Práticas de pesquisa de campo com comunidades tradicionais ...
RELATÓRIO COMUNIDADES TRADICIONAIS FAZENDA ESTRONDO[1]
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1
Flávio Marques Castanho Barrero
Engenheiro Agrônomo
PRODUTO 6
Relatório contendo o levantamento das
comunidades tradicionais incluindo localização
número de famílias e lideranças locais
encontradas no entorno da Fazenda Estrondo
Barreiras, Ba Março de 2011
2
FOLHA DE ROSTO PARA PRODUTOS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA
Identificação
Consultor(a) / Autor(a): Flávio Marques Castanho Barrero
Número do Contrato : 110.104
Nome do Projeto: Aprimoramento da Gestão Ambiental no Estado da Bahia
Oficial/Coordenador Técnico Responsável: Wanderley Rosa Matos
Data /Local: Barreiras, 22/03/2011.
Classificação
Temas Prioritários do IICA
Agroenergia e Biocombustíveis Sanidade Agropecuária
Biotecnologia e Biosegurança Tecnologia e Inovação
Comércio e Agronegócio Agroindustria Rural
Desenvolvimento Rural Recursos Naturais
Políticas e Comércio Comunicação e Gestão do Conhecimento
Agricultura Orgânica X Outros: Responsabilização civil
Modernização Institucional
Palavras-Chave: Comunidades Tradicionais; Agronegócio; Desconformidade Ambiental; Compensação Financeira.
Resumo
Título do Produto: Relatório contendo o levantamento das Comunidades Tradicionais encontradas no entorno da Fazenda Estrondo
Subtítulo do Produto:
As orientações descritas neste trabalho propõem uma forma de responsabilizar o maior empreendimento agrícola do Oeste da Bahia que está em desconformidade ambiental. Sugere que responsabilização pelo passivo ambiental seja em benefício das comunidades atingidas diretamente e indiretamente pela sua operação. Prioriza a compensação destes passivos com ampliação das áreas de preservação. A compensação financeira, neste caso, não foi recomendada. O que justifica esta atitude é a ausência de uma política estadual e municipal de gestão ambiental coerente. Já que o destino das indenizações pagas pelos empreendedores seria o próprio estado. A definição dessas orientações visa subsidiar a atuação do Ministério Público neste caso especificamente.
Qual Objetivo Primário do Produto?
Apresentar proposta de responsabilização civil ao Ministério Público do Estado da Bahia referente a um empreendimento de grande porte localizado no Oeste baiano que está em desconformidade com a Legislação Ambiental.
Que Problemas o Produto deve Resolver?
O conflito de terras existente entre o empreendimento e as populações tradicionais do entorno.
Como se Logrou Resolver os Problemas e Atingir os Objetivos?
Utilizando uma metodologia de responsabilização civil adequada a grandes propriedades do Oeste criada no âmbito da consultoria técnica apoiada pelo INGÁ e pelo IICA.
Quais Resultados mais Relevantes?
O método que será apresentado ao Ministério Público e discutido com os promotores de justiça para sua implementação na região Oeste do Estado.
O Que se Deve Fazer com o Produto para Potencializar o seu Uso?
Divulgá-lo por meio de publicações e submetê-lo à apreciação de outros profissionais que se dedicam a Economia Ambiental.
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Índice
1. Contextualização ....................................................................................................... 4
2. Objetivos e metodologia ........................................................................................... 8
3. Localização e abrangência do Condomínio Cachoeira do Estrondo ....................... 10
4. Identificação do passivo ambiental ......................................................................... 12
5. Comunidades tradicionais atingidas pelo empreendimento .................................. 15
6. Reparação ................................................................................................................ 21
7. Proposta de compensação por desconformidade ambiental ................................. 25
8. Orientações Técnicas e Sugestões .......................................................................... 29
9. Referências .............................................................................................................. 32
Anexo 1: Relação de Matrículas por Fazenda ................................................................ 33
Anexo 2: Relação dos Nomes de Moradores das Comunidades Rurais do Entorno da
Fazenda Estrondo ........................................................................................................... 34
Anexo 03: Mapa aproximado do Condomínio Estrondo ................................................ 35
Anexo 04: Diagnóstico Rural Participativo ..................................................................... 36
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1. Contextualização
A Fazenda Estrondo, administrada pelo Agronegócio Cachoeira do
Estrondo, provavelmente o maior projeto agrícola do Oeste da Bahia, está
localizada no município de Formosa do Rio Preto e abrange uma área de
aproximadamente 315 mil hectares que foram obtidas a partir de 1975 e o
projeto de exploração foi iniciado em 1995.
Apesar de a empresa alegar que “cumpre todas as formalidades legais
perante os órgãos competentes” (Agronews, março de 2008 e depoimento
de representantes das empresas), a história do empreendimento é
extremamente marcada por irregularidades que, em parte, têm sido
denunciadas pela população diretamente atingida e, em parte, observadas e
autuadas pelos órgãos fiscalizadores.
Há constatação por parte do INCRA (Livro Branco da Grilagem de
Terras no Brasil, publicado em 1999) de que uma das empresas que compõem
o Condomínio (Delfin S/A Crédito Imobiliária) obteve suas terras por meios
ilícitos.
Entretanto, antes da aquisição (e apropriação ilícita) da área, a região
já era ocupada por comunidades tradicionais descendentes de povos
indígenas e quilombolas que migraram de outras regiões do Nordeste
brasileiro em meados do século XIX e aí se estabeleceram devido à
abundância de água e ao isolamento geográfico (Relatório Sócio
Antropológico – Projeto Oeste, agosto de 2010) o que, naquele contexto
histórico, favorecia seu assentamento e permitiu, até final da década de 80,
seu desenvolvimento a partir do extrativismo vegetal e da agricultura de
subsistência.
5
Ao menos uma das empresas que compõem o Condomínio Cachoeira do
Estrondo também foi acusada de exploração de trabalho análogo ao escravo,
sendo, após investigação, incluída na chamada “lista suja” do Ministério do
Trabalho e Emprego que divulga os empregadores que foram enquadrados
nesta condição (Cadastro de Empregadores, Portaria 540 de 15 de Outubro
de 2004, atualizada em 04/02/2011).
Também existem diversas irregularidades apuradas pelos órgãos
ambientais, como falta de licença ambiental para operação de
empreendimento agrícola e extração mineral, ausência de reserva legal,
intervenção irregular em área de preservação permanente (APP), disposição
de embalagens de agrotóxicos em local impróprio (Relatório técnico FPI,
2010).
O empreendimento possui autorizações para supressão de vegetação
de uma área superior a 48 mil hectares cuja emissão duvidosa provocou a
abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra alguns
funcionários do IBAMA por suspeita de fraude e resultando em autuação e
embargo de parte desta área. O referido PAD ainda está tramitando na
autarquia, de acordo com o gerente regional do IBAMA em Barreiras.
Considerando estes e outros precedentes, o Ministério Público do
Estado da Bahia instaurou três Inquéritos Civis (11/2008, 14/2008 e
16/2008) para apurar a situação do empreendimento. Aquelas
irregularidades já comprovadas pelas investigações resultará em sanções
nas esferas administrativa, civil e criminal.
A intenção do Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco (NUSF) é
determinar, dentro da esfera civil que lhe compete, enquanto núcleo
ambiental do Ministério Público, um valor para compensação que seja
proporcional ao passivo ambiental comprovadamente deixado pela operação
irregular da empresa ao longo das últimas décadas. Considerando que a
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parcela da sociedade mais afetada pelo empreendimento sejam as
comunidades localizadas em seu entorno, logo, seriam estas as primeiras
beneficiárias da compensação ambiental. Neste caso, sugere-se que o valor
da compensação ambiental seja revertido, no mínimo, em titularidade das
áreas em que estas comunidades se desenvolveram historicamente.
Entretanto, este passivo ambiental (ou, de forma mais genérica, dívida
social) não é tão explícito como se imagina, lembrando que antes mesmo de
sua ocorrência já se caracterizava naquela região uma questão agrária,
sobretudo por acusações de grilagem de terra por parte das empresas que
foram se estabelecendo. Este fato põe em dúvida a licitude da operação dos
empreendimentos que possuem licença ambiental e que poderiam ser
considerados regulares sob o ponto de vista ambiental, caso não fosse
empreendida uma investigação detalhada acerca da origem de cada uma das
matrículas.
De forma mais ampla, para se atingir o objetivo maior deste trabalho,
qual seja, definir um valor para compensação proporcional ao passivo
ambiental, necessário seria compreender em que medida a operação do
empreendimento interferiu e interfere na vida das populações tradicionais
que aí se desenvolvem? Como se deu o processo de apropriação do território
por parte das comunidades e por parte do empreendimento? Qual é a área
reconhecida pelas populações locais como de direito? Quais são os
documentos que atestam o título das terras em nome do Condomínio? Esses
documentos são legítimos? Os membros das comunidades possuem algum
tipo de documento que garanta sua permanência na área?
Algumas dessas perguntas foram analisadas neste documento que
tentou, na medida do possível, e com metodologia própria, respondê-las;
outras foram respondidas mediante pesquisa exaustiva que resultou num
acervo acerca do tema. Outras perguntas permanecem sem resposta,
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necessitando de investigações mais aprofundadas por pessoal competente.
Soma-se a este acervo toda a documentação entregue pela consultoria
ambiental da empresa. Dentre estes documentos, a relação de todas as
pessoas que compõem as referidas comunidades rurais e sua localização,
além da relação de matrículas que compõem a área do empreendimento.
Considerando todas as informações necessárias para contemplar um
procedimento de responsabilização civil que leve em consideração a
participação e compreensão plenas das comunidades tradicionais atingidas
pelos empreendimentos agrícolas, algumas informações ainda deverão ser
levantadas mediante consulta a alguns órgãos e mais visitas in loco deverão
ser feitas.
Em suma, alerta-se para o fato de que a situação das referidas
comunidades é de extrema fragilidade, por este motivo, todo cuidado é
pouco para se evitar que decisões de gabinete comprometam ainda mais a
vida (real) dessas famílias. Interpreta-se neste relatório, a partir da análise
das fontes primárias e secundárias, que a presença do empreendimento
naquela região é, em grande parte, responsável pela situação crítica que
aquelas famílias vivem hoje.
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2. Objetivos e metodologia
O conteúdo desenvolvido no presente documento acabou indo muito
além do que o que fora proposto no Termo Aditivo da presente consultoria.
Tudo o que foi proposto está contemplado. Entretanto, ao deparar-se com
uma situação muito mais complexa do que se imaginava, somente atender as
demandas originais, explicitadas no título deste trabalho, em nada
acrescentaria para contribuir para a solução de seu problema.
Todas as diretrizes apontadas no presente documento foram
elaboradas a partir de reuniões com diversos atores sociais, dentre eles
representantes das comunidades locais; representantes do Condomínio
Cachoeira do Estrondo; técnicos de órgãos ambientais (como IBAMA, SEMA
e IMA); representantes de organizações da sociedade civil; membros do
Ministério Público Estadual e, finalmente, professores pesquisadores do
ICADS da Universidade Federal da Bahia (especialmente das ciências
sociais). Além dessas reuniões e consultas, visitas de campo também foram
empreendidas com intuito de imergir o mais profundamente possível na
situação em tela.
A partir deste trabalho preliminar é que os seguintes objetivos foram
construídos:
Apresentar uma idéia geral do
empreendimento constituindo uma síntese para futuras análises;
Caracterizar e identificar as
comunidades tradicionais localizadas no entorno da Fazenda
Estrondo, município de Formosa do Rio Preto e o número de famílias;
Apresentar sugestões de
procedimentos para que o território onde estas comunidades se
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desenvolveram seja devidamente definido, considerando aspectos de
natureza histórica, social e ambiental;
Fornecer os elementos
necessários para subsidiar a quantificação de todo passivo ambiental
deixado pela empresa e sua conversão em área a ser desapropriada
em benefício das comunidades que aí se desenvolveram
historicamente e/ou em benefício da coletividade.
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3. Localização e abrangência do Condomínio Cachoeira do Estrondo
Localizadas no município baiano de Formosa do Rio Preto, desde a
divisa com o Estado do Tocantins, coordenadas 11º22’30”S e 46º37’30”W
até as coordenadas aproximadamente 150 Km a Leste deste ponto, nas
coordenadas 11º03’45”S e 45º26”15”W, as áreas do Condomínio Cachoeira
do Estrondo foram obtidas a partir de 1975.
Em 1995, conforme documentos protocolados no Ministério Público da
Bahia em novembro de 2010 e janeiro de 2011, a Companhia Agrícola de
Melhoramento (CAMPO) elaborou o projeto de exploração para o grupo
sendo então iniciada a divisão do imóvel e venda das glebas.
A área total do condomínio encontra-se hoje dividida em três
parcelas, cada uma adquirida por uma das seguintes empresas:
Colina Paulista S.A, com 86.157,809 ha.;
Companhia de Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB), com
134.346,80 ha.;
Delfin Rio S/A Crédito Imobiliária, com 93.500,00 ha..
A área de abrangência de cada uma dessas empresas é dividida em
diversas matrículas que foram então vendidas ou arrendadas para terceiros.
No anexo 1 constam as relações de matrículas relacionadas a cada
fazenda do condomínio, sendo que cada fazenda está inserida na área de
uma ou mais das três empresas listadas acima. Estas relações foram
produzidas pela consultoria ambiental das empresas.
É importante ressaltar que, de acordo com esclarecimento da
consultoria ambiental das empresas, as informações referentes às áreas da
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CMOB não foram apresentadas pelo empreendedor pelo fato de não ter sido
instaurado Inquérito Civil para apuração da situação da mesma e, portanto,
não ter sido solicitado pelo MP, o que impossibilitou sua análise.
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4. Identificação do passivo ambiental
Tanto a parcela da CMOB quanto a da Colina Paulista deram início ao
processo de exploração agrícola desde 1995 tendo como principais culturas
a soja, o algodão, o milho e a pecuária. Já a parcela Delfin Rio S.A. ainda
conta com a maior parte da área não explorada, em forma de cerrado ainda
preservado.
Os documentos entregues por representantes das empresas e
protocolados no MP-BA informam que em 1999 foi feita a averbação da
reserva legal em condomínio e as autorizações de desmate foram emitidas
de 1998 a 2002.
Parte da Reserva Legal foi averbada sobre Áreas de Preservação
Permanente no vale do rio Preto, com respaldo de uma medida provisória já
revogada. Hoje, o IMA exigiu das empresas a correção desta situação,
interpretada pelo órgão como irregular. A partir desta exigência, a empresa
está providenciando a averbação de nova área para fins de reserva a partir
da subtração da APP inserida na reserva legal anterior.
Em 2009 a revista Repórter Brasil publicou artigo resultado de
entrevistas com organizações da sociedade civil, trabalhadores rurais,
IBAMA e INCRA. Dos problemas relacionados à empresa que constam neste
artigo, muitos deles foram confirmados durante a elaboração do presente
documento mediante consulta a estas instituições.
A Superintendência Regional do INCRA na Bahia, ao investigar o
encadeamento sucessório dos documentos do Condomínio Estrondo em
cartório concluiu que a área não teve um destacamento regular da área do
patrimônio público já que a fiscalização não identificou o primeiro título de
propriedade particular (Repórter Brasil, 2009).
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No IBAMA, tramita um Procedimento Administrativo Disciplinar
(PAD) para apurar a legitimidade de diversas autorizações de desmate
feitas pela autarquia aparentemente fraudulentas. Bem assim, milhares de
hectares foram e estão sendo desmatados sem a necessária licença
ambiental, conforme informações do próprio órgão federal, que tem
monitorado o desmatamento no Oeste da Bahia por imagem de satélite.
Entre 2004 e 2006 foram estimados 77 mil hectares de vegetação
nativa desmatada pelo empreendimento, de acordo com o gerente regional
do IBAMA. Possivelmente, parte desta área tenha sido desmatada sem a
necessária licença ambiental. As multas emitidas pelo IBAMA às empresas
que compõem o condomínio já superaram a marca dos 7 milhões de reais.
A 22ª campanha de FPI realizada em 2010 investigou três fazendas
pertencentes ao condomínio: Alaska, Santana e Austrália, onde se pôde
verificar que o licenciamento ambiental dos empreendimentos estava em
andamento, logo, todas estavam operando irregularmente, sem a necessária
licença ambiental, fato que já havia sido constatado anteriormente durante
a Operação Veredas em outras fazendas do condomínio.
Nesta mesma operação verificou-se que parte da reserva legal da
Fazenda Alaska coincidia com áreas de preservação permanente. Por este
motivo, a equipe de fiscais considerou que toda reserva legal estava
irregular.
Devido a essas irregularidades os órgãos participantes da operação
emitiram notificações às três empresas para que apresentassem toda
documentação necessária para apuração da real situação de cada uma das
fazendas do condomínio. Estas notificações se juntam a uma série de
outras, inclusive multas e embargos, por exploração da área em
desconformidade com a legislação vigente.
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O laudo técnico de vistoria para fins de licenciamento ambiental de
empreendimento agrícola em área de quase 75 mil hectares dentro do
condomínio (2008) constatou desmatamento em área de 19.000 ha, parte da
mesma área objeto do processo de licenciamento. Tudo indica que o
referido processo ainda encontra-se em andamento, mas não se sabe ao
certo se fora tomada alguma providência pelo órgão licenciador referente
ao ilícito.
Analisando os Estudos de Impacto Ambiental que fazem parte do
processo de licenciamento das três empresas (CMOB, Colina e Delfin) no
IMA, não se observou qualquer menção feita à existência de comunidades
tradicionais no capítulo que trata dos impactos sociais e as propostas de
mitigação ou compensação.
O que será apresentado no próximo item deste documento é que a
presença dessas comunidades é não só evidente como também histórica. A
própria empresa apresentou um levantamento de todas as comunidades, com
número de famílias e as idades de seus respectivos membros.
Em 2010 e 2011 monitoramento feito pelo IBAMA analisando imagens
de satélite constatou que desmatamentos irregulares continuam sendo
praticados na área do condomínio. Entende-se que estes desmatamentos
estejam ocorrendo sem o controle do estado, já que qualquer autorização de
desmate foi emitida pelo órgão para aquelas áreas.
Além do passivo ambiental que tem se acumulado no decorrer do
tempo pela exploração dos empreendimentos agrícolas, é importante
também registrar, para maior compreensão da situação em tela, que duas
fazendas integrantes do condomínio – Indiana e Austrália - foram incluídas
na “lista suja do trabalho escravo”: cadastro do governo federal onde são
listados todos os empreendimentos que exploraram o trabalho humano.
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5. Comunidades tradicionais atingidas pelo empreendimento
As comunidades tradicionais que se encontram no entorno do
condomínio estrondo, cuja situação está sendo analisada neste relatório, são
apresentadas na tabela abaixo, acompanhadas do número total de famílias e
de pessoas.
A maioria delas tem como referência (serviços de saúde, educação e
são eleitores) a sede de Formosa do Rio Preto, outras, como é o caso da
comunidade de Aldeia, mantém relação com Dianópolis, em Tocantins.
Tabela 3. Relação de comunidades tradicionais existentes no entorno do Condomínio
Cachoeira do Estrondo
Comunidades
Distância aproximada
da sede de Formosa
do Rio Preto (Km)
Número de
famílias
Número de
pessoas
Cachoeira 180 06 36
Marinheiro 190 03 14
Cacimbinha 215 20 128
Gato 235 03 12
Aldeia 265 23 126
Brejão ? 01 01
Total - 56 317
Fonte: Documento “Regularização fundiária: Comunidades Tradicionais”, 2011, adaptado.
As informações que constam na tabela 03 foram extraídas de um
levantamento feito pelas empresas e protocolado no Ministério Público da
Bahia em 26 de janeiro de 2011. No anexo 02 pode ser observada a relação
detalhada com os nomes dos integrantes de todas as famílias e suas
respectivas idades. Esta mesma lista foi entregue a lideranças locais para
que fosse completada se necessário, entretanto ainda não foi devolvida.
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Estas seis localidades, além de dezenas de outras situadas na bacia
do Grande, foram visitadas por uma equipe de antropólogas da Fundação
Apolônio Chaves (FADURPE) no âmbito do Projeto Oeste, financiado pelo
Governo do Estado da Bahia.
Neste levantamento, as pesquisadoras concluem que muito antes da
obtenção das terras pelo conjunto de empresas que constitui o condomínio
estrondo, essas comunidades tradicionais, descendentes de índios e
quilombolas, já ocupavam parte da área. Com a divisão em glebas e a chegada
de pessoas de fora as famílias acabaram sendo “espremidas” em torno de
veredas e de cursos d’água, onde se encontram até hoje.
Tanto no referido levantamento, como também durante as reuniões
com lideranças locais e visitas in loco, verifica-se que as referidas
comunidades podem ser entendidas como tradicionais. Primeiro, pelo fato de
se identificarem como tal e reproduzirem com muita convicção seus
antepassados a partir de tribos indígenas e quilombolas; segundo, por
praticarem o extrativismo vegetal e animal para obter seu sustento, bem
como remédios e artefatos, pelo tipo de agricultura de baixo insumo e
outras expressões culturais e religiosas.
É curioso notar no Relatório da referida pesquisa o depoimento
apresentado pelas famílias referente à sua origem e à forma como foram e
estão sendo expulsas de seus territórios.
“(...) As pessoas (homens) de São Paulo chegaram aqui dizendo que compraram as terras através de pessoas de quem eles [nativos] nunca ouviram falar. Um homem do cartório de Formosa, também chegou com documento dizendo que era dono, que tinha comprado 7 mil e oitocentos hectares. Os mais velhos nunca conheceram a mulher de quem ele disse ter comprado, e já loteou em três partes e vendeu(...)” (Relatório Sócio Antropológico – Projeto Oeste,
2010).
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O depoimento a seguir ilustra a forma utilizada pelos “fazendeiros”
para se apropriarem das terras e a força de resistência que ainda é feita, de
acordo com o relato das famílias. Neste e em outros depoimentos colhidos
durante a pesquisa antropológica, constata-se a existência de conflito que
merece uma mediação urgente e responsável por parte do Estado.
“(...) O território de Cacimbinha era maior. Muitas pessoas venderam as terras para fazendeiros ou elas foram invadidas por aqueles que se dizem proprietários. Tem-se tornado prática comum a colocação de marco pelos fazendeiros. Os marcos são retirados pela população como forma de defesa de sua propriedade. “Nós somos os verdadeiros donos daqui, foi nossos pais que fizeram tudo aqui, isso tudo era só mato, terra de índio. Foi João da Mata, foi o véio Bonifácio, o véio Panta, eles é que são donos e nós somo cria deles, né! (...)” (idem, íbidem).
Recentemente (após 22ª Campanha da FPI em 2010), de acordo com
lideranças locais, um gerente das empresas com nome de Ari, passou a
solicitar das famílias seus documentos, alegando que o objetivo seria
conceder o título de uma determinada área aos posseiros. Estes, inseguros,
teriam consultado o Sindicato de Trabalhadores Rurais que, por sua vez,
orientou para que não o fizessem.
As antropólogas estimam que o território é ocupado pelas famílias há
mais de seis gerações. Interpretaram que ainda pelas décadas de 40 e 50
existiam índios ou remanescentes de índios naquela comunidade ou ali
próximo.
“(...) Seu Canário (59 anos) relatou que antes de seu avô Siliveste chegar em Aldeia, o avô de Augustinha, sua mãe, já morava lá. Augustinha era filha de Clirarim (Clarim) e Maria, vindos de Formosa. Siliveste veio de Mansidão. Canário casou com Romana, sua primeira esposa, que morreu de parto e era índia. O que nos leva a inferir que, ainda pelas décadas de 40 e 50 existiam índios
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ou remanescentes de índios naquela comunidade ou ali próximo (...)” (idem, íbidem).
Com intuito de descobrir qual seria a área de abrangência
originalmente utilizada pelas comunidades antes da década de 80 (período
em que a área começou a ser desmatada para venda) observou-se que o vale
do rio Preto e afluentes era utilizado como espaço de moradia, agricultura
(camponesa), pecuária e extrativimo vegetal e animal (caça e pesca) e a
“serra” (local em que hoje é ocupado pelas fazendas) utilizavam para o
extrativismo vegetal (mangaba, tucum e outras para alimentação ou
elaboração de remédios e artefatos) e animal (caça).
O maior problema atual encontrado nas comunidades, conforme se
observa no relatório, refere-se à permanência das famílias no local. As
fazendas, por não possuirem reserva legal estão se apropriando das áreas
que ainda restam das comunidades ao se verem pressionadas pelos órgãos
ambientais a cumprir o Código Florestal. Para tanto, de acordo com o relato
das antropólogas, estão coagindo as pessoas a venderem suas terras ou
ameaçando expulsá-las.
De acordo com o relatório, as chapadas estão tomadas por grandes
fazendas, configurando um cerco para as comunidades que, a cada dia,
perdem parte de seu território. Algumas famílias acabam vendendo suas
terras e outras ainda esperam ser contempladas pelos títulos e permanecem
na área, mas não sabem por quanto tempo.
Outro problema identificado, a partir do depoimento dado pelas
comunidades, trata-se do uso de agrotóxicos e perfuração de poços
artesianos pelas fazendas.
Considerar estes fatos como problemas é coerente, já que a
exploração agrícola com base industrial ocorre nas áreas mais altas e as
comunidades localizam-se nos vales. Muito provável que esteja havendo
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intoxicação com agrotóxicos, já que a fonte de água e consequentemente o
pescado, por exemplo, podem estar recebendo carga considerável desses
produtos.
Outro indicador de impacto negativo da operação dos grandes
empreendimentos agrícolas nas comunidades é o aumento no ataque de
pragas e doenças nos cultivos agrícolas familiares, como milho e feijão,
resultando em prejuízos consideráveis à exploração camponesa cuja base se
dá a partir da força de trabalho doméstica e baixo uso de insumos químicos.
Atualmente este evento é bem conhecido dentro do campo
agroecológico e pode ser explicado quando se compreende a complexidade
de interações com a biodiversidade que as monocuturas acabam por
eliminar. Essas interações benéficas são criadas sobretudo devido a
presença de inimigos naturais que só é possível com a presença da
biodiversidade ao lado e dentro dos cultivos agrícolas, favorecendo-os na
manutenção de um equilíbrio dinâmico. A eliminação da vegetação em
extensas áreas torna o ambiente vulnerável ao ataque de pragas e doenças
nas culturas agrícolas.
Por outro lado, os moradores nativos relacionam a diminuição no
volume de água dos rios com a perfuração de poços nas fazendas localizadas
no alto da serra.
A situação em tela configura uma relação conflituosa. Denúncia ao
Ministério Público da Bahia já foi apresentada por uma liderança política do
município. O resultado é aguardado pelas famílias com ansiedade. Também é
aguardado o resultado do pedido de título das terras por usucapião.
“Enquanto isto eles continuam vivendo num clima de instabilidade, não sabem
de seu futuro”.
Ao final da pesquisa empreendida pela equipe da FADURPE, que teve
grande valor para o esclarecimento da situação naquela região, as
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pesquisadoras concluem que qualquer trabalho de preservação do bioma das
margens do rio Preto deve levar em consideração os vários atores deste
cenário, que são as populações tradicionais e as empresas que exploram a
agricultura na região.
(...) A população local não pode pagar o ônus da devastação realizada por estas empresas. Se elas [as empresas] não respeitaram a lei de reserva legal, precisam buscar alternativas que não seja a expulsão de comunidades tradicionais que vivem na região há mais de 100 anos (...)
Permitir, por omissão ou ativamente, que empreendimentos
particulares determinem, a revelia dos modos de vida aí presentes, o
destino das comunidades afetadas direta ou indiretamente por suas ações é
uma prática comum atualmente, a exemplo de diversos outros grandes
empreendimentos. Com isto, a cultura brasileira, uma de nossas maiores
riquezas, está sendo “erodida”.
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6. Reparação
A legislação federal estabelece duas formas de reparação do dano
ambiental: reconstituição do meio ambiente lesado (reparação específica) e
indenização pecuniária (reparação econômica).
A reparação econômica ou compensação financeira em decorrência do
dano ambiental se fundamenta no princípio da responsabilidade objetiva do
causador do dano por sua reparação. O artigo 225 da Constituição Federal
de 1.988 em seu parágrafo III orienta que as condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados.
O artigo 4º da Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) cria
dispositivos para a materialização da reparação de danos ambientais por
impor ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os
danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos
ambientais com fins econômicos.
Por outro lado, a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 que disciplina a
ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente,
ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, define, em seu artigo 30, que a ação civil poderá ter
por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer.
Finalmente, a Lei 9.985 de 18 de julho de 2000 – Lei do SNUC – define
os termos “recuperação” e “restauração”, sendo o primeiro restituição de
um ecossistema ou de uma população silvestre degradada a uma condição
não degradada, que pode ser diferente de sua condição original, e o
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segundo, restituição de um ecossistema ou de uma população silvestre
degradada o mais próximo possível da sua condição original.
A estratégia apresentada por este relatório reforça a orientação de
se priorizar a restauração da área degradada, ou seja, que o empreendedor
restitua à sociedade os serviços ambientais oferecidos originalmente pela
área antes de ser degradada. Entretanto, nem sempre isto é possível devido
à intensidade de degradação imposta ao meio e a capacidade de resiliência
do ambiente.
Caso as condições não favoreçam um processo de regeneração, mas sim
de recuperação que resultará em uma condição diferente da original, como é
o caso do desmatamento em grandes extensões de área de cerrado,
entende-se que somente parte dos serviços ambientais originalmente
exercidos por aquela área será devidamente retomados. Neste sentido,
haverá um déficit que também deverá ser compensado.
Existem casos em que a exploração em uma determinada área se deu
de forma tão intensa que tornou impossível sua recuperação ou restauração.
É o que ocorre em diversos empreendimentos minerários ou áreas utilizadas
para exploração agrícola que foram profundamente degradadas. Neste caso,
abre-se o precedente para que o dano seja compensado por algum tipo de
benefício in natura mesmo que seja em outra área, ou que garanta, de
alguma forma, a realização dos serviços ambientais comprometidos. Um
exemplo deste tipo de compensação é a criação de RPPN (Reserva Particular
de Patrimônio Natural) em área ainda preservada.
Finalmente, quando o dano ambiental é irreversível a ponto de não
permitir qualquer tipo de compensação in natura mesmo que em outra área e
ou houve alteração temporária do equilíbrio ecológico, ou seja, a
coletividade ficou privada do recurso ambiental e de seus efeitos benéficos
por um determinado período de tempo, recorre-se à compensação
23
financeira, ou pagamento em pecúnia pelo dano ambiental. Orienta-se que
esta alternativa seja empregada com intuito de compensar a sociedade pelo
tempo em que deixou de se beneficiar daqueles serviços ambientais.
A partir desta análise pode-se sintetizar a orientação
hierarquicamente no sentido de se garantir a reparação dos danos
ambientais, de acordo com OLIVEIRA e CUNHA (2008):
i. Restauração (reparação específica);
ii. Recuperação (reparação específica);
iii. Compensação in natura (reparação específica);
iv. Compensação financeira (reparação econômica).
Apesar de algumas deficiências que ainda precisam ser superadas com
maior investimento em pesquisa científica, é possível afirmar que existem
técnicas apropriadas que conferem ao processo de reparação específica um
resultado satisfatório, desde que criteriosamente executado, como será
discutido a seguir.
O maior problema, na verdade, reside na compensação ambiental, seja
in natura ou financeira, já que, para ambas, a determinação de como
compensar um determinado dano deve obrigatoriamente passar pela
conversão dos serviços ecossistêmicos oferecidos originalmente, que
possuem valor de uso e de existência, para um determinado valor financeiro.
Se, em regra, este desafio da valoração de danos ambientais é grande,
ele ainda é maior no Oeste baiano, em municípios como Formosa do Rio
Preto, Riachão das Neves e São Desidério, por exemplo, que se constituem
em uma das atuais fronteiras agrícolas do país e que carregam consigo um
acúmulo imensurável de passivos ambientais sem o merecido controle do
estado.
24
A dificuldade de se determinar os responsáveis legítimos pelos
empreendimentos, fazendas ou lotes cujas dimensões variam de centenas de
hectares a mais de 400 mil ha (quatrocentos mil hectares), fazem com que
mesmo o processo de fiscalização, quando ocorra, não se efetive.
Propriedades de titularidade suspeita, sem reserva legal averbada, ou
quando está averbada não existe de fato, leitos de riachos intermitentes
sendo utilizados pelos empreendimentos como área agricultável, áreas de
preservação permanente completamente degradadas, sobreposição de
reserva em APP e outras tantas desconformidades que, tendo em vista sua
dimensão e a relevância do bioma sob os pontos de vista apresentados
acima, somente o investimento em um processo de investigação minucioso
poderia orientar soluções eficazes e orientações mais precisas para
compensação ambiental, já que tudo isto convive em uma área em processo
de desmatamento acelerado para ampliação dos empreendimentos
existentes ou implantação de novos.
O agravante é a suspeita de que muitas dessas áreas foram obtidas de
forma ilícita, portanto a titularidade é duvidosa. Isto resulta que a
quantificação do dano visando responsabilização civil está vinculado à
investigação por parte do INCRA. Caso se constate que o título da terra não
seja das empresas (ou seja, por meios ilícitos) a análise adquire outro
caráter, lembrando que se tratam de centenas de milhares de hectares. Por
outro lado, analisar o passivo ambiental propondo compensação, sem
verificar a titularidade, poderia, por fim, legitimar uma possível grilagem de
terras.
Se os procedimentos administrativos dos órgãos ambientais e do
INCRA ocorrerem paralelamente às medidas de responsabilização civil e
penal, maior efetividade haveria na regularização da situação dessas áreas.
25
A orientação de reparação específica (restauração ou recuperação
física da área objeto de degradação), apresentada na seção a seguir, foi
elaborada por BARRERO (2009) que teve como referência o trabalho
desenvolvido por equipe de profissionais da Universidade Federal de Lavras
(UFLA).
É importante ressaltar a necessidade de controle por parte dos órgãos
ambientais no sentido de monitorar os processos de recuperação de áreas
degradadas, desde sua idealização, por um período mínimo quando o estado
de desenvolvimento da vegetação dispensar a intervenção humana.
7. Proposta de compensação por desconformidade ambiental
No Produto 04 desta mesma consultoria (BARRERO, 2010), sugeriu-se
para o município de Formosa do Rio Preto – região onde ocorrem as maiores
médias de precipitações pluviométricas da região Oeste do Estado –
metodologia de valoração para desmatamentos irregulares baseada no valor
agregado que resultaria da conversão de uma área preservada para uma
área desmatada.
Uma estimativa grosseira, considerando consulta a produtores rurais
da região, resultou num valor agregado de aproximadamente R$ 8.000,00
quando um hectare de terra é desmatado, considerando o valor de R$
7.000,00 por hectare preservado e R$ 15.000,00 o hectare desmatado.
Ressaltou-se naquele relatório que estes valores variam conforme a
aptidão da área para agricultura em larga escala, facilidade de acesso e
outras características. Mas o fato é que a preparação destas áreas para o
cultivo aumenta seu valor financeiro, independentemente de qual seja, uma
vez que transforma uma área com valor econômico menor em função de suas
restrições físicas em área com elevado potencial para exploração agrícola
com base industrial. Considerando-se que este incremento financeiro é
26
obtido com a degradação dos recursos naturais, sugeriu-se naquela ocasião
utilizar este valor agregado como referência para o cálculo da parcela não
recuperável do dano ambiental.
Como exemplo, suponha-se que a identificação de um determinado
empreendimento rural de 10.000 ha (dez mil hectares) tenha constatado a
ausência de reserva legal. De acordo com o Código Florestal, este
empreendimento deveria ter como área de reserva legal 2.000 ha (dois mil
hectares).
No que se refere à reparação específica, a orientação primeira para
este caso é que o empreendedor inicie o processo de regularização
recuperando ou garantindo sua localização em outro local na mesma bacia
hidrográfica ou de acordo com a orientação do órgão competente. É
importante ressaltar a importância de que a compensação sempre ocorra na
mesma sub-bacia hidrográfica.
Estes procedimentos, seja a recuperação ou a compensação in natura,
não pagam o período em que a referida área deixou de cumprir seus serviços
ecossistêmicos. Por este motivo, cabe ainda a compensação financeira, para
tanto procede-se ao seguinte raciocínio:
Supondo que os preços de um hectare preservado e de um hectare
desmatado sejam aqueles apresentados acima (R$ 7.000,00 e R$ 15.000,00,
respectivamente), ou seja, a diferença de preço entre ambos é de R$
8.000,00, tem-se que o valor agregado à área de RL atualmente desmatada
(que deveria ser de 2.000 hectares) seja de R$16.000.000,00 (Dezesseis
milhões de reais) de acordo com o que ilustra o Quadro 01 abaixo.
27
Quadro 01: Relação entre o valor agregado de áreas rurais.
* V.A. – Valor agregado de uma área rural após ser preparada para o
plantio mediante desmatamento.
Propõe-se que este valor, o mesmo empregado nas transações de
compra e venda de terras e que é orientado pela relação de custo /
benefício e pela lei da oferta e da procura, seja empregado para
compensação ambiental da referida desconformidade. Se ele se justifica
para compra e venda de áreas, não será diferente no caso de restituir os
serviços ambientais comprometidos.
Maior ainda seria seu efeito caso esta importância pecuniária fosse
convertida diretamente à ampliação das áreas de preservação ambiental,
mediante constituição de área para servidão florestal de acordo com o que
prevê o Código Florestal, artigo 44-A1.
Neste caso, a determinação do tamanho da área a ser destinada à
servidão florestal segue o mesmo raciocínio lógico. Ou seja, no exemplo
apresentado, o valor de R$16.000.000,00 seria convertido em área
preservada de 2.285,71 ha (dois mil, duzentos e oitenta e cinco hectares e
setenta e um centiares), utilizando como base de cálculo o valor de mercado
de um hectare preservado, ou seja, R$7.000,00.
A conversão de moeda em ampliação de área preservada, caso seja
escolhida esta opção, deverá seguir as orientações técnicas de localização
1 O proprietário rural poderá instituir servidão florestal, mediante a qual voluntariamente renuncia, em caráter
permanente ou temporário, a direitos de supressão ou exploração da vegetação nativa, localizada fora da reserva legal e da área com vegetação de preservação permanente (Lei 4.771, artigo 44-A).
V.A.* 1ha ______ R$ 8.000,00
V.A. * 2.000ha___ R$ 16.000.000,00
28
no sentido de favorecer a criação de corredores ecológicos entre as APP,
RL e Unidades de Conservação existentes.
Como proposta para reparação do passivo ambiental deixado pela
Fazenda Estrondo, sugere-se que as áreas que estejam em desconformidade
ambiental passem pela conversão em moeda e, em seguida, de área
preservada e, finalmente sejam convertidas em algum tipo de Unidade de
Conservação que se adéqüe ao contexto das comunidades tradicionais que ali
se desenvolveram.
Caso fosse comprovado que as áreas foram obtidas de forma ilícita,
além da responsabilidade civil pela operação irregular relacionadas a danos
ambientais, as orientações acerca das medidas fugiriam da competência
desta consultoria.
29
8. Orientações Técnicas e Sugestões
Considerando a situação descrita neste documento e com intuito de
criar parâmetros para viabilizar o processo de responsabilização,
apresenta-se as seguintes sugestões:
Consultar o INCRA para verificar se há investigação em andamento
para aquela área; havendo, qual a natureza da investigação e o estado da
arte. Verificar naquele órgão, com base nas matrículas já apresentadas
pelas empresas, se já existe o georreferenciamento e a base cartográfica
do condomínio como um todo.
Solicitar do cartório de Formosa do Rio Preto certidão de inteiro
teor de todas as matrículas para se empreender uma análise da cadeia
dominial das mesmas e verificar se partem de uma única matrícula geradora.
Contratar os serviços de um agrimensor para averiguar, à luz das
informações oferecidas pelo INCRA e pelo cartório, qual a área de domínio
da empresa.
Solicitar à Diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental (DIVISA)
coleta e análise de amostras de água para verificar se há de fato
contaminação por agrotóxicos nas águas que abastecem estas comunidades,
havendo, qual a intensidade e a ameaça a saúde das famílias e a
biodiversidade. Além disso, solicitar deste órgão a devida apuração para
verificar se as queixas recorrentes entre os nativos de sintomas como dor
de cabeça, ardência nos olhos, náusea e tonturas estão de fato relacionados
com intoxicação por agrotóxicos.
Corroborando com a sugestão apresentada pela equipe FPI, que
fiscalizou a área em 2010, propor que o processo de licenciamento em
30
trânsito seja transferido do IMA para o IBAMA, já que trata-se de um
empreendimento cujos impactos se dão direta e ou indiretamente:
Em zonas de recarga hídrica das
bacias dos rios federais São Francisco, Tocantins e Parnaíba,
atingindo, portanto, mais de um Estado Federado;
Em Unidades de Conservação de
proteção integral (Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins
e Parque Nacional Nascentes do Parnaíba, bem como a Unidade
de Conservação Estadual – APA do Rio Preto).
Alertar, no âmbito do órgão licenciador, seja federal ou estadual, a
inconsistência da análise dos impactos sociais apresentadas no Estudo de
Impacto Ambiental que consta no processo de licenciamento ambiental do
empreendimento.
Repetindo as sugestões apresentadas pela equipe da FPI, sugere-se
que seja constituída uma equipe técnica com pessoal qualificado dos
diversos órgãos de fiscalização para que se dedique intensivamente a análise
de todo acervo de documentos (auditoria) e apresentem um diagnóstico
completo da situação.
Analisar a possibilidade de se desapropriar toda a área do vale, onde
hoje localiza-se a Reserva Legal da maioria das matrículas do condomínio
cachoeira do estrondo e as Áreas de Preservação Permanente, em benefício
das comunidades nativas e da coletividade, sob a forma de Unidade de
Conservação de Uso Sustentável, modalidade Reserva Extrativista – ou
outra que contemple os fatores históricos e sociais levantados em campo e
que considere as áreas de relevante importância ecológica com intuito de
garantir o desenvolvimento de cada uma das comunidades e a preservação
dos ecossistemas locais.
31
Durante o trabalho de campo e consultas aos diversos órgãos
verificou-se que outro empreendimento, tão grande quanto o condomínio
estrondo - a Fazenda Cana Brava – localizado ao Norte no mesmo município,
reproduz a mesma prática empregada pelo empreendimento em análise,
afeta diretamente as comunidades vizinhas, com suspeita e denúncias de
grilagem de terras e degradação ambiental. Portanto, sugere-se que um
trabalho de investigação pelo Ministério Público da Bahia, a exemplo do que
está sendo feito na Fazenda Estrondo, também seja empreendido na
Fazenda Cana Brava.
Por fim, apresenta-se como sugestão, detalhada no Anexo 04 deste
documento, que seja utilizado um diagnóstico participativo por equipe
transdisciplinar nas comunidades do entorno do condomínio estrondo para se
compreender de forma aprofundada e, a partir de então, estabelecer um
conjunto de medidas que auxiliem aquelas comunidades no acesso aos
serviços públicos básicos (saúde, educação, transporte, lazer etc.) bem
como aos programas assistenciais do Governo Federal e, enfim, se
desenvolvam de forma sustentável.
32
9. Referências
BAHIA. Projeto Oeste: Proteção das Águas nas Sub-bacias dos rios Grande, Corrente e a
margem esquerda do rio Carinhanha. Tomo 1. Documento Diagnóstico. Salvador/BA: INGÁ,
2010. 466p.
BAHIA. Projeto Oeste: Proteção das Águas nas Sub-bacias dos rios Grande, Corrente e a
margem esquerda do rio Carinhanha. Tomo 1a. Relatório Sócio Antropológico. Salvador/BA:
INGÁ, 2010. 212p
BARRERO, F.M.C. Relatório contendo análise técnica dos impactos da monocultura no
cerrado. Relatório técnico não publicado. Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura - IICA. 2010.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Cadastro dos Empregadores. Portaria no 540 de
15 de outubro de 2004. (Atualizada em 04/02/2011).
BRASIL. Lei 601 de 18 de setembro de 1850.
INCRA. Lista Branca da Grilagem de Terras no Brasil. 1999.
Observatório Social. Disponível em http://www.observatoriosocial.org.br/conex2/?q=node/546.
Consulta em Janeiro de 2011.
OLIVEIRA, J.C.C. Roteiro para criação de Unidades de Conservação Municipais. Brasília/DF:
Ministério do Meio Ambiente. 2010. 66p.
Repórter Brasil. Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1635 Consulta
em Janeiro de 2011.
33
Anexo 1: Relação de Matrículas por Fazenda
34
Anexo 2: Relação dos Nomes de Moradores das Comunidades Rurais do Entorno da Fazenda Estrondo
35
Anexo 03: Mapa aproximado do Condomínio Estrondo
36
Anexo 04: Diagnóstico Rural Participativo
1
Diagnóstico Rural Participativo
- DRP-
Antes de determinar soluções vislumbrando o bem estar das famílias
em questão, cabe ao poder público consultar estas comunidades para saber
o que de fato elas próprias desejam para seu desenvolvimento.
Objetivando esta consulta sugere-se aplicação de metodologia
participativa que permita aprofundar ainda mais o entendimento dos
aspectos que envolvem os atores sociais e suas relações entre si e com o
espaço.
Não se trata de um levantamento de informações feito por uma
equipe externa de “doutores conhecedores das letras”, mas um processo
educativo de troca de conhecimentos e informações.
De acordo com LUDKE (1986) e TRIVIÑOS (1987), as
características deste tipo de pesquisa de caráter qualitativo são as
seguintes:
1. O ambiente natural é a fonte direta de dados e o pesquisador, o
principal instrumento;
2. Os dados coletados são predominantemente descritivos;
3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto;
4. O significado que as pessoas dão as coisas e à sua vida são focos de
atenção especial do pesquisador;
5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.
Embora esta forma de pesquisa privilegie aspectos relacionados aos
significados que os atores sociais atribuem às ações que desenvolvem, ela
não elimina, necessariamente, a utilização de métodos quantitativos, como o
uso de questionários. Todas as informações são importantes porque podem
desvendar, em maior profundidade, as características de fenômenos
2
relevantes. Nesse sentido, a investigação deve ser progressiva, levando a
um contexto de descoberta ao invés de um contexto de raciocínio causal
(BOSCHI, 1979).
SPRADLEY (1980) denomina esse procedimento de “natureza circular
da pesquisa qualitativa”.
O processo de investigação progressiva pode ser observado desde a
coleta de informações até a elaboração do relatório final, passando por
momentos articulados de coleta e análise de informações. Dessa forma,
obtém-se os dados empíricos necessários para caracterizar os fenômeno
sem interpretá-los teoricamente num primeiro momento.
De modo geral, as técnicas de pesquisa qualitativa procuram extrair
informações que permitam aos pesquisadores compreender um fenômeno
social ao nível que DENZIN (1984) identificou como ontológico, ou seja, ao
nível onde se verifica a autoconsciência moral que define o verdadeiro ser
da pessoa como uma pessoa no mundo. Isto implica em considerar o ator
social como um ser criativo, ao contrário das concepções que o consideram
como um ser passivo diante das forças externas a ele.
A metodologia que ora se propõe deve ser utilizada por uma equipe
transdisciplinar, contemplando as ciências agrárias, sociais, biológicas e de
saúde. A intenção seria compreender como se dava a ocupação da área pelas
comunidades que aí se desenvolviam antes da década de 1980, quais eram os
limites físicos desta ocupação, como era a relação entre as famílias e o
ambiente e de que forma (e em que medida) o empreendimento afetou a
qualidade de vida das comunidades nativas, dentre outras indagações.
Sugere-se como orientação metodológica o uso do Diagnóstico Rural
Participativo (DRP) em cada uma das comunidades rurais em questão.
3
O primeiro passo seria a escolha da equipe de profissionais e um
grupo de estagiários que passariam por um processo de capacitação
abordando o uso desta ferramenta. A capacitação poderia ter como exemplo
as comunidades atingidas pela Fazenda Estrondo.
Durante a capacitação, seria elaborado o roteiro temático para
definição e detalhamento das técnicas a serem utilizadas a partir do
conhecimento prévio da situação. Nesta oportunidade a equipe passaria por
um nivelamento e aprofundamento das informações entre os membros da
equipe de campo. Importante a participação de representantes das
comunidades nesta capacitação para que compreendam de fato os meios e os
fins do trabalho pretendido. Estes representantes ficariam incumbidos de
transmitir aos seus iguais suas impressões acerca do trabalho.
Em seguida, a equipe passaria para a etapa da pesquisa de material
secundário, ampliando o acervo já existente.
Antes ainda do trabalho nas comunidades seria produzido e adquirido
material de campo, além de todos os recursos didáticos, elaboração prévia
de mapas e utilização de softwares para produção de mapas visando
apresentação às comunidades durante os trabalhos de campo.
Paralelamente a este trabalho preparatório, parte da equipe estaria
em contato com as organizações locais, bem como com as comunidades, para
expor os objetivos da atividade e agendar sua realização.
O método DRP é composto por diversas técnicas participativas que
podem ser adaptadas a cada situação específica. A utilização dessas
técnicas, desde que feita de forma sistemática e planejada, permite um
entendimento em profundidade da real situação do grupo pesquisado dentro
de um processo circular.
4
Entre uma técnica e outra são utilizadas dinâmicas de grupo cujo
intuito, em linhas gerais é favorecer o processo de comunicação e a
confiança entre as partes.
Todas as reuniões, dinâmicas e técnicas de DRP são registradas de
forma sistemáticas, filmadas e fotografadas, desde que devidamente
autorizado pelos participantes.
Segue a relação de técnicas com uma breve descrição de sua
aplicação.
Mapa da comunidade
A intenção é que os participantes elaborem um mapa que identifique
os limites e as confrontações da comunidade em questão e o uso e interação
que efetivamente fazem deste espaço. Pode oportunizar a identificação de
marcos físicos deixados pelos antepassados. Ao final desta técnica os
participantes são estimulados a representar um ou mais trajetos para que
sejam percorridos posteriormente pela equipe acompanhada por alguns
representantes comunitários chave.
Caminhada transversal
Esta técnica tem como objetivo percorrer e visualizar in loco os
detalhes mais relevantes do que a comunidade entende como sendo sua área
de abrangência. Tudo aquilo que fora apresentado no mapa elaborado pelos
participantes poderá ser verificado durante a caminhada, além, é claro de
outros elementos relevantes que costumam não aparecer nas discussões.
Também é oportunidade para que a equipe questione os participantes sobre
o uso dos recursos naturais e verifique a situação do ecossistema,
destinação do lixo exploração agropecuária, extrativismo vegetal dentre
outros fenômenos.
5
Linha do tempo
Favorece o resgate histórico da vida daquela comunidade naquela área
e pode oportunizar o resgate de documentos bem como a apresentação dos
patriarcas que deram início aquela comunidade rural.
Entra e sai
Identificar todas as cadeias produtivas, inclusive do extrativismo
vegetal e animal, das quais as comunidades fazem parte e criar parâmetros
para avaliar a sustentabilidade dos agroecossistemas.
Calendário sazonal
A partir daquilo que é produzido ou extraído definir num calendário
didático o período de cada atividade empenhada pelas famílias para garantia
de seu sustento, identificando, inclusive, o período de oferta de
determinados produtos extrativistas.
Construção
Com material oferecido pela equipe de forma indutiva, os
participantes são estimulados a construir objetos. Ao processo de
construção, marcado pela oferta de poucos recursos, é dada atenção
especial com intuito de compreender uma série de questões de natureza
subjetiva. No caso das comunidades em questão uma possibilidade de
“objeto” a ser construído seria a construção de uma área para exploração
coletiva. Qual seria o comportamento, a opinião, o sentimento das pessoas
em vivenciar o uso coletivo do solo, por exemplo?
6
Entrevistas semi-estruturadas individuais ou em grupo
Consultar informantes chave, membros da comunidade ou não,
possibilitando uma compreensão mais aprofundada acerca de assuntos de
interesse específico.
Diagrama de VENN
Elenca as interações sociais mais relevantes da comunidade com o
meio externo. Pode ser uma forma de identificar potenciais soluções bem
como perceber quais são as principais relações de conflito e sua
intensidade.