Relatorio de Estagio Penitenciaria

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    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Centro de Filosofia e Cincias Humanas

    Escola de Servio Social

    Fernanda Carneiro Soares

    O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina:

    contribuies ao debate da dimenso tcnico-operativa a partir de

    uma pesquisa avaliativa.

    Rio de Janeiro

    Agosto

    2009

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    Fernanda Carneiro Soares

    O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: contribuies ao

    debate da dimenso tcnico-operativa a partir de uma pesquisa avaliativa.

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado Escola

    de Servio Social da Universidade Federal do Rio de

    Janeiro, como parte dos requisitos necessrios

    obteno do grau de bacharel em Servio Social.

    Orientadora

    Miriam Krenzinger Azambuja Guindani

    Rio de Janeiro

    Agosto

    2009

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    DEDICATRIA

    quele que nestes quatro anos e meio tanto obtive argumentos bem fundamentados

    para duvidar de sua existncia. Contraditoriamente, neste mesmo perodo mais pude

    sentir sua presena, cuidado e amor pela minha vida. Ao meu Deus.

    Porque Dele e por Ele, e para Ele, so todas as coisas... Rm. 11. 36

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    AGRADECIMENTOS

    minha famlia que sempre me apoiou e compreendeu minhas ausncias em virtude deste

    trabalho. Em especial a minha me Maria por ter no apenas me gerado, mas por ter

    gestado comigo cada um dos meus sonhos.

    minha orientadora Miriam Krenzinger Azambuja Guindani, por ter ido muito alm desta

    funo. Por acreditar no meu potencial e me oferecer ricas oportunidades. Pelas fecundas

    sugestes, crticas e questionamentos para a vida.

    Aos meus amigos, irmos que tive a oportunidade de escolher. Mrcio Bernardino, por

    sempre me apoiar e acreditar em mim. Jaqueline Rodrigues, que compartilhou comigo

    desde o pr-vestibular ao trmino da faculdade esta rdua trajetria acadmica.

    Aos profissionais, estagirios e apenadas da Unidade Penitenciria Talavera Bruce por

    terem corroborado de diferentes formas para a elaborao deste trabalho. Raquel Souza,

    sempre disposta a ouvir meus questionamentos e propostas. Viviane Aquino pela amizade,

    pelas contribuies metodolgicas e pelas conversas que tanto contriburam para as minhas

    reflexes.

    Aos estagirios, profissionais e usurios do Ncleo Interdisciplinar de Aes para a

    Cidadania, por terem enriquecido com suas experincias e debates este trabalho. Suellen

    Guariento e Felipe da Matta, sem vocs tudo teria sido mais rduo e difcil, obrigada por

    todas as crticas e sugestes, quase sempre acompanhadas de boas risadas.

    A todos os meus irmos em Cristo da Igreja Batista Internacional Missionria pelo apoio

    espiritual em todos estes anos.

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    E o entusiasmo no mais do que a adorao exterior dos fetiches. Reao

    necessria, que deve ter como ponto de partida a inteligncia. O nico entusiasmo justificvel aquele que acompanha a vontade inteligente, a

    operosidade inteligente, a riqueza inventiva em iniciativas concretas que modificam a realidade existente.

    Gramsci, A.

    So verdadeiramente poucos aqueles que refletem e ao mesmo tempo so capazes de agir. A reflexo amplia, mas debilita; a ao revigora, mas

    limita. Meister, W. Goethe.

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    RESUMO

    SOARES, Carneiro Fernanda. O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: contribuies ao debate da dimenso tcnico-operativa a partir de uma pesquisa avaliativa. Rio de Janeiro, 2009. Trabalho de Concluso de Curso Escola de Servio Social, Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

    Este trabalho de concluso do curso de Servio Social da Escola de Servio

    Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro tem como objetivo analisar os

    elementos constitutivos da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em uma

    Unidade Penitenciria Feminina. O trabalho desenvolvido est estruturado em dois

    captulos. O primeiro intitulado O Servio Social em uma Unidade Penitenciria

    Feminina, aborda a prtica instituda na unidade. J o segundo denominado

    Avaliao Processual da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em uma

    Unidade Penitenciria Feminina, tem por intuito realizar uma pesquisa avaliativa

    acerca dos instrumentos e tcnicas utilizados pelo Servio Social nas principais

    demandas institudas. No desenho metodolgico utilizou-se: levantamento e anlise

    bibliogrfica, bem como documental e entrevistas semi-estruturadas. Considera-se

    que a prtica instituda do Servio Social nesta instituio no que se refere aos

    instrumentos e tcnicas utilizados, caracteriza-se por privilegiar demandas da

    instituio quanto produo de relatrios. Por outro lado, salienta-se a existncia

    de prticas instituintes, que poderiam corroborar com a utilizao dos instrumentos e

    tcnicas, no sentido da reduo da violao de direitos neste espao, bem como a

    contribuio na garantia de direitos.

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    LISTA DE SIGLAS

    RPERJ Regulamento do Sistema Penitencirio do Rio de Janeiro.

    SEAP/RJ Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria do Rio de Janeiro.

    LEP Lei de Execues Penais.

    NIAC/UFRJ Ncleo Interdisciplinar de Aes para a Cidadania da Universidade Federal do

    Rio de Janeiro.

    SEAP/TB Penitenciria Feminina Talavera Bruce.

    SEAP/UMI Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcut.

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    SUMRIO

    Introduo 9

    Captulo I: O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina. 12

    1.1 - Poltica Criminal Contempornea: breves consideraes. 12

    1.2 - A Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria (SEAP): breves

    consideraes. 19

    1.3 O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: os limites e

    potencialidades da prtica profissional neste espao institucional. 24

    1.3.1 Principais Prticas Institudas. 32

    1.3.1.1 O relatrio social para composio do exame criminolgico. 32

    1.3.1. 2 As entrevistas sociais para a composio dos processos de visita ntima. 36

    1.3.1.3 A entrevistas sociais realizadas nos atendimentos iniciais. 38

    1.3.2 Principais Prticas Instituintes. 39

    3.3 O pblico alvo e a populao atendida pelas aes do Servio Social. 42

    Captulo II: Avaliao Processual da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em

    uma Unidade Penitenciria Feminina.

    45

    2.1 Anlise dos dados quanto ao marco legal e terico no campo da justia penal.

    49

    2.2 Anlise a partir do referencial legal e tico (Cdigo de tica e Lei de

    Regulamentao) da profisso.

    57

    2.3 Como so apresentadas as trajetrias de vida dos apenados nos relatos apresentados.

    64

    2.4 Breves consideraes acerca da avaliao realizada.

    70

    Consideraes Finais 75

    Referncias Bibliogrficas 78

    Apndices 83

    Apndice A - Instrumento para as entrevistas. 83

    Apndice B Transcrio das entrevistas. 86

    INTRODUO

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    O presente trabalho origina-se de determinadas inquietaes

    propiciadas pelas experincias de estgio e extenso, na Secretaria de

    Estado e Administrao Penitenciria do Rio de Janeiro SEAP/RJ e no

    Ncleo Interdisciplinar de Aes para a Cidadania NIAC/UFRJ.

    No perodo de fevereiro de 2008 a agosto de 2009 tive a rica

    oportunidade de estagiar na SEAP/RJ. A partir desta experincia surgiram

    vrias indagaes sobre os desafios ticos e polticos acerca da insero do

    Servio Social neste espao, bem como as particularidades de determinados

    instrumentos e tcnicas utilizados. No entanto, ao aprofundar minhas

    aproximaes tericas acerca da insero do Servio Social no Sistema

    Penitencirio, identifiquei poucas produes acadmicas que tratassem da

    temtica. Mediante minhas indagaes quanto s atividades cotidianas

    desenvolvidas pela profisso, tambm optei por direcionar meus estudos a

    questo da dimenso tcnico-operativa, porm, tambm ao me aproximar

    desta temtica, foram encontradas poucas produes.

    A experincia no NIAC no perodo de novembro de 2008 a agosto de

    2009 contribuiu para as reflexes acerca da insero do Servio Social em

    instituies penitencirias ao propiciar questionamentos que viabilizaram a

    construo de um olhar complexo quanto atuao profissional. Atravs da

    discusso de temticas como a criminalizao, violncia, formas alternativas

    de resoluo de conflitos e a seletividade do sistema penal, bem como a

    participao na organizao de eventos como a 1 Conferncia Livre dos

    Presos1, pude ampliar minhas reflexes quanto insero do Servio Social

    no sistema penitencirio.

    1 Conferncia realizada em 25 de julho de 2009 na 52DP de Nova Iguau, organizada pelo Ncleo

    Interdisciplinar de Aes para a Cidadania.

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    Neste sentido, este trabalho tem como foco de anlise os elementos

    constitutivos da dimenso tcnico-operativa do Servio Social em uma

    Unidade Penitenciria Feminina.

    Para tanto, a pesquisa relatada neste trabalho utilizou-se de

    levantamento bibliogrfico, observaes de campo, anlise documental e

    entrevistas semi-estruturadas.

    No captulo I intitulado O Servio Social em uma Unidade Penitenciria

    Feminina, tem-se o objetivo de analisar as caractersticas das prticas

    institudas e instituintes do Servio Social neste espao, salientando os

    instrumentos e tcnicas utilizados. Neste sentido, foram utilizados:

    levantamento e anlise bibliogrfica, bem como documentais e observaes

    de campo.

    J no captulo II denominado Avaliao Processual da dimenso

    tcnico-operativa do Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina,

    tem-se o intuito de realizar uma pesquisa avaliativa acerca dos instrumentos e

    tcnicas utilizados pelo Servio Social nas principais demandas institudas.

    Neste sentido, utilizou-se: anlise dos relatrios elaborados pelo Servio

    Social e entrevistas semi-estruturadas.

    Nas consideraes finais so salientados os principais elementos

    presentes na prtica instituda do Servio Social, no que se refere aos

    instrumentos e tcnicas utilizados. Ressaltam-se tambm as possibilidades da

    construo de uma prtica instituinte, que viabilize um direcionamento dos

    instrumentos e tcnicas, no sentido da reduo das violaes de direitos

    neste espao, bem como a contribuio no acesso a direitos.

  • 19

    CAPTULO I

    O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina

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    Neste captulo pretende-se abordar a insero da prtica profissional

    do Servio Social neste espao a partir de um levantamento bibliogrfico,

    documental e de observaes de campo fim de contextualizar e subsidiar a

    avaliao processual da dimenso tcnico-operativa2 que ser desenvolvida

    posteriormente.

    1.1 Poltica Criminal Contempornea: breves consideraes.

    Para entendermos a insero profissional do Servio Social em suas

    diferentes reas scio-ocupacionais de acordo com um mtodo de anlise

    crtico, faz-se necessrio contextualizar a conjuntura societria e institucional

    em que este exerccio se insere.

    No Brasil a partir do incio da dcada de 1990 identifica-se a

    constituio do modelo econmico neoliberal perifrico3 que propicia uma

    srie de modificaes na poltica econmica e social desenvolvida pelo

    estado capitalista brasileiro, no sentido do refluxo dos direitos conquistados

    na Constituio Federal de 1988 e na ampliao da remunerao do capital

    especulativo internacional.

    Esse processo, de implantao e evoluo do projeto neoliberal, passou por, pelo menos, trs momentos distintos, desde o incio da dcada de 1990, quais sejam: uma fase inicial, bastante turbulenta, de ruptura com o MSI (Modelo de Substituio de Importados) e implantao das primeiras aes concretas de natureza neoliberal (Governo Collor); uma fase de ampliao e consolidao da nova ordem econmico-social neoliberal (primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso - FHC); e, por ltimo, uma

    2 Aqui entendida como os instrumentos e tcnicas utilizadas na prtica profissional. 3 Por fim, o modelo econmico neoliberal perifrico resultado da forma como o projeto neoliberal se configurou, a partir da estrutura econmica anterior do pas, e que diferente das dos demais pases da Amrica Latina, embora todos eles tenham em comum o carter perifrico e, portanto, subordinado ao imperialismo. Em suma, o neoliberalismo uma doutrina geral, mas o projeto neoliberal e o modelo econmico a ele associado, so mais ou menos diferenciados, de pas para pas, de acordo com as suas respectivas formaes econmico-sociais anteriores. (Filgueiras, pg. 179, 2006)

  • 21

    fase de aperfeioamento e ajuste do novo modelo, na qual amplia-se e consolida-se a hegemonia do capital financeiro no interior do bloco dominante (segundo Governo FHC e Governo Lula). (Filgueiras, pg.186, 2006)

    Neste sentido, Carvalho (2000) sinaliza que a concepo transnacional

    do projeto neoliberal promove uma reconfigurao do Estado de Direito onde

    o mximo princpio deste invertido, assim apreende-se a restrio ao

    mximo dos direitos sociais e ampliao penal/carcerria.

    Wacquant (2001) ao analisar as propostas governamentais norte-

    americanas mediante o aumento da pobreza e da violncia ressalta por um

    lado a ampliao dos programas de combate a pobreza focalizados nos

    segmentos populacionais considerados em situao de pobreza e extrema

    pobreza e por outro o crescimento do sistema penitencirio, tendo por

    enfoque o endurecimento da punio, como a forma mais adequada de

    resposta aos altos ndices de violncia.

    No contexto brasileiro possvel identificar a nfase dada pelos

    diferentes nveis governamentais aos programas de combate pobreza

    leia-se Programa Bolsa Famlia (PBF) - enquanto principal forma de reduo

    da pobreza e redistribuio de renda. Vale destacar inclusive a elaborao

    de verbas como o ndice de gesto descentralizada (IGD) que est atrelado

    ao nmero de cadastros e o ndice de cumprimento de condicionalidades

    alcanados pelos municpios no mbito do PBF.

    J no que diz respeito ampliao do estado penal possvel

    identificar um aumento significativo da populao carcerria. De acordo com o

    levantamento realizado pelo Ministrio da Justia (2008) no perodo de

    dezembro de 2003 a dezembro de 2007, ocorreu um crescimento de 37% da

    populao carcerria nacional, o nmero de apenados saltou de 308.304 mil

  • 22

    para 422.373 mil internos. Dentre a populao carcerria masculina no

    mesmo perodo o crescimento do nmero de internos foi de 24,87% enquanto

    da populao carcerria feminina foi de 37,47%.

    No atual contexto de acirramento da questo social4, apreende-se a

    diminuio do financiamento das polticas pblicas e a reduo dos postos de

    emprego formal. Mediante tal conjuntura o aumento dos ndices de violncia

    em muitas anlises associado de forma mecanicista a questo da pobreza.

    De acordo com Fraga (2002) a agressividade est presente desde os

    primrdios das relaes sociais humanas, porm nem toda a agressividade

    pressupe violncia. Relata que no comeo da civilizao humana a violncia

    era utilizada prioritariamente enquanto forma de sobrevivncia, devido

    precria estrutura organizacional da sociedade neste momento.

    Todavia, na contemporaneidade apesar dos diferentes avanos da

    humanidade: tecnolgicos, culturais, dentre outros, a violncia propaga-se

    cada vez mais. Neste sentido, a violncia contempornea encontra-se

    atrelada ao modo de produo vigente onde a liberdade entendida enquanto

    livre concorrncia atravessa as diferentes relaes sociais. Assim, o outro

    indivduo sempre visto como possvel concorrente e a violncia enquanto

    conflito eminente.

    Compreende-se assim a violncia contempornea tambm como forma

    de sobrevivncia em uma forma de organizao social que se organiza na

    constante luta, disputa entre os homens, seja no plano econmico

    (contradio capital-trabalho), seja no plano poltico (sobretudo atravs do

    4 A questo social diz respeito ao conjunto das expresses das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensveis sem a intermediao do Estado. Tem sua gnese no carter coletivo da produo, contraposto apropriao privada da prpria atividade humana o trabalho -, das condies necessrias sua realizao, assim como de seus frutos. (Iamamoto, pg 16,2001)

  • 23

    projeto neoliberal). A violncia contempornea se expressa enquanto forma

    de dilaceramento do ser social (Fraga, 2002), uma vez que, esta sociabilidade

    que tem como marca a concorrncia contnua e o conflito sempre eminente,

    corri e atravessa todas as relaes, reduz as possibilidades de identificar o

    outro como igual e enquanto sujeito tambm de direitos.

    Mediante os processos de aumento da violncia e da criminalidade

    concomitantes ao crescimento da pobreza, surgem diferentes anlises e

    enfoques para responder questes, que ao primeiro olhar parecem ser uma

    preocupao coletiva. Em tal contexto essencial ao observamos a realidade

    termos uma perspectiva crtica e reconhecer que toda a anlise limitada,

    seja pelo lugar de quem analisa, seja pelo prprio movimento constante da

    realidade, isto , sempre apreendemos apenas um momento determinado

    deste movimento, com um delimitado enfoque. Deste modo, necessrio

    todo o cuidado para no incorrer no equvoco poltico e metodolgico do

    entendimento do fenmeno do processo de criminalizao da pobreza. Este

    se expressa pelo menos em duas formas: ao identificar a criminalidade e a

    violncia como oriunda de apenas uma determinada classe ou ao

    compreender a violncia e os crimes como a nica forma de sobrevivncia de

    alguns indivduos mediante o modo de produo capitalista.

    Na primeira forma o indivduo visto como o nico culpado pelo crime,

    pois ele no se esforou a fim de superar as condies de pobreza das

    formas lcitas e aceitas socialmente. J na segunda responsabiliza-se o modo

    de produo e organizao social por restringir ao mximo as condies

    materiais de sobrevivncia deste indivduo, sendo o delito a nica alternativa

    possvel. Tais compreenses so incapazes de identificar as mediaes

  • 24

    entre as diferentes dimenses da realidade: particular, singular e universal.

    Deste modo, no pode identificar a rede de relaes sociais que constituem

    os processos de criminalizao na sociedade, bem como vislumbrar as

    alternativas possveis a superao do aumento da violncia e do

    encarceramento contemporneos.

    S para exemplificar estas concepes que criminalizam a pobreza,

    observem o para reduzir o aumento da criminalidade do governador de um

    estado da regio sudeste em um jornal de grande circulao:

    Sou favorvel ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada: Sou cristo, catlico, mas que viso essa? Esses atrasos so muito graves. No vejo a classe poltica discutir isso. Fico muito aflito. Tem tudo a ver com violncia. Voc pega o nmero de filhos por me na Lagoa, Tijuca, Mier e Copacabana, padro sueco. Agora, pega na Rocinha. padro Zmbia, Gabo. Isso uma fbrica de produzir marginais. (O Globo, 25 de setembro de 2007).

    De acordo com Baratta (2002) a criminologia tem em sua gnese a

    funo cognoscitiva e prtica de identificar os fatores que determinam o

    comportamento criminoso, para combat-los com uma srie de aes e

    intervenes que propiciem a modificao do comportamento do indivduo.

    Neste sentido, alinhando-se a cincia positivista, uma vez que, tem por intuito

    estudar as causas da criminalidade (paradigma etiolgico), sejam elas

    biolgicas, psicolgicas e/ou sociais.

    J a criminologia crtica tendo um enfoque macrossociolgico,

    direciona sua anlise para as condies objetivas, estruturais e funcionais do

    fenmeno do crime. A preocupao cognoscitiva consiste nos mecanismos

    sociais e institucionais por meio dos quais se constri a dinmica criminal, so

    analisadas as relaes e as dinmicas sociais que viabilizam as definies de

    crime, de criminoso, bem como a realizao dos processos de criminalizao.

  • 25

    No atual contexto da poltica criminal do Rio de Janeiro, observa-se

    uma tendncia poltico-ideolgica a reduo desta a uma poltica penal,

    sobretudo centrada no movimento lei e ordem, bem como no encarceramento

    e na execuo sumria. Para Baratta (2002) a poltica criminal difere da

    poltica penal, pois a primeira tem um sentido amplo de transformao social

    e institucional, j a segunda consiste numa resposta questo criminal

    circunscrita ao mbito do exerccio da funo punitiva do Estado.

    Segundo Machado (2006) o movimento lei e ordem, surgiu nos Estados

    Unidos na dcada de 70 como uma resposta oficial ao aumento da violncia,

    defendendo para principal resposta ao fenmeno da criminalidade o direito

    penal mximo. Uma das experincias mais significativas e conhecidas deste

    movimento a Poltica de Tolerncia Zero adotada em Nova Iorque, a partir

    de 1993.

    Para Guindani (2002) as polticas punitivas do tipo lei e ordem

    constituem-se em demonstraes perversas de poder no uso da violncia

    legtima do Estado e na manipulao do medo, utilizando de aes estatais e

    para-estatais (como no caso das milcias) cada vez mais repressivas.

    Para a autora o movimento de lei e ordem no Brasil encontrou um

    espao extremante propcio, por tratar-se de um pas com um Estado de Bem

    Estar Social inconcluso, onde as polticas criminais sempre exerceram uma

    funo central de manuteno da ordem no enfrentamento a questo social,

    tanto no plano material quanto simblico.

    De acordo com Lola Anyar de Castro (2009) 5 h uma tendncia

    poltico ideolgica a reduzir poltica criminal poltica penal. Tal tendncia 5 Palestra proferida por Lola Anyar de Castro em 03/04/2009 no Seminrio Impasses da Poltica

    Criminal, organizado pelo Instituto de Criminologia Carioca e pelo Ncleo de Estudos de Poltica Criminal e Direitos Humanos.

  • 26

    pode ser identificada na propagao do movimento lei e ordem e no

    crescimento de uma esquerda punitiva (conforme a anlise de Maria Lcia

    Karam).

    Cabe salientar que a poltica criminal deve ser entendida como um

    conjunto de polticas que visam o enfrentamento das dinmicas criminais,

    bem como das expresses da questo social. (Guindani 2009) 6

    De acordo com a anlise realizada por Baratta (2002) das relaes

    entre a priso e a sociedade, a instituio penitenciria reflete as

    caractersticas mais negativas das relaes presentes na prpria sociedade.

    O crcere expressa de modo mais ntido, menos mistificado, as relaes

    sociais de excluso, de poder, as dinmicas violentas onde os indivduos mais

    vulnerveis aos processos de criminalizao inserem-se em uma posio

    submissa, nas relaes de explorao.

    Dahmer (2009) 7 ressalta que a poltica penitenciria configura-se como

    uma poltica de incluso s avessas, uma vez que, muitos dos presos

    somente ao serem excludos do convvio em sociedade, so includos em

    determinadas polticas e aes sociais.

    Neste sentido, torna-se fundamental compreender as caractersticas

    centrais da organizao da Secretaria Estadual de Administrao

    Penitenciria e da unidade penitenciria em que a pesquisa acerca da

    atuao do Servio Social ser realizada, para compreender as complexas

    relaes em que este exerccio se insere.

    6Palestra proferida por Miriam Krenzinger Azambuja Guindani na Mesa Segurana e Direitos

    Humanos: uma equao possvel?, organizada pelo Conselho Regional de Servio Social 7 Regio, realizada em 08/05/2009 em comemorao ao dia do assistente social.

    7 Palestra proferida pela professora doutora Tnia Dahmer em 09/06/2009, na Escola de Gesto

    Penitenciria, organizada pelo Conselho Regional de Servio Social 7 Regio e pela ento Coordenao de Servio Social da SEAP/RJ.

  • 27

    1.2 A Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria (SEAP):

    breves consideraes.

    Segundo Moraes (2007) a partir do Decreto n 32.621, de 1 de Janeiro

    de 2003 criada a Secretaria Estadual de Administrao Penitenciria

    (SEAP) mediante a extino do Departamento do Sistema Penitencirio do

    Rio de Janeiro (DESIPE), vigente desde 1975. Neste sentido, relata que esta

    reformulao organizacional do sistema penitencirio tem o objetivo de

    oferecer um tratamento individualizado e especfico ao Sistema Penitencirio

    do Rio de Janeiro. Cabe salientar que a criao desta nova organizao

    realiza-se num contexto de ampliao da populao carcerria, porm, sem

    aumento significativo do quadro de tcnicos da secretaria e de unidades

    penitencirias.

    A SEAP atua tendo por referencial legal a Lei de Execuo Penal (LEP

    n 7.210 de 11 de julho de 1984) e o Regulamento do Sistema Penal do

    Estado do Rio de Janeiro (RPERJ decreto n 8.897 de 31 de maro de

    1986). Organiza-se em trs subsecretarias adjuntas: Unidades Prisionais,

    Infra-Estrutura e Tratamento Penitencirio, alm de uma Subsecretaria Geral

    de Administrao Penitenciria. Possui tambm trs Coordenaes de

    Unidades Prisionais: Gericin; Frei Caneca e isoladas; e Niteri e Interior;

    com o objetivo de dar assistncia mais personalizada s direes dos

    presdios. A Secretaria dispe ainda dos seguintes rgos: Fundao Santa

    Cabrini (FSC), o Conselho Penitencirio (CONPE) e o Fundo Especial

    Penitencirio (Fuesp).

  • 28

    Concomitante a esta reorganizao foi criada a Coordenao de

    Servio Social que integra a Subsecretaria Adjunta de Tratamento

    Penitencirio. Desde sua criao, a diviso tem desempenhado um

    importante papel na articulao e capacitao dos profissionais e estagirios

    de Servio Social que atuam no Sistema Penitencirio. No decorrer do estgio

    foram realizadas cerca de 10 reunies para os estagirios e profissionais no

    intuito de discutir a prtica profissional. Dentre estas, vale destacar a

    capacitao de trs dias realizada para todos os estagirios que ingressaram

    na SEAP em 2008, a reunio realizada para os profissionais e estagirios

    sobre a trajetria histrica da profisso e a instrumentalidade do Servio

    Social, a capacitao dos estagirios que ingressaram em 2009, o encontro

    promovido juntamente com o Conselho Regional de Servio Social da 7

    Regio (CRESS/ 7) fim de elaborar um documento com o posicionamento

    do Servio Social da SEAP/RJ acerca da elaborao do exame criminolgico

    e a reunio de socializao de informaes acerca da nova gesto da

    coordenao do Servio Social.

    De acordo com a anlise de Souza (2005) com a reforma penitenciria

    liderada por Lemos Brito entre 1923 e 1924 levantada a necessidade de um

    reformatrio especial para as mulheres, que tratasse especificamente da

    questo da criminalidade feminina. Tal proposta foi fortemente influenciada

    pela concepo da sociedade sobre o papel da mulher, tendose a

    preocupao de reeducar as presas, ensinando atividades tipicamente

    atribudas mulher. Alm da distino moral entre, de um lado os crimes

    passionais, ditos comuns e de outro, os crimes associados contraveno,

    embriaguez e prostituio.

  • 29

    Neste momento quando se pensa a criao de um presdio feminino,

    refletisse sobre a necessidade de organizao do efetivo de detentos por

    sexo e por tipo de delito cometido.

    Considerava-se fundamental separar as mulheres dos homens, uma

    vez que, o crime cometido por estas necessitava de um tratamento

    diferenciado e pela compreenso de que as mesmas ao compartilharem o

    mesmo espao que os homens poderiam contribuir para incitar os instintos

    masculinos, bem como as praticas sexuais neste espao.

    Por outro lado, para o debate hegemnico no perodo era necessrio

    distinguir as presas comuns, isto , aquelas que por algum problema psquico

    cometeram um crime passional, aborto dentre outros, das criminosas, ditas

    vis, ou seja, as prostitutas, as ligadas delitos associados contraveno,

    furtos.

    Partindo destas premissas e com a implantao do Cdigo Penal de

    1941, que inicia a segmentao carcerria por sexos. criada em 1943 a

    primeira penitenciria feminina do Rio de Janeiro. De acordo com Abreu

    (1997) a Unidade Penitenciria Feminina foi criada sob a administrao da

    Congregao de Nossa Senhora do Bom Pastor D`Angers e subordinada a

    Penitenciria Central Masculina do Distrito Federal.

    A administrao interna da penitenciria era realizada pelas freiras que

    compunham a congregao Dangers, estas responsabilizavam pelas reas

    de educao, disciplina, trabalho, higiene e economia. Desenvolvendo

    diferentes aes, instituindo um regime de priso-convento. Se a funo

    expressa no discurso oficial da priso masculina era de recuperar o cidado

    para reinseri-lo na sociedade, a respeito da priso feminina o discurso era

  • 30

    claramente distinto: a atribuio desta constitua-se na recuperao do lado

    bom da mulher, leia-se, resgatar o papel de me e esposa inerentes a

    natureza feminina, para reintegr-la ao lar.

    Neste sentido, as reclusas eram submetidas a diferentes aes,

    atividades na rea de atividades domsticas, cuidados com higiene, educao

    moral para reassumirem o lugar atribudo a estas nesta conjuntura social, a

    saber, de auxiliadora do homem, do cuidado com o mesmo e com os filhos. O

    crime dentre as mulheres era identificado como todo e qualquer desvio desta

    funo atribuda s mulheres. Da serem presas, as que traam os cnjuges,

    as que abortavam e as prostitutas.

    Todavia estas aes de disciplinamento no realizavam se sem

    embates, conforme aponta Souza (pg. 36, 2005):

    Este disciplinamento imposto pelas religiosas, embora tivesse carter inovador e fosse colocado como a anttese da punio, era o exerccio da violncia contra a mulher com outra roupagem. Por no respeitar a subjetividade das presas, traduzindo-se em um tratamento repressor e massificador, gerou mais violncia e indisciplina entre as internas. O agravamento na dificuldade das Servas do Bom Pastor em administrar os conflitos internos da Penitenciria Feminina, em funo da reao das presas ao regime imposto pelas religiosas, levou ao fim a administrao das freiras e, em 1955, a Penitenciria de mulheres passou a ser gerenciada somente pela direo da Penitenciria Central do Distrito Federal. A partir de 1966, a unidade foi transformada em Instituto Penal Talavera Bruce e passou a ter autonomia administrativa. Posteriormente sua denominao mudou para Penitenciria Talavera Bruce, nome que conserva at hoje.

    Atualmente esta unidade encontra-se submetida hierarquicamente

    SEAP. Compe o quadro funcional: agentes penitencirios, duas psiclogas,

    duas assistentes sociais, trs estagirios de Servio Social, uma defensora

    pblica, uma mdica, um psiquiatra e um dentista. Organiza-se nas seguintes

    sees: setor de classificao e tratamento, Servio Social, Segurana,

    Custdia, Zeladoria, Psicologia, Ambulatrio Mdico e Direo. Possui

  • 31

    capacidade para 338 internas, tendo 334 apenadas. No que diz respeito ao

    delito, de acordo com um levantamento realizado pela administrao da

    unidade no perodo de janeiro a fevereiro de 2008 identifica-se a

    predominncia do trfico de entorpecentes e do assalto mo armada, 51 %

    das internas so indiciadas pelo artigo 12 e 28% pelo artigo 157.

    Para Sousa administrao laica atual e a religiosa vigente

    anteriormente, possuem alguns traos em comum:

    A administrao das Servas do Bom Pastor, marcada por seu carter religioso, moralista e repressor, e a administrao laica, que permanece at os dias atuais, tm em comum a violncia legitimada e intrnseca da priso. Tal violncia est implcita no regime a que so submetidas as mulheres encarceradas, condenadas a um isolamento forado, onde, por anos de suas vidas, devero obedecer a regras rgidas de convivncia e padronizadoras de rotinas comuns do dia-a-dia. Se antes da priso estabeleciam suas rotinas livremente, agora se subordinam a horrios fixos e vigilncia cerrada. (pag. 36, 2005)

    Essa nova forma de sociabilidade imposta s mulheres na priso, por

    uma instituio fechada e normatizadora, alm de controlar as interaes

    estabelecidas no seu interior e mediar s relaes de seus internos com o

    mundo externo, tambm difunde e transmite socialmente concepes e

    representaes de contedos excludentes. Isso se d mediante prticas que

    alteram os referenciais de vida e a identidade das presas e contribuem para

    construir e/ou reforar esteretipos, estigmas e discriminaes.

    Aps analisar, ainda que de modo suscinto as caractersticas centrais

    desta unidade, cabe indagar quais os elementos e relaes presentes na

    prtica que o Servio Social tem construdo neste espao.

    1.3 O Servio Social em uma Unidade Penitenciria Feminina: os

    limites e potencialidades da prtica profissional neste espao

    institucional.

  • 32

    O Servio Social em distintos espaos scio-ocupacionais lida em seu

    cotidiano profissional com as expresses da questo social, possui por

    particularidade prtica interventiva a operacionalizao dos direitos de

    cidadania atravs do estabelecimento de nexos, mediaes entre as

    instituies, os servios prestados e os usurios que por diferentes

    necessidades os requisitam (Resende, 2006).

    Faleiros (2008) a partir do paradigma da correlao de foras

    compreende a interveno profissional como confrontao de interesses,

    recursos, estratgias inserida em um processo de hegemonia e contra-

    hegemonia. Em sua interveno o Servio Social atua nas diferentes redes de

    relaes sociais em que o sujeito a ser atendido est inserido, mediando o

    acesso a direitos.

    Para Zaffaroni (1990) atuao dos diferentes atores envolvidos no

    processo de execuo da pena, a partir de uma perspectiva crtica da

    criminologia pode orientar-se por uma prtica sobre estas relaes que

    configuram o processo de criminalizao, denominando a de clnica da

    vulnerabilidade.

    Para o autor a clnica da vulnerabilidade difere de uma clnica

    etiolgica, pois esta ltima compreende as caractersticas do perfil dos

    apenados como as causas para a ocorrncia do delito, coaduna assim com

    uma perspectiva positivista do fenmeno do crime, bem como com a proposta

    da ressocializao que visa tratar estes indivduos, corrigindo as deficincias

    de sua socializao para reinseri-lo na sociedade.

    J a clnica da vulnerabilidade, prope-se a atuar nas relaes de

  • 33

    vulnerabilidade destes indivduos aos processos de criminalizao.

    Entendem-se as caractersticas do perfil da populao apenada, sejam elas

    sociais e/ou biolgicas, no como fatores que determinaram a ocorrncia do

    delito, mas que expressam a debilidade de um determinado grupo da

    populao aos processos de criminalizao, bem como a seletividade do

    sistema penal.

    Neste sentido, Guindani (2001) prope que a atuao do Servio Social

    no sistema penitencirio tenha como foco a vulnerabilidade social no

    processo de criminalizao dos sujeitos apenados, sendo as distintas

    competncias profissionais capazes de intervirem no processo de

    fortalecimento da identidade social do apenado e na mediao das

    correlaes de foras que influenciam sua vulnerabilidade ao sistema penal.

    Deste modo, a prtica do Servio Social em unidades penitencirias

    poderia privilegiar no o delito pelo qual o apenado foi sentenciado, mas as

    redes de relaes sociais em que este est inserido fim de contribuir na

    reduo dos danos causados por este espao e na promoo do acesso a

    direitos, corroborando na reduo da vulnerabilidade aos processos de

    criminalizao no retorno liberdade.

    De acordo com Iamamoto (2005) os diferentes espaos scio-

    ocupacionais do Servio Social estabelecem condies e relaes sociais

    especficas por meio das quais se realiza a prtica profissional no mercado de

    trabalho, sendo necessrio explicit-las. Nas instituies penitencirias a

    atuao do Servio Social tem um carter peculiar: neste espao o

    profissional tem por pblico alvo no indivduos que foram quela instituio

    requisitar um servio ou benefcio, mas que so sentenciados por um delito e

  • 34

    esto cumprindo pena privativa de liberdade.

    O objetivo central presente na legislao que regula esta instituio

    no se constitui em efetivar um determinado direito, mas assegurar a punio

    deste sujeito pelo delito cometido, por meio da privao de um direito

    concreto, o de ir e vir. Assim, neste espao, h uma cultura fortemente

    presente de interpretao institucional dos direitos destes sujeitos no como

    garantia de cidadania, mas, como parte integrante do tratamento penal

    previsto nas legislaes penais. Os apenados so identificados na cultura

    institucional, de maneira simblica como violadores de direitos, e no como

    sujeitos de direitos.

    Tal peculiaridade deste espao tem uma interferncia central, na leitura

    simblica em como se d o acesso aos direitos no mesmo. Para os sujeitos

    de direitos, o acesso aos direitos interpretado culturalmente como uma

    garantia constitucional que causa revolta quando no respeitada. Para os

    violadores de direitos, o acesso a direitos interpretado como uma forma

    para que este se reabilite para retornar a conviver em sociedade.

    Apesar dos diferentes entraves presentes atuao do Servio Social

    neste espao, na produo acadmica sobre prtica profissional, poucas so

    as publicaes a respeito da prtica em instituies prisionais. As revistas

    Servio Social e Sociedade8 reconhecidas na categoria profissional como

    importante veculo de debates da profisso, tendo trinta anos de histria,

    somente no ano de 2001 publicou uma edio com temas scio-jurdicos e

    em 2002 um exemplar acerca da violncia.

    Ao realizar um levantamento das produes bibliogrficas acerca do 8 A primeira Revista Servio Social e Sociedade foi publicada em 1979, desde ento vem sendo

    publicadas de forma ininterrupta expressando e acompanhando os diferentes debates e amadurecimento terico do Servio Social.

  • 35

    Servio Social no sistema penitencirio na Biblioteca Virtual Minerva da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro9 em julho de 2008 obteve-se as

    seguintes informaes: ao consultar por Servio Social no Sistema

    Penitencirio foram encontradas apenas quatro obras10, sendo que apenas

    uma destas abordava a atuao do Servio Social no sistema, as demais

    eram produes da rea do Servio Social sobre o sistema, sem, contudo,

    abordar a atuao profissional nesta rea.

    No decorrer do estgio tive a oportunidade de atuar com estudantes de

    diferentes escolas de Servio Social do Rio de Janeiro, fora sinalizado por

    estes a reduzida discusso sobre a interveno nesta rea e temas inerentes

    a mesma. Os estudantes da Escola de Servio Social da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro relataram ter algum tipo de contato bibliogrfico ou

    por relatos de professores e outros estudantes sobre a atuao do Servio

    Social no Sistema Penitencirio apenas nas disciplinas de Orientao e

    Treinamento Profissional (nos perodos de 2008.1, 2008.2 e 2009.1), Direitos

    Humanos e Prtica Profissional.

    Segundo Barroco (2004) a aproximao do Servio Social com o

    debate sobre os direitos humanos comea a ganhar maior visibilidade a partir

    dos anos 1990, apesar da histrica aproximao do Servio Social com o

    debate acerca dos direitos sociais. Neste sentido, cabe observar os

    rebatimentos desta recente aproximao do Servio Social com a temtica

    9 A Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro constitui-se em uma

    instituio de referncia em Servio Social, tendo um programa de ps-graduao considerado referncia para as demais escolas da Amrica Latina.

    10 Foram encontradas as seguintes obras: SILVA, Ana Paula Gomes da. A trajetria das polticas penitencirias do estado do Rio de Janeiro e o papel do Servio Social. 2004. CFCH.; PRACIAS, Daniele Mendes. A insero precoce dos jovens no sistema penitencirio. 1999. CFCH.; ALVES, Aline Coelho Rosas. Reprimir e socializar: anlise do discurso dos ex-diretores gerais do Desipe/RJ perodo de 1965 a 1984. 1997. CFCH; GOLDMAN, Sara Nigri. O crime organizado nas prises: sua trajetria e seu rebatimento no Servio Social do Desipe. 1989.CFCH.

  • 36

    dos direitos humanos em sua interveno profissional, ser que tal debate

    tem propiciado uma releitura dos instrumentais tcnicos historicamente

    utilizados pelos assistentes sociais no sistema penitencirio? O compromisso

    expresso no Cdigo de tica de 1993 com a defesa intransigente dos direitos

    humanos tm sido traduzidos em iniciativas concretas?

    Neste espao scio-ocupacional do Servio Social, em que estive

    como estagiria no perodo de fevereiro de 2008 a agosto de 2009, pude

    identificar como principais prticas institudas11 do Servio Social: a

    elaborao de relatrios sociais para a composio de exames

    criminolgicos, a realizao de entrevistas iniciais, para processos de visita

    ntima e para classificaes laborativas. Tais procedimentos esto previstos

    na Lei de Execuo Penal (LEP n 7.210 de 11 de julho de 1984), no

    Regulamento do Sistema Penal do Estado do Rio de Janeiro (RPERJ

    decreto n 8.897 de 31 de maro de 1986) e na portaria n767 do

    Departamento do Sistema Penitencirio do Rio de Janeiro (DESIPE RJ).

    De acordo com Santos (2006) as diferentes dimenses da prtica

    profissional: terico-metodolgica, tica-poltica e tcnica-operativa, compe

    uma unidade diversa. A dimenso tcnico-operativa diz respeito aos

    instrumentos e tcnicas utilizados pela profisso, que explicitam um

    determinado compromisso tico, um posicionamento poltico e uma

    capacitao terico-metodolgica (Diretrizes Curriculares, ABEPSS 1996).

    Neste sentido, cabe destacar que a atuao profissional em seus

    diferentes espaos tem por orientao legal essencial a Lei de

    Regulamentao da Profisso 8.662/93 e o Cdigo de tica Profissional de 11 Institudo o conjunto de normas e regras de uma organizao institucional que regem a sua

    prtica, sob o ponto de vista de uma construo histrica e de sua contribuio para a manuteno de prticas opressoras e mantenedoras do status quo. (Bisneto, pg. 146, 1999)

  • 37

    1993. Iamamoto (2005) ressalta estes referenciais da profisso como

    caractersticas que marcam uma profisso liberal, apesar das limitaes da

    mesma por configurar-se como um trabalho assalariado.

    Na lei de regulamentao identificam-se os seguintes trechos que

    remetem as prticas predominantes nas unidades penitencirias:

    Art. 4 - Constituem competncia do Assistente Social: III - encaminhar providncias, e prestar orientao social a indivduos, grupos e populao; V - orientar indivduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; XI - realizar estudos scio-econmicos com os usurios para fins de benefcios e servios sociais junto a rgos da administrao pblica direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. Art. 5 - Constituem atribuies privativas do Assistente Social: IV - realizar vistorias, percias tcnicas, laudos periciais, informaes e pareceres sobre a matria de Servio Social; VI - treinamento, avaliao e superviso direta de estagirios de Servio Social.

    No que diz respeito LEP, no se explicita especificamente as

    atribuies e competncias do Servio Social, porm quando se refere ao

    direito assistncia social do apenado, menciona atividades institucionais que

    so historicamente exercidas pelo Servio Social nas unidades penitencirias.

    Art. 22 - A assistncia social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepar-los para o retorno liberdade. Art. 23 - Incumbe ao servio de assistncia social: I - conhecer os resultados dos diagnsticos e exames; II - relatar, por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido; III - acompanhar o resultado das permisses de sadas e das sadas temporrias; IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponveis, a recreao; V - promover a orientao do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno liberdade; VI - providenciar a obteno de documentos, dos benefcios da previdncia social e do seguro por acidente no trabalho;VII - orientar e amparar, quando necessrio, a famlia do preso, do internado e da vtima.

    No que se refere ao RPERJ encontra-se detalhadamente quais seriam

    as competncias do Servio Social no sistema penitencirio do Rio de

    Janeiro. Vale pontuar que mencionado que o Servio Social ao realizar tais

    atividades, deve ter por pressuposto sua metodologia especfica de atuao.

    Art. 41 - Cabe ao Servio Social, atravs do emprego da metodologia especfica de sua rea profissional;I - conhecer, diagnosticar e traar alternativas, junto com a populao presa e os egressos, quanto aos

  • 38

    problemas sociais evidenciados; II - ampliar os canais de comunicao dos presos, internados e seus familiares com a administrao penitenciria;III- elaborar relatrios e emitir pareceres, se for o caso, em requerimentos e processos de interesse da populao carcerria; IV- interagir junto aos quadros funcionais do sistema penal com vistas a possibilitar melhor compreenso dos problemas sociais da populao presa, buscando conjugar esforos para solucion-los. V- interagir com instituies externas no sentido de empreender aes que aproximem recursos diversos para atendimento da populao presa, seus familiares, egressos e liberandos, na perspectiva da ao comunitria; VI- coordenar e supervisionar as atividades dos agentes religiosos voluntrios e dos estagirios do servio social; VII- integrar os conselhos de comunidade; VIII- programar com a populao presa, eventos que propiciem lazer e cultura, interagindo com o servio educacional; IX- orientar a populao presa e seus dependentes quanto a direitos e deveres legais, especialmente da rea previdenciria; X- acompanhar o desenvolvimento das sadas para visitas a familiares e para o trabalho externo; XI- auxiliar os internos na obteno de documentos.

    De acordo com a anlise de Galdncio (2007) sobre a LEP e o RPERJ,

    estas so legislaes pautadas na perspectiva ideolgica da defesa social,

    com o intuito de tratar e ressocializar os internos. Neste sentido, as prticas

    previstas nas mesmas tm por referencial uma perspectiva criminolgica

    etiolgica, ou seja, em sua maioria as aes previstas nestas legislaes

    visam identificar as causas que propiciaram o delito e atuar sobre as mesmas,

    tratando e ressocializando o apenado para retornar ao convvio em

    sociedade.

    Para Zaffaroni (1990) a ressocializao uma proposta que jamais

    poder ser concretizada, pois est contra toda lgica por partir do

    pressuposto de retirar o homem da sociedade para ensin-lo a viver neste

    espao, do qual ele isolado. Tentar a ressocializao na cadeia como

    tentar o ensino da natao sem gua... o ensino do futebol num elevador.

    Neste sentido, Dahmer et al (2008) relatam que grande parte da

    populao brasileira ao tratar das penas privativas de liberdade identificam

    neste instrumento por um lado um instrumento de isolamento dos indivduos

  • 39

    que ameaam a ordem social e por outro reforam o discurso oficial que estas

    penas propiciariam a ressocializao dos apenados. Ambos os discursos so

    idealizados, uma vez que, as prises brasileiras esto muito distante de

    assegurar o total isolamento dos presos, tampouco existe alguma poltica que

    assegure a ressocializao conforme previsto na LEP.

    Apesar do RPERJ e da Lei de Regulamentao profissional

    expressarem diversas atividades que poderiam ser exercidas pelo Servio

    Social no sentido da contribuio no acesso e garantia de direitos, ao

    observar as prticas mais recorrentes do Servio Social na Unidade

    Penitenciria possvel apreender a predominncia da elaborao de

    relatrios sociais e pareceres para exames criminolgicos e entrevistas para

    processos de visita ntima, prticas extremamente imbricadas da perspectiva

    ressocializadora prevista nestas legislaes. As demais demandas das

    internas e seus familiares em muitos momentos so postas em segundo

    plano.

    Um outro procedimento tambm realizado pelo Servio Social so as

    entrevistas para as classificaes laborativas. As classificaes e

    desclassificaes laborativas so regulamentadas pela portaria n 772 do

    DESIPE/DG de 17 de maio de 2000. Estas entrevistas so realizadas de

    forma conjunta com a psicologia quando as internas ingressam, so

    desvinculadas ou transferidas de uma atividade laborativa.

    Cabe salientar tambm dentre estas demandas, a elaborao de vrias

    estatsticas, solicitadas por diversos rgos dentre eles: Ministrio da Justia,

    Coordenao de Servio Social, Direo da Unidade etc. Tais levantamentos

    muitas vezes so referentes informaes que no so pertinentes ao

  • 40

    Servio Social e/ou tampouco subsidiaro uma interveno futura. Vale

    pontuar que geralmente so direcionados vrios dias de trabalho destes

    profissionais quase que exclusivamente para a realizao destes

    levantamentos.

    1.3.1 Principais Prticas Institudas.

    As principais prticas institudas ao Servio Social na unidade

    penitenciria feminina pesquisada so as seguintes: relatrios sociais para

    composio do exame ciminolgico, entrevistas sociais para compor o

    processo de visita ntima e entrevistas sociais durante o atendimento inicial.

    Cada uma destas atividades ser explicada de modo detalhado nos itens

    abaixo.

    1.3.1.1 O relatrio social para composio do exame criminolgico.

    De acordo com a LEP os exames criminolgicos deveriam ser

    realizados pelo Centro de Observao Criminolgica e apenas no caso da

    ausncia deste deveria ser realizada pelas Comisses de Classificao e

    Tratamento (CTC`s). No estado do Rio de Janeiro no foi constitudo o Centro

    de Observao Criminolgica e os exames so realizados pelas CTC`s. Os

    exames deveriam ser provenientes de todo um acompanhamento do apenado

    atravs de um programa de individualizao da pena.

    No cotidiano profissional identifica-se que os exames so compostos

    por relatrios do Servio Social, da Psicologia e da Psiquiatria. No que

  • 41

    concerne ao Servio Social estes relatrios so elaborados com uma e/ou

    duas entrevistas, no raro o documento elaborado no primeiro contato com

    a apenada.

    Segundo a LEP a partir do cumprimento de um sexto da pena o interno

    j tem direito a progresso de regime, sem ser explicitada a obrigatoriedade

    do exame. Todavia, para progresso de regimes e livramentos condicionais

    so sempre realizados os relatrios sociais para os exames criminolgicos.

    Neste semestre foi realizada uma reunio, em 09/06 na Escola de

    Gesto Penitenciria, organizada pela Coordenao de Servio Social da

    SEAP e com o Conselho Regional de Servio Social fim de discutir o

    posicionamento das assistentes sociais que atuam na SEAP/RJ, quanto

    elaborao do exame criminolgico, bem como construir um documento

    assinado pelas mesmas ratificando o posicionamento do Servio Social

    quanto ao mesmo. Tal documento seria enviado ao Conselho Federal de

    Servio Social e seria discutido no Encontro Nacional Scio-Jurdico que ser

    realizado em outubro.

    No perodo da manh ocorreu uma exposio a favor da continuidade

    da elaborao do relatrio para composio do exame criminolgico e uma

    contra a continuidade da utilizao do mesmo. No perodo da tarde as cerca

    de trinta assistentes sociais presentes votaram o posicionamento e

    formularam as questes que deveriam nortear a construo do documento.

    Compareceram tambm aproximadamente 10 estagirios que no tiveram

    direito voto.

    Na exposio a favor da continuidade deste tipo de relatrio, realizada

    por uma assistente social que compe a atual Coordenao de Servio Social

  • 42

    mesa da manh e pelas demais profissionais no momento do debate, foram

    salientados os seguintes aspectos:

    Estatsticas sobre as unidades penitencirias do sistema que mostravam

    que na maior parte delas a produo de exames no encontra-se

    atrasada, no gerando portanto assim uma demanda excessiva ao

    Servio Social;

    O relatrio social para composio do exame constiui-se em uma tcnica

    fundamental para o Servio Social conhecer o perfil da populao

    apenada;

    Esta atribuio de elaborao de relatrios para compor o exame

    criminolgico est prevista para o Servio Social no RPERJ e na LEP;

    O Juiz tem autoridade para requisitar do Servio Social o relatrio para

    compor o exame criminolgico e caso este profissional no acate, pode

    vir a ser preso.

    A questo que deve ser problematizada no o Servio Social das

    unidades penitencirias ter que elaborar o relatrio para composio do

    exame criminolgico, mas sim se este profissional tem tido condies de

    trabalho adequadas para realizar tal atividade tais como: uma sala que

    assegure o sigilo profissional, computadores, contratao de mais

    profissionais, dentre outros.

    J na argumentao desfavorvel continuidade da elaborao deste tipo

    de relatrio, foi lida a moo contra o exame criminolgico elaborada por

    diversos psiclogos e defendida pelo Conselho Regional de Psicologia, nesta

    so enfatizados diferentes fundamentos polticos para a contraposio ao

    exame criminolgico. Na exposio realizada por uma assistente social com

  • 43

    dcadas de experincia no sistema e tambm no debate foram salientados os

    seguintes aspectos:

    A produo deste relatrio est atrelada uma perspectiva positivista

    de crime

    Os relatrios sociais para a composio dos exames criminolgicos

    so apenas uma reproduo de dados empricos

    O Servio Social das unidades penitencirias tem seu tempo de

    trabalho engolido devido a constante produo destes relatrios e pareceres

    para compor os exames

    A produo destes relatrios no regime de mutires jurdicos que tem

    sido realizados nas unidades penitencirias, consituem no auge da

    banalizao deste tipo de prtica

    Existem vrias dvidas se estes relatrios que consomem tanto tempo

    de trabalho dos profissionais so realmente lidos pelos juzes;

    A Lei Federal n 10.792, de 1 de dezembro de 200312 extinguiu a

    produo do exame criminolgico, sendo assim, a categoria profissional

    precisa se contrapor a esta ilegalidade em curso no Estado do Rio de Janeiro.

    Voltando ao evento, no perodo da tarde durante o debate surgiram duas

    propostas quanto ao posicionamento da categoria mediante a elaborao do

    exame criminolgico: a defesa da elaborao do relatrio social para a

    composio do exame criminolgico, desde que com condies de trabalho

    adequadas e de outro contra a elaborao de qualquer tipo de relatrio tendo

    em vista compor o exame. Com 18 votos a primeira proposta foi a escolhida,

    a segunda posio teve 12 votos e houveram cerca de 5 abstenes. Nesta

    12 Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execuo Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de

    3 de outubro de 1941 - Cdigo de Processo Penal e d outras providncias.

  • 44

    mesma reunio formou-se uma comisso com cinco assistentes sociais que

    elaboraram o documento que foi apresentado no dia 30/06/2009 no Frum de

    Servio Social na Escola de Gesto Penitenciria, organizado pela

    Coordenao de Servio Social. Neste evento o documento foi lido e as

    assistentes sociais presentes assinaram o mesmo.

    Considero que as condies de trabalho dos assistentes sociais interferem

    de modo significativo e em muitos momentos incisivo sobre as possibilidades

    de interveno. No entanto, entendo que para alm destas condies que

    influenciam no s na realizao do exame, mas na prtica do Servio Social

    como um todo, existem outros entraves realizao desta interveno que

    no foram situados no documento elaborado.

    No perodo em que realizei estgio em uma Unidade Penitenciria

    Feminina, pude identificar que a elaborao destes relatrios demanda um

    tempo significativo das profissionais. Por outro lado ningum tem muito claro

    neste espao a finalidade do mesmo para o sujeito que est sendo atendido

    ou qual a competncia do Servio Social da Unidade Penitenciria para

    avaliar se o indivduo est apto a sair em liberdade ou no. Mediante isto

    cabe indagar: como no seu cotidiano o Servio Social tem lidado com este

    instrumental tcnico, que consiste nos relatrios sociais para a composio

    criminolgico? Pretendo encontrar alguns nortes para responder esta questo

    na pesquisa relatada no captulo seguinte.

    1.3.1. 2 - As entrevistas sociais para a composio dos processos de

    visita ntima.

  • 45

    No que diz respeito as entrevistas para processos de visita ntima estas

    so regulamentadas pelas portaria do DESIPE N 767 de 05 julho de 1999.

    Segundo esta portaria a entrada no processo e toda a tramitao burocrtica

    deve ser realizada no Servio Social. De acordo com o Manual de

    Procedimentos elaborado pela ento Coordenao de Servio Social no ano

    de 2005 alm da tramitao burocrtica os profissionais de Servio Social

    devem orientar os indivduos envolvidos quanto aos procedimentos

    necessrios e emitir parecer quanto a requisio de visita.

    No Servio Social da Unidade Penitenciria pesquisada, os

    profissionais e estagirios no que se refere ao processo de visita ntima

    realizam entrevista, emitem parecer quanto ao requerimento, orientam quanto

    os procedimentos e efetivam toda a tramitao burocrtica.

    Na realizao destas entrevistas pude observar um constante cuidado

    dos profissionais em verificar se as informaes prestadas pelos internos para

    iniciar o processo so verdicas. Por exemplo, um dos documentos

    requisitados para comprovar a relao entre os internos, quando so

    companheiros, a declarao de convivncia marital, nesta duas

    testemunhas atestam a veracidade desta relao e este documento

    reconhecido em cartrio. Apesar deste documento j comprovar, ao menos

    legalmente, a existncia da relao anterior ao crcere, recorrente nas

    entrevistas as profissionais e os estagirios terem a preocupao de

    perguntar o tempo da relao, salientando que se for de menos de dois anos,

    os mesmos no podero ter acesso ao benefcio. Tal cuidado elevou-se aps

    os rumores que uma assistente social da SEAP/RJ teria sido denunciada para

    o Conselho de Servio Social da 7 Regio por facilitar o parlatrio, isto , o

  • 46

    acesso a visita a determinados internos.

    Neste sentido, vale indagar cabe ao Servio Social verificar a

    veracidade das informaes prestadas, inclusive estas j sendo

    comprovadas? Qual a relevncia do levantamento destes dados para atuao

    do Servio Social e para os apenados que esto sendo atendidos?

    1.3.1.3 A entrevistas sociais realizadas nos atendimentos iniciais.

    J no que concerne as entrevistas iniciais no h nenhum registro legal

    que pontue a necessidade ou obrigatoriedade da realizao desta. Na

    unidade penitenciria observada neste estudo as assistentes sociais e

    estagirios utilizam a entrevista social para conhecer a realidade social dos

    apenados e fornecer as primeiras orientaes. As informaes apreendidas

    so registradas no pronturio e so fornecidos folderes sobre o

    credenciamento de visitantes, auxlio recluso, processo de visita etc.

    Considero que existe uma potencialidade neste procedimento de

    primeiro atendimento pois nele existe a possibilidade de a partir de uma

    perspectiva crtica do fenmeno da criminalidade, realizarmos uma escuta

    atenta quanto a trama de relaes, diferentes e complexas, que propiciaram o

    processo de criminalizao em que est inserido o sujeito que estamos

    atendendo. Somente a partir do conhecimento das diferentes redes primrias,

    secundrias dentre outras, que o sujeito apenado est inserido poderemos

    identificar as os pontos vulnerveis nesta rede, que propiciaram sua seleo

    pelo sistema penal.

    Ao reconhecer as vulnerabilidades nesta trama de relaes em que

  • 47

    este sujeito est inserido, o Servio Social pode a partir da rede social

    disponvel, corroborar no acesso a direitos e na reduo dos danos causados

    pelo encarceramento, na diminuio das violaes de direitos inerentes e

    intrnsecas a este espao.

    De acordo com esta anlise, cabe indagar como tem sido conduzidos,

    construdos estes primeiros atendimentos, qual a finalidade destes: construir

    um mapa destas redes de relaes em que o apenado est inserido ou

    identificar em sua histria de vida as possveis causas para o cometimento do

    delito?

    1.3.2 Principais Prticas Instituintes.

    As principais prticas insituintes neste espao constituem-se nas

    seguintes: o atendimento a famlia em diferentes mbitos, elaborao de

    projetos sociais e de interveno para a unidade, a interveno em conflitos

    entre os internas, entre internas e agentes penitencirios, entre agentes

    penitencirios e familiares; e a elaborao de relatrios sociais para a questo

    de guarda.

    No que se refere questo da elaborao de relatrios sociais para

    processos de guarda, cabe destacar que a unidade pesquisada localiza-se

    prxima a Unidade Materno Infantil Madre Tereza de Calcut (UMI). Na UMI

    so abrigadas todas as internas do estado do Rio de Janeiro durante o peri-

    natal. Neste sentido, quando as internas do SEAP esto nos ltimos meses

    de gravidez so geralmente transferidas para a unidade e aps os seis meses

    na UMI depender do tempo de pena, so transferidas para as

    penitencirias, presdios de origem ou para insituio pesquisada.

  • 48

    Deste modo, so requisitados relatrios ao Servio Social tendo em

    vista compor o processo de guarda provisria. Geralmente quando as internas

    retormam da UMI para a insituio penitenciria so solicitados pela 2 Vara

    de Infncia, Juventude e do Idoso os relatrios para compor o processo de

    guarda. Tais relatrios tambm so requisitados quando h a suspenso do

    ptrio poder familiar. Para a formulao de tais documentos fundamental o

    domnio do Estatuto da Criana e do Adolescente tendo por intuito assegurar

    os direitos no s da apenada, mas tambm das crianas e adolescentes.

    Vale salientar que em questo de guarda o direito destes ltimos prioritrio

    e central.

    No que diz respeito a interveno do Servio Social em conflitos

    existentes entre os internos, familiares e agentes penitencirios no crcere.

    Cabe salientar que a vida social anmala criada neste espao, com a inerente

    violao de direitos, contribui para o desenvolvimento relaes tensas entre

    os sujeitos que ocupam este espao. O Servio Social em muitos momentos

    requisitado seja pelas internas, ou pelos agentes e profissionais a intervir

    nesses conflitos tais como: disputa de guarda dos filhos das internas, conflitos

    dos familiares com os agentes da portaria no momento do ingresso para a

    visita, dentre outros.

    Durante a experincia de extenso no Ncleo Interdisciplinar de Aes

    para a Cidadania no perodo de novembro de 2008 a julho de 2009, pude

    participar de uma pesquisa sobre formas alternativas de resoluo de

    conflitos, nesta tive contato com algumas perspectivas e tcnicas quanto a

    gesto de conflitos.

    Na atualidade existe um amplo e complexo debate sobre as formas

  • 49

    alternativas de resoluo de conflitos. Na aproximao com o tema, defendo

    que por um lado estas formas possam ser utilizadas para escamotear o papel

    de diferentes instncias estatais na questo dos conflitos, sobretudo no

    espao prisional; por outro considero que estas alternativas a judicializao

    dos conflitos, podem contribuir para a reduo do encarceramento e para que

    estes sujeitos desenvolvam a prtica de auto-gerenciamento no violento de

    seus conflitos.

    Neste sentido, considero que dentre as formas alternativas de

    resoluo de conflitos a mediao, a negociao e a concicliao podem

    fornecer relevantes contribuies a atuao do Servio Social neste espao.

    Para Selem (2006) a mediao de conflitos representa um meio

    consensual de resoluo de impasses no qual a deciso cabe as partes

    envolvidas, sendo o papel do mediador apenas o de facilitar o dilogo e a

    comunicao pacfica entre os envolvidos e possibilitar, assim, a construo

    de um acordo. Na mediao existe uma preocupao com o

    reestabelecimento da relao atravs do fortalecimento do dilogo.

    De acordo com Torres (2001), a conciliao um meio de resoluo de

    conflitos que pode ser processual ou pr processual. Quando processual

    instala-se durante um processo em curso; e, quando pr-processual est fora

    do parmetro jurisdicional, com o auxlio de pessoas ou instituies

    habilitadas para a realizao da conciliao como meio alternativo para a

    resoluo de conflitos. A conciliao se prope a cuidar do acordo de

    interesses contraditrios das partes conflitantes, assim como os demais meios

    alternativos de resoluo de conflitos, porm com suas caractersticas

    prprias; estabelecendo, dessa maneira, harmonia entre pessoas com

  • 50

    pensamentos e/ou interesses distintos.

    J a negociao para a estudiosa um dos meios de resoluo de

    conflitos, podendo ser definida como o processo em que as partes tentam

    entrar em acordo a respeito do que cada envolvido precisa dar e receber em

    uma troca realizada entre eles. Pode ser decorrente de um acordo de

    vontades, no qual no h interveno de terceiros e decorrente de uma

    atividade executada por um terceiro, o negociador. Em suma, pode-se afirmar

    que h negociao, independentemente de seus sentidos, sempre que existe

    comunicao para atingir determinados resultados ou fins especficos. Dessa

    forma, negociao um hbito de comportamento, bem como um mtodo de

    alcanar a felicidade das partes envolvidas.

    1.3.3 O pblico alvo e a populao atendida pelas aes do Servio

    Social.

    O pblico alvo das aes desenvolvidas pelo Servio Social, como foi

    possvel observar nas demandas insitudas acima apresentadas: so as

    apenadas e seus familiares e/ou visitantes. Todavia conforme expresso nas

    prticas instituintes em determinadas intervenes, os profissionais e agentes

    penitencirios deste espao tambm compe a populao atendida pelos

    assistentes sociais e estagirios em Servio Social.

    De acordo com um levantamento realizado pela equipe administrativa

    da unidade pesquisada no primeiro bimestre de 2008, possvel identificar

    alguns elementos quanto ao perfil da populao apenada. No que refere-se

    ao delito observa-se a predominncia da questo do trfico de drogas (artigo

  • 51

    12) e do assalto mo armada (artigo 157). J o delito nomeado de

    receptao (artigo 180) aparece dentre os menos presentes dentre a

    populao apenada.

    Fonte: Estatstica Elaborada pela equipe de Administrao da instituio no primeiro bimestre de 2008.

  • 52

    Fonte: Estatstica Elaborada pela equipe de Administrao da instituio no primeiro bimestre de 2008.

    Fonte: Estatstica Elaborada pela equipe de Administrao da instituio no primeiro bimestre de 2008.

  • 45

    CAPTULO II

    Avaliao Processual da dimenso tcnico-operativa do Servio Social

    em uma Unidade Penitenciria Feminina

    Neste captulo pretende-se apresentar os resultados de uma pesquisa

    avaliativa sobre a dimenso tcnico-operativa13 do Servio Social na Unidade

    Penitenciria Feminina (unidade da pesquisa). Na pesquisa de carter

    avaliativo, se optou pela avaliao processual que tem por intuito estudar as

    maneiras pelas quais os servios ou intervenes so realizados; avaliar

    como planejada para descrever o desenvolvimento da ao (Sessions,

    2001).

    Importante relembrar Santos (2003) quando nos mostra como

    aproximao com a teoria social marxista, a partir da corrente da inteno de

    ruptura, permitiu a reflexo sobre os instrumentos tcnico-operativos no

    sentido da apreenso crtica de seu carter poltico opondo-se ao tecnicismo.

    Entretanto, entende-se que esta perspectiva pode ter propiciado, por outro

    lado, alguns equvocos metodolgicos como, por exemplo, o

    negligenciamento de uma reflexo sobre a dimenso tcnico-operativa do

    Servio Social a partir de uma perspectiva crtica.

    Neste sentido, pretendeuse atravs desta pesquisa identificar como o

    Servio Social vinha lidando com a sua dimenso tcnico-operativa na

    instituio acima referida. Dito de outra forma, como tm sido construdas as

    13 A dimenso tcnico-operativa diz respeito ao conjunto de instrumentos e tcnicas construdos e/ou utilizados historicamente pela profisso, que compe uma unidade diversa com a dimenso terico-metodolgica e tico-poltica. (Diretrizes Curriculares ABEPSS, 1996 e Santos, 2006).

  • 46

    aes e intervenes do Servio Social em sua prtica cotidiana no que se

    refere aos instrumentos e tcnicas utilizados. A partir da pesquisa avaliativa,

    teve-se, portanto, a inteno de contribuir na reflexo e na construo de

    estratgias para o exerccio do Servio Social nesta rea, sem a pretenso de

    esgotar a temtica to vasta e complexa. Para tanto, foram analisados

    quarenta relatrios sociais selecionados por incluso progressiva (Minayo,

    2008)14, sendo treze para fins de exames criminolgicos, doze relatrios de

    entrevistas para visitas ntimas e quinze relatrios dos atendimentos iniciais

    produzidos no perodo de novembro de 2008 a maro de 2009, representando

    aproximadamente 11% dos relatrios produzidos neste perodo15. Tais relatos

    foram escolhidos para anlise por serem as prticas mais requisitadas pela

    instituio ao Servio Social, conforme observado no cotidiano de estgio.

    Tambm foram utilizadas de forma complementar anlise documental

    entrevistas semi-estruturadas.16

    Para anlise dos dados, optou-se por utilizar a abordagem combinada

    hermenutico17-dialtica18, pois se entende que esta permite construir uma

    anlise compreensiva e crtica da realidade avaliada, bem como a

    identificao das relaes e interpretaes construdas acerca da interveno

    observada.

    Segundo Minayo (2005) a articulao hermenutico-dialtica

    14 Aqui compreendida como o recorte dos relatrios que sero trabalhados no ponto em que o tipo de

    construo comeam a repetir-se, isto , quando encontrou-se uma regularidade no modo de construo dos relatrios que constitui-se enquanto fonte de anlise.

    15 Percentual levantando a partir das estatsticas mensais elaboradas pela equipe de Servio Social da Unidade Penitenciria Feminina.

    16 Foi realizada entrevista com uma assistente social, pois a outra profissional da unidade preferiu no participar da pesquisa, alm de dois estagirios em Servio Social da Unidade Penitenciria. As entrevistas foram realizadas na primeira semana de agosto de 2009, na Unidade Penitenciria.

    17 Hermenutica, segundo Gadamer (1999), a busca de compreenso de sentido que se d na comunicao entre seres humanos, tendo na linguagem seu ncleo central. (Minayo, pg. 88, 2005) 18 Dialtica a cincia e a arte do dilogo, da pergunta e da controvrsia. (Minayo, pg. 89, 2005)

  • 47

    bastante fecunda para as pesquisas qualitativas, pois, constitui a projeo de

    um caminho de pensamento, que critica, porm valoriza os elementos de

    outras abordagens metodolgicas. Neste sentido, a autora aponta que ambas

    as concepes trazem a idia produtiva dos condicionamentos histricos da

    linguagem, das relaes e das prticas. Contudo, a primeira orienta-se para o

    significado do que consensual, da mediao. J a dialtica se direciona

    para a contradio, o dissenso.

    De acordo com Gomes (2002) o pesquisador antes da pesquisa de

    campo precisa definir as categorias gerais a serem investigadas, aps a

    coleta de dados devem ser elaboradas as categorias especficas tendo em

    vista a classificao das informaes identificadas. Deste modo, defende que

    no processo de anlise necessrio realizar uma comparao entre as

    categorias gerais, elaboradas na fase exploratria e as categorias especficas,

    formuladas aps a pesquisa de campo.

    Neste intuito, a anlise dos relatos documentais e das entrevistas do

    Servio Social foi realizada tendo por base os indicadores elaborados na fase

    exploratria da pesquisa e categorias especficas formuladas no processo de

    anlise dos mesmos. No que concerne s entrevistas semi-estruturadas

    entende-se que estas propiciaram elementos para identificar qual a

    observao, anlise e avaliao que estes profissionais e estagirios fazem

    do seu exerccio profissional.

    Na fase exploratria foram formuladas inicialmente quatro categorias

    (questes norteadoras) a partir da aproximao com o campo e das leituras

    realizadas, so elas:

    1. Qual referencial da legislao penal (LEP, RPERJ e Portarias de Visita)

  • 48

    utilizado como parmetro na construo destes relatrios?

    2. Qual referencial da legislao profissional utilizado na produo destes

    relatrios (Cdigo de tica, Lei de Regulamentao)?

    3. Como so apresentadas e/ou trabalhadas as trajetrias de vida dos

    apenados, nos relatos estudados?

    O seguinte quadro expressa as categorias, indicadores e fontes de

    verificao utilizadas na anlise:

    Questes norteadoras

    Indicadores Fontes de Verificao

    O referencial da criminologia e direito pena (legislao penal (LEP, RPERJ e Portarias de Visita) utilizado enquanto parmetro na construo dos relatos?

    Expresses que denotam uma perspectiva etiolgica quanto questo da criminalidade. Expresses que denotam uma prtica de verificao da veracidade das informaes prestadas pelo apenado. Expresses que denotam uma valorizao da submisso do apenado as normas institucionais.

    Anlise documental e de forma complementar entrevistas.

    O referencial legal e tico (Cdigo de tica e Lei de Regulamentao) da profisso utilizado enquanto parmetro para construo dos relatos?

    Expresses que denotam a metodologia utilizada na construo do relato. Expresses que denotam o cuidado em contribuir no acesso a direitos. Expresses que apresentam as violaes de direitos. Expresses que denotam os dilemas ticos destas intervenes. Expresses que sinalizam o cuidado em identificar e trabalhar a rede de que o apenado e seus familiares dispem, durante seu aprisionamento.

    Como so apresentadas as trajetrias de vida dos apenados nos relatos apresentados?

  • 49

    2.1 - Anlise dos dados quanto ao marco legal e terico no campo da

    justia penal.

    Na anlise dos relatos foi possvel identificar nos 40 instrumentos

    observados a interlocuo com as legislaes penais (vigentes), sendo

    notria a preocupao na construo do relato em dar conta dos objetivos

    presentes nas mesmas.

    No que diz respeito aos relatrios sociais para a composio dos

    exames criminolgicos a utilizao deste referencial se expressa nas

    seguintes temticas trabalhadas em todos os relatos analisados: o crime,

    suas possveis causas e as circunstncias em que ocorreu, a participao da

    apenada nas atividades promovidas pela instituio, sua submisso as ordens

    estabelecidas e sua perspectiva de no reincidir ao sair do crcere.

    Cabe salientar que tais informaes so pautadas sempre como

    declaraes do interno utilizando-se termos como: sic, segundo a interna, x

    declara que. No existe nos relatos anlise do profissional quanto s

    observaes e impresses do interno mediante a ocorrncia do delito.

    Apreende-se apenas a construo do relato a partir das declaraes do

    interno com o intuito de encontrar os elementos que devem ser trabalhados

    de acordo com a perspectiva ressocializadora presente na legislao penal.

    No que diz respeito questo do crime apreende-se que em todos os

    relatos existe uma preocupao em relat-lo, sendo que em alguns se

    enfatiza as possveis causas do delito e nos demais se aborda as

    circunstncias em que ele ocorreu.

    As causas ou motivos do delito so apresentados de forma explcita em

  • 50

    quatro dos treze relatos analisados. Os possveis motivos do delito so

    apreendidos a partir dos relatos das apenadas sobre os fatores que

    consideram ter contribudo para sua priso. Neste sentido, so identificadas

    as seguintes afirmaes sobre os delitos: ... Quanto ao delito que lhe trouxe

    ao crcere afirma que amizade e estilo de vida foram decisivos...; .... Quanto

    ao envolvimento ao com a conduta ilcita, afirma que foi uma forma de ajudar

    uma pessoa amiga...; ... Quanto a sua vinda para o crcere alega que

    mantinha amizades com pessoas do trfico e terminou por se envolver

    tambm.. e .... A recluso deu-se em funo de coao que sofreu de

    pessoa amiga para que levasse entorpecentes....

    Conforme, aponta Baratta (2002) apesar dos avanos no debate da

    criminologia crtica, o discurso da criminologia oficial, ainda fortemente

    marcado pela criminologia positivista, com seu direcionamento etiolgico.

    Todavia na contemporaneidade estes olhares simplistas tenham se

    redirecionado consideravelmente dos fatores biolgicos e psicolgicos, para

    os sociais.

    Nos nove relatrios sociais, em que so abordadas as circunstncias

    aonde o crime ocorreu foi possvel identificar em trs destes, ainda que de

    modo implcito, uma preocupao em explicitar as causas do delito. Tal intuito

    implcito pde ser observado em expresses como: Seu delito diz respeito...;

    ... relata que sua priso foi influenciada por... e .... Declara que envolveu-se

    com um rapaz que usava drogas e fazia atos ilcitos...

    Para Silva (2004) em seu cotidiano o assistente social lida

    independentemente de seu acmulo terico-metodolgico e/ou

    posicionamento tico-poltico com diversas situaes de violncia, ou seja,

  • 51

    com variadas formas de violaes de direitos. Ao se ater apenas ao cuidado

    de identificar na histria de vida apresentada pelo apenado as possveis

    causas do crime, estes profissionais incorrem no risco de no apreender uma

    srie dinmicas de violao de direitos, que tem no crcere o espao mais

    propicio para o seu desenvolvimento.

    Tal levantamento e descrio de dados de acordo com a perspectiva

    etiolgica tornam-se ainda mais complicados se considerarmos a questo do

    crime como uma das expresses de toda uma dinmica social violenta, pois

    esta se constitui em um problema multifacetado e complexo (Pinheiro e

    Almeida, 2006), isto , nenhum fator isolado pode explicar suas diversas

    manifestaes.

    J no que se refere participao nas atividades promovidas pela

    instituio e sua submisso as ordens estabelecidas foi possvel identificar

    nos treze relatrios sociais para a elaborao de exames criminolgicos a

    preocupao em analisar enquanto ponto positivo para a sada do interno a

    participao nestas, bem como a submisso as normas institucionais. Tal

    cuidado na elaborao dos relatos pode ser identificado na utilizao de

    expresses como: ... C. possui comportamentos condizentes com as normas

    institucionais... e ... No cotidiano prisional no apresenta problemas na

    esfera disciplinar...; onde se salientam a submisso do interno as normas

    institucionais. Pode apreender-se tal preocupao nas seguintes expresses

    onde se ressalta a participao dos internos nas atividades promovidas pela

    instituio: ... Participa de eventos evanglicos realizados na unidade..; ...

    est remindo pena na fbrica de fraldas do SEAP/TB h sete meses. No

    SEAP/NH remiu pena estudando por trs meses... ... Atualmente trabalha na

  • 52

    MMW, firma de refeies.... J nos trechos expostos a seguir destaca-se a

    convivncia cordial com as demais apenas e funcionrios da unidade:

    ...Relata que possui um bom relacionamento com as internas desta unidade

    assim como com os agentes, tratando-os com respeito... Expressou tambm

    ter tido boa relao com as demais internas e os profissionais da unidade....

    No que concernem as perspectivas ao sair do crcere foi possvel

    identificar forte tendncia em todos os relatos, de afirmar que a apenada aps

    a vivncia prisional elaborou novas perspectivas de vida e no pretende

    reincidir criminalmente. Em apenas um dos relatos no so abordadas estas

    perspectivas que indicam que a interna provavelmente no ir reincidir. Tal

    cuidado na construo do relato pode ser identificado em afirmaes

    como:...Com a solicitao de livramento condicional , pretende se organizar

    atravs de atividade produtiva e concluso do ensino mdio ....; ...Todos

    residiro juntos e A. retomar a vida laborativa contando com sua fora de

    vontade possivelmente em alguma loja... e ... Suas perspectivas futuras de

    voltar a morar com a me e empregar-se e retomando curso de vida contando

    com apoio familiar em seus projetos de retorno ao mundo livre...

    Segundo Rauter (1989) estas especulaes quanto s atividades que o

    indivduo ir desenvolver ao retornar a liberdade, configuram-se no como

    uma construo de uma pesquisa, de um estudo cientfico, mas como um

    exerccio de futurologia, isto , uma previso sobre as possibilidades de o

    indivduo vir a ser novamente selecionado pelo sistema penal.

    Neste sentido, pode se verificar na construo dos relatrios sociais

    para a composio dos exames criminolgicos, especialmente uma

    reproduo emprica das narrativas apresentadas pelas apenadas. Portanto

  • 53

    pode-se questionar at mesmo se este se configura como um relatrio social,

    j que no expressa anlises do profissional e/ou os instrumentos e tcnicas

    utilizados para a construo do mesmo.

    Para Fvero et al (2008) o relatrio social configura-se como um

    documento especfico elaborado por um assistente social que expressa de

    forma descritiva e interpretativa uma situao social, que seja objeto de sua

    interveno no cotidiano profissional.

    Alm disso, cabe salientar a partir da experincia de campo, que tais

    relatrios so elaborados geralmente com apenas uma entrevista, de

    aproximadamente quinze minutos. Nesta os profissionais relatam ser

    necessrio tentar identificar se a apenada possui as condies necessrias

    para sair.

    Para a assistente social A necessrio levantar as seguintes

    informaes nas entrevistas para compor este relatrio: Se ele configura ali

    naquele momento, ainda que seja um contato muitas vezes nico, breve, em

    que voc no teve muitas opes durante a permanncia ali naquela unidade

    de ter outros atendimentos, de voc conhecer um pouco mais do histrico de

    vida dele. Se ele apresenta condies comportamentais tambm assim que

    eu digo, se ele trabalhou na unidade, se ele teve um bom comportamento na

    unidade, um conjunto de fatores que.. ... superficialmente, primariamente,

    diagnosticam de repente uma boa, uma situao favorvel de sada, que

    apontam para que ele saia bem, que ele alcance condies para sair.

    Quanto aos relatos das entrevistas sociais para as visitas ntimas foi

    possvel apreender uma forte preocupao em identificar na fala das

    apenadas se a relao estabelecida com o companheiro tem o tempo mnimo

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    de dois anos previsto na portaria e se anterior ao crcere. Tais perspectivas

    podem ser observadas em expresses como: ... conheceu F. num baile

    quando tinha 15 anos, vindo a residir com o mesmo tambm com essa idade.

    Separaram-se quando a mesma tinha por volta dos 19 anos...; iniciou

    relacionamento afetivo com o mesmo em novembro de 2005 (...) e em janeiro

    de 2007 foi presa com o mesmo... e S. ressalta que conviveu afetivamente

    com R. por 3 anos tendo o conhecido em festa.

    Outro aspecto ressaltado a questo do crime: pontua-se se os

    apenados so parceiros de processo, se os apenados so reincidentes e

    como este benefcio poderia contribuir para estreitar os laos dos mesmos

    durante a pena. Tais perspectivas podem ser apreendidas nos seguintes

    trechos: ... alega estarem se correspondendo e que ambos esto ansiosos

    para estarem prximos novamente...; A regalia estreitar os laos afetivos

    entre o casal... e ... pretende casar com o companheiro assim que ambos

    alcanarem a liberdade...

    Pode-se apreender que a tcnica de entrevista19 utilizada para construir

    o relatrio que integra o processo de visita ntima, utilizada prioritariamente

    para identif