome endmica no Brasil, no dispem de dados adequados para propor aes especficas e apropriadas s caractersticas da populao indgena. A sua situao de insegurana alimentar e a fome so compreendidas a partir de informaes esparsas e disponveis para a apenas algumas etnias. Estas informaes no permitem estimativas seguras da magnitude destes problemas para toda a populao1

10

Em 1995 eram 577 terras indgenas, obteve-se informaes para o mapa da fome para 297 dessas TIs, o que perfaz uma porcentagem 51% das TIs.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005indgena brasileira, o que obriga a proposio de polticas pblicas muito semelhantes quelas voltadas populao geral, portanto, sem observar as necessidades e caractersticas peculiares desses povos. O Mapa da Fome dos povos indgenas elaborado em 1995 (Verdum, 1995 - INESCANA/BA, 1995) e j referido seguramente o primeiro esforo para classificar, em graus diferentes, a experincia dos povos indgenas do Brasil relativamente sua segurana alimentar. Entretanto, ainda um diagnstico indireto desta condio, elaborado a partir de indicadores ambientais, de posse da terra, de produo e soberania alimentar, de sade, entre outros. Seus resultados tm ainda abrangncia nacional limitada, sendo relativos situao das diferentes etnias que residiam em 51% das terras indgenas, naquele ano. O aprimoramento desse diagnstico requer novas e diretas abordagens do fenmeno da Segurana ou Insegurana Alimentar. A investigao nas aldeias Guarani corresponde a uma parte relevante de busca deste aprimoramento e est alicerada em vasta experincia de pesquisas nacionais, tanto de desenvolvimento de instrumentos de medida de SAN quanto de anlise de situao. Em 2004, a partir de pesquisas qualitativas e quantitativas desenvolvidas em contextos scio-culturais diversos do pas, foi validada no Brasil, uma escala de medida da percepo de Insegurana Alimentar no mbito familiar (EBIA), apropriada para uso na populao brasileira residente em rea urbana e rural (Segall-Corra et al, 2007; Perez-Escamilla et al, 2004)2. Este instrumento classifica a segurana/insegurana em quatro nveis: segurana alimentar quando o acesso ao alimento no sofre qualquer limitao; insegurana leve, quando existe a preocupao com a falta futura do alimento e a qualidade da alimentao percebida como inadequada e neste caso ainda no h privao alimentar; insegurana moderada caracteriza-se por algum nvel de privao relativa quantidade de alimentos, principalmente entre os adultos, e a insegurana grave, quando h relato de insuficincia de alimentos levando a fome entre adultos e crianas (Bickel, 2000). Apesar do trabalho intenso de investigao para a validao da EBIA e de j haver experincias com xito de sua aplicao em amostras representativas de populaes urbanas e rurais do Brasil (PNAD2004 e PNDS2006) o uso dessa escala, tal como est, no adequado para a investigao da situao de segurana e insegurana alimentar dos povos indgenas no Brasil. Uma primeira iniciativa de mensurao direta da segurana/insegurana alimentar foi o estudo realizado entre os Terena do Mato Grosso do Sul, utilizando uma adaptao local da escala brasileira de medida da insegurana alimentar (EBIA). Seus resultados mostraram ser de apenas 24,5% a proporo de famlias vivendo em situao de segurana alimentar, das mulheres entrevistadas havia passado forme no ms anterior, sendo de 14,7% a proporo de crianas que viveram essa terrvel experincia (Fvaro, 2007). Ainda que este estudo no tenha usado um instrumento validado especificamente para populao indgena, suas estimativas apontam a necessidade de diagnostico da situao de acesso aos alimentos entre os povos indgenas e a pertinncia de uma ferramenta adequada e de validade testada para esse fim.2

11

O processo de validao deste indicador de S.A. teve suporte financeiro do Ministrios da Sade, do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome , OPAS, PNUD e FAPESP.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005Outra investigao que buscou analisar a pertinncia de se usar uma verso adaptada da EBIA ocorreu entre os povos das terras indgenas de Cacau, Flecheira e Mamori, situadas na bacia hidrogrfica do mdio Juru, nos municpios de Envira e Eirunep (Yuyama, et al, 2010). Neste estudo os conceitos contidos na escala foram discutidos em grupos focais e apontou compreenso muito particular de seus contedos. A fome foi relatada como uma situao vivenciada por muitos participantes desses grupos focais. Os conceitos como segurana alimentar, fome e comida boa foram bem compreendidos. No entanto, comida variada, comida suficiente e estratgia para evitar problemas com comida foram conceitos no compreendidos por eles. Os resultados dos dois estudos mencionados apontaram para a necessidade de estudos qualitativos mais aprofundados para anlise da Segurana Alimentar dos povos indgenas no Brasil. A investigao aqui relatada constitui a primeira experincia no Brasil de busca do entendimento dos conceitos sobre segurana alimentar dos povos indgenas a partir de sua experincia de vida, situao social, demogrfica e de sade. Seus resultados permitiro analisar a possibilidade de um instrumento de medida da I.A. especfico para os povos indgenas residentes no Brasil.

12

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

13

ObjetivosObjetivo geralA investigao teve como objetivo central compreender os conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana/insegurana alimentar e fome entre quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP, visando o desenvolvimento futuro de mtodos e instrumentos de medida direta de acesso aos alimentos, apropriados para abordagem de populaes indgenas,

Objetivos especficos Investigar o perfil demogrfico dos Guarani em geral e das comunidades estudadas, como tambm as suas condies sociais, de sade, de alimentao e nutrio; Entender a mobilidade espacial dos grupos familiares e sua relao com a alimentao e as estratgias de vida; Observar e descrever as prticas corporais como recurso para a anlise de atividades fsicas e sedentarismo; Explorar e analisar, a partir da experincia de vida dos grupos participantes do estudo, seus conceitos sobre qualidade da alimentao, limitao de acesso aos alimentos e outros contedos relacionados segurana alimentar, insegurana alimentar e fome; Identificar estratgias do grupo para enfrentar situaes de carncia alimentar; Refletir sobre mtodo de abordagem e contedo para medir a S.A. de populao indgena, especificamente para populaes Guarani;

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

14

Mtodos e procedimentos de campoA investigao aqui relatada um misto de estudo quantitativo, constitudo por entrevistas com questionrio estruturado incluindo avaliao antropomtrica e, qualitativo, com uso de observao participante, entrevistas informais, reunies em pequenos grupos, entrevistas com pessoas chave das comunidades e reunio com grupos de homens, mulheres e jovens. Essas reunies de grupo foram previamente planejadas e estruturadas valendo-se das experincias de campo do grupo de pesquisadores e do suporte de conhecimentos de especialistas reunidos para esse fim. O trabalho de investigao teve seis componentes bem delimitados de mtodos, que passam a ser descritos segundo a mesma lgica de procedimentos de preparao do estudo e de desenvolvimento no campo. 1. Planejamento da investigao Obteno dos consentimentos lideranas indgenas e FUNAI Estruturao e preparao do trabalho de campo Estruturao e preparao do estudo qualitativo:

2. Pesquisa documental sobre a histria e situao das quatro comunidades participantes do estudo. 3. Estudo demogrfico e de mobilidade espacial dos grupos familiares das quatro comunidades. 4. Inqurito sobre condies sociais, morbidade referida e o estado nutricional das crianas, adolescentes e mulheres. 5. Observao das prticas corporais, no trabalho, no lazer e nos jogos tradicionais. 6. Reunio com especialistas em sade indgena 7. Estudo qualitativo sobre segurana alimentar. Observao de Campo Entrevistas individuais com pessoas chave Entrevistas Coletivas Reunio de Grupos

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

15

PlanejamentoEsta fase do estudo foi iniciada pela busca dos consentimentos institucionais visando a entrada em terras indgenas, posteriormente pela obteno da concordncia das lideranas indgenas e finalmente, pela aprovao dos requisitos de tica em pesquisa com seres humanos pelo CEP/UNICAMP e CONEP/CNS. Foram 12 meses do ano de 2006 de rduo trabalho, inicialmente fizemos contatos com FUNAI regional, pois nos foi exigido aprovao prvia do rgo para que pudssemos entrar em contato com as aldeias. Devido a demora na obteno dessa aprovao em alguns casos, o projeto foi apresentado s lideranas pelo chefe de posto da FUNAI, sem nossa participao. Decorridos nove meses nesse trmite, e com as cartas de aprovao das lideranas indgenas pudemos encaminhar o projeto para apreciao do CEP da UNICAMP e, posteriormente, ao CONEP. Enfrentamos neste perodo um processo circular que resultou em atraso importante no cronograma de atividades previstas. Inicialmente os consentimentos informados s seriam possveis de serem negociados e obtidos diretamente pela nossa equipe, se fssemos pessoalmente at as comunidades conversar com as lideranas indgenas. Porm, para entrar em qualquer comunidade/aldeia indgena para apresentar e discutir o projeto era exigida a autorizao da FUNAI3. E, para obtermos a autorizao da FUNAI, era necessrio termos o consentimento informado das lideranas. Com essa incongruncia do sistema de autorizao para entrada em Terra Indgena fomos levados a solicitar prpria FUNAI que fizesse as negociaes com as lideranas. Feito isto, algumas comunidades se interessaram em participar do trabalho de pesquisa, outras no, aquelas passaram a participar da investigao foram: Aldeinha, Rio Branco, Rio Silveira e Piaaguera. Ainda durante o processo inicial de negociao com as comunidades, via administrao regional da FUNAI em Bauru, fizemos algumas reunies com a equipe da FUNASA4 em So Paulo, responsvel pela gesto dos servios de atendimento sade das comunidades Guarani do estado. Os objetivos foram os de informar as equipes locais sobre o trabalho e propor parcerias, no sentido de obter a colaborao da FUNASA para a cesso dos dados populacionais e epidemiolgicos sobre as comunidades, alm de oferecer colaborao s equipes locais naquilo que fosse de nosso alcance e do mbito da temtica do projeto. Ainda nesse perodo das negociaes decidiu-se por realizar a pesquisa somente com as comunidades Guarani de So Paulo. Essa deciso foi tomada basicamente devido reduo no oramento original dos recursos aprovados pelo CNPq, resultando, porm, em vantagem operacional pela maior facilidade de realizar o trabalho em comunidades pertencentes mesma famlia lingstica. Durante esse perodo de espera das autorizaes foram realizadas vrias reunies da equipe do projeto para elaborao dos instrumentos de coleta de informaes, planejamento do transporte das pesquisadoras e de estadia em campo. Foi necessrio, ainda, renovar os contatos3 Fundao Nacional do ndio, rgo do Ministrio da Justia responsvel para as questes de demarcao e fiscalizao das terras indgenas; controlam tambm o ingresso de pesquisadores nas TIs. 4 Fundao Nacional da Sade, rgo do Ministrio da Sade responsvel pela gesto da sade indgena.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005com as aldeias devido a mudanas de liderana, alm de estabelecer novos contatos com os plos base e chefes de postos. O projeto foi aprovado pela Conep em 09 de novembro de 2006, parecer N. 1102/2006. Recebemos autorizao da FUNAI para ingresso em terra indgena em 26 de outubro de 2006, processo N. 1570/06. Em Janeiro de 2007 foram liberados os recursos pelo CNPq e iniciadas as atividades de campo.

16

Procedimentos de CampoEm janeiro e fevereiro de 2007 foram realizadas as primeiras viagens s quatro comunidades, para apresentao e discusso do projeto, agora pela equipe de investigadoras, com suas diferentes fases, mtodos e resultados esperados. Foram feitas reunies com os principais lderes, professores, agentes indgenas de sade (AIS) e agentes indgenas de saneamento (AISAN). Nessas reunies foram planejadas e organizadas as etapas mais imediatas do trabalho. Nessas primeiras visitas as comunidades foram esclarecidas, novamente, sobre sua liberdade de participao ou no no estudo e ausncia de qualquer prejuzo frente recusa. Nesse mesmo perodo foram realizadas reunies com o PIN (Posto Indgena da FUNAI) de Itanham, especificamente com o chefe do posto, administrador local e outros tcnicos. Essas reunies fortaleceram as relaes de parceria com a FUNAI para o desenvolvimento desse trabalho. Com a equipe local da FUNASA fizemos uma reunio no plo-base de Mongagu, que atende as comunidades do litoral sul de SP. Ficou combinado uma colaborao mtua entre nossa equipe e a equipe do plo-base para trocar informaes, esclarecimentos etc.

2. Pesquisa DocumentalA pesquisa documental teve incio em 2007, com a leitura e sistematizao da bibliografia sobre os povos Guarani, mais especificamente sobre uso do territrio, deslocamentos espaciais, redes de parentesco e histria das terras indgenas no estado de So Paulo. A pesquisa documental focou tambm a situao da sade indgena no Brasil nos ltimos 20 anos, bem como as monografias escritas e publicadas sobre os Guarani, principalmente aquelas cujos temas so correlatos aos nossos. Apesar de ter sido proposta como atividade de apoio ao desenvolvimento das atividades de campo, essa pesquisa documental , por si s, um dos resultados da investigao.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

17

3. Estudo demogrfico e mobilidade espacial (migrao)Foram coletadas informaes por meio de entrevistas com os mais velhos de algumas famlias extensas; com esses informantes foram obtidos relatos de suas histrias de vida, no intuito de caracterizar os tipos de deslocamentos espaciais e as formas de operao das redes sociais de parentesco, alm de terem sido exploradas as dificuldades com a alimentao e outras situaes que pudessem ter influenciado esses deslocamentos. Foram feitas genealogias de duas grandes famlias extensas, incluindo quatro geraes, e elaboradas cartografias com as informaes de local de nascimento e residncia atual. Os dados demogrficos da populao Guarani foram obtidos com a FUNASA e, a partir dessas informaes elaboramos uma anlise demogrfica mais ampla para todos os grupos guarani residentes no Brasil e uma anlise mais especfica para as 4 comunidades estudadas.

4. Inqurito PopulacionalAo todo foram feitas 20 viagens a campo, ora com a equipe completa ora uma ou duas das pesquisadoras, dependendo dos objetivos das atividades de campo. Foram cinco as viagens a campo para realizao do inqurito populacional, com entrevistas domiciliares para anlise das condies sociais e de moradia, da morbidade referida e do estado nutricional de adultos e crianas. As entrevistas domiciliares foram feitas, com uso de um questionrio estruturado (anexo I), preferencialmente com as mulheres responsveis pela casa, em geral em vrias etapas. Essas entrevistas tinham um componente de observao importante, sobretudo das condies de moradia, da alimentao e do ambiente peri-domiciliar, que eram sistematicamente anotados no verso desse instrumento de coleta de informaes. Inicialmente foi planejado incluir no questionrio as informaes sobre histria reprodutiva destas mulheres, o que se revelou invivel pela extenso da entrevista e tempo necessrio para a sua concluso. Foram feitas medidas antropomtricas, com Balanas digitais (preciso de 100g) e antropmetros verticais e horizontais com preciso de 1cm. Informaes a respeito de crianas, adolescentes e mulheres e homens adultos, foram obtidas nas quatro aldeias, num total de 115 famlias e 527 pessoas. Os dados de morbidade referem-se ao perodo recordatrio de um ms anterior entrevista, sendo, tambm coletadas informaes sobre hbitos alimentares, de consumo de bebida alcolica e tabagismo. As entrevistas para coleta de dados quantitativos sobre condies de vida e sade, alm das medidas antropomtricas foram realizadas por Maria Bernadete de Oliveira Carvalho, como parte de sua dissertao de mestrado. As medidas antropomtricas foram obtidas de acordo com as recomendaes de tcnicas e padronizao internacionais (WHO, 1995). Para localizao e apresentao s entrevistas a pesquisadora teve apoio dos agentes indgenas de sade, entre maro e junho de 2007. A maior parte das entrevistas foi realizada, nas casas, comEstudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005mulheres adultas, com idade at 64 anos, sendo colhidas informaes relativas a todos os moradores. As informaes do inqurito foram organizadas e digitadas no programa Epinfo, verso 6.0, e transferidas para anlise descritiva para Excel, WHO Anthro (WHO, 2009) e SPSS verso 15.

18

5. Observao e estudo de tcnicas corporais no trabalho no lazer e nos jogosAs informaes foram obtidas por observao do cotidiano, entrevistas com pessoas mais velhas sobre as mudanas ocorridas nas aldeias e com os jovens e adultos acima de 20 anos, sobre a prtica e intensidade das atividades fsicas habitualmente realizadas. Os indicadores da atividade fsica foram estudados utilizando-se as seguintes categorias: i. Caractersticas nas aldeias: acidentes geogrficos rios, morros, serras, lagos, matas etc. e, construes: campos de futebol, quadras, ptios e outras construes existentes na comunidade. Atividades dirias na aldeia como andar, carpir, nadar, caar, pescar, pedalar, varrer, limpar, esfregar, limpar a caa, etc. Atividades de jogos tradicionais, danas e esportes.

ii. iii.

Em duas aldeias foi utilizado um Pedmetro, instrumento que estima a intensidade da atividade fsica pela medida da quantidade de passos que as pessoas do no tempo de durao de uma atividade fsica especfica.

6. Reunio de EspecialistasEssa etapa de abordagem qualitativa do projeto visou antecipar algum entendimento dos conceitos sobre segurana alimentar e temas correlatos, valendo-se, da experincia prvia dos pesquisadores convidados. Buscou-se discutir a experincia de pesquisa do grupo com populaes indgenas, analisar abordagens adequadas da questo da alimentao, explorar possibilidades de conceitos entendidos como prprios desses grupos e, por fim identificar os indicadores que melhor explicam a insegurana alimentar entre eles. Participaram desta reunio de especialistas (anexo II) pesquisadores da UNICAMP, UNIFESP, FIOCRUZ, UFPB, UFMS, INPA, alm de alunos de graduao e estagirios envolvidos com o projeto. A reunio teve a durao de 8 horas (dois perodos), foi gravada em udio, sendo a fita transcrita posteriormente. No primeiro perodo foi apresentado o projeto de pesquisa e a experincia de validao da Escala Brasileira de Medida de Insegurana Alimentar (EBIA), que serviu de inspirao para a busca de um instrumento semelhante e possvel de aplicao em populao indgena. Os participantes apresentaram sua experincia com o tema e discutiram vantagens e limitaes de uso de um instrumento para estimar a magnitude da segurana ou inseguranaEstudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005alimentar entre indgenas. Essa discusso foi seguida, tarde, pelo levantamento de possveis indicadores para uso nos testes de validao externa de uma escala, no caso de ser proposta.

19

7. Estudo Qualitativo sobre Segurana AlimentarObservao de Campo, entrevistas informais e reunies em pequenos grupos. Durante as entrevistas e, tambm, em outras ocasies de visitas s comunidades eram anotadas observaes de forma livre, em geral no verso do questionrio ou em cadernos de campo, ou ainda anotaes de informaes obtidas com uso de roteiro previamente elaborado. Elas dizem respeito s condies ambientais e peri-domiciliares, condies de moradia, hbitos alimentares e condies de sade percebida pelas pesquisadoras. Entrevistas informais em grupo, ou individuais, eram feitas com pessoas chave: lideranas, professores e agentes de sade e saneamento; alm de conversas com mulheres, durante esses perodos em campo e em visitas agendadas para este fim. Estas entrevistas tiveram a finalidade de complementar as informaes difceis de serem abordadas em questionrio estruturado para coleta de informaes quantitativas. Estas observaes tinham, tambm, componentes relativos complementao das questes sobre mobilidade espacial e de observao das prticas corporais. Elaboramos notas de pesquisa temticas para sistematizar essas observaes de campo anotadas em dirios individuais dos pesquisadores.

Grupos de discusso com os indgenasEsse componente da investigao constou de trs reunies de grupo, com participantes da Aldeia de Rio Silveira, que foram organizadas para discutir com os indgenas seus conhecimentos e conceitos sobre segurana e insegurana alimentar e cujos contedos fossem baseados nas experincias de vida de cada um dos participantes e do grupo. Para garantir a incluso dos temas e itens importantes para os objetivos do projeto, em todos os grupos de discusso, foi elaborado um roteiro de orientao para uso dos mediadores (anexo III). O projeto original previa grupos focais em cada uma das aldeias, o que no se mostrou adequado nem eficiente aps vrias tentativas. Optou-se ento por realizar grupos de discusso em uma pousada cujo ambiente guardava muita semelhana com o da aldeia, e, ao mesmo tempo, estava distante o suficiente para possibilitar a concentrao de todos nos temas tratados. A idia do grupo de discusso estruturado, segundo o sexo e idade dos participantes, partiu do costume tradicional guarani de se reunir para discutirem e resolverem assuntos os mais variados. Essa instituio cultural chama-se aty, que pode ser traduzido genericamente como reunio. As aty podem ser atymirim, ou pequenas reunies familiares para discusso de assuntos domsticos, ou atyguau, reunies grandes em geral com mais de um tekoha (grupos locais) participando. Organizarmos, ento, as atividades de discusso, partindo dessa idia de que os Guarani costumam se reunir para discutir temas relevantes para a comunidade , e, tambm, nas refer6encias de mtodos e tcnicas propostos para grupos focais, porm adaptados realidade eEstudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005costumes desse povo (Iervolino & Pelicioni, 2001; Gondin, 2002). Esta atividade teve apoio financeiro complementar importante da Comisso de Extenso da Faculdade de Cincias Mdicas da UNICAMP, que solicitou como contrapartida a participao de alunos de graduao interessados em temticas indgenas. Os grupos de discusso ocorreram simultaneamente, sendo um grupo de mulheres e os outros dois de homens e jovens, da aldeia de Rio Silveira. Isto ocorreu, em parte pela insuficincia de recursos, mas principalmente por negativa do CNPq de atender solicitao de prorrogao de prazo do projeto, o que impossibilitou a mesma atividade nas demais comunidades participantes do projeto de investigao. Toda a aldeia de Rio Silveira foi convidada e os grupos foram organizados, por separao dos homens e mulheres, sendo o grupo de jovens misto, porm com predomnio masculino. O grupo de mulheres era composto por 7 pessoas, o de homens por 6, todos com papel de liderana e no de jovens havia 7 pessoas. Os trabalhos dos grupos foram orientados por um mediador de discusso, pelo menos um observador e dois relatores. As atividades foram gravadas em udio, aps concordncia dos participantes. Um nibus buscou o grupo na aldeia. Ao chegar pousada foram recebidos com um caf da manh e em seguida organizados em subgrupos e encaminhados para salas separadas. As crianas que acompanhavam os pais ficaram sob cuidados dos alunos e estagirios que organizaram atividades ldicas de desenhos e jogos. As atividades se desenvolveram em dois perodos, com uma discusso de encerramento com todos os participantes.

20

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

21

Resultados1. Pesquisa documental do contexto histricoNos sculos XVI e XVII, eram chamados de guaranis todos os grupos falantes dessa lngua que se encontravam desde a costa atlntica no Brasil, at o Paraguai. Os viajantes e cronistas do perodo colonial, tanto no Paraguai quanto no Brasil, j haviam notado que a lngua falada por uma srie de grupos e aldeias diferentes era a mesma e inteligvel para eles eles. Enquanto os espanhis denominavam esses grupos de guarani, os portugueses muitas vezes denominavam os assentamentos j contatados de carijs, e, embora pertencendo ao mesmo grande grupo lingstico, eram tomados como grupos distintos. Esse grande territrio guarani dos dois primeiros sculos da colonizao ia desde as margens do rio Paraguai, na altura de Assuno, at o litoral do Rio de Janeiro, onde comeava o territrio dos Tupinamb e Tupiniquim; e desde a regio ao sul do rio Paranapanema e do Pantanal at o delta do rio da Prata, na regio de Buenos Aires (Meli, 1991). J nos sculos seguintes, XVIII e XIX, os grupos Guarani que no se submeteram s misses jesuticas ou aos regimes de trabalho escravo dos aldeamentos espanhis ou aos bandeirantes portugueses, refugiaram-se nas matas das regies da fronteira atual entre Brasil e Paraguai, na altura do Mato Grosso do Sul e Paran5. Esses Guarani aparecem na literatura como sendo os Kaaygu, ou habitantes do mato, que, posteriormente, vo dar origem aos trs grandes diferentes sub-grupos guarani atuais: Kaiow, andeva (tambm chamados no Paraguai de Xirip) e Mby (Clastres H., 1978; Ladeira M.I., 1994). A partir de meados do sculo XX, os estudos etnogrficos de Nimuendaju, Cadgan e Schaden permitiram maior conhecimento sobre as especificidades lingsticas, religiosas, polticas e sobre a cultura material guarani, definindo as bases para a classificao ainda vigente dos subgrupos. O territrio atualmente ocupado pelos Mbya, andeva (Xiripa) e Kaiowa, grupos Guarani que se encontram hoje no Brasil, compreende partes do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai. Na regio oriental do Paraguai, os Kaiowa e os andva/Xiripa so conhecidos respectivamente por Pai Tavyter e Ava-Xiripa. Outros grupos Guarani Guajaki, Tapiete e os conhecidos por Guarayos, Chiriguano tambm so encontrados no Paraguai e na Bolvia. O territrio onde viviam os Guarani compreendia as bacias dos rios Paraguai, Paran e Uruguai e o sop da cordilheira andina6. Em meados do sculo XIX, grandes grupos guarani teriam sado dessa regio e chegado ao litoral sul e sudeste do Brasil. Esse movimento5 Informaes extradas do verbete Guarani, escrito por Maria Ins Ladeira, para a Enciclopdia Povos Indgenas on line, no site do Instituto Socioambiental, acessado em 25/01/2008. 6 As dataes dos stios arqueolgicos esto indicando que os Guarani estavam na regio do Paraguai e Argentina h cerca de 3.000 a 2.000 anos e que uma considervel parcela deles atingiu o litoral atlntico h cerca de 1.000 anos (NOELLI, 1999). Os dados histricos indicam que parcela dos que no foram escravizados no litoral e nos sertes pelos bandeirantes e seus inimigos Tupi, refluram pelos caminhos conhecidos para Yvy Mbyte - o Centro do Mundoterritrio das bacias dos rios Paran e Uruguai (domnios fronteirios entre Paraguai, Argentina e Brasil), onde muitos resistiram em reas estratgicas de refgio, a escravagistas portugueses, missionrios e encomenderos espanhis. (BERTHO, s/d)

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005representa a busca da Terra sem Mal, um local sagrado e terreno, situado a leste, no qual h plenitude da execuo do modo de viver Guarani, e est associado ao crescimento demogrfico e escassez de recursos naturais e/ou s presses do processo de colonizao. (Nimuendaj, 1987; Clastres, 1978) Hoje observamos que os locais ocupados pelos grupos Guarani so pequenas ilhas num imenso mar que o territrio da sociedade envolvente. Apesar de no ter uma base territorial7 contnua, os Guarani estabeleceram um sistema de relaes sociais, econmicas, polticas e religiosas entre as aldeias, constituindo uma rede que supera a intermitncia de seus territrios (Ladeira, 2005). Portanto, h um intenso fluxo de pessoas entre as aldeias/ilhas, propiciado basicamente pelas relaes de parentesco existentes. Neste processo de sucessivos deslocamentos espaciais, os diferentes grupos guarani enfrentaram dificuldades provocadas pelo contato com outros povos indgenas e a sociedade no indgena. No estado de So Paulo encontram-se os grupos andeva e Mbya, e, mais recentemente, os auto-denominados Tupi ou Tupi-Guarani, que so tambm descendentes ou conectados por parentesco com os andeva. Na regio do litoral do estado encontram-se cerca de uma centena de Tekoha (literalmente: lugar onde se realiza nosso jeito de ser) entre reas demarcadas, em estudo ou somente demandadas. So ncleos de habitao mais permanentes (em geral andeva ou Tupi-Guarani), e ncleos onde as famlias residem apenas por 1 ou 2 anos seguindo viagem. No caso dos Mby a dinmica das relaes sociais est estruturada na prtica do Oguat, literalmente andar ou viajar.

22

Vamos adotar o conceito de territrio indgena como espao fsico, onde determinada sociedade desenvolve relaes sociais, polticas e econmicas segundo suas bases culturais (LADEIRA, 1998).

7

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

23

As quatro comunidades estudadas Rio BrancoA Terra Indgena Rio Branco - Tekoha Yyti - possui 2.856 hectares, est localizada nos municpios de Itanham, So Paulo e So Vicente. Rio Branco e teve sua origem no inicio do sculo XX com a chegada de famlias mby do sudeste Paraguaio e nordeste Argentino. Nos anos 60, o Sr. Jos de Oliveira dos Santos (Capito Zezinho), pertencente ao grupo majoritrio e filho de Francisco de Oliveira originrio do Paraguai, chefiava a aldeia (Azanha e Ladeira, 1998). Nessa mesma dcada houve uma disperso em que um grupo migrou para as aldeias da Barragem e Krucutu, situadas no municpio de So Paulo, e uma outra parte foi para aldeia Boa Vista, em Ubatuba. Assim, se estruturou uma rede de relaes de parentesco e troca entre as aldeias de So Paulo com aldeia de Rio Branco (CTI, 2006). Uma nova onda migratria de famlias provenientes do Paran chegou na dcada de 70. Pedro Benito (Pedro Ribeiro da Silva) se fixa na aldeia onde j morava seu sogro Z Grande (Jos Vitoriano). Essa terra indgena coincide parcialmente com a rea do Parque Estadual da Serra do Mar e atravessada pelo rio Branco, que divide a rea em dois ncleos. De acordo com a FUNASA a populao de Rio Branco de cerca de 40 famlias. Essa Terra Indgena est homologada e registrada no CRI e SPU pelo decreto 94.224 em 14/04/87. O processo de demarcao de Rio Branco foi impulsionado pela Agua Ao Guarani Indgena, uma associao das aldeias indgenas do litoral sul, litoral norte e da capital liderada pelo cacique Jos Fernandes.

Ribeiro Silveira (ou Rio Silveira)A terra indgena Rio Silveira (ou Ribeiro Silveira) tambm coincide parcialmente com a rea do Parque Estadual da Serra do Mar; a rea ocupada de 8.500 ha, pertencendo aos municpios de So Sebastio, Salesopolis e Bertioga. H cincos grupos locais (tekoha) vivendo nessa rea, que so chamados de: Porteira, prxima a entrada da Terra Indgena, com cerca de 40 famlias nucleares; Centro, com cerca de 8 famlias; Rio Pequeno, onde moram 13 famlias nucleares; ncleo Rio Silveira, situado prximo ao rio que d nome TI; nesse tekoha vivem 16 famlias nucleares; e Cachoeira, localizada prxima cachoeira do Rio Vermelho, onde vivem cerca de 10 famlias nucleares. A populao composta por grupos Mby, provenientes do sul e andeva do litoral sul paulista. Registros da FUNASA, de 2008, mostram que a populao era de 376 pessoas. A terra indgena foi parcialmente regularizada e homologada em 8 de julho de 1987 a extenso territorial de 948ha. Em 2008, foi publicada a ampliao dos limites para 8.500 ha. A origem dessa comunidade remonta aos anos 1940, com a chegada de Miguel e sua famlia, um grupo local mby que se deslocou do Sul do pas. Com o falecimento dele (cerca de seis anos depois), sua esposa Maria Carvalho com sua famlia migra para as aldeias do Rio deEstudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005Janeiro e Esprito Santo assumindo a liderana de Rio Silveira outro Mby. Desde ento, essa TI passou a agregar outros grupos locais andeva provenientes do litoral sul paulista, e, um outro grupo mby da regio Sul. Nos anos 60, logo aps a morte do ento cacique, os conflitos existentes entre mby e andeva intensificam-se e muitos mby saram dessa comunidade para a terra indgena Boa Vista, em Ubatuba. Em 1977 assume a liderana um andeva que gozava de grande prestgio poltico inclusive nas aldeias vizinhas.

24

PiaageraA formao desse tekoha ocorreu quando algumas famlias de Aldeinha e da aldeia Bananal (onde havia ocorrido um confronto entre caciques que dividiu a aldeia) ocuparam o local que sediava a antiga aldeia denominada So Joo da Boa Vista. Essa comunidade foi formada pelo grupo andeva e alguns no ndios casados com os mesmos; nos ltimos anos esse grupo local junto com outros de Bananal e de outros assentamentos do litoral sul, passaram a reivindicar a denominao de seu grupo como Tupi-Guarani. A terra indgena Piaaguera est em processo de demarcao, o relatrio foi enviado ao MJ pelo despacho n 118/PRES/03 (CPI-SP, 2007). Posseiros e mineradores contestam a legitimidade da ocupao. Atualmente a aldeia est sob ameaa da explorao de recursos minerais e por um projeto de construo de um porto na regio. Em conseqncia desse processo, desde agosto de 2008 h na TI dois grupos locais. Essa comunidade recebe o apoio de algumas organizaes e das diversas aldeias do litoral e capital, que se uniram para apoiar seu processo de demarcao. A Terra Indgena Piaaguera ocupa uma rea de 2.795 ha, prxima ao rio Bananal, nos municpios de Perube e Itanham; com cerca de 3,5 km de praia e est dividida pela Rodovia Rio-Santos em 2 glebas. Em 2008, a populao era de 218 pessoas (FUNASA, 2008). Essas pessoas vivem atualmente da extrao e venda de palmito, do artesanato e plantaes tradicionais (mandioca, milho, amendoim, entre outras) e alguns trabalhos espordicos fora da comunidade.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

25

AldeinhaA aldeia est localizada na rea urbana de Itanham, no Jardim Coronel. Sua rea ainda no foi identificada pela FUNAI. A rea habitada por uma nica famlia extensa (12 famlias nucleares) do grupo andeva (Tupi-Guarani) com 78 pessoas (FUNASA, 2008). Seu Joo, um dos habitantes, chegou aldeia h cerca de 30 anos. A renda da comunidade vem da comercializao de artesanato, palmito, da produo reduzida de plantas tradicionais e eventuais trabalhos na construo civil e roas da regio. As crianas freqentam escolas regulares, mas so vtimas de preconceitos. Por isso, o grupo reivindica uma escola na aldeia e alfabetizao em guarani.8

2. Perfil demogrfico e Mobilidade EspacialOs povos indgenas da Amrica Latina tem sido apontados como populaes em fase de crescimento demogrfico, que seria, segundo alguns autores uma recuperao populacional provocada pela reao s grandes perdas que esses povos sofreram nas diferentes pocas de contato, nos sculos passados. Outra hiptese levantada pelos estudos demogrficos de povos indgenas na Amrica Latina aponta para a possibilidade desse crescimento ser indicativo de uma primeira fase de transio demogrfica, onde as taxas de fecundidade que descrevem o nmero mdio de filhos por mulher - ainda estariam altas, porm, as taxas de mortalidade j estariam baixando. No Brasil sabemos que as TMI Taxas de Mortalidade Infantil ou CMI Coeficientes de Mortalidade Infantil dos povos indgenas tm declinado nos ltimos anos, muito embora ainda tenhamos casos de variaes causadas por perfis epidemiolgicos especficos ou por falta de atendimento em casos isolados. Embora a maior parte dos povos indgenas no Brasil esteja experimentando um crescimento populacional acelerado, com taxas de cerca de 3% ao ano em mdia, estima-se que nos prximos anos esse crescimento tenda a desacelerar e/ou estabilizar. Os Guarani, assim como muitos outros povos indgenas, tambm, tm experimentado um alto crescimento populacional, como vemos na tabela 1(Anexo IV) e grfico 1. Em 25 anos, de 1981 a 2005, a populao guarani mais do que dobrou de nmero. Esse aumento de populao pode ter duas causas: o chamado crescimento vegetativo, que no caso dos Guarani, como no de outras populaes indgenas, alto, mas tambm pode ser devido migrao de pessoas dos outros pases onde residem comunidades pertencentes a esse povo. Podemos observar aumento populacional dos povos Guarani nos trs pases onde so encontrados (Tabela 1); Nesse perodo de cerca de 25 anos, a populao mais do que dobrou de tamanho, portanto, confirma-se a hiptese de crescimento vegetativo, com altas taxas de natalidade, e reduo da mortalidade, ainda que seja em nveis mais altos do os da populao no indgena.. O aumento populacional, tambm, pode ser decorrente do sub-registro de populao no primeiro e segundo perodos, mas inegvel que o crescimento vegetativo dessa8

A situao de preconceito foi relatada por Dona Alice e seu filho Valter nas entrevistas

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005populao o maior fator para o aumento da populao no Brasil. Observamos inclusive que o aumento do numero da populao nos outros dois pases de uma ordem maior do que aquela experimentada pelos Guarani no Brasil, pelo menos a partir das estimativas que esto disponveis. Portanto, importante registrar que, mesmo que exista uma migrao dos Guarani em direo ao Brasil, essa migrao no teve um volume expressivo nesses perodos, ou compensada por uma emigrao, em uma circulao espacial.

26

Tabela 1 Pas Brasil Paraguay Argentina total

Estimativas de populao Guarani nos trs pases 1981/1985 20.000 17.000 1.000 38.000 1996/2000 38.000 25.000 3.000 66.000 2001/2005 45.787 42.870 6.000 94.657

Fonte: Brasil - Instituto Socioambiental; Argentina - Universidad Nacional de Misiones; Paraguay: Censos Indgenas Nacionales

Os Guarani subdividem-se em muitos sub-grupos e em tekohas (unidade sociolgica, poltica e econmica) cujas complexas organizaes sociais, polticas e econmicas j foram alvo de muitos estudos. Os trs grupos que so em geral nominados tm estimativas de populao diferentes: o grupo que tem a maior populao o Kaiow, tambm denominado Pai Tavyter no Paraguay, seguido pelos andeva, tambm chamados Ava Guarani, e depois pelos Mby, que no Brasil so os nicos que no esto presentes no Mato Grosso do Sul. Os Kaiow encontram-se somente nesse estado e no Paraguay, e os andeva esto nos trs pases e no

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005Brasil esto em todos os estados. A tabela 3 (Anexo IV) diz respeito s estimativas populacionais de cada um desses grupos no Brasil, no perodo recente, entre 2007 e 20089. O perfil etrio dos Guarani no Brasil extremamente jovem, com mais da metade da populao abaixo dos 15 anos, como podemos ver nas tabelas 4 e 510. A razo de sexo, que mede a proporo entre homens e mulheres nas diferentes idades, fica maior do que 1 nas idades iniciais, os homens esto em nmero maior do que as mulheres; na idade jovem, de 15 a 29 anos, as mulheres esto em maior nmero, podendo revelar ou um sub-registro de rapazes dessa idade quando a maioria dos homens est trabalhando bastante tempo nas fazendas ou usinas ou mesmo uma mortalidade maior masculina nessas idades. Nas idades mais velhas, acima de 60 anos, tambm as mulheres esto em maior nmero, significando que os homens tm tido uma mortalidade maior mais cedo. Na tabela 2 abaixo podemos observar a populao guarani por grandes grupos etrios. Para pensarmos no perfil etrio de uma populao importante tambm fazermos os clculos dos grandes grupos de idade principalmente para populaes de pequeno porte, como os grupos indgenas no Brasil. Esses grupos etrios permitem ter uma idia do perfil de idade de cada populao; entre os povos indgenas no Brasil de 0 a 14 anos a populao pode ser considerada jovem, ainda no casada, sem filhos. De uma maneira geral a idade ao ter os primeiros filhos entre os povos indgenas fica entre 14 e 18 anos mais ou menos, ou seja, logo aps a puberdade, depois dos rituais de iniciao masculina e feminina. Entre os no indgenas essa fase de idade considerada como adolescente, porm, entre os Guarani por exemplo no existe essa categoria, a criana quando passa pelos rituais de puberdade j considerada um adulto apto a se casar e exercer de alguma maneira sua autonomia econmica. Portanto, a primeira faixa etria de 0 a 14 anos so as crianas e jovens solteiros; a segunda faixa etria de 15 a 49 anos, aquela representada pelos adultos jovens, e, no caso das mulheres, aquelas em idade reprodutiva. Acima dos 35 anos, nas comunidades guarani, as pessoas j podem ser avs, so os mais velhos, que possuem outras funes sociais e econmicas.

27

Populao total Guarani no Brasil por grandes grupos etrios e sexo e proporo da populao por esses grupos etrios Grupos etrios Masc. % Masc Fem. % Fem. Total % Total 0 a 14 13.097 25,45 12.730 24,74 25.827 50,19 15 a 49 10.581 20,56 10.710 20,81 21.291 41,37 50 e + 2.108 4,10 2.237 4,35 4.345 8,44 Total 25.786 50,11 25.677 49,89 51.463 100,00 Tabela 2Fonte: FUNASA/2008

9

Os dados da Funasa utilizados para esse trabalho trazem uma atribuio de sub-grupo guarani para cada pessoa, porm, essa informao tem alguns problemas nos arquivos recebidos, possivelmente decorrente justamente da dificuldade de sabermos a auto-atribuio tnica de cada famlia e as sub-divises que esto em constante mudana, caracterstica tradicional desse grupo. Os dados aqui utilizados foram produzidos pelo Projeto Mapa Guarani ande Ret, uma parceria entre inmeras instituies no governamentais e universidades nos trs pases, Paraguay, Argentina e Brasil. 10 As informaes da Funasa sobre os Guarani se referem ao ano 2008, porm ainda no completo.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

28

O que podemos observar a enorme proporo de crianas e jovens, uma proporo menor de adultos e menor ainda de pessoas acima de 50 anos. O que nos chama a ateno no grfico 2 que para as polticas pblicas seria muito importante pensar que, diferentemente da populao no indgena, a populao infantil e jovem, em nmeros absolutos, vai aumentar muito nos prximos 20 ou 30 anos, o que implicar em abertura de muitas novas escolas, e de muitos novos postos de atendimento sade, por exemplo. O grfico 3 e as tabelas 6 e 7 (anexo IV) nos mostram o perfil etrio da populao guarani no DSEI Sul-Sudeste e Paran, em 2008. Comparando com a populao do DSEI Mato Grosso do Sul, tabelas 8 e 9, essas populaes apresentam mais ou menos a mesma proporo de jovens, adultos e pessoas mais velhas, sendo que a diferena maior fica na proporo entre homens e mulheres. No DSEI Sul-Sudeste e Paran as mulheres esto em menor nmero em todas as faixas etrias, no caso dos grandes grupos etrios, ou seja, a RS maior do que 1. E no DSEI MS isso diferente, as mulheres esto em maior nmero na populao de 15 a 49 anos e entre os mais velhos.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

29

Mobilidade espacial e grupos locaisNo estado de So Paulo, os Guarani a maior populao indgena vivendo em Terra Indgena (TI); segundo dados da FUNASA (2008) so 3.420 pessoas. Os grupos guarani que vivem nesse estado so os grupos andeva11 (2209 pessoas) e Mby (705 pessoas), e, mais recentemente, os autodenominados Tupi ou Tupi-Guarani (506 pessoas), que so tambm descendentes ou conectados por parentesco com os andeva. Eles se concentram na regio do litoral, onde h cerca de uma centena de Tekoha entre reas demarcadas, em estudo e somente demandadas. So ncleos de habitao mais permanente (em geral andeva ou Tupi-Guarani) e ncleos onde moram algumas famlias e outras residem por 1 ou 2 anos e seguem viagem. No caso dos Mby a dinmica das relaes sociais est estruturada na prtica do Oguat (literalmente: andar ou viajar). A forma de sua historicidade e a rede dos significados da vida coletiva, so construdas na mobilidade, de maneira que os Mby mudam na persistncia de seu estar em movimento. O movimento e sua produo no tempo/espao mtico podem ser considerados um princpio regulador e propriedade constitutiva da concepo do seu universo, dos mundos e do desenvolvimento da existncia humana, permeando a trama das narrativas inaugurais, assim como , em suas formas histricas de dinamismo, que a sociedade Mby e seus indivduos se reconhecem e constroem sua presena no mundo: A gente est aqui na terra no para ficar quieto, mas para se movimentar (Mrio Brissuela, xam mby, in CICCARONE, 2004, p.04).

O processo de formao e fisso de aldeiasA formao das aldeias no litoral paulista foi pautada por relatos mticos, memrias, relatos de antepassados e pelas relaes de parentesco. Em geral, esses Tekoha so formados por um conjunto de parentes de uma famlia extensa (matrilocal e patrilinear) que tm como referncia uma personalidade de prestgio o chefe religioso e/ou poltico. Cada Tekoha costuma receber um grupo de parentes relacionado, que muitas vezes no se fixa na mesma aldeia, mas formam um outro ncleo nas proximidades, ou seja, na mesma terra indgena. (Ladeira, 1994). Mesmo com a formao de novas aldeias, as relaes econmicas, sociais e culturais entre os indivduos permanecem. Tais relaes conformam uma rede entre praticamente todas as comunidades Guarani Mby e andeva do litoral. Dessa maneira, a pesquisa bibliogrfica e documental realizada sobre a histria recente dos povos Guarani no estado de SP mostra que os processos de expanso/migrao e ocupao de novos territrios (bem como a fisso de grupos locais antigos) pelos povos Guarani Mby e andeva esto baseados em suas tradies mticas e de atribuir significao aos territrios.

11 Os povos guarani de acordo com a literatura antropolgica, ao falar de si mesmo usam o termo andeva, quando a pessoa com quem se fala pertence ao mesmo grupo, e oreva quando pertence a outra tribo.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005A configurao do espao guarani atual est tambm relacionada com o contexto poltico e econmico da sociedade brasileira como um todo. Existem aes judiciais e litgios que contestam a legitimidade das Terras Indgenas; alm disto, os prprios indgenas exploram recursos naturais dos seus territrios para venda comercial nos centros urbanos prximos, como por exemplo, o palmito, ou matrias primas para elaborao do artesanato. Dessa maneira, os grupos sociais do entorno das comunidades interferem nos processos de ocupao e deslocamento espacial dos Guarani. Mesmo com essa influncia, as aldeias no Estado de So Paulo mantm sua tradio na formao e permanncia de seus assentamentos: recursos humanos, econmicos e sociais influenciam esse processo, mas a principal motivao para formao de aldeias e mobilidade o modo de vida dos Guarani, ou em sua prpria lngua o teko, o jeito de ser e estar no mundo. Os registros mais antigos apontam que o territrio dos povos Guarani compreendia o Brasil, Argentina e Paraguai e que houve intenso deslocamento para o Leste. (Schaden, 1974, Azanha, 1988). Nesse trajeto foram formados diver sos pontos Guarani de passagem e paradas para descanso, onde famlias passavam alguns dias ou meses entre o percurso de aldeias. Essa interao entre as aldeias, e os conseqentes deslocamentos, so vigentes e praticadas at os dias de hoje. Muitas comunidades atuais foram estabelecidas nesses locais de passagem ou paradas para descanso. Dessa maneira, o processo de formao de uma aldeia/ tekoha, a permanncia nesse local e os deslocamentos esto intimamente relacionados ao locus geogrfico preconizado pela cultura guarani, isto , aos significados culturais que os povos guarani atribuem a cada paisagem, espao ou meio ambiente da regio onde tradicionalmente habitam. Essa caracterstica est presente na TI da regio Sudeste e Sul como percebemos na histria das aldeias de Rio Silveira, Rio Branco, Jaragu, Krukutu e Barragem, e tambm no recente processo de constituio mais recente das aldeias de Piaaguera e Aldeinha.

30

3. Histria dos assentamentos indgenas de So PauloO indigenista Kurt Nimuendaj (1987) conheceu os apapocva12 no Estado de So Paulo no incio do sculo XIX. E, segundo ele, entre as tribos Guarani comeou um movimento religioso em busca da Terra Sem Mal que ainda no teria se completado. Os primeiros a migrar para o leste teriam sido os vizinhos meridionais dos apapocva, os Taygu13. Esses saram do seu territrio, subiram pela margem esquerda do Paran e rumando em direo leste, chegaram cidade de Itapetininga, onde foram escravizados pelos colonos. Porm, conseguiram fugir e marchar pelo sul em direo ao mar; fixaram-se na Serra do Itatins e preparavam-se para a viagem milagrosa pelo mar at a Terra sem Males. Estes receberam terras no rio do Peixe e Rio Itariri (atual TI de Itariri) do governo brasileiro, em 1937. No inicio do sculo XX, receberam proposta para mudar de local, principalmente para a TI de Arriba, mas recusaram.

12 13

Um dos povos Guarani que Nimuendaj estudou. Eram originrios do baixo Iguatemi no sul do MS Um dos povos Guarani que Nimuendaj estudou

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005No inicio da caminhada para leste, os Taygu passaram pela regio dos Oguauva (margem direita do Paran, depois de terem passado pelos Apapocva, no Mbaraca). Tempo depois da passagem do grupo Taygu, os Oguauva14 seguiram caminho para leste. Semelhantemente aos seus antecessores na marcha rumo ao oriente, sua trajetria foi interrompida na regio de Itapetininga; chegaram a retroceder e ficar na fazenda Pirituba do Baro de Antonina, na terra entre os rios Verde e Itarar. Muitos foram mortos por epidemias e, em 1912, devido politicagem local, parte do grupo concordou em ir para Ararib, outra parte continuou caminhando. Cerca de 1860, um grupo vindo do Rio Verde, alcanou o litoral prximo aos Taygu. Segundo Nimuendaj (1987), uma parte vivia na regio do Bananal (na nascente do Rio Preto) na cidade de Conceio do Itanham15, outros na ferrovia de Mongagu, e no Itariri junto com os Taygu. importante salientar que os indgenas da etnia Karij, habitantes do litoral paulista, no viviam mais nessa regio. Por volta de 1870, depois que numerosos outros bandos haviam imitado o exemplo dos Tanygu e Oguauva, com maior ou menor sucesso, o movimento migratrio propagou-se tambm at os Apapocva. Alguns voltaram para viver no territrio indgena do Rio Verde, mas sem associar com os indgenas Oguauva que j viviam ali. Acusados de feitiaria, esses Oguauva tiveram que migrar para Bauru. L uniram-se a outro grupo que retornava do litoral e receberam o convite do Frei Sabino para fundar uma colnia em Dourados no MS. Tambm outro grupo tinha sado de MS resolveu se juntar ao grupo. Todos tinham desistido de marchar para o leste. A tentativa de Frei Sabino fracassou, quando ele foi transferido de posto. Todo o grupo abandonou o local, uma parte ficou na regio do Rio Batalha e depois fugiu para Bauru; j a outra retornou ao Rio Verde, no caminho e durante sua estdia sofreram com doenas infecciosas. O grupo que fugiu para Bauru, logo depois fundou uma aldeia em Avari e mediante a presso da construo da estrada de ferro tiveram que sair de l; depois algumas dessas famlias foram para Ararib. Esse local indgena foi convertido em asilo para remanescentes disperso das tribos Guarani... A maioria dos ndios dessa tribo habitava em So Paulo, bem como um grande nmero deles no Mato Grosso e Paran, aceitaram minhas propostas de mudana para esta reserva nos anos de 1912 e 1913. (Nimuendaj,1987). Nesse perodo, os Apapocva tinha aldeias no Paran, em Jacarezinho e em Itapeva, no afluente do Rio Paranapanema, Rio Cinzas, no Mato Grosso (Protero Guau). Os Apapocva, Oguauva e Taygua migram liderados pelo grande paj, subiram o Rio Paran e tomaram o rumo para leste; alguns grupos seguiram pelas margens do Rio Paranapanema, outros, pelo Rio Tiet (Nimuendaju, 1987). Outros grupos que viviam a sul dos Apapocva, Oguauva e Taigua, conhecidos como Mby tambm iniciaram sua marcha para o leste, chegaram ao litoral Sul e migraram em direo norte (Azanha, 1988).

31

14

15

Tambm um dos povos Guarani que Nimuendaj estudou Atualmente, este local pertence ao municpio de Perube.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005Os descendentes desses diversos grupos vivem atualmente na regio litornea de So Paulo. Percebemos que, na atualidade, h casamentos e outros tipos de alianas entre esses povos Guarani. Tambm h uma profunda ligao da caminhada desses povos rumo ao leste com a formao das Terras Indgenas j existentes e com as que esto em formao.

32

Trajetrias de vida e genealogiaDas pessoas entrevistadas at o presente momento da pesquisa, apresentaremos a trajetria de vida de dois fundadores de tekoha. Selecionamos as histrias de vida de Dona Alice e Seu Igino, pois essas trajetrias sintetizam o teko (modo de vida guarani). Alm do mais, ambos so importantes lideranas, formadores de tekoha e descendentes de grandes lderes guarani.

Aldeinha ou Tekoha andepowaA Aldeinha ou Tekoha andepowa composta pelos membros de uma famlia extensa. Analisaremos alguns aspectos como a mobilidade espacial (locais de residncias anteriores e atuais), genealogia e histria de vida com foco na trajetria de vida do ancestral dessa comunidade conhecida como Dona Alice, formadora do Tekoha andepowa. Essas informaes foram colhidas principalmente nas entrevistas realizadas com Dona Alice e tambm com seu filho Valter. A Dona Alice filha de Odair Castro (Xap) e de Angelina da Silva. A indgena Angelina originria do Paran; posteriormente, casou-se com o lder indgena Antonio Branco16 e tiveram mais 2 filhos: Fernando Branco, nascido em Itariri e Balbina Rosa, que nasceu em Bananal. O indgena Odair Castro casou se novamente com Joana Alpio e teve dois filhos: Ilza e seu irmo Igino de Castro nasceram em Itariri. Atualmente, Seu Igino vivem na TI Rio Silveira, no tekoha Cachoeira; sua parentela foi analisada e ser descrita no prximo item. Dona Alice nasceu na Aldeia do Bananal; ela casou-se com Seu Joo Romualdo (filho de Jos Eugenio) e foi morar na aldeia de Itariri, onde nasceram todos seus filhos; alguns deles (os mais velhos) cresceram nessa aldeia, casaram e foram morar com suas esposas e famlias em aldeias da regio do litoral paulista. Anos depois, ao se separar do marido, D. Alice procurou continuar vivendo prximo seus filhos. Ela juntamente com os ltimos filhos (eram ainda crianas) perambularam pela cidade e por algumas aldeias procurando abrigo e, aps estas andanas, fixaram-se nesse local em Aldeinha, visto que j havia existido uma aldeia. Com o passar do tempo, seus filhos e filhas que estavam casados mudaram com a famlia para junto da me, j os filhos mais novos Gilmar, Jorge, Ricardo, Mrcio, Daniel e Elisa casaram-se e continuaram morando na aldeia.

16 Antonio Branco irmo de Ana Jlia casada com Bento Samuel dos Santos, atual paj da TI Rio Silveira. O casal vive em Rio Silveira junto com seus descendentes.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005J Eduardo (primognito e filho de um primeiro companheiro de Alice), em sua histria de vida tambm h apresentou diversos deslocamentos: viveu em Itariri, j morou em Rio Silveira, onde vivem hoje sua ex-esposa Claudia e suas filhas e, atualmente vive em Paranapu. Ele o nico filho de D. Alice que no mora nas proximidades da me. Vera, Valter e Regina moraram em Itariri e migraram para o Tekoha andepowa logo aps a sada da me de Itariri. Anglica j viveu em Itariri, morou em Bananal com seu esposo e com a fixao da me no territrio atual, tambm se mudou para Aldeinha. Assim, os filhos de D.Alice tm uma histria de deslocamentos semelhante me: eles nasceram na aldeia de Itariri e migram pra outras aldeias por diversos motivos: alguns se casaram e passaram a morar com seus cnjuges, constituindo nesse local famlia e migrando para Aldeinha; outros acompanharam a me no itinerrio de Itariri Aldeinha. Outro aspecto interessante da genealogia que os irmos do ego (Alice) esto vivendo em aldeias distintas e muitos deles vivem fora da comunidade onde nasceram. A Rosa nasceu em Bananal e hoje vive em Piaaguera; Fernando nasceu em Itariri, atualmente mora na aldeia do Capoeiro; Igino, que tambm nasceu em Itariri vive em Rio Silveira (aldeia onde moram as netas de Alice, filhas de Eduardo) e Ilza, mora na Barragem. interessante tambm destacar que Seu Joo, ex-marido de D.Alice tio de Catarina, uma liderana da TI de Piaaguera. Assim, ficam evidentes os vnculos de parentesco entre os dois tekohas. Tambm identificamos as relaes entre essas 2 TIs por observarmos as visitas aos parentes s aldeias. Os membros de ambas as TIs junto com Rio Branco vendem artesanatos e palmitos na mesma feira. Dessa maneira, nas trajetrias e etapas de vida dos membros dessa famlia extensa compreendemos algumas caractersticas do deslocamento espacial guarani. MAPA COM A TRAJETRIA DE VIDA DE DONA ALICE

33

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

34

Tekoha Cachoeira na TI Rio SilveiraA terra indgena de Rio Silveira formada pelos cinco tekohas (ncleos) j mencionados. O Tekoha Cachoeira formado pelos membros da famlia extensa do lder Seu Igino, um dos primeiros moradores da aldeia e tambm o mais velho do ncleo. Assim, realizamos entrevista com esse lder a fim de compreender tambm sua histria de vida, focando na sua mobilidade espacial (locais de residncias anteriores e atuais) e tambm de seus parentes consangneos e afins dos dois lados, paternos e maternos, na sua gerao e nas seguintes. Seu Igino irmo paterno de Dona Alice. Ele nasceu em 1945 na cidade de Itariri, onde hoje a Terra Indgena de Itariri. Em 1957, juntou com a irm, ele mudou para a TI Barragem. Por volta dos 17 anos, ele foi para o PR, depois, pro RS, Angras dos Reis/ RJ, Ubatuba, Bananal e, por ultimo, Rio Silveira, aonde chegou nos anos de 1965/66. Seu Igino teve uma filha com a indgena Tereza, do Paran; esta filha viveria atualmente em SC. Seu Igino casou-se com Ana Rosa, proveniente do PR. O casal teve dois filhos nascidos em Perube, na TI do Bananal: Sandra e Alexandre. Sandra teve cinco filhos com o primeiro marido: Camila, que nasceu e ainda vive em Rio Silveira, casada e tem um filho; Santina nasceu tambm em Rio Silveira, mas vive no Rio de Janeiro com esposo e filha; Carina, Danila e Donizeti, estes 3 nasceram e tambm vivem no tekoha Cachoeira. Hoje Sandra vive na Barragem junto com marido e trs filhos do casal (2 meninos e a mais nova- uma menina). J Alexandre, nasceu e casou-se com Clia de Paula no Rio Silveira. O casal separou-se, mas os seis filhos, por ordem de nascimento: Regiane, Guilherme, Maicon, Michel, Alessandra, Viviane; todos nasceram e ainda vivem junto com a parentela de Seu Igino. Clia tambm mora em Rio Silveira, mas no tekoha Rio Pequeno. Alexandre, foi para Barragem, casou-se com Elisia e teve uma filha l, depois retornou para Rio Silveira com a mulher e a filha. Antes de casar com Seu Igino, Ana Rosa teve trs filhos com Z dos Santos (tio de Igino, j falecido): por ordem de nascimento, Izilda, Vando e a esposa do cacique de Ubatuba. Vando casou-se com Glorinha Samuel dos Santos (filha de Bento Samuel, cujo cunhado Antonio Branco) e tiveram Janilson, Vanessa, Vinicius, Ariane e Rodrigo. J Zilda casou-se com Hermenegildo Samuel dos Santos (filho de Bento Samuel), que j viveu em Bananal. O casal tem 6 filhos: Cludio, Clarisse (me de Wellington), Gilson, Eliane, ngela e Naila. Somente o primeiro filho nasceu em Bananal e os demais em Rio Silveira. Toda a parentela descendente de Ana Rosa vive no Tekoha Cachoeira. Podemos notar nessa trajetria de vida que a parentela de Seu Igino tende a fixar no tekoha e expandi-lo. Tanto filhos homens como mulheres tm permanecido e vivido junto a esse lder, o que nos parece indicar uma transformao na regra de sucesso e descendncia entre os subgrupos Guarani.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

35

MAPA COM TRAJETRIA DE VIDA DE IGINO

A SEGUIR A GENEALOGIA SEU IGINO E DONA ALICE COM TODA A SUA PARENTELA.

Genealogia

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

36

Consideraes FinaisAtravs dessa pesquisa, podemos concluir que a mobilidade espacial dos povos Guarani contnua no que diz respeito ao fluxo de pessoas em seu territrio originrio, denominado por eles como ande Ret. Tambm foi identificada uma profunda ligao da caminhada desses povos rumo ao leste com a formao das Terras Indgenas existentes em SP e aquelas que esto em formao. Os deslocamentos espaciais continuam acontecendo, sendo que destinos preferenciais so aldeias onde h algum parente ou onde j viveram algum tempo. Nesse sentido, a realizao de genealogias ainda fundamental para a compreenso da mobilidade Guarani, pois revelaram que a busca de um local com condies adequadas para viver, envolve de alguma maneira os parentes, seja na indicao ou para buscar recursos naturais para artesanatos, para casar ou, para tratamento de sade onde tem paj. O georeferenciamento dessas trajetrias de vida e ligao entre as aldeias permitiu uma visualizao da circulao dos povos Guarani no territrio tradicional. A mobilidade espacial e o processo ocupao de territrio, bem como fisso de antigos grupos locais so investidos de significados pelos Guarani. Esses indgenas tm uma maneira prpria de viver, se deslocar e dar sentido a sade, educao, economia e cultura, j que todos esses elementos so partes do seu modo de ser. A impossibilidade de realizao desse modo de viver motivou e ainda motiva esses indgenas a buscarem um local com condies adequadas. Essa busca pode se concretizar com um deslocamento para um tekoha onde vive um parente, onde h recursos naturais ou servios pblicos que garantam sade, paz, educao e acesso aos recursos naturais (diretos ou comprados). Notamos essas caractersticas nas entrevistas de alguns lderes dessas comunidades e focando nos seus relatos de mobilidade espacial, dos locais de residncias anteriores para os atuais. Estas entrevistas nos fizeram compreender melhor a sua histria de vida e as de seus parentes consangneos e afins, paternos e maternos, da sua gerao, da anterior e das seguintes. O modo de ser, ao longo das histrias dos povos Guarani, foi sendo atualizado e resignificado pelos diversos agentes Guarani. A mobilidade continua acontecendo e provavelmente continuar a acontecer. O conhecimento da mobilidade espacial Guarani indica para o poder pblico e sociedade envolvente que esse povo concebe o espao, mobilidade, educao e economia de outra forma, de uma maneira diferente. O conhecimento desse jeito de viver mostra que h uma diferena que marca a alteridade Guarani em relao nossa sociedade. Em relao aos grupos estudados provavelmente essa mobilidade estar presente, agudamente, em pelo menos duas aldeias, Piaaguera e Aldeinha, considerando a presso resultante de territorial exguo e a desorganizao social observada. Ser para eles a busca e realizao do modo de ser Guarani.

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005

37

4. Condies de vida, sade e nutrio dos Guarani do litoral de So PauloOs dados obtidos e tabulados encontram-se em anexo (Anexo V), onde podero ser encontradas as tabelas numeradas neste texto. Ao todo foram obtidos dados de 115 famlias totalizando 527 pessoas, com distribuio semelhante por sexo (Tabela 1). Foram 42 pessoas da aldeia Rio Branco, 147 de Piaaguera, 304 da terra Rio Silveira e 33 de Aldeinha. A faixa etria de menores de 5 anos e de 5 a 14 anos muito numerosa, juntas somam mais de 51% da populao, isto supera a faixa adulta de 15 a 49 anos. Em Rio Silveira predominam as crianas de 5 a 9 anos (Tabela 2). Das 115 famlias 72% eram chefiadas por homens, com idade mediana de 35 anos. Houve apenas uma aldeia onde o chefe de famlia era no indgena (Tabela 3). Predomina a classe econmica E do Critrio Brasil 2008 (80%). Entre os chefes de famlia cerca de 90% tm baixa escolaridade, no mximo 4 anos. As famlias nucleares, casal com filhos representam mais de 50% dos arranjos familiares exceto em Rio Branco. Suas casas so predominantemente de alvenaria (53%) exceto em Rio Branco onde mais de 90% de taipa (Tabela 4). O telhado tradicional em Rio Branco e Rio Silveira, sendo de palmeiras ou gramneas em 53% das casas, mas em Piaaguera e Aldeinha mais de 80% so de Zinco/Amianto (Tabela 4). Em Rio Branco e Aldeinha muito baixa a disponibilidade de gua encanada (. FVARO, T RIBAS DLB; ZORZATTO JR; SEGALL-CORRA AM; PANIGASSI G. Segurana alimentar em famlias indgenas Terna, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad. Sade Pblica, 2007, 23(4):785793. FLEMING-MORAN M, COIMBRA JR. CEA. Blood pressure studies among Amazonian native populations: a review from an epidemiological perspective. Soc Sci Med 31:593-601, 1990.Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

81

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005FUNASA - Fundao Nacional de Sade. Poltica Nacional de Ateno a Sade dos Povos Indgenas. Braslia: Ministrio da Sade, Fundao Nacional de Sade, 2002. FUNASA - FUNDAO NACIONAL DE SADE. 100 Anos de Sade pblica. A viso da FUNASA. Ateno Sade Indgena. [Acesso em 19 jul.2005]. Disponvel em: . FUNASA FUNDAO NACIONAL DE SADE. 4 Conferncia de Sade Indgena, Relatrio Final. Rio Quente-GO, 27 a 31 de maro de 2006: relatrio final. Braslia: FUNASA, 2007. 228p.: il.. [Acesso em 20 jul.2009]. Disponvel em: . GONDIM, S. M. G. Grupos Focais como Tcnica de Investigao Qualitativa: Desafios Metodolgicos. Paideia (Ribeirao Preto), Ribeiro Preto, v. 12, n. 24, p. 149-162, 2002. GORDON, C. Economia Selvagem. Ritual e Mercadoria entre os ndios Xikrin-Mebngkre. So Paulo. Editora UNESP, 2006. GUGELMIN SA, SANTOS RV. Ecologia humana e antropometria nutricional de adultos Xavnte, Mato Grosso, Brasil. Cad. Sade Pblica 2001; 17(2)-313-322,mar-abr. IERVOLINO, S.A., PELICIONI, M.C.F. A utlilizao do grupo focal como metodologia qualitative na promoo da sade. Rev.Esc.Enf. USP, v. 35, n. 2, p. 115-21, jun. 2001. INSTITUTO CIDADANIA. PROJETO FOME ZERO: uma poltica de segurana alimentar para o Brasil. So Paulo, 2001. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. VERBETE GUARANI. Enciclopdia Povos Indgenas [online]. Instituto Socioambiental. Disponvel em: [25/01/2008]. JYOTI, JF; FRONGILLO, EA JONES, SJ. Food insecurity affects school childrens academic performance, weight gain, and social skills. J Nutr [Serial on the Internet] 2005;135 [Cited 2007 Apr 28]:2831-2839. Available from: http://jn.nutrition.org KEPPLE, AW; SEGALL-CORRA AM. Conceituando e Medindo Segurana Alimentar e Nutricional. Rev S C Col no prelo 2010. LADEIRA, M. INS (org). Prticas de subsistncia e condies de sustentabilidade das comunidades Guarani na Mata Atlntica. So Paulo, Centro de Trabalho Indigenista, jan 1998. Disponvel em http://www.trabalhoindigenista.org.br [25/01/08]. LADEIRA MI. Os ndios Guarani/Mbya e o complexo lagunar estuarino de Iguape-Paranagu. Parecer elaborado por solicitao do Programa de Trabalho indigenista da C.P.R.N/SMA - Coordenadoria de Proteo Recursos Naturais da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo, 1994. [Acesso em 19 jul.2005]. Disponvel em: http://www.trabalhoindigenista.org.br/ povos_indgenas publicaes.

82

Estudo dos conceitos, conhecimentos e percepes sobre segurana, insegurana alimentar e fome em quatro grupos de etnia Guarani no estado de SP

Relatrio Tcnico Final - Processo CNPq 401176/2005LADEIRA, M. INS E FELIPIM, ADRIANA. TEKO MBARAETER Fortalecendo nosso verdadeiro modo de ser. Centro de Trabalho Indigenista. So Paulo, 2005. Disponvel em: . MARTINS, S.J.; MENEZES, R.C. Evoluo do estado nutricional de menores de 5 anos em aldeias indgenas da tribo Parakan, na Amaznia Oriental Brasileira, 1989-1991, Revista de Sade Pblica, 1994, 28:1-8 So Paulo. MAUSS, M. Sociologia e antropologia. Cosac Naify, 2003. NIMUENDAJU, KURT. As Lendas da Criao e Destruio do Mundo como Fundamentos da Religio dos Apapocva-Guarani. HUCITEC & EDUSP, So Paulo, 1987. PAVAN L, CASIGLIA E, BRAGA LM, WINNICKI M, PUATO M, PAULETTO P, PESSINA AC. Effects of a traditional lifestyle on the cardiovascular risk profile: the Amondawa population of the Brazilian Amazon. J Hypertens 17:749-56, 1999. PEREZ-ESCAMILLA R, SEGALL-CORREA AM, KURDIAN M L, SAMPAIO MF, MARIN-

83

LEON L, PANIGASSI G. An adapted version of the U.S. Department of Agriculture FoodInsecurity module is a valid tool for assessing household food insecurity in Campinas, Brazil. J Nutr. 2004;134(8):1923-8. RIBAS DLB, SGANZERLA A, ZORZATTO JB. Nutrio e sade infantil em uma comunidade Terena, Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad Sade Pblica 17:323-31, 2001. ROCHA FERREIRA, M. B., ZUCAS, S. M. Estado nutricional e aptido fsica em pr-escolares. Rio de Janeiro: Fename/SEED: Braslia, 1983, 85p. (Prmio Liselott Diem de Literatura Desportiva, 1981). ROCHA FERREIRA, M. B., MALINA, R. M., ROCHA, L. Anthropometric, functional and psychological characteristics of eight year old Brazilian children from low socioeconomic status. Medicine Sport Science, v. 31, p. 109-118, 1991. SAAD MNBL. Sade e Nutrio Terena: Sobrepeso e Obesidade. Dissertao de Mestrado, Campo Grande: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, 2005. SANTOS RV. Crescimento fsico e estado nutricional de populaes indgenas brasileiras. Cad Sade