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Seminários de Estudos sobre o Novo Código Civil

Escola Judicial “Desembargador Edésio Fernandes” - TJMG

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TRIB U N A L D E J U STIÇA D O ESTA D O D E M IN A S GERA IS

Presidente

Des. Gudesteu Biber Sampaio

Primeiro Vice-Presidente

Des. Hugo Bengtsson Júnior

Segundo Vice-Presidente

Des. Bady Raimundo Curi

Terceiro Vice-Presidente

Des. Antônio Hélio Silva

Corregedor-Geral de Justiça

Des. Isalino Romualdo da Silva Lisbôa

Secretaria do Tribunal de Justiça

Diretor-Geral

Dr. Luiz Carlos Gonçalo Elói

Escola Judicial “Desembargador Edésio Fernandes”

Superintendente

Des. Bady Raimundo Curi

Superintendente-Adjunto

Des. Sérgio Antônio de Resende

Diretora-Executiva

Rosana de Mont’Alverne Neto

Belo Horizonte, dezembro de 2002

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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de MinasGerais. Escola Judicial “Desembargador Edésio Fernandes” .

Seminários de estudos sobre o Novo Código Civil: informa-tivo especial. Belo Horizonte, 2002.

335p.

Inclui palestras de vários autores.1. Código Civil-Seminários.I.Título.

CDU: 347”2002” (042)

Catalogação na fonte da Biblioteca “Des. Amílcar de Castro” - TJMG

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S u m ár i o

Seminários de Estudos sobre o Novo Código Civil

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .07

I Seminário: São Lourenço - 26 a 28/ 04/ 2002

Programação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .09

Palestras

. Geraldo Augusto Almeida - “Aspectos do Novo Cógido Civil - Sociedade Personificada” . .11

. Aristóteles Atheniense - “O Estabelecimento do Novo Código Civil” . . . . . . . . . . . . . . . . .14

Enunciados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24

II Seminário: Juiz de Fora - 24 a 26/ 05/ 2002

Programação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30

Palestras

. Péricles Raimundo de Oliveira - “Visão Panorâmica do Direito de Família no Novo Código Civil

Brasileiro” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32

. Juliana Gontijo - “Direito Patrimonial na Família” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37

. Newton Teixeira Carvalho - “Direito Pessoal no Direito de Família” . . . . . . . . . . . . . . . . . .145

Enunciados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .158

III Seminário: Ipatinga - 30/ 06 a 02/ 07/ 2002

Programação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .162

Palestras

. Caetano Levi Lopes - “Direito das Coisas - Principais Inovações” . . . . . . . . . . . . . . . . . . .164

. João Batista de Oliveira Cândido - “Novo Código Civil - A Nova Visão do Condomínio” . .169

. José Anchieta da Silva - “Os Direitos Reais de Garantia no Novo Código Civil - Primeiras

Anotações” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .197

Enunciados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .218

IV Seminário: Montes Claros - 02 a 04/ 08/ 2002

Programação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .222

Palestras

. Salomão de Araújo Cateb - “Da Sucessão Legítima no CCB/ 2002” . . . . . . . . . . . . . . . . .225

Enunciados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .233

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S u m ár i o

Seminários de Estudos sobre o Novo Código Civil

V Seminário: Uberlândia - 23 a 25/ 08/ 2002

Programação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .236

Palestras

. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka - “Contrato: Estrutura Milenar de Fundação do

Direito Privado” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .239

. Sebastião Pereira de Souza - ”A Compra e Venda no Novo Código Civil” . . . . . . . . . . . . .249

. Maurício da Cunha Peixoto - “A Prisão Civil no Depósito Voluntário e a Provável Revogação do

Artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos” . . . . . . . . . . . . . . . . . . .264

. Ricardo Bechara - “O Novo Código Civil e o Contrato de Seguro: Novidades e Polêmicas” . .277

Enunciados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .297

VI Seminário: Belo Horizonte - 13 a 15/ 09/ 2002

Programação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .300

Palestras

. Humberto Theodoro Júnior - “Dos Defeitos do Negócio Jurídico no Novo Código Civil: Fraude,

Estado de Perigo e Lesão” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .303

. Francisco Amaral Neto -”Parte Geral no Novo Código Civil - Linhas Gerais” . . . . . . . . . .324

Enunciados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .333

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A p r esen t aç ão

A idéia de uma Escola Judicial, como órgão oficial do Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais, destinada à seleção, à formação inicial e ao aperfeiçoamento permanente da

Magistratura mineira, nasceu quando da elaboração da Lei de Organização Judiciária do Estado de

Minas Gerais de 1975.

Na época, um grupo de magistrados estaduais apresentou uma emenda ao projeto,

pedindo a instalação de cursos para treinamento e aperfeiçoamento de Juízes, como condição de

ingresso e promoção na carreira.

Embora o texto original da emenda não tivesse sido aprovado, o então Presidente do

Tribunal de Justiça, Des. Edésio Fernandes, na redação final, conseguiu a inclusão, nas Disposições

Finais, do art. 397, que estabelecia que, quando julgasse oportuno, o Tribunal poderia criar curso de

formação e aperfeiçoamento dos magistrados.

Desde aquela época, portanto, a Escola Judicial “Des. Edésio Fernandes” , nome dado

em homenagem ao seu patrono, vem se preocupando em desempenhar sua missão, levando aos

Magistrados Mineiros informações que sirvam de subsídios para o seu aprimoramento cultural e

profissional, cujo reflexo se faz sentir na entrega da prestação jurisdicional. Desde setembro próxi-

mo passado, com a edição da Resolução nº 401, de 21.09.2002 que incorporou o Centro de Educação

Continuada à estrutura da Escola Judicial, esta missão se estende aos servidores do Tribunal e da

Justiça de Primeira Instância, no intuito de melhor prepará-los para o desempenho de sua importante

tarefa de apoio judicial.

Visando a dar continuidade a esta missão, a Escola Judicial realizou, durante o corrente

ano, na gestão do meu antecessor, Des. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins, sob a dinâmica

coordenação do Des. Sérgio Antônio de Resende, atual Superintendente-Adjunto da EJEF, 6 (seis)

Seminários de Estudos sobre o novo Código Civil, ousando discutir a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro

de 2002, que introduz modificações profundas na vida das pessoas, mormente dos operadores do

Direito.

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Os seminários, temáticos, contaram com significativa participação dos magistrados do

Estado, e foram realizados nas Comarcas de São Lourenço, Juiz de Fora, Ipatinga, Montes Claros,

Uberlândia e Belo Horizonte.

Foram convidados diversos desembargadores, juízes, professores e juristas de Minas

Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, que proferiram palestras sobre temas variados e inovadores con-

tidos no novo Código Civil. Em todos os Seminários, tais palestras foram seguidas de grupos de estu-

do formados por Magistrados, que elaboraram enunciados, interpretando a aplicação da nova lei, e

que foram posteriormente aprovados em sessão plenária.

Em razão da complexidade dos temas, do alto nível intelectual dos palestrantes, da

importância dos enunciados e do interesse despertado pelos Seminários, a Escola Judicial “Des.

Edésio Fernandes” resolveu divulgar para todos os magistrados, servidores e comunidade jurídica do

Estado o resultado desses trabalhos, a fim de tornar possível o debate, a reflexão, a crítica e, conse-

qüentemente, o aprimoramento.

Assim, encerrando esse ciclo e aproveitando a passagem comemorativa do “Dia da

Justiça” apresento-lhes a presente obra, que traz algumas das diversas conferências proferidas e

todos os enunciados aprovados nos Seminários, com o objetivo de levar aos operadores e estudiosos

do Direito as informações necessárias a uma melhor qualidade na prestação jurisdicional, contribuin-

do, mais uma vez, para o engrandecimento de nossa Instituição: o Poder Judiciário de Minas Gerais.

Belo Horizonte, 8 de dezembro de 2002.

Desembargador Bady Raimundo Curi

Segundo Vice-Presidente e Superintendente da EJEF

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Pr o g r am aç ão

I Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

D i a 2 6 / 4 / 0 2 - S ex t a -f e i r a

19h AberturaPronunciamentos- Des. Gudesteu Biber Sampaio

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais- Des. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins

2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Superinten-dente da Escola Judicial “Des. Edésio Fernandes” - EJEF

- Des. Sérgio Antônio de ResendeSuperintendente-Adjunto da Escola Judicial “Des. Edésio Fernandes” - EJEF

19h30min Palestra: “Direito de Empresa - Visão Panorâmica” - 60 minutos - Expositor: Dr. Onurb Couto Bruno (RJ)- Debates - 30 minutos

D i a 2 7 / 4 / 0 2 - S áb ad o

8h Palestra: “Tratamento da Pessoa Jurídica no Novo Código Civil - Empresário e So-ciedade Empresária” - 60 minutos- Expositor: Dr. Caetano Levi Lopes (TJMG)

9h Discussão de Grupos - 60 minutos

Tema: Empresário Grupo I - Caracterização - art. 966 Grupo II - Inscrição - arts. 967 a 971Grupo III - Capacidade - arts. 972 a 980

Tema: Sociedade Empresária Grupo IV - Caracterização - arts. 981 e 982Grupo V - Tipos de Sociedade Empresária - art. 983Grupo VI - Empresário Rural - art. 984

15h Palestra: “Sociedade Personificada” - 40 minutos- Expositor: Des. Geraldo Augusto de Almeida (MG)

15h40min Discussão de Grupos - 90 minutos

26 a 28/ 04/ 2002 - São Lourenço/ MG

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Grupo I - Sociedade Simples - arts. 997 a 1.038Grupo II - Sociedade Limitada - arts. 1.052 a 1.087Grupo III - Cooperativa - arts. 1.093 a 1.096

- Sociedade em Nome Coletivo - arts. 1.039 a 1.044Grupo IV - Liquidação de Sociedade- arts. 1.102 a 1.112Grupo V - Sociedade em Comandita Simples - arts. 1.045 a 1.051

- Sociedade por Ações - arts. 1.090 a 1.092- Sociedades Coligadas - arts. 1.097 a 1.101

Grupo VI - Transformação, Incorporação , Fusão e Cisão de Sociedades - arts. 1.123 a1.141

D i a 2 8 / 4 / 0 2 - D o m i n g o

8h Palestra: “O Estabelecimento no Novo Código Civil” - 40 minutos- Expositor: Dr. Aristóteles Atheniense (MG)

8h40min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Sociedades não Personificadas - arts. 986 a 996Grupo II - Estabelecimento - arts. 1.142 a 1.149Grupo III - Registro - arts. 1.150 a 1.154Grupo IV - Nome Empresarial - arts. 1.155 a 1.168Grupo V - Prepostos - arts. 1.169 a 1.178Grupo VI - Escrituração - arts. 1.179 a 1.195

11h Encerramento

Coordenador dos Grupos de Discussão- Dr. José Nepomuceno da Silva (TAMG)

Coordenador das Plenárias- Des. Sérgio Antônio de Resende (TJMG)

Orientadores- Des. Nilson Reis (TJMG)- Des. Geraldo Augusto de Almeida (TJMG)- Dr. José Nepomuceno da Silva (TAMG)- Dr. Caetano Levi Lopes (TAMG)- Dra. Selma Maria Marques de Souza (7ª Vara Cível da Capital)- Dr. Pedro Carlos Bitencourt Marcondes (2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da

Capital)

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Pa l es t r a

I Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

26 a 28/ 04/ 2002 - São Lourenço/ MG

ASPECTOS DO NOVO CÓDIGO CIVIL

“Sociedade Personificada”

Sociedade Simples - arts. 997 a 1038

Sociedade Limitada - arts. 1052 a 1087

Cooperativa - arts. 1093 a 1096

Sociedade em Nome Coletivo - arts. 1039 a 1044

Liquidação de Sociedade - arts. 1102 a 1112

Sociedade em Comandita Simples- arts. 1045 a 1051

Sociedades por Ações - arts. 1090 a 1092

Sociedades Coligadas - arts. 1097 a 1101

Transformação, Incorporação, Fusão e Cisão de Sociedades - arts. 1123 a 1141

De início, não poderia deixar de registrar o agradecimento aos colegas, pela presença, apósuma exaustiva semana de trabalho e dizer da satisfação de participar destes encontros de trabalho,em especial nesta querida região Sul Mineira, na qual t ive o privilégio de permanecer em todo o perío-do do exercício da judicatura em primeira instância. Sempre enalteci a necessidade da troca de idéiasentre os colegas Juizes sobre temas diversos, no mínimo para atualização e para decisões, quantopossíveis, harmônicas, evitando a perplexidade do cidadão comum e leigo com decisões díspares,sobre uma mesma questão, muitas vezes, sem qualquer complexidade. Por isso, em boa hora, aEscola Judicial, com a dinâmica direção do estimado e respeitado Des. Sérgio Resende, com o indis-pensável apoio do Des. Marcio Marins, 2º Vice-Presidente, retoma a prática dessas reuniões.

Diferente dos encontros anteriores, que se restringiam a palestras isoladas, ficando os colegascomo meros assistentes, sem qualquer participação, a idéia inicial, agora, é a de uma mera explanaçãosobre o tema, passando, em seguida, para uma discussão em grupo dos aspectos mais importantes e dasinovações mais acentuadas, aqui anotadas, retirando conclusões e noções básicas destas novidades.

Como conversava ontem com alguns colegas, as mudanças contidas no novo Cod. Civil, inclu-sive na vida pessoal, através das relações de negócio, contratos, posse/ propriedade e, especial-mente, de família, são muito profundas. Eu mesmo, confesso, terei que rever conceitos não só jurídi-cos, mas até pessoais e de formação para modificar os já assentados e assimilar os novos, especial-mente, na últ ima área, a de família.

A Constituição da República, rege as funções do estado em relação ao ser humano e asociedade civil. O Cód. Civil, abrangendo normas que tratam da pessoa humana e da sociedade civil,funciona como uma verdadeira Constituição do homem comum. São as duas leis básicas que nos regem.

O Código, como nos elucidou nesta manhã o estimado e respeitado colega, Juiz Caetano Levi,conta com uma parte nova, tratando do direito de empresa, regendo as situações em que as pessoasse associam e se organizam a fim de, em conjunto, dar eficácia e realizar o que pactuam. Como vimos,também, faz precisa distinção entre associação civil e sociedade empresária.

Geraldo Augusto Almeida

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Toda matéria de escrituração empresarial passa por uma transformação fundamental, pos-sibilitando seja feita através de processos eletrônicos, superando-se os entraves formalistas emmatéria de contabilidade e gestão de empresa.

Este espírito prático rege outros aspectos da vida empresarial, notadamente no que se re-fere as questões disciplinadas nesta nova parte especial do Código, empregada a palavra empre-sa no sentido de atividade desenvolvida pelos indivíduos ou pelas sociedades a fim de promover aprodução e a circulação das riquezas, dos bens e serviços. É esse objetivo fundamental que regeos diversos tipos de sociedades empresariais e, pela sua própria terminologia, as sociedades sãosempre de natureza empresarial. Parece uma distinção menor, mas de grandes conseqüências práti-cas, porquanto cada uma delas é governada por princípios distintos. O Direito de Empresa é ade-quado, então, aos imperativos da técnica contemporânea no campo econômico-financeiro, sendoestabelecidos preceitos que atendem tanto à livre iniciativa quanto aos interesses do consumidor.

Sendo, por exemplo, as sociedades por ações estruturas complexas que exigem amplos ecustosos quadros funcionais, a disciplina normativa das cotas de responsabilidade limitada passoua ter uma importância cada vez mais acentuada. De início, as sociedades por cotas eram relativasa pequenas empresas e ainda exercem essa função, mas, hoje em dia, esse tipo de sociedadeabrange um número imenso de agremiações, até chegarmos as “holdings” ou controladoras degrandes estruturas empresariais. E vemos até sociedades anônimas que se entrelaçam para for-mar complexos econômicos sujeitos a uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada.

Foi, assim, dada uma nova estrutura, bem mais ampla e diversificada, às sociedades porcotas de responsabilidade limitada, agora, simplesmente denominadas sociedades limitadas,sendo que a lei especial em vigor que as regia está totalmente ultrapassada, achando-se a matériadisciplinada mais segundos os princípios da doutrina e à luz das decisões jurisprudenciais.

Lembro aqui que a lei atual sobre sociedade por cotas de responsabilidade limitada permiteque se expulse um sócio que esteja causando danos à empresa, bastando para tanto mera decisãomajoritária. Pela nova norma, respeita-se o princípio da justa causa e o art. 5º da CF que dispõe queninguém pode ser privado de sua liberdade e de seus bens sem o devido processo legal e contra-ditório. Assim, ficou mantida a possibilidade da eliminação do sócio prejudicial, que esteja causandodanos à sociedade ou locupletando-se à custa do patrimônio social, mas lhe foi assegurado o direitode defesa, estabelecendo o contraditório no seio da sociedade, podendo continuar por vias judiciais.

Art. 1085 e seu parágrafo único.

Em geral, em todas as disposições do novo Código prevalecem princípios moralizadores e éti-cos, com ênfase e obediência à equidade, boa fé, justa causa (Arts. 997,p. único; 1002; 1003 e p.único; 1005; 1006; 1007; 1008; 1009; 1010, p. 3O; 1011; 1012; 1016; 1017; 1023; 1024; 1025; 1026,p. único).

A Sociedade Anônima (arts. 1088/ 1089) continua regulada pela Lei Especial (Lei 6.404/ 76)que consagra mecanismos da legislação norte americana até então pouco conhecidos e utilizadosno Brasil, alguns deles até inadaptados às nossa realidade social como o acordo de acionistas, obônus de subscrição, o conselho de administração e o voto múltiplo.

Sociedade limitada - Conforme informação, as sociedades limitadas são as mais popularesno país existindo cerca de 246.000 limitadas para cerca de 1.245 sociedades anônimas. Só noEstado de Minas Gerais, a proporção é 25.000 limitadas para 103 sociedades anônimas.

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A lei atual que rege as sociedades por cotas de responsabilidade limitada, de 1919 que temapenas 36 artigos, recorre a lei das S. A. para solucionar questões omissas. A partir do novoCódigo, o contrato das empresas deve registrar opção para que as omissões sejam solucionadassupletivamente pela lei das S. A. ou pelas disposições que regem a sociedade simples.

Entre as alterações mais importantes esta a possibilidade da participação de não sócios naadministração, o fim da informalidade nas deliberações nas empresas com mais de 10 (dez) sóciose a responsabilidade solidária dos sócios por 5 (cinco) anos. (arts. 1011, 1012, 1061 e 1072).

Atualmente, no caso de cessão, venda, ou doação de cotas, se o contrato social nada oupouco estabelecer, a questão deverá ser decidida judicialmente. Com a vigência do novo código,permite-se constar no contrato se a cessão é livre ou se definida por votação. Se o contrato éomisso, as novas regras estabelecem que será livre a cessão de um sócio para outro e somentedevera ser aprovada pelos sócios se for cessão para terceiros.

Hoje, o sócio remisso (inadimplente) pode ser facilmente expulso, mas a partir do novo códi-go terá prazo de 30 (trinta) dias para quitar o debito, e so então assim poderá ser excluído (arts.1004 e 1030).

Outro ponto que merece atenção especial é a permissão para o pagamento da cota embens, ao invés de dinheiro. Hoje, a lei não impede que bem imóvel, por exemplo, seja superva-lorizado. O novo código estabelece mecanismos para coibir esta pratica. Todos os sócios serão so-lidariamente responsáveis por 5 (cinco) anos pela exata estimativa dos bens que integram asociedade de cotas, ou seja, em caso de questionamento, a diferença será reposta do patrimôniopessoal de cada um. Não se trata de dispositivo para penalizar, mas para que todos os sócios seprevinam quanto ao real valor do bem que vai integrar a cota. (art. 1055).

Quanto à administração por não sócios, tanto poderão ser nomeados no contrato socialquanto em documento a parte. (art. 1061).

O capitulo das deliberações sociais, ou seja, sobre as decisões dos sócios para desenvolvi-mento da sociedade traz mudanças importantes. No atual sistema impera a informalidade. Com ocódigo as deliberações somente poderão ocorrer com as decisões em assembléias, que serão oórgão deliberativo para as empresas com mais de 10 (dez) sócios e deverão ocorrer pelo menosuma vez ao ano, inclusive para aprovação de contas e balanços e devidamente convocadas porpublicação em órgão oficial e jornal de grande porte, alem de registro em livro de atas. Conformea matéria a ser decidida, que tanto pode ser a aprovação de contas ou de novos sócios, bemcomo a incorporação, a fusão ou a dissolução da sociedade, o “ quorum” devera ser correspon-dente aos votos de, no mínimo, ¾ do capital social, mais da metade ou pela maioria. (art. 1072).

Atualmente todo sócio tem o direito de fiscalizar as contas da empresa e o contrato deveregistrar qual a forma, o novo texto trouxe o conselho fiscal para a lei das S. A., oferecendo umimportante instrumento para que os sócios minoritários exerçam efetivamente a fiscalizaçãoatravés de um membro eleito para tal ato.

Diversas questões judiciais, só solucionadas pela jurisprudência, mas dependente de váriasteses e suas respectivas correntes jurisprudenciais, portanto, não unânimes, mereceram a atençãoe a tentativa de pacificação na letra expressa do novo Código (arts. 1023 a 1026, p. único).

Geraldo Augusto de AlmeidaDesembargador do Tribunal de Justiça do Estado deMinas Gerais

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Pa l es t r a

I Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

26 a 28/ 04/ 2002 - São Lourenço/ MG

O ESTABELECIMENTO NO NOVO CÓDIGO CIVIL

1. A fase mais significativa da reformulação dos códigos privados teve início com a remessa àCâmara dos Deputados (Mensagem nº 160) do anteprojeto do Código Civil, que teve como supervi-sor o Prof. MIGUEL REALE, que foi classificado naquela Casa como o Projeto de Lei 634/ 75.

O estudo consistia na implantação de novo ordenamento jurídico e demonstrou que o direito co-mercial pode conviver com o direito civil, da mesma forma que coexiste com outros ramos do direito, nãohavendo mais espaço para controvérsias doutrinárias, propensas a inviabilizar a tendência unificadora.

2. Vale enfatizar a conveniência da adoção de um sistema específico para atividade empresarial,com as transformações propostas:

“O Projeto, em resumo, marca o abandono do sistema tradicional consagra-do pelo Código de Comércio atual, baseado no comerciante e no exercícioprofissional da mercancia, trocando-o pela adoção do sistema do empresárioe da atividade empresarial, formalizando a unificação das obrigações e, por-tanto, extinguindo a dualidade ora existente”. (WALDIRIO BULGARELLI,“Tratado de Direito Empresarial” , pág. 15)

3. O direito comercial deverá conservar a sua condição de disciplina científica, autônoma e didáti-ca, como ocorreu na Itália e ressaltou o eminente civilista CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, na apre-sentação do antigo “Projeto do Código de Obrigações” :

“Teoricamente o que se entende é que a redução do direito de obrigações auma unidade orgânica, não conflita com a disciplina da vida mercantil” .

3.1. Quanto à comercialização das atividades civis, tornou-se uma realidade em conseqüência dasnecessidades do crédito, que levaram à mercantilização de atos que antes eram tratados como emi-nentemente civis.

4. A esta altura, é inaceitável tomar o direito civil como fonte do direito comercial, pois, comodireito comum, aplica-se às relações do direito privado, salvo quando afastado expressamente pelasregras de direito especial, em face da lacuna ou omissão deste.

O NOVO CONCEITO DE ESTABELECIMENTO

5. O estabelecimento comercial foi conceituado como instrumento do exercício da empresa, cons-tando da exposição de motivos do projeto:

“Dessarte, o tormentoso e jamais claramente determinado conceito de “atode comércio” , é substituído pelo de empresa, assim como a categoria de“ fundo de comércio” cede lugar à de “estabelecimento” . Consoante justa

Aristóteles Atheniense

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ponderação de RENÊ SAVATIER, a noção de “fundo de comércio” é umaconcepção jurídica envelhecida e superada, substituída com vantagempelo conceito de estabelecimento, “que é o corpo de um organismo vivo,todo o conjunto patrimonial organicamente agrupado para a produção”.(“La Théorie des Obrigations” , Paris, 1967, pág. 124).

6. O Projeto reservou oito artigos (arts. 1176 a 1183) à normalização do que seja o esta-belec-imento, havendo, ainda, outros dispositivos que também cuidam de sua existência.

Com a aprovação do projeto, teremos, então, o estabelecimento comercial tratado em ter-mos claros e compreensíveis, afastadas as hesitações freqüentes que instabilizavam tanto a dou-trina como a jurisprudência.

6.1. A sua definição encontra-se no art. 1142, e foi influenciada pelo direito italiano:

“Considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizadopara o exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária” .

7. O estabelecimento, como um bem do patrimônio do empresário, não se confunde com oselementos que o compõem. O empresário poderá exercer atividade descentralizada, em prédiosisolados em que funcionem suas filiais, sucursais, agências ou depósitos.

7.1. O estabelecimento principal não será sempre o de maiores proporções onde estejam assuas instalações principais. É possível que uma grande manufatura situe-se numa cidade, e que oprincipal estabelecimento, onde o empresário atue na administração dos negócios, esteja emcidade diversa, funcionando num escritório de condições mais modestas.

7.2. Mas se ocorrer esta última hipótese, ou seja, se o estabelecimento estiver

“ ...em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de EmpresasMercantis, neste deverá também inscrevê-las, com a prova da inscriçãooriginária” .

Destarte,

“ ...a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada noRegistro Público das Empresas Mercantis da respectiva sede” (art. 969e parágrafo único)

8. O estabelecimento compreende bens corpóreos (mercadorias, instalações, equipamentos,utensílios etc), e incorpóreos (marcas, patentes, direitos, ponto etc), que estão protegidos no di-reito civil e penal de bens.

9. O empresário poderá dispor do estabelecimento como procederia em relação ao seupatrimônio. O Código condicionou esta disposição à anuência dos credores, que poderá serexpressa ou tácita, mas, o consentimento implícito só produzirá efeito caso o credor silencie nos30 (trinta) dias subseqüentes à notificação que o empresário devedor lhe dirigir (art. 1145).

A alienação do estabelecimento comercial estará sempre sujeita a essa exigência, salvo seo vendedor dispuser de bens suficientes para solvência do passivo, o que já constava do art. 52,VIII do Decreto 7661/ 45.

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10. Quanto aos negócios referentes à alienação, usufruto ou arrendamento do estabelecimen-to só produzirão efeitos contra terceiros depois de averbados à margem da inscrição doempresário ou da sociedade empresária, no Registro Público das Empresas Mercantis e publicadona Imprensa Oficial (art. 1144).

11. O Código estabeleceu que o “adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dosdébitos anteriores, à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o deve-dor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos,da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento” (art. 1146).

11.1. Salvo expressa autorização

“ ...o alienante do estabelecimento não poderá fazer concorrência aoadquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência” .

Esta proibição persistirá durante o prazo do contrato, no caso de arrendamento ou usufru-to do estabelecimento (art. 1147 e parágrafo único).

DO REGISTRO DO ESTABELECIMENTO

12. O Código prescreveu que:

“O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao RegistroPúblico de Empresas Mercantes, a cargo das Juntas Comerciais, e asociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deveráobedecer as normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simplesadotar um dos tipos de sociedade empresária” (art. 1150).

12.1 À autoridade competente, genericamente considerada, antes de efetivar o registro, com-pete

“ ...verificar a autenticidade, legitimidade o signatário do requerimento,bem como fiscalizar a observância das prescrições legais concernentesao ato ou aos documentos apresentados”. (art. 1153)

O parágrafo único deste artigo, prevê que, uma vez constatada irregularidade, que impeçao registro, o requerente deverá ser notificado dela, sendo-lhe permitido saná-la, “obedecendo asformalidades legais” . A norma não estabelece o prazo em que a parte deverá satisfazer o requisi-to de lei.

13. São conhecidas sanções indiretas a quem não promova o Registro da Empresa; que nãomantenha livros contábeis e escrituração em ordem (art. 10 do Código Comercial), ficando sujeito,ainda, a limitações de ordem pessoal, que podem impedi-lo de desfrutar de diversas vantagenscontempladas em lei.

13.1. Não se ignora o esforço expendido em prol da melhoria e ampliação dos serviços doRegistro de Comércio, através de disposições simplificadoras da desburocratização. Prova dissoestá no rio Amazonas, onde existe um serviço itinerante fluvial da Junta Comercial, através debarco que atende às localidades disseminadas na imensidão daquelas águas.

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13.2. Ocorre que, inobstante a existência de Juntas Comerciais, em todos os estados de fede-ração, há, também, uma tendência, cada vez mais acentuada do Poder Público, em criar novasexigências ao exercício da atividade empresarial, justificada com alegação de que estas restriçõesvêm em defesa do consumidor, sujeito aos perigos das atividades desordenadas.

SOCIEDADES NÃO PERSONIFICADAS

Das Sociedades em Comum

14. FRAN MARTINS em seu “Curso de Direito Comercial” , 12ª ed., referiu-se a nova posiçãoque assumira, quanto à distinção clássica entre sociedades de fato e sociedades irregulares.

A seu ver

“ ...as primeiras seriam as que funcionam sem quaisquer documentos emque baseiam a sua atuação, e as segundas as que, tendo um contratoescrito, deixam de arquiva-lo no Registro do Comércio” . (pág. 252)

14.1. Daí a sua satisfação ao perceber que o Projeto do Código Civil tendia a apoiar o seu novoposicionamento. Assim, quer a sociedade tenha os atos constitutivos escritos e não arquivados,quer resulte apenas da atividade comercial em comum, com ânimo societário, teremos com o novoestatuto, uma sociedade de fato e não uma sociedade irregular.

15. Às sociedades de fato aplica-se a “ teoria da aparência”, pois, apresentando-se comosociedade comercial aos terceiros, estes estarão amparados pela aparência da sociedade, poden-do agir contra os sócios na defesa de seus direitos.

Já o mesmo não sucede às sociedades irregulares, que não se aproveitam do princípio daaparência, pois os terceiros poderão, a qualquer momento, certificar-se da sociedade, medianteconsulta ao Registro de Comércio (pág. 253).

16. A sociedade de fato faz uma comunhão de interesse entre os sócios; esses terão o direitode partilhar o acervo social quando da extinção da sociedade de acordo com o que haviam pactu-ado até então.

17. Os atos constitutivos da sociedade enquanto não inscritos, serão regidos pelo capítulo quetrata “Da Sociedade em Comum”, excetuada a sociedade, por ações, em organização (art. 986).

17.1. Em relação aos terceiros, os sócios são solidariamente responsáveis de forma ilimitadapelas obrigações sociais (art. 990).

“ ...excluído do benefício da ordem, previsto no art. 1024, aquele que con-tratou pela sociedade”.

DA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO

18. Quanto à sociedade em conta de participação, incluída no Subtítulo I do Título II que trata“Da Sociedade”, há quem resista à sua inclusão na categoria de sociedade, admitindo-a como umnegócio ou como um contrato de participação.

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18.1. O novo Código Civil a introduziu na espécie das sociedades não personificadas, definindo oseu objetivo no art. 991:

“Na sociedade, em conta de participação, a atividade constitutiva doobjeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nomeindividual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando osdemais dos resultados correspondentes”.

18.2. Assim, “a constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer for-malidade, admitindo-se sua prova por todos os meios de direito (art. 122 do Código Comercial)” .Isto é, por documentos públicos ou particulares, por notas ou certidão dos corretores, por corre-spondência epistolar, pelos livros do sócio ostensivo ou até por testemunha.

Com razão, FRAN MARTINS (ob. cit., pág. 259), ao observar que

“Pode ela, na verdade, constituir-se mediante contrato, mas esse nãodeverá ser arquivado no Registro de Comércio, sob pena de deixar deser a sociedade uma participação, já que com o arquivamento de seu atoconstitutivo adquire ela personalidade jurídica” .

19. O novo Código Civil deixou escapar uma excelente oportunidade de incluir entre associedades não-personificadas a figura do consórcio, disciplinado nos arts. 278 e 279 da Lei6404/ 76.

Uma vez que o consórcio não tem personalidade jurídica, não poderá ser sujeito de direitos.

Os consorciados se propõem a unir seus esforços na consecução de um determinado obje-tivo, mediante contrato.

19.1. O consórcio representa uma forma de sociedade, que não tendo personalidade jurídica, nãopoderá ser titular de bens.

Naquela sociedade, há sócios desconhecidos por terceiros e somente os sócios ostensivosrespondem perante terceiros pelas obrigações sociais; no consórcio todos os sócios são declina-dos no instrumento contratual onde vem definida a responsabilidade de seus participantes.

DA ESCRITURAÇÃO

20. É obrigatória a observância de um sistema de compatibilidade, mecanizado ou não, combase na escrituração uniforme de seus livros, consoante a respectiva documentação além do ba-lanço anual do patrimônio e do resultado econômico (art. 1179).

20.1. A escrituração ficará a cargo de contabilista habilitado “salvo se nenhum houver na locali-dade” (art. 1182); deverá ser feita em idioma e moeda correntes nacionais e em forma contábil,por ordem cronológica de dia, mês e ano sem rasuras que possam comprometer sua autenticidade(art. 1183).

20.2. Em face do art. 1180 do novo Código, somente a escrituração do “Diário” é obrigatória atodos os empresários, sem considerar a natureza da atividade econômica que exploram ou o tipode sociedade adotado.

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20.3. Mas ante o que dispõem os arts. 970 e 1179, §2º, quanto aos benefícios assegurados àpequena empresa, o micro-empresário e empresário de pequeno porte não estão dispensados demanter escrituração empresarial e fiscal de sua atividade.

20.4. Impende salientar que o art. 11 da Lei 8.864/ 94, apenas simplificou a escrita do Micro-empresário e do pequeno empresário, sem contudo, dispensá-los da sua realização. E quandooptantes pela escrituração simples ficam obrigados a conservar a escrituração regular de doislivros, o Caixa e o Registro de Inventário (art. 7º da Lei 9.317/ 96).

21. Ao empresário permite-se, ainda, a microfilmagem da escrituração (Lei 5433/ 68), podendo,valer-se do processo eletrônico (informatizado), encadernando os formulários contínuos ou papéisimpressos, à semelhança das fichas ou micro-fichas geradas por microfilmagem de saída direta docomputador (IN-DNRC 65/ 97).

22. A interpretação do art. 1193 reclama cautela.

22.1. Esta regra não exime o comerciante, da exibição dos livros empresariais a determinadasautoridades, quando no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritosdas leis especiais.

Este dispositivo guarda estreita relação com o art. 195 do CTN que prevê a inaplicabilidadede qualquer exclusão no direito de exame da escrituração pela autoridade fiscal. O art. 33, § 1º daLei 8812, reconhece à fiscalização da Seguridade Social idêntica a prerrogativa.

22.2. Assim, no caso de um funcionário municipal que atue no setor de fiscalização da segurançade uso de imóveis, este não poderá ter acesso à escrituração do empresário, se não há expressadisposição na Legislação Federal que afaste a incidência do art. 1190 ao estabelecer:

“Ressalvados os casos previstos em lei nenhuma autoridade, juiz ou tri-bunal, sob qualquer pretexto poderá fazer ordenar diligência para veri-ficar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não emseus livros e fichas as formalidades prescritas em lei” .

22.3. Neste mesmo diapasão o art. 1191 “caput” assentou que:

“O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis deescrituração quando necessária para resolver questões relativas asucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão por contade outrem, ou em caso de falência” .

23. Os livros empresariais devem ser conservados até a prescrição das obrigações neles escri-turadas (art. 1194), gozando da proteção do princípio de sigilo (art. 1190), sem que a sua exibiçãoem juízo possa ocorrer por simples vontade das partes ou por decisão do juiz.

24. Em se tratando de exibição parcial ela se fará mediante a extração da suma que interessaao juiz com a restituição imediata do livro ao empresário.

Convém sublinhar que, à regra do art. 1190, não incide nos casos de exibição parcial, seesta pode ser decretada de ofício ou a requerimento da parte em qualquer ação, desde que útil asolução da demanda (art. 1191 c/ c arts. 381 e 382 do CPC).

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24.1. A súmula 260 do STF pela qual “ ...o exame dos livros comerciais em ação judicial fica limi-tado as transações entre os litigantes” ; não poderá ser interpretada como um veto a exibição totalda escrita dos empresários desde que autorizada em lei.

Não se admite, pois, a exibição de livros de um terceiro, que seja estranho à controvérsiainstaurada, não comportando requisição para exame judicial.

24.2. O livro empresarial exibido no todo ou em parte teria eficácia que a lei prevê (art. 378/ 379),inclusive, provando contra o seu titular a quem se permite demonstrar por outros meios lícitos aeventual inveracidade dos dados contábeis que lhe sejam desfavoráveis (art. 332 do CPC).

OS PREPOSTOS

25. Como a empresa constitui o exercício da atividade organizada para a produção ou circulaçãode bens ou de serviços, essa atividade raramente poderia ser cumprida por uma só pessoa.

25.1. O Código não divergiu do vetusto Código Comercial no tratamento dispensado àpreposição (arts. 75, 77, 84), ao fixar poderes e deveres de preposto, quanto à responsabilidadedo preponente pelos atos que aquele pratique em seu nome.

26. Pelo novo Código duas figuras receberam tratamento específico: o gerente (arts. 1172 a1176), e os contabilistas com outros auxiliares (arts. 1177 e 1178), por cujos atos o preponentese responsabiliza.

26.1. O gerente é tido como o preposto permanente no exercício da empresa, na cede desta, ouem sucursal, filial ou agência.

Presume-se, no entanto, que o gerente esteja autorizado, naqueles casos em que a lei nãoexige poderes especiais.

27. Já o contabilista, na maioria dos casos, é profissional com quem o empresário mantém con-trato de prestação de serviços para escrituração dos livros da empresa.

28. Entre o gerente e o contabilista, há duas diferenças substanciais que podem ser desta-cadas: enquanto a função do gerente é facultativa, desde que sua presença na empresa é dispen-sável, a do contabilista é obrigatória, salvo se nenhum houver na localidade (art. 1182).

29. O art. 1170 vedou ao preposto negociar por conta própria ou de terceiro, bem como parti-cipar, ainda, que indiretamente, da operação do mesmo gênero que lhe foi cometida. A trans-gressão desse preceito configura o crime de concorrência desleal (LPI art. 195), respondendo oinfrator por perdas e danos, sujeitando-se à retenção de lucros da operação.

30. O art. 1171, referindo-se a bens, documentos e valores recebidos pelo preponente, reputou

“ ...perfeita a entrega de papéis, bens ou valores ao preposto encarrega-do pelo preponente, se os recebeu sem protesto salvo nos casos em quehaja prazo para reclamação”.

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DO NOME EMPRESARIAL

31. O Código incluiu, num só capítulo, o nome do empresário como o de outros agentes de ativi-dades econômicas não empresariais. O art. 1155 considerou como nome do empresarial “a firmaou denominação adotada de conformidade com este Capítulo para o exercício da empresa”.

No parágrafo único do mesmo artigo ficou assentado: “equipara-se ao nome do empresari-al para os efeitos da proteção da lei a denominação da sociedade simples, associações e fun-dações”.

31.1. O empresário individual atua sob o seu próprio nome sendo-lhe permitida acrescer desig-nação mais precisa de sua pessoa ou do gênero de atividade (art. 1156).

32. Quanto à sociedade de responsabilidade ilimitada, faculta-se-lhe adoção de um nome de umdos sócios que poderão figurar ou aditar ao nome de um deles a expressão “e Companhia” ou asua abreviatura (art. 1157).

O parágrafo único deste artigo, instituiu a responsabilidade solidária e ilimitada pelas obri-gações contraídas sob a firma social, daqueles cujos nomes, figurarem na firma da sociedade.

33. A sociedade limitada está autorizada por lei a girar sob firma ou denominação. Se optar porfirma ou denominação, o nome empresarial não poderá deixar de contemplar a identificação do tiposocietário por meio da expressão “ limitada” , por extenso ou abreviada “LTDA”, sob pena deresponsabilização ilimitada dos administradores que fizerem uso do nome empresarial (art. 1158).

34. A sociedade anônima só pode adotar denominação de que deva constar referência a umobjeto social, a partir da vigência do Código Civil de 2002.

Esta sociedade não pode compor firma ou razão social, pelo simples e crucial motivo de quesão anônimas; não têm firma, portanto. Adotam, então, uma denominação, no mais das vezes consti-tuída por nome de fantasia (REQUIÃO, RT 477/ 11 e 478/ 11).

34.1. É obrigatória a identificação do tipo societário no nome empresarial através da locução“sociedade anônima” por extenso ou abreviadamente usada no início, no meio ou no fim da deno-minação, ou pela expressão “companhia”, por extenso ou abreviado constante do início ou do meioda denominação, segundo prescreve o art. 3º da Lei 6404/ 76.

35. A sociedade em comandita por ações pode adotar um lugar da firma ou denominação de-signativa de seu objeto social, aditada da expressão “comandita por ações” (art. 1161).

36. As sociedades cooperativas são consideradas sociedades simples só podendo adotar ovocábulo “cooperativa” (arts. 1159).

37. A sociedade por conta e participação não pode ter firma ou denominação (art. 1162),estando regida pelos arts. 991 e 996.

38. O art. 1163 dispôs sobre a identidade do nome estabelecendo que “o nome do empresáriodeverá distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro” , constando de seu parágrafoúnico: “se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar desig-nação que o distinga” .

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A redação deste parágrafo resultou da emenda 604, apresentada pelo, então, DeputadoTANCREDO NEVES.

“Ao tratar do registro do nome do empresário, o projeto, entretanto,introduz proibição até agora desconhecida segundo o qual “o direito aonome civil não importa a faculdade de adoção para firma igual a dehomônimo já inscrita” . Esse preceito é atentatório ao direito da perso-nalidade ao uso do nome civil, uma vez que o empresário que atua como seu próprio nome civil transfere para a sua atividade a honorabilidadee boa fama que traz da vida privada, não sendo justo outrossim, permitir,que uns utilizem o seu próprio nome e outros não, por mera prioridade deregistro. Será viável restabelecer, com a necessária adaptação, o preceitodo art. 6º, §1º, do Dec. 916, de 1890, passando o parágrafo único do art.1201, a ter a seguinte redação: “Se o empresário tiver nome idêntico aode outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga”.

39. O art. 1164 cuida da inalienabilidade do nome comercial admitindo a possibilidade de oadquirente do estabelecimento empresarial usar o nome do alienante desde que o contrato per-mita, uma vez precedido de seu próprio, com a qualificação do sucessor.

40. Essas alterações obrigatórias no nome empresarial fundada em nome civil decorrem doprincípio da veracidade.

Este, impõe que a firma seja constituída sobre o patronímico do comerciante individual e,quando firma social, sobre o de sócios que a compõem. Se o empresário modifica o nome, comoa mulher que casa, deve alterar a sua firma. O comerciante individual deverá necessariamenteadotar o seu nome civil, podendo abreviá-lo ou acrescê-lo de um elemento distintivo ou carac-terístico.

41. FÁBIO ULHOA COELHO, focaliza essas alterações (Manual de Direito Comercial pág.80/ 81), acrescentando, ainda, duas outras causas que ensejam a mudança compulsória da firmaou denominação:

a) Transformação: a sociedade empresária pode experimentar alteraçãode tipo societário (passar de sociedade limitada para anônima, ou vice-versa). Nesta hipótese, as regras de formação do nome empresarial re-lativas ao tipo societário em que se transformou a sociedade devem serobservadas, alterando-se os aspectos do nome empresarial então exis-tentes que com elas forem incompatíveis. A conseqüência da não-alte-ração do nome comercial será a ineficácia da transformação perante ter-ceiros que contratarem com a sociedade.

b) Lesão a direito de outro empresário: pelo sistema de proteção donome empresarial, que adiante se especifica, o empresário estará obri-gado a alterar o seu nome empresarial sempre que este lesar direito deoutro exercente de atividade empresarial, sob pena de alteração coerci-tiva e responsabilização por perdas e danos.

CONCLUSÃO

42. O prof. MIGUEL REALE, ao encaminhar ao então Min. ARMANDO FALCÃO a exposiçãode motivos do novo Código Civil externou, na parte final de seu trabalho, a sua preocupação e de

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seus companheiros em harmonizar de maneira concreta e dinâmica os princípios teóricos com asexigências de ordem prática; a salvaguarda dos valores do indivíduo e das pessoas, com os impe-rativos da solidariedade social.

A parte que tratou do estabelecimento, ficou sob a responsabilidade do prof. SILVIO MAR-CONDES, que, certamente realizou esta tarefa procurando ajustar-se as características e finali-dades do novo código.

42.1. O ilustre jurista em recente visita feita á Faculdade de Direito da PUC MG, concedeu opor-tuna entrevista sobre a sua atuação dando os motivos que o levaram a realização de um novo códi-go, adaptado às necessidades de seu tempo.

“Um código é feito para determinado tipo de coletividade, demaneira que o código brasileiro de 1916, a meu ver, já envelheceu. Elefoi elaborado para uma sociedade agrária quando 70% ou 80% da popu-lação vivia no campo.

A situação aos poucos foi se alterando. O Brasil pisou na era indus-trial e, por conseguinte na era da modernização.

Hoje a maioria do povo brasileiro vive na cidade. O código foi feitopara atender uma sociedade diferente.

Esta é a razão pela qual as suas normas não são escritas em por-tuguês do Padre Vieira, mas no português que se fala contemporanea-mente dia-a-dia.

O Código Civil não é feito para se aprender língua portuguesa, massim para expressar uma necessidade de direito.”

Neste estudo, procuramos demonstrar em que consistiram as alterações trazidas pelo novoEstatuto, em relação ao estabelecimento comercial.

Aristoteles AthenienseAdvogado - Prof. da PUC-MG

OBRAS CONSULTADAS:

ANDRADE JR., Attila de Souza Leão. “Comentários ao Novo Código Civil – Direito das Sociedades”. Vol. V, Forense, Riode Janeiro, 2002.

BULGARELLI, Waldirio. “Tratado de Direito Empresarial” . 4ª Edição. São Paulo. Atlas, 2000.

“CÓDIGO COMERCIAL”. Coord. Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1996.

COELHO, Fábio Ulhoa. “Manual de Direito Comercial” , 13ª ed. São Paulo, Saraiva, 2002.

FERREIRA, Waldemar. “ Instituições de Direito Comercial” . Ed. Max Limonad.

FILHO, Calixto Salomão. “A Sociedade Unipessoal” .Malheiros Editores, São Paulo, 1995.

MARTINS, Fran. “Curso de Direito Comercial” , 12ª ed.

MENDONÇA. J.X. Carvalho de. . “Tratado de Direito Comercial” , 1ª ed., vol. V, Primeira Parte – Rio de Janeiro, 1919.

PEREIRA. Caio Mário da Silva. Projeto do Código de Obrigações

REALE, Miguel. “Exposição de Motivos do Novo Código Civil”

REQUIÃO, Rubens. “Direito Comercial” . Vol, I, Editora Saraiva

SENADO FEDERAL. Secretaria Especial de Editoração e Publicações. “Novo Código Civil” . Exposição de Motivos e TextoSancionado – Mensagem n 160, de 10 de junho de 1975. Brasília, 2002.

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En u n c i ad o s

I Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

26 a 28/ 04/ 2002 - São Lourenço/ MG

TEMA: Direito de Empresa - 123 participantes

Empresário - Caracterização - art. 966

Orientador: Des. Nilson Reis

Relatora: Juíza Ana Kelly Amaral Arantes

Enunciados:

1- Empresário é toda pessoa natural cuja atividade se volta para produção ou circulação de bens oude serviços, de forma profissional.

2- A exceção, descrita no parágrafo único do art.966, se refere àqueles que exercem as atividadesmencionadas e administram diretamente o produto da criação, de forma a gerar lucro.

Empresário- Inscrição - arts. 967 a 971

Orientador: Des. Geraldo Augusto de Almeida

Relator: Juiz Fernando Xavier

Enunciados:

1- A sociedade somente adquire personalidade jurídica com a inscrição no registro peculiar.

2- A ausência da inscrição não implica nulidade dos atos empresariais ( Aplicação dos artigos 967 e986 a 990 ).

3- A inscrição do empresário se regula pelo art. 967, enquanto que a inscrição da sociedadeempresária está disciplinada pelo art. 985. 3.1. A inscrição a que se refere o art. 967 se equiparaà antiga inscrição de firma individual. 3.2. Na sociedade empresária não há necessidade de queseus sócios estejam inscritos nos termos do art. 967, bastando apenas a inscrição dos atos cons-titutivos no registro próprio nos termos do art. 985.

Sociedade Empresária - Caracterização - arts. 981 a 982

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relatora: Luzia Divina de Paula Lopes

Enunciados:

1- São inconfundíveis a sociedade de fato e a sociedade irregular. A primeira rege-se pelo Direito dasObrigações, por ser contrato inominado. A segunda, agora denominada sociedade em comum, é

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regida pelo Direito de Empresa.

2- A expressão “pessoas”, mencionada no art. 981, deve ser interpretada em sentido amplo paraabranger, além das pessoas naturais e jurídicas, também os entes despersonalizados.

3- A sociedade mercantil foi substituída pela sociedade empresária prevista no artigo 982. Asociedade civil passa a denominar-se sociedade simples.

Tipos de Sociedade Empresária - art. 983

Orientadora: Juíza Selma Maria M. de Souza

Relator: Juiz Paulo De Tarso Tamburini Souza

Enunciados:

1- A sociedade empresária, por regra, é constituída segundo algum dos tipos de sociedade. Nãose constituindo em um dos tipos, será tratada como sociedade simples (civil ou comercial).

2- As sociedades empresárias, que foram constituídas de outra forma em razão da lei anterior,terão o prazo de um ano para adaptação ao que dispõe o Novo Código, a partir da sua vigên-cia (art. 2.031);

3- Se a sociedade não se constituir nos moldes do art. 983, ela será uma sociedade não-perso-nificada, que será regida pelo art. 986 ( referência - art. 45 - sociedade irregular ).

Empresário Rural - art. 984

Orientador: Juiz Pedro Carlos B. Marcondes

Relator: Juiz Sérgio Luiz Maia

Enunciados:

1- A inscrição no registro público de empresas mercantis é ato facultativo do empresário rural,sendo que o registro tem eficácia constitutiva. Com o registro, passa a se sujeitar ao regimejurídico empresarial.

2- Ao empresário rural é facultada a reversão desde que observe as normas de dissolução dasociedade.

3- O conceito de principal profissão, previsto no artigo 971, deve ser entendido como aquela quese sobrepõe às demais, considerando o tempo de dedicação sobre o retorno econômico.

Sociedade Simples - arts. 997 a 1.038

Orientador: Des. Geraldo Augusto de Almeida

Relator: Juiz Antônio Évio de Souza

Enunciados:

1- Na sociedade simples, a responsabilidade social deriva da lei; a subsidiariedade e a solida-riedade dependerão de expressa previsão contratual.

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2- Na sociedade simples, diante da ausência de definição legal do que seja justa causa, sua ca-racterização dependerá de apuração e reconhecimento judiciais.

Sociedade Limitada - arts.1.052 a 1.087

Orientador: Juiz José Nepomuceno Silva

Relator: Juiz Fabiano Afonso

Enunciados:

1- O Decreto nº 3.708/ 19 foi revogado pelos arts.1.052 a 1.087, por força do § 1º, parte final, doart. 2º da LICC. 1.1. A definição de sociedade por quota, regulada pelo Decreto nº 3.708/ 19,é a mesma da definição de sociedade limitada regulada pelo Código Civil.

2- Sendo o Decreto nº 3.708/ 19 uma complementação à primeira parte do Código Comercial, umavez revogada expressamente esta, implicitamente revogado está aquele.

Cooperativa - arts. 1.093 a 1.096

Sociedade em Nome Coletivo - arts. 1.039 a 1.044

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relatora: Juíza Ivone Campos Guilarducci Cerqueira

Enunciados:

1- A penhora de quotas do devedor, sócio de sociedade em nome coletivo, tendo em vista osprincípios da utilidade da execução e conservação da empresa, somente poderá ser efetivadamediante indicação ou aceitação do credor.

2- O voto baseado no critério da proporcionalidade, previsto no art. 4º, V, da Lei nº 5.764/ 71, éextinto pelo art. 1.094, VI.

3- A disposição do art. 1.025, relativa às dívidas sociais anteriores ao ingresso do novo coopera-do, aplica-se às sociedades cooperativas, por força do art. 1.096.

Liquidação de sociedade - arts. 1.102 a 1.112

Orientadora: Juíza Selma Maria M. de Souza

Relatora: Juíza Maria Cecilia Golner Stephan

Enunciado:

1- Requerida a concordata pelo liquidante, suspende-se a liquidação extrajudicial da sociedade,até cumprimento daquela.

Sociedade em Comandita Simples - arts. 1.045 a 1.051

Sociedade por Ações - arts. 1.090 a 1.092

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Sociedades coligadas - arts. 1.097 a 1.101

Orientador: Juiz Pedro Carlos B. Marcondes

Relatora: Juíza Regina Célia Silva Neves

Enunciados:

1- O art. 1.047, parágrafo único, ao suprimir a proibição existente no art. 314 do CódigoComercial, retirou a vedação de o sócio comanditário ser constituído procurador da sociedade,para negócio determinado, e com poderes especiais.

2- A assembléia geral da sociedade em comandita por ações dispensa autorização dos diretoresou gerentes para aprovação de sua participação em grupo de sociedade, pois o art. 1.092, aorepetir o art. 283 da Lei da S.A., suprimiu a vedação.

3- Apesar do defeito de redação do art. 1.099, sociedades controladas, filiadas, ou de simples par-ticipação, são espécies do gênero de sociedades coligadas.

Transformação, Incorporação, Fusão e Cisão de Sociedades - arts. 1.113 a 1.122

Orientador: Des. Nilson Reis

Relator: Juiz Sérgio Franco de Oliveira Júnior

Enunciado:

1- Na falta de disposição expressa quanto a cisão de sociedade empresarial, aplicar-se-ão as nor-mas contidas nos artigos 1.071 e 2.033.

Sociedades não Personificadas - arts. 986 a 996

Orientador: Juiz José Nepomuceno Silva

Relator: Juiz Altair Resende de Alvarenga

Enunciados:

1- O novo Código Civil admite, de forma expressa e excepcional, a existência de mais de um sócioostensivo na sociedade em conta de participação (arts. 325/ 328 do Código Comercial e pará-grafo único do art. 996 do Código Civil).

2- A exegese dos arts. 986/ 990 autoriza concluir que o legislador trouxe para o contexto codifi-cado as sociedades informais.

3- A expressão “pacto expresso limitativo de poderes” (art. 989) objetiva esclarecer ao terceiroque se relaciona com a sociedade em comum os limites de administração dos sócios que a inte-gram e que, em seu nome, praticam atos de comércio.

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Estabelecimento - arts. 1.142 a 1.149

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relatora: Juíza Célia Ribeiro de Vasconcelos

Enunciados:

1- O estabelecimento considerado como complexo organizado de bens, nos termos do art. 1.142,tem natureza jurídica de universalidade de fato, disciplinada no art. 90.

2- Os bens integrantes do estabelecimento podem ser alienados ou onerados, em conjunto ou iso-ladamente, nos termos do parágrafo único do artigo 90, observada a exigência formal do art.1.144.

3- Apesar da omissão do art. 1.142, o complexo de bens da sociedade simples é uma universali-dade de fato análoga ao estabelecimento, nos termos do art . 90. A sua alienação ou oneração,para prevalecer em relação a terceiros, deverá ser averbada no Registro Civil das PessoasJurídicas e publicada pela Imprensa Oficial.

Registro - arts. 1.150 a 1.154

Orientadora: Juíza Selma Maria M. de Souza

Relator: Juiz João Batista Lopes

Enunciado:

1- Pessoa obrigada em lei, nos termos do que estabelece o artigo 1.151, é o empresário, a teordo disposto nos artigos 967 a 969.

Nome Empresarial - arts. 1.155 a 1.168

Orientador: Juiz Pedro Carlos B. Marcondes

Relator: Luiz Fernando Rennó Matos

Enunciados:

1- A denominação da sociedade anônima deverá conter, necessariamente, o seu objeto social (art.1.089 e 1.160).

2- Na sociedade limitada, quando houver sócio pessoa jurídica, somente será admitida denomi-nação.

3- Ao dispor sobre a obrigatoriedade da retirada do nome do sócio da firma, falecido ou excluídoda sociedade, o Código adotou o princípio da veracidade (art. 1.165).

4- Considerando que a denominação é espécie do gênero nome empresarial, aquela não poderáser alienada, devido à vedação inserta na lei (art. 1.164).

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Prepostos - arts. 1.169 a 1.178

Orientador: Des. Nilson Reis

Relatora: Juíza Renata Bonfim Pacheco

Enunciados:

1- O gerente representa a sociedade ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, no âmbitode suas funções, salvo se houver limitação expressa cont ida no mandato, registrado naforma do art. 1.174.

2- Os atos praticados pelo preposto, além do mandato e no âmbito do estabelecimento, não sãooponíveis ao terceiro de boa-fé, respondendo os preponentes nos termos do art. 1.178.

3- A figura do gerente é facultativa, enquanto que a do encarregado da escrituração é obrigatória.

Escrituração - arts. 1.179 a 1.195

Orientador: Des. Geraldo Augusto de Almeida

Relatora: Juíza Tânia Marina Azevedo Grandal Coelho

Enunciados:

1- A aparente inconstitucionalidade do art. 1.190 é dirimida com a interpretação sistemática doart. 1.191 e seu § 1º.

2- As hipóteses do caput do art. 1.191 são meramente exemplificativas, a rigor da conjugação como enunciado do art. 1.190, 1º parte.

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Pr o g r am aç ão

II Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

D i a 2 4 / 5 / 0 2 - S ex t a -f e i r a

19h AberturaPronunciamentos- Des. Gudesteu Biber Sampaio

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais- Des. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins

2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Superinten-dente da Escola Judicial Des. Edésio Fernandes - EJEF

- Des. Sérgio Antônio de ResendeSuperintendente-Executivo da Escola Judicial Des. Edésio Fernandes - EJEF

19h30min Palestra: “Visão Panorâmica do Direito de Família no Novo Código Civil - 60 minutos - Expositor: Prof. Péricles Oliveira (RJ)- Debates - 30 minutos

D i a 2 5 / 5 / 0 2 - S áb ad o

8h Palestra: “Aspectos do Direito de Família” - arts 1.591 a 1.727 - 60 minutos- Expositor: Des. Francisco de Assis Figueiredo (MG)

9h Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Disposições Gerais e Filiação - arts. 1.591 a 1.606Grupo II - Reconhecimento de Filhos - arts. 1.607 a 1.617

Poder Familiar- arts. 1.630 a 1.638Grupo III - Adoção - arts. 1.618 a 1.629Grupo IV - Tutela - arts. 1.728 a 1.766Grupo V - Curatela - arts. 1.767 a 1.783Grupo VI - União Estável - arts. 1.723 a 1.727

10h30min Plenária - 90 minutos

12h Almoço

15h30min Palestra: “Novo Perfil do Patrimônio no Direito de Família” - 60 minutos- Expositora: Profª. Juliana Gontijo (MG)

24 a 26/ 05/ 2002 - Juiz de Fora/ MG

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16h30min Discussão de Grupos - 60 minutosTema: Patrimônio no Casamento:Grupo I - Regime de Bens Entre Cônjuges: Disposições Gerais e Pacto Antenupcial

- arts. 1.639 a 1657Grupo II - Comunhão Parcial e Universal - arts. 1.658 a 1.671Grupo III - Regime de Participação Final dos Aqüestos e Separação de Bens - arts.

1.672 a 1.688

Tema: Patrimônio nos Institutos Afins:Grupo IV - Bens de Filhos Menores - arts. 1.689 a 1.693Grupo V - Alimentos - arts. 1.694 a 1.710Grupo VI - Bens de Família - arts. 1.711 a 1.722

18h Plenária - 90 minutos

19h30min Encerramento

D i a 2 6 / 5 / 0 2 - D o m i n g o

8 h Palestra: “Direito Pessoal no Direito de Família” - 60 minutos- Expositor: Juiz Newton Teixeira de Carvalho (MG)

9h Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Disposições Gerais - Capacidade e Impedimentos - arts. 1.511 a 1.522Grupo II - Causas Suspensivas - arts. 1.523 a 1.532Grupo III - Celebração e Prova do Casamento - arts. 1.533 a 1.547Grupo IV - Invalidade do Casamento - arts. 1.548 a 1.564Grupo V - Eficácia e Dissolução do Casamento - arts 1.565 a 1.582Grupo VI - Proteção da Pessoa dos Filhos - arts. 1.583 a 1.590

10h30min Plenária - 90 minutos

Coordenador dos Grupos de Discussão:- Juiz José Nepomuceno Silva (TAMG)

Orientadores- Des. Geraldo Augusto de Almeida (TJMG)- Juiz Caetano Levi Lopes (TAMG)- Juiz Manuel Bravo Saramago (TAMG)- Juiz Roberto de Freitas Messano (11ª Vara de Família)- Juiz Marcos Lincoln dos Santos (12ª Vara Cível)- Juiz Alberto Aluizio Pacheco de Andrade (TAMG)

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Pa l es t r a

II Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

24 a 26/ 05/ 2002 - Juiz de Fora/ MG

VISÃO PANORÂMICA DO DIREITO DE FAMÍLIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

A Lei 10.406 de 10.01.2002, que contém o novo Código Civil, foi publicada em 11.01.2002, comvacatio legis de um ano (art. 2.044), motivo pelo qual entrará em vigor em 11-01-2003. Entretanto,existe um movimento no sentido de prorrogar a entrada em vigor por mais um ano, sob as mais diver-sas alegações.

Verifica-se que o novo Código procurou incorporar as disposições de Direito de Família conti-das em Leis Extravagantes Civis, referentes à matéria de Direito de Família, mas o problema está emque essas Leis não foram expressamente revogadas e já estão surgindo divergências a respeito darevogação, ou não, de Leis que tratam de assuntos de Direito de Família. O novo Código procuroutambém incorporar conquistas doutrinárias e jurisprudenciais ocorridas durante a vigência do CódigoCivil de 1916.

Cabe, em primeiro lugar, assinalar que o Legislador mudou a posição do Direito de Família, queaparece no Código de 1916 como primeiro livro da parte geral, e no novo Código foi colocado comoLivro IV, seguindo a tendência de outras legislações modernas. O Código Civil Português, por exem-plo, também coloca o Direito Civil na mesma posição do novo Código.

A doutrina costuma separar as matérias de Direito de Família em :

.Direito de Família Matrimonial (pessoal e patrimonial)

.Direito Parenteral (pessoal e patrimonial)

.Direito Assistencial (pessoal e patrimonial).

O novo Código Civil adotou o seguinte critério na distribuição da matéria tratada :

.Titulo I- Do Direito Pessoal :

.Subtítulo I - Do casamento (Direito matrimonial)

.Subtítulo II - Das relações de parentesco (Direito parenteral)

.Título II - Do Direito Patrimonial :

.Subtítulo I - Regime de bens (Direito matrimonial)

.Subtítulo II - Usufruto e administração de bens de filhos (Direito parenteral)

.Subtítulo III - Dos alimentos (Direito parenteral)

.Subtítulo IV - Do bem de família (Instituto novo no D. de Família)

.Título III - Da união estável (Leis 8.971/ 94 e 9.278/ 96)

.Título IV - Da tutela e da curatela (Direito assistencial).

O novo Código Civil retirou da parte geral do Código Civil atual (arts. 70 a 73) o bem de família,e o colocou na parte do Direito Patrimonial (arts. 1.711 a 1.722). Essa colocação se baseia no fato deque esse bem se destina à moradia da família.

No Direito Assistencial o novo Código retirou o instituto da Ausência (arts. 463 a 484), pas-sando a tratá-lo na Parte Geral, arts. 22 a 39. Também se trata de uma opção doutrinária, sendo deassinalar-se que há três correntes : uma defende que a Ausência deve ser tratada na Parte Geral,

Prof. Péricles Raimundo de Oliveira

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outra que deve aparecer no Direito de Família, e uma terceira defende sua colocação no Direitodas Sucessões.

Feita essa introdução, vamos fazer uma análise, ainda que perfunctória, a respeito das mo-dificações mais significativas introduzidas pelo novo ordenamento civil brasileiro.

DO CASAMENTO

Igualou homens e mulheres na idade núbil - 16 anos, o que já vem provocando críticas pelosque afirmam que a idade núbil do homem deveria ser maior, pela falta de maturidade física e mental.

Igualou homens e mulheres na idade madura, para fins de obrigação de casamento comregime de separação legal obrigatória - 60 anos. Também as crít icas aparecem, no sentido de queessa proibição implica em ofensa à liberdade e que não deveria haver proibição para adotar qual-quer regime, pelo fato apenas da idade.

Permite o novo Código que o casamento religioso tenha validade civil- arts. 1.515 e 1.516,separando o casamento religioso, com prévia habilitação no Registro Civil, do casamento religiososem tal habilitação prévia. Quanto ao casamento religioso com prévia habilitação, foi estabelecidoo prazo de 90 dias para o registro no Registro Civil. Entretanto, o novo Código colocou-se contraa jurisprudência dominante do Eg. STF ao afirmar que, decorrido esse prazo, o registro somentepoderá ser feito com nova habilitação (art. 1.516, §1º). Isso implica em considerar que, se não hou-ver nova habilitação, o casamento religioso não mais poderá ser registrado, não tendo efeitos civis.É a declaração de inexistência de casamento civil, apesar de ter havido prévia habilitação e ter sidoo casamento celebrado pela autoridade religiosa, que passou a ter competência para casar. Essaorientação, data venia, não parece ter sido a melhor na proteção do casamento.

O novo Código permite o casamento antes dos 16 anos, no caso de gravidez (art. 1.520), oque constitui um avanço em relação ao que vinha regulamentado no art. 214 do atual Código.

Reduziu os impedimentos (art. 1.521) a apenas os dirimentes absolutos (art. 183, I a VIII,do Código atual) e excluiu do elenco dos impedimentos o inciso VII, que se refere ao casamentodo cônjuge adúltero com o seu co-réu.

Incluiu, entre os afins em linha reta, que não podem se casar (art. 1.521, inciso II). o ascen-dente, ou o descendente de pessoa que viva em união estável (art. 1.595, § 2º), isto é, consideraque a união estável produz afinidade e que a afinidade na linha reta, criada na união estável, nãodesaparece com o desfazimento da referida união.

Denominou os impedimentos impedientes ou precautórios, como causas suspensivas (art. 1.523).

Exigiu que a procuração dada pelo nubente, para o casamento, seja por instrumento públi-co (art. 1.542), acabando assim com a discussão que havia. A revogação da procuração tambémterá de ser efetuada por instrumento público (art. 1.542, § 4º).

Permitiu que qualquer dos cônjuges possa adotar o sobrenome do outro (art. 1.565, 1º).

Na questão de nulidade e anulabilidade do casamento o código novo estabeleceu:

- que o casamento do enfermo mental (antigo louco de todo o gênero) é nulo (art. 1.548- I) enão apenas anulável, como é atualmente (art. 209 combinado com o art. 183, incisos IX a XII);

- permite que o MP promova a ação declaratória de nulidade do casamento, mesmo quequalquer dos cônjuges já haja falecido (art. 1.549 do novo, em confronto com o art. 208,parágrafo único, do Código atual);

- na questão da anulabilidade do casamento, colocou os prazos de decadência na parteespecial. O novo C. Civil procurou colocar os prazos de prescrição (arts. 205/ 206) naparte geral e os prazos decadenciais na parte especial, junto a cada direito potestativo;

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- excluiu das causas de anulabilidade do casamento o defloramento anterior da mulher, aco-lhendo assim a jurisprudência dominante a respeito da inconstitucionalidade dessa dis-posição do Código atual- art. 219, IV.

Na questão da separação judicial:

- reduziu o prazo para a separação judicial consensual para um ano (art. 1.574);

- reduziu o prazo para a separação judicial por doença para dois anos (art. 1.572, §2º);

- na separação judicial litigiosa, estabeleceu hipóteses de presunção legal de insuportabili-dade da vida em comum- art. 1.573;

- resolveu a discussão existente na interpretação do disposto no art. 3º, § 1º, da Lei6.515/ 77, ao estabelecer no art. 1.576, parágrafo único: serão representados pelocurador, pelo ascendente ou pelo irmão. Havia divergência anterior, entendendo algunsque o curador teria de ser o ascendente, ou o irmão;

- regulamentou o problema do uso do nome do outro cônjuge, em caso de separação judicial liti-giosa com declaração de culpa - art. 1.578 (arts. 17, 18 e 25, parágrafo único, da Lei 6.515/ 77);

- na questão da proteção dos filhos, disciplina que deve prevalecer o que os pais acordareme, não havendo acordo, deverá prevalecer o interesse dos filhos, como vem sendo a ori-entação jurisprudencial (arts. 1.583 e 1.584).

DO PARENTESCO

O novo Código permite afirmar que o legislador considera que a afinidade é parentesco.

O art. 1.595, § 1º, estabeleceu limites para a afinidade na linha colateral, apenas abrangen-do os irmãos do cônjuge. No Código atual não havia essa limitação, sendo que o CPC, no art. 405,§ 2º, inciso I, se refere à afinidade colateral de terceiro grau.

Criou afinidade na união estável (art. l.595, § 1º).

DA FILIAÇÃO

O novo Código contempla a fecundação artificial homóloga contemporânea e a futura, e ainseminação artificial heteróloga, na presunção de concepção de filho. Não contemplou a fecun-dação artificial heteróloga. Na fecundação artificial, ou fertilização in vitro, esta ocorre em labo-ratório. Depois o ovo (embrião) é transferido para o útero. Pode ser homóloga ou heteróloga. Nainseminação artificial, coloca-se o sêmen no colo vaginal e ali ocorre a fecundação. Pode serhomóloga ou heteróloga. A fecundação normal é a que decorre do ato sexual.

O inciso V do art. 1.597, que se refere à autorização do marido para a inseminação artificialheteróloga, não exige que a autorização seja por escrito, mas essa deve ser a interpretação a serdada à exigência. Contudo a autorização pode ser dada por instrumento particular.

No caso da inseminação artificial heteróloga, a presunção de paternidade só pode ser afas-tada pela alegação e prova de vício de consentimento, quanto à autorização, não valendo a ale-gação de ausência de paternidade biológica (exame de DNA).

O art. 1.598 procurou solucionar o problema da turbatio sanguinis, quando, por exemplo,uma mulher vem a casar-se logo depois de ficar viúva, e tem um filho, depois de seis meses decasada, e antes de se completarem 300 dias da data do óbito do anterior marido. Pela Lei, o filhotem como pai presumido o novo marido (art. 1.597, inciso I do novo Código) e ainda, terá comopai o marido falecido, por força do disposto no art. 1.597, inciso II, do novo Código. Pelo disposto

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no art. 1.598 o filho será do primeiro marido, por presunção legal, salvo prova cabal em sentidocontrário (exame de DNA).

O art. 1.601 acabará com os prazos decadenciais do art. 178, § 3º e § 4º do atual C. Civil.Parece que a redação do art. 1.601 do novo Código procurou solucionar a discussão existente arespeito da legitimação para propor ação de contestação de paternidade, ao suprimir a palavra -privativamente - contida no art. 344 do atual Código.

DA ADOÇÃO

O Código novo baixou a idade do adotante para 18 anos. É de 30 anos no Código atual. NoECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) a idade mínima é de 21 anos. Isso decorre do fatode haver o novo Código baixado a maioridade para 18 anos.

O art. 1.628 parece resolver a discussão criada pela interpretação do art. 41 do ECA, arespeito da posição do filho do adotado. Exemplo: uma moça com 17 anos e que já tem um filho,é adotada por uma pessoa. Esse filho será neto do adotante, ou continua na família de sangue?Pelo disposto no art. 1.628 esse filho será neto do adotante.

Já estão aparecendo críticas ao capítulo da adoção pelo fato de o legislador haver tambémregulamentado a adoção de criança e de adolescente, invadindo a área do ECA. Segundo váriosdoutrinadores, o Código deveria apenas referir-se à adoção de maiores, deixando ao ECA a regu-lamentação de criança e adolescente. Isso evitaria problemas de conflitos de Leis.

DO PODER FAMILIAR

O novo Código substitui a denominação do pátrio poder para poder familiar, o que tambémjá está provocando críticas. O poder familiar cabe em igualdade a ambos os pais.

DO DIREITO PATRIMONIAL- DO REGIME DE BENS

- O Código vai permitir a alteração do regime de bens, após o casamento, como está no art.1.639, § 2º.

- Estabelece que a forma do regime a ser adotado será o termo, para o regime de comunhãoparcial, e a escritura pública de pacto antenupcial para os demais regimes (art. 1.640 pará-grafo único).

No regime da separação voluntária de bens, o cônjuge pode alienar bens imóveis seus, semnecessidade de autorização do outro cônjuge (art. 1.647).

No pacto antenupcial realizado por menor, terá de haver a autorização do representantelegal do menor (art. 1.654).

O Código acabou com o regime dotal e trouxe como novidade o regime da participação finalde aqüestos, sendo que a doutrina já vem afirmando que esse regime terá o mesmo resultado doregime dotal, isto é, não será aplicado no Brasil.

No regime da participação final de aqüestos poderá ser colocada, no pacto, cláusula auto-rizando o cônjuge a alienar seus bens imóveis, sem precisar da autorização do outro.

DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DE FILHOS MENORES

O Código estabeleceu, a exemplo do que consta no art. 389 do atual Código, que os paistêm o usufruto dos bens dos filhos menores (art. 1.689, inciso I).

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O art. 1.691 é igual ao art. 386, mas o parágrafo único parece ter revigorado o benefício darestituição, afastado pelo art. 8º do Código atual. A jurisprudência se encarregará de aplicar a me-lhor interpretação a esse parágrafo.

DOS ALIMENTOS

O cônjuge culpado na separação judicial poderá pleitear alimentos ao ex-cônjuge, casovenha a necessitar deles (art. 1.704, parágrafo único).

Parece que a obrigação alimentar, sendo vários os co-obrigados, poderá ser realizadaprocessualmente por litisconsórcio passivo, não unitário. Quem for acionado terá o direito de con-vocar os demais, para que todos prestem os alimentos (art. 1.698).

O novo Código não permitirá a renúncia de alimentos entre os cônjuges. É a restauração daSúmula 379 do Eg. STF (art. 1.707).

Cabe alimentos entre os companheiros (art. 1.694).

DA UNIÃO ESTÁVEL

O novo Código, de maneira expressa, contempla a união estável, que pode ocorrer atéentre pessoa casada, desde que separada de fato.

Não foi fixado prazo para que exista a união estável, ficando ao arbítrio do Juiz verificar se,no caso concreto, havia união contínua e duradoura, caracterizando assim a união estável.

O novo Código estabelece quanto ao regime de bens entre companheiros, o da comunhãoparcial, mas permite seja celebrado contrato estabelecendo outro regime.

O direito sucessório na união estável vem regulado no art. 1.790.

DA TUTELA E DA CURATELA

O novo Código criou a figura do PROTUTOR (art. 1.742), que será um fiscal do tutor, aexemplo do que existe em outros Países, como em Portugal, onde existe o Conselho de Família,de onde é escolhido o Protutor.

Trará o novo Código, na curatela, a possibilidade de ser nomeado curador ao enfermo e aoportador de deficiência física, ainda que não sejam doentes mentais. Essa permissão tem caráterprotetivo, pois o curador terá de prestar contas ao Juiz, o que não ocorre com o procurador nomea-do por esses deficientes físicos.

O novo Código retirou o instituto da ausência, que no Código atual aparece no D. de Família,colocando-o na parte geral (arts. 22 e seguintes).

Aí estão, em rápidas pinceladas, vinculadas a uma palestra com horário delimitado, as prin-cipais alterações a serem introduzidas pelo novo Código Civil, e que foram por mim detectadas. Éclaro que existem outras, mas isso será analisado pelos demais palestrantes.

Agradeço a honra que me foi dada de voltar a Minas Gerais, onde tive a honra de exercer aMagistratura, por cerca de dez anos. Meu muito obrigado a todos os presentes.

Péricles Raimundo de OliveiraMagistrado Inativo

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II Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

24 a 26/ 05/ 2002 - Juiz de Fora/ MG

Juliana Gontijo

SUMÁRIO

I Considerações Genéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41

I.1) Da estrutura do Direito de Família no CC/ 02 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41

I.2) Das leis referentes ao Direito de família afetadas pelo CC/ 02 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42

II Do Regime de Bens entre Cônjuges . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .43

III Das Disposições Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44

III.1) Do princípio da liberdade de convenção - caput do art. 1.639 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44

III.2) Da irrevogabilidade relativa do regime de bens - § 1º do art. 1.639 . . . . . . . . . . . . . . . .46

III.3) Do regime comum ou supletivo ser o da comunhão parcial de bens - art. 1.640 . . . . . .50

III.4) Da formalização do regime de bens - parágrafo único do art. 1.640 . . . . . . . . . . . . . . . .50

III.5) Do regime da separação legal ou obrigatória - art. 1.641 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52

III.6) Da Súmula 377 do STF . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .54

IV Dos Atos Isolados, Conjuntos e da Administração dos Bens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55

IV.1) Dos atos individuais - art. 1.642 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .56

IV.2) Dos atos que exigem a outorga conjugal - art. 1.647 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .60

IV.3) Das ações relativas aos atos dos cônjuges . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .65

IV.4) Da administração individual - art. 1.651 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69

IV.5) Da responsabilidade do cônjuge que estiver na posse dos bens particulares do outrocônjuge - art. 1.652 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .70

V Do Pacto Antenupcial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .70

V.1) Da solenidade do pacto antenupcial: escritura pública - parágrafo único do art. 1.640, e1.653 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .70

V.2) Ineficácia do pacto caso não suceda o casamento - art. 1.653 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71

V.3) Da eficácia do pacto do menor ou incapaz - art. 1.654 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71

V.4) Das cláusulas ou convenções nulas - art. 1.655 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72

V.5) Da averbação do pacto no registro de imóveis - art. 1.657 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72

VI Do Regime de Comunhão Parcial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .73

VI.1) Dos bens que não se comunicam - arts. 1.659 e 1.661 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74

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VI.2) Dos bens que entram na comunhão - arts. 1.660 e 1.662 . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83

VI.3) Da administração e das dívidas - art. 1.663 a 1.666 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .86

VI.4) Da dissolução do regime . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88

VII Do Regime de Comunhão Universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88

VII.1) Dos bens que se comunicam na comunhão universal- arts. 1.667 e 1.669 . . . . . .89

VII.2) Dos bens excluídos da comunhão universal - art. 1.668 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89

VII.3) Da administração dos bens na comunhão universal - art. 1.670 . . . . . . . . . . . . . .92

VII.4) Da extinção da comunhão universal - art. 1.671 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .92

VIII Do Regime da Participação Final nos Aqüestos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93

VIII.1) Tentando definir o regime . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93

VIII.2) Do direito comparado e da inspiração do CC/ 02 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95

VIII.3) Como funciona o regime . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .97

VIII.4) Da natureza jurídica da meação: direito real ou obrigacional . . . . . . . . . . . . . . . .97

VIII.5) Da liquidação ou apuração do aqüestos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .98

IX Do Regime da Separação de Bens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .101

IX.1) Da convenção da separação de bens - art. 1.687 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .101

IX.2) Da contribuição para as despesas da família - art. 1.688 . . . . . . . . . . . . . . . . . . .103

IX.3) Outras observações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .103

X Do Usufruto e da Administração dos Bens de Filhos Menores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .104

X.1) Da administração e do usufruto dos bens dos filhos menores - art. 1.689 . . . . . . .104

X.2) Dos bens excluídos do usufruto e da administração dos pais - art. 1.693 . . . . . . .105

X.3) Dos limites à administração dos pais - art. 1.691 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .107

X.4) Da representação e assistência dos pais em relação aos filhos menores - art.1.690 . .108

X.5) Do curador especial - art. 1.692 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .108

X.6) Da separação e divórcio não alterarem o poder familiar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .109

XI Dos Alimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .110

XI.1) Dos obrigados, do conteúdo e do alcance dos alimentos - art. 1.694 . . . . . . . . . .111

XI.2) Da proporcionalidade: do atendimento ao binômio "necessidades X possibilidades" -§ 1º do art. 1.694 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .112

XI.3) Dos alimentos X estudos X maioridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .115

XI.4) Dos alimentos decorrentes da culpa serem restritos aos naturais - § 2º do art .1.694 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .118

XI.5) Quem é o "necessitado" que pode pedir alimentos - art. 1.695 . . . . . . . . . . . . . . .119

XI.6) Da reciprocidade dos alimentos que devem ser pedidos do mais próximo em grau nalinha ascendente - art. 1.696 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .120

XI.7) Dos alimentos poderem ser pedidos dos descendentes e dos colaterais, na falta dosprimeiros obrigados - art. 1.697 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .121

XI.8) Da solidariedade e do litisconsórcio na obrigação alimentar - art. 1.698 . . . . . . . .123

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XI.9) Da alteratividade da obrigação alimentar - art. 1.699 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .126

XI.10) Da transmissibilidade da obrigação alimentar - art. 1.700 . . . . . . . . . . . . . . . . .126

XI.11) Da substituição pensionária - art. 1.701 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .128

XI.12) Dos alimentos para o cônjuge inocente e necessitado, na separação litigiosa - art.1.702 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .129

XI.13) Dos alimentos dos pais para os filhos - art. 1.703 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .130

XI.14) Dos alimentos renunciados, mas pedidos pelo separado judicialmente, que precisouposteriormente da pensão - art. 1.704 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .131

XI.15) Dos alimentos pedidos para o filho fora do casamento - art. 1.705 . . . . . . . . . .133

XI.16) Dos alimentos provisionais - art. 1.706 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .133

XI.17) Do não-exercício do direito aos alimentos, e da renúncia ao direito aos alimentos - art.1.707 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .134

XI.18) Característica da obrigação alimentar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .135

XI.19) Da extinção da obrigação alimentar por novo relacionamento do alimentado, ou com-portamento indigno - art. 1.708 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .137

XI.20) Da nova família do alimentante e da obrigação alimentar - art. 1.709 . . . . . . . .138

XI.21) Da atualização monetária da obrigação alimentar - art. 1.710 . . . . . . . . . . . . . .138

XII Do Bem de Família . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .139

XII.1) Quem pode instituir bem de família - parágrafo único do art. 1.711 . . . . . . . . . .139

XII.2) Da forma da instituição do bem de família - arts. 1.711 e 1.714 . . . . . . . . . . . .140

XII.3) Do patrimônio que pode ser instituído bem de família - caput do art. 1.711 e arts. 1.712e 1.713 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .140

XII.4) Da impenhorabilidade do bem de família - arts. 1.711 e 1.715 . . . . . . . . . . . . . .141

XII.5) Do destino do bem de família - art. 1.717 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .142

XII.6) Da proteção contra liquidação de administradora - arts. 1.718 e 1.713, § 3º . .142

XII.7) Do termo final automát ico para a proteção do bem de família - arts. 1.716 e1.722 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .142

XII.8) Da descontituição ou sub-rogação do bem de família - art. 1.71 . . . . . . . . . . . .142

XII.9) Da decisão ser do casal, e das normas para o bem de família em caso de dissolução docasamento ou da união - arts. 1.720 e 1.721 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .143

Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .143

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DIREITO PATRIMONIAL NA FAMÍLIA

I. CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS

I.1) Da estrutura do Direito de Família no CC/ 02

A Lei nº 1.046, de 10/ 1/ 2002 (CC/ 02) revogou a Lei n. 3.071, de 1º/ 1/ 1916, instituindoum novo Código Civil, que deslocou o Direito de Família do Livro I para o IV, onde parece melhorcolocado, por pressupor muitas das definições dos livros anteriores.

O instituto da ausência deixou de ser tratado no Livro destinado ao Direito de Família, deslo-cado agora para o Livro I, que se refere à Parte Geral, abrangendo os arts. 22 a 39, nos quais tratatambém as questões que a situação reflete no Direito das Sucessões.

O Direito de Família está abordado nos arts. 1.511 a 1.783 do CC/ 02 (ou seja, em 272 dis-posit ivos, quando no CC/ 1916 abrangia, originalmente, um total de 304 artigos - do art. 180 ao484), dividido em quatro Títulos.

O Título I é dedicado ao Direito Pessoal, que contém apenas dois Subtítulos: I - DoCasamento (arts. 1.511 a 1.590); II - Das Relações de Parentesco (arts. 1.591 a 1.638).

O Título II trata do Direito Patrimonial em quatro Subtítulos: I - Do regime de bens entre oscônjuges (arts. 1.639 a 1.688); II - Do usufruto e da administração dos bens de filhos menores(arts. 1.689 a 1.693); III - Dos alimentos (arts. 1.694 a 1.710); IV - Do bem de família (arts. 1.711a 1.722).

OTítulo III aborda exclusivamente a união estável, nos arts. 1.723 a 1.727.

E o Título IV contém as normas da tutela e da curatela em dois capítulos: I - Da tutela (arts.1.728 a 1.766) e II - Da curatela (arts. 1.767 a 1.783).

Não há justificativa para a família constituída pelo casamento ser objeto do Direito Pessoal,enquanto a união estável é tratada como um título apartado (III), que não se enquadrou no direitopessoal nem no patrimonial. Na verdade, a união estável não deveria ter sido objeto de um títuloexclusivo, que a isolou do instituto da família constituída pelo casamento. O conteúdo pessoal daunião estável deveria estar no Título I, ao lado do casamento, enquanto suas conseqüências pa-trimoniais deveriam ser abordadas dentro do Título II, que trata do direito patrimonial em todo oDireito de Família. Assim, por coerência, o Subtítulo I deveria ser identificado como “regime debens entre os cônjuges e entre os companheiros” .

Em um balanço geral, no Direito de Família, há regras novas, que apenas consagram o quejá estava incorporado e absorvido na teoria e na prática (a isonomia no tratamento dos filhos,proibidas discriminações; a igualdade dos direitos do homem e da mulher, considerando-se, porexemplo, não recepcionada a hipótese de anulação de casamento por desvirginamento da mulheranterior ao casamento e desconhecido do marido, dentre outros); há regras realmente novas quesão inovações pelas quais realmente a sociedade ansiava, e está pronta para elas (imprescritibili-dade da negatória de paternidade com ampliação das hipóteses de sua aplicação); mas há, tam-bém, normas que ainda são polêmicas e discutíveis no campo jurídico-filosófico, e a respeito dasquais se teme que a sociedade não esteja tão pronta para elas, correspondendo a inovaçõesimpostas pelos teóricos para a vida real da família, e que poderão levar a uma reação incerta(manutenção do dever alimentar independentemente da culpa do cônjuge necessitado; possibili-

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dade de se pedirem alimentos renunciados na separação, por exemplo). Por outro lado, ainda seperdeu oportunidade para fazer inovações que passam da hora de acontecer (por exemplo, elimi-nar a necessidade de publicação de editais no processo de habilitação para o casamento civil, oque só o encarece e o torna mais demorado).

I.2) Das leis referentes ao Direito de Família afetadas pelo CC/ 02

Tenha-se presente que o CC/ 02 revogou expressamente, apenas o CC/ 1916 e a 1ª partedo Código Comercial (art. 2.046).

Foi ressaltado, por sua vez, no art. 2.043 que “até que por outra forma se disciplinem, con-tinuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leiscujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código.”

No Projeto de Lei 6.960/ 02, que o Dep. Ricardo Fiúza apresentou para alteração do textodo novo Código Civil, e que se pretende seja aprovado antes da sua vigência prevista para11/ 1/ 03, está proposta a modificação do art. 2.045 para que dele conste: “Revogam-se a Lei n.3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil, a Parte Primeira do Código Comercial, Lei n. 556,de 25 de junho de 1850, as Leis nºs 4.121, de 27/ 8/ 1962, 8.971, de 29/ 12/ 1994 e 9.278, de10/ 05/ 1996, e ainda os arts. 1º a 27 da Lei n. 4.591, de 16/ 12/ 1964, os arts. 71 a 75 da Lei n.6.015, de 31/ 12/ 1973, os arts. 1º a 33, art. 43, art. 44, art. 46, da Lei n. 6.515, de 26/ 12/ 1977,os arts. 39 a 52, da Lei n. 8.069, de 13/ 07/ 1990.” Tal enumeração expressa sobre as leis e/ oudispositivos revogados é muito bem- vinda para evitar as intermináveis discussões, já previsíveis,das disposições das várias leis específicas que teriam continuado ou não em vigência com oCC/ 02.

No entanto, parece ter havido omissão, nesse ponto, quanto à parte da Lei 6.015 relativa àhabilitação de casamento (arts. 67 a 69 - que constam dos arts. 1.525 a 1.532 do CC/ 02), dalegit imação adotiva (arts. 95 e 96 - abordada nos arts. 1.627 a 1.629) e do bem de família (arts.260 a 265 - agora tratados nos arts. 1.711 a 1.714) - por sinal, a Lei de Registros Públicos exigiráuma alteração total, o mais rápido possível. Há omissão quanto à revogação das Leis relativas àfiliação e que são as de nºs 883, de 21/ 10/ 49, 7.250/ 84 e 8.560/ 92, de 29/ 12/ 92. Quanto à Lei6.515/ 77 deveria ser expresso que a revogação daqueles dispositivos inclui a das leis posterioresque modificaram a redação original (em especial as Leis de nºs 7.841/ 89 e 8.408/ 92).

Outras leis e/ ou disposit ivos revogados pelo novo CC e não mencionados na redação pro-posta pelo Projeto de Lei 6.960/ 02 para o art. 2.046:

a) Dec. Lei 3.200/ 41 - seus disposit ivos mais importantes (arts. 1º a 3º), que não haviam sidorepetidos no novo CC, estão sendo supridos pela introdução do parágrafo único do art. 1.521;

b) art. 32 da Lei 6.015 ficou incompatível com o art. 1.544.

O Título II, do Livro IV do CC/ 02, destinou-se, expressamente, à disciplina do “DireitoPatrimonial” decorrente, de forma específica, das relações familiares. A forma com que foi dis-tribuída a matéria neste Título II buscou agrupar as várias facetas do direito patrimonial nasrelações familiares numa reestruturação bastante distinta em comparação com o CC/ 1916. Otema foi dividido nos seguintes subtítulos:

Subtítulo I - “Do Regime de Bens entre os Cônjuges” (arts. 1.639 a 1.652). No CC/ 1916era assunto tratado na parte relativa aos “efeitos jurídicos do casamento” (que incluía os arts. 229

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a 255, dispositivos que traçavam normas dicotômicas dos direitos e deveres dos cônjuges e dosatos possíveis a cada um e/ ou necessariamente em conjunto; ali também era normatizada aadministração dos bens) dentre os quais, o Título III, que era específico dos “regimes de bens entreos cônjuges” (arts. 256 a 314).

Subtítulo II - “Do Usufruto e da Administração dos Bens de Filhos Menores” (arts. 1.689 a1.693). O CC/ 1916 tratava dessa matéria no Título V, referente às “relações de parentesco” , maisespecificamente no Capítulo VI, “do pátrio poder” , na Seção III, que era destinada à abordagemdo “pátrio poder quanto à pessoa dos filhos”.

Subtítulo III - “Dos Alimentos” (arts. 1.694 a 1.710). Este instituto estava previsto noCC/ 1916 no Título V, “das relações de parentesco” , Capítulo VII - dos alimentos. Por sua vez, aLei 6.515/ 77, conhecida como Lei do Divórcio, acrescentou normas complementares nos arts. 19a 23, mais os arts. 27 a 30. Além do que, quanto aos filhos extramatrimoniais, importantes dis-posições já vinham traçadas nas Leis 883/ 49 (arts. 4º e 5º) e 8.560/ 92 (art. 7º).

Subtítulo IV - “Do Bem de Família” (arts. 1.711 a 1.722). No CC/ 1916 o “bem de família”era objeto do Livro II, “dos bens”, Capítulo V, arts. 70 a 73. Posteriormente algumas regras foramintroduzidas pelo Decreto-Lei 3.200 de 19/ 4/ 41, com as alterações que sofreu (arts. 19 a 23),bem como pela Lei 6.015, também com as devidas modificações havidas (nos arts. 167 e 168; e260 a 265); e ainda Lei 8.009/ 90.

De uma maneira geral a reorganização da parte patrimonial das relações familiares foi ade-quada e lógica ao separar os direitos e relações pessoais dos efeitos puramente patrimoniais.

Dessa generalidade positiva excepcionaliza-se o ponto relativo aos alimentos, pois esseinstituto não deveria ter a conotação patrimonialista que a sua inserção nesse título sugere. Pode-se lembrar, com Maria Helena Diniz, que bastante controvertida é a questão da natureza jurídicados alimentos. Há os que os consideram como um direito pessoal extrapatrimonial, como Ruggiero,Cicu e Giorgio Bo, em virtude de seu fundamento ético-social e do fato de que o alimentando nãotem nenhum interesse econômico, visto que a verba recebida não aumenta seu patrimônio, nemserve de garantia a seus credores, apresentando-se, então, como uma da manifestações do direi-to à vida, que é personalíssimo. Outros, como ORLANDO GOMES, a quem se filia Maria HelenaDiniz, nele vislumbram um direito, como caráter especial, com conteúdo patrimonial e finalidadepessoal, conexa a um interesse superior familiar.

Teria sido mais conveniente a sua disciplina no subtítulo específico do Título I, “Do DireitoPessoal” , que se comporia, de maneira mais técnica e mais lógica, destes seguintes subtítulos: I -do casamento, II - da união estável, III - das relações de parentesco; e IV - dos alimentos.

Por outro lado, se as relações patrimoniais entre cônjuges foram tratadas no Título II, o maisadequado seria tratar ali também das relações patrimoniais decorrentes da união estável. Assim,por coerência, o subtítulo I deveria ser identificado como “regime de bens entre os cônjuges e com-panheiros”.

II. DO REGIME DE BENS ENTRE CÔNJUGES

No Subtítulo I, que trata do “regime de bens entre cônjuges”, destacam-se como alteraçõesmais importantes:

. permit ir a modificação do regime de bens por meio de pedido judicial deferido por

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sentença;

. adaptar os antigos direitos e deveres de cada cônjuge à igualdade constitucional entremarido e mulher;

. adaptar o Código à preferência introduzida pela Lei 6.515/ 77 pelo regime de comunhãoparcial como o comum ou supletivo, passando as suas regras a ser as genéricas, perden-do a força da presunção que sempre buscava premiar a comunhão (art. 259 não repetido);essa alteração modificou o espírito do legislador;

. instituir a formalização por termo da opção pela comunhão parcial e por pacto antenupcial(que passou a ser objeto de capítulo próprio - arts. 1.653 a 1.657) “nas demais escolhas”,com imposição do dever do oficial do registro de esclarecer os nubentes sobre os diversosregimes de bens (art. 1.528);

. permitir a alienação e a oneração de bens imóveis (além da fiança, aval e outros atos queantes exigiam a autorização de ambos), no regime da separação absoluta, assinadas ape-nas pelo proprietário, sem necessidade de outorga conjugal;

. sepultar definitivamente o regime dotal natimorto no CC/ 1916 e que já se tinha como nãorecepcionado pela CF/ 88, por força da isonomia dos direitos entre homem e mulher eespecificamente entre ambos os cônjuges;

. introduzir o regime de participação final nos aqüestos, numa inovação de praticidade e fun-cionalidade duvidosa e que muito provavelmente será tão natimorto como foi o dotal.

O art. 2.039 do CC/ 02 determina que “o regime de bens nos casamentos celebrados navigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.”Esta regra significa apenas que o regime adotado quando do casamento será respeitado quanto àsua formalidade - tempus regit actum. Mas a regra que será aplicada quando da dissolução doregime de bens será a vigente no momento em que esta ocorrer.

III. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

O Capítulo I do Subtítulo I contém as “disposições gerais” relativas aos regimes de bens,abrangendo os arts. 1.639 a 1.641.

III.1) Do Princípio da Liberdade de Convenção - caput do art. 1.639

O caput do art. 1.639 mantém como regra geral a da liberdade conferida aos nubentes depactuar antecipadamente as normas patrimoniais que quiserem. Antes do casamento podem oscontraentes “estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” , disciplinada a formalidade daopção pelo parágrafo único do art. 1.640.

O CC/ 02 não impõe um único regime de bens, disciplinando de forma expressa sobre qua-tro tipos diferentes: o da comunhão universal; o da comunhão parcial; o da separação; e o da par-t icipação final dos aqüestos. Pelo caput do art. 1.639 está mantido o princípio também existenteno CC/ 1916 da livre opção por qualquer dos regimes que disciplina ou por combinar regras de umregime com regras de outro, ou ainda estabelecer um regime peculiar, desde que as normas sejamcompatíveis entre si. Neste sentido, expõe Maria Helena Diniz que se permite “aos nubentes alivre escolha do regime que lhes convier, para regulamentar os interesses econômicos decorrentesdo ato nupcial, já que, como não estão adstritos à adoção de um daqueles tipos, acima menciona-

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dos, tal como se encontram definidos em lei, podem combiná-los formando um regime misto ouespecial, sendo-lhes lícito, ainda, estipular cláusulas, desde que respeitados os princípios deordem pública, os fins e a natureza do matrimônio”. A dificuldade de se dar um “nome” para oregime de bens pactuado que mistura regras de vários dos disciplinados na lei pode-se contornarpela sua identificação como “regime de separação parcial” , por permitir, na visualização da simplescertidão do casamento, que se saiba decorrente de normas peculiares estabelecidas em pacto.

Pertinente o alerta de João Andrades Carvalho de que “não se trata de uma liberdade semlimites, ou de um desmesurado direito de agir. Há um espaço legal que não pode ser invadido nemdesrespeitado pelos nubentes.” A livre estipulação deferida aos contraentes não é absoluta. Onovo código limita essa regra geral da livre volição com a norma do art. 1.655, que prevê como“nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta da lei” , repetindo apenaso inciso II do art. 257, omitindo o inciso I, que dispunha sobre ser tida como não escrita cláusula“que prejudique os direitos conjugais, ou os paternos.” Na realidade, qualquer convenção que con-trarie norma cogente relativa aos direitos conjugais ou paternos estará incluída na invalidadegenérica contida no art. 1.655. Tanto que Carlos Roberto Gonçalves considera que “não valem ascláusulas que dispensem os cônjuges dos deveres conjugais ou que privem um deles do poderfamiliar, por exemplo.” De qualquer forma, não é o pacto que se infirma que se torna nulo, masapenas a convenção ou cláusula que contravenha disposição absoluta da lei, subsistindo o pactu-ado na parte não viciada.

Essa liberdade, no CC/ 1916, encontrava limite no fato de ser tratada como absoluta airrevogabilidade do regime de bens, implicando na inadmissão de cláusulas condicionais ou atermo. Ao que parece, pela não reprodução no CC/ 02, não há restrição a cláusulas de direitos pa-trimoniais progressivos com o tempo de duração do casamento (por exemplo, um dos cônjugespassa a ter direito a determinada quantia a cada ano que perdurar o casamento).

Não se pode deixar de observar que esta liberdade convencional tornou-se bastante relati-va na medida em que o cônjuge passou à condição de herdeiro necessário por força do art. 1.829,I, justamente naqueles regimes e sobre aqueles bens que os cônjuges gostariam de preservar ospatrimônios estanques ou como particulares. Ou seja, o cônjuge é herdeiro necessário exatamenteno regime da separação absoluta convencional quando o casal usou da faculdade de escolher adisciplina patrimonial que deveria preservar o patrimônio de cada qual em separado do outro,onde, por opção, os bens de cada um seriam próprios e incomunicáveis ao outro por não desejarema participação do consorte nos bens de que cada um fosse titular. Justo sobre aqueles bens emque, por opção do casal ou por disciplina do próprio regime, não haveria comunhão, há um direitopatrimonial imposto pela lei, sob o título de herança. Isto significa que o cônjuge, casado peloregime da separação absoluta de bens, por convenção antenupcial, pode não ser meeiro em vidados bens do consorte, mas será herdeiro de parte daqueles bens do outro em caso de falecimento.

Portanto, não há dúvida de que, com o fato de o cônjuge ter passado a ser herdeironecessário nas hipóteses e condições mencionadas nos arts. 1.829 a 1.832, a liberdade conven-cional tornou-se bastante relativa porque a mesma lei que de um lado garante a liberdade de dis-ciplinar sua relação patrimonial no casamento lhe restringe de outro, contraditoriamente, tornan-do o cônjuge herdeiro necessário exatamente naquelas hipóteses em que a vontade deles era quenão houvesse participação do outro nos bens particulares de cada um.

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III.2) Da irrevogabilidade relativa do regime de bens - § 1º do art. 1.639

A primeira inovação técnica aparece logo no § 1º do art. 1.639 como uma das disposiçõesgerais do regime de bens, numa localização mais adequada que a de antes, desfocada do contex-to no art. 230, do CC/ 1916. Por sua vez a modificação foi substancial e até revolucionária datradição do sistema jurídico pátrio na medida em que não reproduziu o gessamento dos cônjugespelo princípio da irrevogabilidade absoluta que caracterizava como imutável e definitivo o regimede bens adotado quando da celebração do casamento.

A lei mantém o princípio de que “o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorardesde a data do casamento” , o que significa que prevalece desde o momento a partir do qual setem por celebrado o casamento, e não da sua consumação.

Para Carlos Roberto Gonçalves, “antes da celebração, podem os nubentes modificar opacto antenupcial, para alterar o regime de bens. Celebrado, porém, o casamento, ele torna-seimutável. Mesmo nos casos de reconciliação de casais separados judicialmente, o restabeleci-mento da sociedade conjugal dá-se no mesmo regime de bens em que havia sido estabelecida. Seo casal se divorciar, poderá casar-se novamente, adotando regime diverso do anterior.”

A irrevogabilidade do regime de bens adotado quando do casamento deixou de ser absolu-ta para ser relativa, como conseqüência da quebra daquela antiga imutabilidade rígida doCC/ 1916, pelo § 2º do art. 1.639, que admite a “alteração do regime de bens, mediante autori-zação judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invo-cadas e ressalvados os direitos de terceiros.”

Carvalho Santos e Orlando Gomes já defendiam a modificação do regime de bens. O art.7º, § 5º da LICC, permitia que o estrangeiro casado, no ato de sua naturalização como brasileiro,desde que houvesse concordância do outro cônjuge, pudesse optar pelo regime da comunhão par-cial, preservados direitos de terceiros. A jurisprudência vinha adotando interpretação liberal doprincípio da imutabilidade do regime adotado quando do casamento, amainando o seu rigor:

a) admitia a comunicação dos aqüestos no regime de separação legal de bens (Súmula 377 doSTF);

b) existem precedentes autorizando a conversão do regime de separação legal em comunhão uni-versal em razão da superveniência de filho (RF, 124/ 105);

c) permitiu que no regime da separação o cônjuge fosse constituído procurador para fins de admi-nistração dos bens pessoais do outro; d) da mesma forma, admitiu a partilha desigual dos bensda sociedade conjugal.

Justifica a inovação Regina Beatriz Tavares da Silva, explicando que a irrevogabilidade“ impedia a modificação das relações patrimoniais entre os consortes que, passado algum tempoapós o casamento, poderiam arrepender-se da escolha do estatuto patrimonial” , acrescentandoque “as regras patrimoniais entre os cônjuges não têm cunho institucional, tanto assim que osnubentes podem regular essas relações do modo que lhes aprouver.”

A inovação prevista no § 2º do art. 1.639 do CC/ 02, de um lado, merece aplauso por ampli-ar a liberdade individual de opção, ensejando possam os cônjuges alterar, de acordo com a suapreferência à época, o regime patrimonial muitas vezes adotado de maneira equivocada quando docasamento por imaturidade ou ignorância. Neste ponto, é de ser lembrado o pudor que costumainibir os enamorados de discutir regimes de bens, receosos de uma interpretação maliciosa, do t ipo

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medo de “golpe do baú”. Mas, de outro lado, exigirá bastante prudência e acuidade do magistra-do, que, para dar seu placet à alteração do regime, deverá perquirir, com o máximo rigor, até queponto a pretensão estará decorrendo da real livre volição recíproca e autêntica de ambos, ou ape-nas de um deles, que a estará impondo à moda do seu interesse, ou pelo temor reverencial que aintimidade da convivência lhe permitiu sobrepor ao outro, ou porque é o mais forte e detentor dopoder econômico. É importante que o magistrado tenha presente que o codificador antigo se fin-cou na irrevogabilidade para resguardar os interesses dos próprios cônjuges, protegendo o maisfraco contra eventual submissão à vontade do mais forte, além de prevenir direitos de terceiros.Ressalto que este meu posicionamento de cautela na prática da inovação nada tem a ver com sexodos cônjuges, como se a mulher tendesse a ser subserviente, por exemplo, até porque nos dias dehoje cresce o número de mulheres dominantes!

No sentido da posição aqui adotada, colacionam-se argumentos de Leônidas FilipponeFarrula Júnior: “até hoje há casais cujos integrantes não estão necessariamente em igualdade decondições, seja material ou emocionalmente, maxime quando os bens advêm de família; no tocantea terceiros, o controle judicial, por si só, não é suficiente para elidir eventual fraude pois, estandoos cônjuges em conluio, por mais precauções que venha adotar o Magistrado, é possível que pre-juízos sejam causados a terceiros; não há garantia de que o constrangimento em discutir sobre oregime de bens se extinga com o casamento. Considera ainda o mencionado autor que esta normapoderá constituir-se em fonte de conflitos conjugais.”

Opinião oposta, liberal, encontra-se em Rolf Madaleno, que teve sua ótica centrada empossível anterior discriminação por parte do codificador antigo, porque para este autor, “con-siderando a igualdade dos cônjuges e dos sexos, consagrada pela Carta Política de 1988, soariasobremaneira herege aduzir que, em plena era de globalização, com absoluta identidade de capaci-dade e de compreensão dos casais, ainda pudesse um dos consortes, apenas por seu gênero se-xual, ser considerado mais frágil, mais ingênuo e com menor tirocínio mental do que o seu parceiroconjugal. Por esse prisma, desacolhe a moderna doutrina a defesa intransigente da imutabilidadedo regime de bens, pois homem e mulher devem gozar da livre autonomia de vontade para decidi-rem acerca da mudança incidental do regime patrimonial de bens, sem que o legislador possaseguir presumindo que um deles vá abusar da fraqueza do outro.” Mas o próprio Prof. RolfMadaleno alerta que, “autorizada a mudança judicial do primitivo regime de bens, outra porta defácil acesso à fraude de direito de terceiro pode surgir da geração de prole extraconjugal.Noticiada a gravidez oriunda de relação adulterina, pode o consorte adúltero acertar com o seucônjuge a mudança do regime nupcial dos bens. Alterado o regime para a separação total de bens,fica esvaziada a meação do pai adulterino, cujos bens terminam integralmente vertidos para aesposa. Com a morte dela serão chamados à sua sucessão os seus herdeiros necessários, preju-dicada a legítima do filho extraconjugal. Essas e tantas outras possibilidades que só o tempo irádeflagrar cuidarão de demonstrar se o legislador acertou ao revogar o princípio da imutabilidade doregime de bens, ou se seguirá prevalecendo o nítido sentimento de que, às vésperas da ruptura nãoanunciada, mesmo nos dias de hoje, um cônjuge ainda consiga abusar da boa-fé do outro.”

Não se olvide aqui que o IBDFAM apresentou sugestão para ser suprimido o § 2º do art.1.639 por considerar que “a possibilidade de alterar o regime de bens, mesmo em pedido motiva-do, perante o juiz, abre enorme porta para a fraude em prejuízo de terceiro, além de viabilizar aexploração de um cônjuge pelo outro, pois nunca se poderá ter certeza quanto às verdadeirasrazões que estão por trás de um aparente acordo. É certo que, em uma sociedade de iguais (com

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que todos sonhamos), a regra da mutabilidade do regime de bens seria de comemorar, por con-sagrar um maior respeito à liberdade individual. Entretanto, é notório que estamos distantes,mesmo no âmbito conjugal, dessa almejada igualdade. Assim, a preservação da regra de irrevo-gabilidade mostra-se imperiosa, como forma de resguardar o hipossuficiente.”

A alteração só poderá ser feita mediante pedido de “ambos” os cônjuges, por expressaexigência legal, o que exclui qualquer possibilidade de iniciativa unilateral ou contenciosa, só seadmitindo, por conseqüência, seja feito pelo procedimento de jurisdição voluntária, que será decompetência das varas de família, e não das varas de registros públicos, conforme a Lei deOrganização Judiciária do Estado de Minas Gerais.

Em razão da jurisdição voluntária aplicável à modificação do regime de bens, LeônidasFilippone Farrula Júnior: “a despeito dos argumentos em sentido contrário, entendemos que anorma insculpida no art. 1.105 do CPC deve ser interpretada em consonância com a do art. 82 domesmo diploma legal. Afinal, se o Parquet só atua, havendo lide, nas hipóteses mencionadas nessedispositivo, o mesmo deve ocorrer na ausência de pretensão a que se ofereceu resistência. [...] épreciso ter-se em mente que a mudança de regime é questão meramente patrimonial e, por con-seguinte, disponível, salvo se houver interesse de incapaz, o que por si só justificará a inter-veniência do Parquet nos referidos procedimentos.”

A modificação será sempre judicial, o que deve descartar a possibilidade de mutação emrazão de cláusula prevista em pacto antenupcial.

A mutabilidade do regime de bens só deverá ser admitida uma vez, para que não se torneuma prática abusiva por casais inseguros ou que não sabem com certeza o que querem.Tecnicamente, destaque-se que a alteração do regime de bens, após homologação do juiz, teráefeito retroativo à data da celebração do casamento, em razão do disposto no § 1º do art. 1.639.

Pondera Leônidas Filippone Farrula Júnior que para “a alteração do regime, ao contrário do queocorre na França, onde é exigido o tempo mínimo de 2 (dois) anos de casados, o novo disposit ivodo CC não impõe qualquer lapso temporal. A ausência de tal requisito traz um inconveniente, qualseja, o de que requerimentos sejam feitos precipitadamente, sem que se tenha exigido amadure-cimento maior do casal para determinar o que lhe seja melhor.”

Débora Gozzo defende a necessidade de que eventuais mudanças do pacto antenupcialsejam feitas por escritura pública e averbadas no Cartório de Registro de Imóveis no qual o pactofoi inscrito. Pela redação do novo CC a alteração do regime matrimonial será sempre judicial,pouco importando a existência de precedente pacto, já que a finalidade maior do pacto, para valercontra terceiros, estará preservada porque deverá ser averbada no Cartório de Registro deImóveis a sentença que deferir aquela modificação do regime original. Explica Leônidas FilipponeFarrula Júnior que “uma vez deferido o pedido, a alteração deverá ser averbada na certidão decasamento, assim como no RGI da situação dos bens envolvidos e do domicílio do casal (art. 167da Lei 6.015/ 73). Tal averbação deverá ser feita igualmente na Junta Comercial, se comerciantepelo menos um dos cônjuges (art. 37, Lei 4.726/ 65). Ressalte-se que em relação ao casal osefeitos da mudança se operam a partir da decisão judicial favorável e, em relação a terceiros, daaverbação no Registro Civil de Pessoas Naturais. É de salientar-se ainda que a alteração doregime revoga automaticamente o pacto antenupcial, pois se trata de posterior manifestação devontade do casal.”

Na Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o enunciado 113,

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segundo o qual, pelo art. 1.639, “é admissível alteração do regime de bens entre os cônjuges,quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto deautorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, apósperquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade.”

Um ponto a ser questionado nesta matéria é o da possibilidade da alteração do regime legalda separação de bens daquele casal que foi obrigado àquele regime por força da lei. Será que essecasal poderá ou não, depois de anos de matrimônio, pretender alterar seu estatuto patrimonialaproveitando da generalidade desta permissiva homologação judicial de outro regime, por meio depedido em conjunto? Salvo a hipótese dos maiores de 60 anos, a modificação deste regime legaldeverá ser permitida se a imposição se originou de inobservância das causas suspensivas da ce-lebração do casamento ou de suprimento judicial para o casamento. Afinal, não se justificará maisa punição ou a proteção que originou a imposição legal. Decorrido o tempo demonstrador da con-solidação daquela família, não haverá razão para manter a restrição porque superadas as causasque a determinaram. Do contrário, continuará desmotivando o casamento e estimulando a uniãoestável: entre casar pelo regime da separação legal e viver em união estável, a segunda hipótesese revelará mais conveniente patrimonialmente falando porque sem as limitações do casamento.

A proposta de modificação 131, sobre o art. 1.639, § 2º, aprovada pelo mencionadoConselho da Justiça Federal, é restritiva da modificação do regime de bens adotado quando docasamento, sugerindo sua aplicação com exclusividade justo nas hipóteses do art. 1.641 em queo legislador impôs a separação de bens. Sugerem a seguinte redação ao § 2º do mencionado art.1.639: “é inadmissível alteração do regime de bens entre os cônjuges, salvo nas hipóteses especí-ficas definidas no artigo 1.641, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado porambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, apurada a procedência das razões invo-cadas e ressalvados os direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de ine-xistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade.”

Por isso que, considerando a possibilidade da modificação do regime de bens na uniãoestável, será difícil fechar as portas para esta opção também no casamento. A contrario sensuserá mais uma razão para a contramão da norma constitucional programática, justificando que ocasal prefira a união informal ao casamento civil, o que certamente não faz parte do espírito daConstituição Federal.

Defende Leônidas Filippone Farrula Júnior que somente aqueles que se casarem após aentrada em vigor do novo CC poderão alterar o regime de bens, “sob pena de se ferir o ato jurídi-co perfeito e, por conseguinte, a norma insculpida no inciso XXXVI do art. 5º da CF, onde estácristalizado o princípio da irretroatividade das leis. Afinal, é com as núpcias que o casamento seaperfeiçoa e, assim, as questões patrimoniais decorrentes destes se regulam pela legislaçãovigente quando da sua celebração.” Argumenta ainda que o art. 2.039 do CC/ 02, apesar de con-ter uma redação que deixa a desejar, de sua literalidade “não é de todo insensato interpretar-seque somente os regramentos de cada regime permanecerão regulando os casamentos já celebra-dos quando da entrada em vigor do novo Código e que os demais o serão por este, incluindo-seaí o princípio da mutabilidade. Todavia, quando a nova lei menciona ‘é o por ele estabelecido’, seestá referindo a todo o ordenamento atinente aos regimes de bens, abrangendo também as nor-mas correlatas, como, por exemplo, a disposta no art. 230, onde é previsto o princípio da imutabi-lidade.” No mesmo sentido lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Nery, que consideram que “o

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regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do CC/ 1916 é o por ele estabelecido (CC,2.039), não se lhes aplicando o regime de bens do novo sistema do CC.”

III.3) Do regime comum ou supletivo ser o da comunhão parcial de bens - art. 1.640

O art. 1.640 mantém como regime de bens preferido pelo codificador para reger as relaçõespatrimoniais dos cônjuges o da comunhão parcial de bens. Esse passou a substituir o da comunhãouniversal pelo legislador ordinário da Lei 6.515/ 77, com o que se dispensa pacto antenupcial e porisso é considerado o comum, por ser o adotado pela grande maioria dos nubentes, uma vez queno Brasil celebrar pacto antenupcial ainda é uma exceção. Poucos casais fazem opção pelo regimeconvencional, tanto em razão do preconceito de se conversar sobre este assunto patrimonial antesdo casamento, com receio de má interpretação pelo outro, como se estivesse casando preocupa-do com as vantagens materiais ou vislumbrando desde logo uma possível separação, quanto pelagrande burocracia cartorário-administrativa que a lei impõe. E é chamado ainda de regime legal ousupletivo, por ser o que supre outro regime eventualmente invalidado, substituindo-o pelo dacomunhão parcial por opção do legislador. Claro que defeito que invalide pacto antenupcial nãoafeta o casamento, que é mantido incólume.

Segundo Silvio Rodrigues, “o regime legal se opõe ao convencional porque, enquanto oprimeiro decorre da vontade dos nubentes, o segundo emerge da lei. O regime é legal ou porquea lei, no silêncio das partes, presume que estas escolheram determinado regime; ou então porqueo legislador ordena que em certas hipóteses o casamento só poderá efetuar-se pelo regime daseparação de bens.” Como se vê, o autor inclui como regime legal o da separação imposto emdeterminadas circunstâncias, o que pode gerar certa confusão conceitual, parecendo inadequadaesta abrangência que estabelece porque nada impede que as pessoas às quais a lei impõe oregime da separação o estabeleçam por convenção. Os efeitos da separação por força de lei ouconvenção são bastante diferenciados: na primeira, discute-se a comunhão de aqüestos e o côn-juge sobrevivente não é herdeiro necessário; na segunda, será respeitada a força do pactuadoquanto à incomunicabilidade de aqüestos e o supérstite está enquadrado como herdeironecessário.

A preferência do novo CC/ 02 por este regime alterou toda a forma de abordagem dosregimes de bens em comparação com o CC/ 1916, que partia do regime de comunhão universalcomo o comum. Na medida em que o CC/ 02 parte do regime de comunhão parcial como regra, édele e de seus princípios que os demais regimes são abordados. Deixa de haver a preferência pelacomunhão universal e, em conseqüência, desaparecem regras como a do art. 259 do CC/ 1916,que presumia condomínio dos bens no silêncio do contrato. Aplaude Silvio Rodrigues a opção le-gislativa pelo regime da comunhão parcial porque “o casamento não é meio de aquisição de pro-priedade” e, ainda, “permitindo que cada cônjuge conserve como seu aquilo que lhe pertence porocasião da boda, o regime da comunhão parcial não só constitui um freio à dissolução da sociedadeconjugal, como também torna mais justa a divisão dos bens, ao ensejo do desquite.”

III.4) Da formalização do regime de bens - parágrafo único do art. 1.640.

Quando a opção era pelo regime comum ou supletivo da época da celebração do casamen-to, não havia qualquer exigência para sua formalização. Isso ocorreu com o de comunhão univer-

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sal até a Lei 6.515, tal como o da comunhão parcial desde então, até a vigência do CC/ 02.

O art. 1.528 impõe ao oficial do registro o dever de esclarecer aos nubentes sobre os diver-sos regimes de bens. Esse esclarecimento, apesar de não haver exigência legal, deveria ser do-cumentado com a assinatura pelos nubentes de terem sido cientificados de um resumo, em lin-guagem simplificada, das invalidades do casamento e dos diversos regimes de bens. E, se a prefe-rência deles for pelo da comunhão parcial, o CC/ 02 prevê na segunda parte do parágrafo únicodo art. 1.640 que “reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial” , o que implica a inovaçãode, quando do processo de habilitação, ser firmado termo específico daquela opção por aqueleregime. Há que louvar esta inovação, que faz com que os nubentes fiquem atentos para aimportância dessa decisão porque tal preferência regerá o futuro patrimonial deles. Aponte-se aomissão do art. 1.525 ao não se adequar a esta disposição do parágrafo único do art. 1.640, nãoincluindo dentre os documentos da habilitação a assinatura deste termo de opção pelo regime dacomunhão parcial.

Explica Maria Helena Diniz que “o pacto antenupcial é facultativo, porém necessário se osnubentes quiserem adotar regime matrimonial diverso do legal. Os que preferirem o regime legalnão precisarão estipulá-lo, pois sua falta revela que aceitaram o regime da comunhão parcial. Háuma presunção de que o querem, pois caso contrário teriam feito pacto antenupcial. Assim, nãohavendo convenção, ou sendo nula, vigorará quanto aos bens o regime da comunhão parcial (CC,art. 1.640).”

A primeira impressão da leitura da parte final do parágrafo único, do art. 1.640 é a de quea opção pela comunhão parcial não só dispensaria como até impediria pacto antenupcial. Mas seriaequivocada tal impressão porque contraditória com a liberdade assegurada pelo art. 1.639. Comcerteza, é possível “personalizar” o que seria um regime de comunhão parcial, diferenciado daqueleprevisto na lei, por meio de pacto antenupcial, e que não será, então, o formalizado por mero termode opção. Sua aplicação é cada vez mais ocorrente, multiplicando-se os casos dos nubentes dese-josos de particularizar bens móveis (por exemplo, obras de arte, tapetes valiosos, peças de cristal,aparelhos de jantar herdados de família); ou identificar móveis ou imóveis em fase de aquisição pormeio de financiamento, leasing ou consórcio, com prestações a serem pagas na constância do casa-mento e sobre cuja comunicabilidade, ou não, querem formular convenção expressa; ou quanto abens adquiridos e quitados antes do casamento mas ainda não registrados com a transcrição noRegistro Imobiliário em nome do adquirente e cuja propriedade então se quer ressalvar; ou quan-to a quotas de participação em sociedade comercial, com disciplina contratual sobre crescimentoda empresa, aquisição de mais quotas ou quanto aos lucros recebidos e aqueles reinvestidos nonegócio, evitando polêmicas futuras. Aliás, para a perfeição do regime de comunhão parcial debens, o pacto antenupcial assume relevância pouco divulgada, pois é meio simples de se fazer emprevisões que evitem problemas desagradáveis posteriores, porque sabe-se que é na hora da iden-tificação de meação e quinhões, em dissolução de sociedade conjugal em vida ou por morte de umdos cônjuges, que a verdadeira personalidade interesseira e materialista costuma ser revelada,levando a intermináveis e desgastantes litígios. Pode-se, assim, personalizar o regime dacomunhão parcial, inserindo incomunicabilidade de determinados bens adquiridos durante o casa-mento (como por exemplo, seria cabível que uma advogada e um médico estabeleçam em pactoantenupcial de forma expressa que o imóvel que for comprado na constância da convivência, a títu-lo oneroso, e em que estiver instalado o escritório de advocacia dele ou a clínica de cirurgia plás-tica dela, incluindo todos os pertences de qualquer natureza que ali se encontrarem, permaneça

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incomunicável, como particular de cada adquirente para preservação da atividade profissional),estabelecendo quanto ao mais as regras da comunhão parcial, o que equivale à compatibilizaçãode uma norma típica do regime da separação com o da comunhão parcial, criando uma espécie deseparação parcial de bens.

É de ser lembrado que, para motivar a conversão de união estável em casamento, nadaimpede que se estabeleça este regime com o nome de separação parcial em que os nubentes con-vencionarão que tais ou quais bens adquiridos na convivência se comunicarão e outros per-manecerão particulares, ou mesmo que pactuem o regime da comunhão (parcial para abrangertambém os bens adquiridos em comum durante aquela convivência antecedente), dando eficáciaretroativa ao início da união estável ao regime de bens.

III.5) Do regime da separação legal ou obrigatória - art. 1.641

O art. 1.641 prevê a imposição do regime da separação legal de bens: I - das pessoas queo contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pes-soa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

As três inovações estão: a) na exclusão da hipótese do inciso III do art. 258 (“do órfão depai e mãe, ou do menor, nos termos dos arts. 394 e 395, embora case, nos termos do art. 183, n. XI,com o consentimento do tutor”); b) na isonomia da idade da mulher à do homem nos 60 anos paralhe tolher a liberdade de escolha de regime de bens; c) permitir a não-aplicação da pena do regimeda separação legal às pessoas que violarem as causas suspensivas (art. 1.641, I), a pedido dosnubentes, provando-se a inexistência de prejuízo, como previsto no parágrafo único do art. 1.523.

Lembra ainda Carlos Roberto Gonçalves que, “diversamente do CC/ 1916, o atual não con-templa a possibilidade de o juiz ordenar a separação de corpos até que os cônjuges alcancem aidade legal. Contudo, poderá dispensar os proclamas, ouvindo separadamente os contraentes(LRP, art. 69, § 1º). Suprida a idade de um dos nubentes, ou de ambos, o casamento será realiza-do no regime da separação de bens, sem a comunicação dos aqüestos (CC, art. 1.641, III).”

O Projeto de Lei n. 6.960/ 02 de autoria do Dep. Ricardo Fiuza, propôs a alteração do incisoII do art. 1.641, sugerindo seja elevada de sessenta para setenta anos de idade o limite a partir doqual a pessoa é obrigada a casar-se pelo regime da separação de bens. Com certeza que a medi-da é de todo cabível porque é cada dia mais alta a expectativa de vida do brasileiro, com preser-vação da qualidade da saúde física e mental da pessoa na terceira idade.

Em razão da possibilidade de não ser imposto o regime da separação legal, por decisão judi-cial durante o processo de habilitação, para aqueles que violarem as causas suspensivas (art.1.563), apenas as hipóteses dos incisos II e III do art. 1.641, que têm efetiva relevância e têm sidomais criticadas.

Considera Maria Helena Diniz que a lei impõe o regime da separação, nestas circunstâncias,por razões de ordem pública ou por ser exigido como sanção.

A manutenção do regime coercitivo, punitivo ou protetor que impõe a determinadas pessoasque só podem se casar pelo regime da separação legal de bens mantém acesa a polêmica quesempre causou.

Expressa sua indignidade Rolf Madaleno, que vê na manutenção do “regime obrigatório deseparação de bens um notório retrocesso do novo codificador, na medida em que ressuscita o puni-

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tivo regime legal ou obrigatório da separação de bens quando violado algum dos impedimentosmatrimoniais, como é o caso do casamento fora da idade núbil. A súmula n. 377 do STF já haviaafastado do sistema legal brasileiro o regime coercitivo da completa separação de bens, cujo únicoefeito era desamparar o consorte que não teve a fortuna de amealhar em seu nome as riquezasmateriais da sociedade conjugal, não obstante tivesse prestado contribuição integral na formaçãomoral e espiritual e no crescimento econômico-financeiro de seu parceiro.”

a) Questionando a constitucionalidade da imposição do regime da separação legal para os maioresde 60 anos

Maria Berenice Dias acusa tal norma de inconstitucional, por retirar o direito à liberdadenuma intervenção injustificável do Estado, que constitui preconceito com a terceira idade.Questiona sobre o bem que a lei quer tutelar e responde que não é a família. Diz que fere a isono-mia porque tal limitação não existe na união estável.

Por seu turno, Maria Helena Diniz diz que “não se pode olvidar que o nubente, que sofre talcapitis diminutio imposta pelo Estado, tem maturidade suficiente para tomar uma decisão relati-vamente aos seus bens e é plenamente capaz de exercer atos na vida civil, logo, parece-nos que,juridicamente, não teria sentido essa restrição legal em função de idade avançada do nubente.”

Também Silvio Rodrigues é contra a limitação. Diz que “em muitos casos, a disposição dalei, ao invés de beneficiar, prejudica a pessoa que visa proteger.” E adiante acrescenta, em relaçãoao maior de 60 anos: “Tal restrição, a meu ver, é atentatória da liberdade individual. A tutela exces-siva do Estado sobre pessoa maior e capaz decerto é descabida e injustificável.” [...] “Defeituosa,por excessiva, é nesse sentido a proibição que se encontra na lei.” No que concerne ao inciso III,dos que precisam de autorização para casar, ele ainda observa que “a quase-totalidade dos casa-mentos realizados após a obtenção de autorização judicial é de gente pobre, que nada possui aotempo do enlace. Se o casal depois enriquece, e como em geral os bens de raiz são adquiridos emnome do marido, a mulher chega, ao fim da vida, pobre, ao contrário de seu consorte, em cujonome se encontram os haveres ganhos pelo esforço comum. É flagrante a injustiça.”

A proposta de modificação 125, do Conselho da Just iça Federal, sobre o art. 1.641, inc. II,é de revogação deste dispositivo, apresentando como justificativa que: “a norma que torna obri-gatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes (qualquer queseja ela) é manifestante inconstitucional, malferindo o princípio da dignidade da pessoa humana,um dos fundamentos da República, inscrito no pórtico da Carta Magna (art. 1º, inc. III, CF). Issoporque introduz um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapas-sarem determinado patamar etário, passam a gozar de presunção absoluta de incapacidade paraalguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consulte seus interesses.

Por seu turno, Ênio Santarelli Zuliani considera que “nenhum juiz ou juiz, por melhor intér-prete das leis, escapa, como qualquer apaixonado, das armadilhas que são preparadas com as fal-sas reações sentimentais. O fogo que se reacende com brasa encoberta não se debela facilmenteem não encontrando focos de resistência. A intervenção do Estado neste assunto é de ordem pre-ventiva, uma garantia para a paz familiar, porque, afinal, o patrimônio de uma história de lutas, difi-culdades, sacrifícios de um núcleo familiar, poderá ser dissolvido com a mesma rapidez com quese encerra a carícia dissimulada.” Afinal, conclui que confia na jurisprudência para modificar oefeito desta norma para casos concretos.

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Explica Regina Beatriz Tavares da Silva que “a manutenção do inciso II foi justificada peloSenador Josaphat Marinho não em razão de suspeita de casamento por interesse, nem de espíri-to patrimonialista, mas de prudência legislativa em favor das pessoas e de suas famílias, con-siderando a idade dos nubentes.”

b) Da excepcionalização para os maiores de 60 anos que se casam após união estável - art. 45 daLei n. 6.515/ 77

Considera Silvio Rodrigues que a contemporização do art. 45 da Lei 6.515/ 77 foi transitóriae não tem mais eficácia hoje. Mas Maria Helena Diniz parece interpretar que ainda estaria vigente,não se aplicando a imposição do regime da separação quando o casamento da pessoa maior de 60anos “suceder união estável de mais de dez anos consecutivos ou da qual tenham nascido filhos”de acordo com o art. 45 da Lei 6.515/ 77.

Quando da elaboração de análise crít ica do então projeto do novo Código Civil feito em con-junto com a Profª Lúcia Massara, a pedido da OAB/ MG, para levar sugestões para o texto final,sugerimos fosse introduzido um parágrafo único neste art. 1.641, que deveria ter o seguinte teor:“Na hipótese do inciso II, os nubentes poderão optar pelo regime que quiserem caso convivam emunião estável há mais de 5 anos ou tenham prole em comum.” Justificamos a proposta explicandoque não abrir exceção para união estável anterior e/ ou existência de filho comum, como previstono art. 45 da Lei 6.515/ 77, seria uma pena, porque implicaria desmotivação para a conversão dasuniões informais em casamento, como proposto pela Constituição.

Reitera-se, nesta oportunidade, aquela sugestão que, com certeza, ameniza todas as críti-cas apresentadas à limitação imposta ao exercício da liberdade de escolha do regime de bens paraos maiores de 60 anos.

III.6) Da Súmula 377 do STF

O texto do art. 1.641 aprovado no Congresso literalmente previa não mais se poder pre-tender comunicação dos bens aqüestos, criada por aquela Súmula 377 do STF. No entanto, talrestrição foi suprimida na redação final a pedido do IBDFAM com a retirada da parte final do dis-positivo, que fala “sem comunicação dos aquestos” .

Depõe Regina Beatriz Tavares da Silva que “ tal supressão foi embasada na Súmula 377 doSTF (‘no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casa-mento’), e teve a finalidade de evitar o enriquecimento ilícito daquele que tem os bens em seunome, embora as respectivas aquisições sejam provenientes de esforço comum.”

Segundo Maria Helena Diniz, deve prevalecer a súmula porque “a razão está com os que admitema comunicabilidade dos bens futuros, no regime de separação obrigatória, desde que sejam pro-duto do esforço comum do trabalho e da economia de ambos, ante o princípio de que entre os con-sortes se constitui uma sociedade de fato por haver comunhão de interesses.”

Enfático, Rolf Madaleno considera que manter a punição da adoção obrigatória de umregime sem comunicação de bens porque as pessoas casaram sem observar as causas suspensi-vas, ou com mais de sessenta anos, ou ainda porque precisaram de suprimento judicial, “é ignorarprincípios elementares de Direito Constitucional. Em face do direito à igualdade e à liberdade,ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua idade, como se fossem causas

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naturais de incapacidade civil. Atinge direito cravado na porta de entrada da Carta Política de 1988,cuja nova tábua de valores coloca em linha de prioridade o princípio da dignidade humana, diretrizque já vinha sendo preconizados pela Súmula 377 do STF, ao ordenar a comunicação dos bensadquiridos na constância do casamento, como se estivesse tratando da comunhão parcial de bens.”

Apesar de não ser taxativo, Carlos Roberto Gonçalves dá a entender que a Súmula 377 doSTF deve ser restrita aos bens adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges, onde se reconheçaa existência de uma verdadeira sociedade de fato, como passou a decidir o STJ, ainda sob a égidedo CC/ 1916 (RSTJ, 39:413; RT, 691:194; RF, 320:84).

Posição oposta encontra-se em Silvio Rodrigues. Finca-se o referido civilista em que deixoude ser reproduzido no CC/ 02 o art. 259 do CC/ 1916, cuja interpretação deturpada havia levadoà Súmula 377 do STF. Explica: “dessa forma, omisso o contrato ou na imposição da lei, deverãoprevalecer às regras pertinentes a cada modalidade de regime de bens, não mais se admitindovenham a prevalecer os princípios da comunhão parcial quanto aos bens adquiridos na constânciado casamento. A exceção deve ser feita, exclusivamente, se comprovado o esforço comum doscônjuges, decorrendo daí uma sociedade de fato sobre o patrimônio incrementado em nome deapenas um dos consortes. Mas a comunhão pura e simples, por presunção de participação sobreos bens adquiridos a título oneroso, como se faz no regime legal, e até então estendida aos demaisregimes, deixa de encontrar fundamento legal.” No mesmo sentido, colacione-se ainda BiancaMota Moares, para quem não mais poderá subsistir o entendimento da jurisprudência que se vinhaconsolidando há longos anos, havendo sido cristalizada no verbete 377 da Súmula do STF: “se bus-casse algum tipo de participação de aqüestos no regime da separação legal, não teria repetido aopção legislativa anterior, como o fez no artigo 1.641. Estabeleceria, simplesmente, que para oscasos ali elencados o regime obrigatório seria o da participação final.”

IV) Dos atos isolados, dos conjuntos e da administração dos bens

Os Capítulos II e III do Título II, que se referia aos efeitos jurídicos do casamento noCC/ 1916, incluíam as disposições relativas aos atos que eram sempre conjuntos dos cônjuges eaqueles que podiam ser praticados por ato isolado. Como tratavam diferenciada e dicotomica-mente dos direitos e deveres do marido dos da mulher, esses capítulos já eram considerados afe-tados pela isonomia constitucional relativa aos direitos conjugais estabelecida no art. 226, § 5º daCF. No CC/ 02 estes direitos e deveres são tratados de forma igualitária para o homem e a mu-lher, nos arts. 1.642 a 1.652, dentre as disposições gerais que dizem respeito a todos os regimesde bens do casamento.

Nesses 11 artigos o legislador efetiva aquela igualdade insculpida na CF/ 88 dos direitos edeveres conjugais do marido e da mulher, estabelece as normas da co-gestão e co-administraçãodos bens particulares e comuns, trata dos atos que necessitam da outorga conjugal e dos quepodem ser praticados individualmente.

Explica Carlos Roberto Gonçalves que “no capítulo dedicado às disposições gerais o novoCódigo apresenta um conjunto de normas que dizem respeito aos interesses patrimoniais dos côn-juges, disciplinando as obrigações que estes podem ou não assumir, bem como a propriedade,administração e disponibilidade da massa de bens conjugais, nas quais ressalta a igualdade detratamento dispensada ao casal.”

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IV.1) Dos atos individuais - art. 1.642

O art. 1.642 dá relativa autonomia aos cônjuges, permitindo que cada um possa, livremente,qualquer que seja o regime de bens, praticar atos de administração e conservação dos benspróprios e dos conjugais, com o tratamento do marido e da mulher de forma igualitária em con-sonância com o art. 226, § 5º da CF. Segundo Maria Helena Diniz, “compete aos cônjuges, durantea constância do casamento, administrar os bens comuns e certos bens particulares (art. 1.642, II),em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto antenupcial (art. 1.567). Cabe-lhes, por-tanto, gerir o patrimônio comum do casal, bem como os incomunicáveis.”

Quanto aos atos isolados de cada cônjuge, o CC/ 02 não traz grande novidade pois, prati-camente, mantém a redação dos arts. 247, III, e 248 do CC/ 1916, apenas fazendo a generaliza-ção para o homem e a mulher. Disciplina os atos que podem livremente ser praticados pelo côn-juge, independentemente do regime de bens adotado.

IV.1.1) Praticar atos necessários ao desempenho de sua profissão (art. 1.642, I)

O inciso I do art. 1.642 permite que tanto o homem quanto a mulher podem praticar livre-mente os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão,excluída a possibilidade de “alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis” , pela expressa remis-são ao art. 1.647, I..

Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva, este disposit ivo “corrige as desigualdades queconstavam do Código Civil anterior, pelo qual a mulher não podia contrair obrigações quepudessem importar em alheação dos bens do casal (art. 242, IV), ou até mesmo somente podiacontrair obrigações concernentes à indústria ou profissão que exercesse ‘com autorização do mari-do ou suprimento do juiz’ (art. 247, III).”

O sistema adotado consolida, como assinalado por José Costa Loures e Taís Guimarães, “oque vem desde o Estatuto da Mulher Casada, pois como observa Orlando Gomes, a mulher casa-da só precisa do consentimento do marido para a prática de atos que também ele não podepraticar sem o seu concurso.”

Nada obsta que um dos cônjuges contraia obrigações concernentes à indústria ou profissãoque exercer, sem autorização marital ou uxória, exemplificando Maria Helena Diniz que, “se a mu-lher casada for comerciante, poderá alugar prédio para instalar sua empresa, contratar ou despedirempregados, comprar mercadorias, emitir títulos cambiais, requerer falência, demandar e serdemandada por fatos alusivos ao exercício do comércio.”

IV.1.2) Das doações do cônjuge ao “concubino” - inc. V, art. 1.642.

Merece referência especial a manutenção da proibição de transferência ou doação de benscomuns, móveis ou imóveis, pelo outro cônjuge ao “concubino”, fazendo o inciso V do art. 1.642expressa ressalva de que essa restrição só se aplica se for “provado que os bens não foramadquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de 5 (cinco)anos.” Essa disposição implica que o cônjuge poderá reivindicar os bens da sociedade conjugal queo outro transferir ou doar para o concubino, salvo comprovação concomitante de que o bem tenhasido adquirido pelo esforço dos concubinos e haja comprovação de que os casados estavam se-

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parados de fato há mais de cinco anos. Estranha a exigência do prazo de cinco anos de separaçãode fato dos cônjuges para excluir a possibilidade da anulação da transferência ou doação do bemao concubino porque prevista a possibilidade da união estável com toda proteção como entidadefamiliar, se separados de fato os cônjuges, independentemente de prazo. Essa referência aos cincoanos faz parecer que, para a união estável do casado, ele deva estar separado de fato por esteperíodo do respectivo cônjuge.

Este dispositivo reitera a regra constante do art. 550 do CC/ 02, de que “a doação do côn-juge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeirosnecessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal” .

Recapitulando a tramitação do inciso V do art. 1.642, Regina Beatriz Tavares da Silva expli-ca que, “na modificação redacional feita na Câmara dos Deputados, procurou-se corrigir distorçãoantes existente, que impunha o ônus da prova ao cônjuge prejudicado, quanto à inexistência deesforço do concubino na aquisição dos bens, na ação de reivindicação de bens comuns a ele doa-dos ou transferidos.” E reconhece a referida autora que “no mesmo inciso, contém contradiçãocom as disposições sobre a união estável, já que os artigos que a regulam fazem distinção entreesse instituto e o concubinato. Segundo o art. 1.723, § 1º, a separação de fato, por si só, auto-riza a constituição de união estável. Desse modo, é descabida a utilização da expressão ‘concubi-no’, se o cônjuge estiver separado de fato.”

Denuncia Leônidas Fillippone Farrula Junior que “houve retrocesso por parte do legislador,pois não acompanhou a evolução jurisprudencial. Tem-se entendido atualmente que pode haverunião estável com prazo de convivência inferior a cinco anos, assim como se tem admitido quebens adquiridos após a separação de fato não se comunicam, independentemente do regime,razão pela qual a presunção em prol do cônjuge deve ser abandonada. Na verdade, basta supri-mir-se o lapso temporal de cinco anos.”

Essa norma é criticada por Rolf Madaleno, para quem “é flagrante o retrocesso verificadona parte final do inciso V do art. 1.642 e o elevado risco de injustiças que poderão ocorrer se ajurisprudência não estiver atenta para corrigir as distorções que irão surgir. Está pacificado pelajurisprudência brasileira que a separação fática acarreta inúmeros efeitos jurídicos, especialmenteo da incomunicabilidade de bens entre cônjuges fatualmente separados, porquanto já ausente oânimo socioafetivo, real motivação do regime de comunicação patrimonial. Portanto, não existenenhum sentido lógico em manter comunicáveis durante cinco longos anos bens hauridos em plenae irreversível separação de fato dos cônjuges, facilitando o risco do enriquecimento ilícito, pois oconsorte faticamente separado poderá ser destinatário de uma meação composta por bens quenão ajudou a adquirir.” Questionável esse receio exposto por Rolf Madaleno, uma vez que o di-reito à reivindicação do cônjuge está restrito aos “bens comuns”. Dessa limitação decorre que, senão tiverem sido adquiridos durante a coabitação dos cônjuges, não serão os bens tidos como“comuns” e não serão então reivindicáveis, o que elimina o referido receio.

Considera Carlos Roberto Gonçalves que “pelo novo Código o cônjuge separado de fatoserá beneficiado com meação em patrimônio que não ajudou a construir, adquirido nos cinco anosque se seguiram à mencionada separação. Esse risco, no entanto, só existirá se os conviventesnão lograrem provar, de forma convincente, que os bens reivindicados decorreram do esforçocomum do novo casal.”

Por constatar a inadequação do disposto no inciso V do art. 1.642, o Projeto de Lei

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6.960/ 02, de autoria do Dep. Ricardo Fiuza, propõe que passe a ter a seguinte redação: “V - reivin-dicar os bens comuns, móveis e imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubinoou ao companheiro, podendo este últ imo provar que os bens foram adquiridos pelo seu esforço”.

IV.1.3) Da liberdade para despesas necessárias à economia doméstica e co-responsabilidadesobre tais dívidas - arts. 1.643 e 1.644

O art. 1.643, que permite a qualquer dos cônjuges fazer compras, inclusive contraindoempréstimos, para as despesas necessárias à economia doméstica, não é novidade, por repetir oart. 247, do CC/ 1916. Esta regra decorre dos princípios estabelecidos em dispositivos anteriores,segundo os quais “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade dedireitos e deveres dos cônjuges” (art. 1.511), em que “homem e mulher assumem mutuamente acondição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família” (art. 1.565),cabendo o exercício da “direção da sociedade conjugal” ao “marido e à mulher” , em “colaboração”,“sempre no interesse do casal e dos filhos.” Justifica-se ainda este dispositivo em razão do art.1.688 impor a ambos os cônjuges o dever de prover mantença da família, com os rendimentos deseus bens, na proporção de seu valor, salvo estipulação em contrário no contrato antenupcial.

Pode-se discutir o que se considera “economia doméstica”. Sobre tal expressão, esclareceLeônidas Fillippone Farrula Junior que, segundo o Dicionário Michaelis, “uma das acepções dovocábulo economia é a ‘boa administração ou ordem da casa, de estabelecimento, bens particu-lares ou públicos’. Assim, pode-se concluir que os cônjuges podem, sem necessitar da autorizaçãodo outro, realizar todos os atos com o fim de adquirir os bens essenciais para o bom funcionamentodo lar conjugal. E quais seriam esses bens? Como parâmetro, pode ser adotada a norma inscul-pida no § único, do art. 1º, da Lei n. 8.009/ 90, que estabelece a impenhorabilidade do bem defamília, assim como de todos os móveis que o guarnecem, desde que quitados e indispensáveis àvida. Destarte, não seriam, por exemplo, considerados como necessários à economia domésticaos aparelhos de ar condicionado (em sentido contrário: REsp 299.392-RS, Rel. Min. Gilson Dipp,public. DJ 9/ 4/ 01, p 381) e DVD”.

De qualquer forma, as dívidas que vinculam solidariamente o casal são aquelas “necessárias”com a economia doméstica de acordo com a situação social e econômica da família e, portanto,sejam proporcionais aos recursos do casal, conforme José Costa Loures e Taís Guimarães:

“os cônjuges devem compartilhar, contínua e diuturnamente, da respon-sabilidade pelos encargos familiares, conhecendo, prevendo e provendoa respeito, não apenas quanto à aquisição das coisas necessárias àeconomia doméstica, como na obtenção dos recursos que se fizeremmister para aquela aquisição. Sobre o tema, pondera Carvalho Santosque ‘não é possível precisar de uma maneira geral os negócios outransações que entram na categoria daquelas necessárias à economiadoméstica. Por isso mesmo deve-se tomar em consideração, em cadacaso, os hábitos locais e a situação econômica e social de cada família’.Assim, qualquer dos dois cônjuges, no exercício das funções diretivas deque se acham investidos pela lei, pode e deve tomar a iniciativa paraprover tudo o que disser respeito à compra de gêneros alimentícios,roupas e utensílios, móveis, material escolar para os filhos etc., o que, atoda evidência, há de criar débitos pelos quais responde solidariamente

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o outro cônjuge, assim como os bens comuns e os particulares de cadaum.”

O art. 1.644 complementa este dispositivo estabelecendo que as dívidas contraídas para osfins do art. 1.643 obrigam solidariamente ambos os cônjuges. Daí porque as dívidas advindas dosgastos exigidos pela economia doméstica obrigam solidariamente a ambos, por ser pressupostode que beneficiem os cônjuges.

Esclarece Maria Helena Diniz que “se a mulher, p. ex., entregar ao marido sua quota paraos encargos domésticos, os credores por suprimentos feitos à residência do casal têm ação con-tra qualquer deles para cobrança de seus créditos, porque tais dívidas os obrigam solidariamente.”Vai além Leônidas Fillippone Farrula Junior, ao afirmar que “em face do que dispõe a norma emanálise, o credor das dívidas contraídas para os fins do artigo anterior pode demandar contra qual-quer dos cônjuges, ainda que a responsabilidade pelas despesas familiares, ante previsão empacto antenupcial, seja de apenas um deles. Assim, se o cônjuge demandado não for aqueleresponsável, terá ele direito regressivo em face do efetivamente obrigado, conforme estabelecidono contrato pré-nupcial” .

IV.1.4) Da legit imidade para as ações fundadas no art. 1.642 (art. 1.645)

O art. 1.645, adequando-se à igualdade de direitos entre homens e mulheres, estabeleceque a iniciativa para as ações fundadas nos incisos III, IV e V do art. 1.642 é atribuída agora “aocônjuge prejudicado” , e não mais “à mulher” , como dispunha o art. 249 do CC/ 1916. Como antes,atribui legitimidade ainda aos herdeiros do cônjuge prejudicado.

Expõe Carlos Roberto Gonçalves que “as ações para desobrigar ou reivindicar os imóveisque tenham sido onerados sem o consentimento do outro cônjuge ou sem suprimento judicial, parademandar a rescisão dos contratos de fiança e doação ou a invalidação do aval convencionadossem autorização marital ou outorga uxória e para reivindicar os bens comuns doados ou transferi-dos ao concubino (art. 1.642, III a V) competem ao cônjuge prejudicado e a seus herdeiros (art.1.645). Os referidos atos são, pois, anuláveis.”

IV.1.5) Do direito de regresso do terceiro prejudicado - art. 1.646

Correta, evidentemente, a previsão do art. 1.646 relativa ao direito de regresso do terceiroprejudicado, “contra o cônjuge que realizou negócio jurídico, ou seus herdeiros” , que tenha sidoinvalidado com violação dos incisos III e IV do 1.642 e 1.645.

O terceiro prejudicado, de boa-fé, terá direito de regresso contra o cônjuge culpado que rea-lizou o negócio irregular ou seus herdeiros, quando o autor conseguir a invalidação do ato (art. 1.646).

Consideram José Costa Loures e Taís Guimarães que “o terceiro, adquirente dos bens, podeser denunciado à lide pelo autor ou pelo próprio réu na ação anulatória, caso em que a sentençajá definirá o direito do terceiro à indenização que lhe cabe em face do réu (CPC, 71 , III, c/ c 76).Se não houver denunciação, só em ação autônoma poderá o terceiro obter o ressarcimento de seuprejuízo. No Código anterior, por disposição expressa do seu art. 250, ficava excluído do direito deser indenizado o terceiro, se concubino. Omisso agora o Código, mesmo ao concubino é assegu-rado o direito regressivo contra o cônjuge infrator do preceito de não favorecê-lo” . Em contrário,Leônidas Fillippone Farrula Junior considera que “o concubino não terá direito de pleitear in-

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denização do cônjuge faltoso, pois seria enriquecimento sem causa, quiçá ilícito, o que é vedadopelo nosso direito.” E também Maria Helena Diniz, para quem “a concubina ou concubino que sebeneficiou com a doação, que foi anulada, não terá direito à composição do prejuízo que sofreucom a anulação, devido à imoralidade de que se impregna a aquisição de bem doado. Comoninguém pode invocar em juízo a própria torpeza, não tem a concubina ou o concubino direitoregressivo contra seu amante ou seus herdeiros.”

IV.2) Dos atos que exigem a outorga conjugal - art. 1.647

O art. 1.647 estabelece limitações ao poder de administração dos cônjuges pois, emboratenham a direção da sociedade conjugal para praticar certos atos de conteúdo patrimonial, neces-sitam de outorga do outro (consentimento, autorização), sem a qual não se encontrará legitimadopara efetivá-los.

Quanto aos atos que exigem a outorga conjugal para sua validade, o art. 1.647 traz ino-vações significativas. Enquanto os atos individuais para os quais os cônjuges são livres parapraticar independem do regime de bens (caput do art. 1.642), diferentemente do CC/ 1916, osatos que exigem a autorização de ambos os cônjuges foram tratados de forma diversa, conformeo regime de bens adotado.

Em consonância com o art. 220 do CC/ 02, a outorga conjugal deverá ser provada damesma forma que o ato para o qual foi tal outorga concedida. Deve ser escrita e expressa e, sese referir a bens imóveis, deverá constar de instrumento público ou quando se destinar à práticade um ato que reclame tal solenidade (art. 108). Nos demais casos pode ser dada por instrumen-to particular, com firma reconhecida.

A autorização para a prática dos atos enumerados pelo art. 1.647 pode ser dada por procu-ração, sendo que explica Maria Helena Diniz que “se se tratar de bens imóveis de valor superiora 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País, ou de móveis, bastará que seja dada porinstrumetno particular, com assinatura autenticada.”

O conteúdo da autorização, segundo Silvio Rodrigues, pode ser “geral, como quando o mari-do, em escritura pública, declara que sua mulher fica autorizada a alienar bens imóveis de sua pro-priedade, dando ele, naquele instrumento, procuração a ela, com poderes bastantes; ou, então,especial, como no caso de o marido autorizar sua mulher a vender uma propriedade.” Por sua vez,considera Orlando Gomes que a autorização deve indicar a natureza, o objeto e o número dos atosconsentidos, sendo necessária tal especificação porque se a anuência for genérica será ilusória aproteção ao patrimônio, embora possa ser concedida para a prática de ato deixado a critério doconsorte: alienação, hipoteca, venda de um bem ou de outro etc. Essa autorização pode ser geralou especial. Será geral quando, por escritura pública, o cônjuge declarar que o outro está auto-rizado a alienar bens imóveis de sua propriedade, dando, naquele instrumento, procuração compoderes bastantes. Será especial se apenas consentir que o outro consorte emita, em favor do cre-dor, uma nota promissória.”

IV.2.1) Da exceção da inexigência de outorga conjugal no regime da separação absoluta - caput doart. 1.647

No CC/ 1916 podia-se afirmar que era o casamento que impunha restrições e limitações a

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determinados atos dos cônjuges, como proteção para a família. Essa regra não se aplica noCC/ 02, que introduziu a dispensa da outorga conjugal no regime da “separação absoluta” , porforça do caput do art. 1.647. Esta liberdade é permitida também no regime da participação finalnos aqüestos, desde que em relação aos bens particulares e que tal autorização tenha sido esta-belecida expressamente em pacto antenupcial (art. 1.656). De certa forma, esta inovação é re-volucionária, já que a mentalidade do legislador sempre foi a de proteger os bens imóveis, em qual-quer regime de bens.

Testemunha Regina Beatriz Tavares da Silva que “no CC/ 1916, arts. 235 e 242, indepen-dentemente do regime de bens, o cônjuge não podia alienar ou gravar de ônus real os bens imóveissem a outorga conjugal. O CC/ 02 inova ao estabelecer que essa vedação não se aplica em casa-mentos celebrados pelo regime da separação absoluta de bens, sob inspiração do direito es-trangeiro, que chega a possibilitar a prática daqueles atos, sem o consentimento do outro cônjuge,até mesmo nos demais regimes patrimoniais, desde que os bens sejam particulares (v. CódigoCivil português, art. 1.682, § 2).”

A dispensa da outorga conjugal para todos os atos de qualquer dos cônjuges parece ferir oespírito da comunidade de vida, da solidariedade no e do casal e do equilíbrio da posição e dosdireitos dos consortes, conforme art. 1.511. Com certeza, a participação de ambos os cônjugesem qualquer regime de bens nos atos que versem sobre alienação ou instituição de ônus reaissobre bens imóveis resguarda a comunidade familiar. Exemplifique-se com o marido casado peloregime de separação convencional, proprietário do imóvel em que reside com a mulher e três fi-lhos menores, que, envolvido com uma amante, resolve “ livrar-se” da família. Para tanto, pode“despejá-los” daquele seu bem, alienando-o para terceiros, sem precisar da outorga uxória por sercasado pelo regime da separação absoluta.

Pior ainda será a identificação do que seja o regime da “separação absoluta”: é apenas aconvencional ou alcançará também a separação legal imposta no art. 1.641? Tudo dependerá tam-bém da força que for dada à Súmula 377 do STF. Será necessário que as certidões de casamentocontenham a referência ao tipo ou alcance do regime da separação e, principalmente, que os re-gistros imobiliários tenham cuidado na identificação de ser realmente “absoluta” a separaçãodaquele regime de bens, inclusive para evitar responsabilidade civil. Sobre esta questão manifes-taram-se Nelson Nery Júnior e Rosa Nery no sentido de que, “quando a doutrina se refere aoregime da separação absoluta de bens, em regra, quer referir-se ao que foi assim firmado con-tratualmente, por meio de pacto antenupcial. A utilização dessa terminologia consagrada peladoutrina no texto do CC 1.647 caput in fine, autoriza o intérprete a dizer que, em caso de o casa-mento ter se celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens, não incide a exceção àregra. No regime da separação obrigatória de bens exige-se a autorização do outro cônjuge paraa realização dos atos elencados nos incisos que se lhe seguem.”

Há possibilidade de interpretação no sentido de que, mesmo quando o regime for o da se-paração absoluta, será exigida a outorga conjugal para alienar ou gravar de ônus real os bensimóveis porque o art. 1.642, I, excluiu em qualquer que seja o regime de bens a prática dos atosde disposição referidos no art. 1.647, I. Observou Leônidas Fillippone Farrula Junior que “na ver-dade, o legislador não observou a boa técnica redacional legislativa, pois a regra e suas exceçõesdevem estar previstas, para evitar divergências, em conjunto, e não de forma esparsa, como sefez com relação às hipóteses em que se exige a outorga do casal. Entretanto, apesar de tal falha,

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vedada a conclusão de serem contraditórios os dispositivos acima enfocados (artigos 1.647, 1.656e 1.665), pois, em todos, a mens legislatoris é no sentido de dispensar a autorização do cônjugequando se tratar de disposição de bens particulares.”

IV.2.2) Não podem alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis - art. 1.647, I

A mens legis, segundo Maria Helena Diniz, é a de “assegurar não só a harmonia e segu-rança da vida conjugal, mas também preservar o patrimônio familiar, forçando os consortes a man-ter o acervo familiar, porque a renda para manutenção da família, geralmente, advém desse, e,assim, evita-se a dissipação, garantindo, conseqüentemente, uma certa receita.” Justifica-se aexigência pelo fato de os imóveis serem considerados bens de raiz, que dão segurança à família egarantem o futuro dos filhos. Justo que o outro cônjuge seja ouvido a respeito da conveniência ounão da alienação.

A exigência, nos demais regimes de bens, da outorga conjugal para alienar ou gravar deônus real os bens imóveis não gera maiores dúvidas, impondo-se que o verbo alienar seja enten-dido em sentido amplo, alcançando toda forma de transferência de bens imóveis, como a venda, adoação, a permuta, a dação em pagamento etc. O dispositivo exige ainda a outorga conjugal paraqualquer instituição de ônus real sobre imóvel, como a hipoteca, o usufruto, o uso, a habitação eoutros. Não constitui direito real o comodato.

Pode-se anotar que, por força de a promessa de compra e venda ter sido definida como di-reito real (art. 1.225, VII), deixou de existir dúvida de que é necessária a assinatura de ambos os côn-juges para a sua validade quando tiver caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade uma vez que,por força do art. 1.418, é título hábil para transferir o domínio por meio da adjudicação compulsória.

Talvez tivesse sido melhor exigir a outorga conjugal também para alienação de bens“móveis” para cuja transferência basta tradição como a venda de quotas de empresa, de auto-móveis, obras de arte, jóias e outros. Já vai longe o tempo em que os bens imóveis eram os maisvaliosos. Hoje, muitas vezes, papéis, como ações, por exemplo, podem ter muito maior reper-cussão econômico-financeira do que o bem imóvel. Por isso mesmo, dentro do novo mercado e daexpressão que bens móveis podem ter, para segurança do meeiro, provavelmente teria sido boaopção ampliar para os bens móveis a exigência na sua transferência, da outorga conjugal. Nestesentido, testemunha Silvio Rodrigues que “é verdade que, com o progresso, a fortuna mobiliáriatende a substituir a imobiliária, pois, entre outras razões, aquela é ilimitada, enquanto esta, em-bora imensa, apresenta-se reduzida em quantidade. E por esse motivo o preceito em análise percauma parte de sua importância.” Também anota a respeito Leônidas Fillippone Farrula Junior que,“atualmente, bens móveis podem atingir valores elevadíssimos, às vezes superiores aos primeiros,como, por exemplo, um automóvel da marca Ferrari, cujo valor se situa muito acima de R$300.000,00 (trezentos mil reais). Assim, nesta hipótese, poderá resultar não prestada a intençãodo legislador, que é de evitar uma diminuição significativa do patrimônio conjugal.”

Enquanto Nelson Nery Junior e Rosa Nery consideram que a norma do art. 978 é exceçãoa este dispositivo, Leônidas Fillippone Farrula Junior considera que “a norma insculpida no art. 978do CC, que é ‘o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que sejao regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônusreal’, não é exceção ao inciso em tela. Saliente-se que o bem alienado pertence à empresa, pes-soa jurídica dotada de personalidade jurídica própria, isto é, dist inta da dos seus sócios, razão pela

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qual descabida a exigência de outorga conjugal. Nesse sentido: RT, 135/ 437.”

Exceções: a) a outorga conjugal é essencial para locação por prazo igual ou superior a dezanos, por previsão do art. 3º da Lei 8.245/ 91 que regula a locação predial urbana; b) ela ainda éobrigatória em razão de lei específica (Lei 6.766/ 79, art. 18, VII e § 3º) para registro de loteamentoe promessa de compra e venda de terreno loteado e para desmembramento.

Inclui-se na alienação a renúncia à herança, eis que o direito à sucessão aberta considera-se bem imóvel, por força do disposto no art. 80, II. Não pode a mulher e o homem casado, sem aautorização de seu cônjuge, renunciar à herança, pois ocorre, no caso, alienação de bem que a Leiconsidera como imóvel. Para Washington de Barros Monteiro, não precisa de outorga da mulherse o imóvel pertence a espólio e vai ser alienado para solução do passivo, embora casado o inven-tariante, que é herdeiro único (RT, 110/ 65). Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Nery, “se o mari-do renuncia à herança, sem assentimento da mulher, com quem é casado sob regime da comunhãouniversal de bens, tal negócio jurídico dispositivo não é nulo nem anulável, mas ineficaz, assimcomo o é a conseqüente adjudicação do quinhão hereditário a terceiro (TJSP, 2ª Câm. Dir. Priv.,AC 153601-4/ 0-00, rel. Des. Cezar Peluso, v.u., j. 10/ 10/ 00).”

A autorização é revogável ad nutum, como afirma Silvio Rodrigues, mas a revogação nãoprejudicará direito de terceiros, nem alterará os efeitos necessários dos atos iniciados (art. 244).Exemplificando que, “se, autorizada pelo marido, a mulher prometeu vender terrenos loteados desua propriedade, a posterior revogação da autorização não desata o nó contratual; e, se a mulher,mais tarde, recusar-se a outorgar a escritura definitiva de venda, a sentença judicial que lhe reco-nhecer a obrigação pode ser transcrita, para efeito de adjudicação do lote, substituindo o ato dealienação.” Na hipótese do uso de procuração para alienação de bem comum, a revogação podenão alcançar terceiros, conforme decidiu o STJ.

IV.2.3) Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos - art. 1.647, II

Como conseqüência do inciso I do art. 1.647, porque as ações que versem sobre direito realimobiliário podem implicar na perda do bem, é exigido o litisconsórcio ativo (ambos devem outor-gar procuração e figurar como autores do pedido) e passivo dos cônjuges, nas demandas acercadesses bens ou direitos (o que exige, sob pena de anulabilidade, a citação individual do marido eda mulher para a ação). É forma de assegurar que os cônjuges possam intervir nessas ações paradefender os seus interesses. Prescreve o art. 327 do CPC que, se se tratar de demanda propos-ta por um cônjuge sem o assentimento do outro, o suprimento deste, mesmo que posterior, reva-lida o processo.

A redação dada ao art.10 do CPC, pela Lei 8.952/ 94, pôs fim à controvérsia sobre amatéria, exigindo que figurem conjuntamente, no pólo passivo e ativo da ação, marido e mulher,quando essa versar sobre direito real imobiliário. Lembra Leônidas Fillipone Farrula Junior que,seguindo esse raciocínio, se tem o art. 350, parágrafo único, do CPC, que assim dispõe: “nasações que versarem sobre imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjugenão valerá sem a do outro” . O art. 16 do Dec.-lei 3.365/ 41 estabelece exceção à norma sobanálise, pois na hipótese da ação de desapropriação por utilidade pública, a citação de apenas umdos cônjuges, por si só, é suficiente para evitar qualquer nulidade. Outra exceção está no execu-tivo fiscal, por força do art. 12, § 2º da Lei 6.830/ 80, para a qual, segundo Maria Helena Diniz, “acitação do marido dispensa a da mulher, mas, em se tratando de penhora que recaia sobre bem

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imóvel, o outro cônjuge precisa ser cientificado através de intimação.”

Exemplos das ações que exigem a presença de ambos os cônjuges: reivindicatória de imó-vel; desapropriação que não seja por utilidade pública; pauliana; penhora que recaia sobre imóvel,etc. A presença dos dois só será exigida nas possessórias, em caso de composse ou de ato pra-ticado por ambos, até porque, o art. 350, parágrafo único, do CPC que, dispõe que nas ações queversarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge nãovalerá sem a do outro. “Ação de reintegração de posse. Autorização do cônjuge. 1. Não desfeita asociedade conjugal a comunhão dos bens acarreta a composse, impondo-se a incidência do art.10, § 2º, do Código de Processo Civil para o ajuizamento da ação de reintegração de posse. 2.Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 222.568 - BA, Rel. Min. Carlos Alberto MenezesDireito, 15/ 5/ 00, 3ª turma, v.u., DJU-e 1 26/ 6/ 00, 162, IOB n. 3/ 17076, 2000, p. 336.)”

Exemplos de ações em que pode figurar como parte apenas o marido ou a mulher: todasaquelas de natureza pessoal, tais como investigatória de paternidade e indenização por ato ilícito.Washington de Barros Monteiro entende que “essa outorga tornar-se-á também dispensável se aação é de natureza pessoal, embora diga respeito a imóveis, como a de despejo, a de consignaçãoem pagamento, a renovatória de contrato de locação, a relativa a compromisso de compra e venda,a cominatória para prestação, ou abstenção, de fato, a imissão de posse, o executivo hipotecário.”

IV.2.4) Prestar fiança ou aval - inc. III do art. 1.647

A fiança e o aval constituem uma liberalidade que põe em risco o patrimônio comum, comrelação à dívida de terceiros. Foi introduzida a necessidade da outorga conjugal, não só para afiança, mas também para o aval - art. 1.647, III. A inovação é consagração de antiga crítica, queera feita pelos civilistas, por não haver razão para ser exigida a vênia conjugal, na fiança, sem igualregra para o aval, que é muito mais freqüente. Nesse sentido, diz Maria Helena Diniz que esta dis-posição “merece encômios por incluir o aval, pois como o CC/ 1916 somente fizesse menção àfiança civil ou comercial, Orlando Gomes entendia ser inócua essa proibição, sob o prisma prático,porque não se estendia ao aval garantia especial dos títulos cambiais, cujas conseqüências erambem mais graves.”

Explica Carlos Roberto Gonçalves que “procura-se evitar, com essa limitação, o comprometi-mento dos bens do casal, em razão de graciosa garantia concedida a débito de terceiro. Se a fiançae o aval não forem anulados pelo cônjuge prejudicado (o que os prestou não tem legitimidade parapedir a anulação), poderá este opor embargos de terceiros para excluir a sua meação de eventualpenhora que venha a recair sobre os bens do casal, pois somente as dívidas contraídas para os finsdo art. 1.643 do CC (para comprar coisas necessárias à economia doméstica e para obter, porempréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir) obrigam solidariamente ambosos cônjuges.”

A orientação constante do enunciado 114 do Conselho da Justiça Federal é no sentido deque “o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inc. III do art. 1.647apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu.” Esta interpretaçãoparece colocar os direitos de terceiros como superiores aos que visam à proteção da família.

É do Conselho da Justiça Federal a proposta de modificação 132, onde sugerida asupressão das expressões “ou aval” , constante do art. 1.647, inc. III, com a seguinte justificativa:“exigir anuência do cônjuge para a outorga de aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e desca-

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racterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito éincompatível com essa exigência, pois que não se pode esperar que, na celebração de um negóciocorriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir àbusca do cônjuge e da certidão do seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens.”

IV.2.5) Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futu-ra meação - inc. IV do art. 1.647

O inc. IV do art. 1.647 exige a outorga conjugal para doação, “não sendo remuneratória, debens comuns, ou dos que possam integrar futura meação” , pelo que, este dispositivo recebeuredação bem diferente da que constava do art. 235, IV, do CC/ 1916, que proibia a doação semassentimento dos cônjuges “não sendo remuneratória ou de pequeno valor, com os bens ou rendi-mentos comuns.” Exceção do dispositivo se refere à doação remuneratória ou compensatória(aquela doação que visa a recompensar benefício feito a alguém pelo donatário).

Foi mantida no parágrafo único do art. 1.647 a validade das “doações nupciais feitas aos fi-lhos quando casarem ou estabelecerem economia separada” , que só poderão ser de bens móveis,dada a restrição do inciso I desse mesmo artigo. Como bem pondera Carvalho Santos, as doaçõesfeitas em tais condições constituem adiantamento de legítima (art. 544), portanto, sujeito ofavorecido a fazer a devida colação (art. 2.002)” .

Considera Carlos Roberto Gonçalves que “ tal proibição aplica-se aos bens móveis, porquedos imóveis já trata o inciso I. É permitida somente a doação remuneratória, qualquer que seja oseu valor, porque representa o pagamento de serviço prestado pelo donatário (médico, dentista,advogado etc.), e cuja cobrança não mais podia ser feita (em razão da prescrição da ação, p. ex.).A obrigação de pagar, embora nesse caso seja apenas moral, existe, e o pagamento pode ser feitosem a anuência do outro cônjuge.”

A exclusão da limitação no inciso IV do art. 1.647 a doações de “pequeno valor” constantedo art. IV do art. 235 do CC/ 1916, poderá levar a comprometimento do patrimônio comum, arbi-trariamente. Diz Silvio Rodrigues que, nesse particular, o novo Código amplia a restrição, poisdeixa de reproduzir a exceção consistente na disposição sobre bens de pequeno valor, mantendoapenas aquela relativa às doações remuneratórias (art. 1.647, IV). No entanto, Maria Helena Dinizafirma que continuam sendo possíveis apenas “doações módicas ou de pequeno valor, por nãoprejudicarem o patrimônio da família e por não integrarem a futura meação.”

Sem sentido a exigência da outorga conjugal para fazer doação de bens “que possam inte-grar futura meação” , como previsto no art. 1.647, IV, última parte.

IV.3) Das ações relativas aos atos dos cônjuges

Explica Maria Helena Diniz “que tanto o marido como a mulher passaram a ter o dever develar pela direção material da família (art. 1.565), e qualquer deles está autorizado a promover aanulação dos atos que o outro praticar (arts. 1.649 e 1.650), abusando ou desviando-se do seupoder de administrar (RT, 414/ 134); podendo, portanto, recorrer à justiça contra a administraçãoruinosa do seu consorte e obter que ele seja privado do seu exercício.” Acrescente-se que pode

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ainda o cônjuge pedir seja suprido o assentimento denegado injustamente pelo outro, bem comopraticar os atos para defesa de sua meação, que seja ameaçada por ato do consorte, sem proveitopara a família.

IV.3.1) Do suprimento do consentimento denegado por um dos cônjuges - art. 1.648

O art. 1.648 manteve a possibilidade do suprimento do consentimento denegado injusta-mente ou no caso de ser impossível a sua concessão. Em todas as hipóteses do art. 1.647 em queé exigida a outorga conjugal para validade do ato, o juiz poderá, a pedido do interessado, suprir aoutorga uxória ou marital negada desmotivada e injustificada, ou caso o cônjuge esteja interdita-do, ou em lugar incerto e não sabido. Nesses casos, só serão obrigados a garantir uma dívida, porexemplo, a parte do cônjuge requerente do suprimento.

Fica ao prudente arbítrio do juiz examinar as situações que caracterizam, ou não, o justomotivo para a denegação. Como lembra Regina Beatriz Tavares da Silva, “o juiz, ao analisar aspeculiaridades de cada caso, decidirá se a recusa é justa ou injusta, ou se há realmente impossi-bilidade de dar o consentimento, já que não há como enumerar as respectivas hipóteses na lei, emface da grande variedade das situações que se apresentam”.

Ao autor do pedido cabe o ônus de comprovar que há conveniência, necessidade ou utili-dade, na prática do ato por ele pretendido, o que torna injusta a recusa do cônjuge em assentirnele, como lecionam José Costa Loures e Taís Guimarães. Prosseguem explicando que “o proces-so há de ser contencioso, ao rito comum, ordinário. Como bem destacado por Carvalho Santos, odeferimento do pedido pelo juiz só se justificará quando desarrazoada e caprichosa a recusa, quan-do vai de encontro aos interesses do casal, não havendo razão plausível para a denegação, provan-do o requerente a necessidade ou conveniência do ato. Não só a recusa do consentimento comotambém a impossibilidade de obtê-lo autorizam o recurso à autoridade do juiz, como no caso deincapacidade ou ausência do cônjuge. No primeiro caso, o autor ou autora deverá comprovar nãosó a incapacidade como a necessidade da realização do negócio jurídico pretendido. Do mesmomodo, no segundo caso, há de comprovar-se o decreto de declaração da ausência como a neces-sidade e conveniência da prática do ato”.

Suprida a anuência, o outro cônjuge pode praticar o ato mas, todavia, Silvio Rodrigues anotaque “o ato não obriga os bens próprios daqueles que discordou” , por disposições que eram conti-das nos arts. 238 e 245, parágrafo único, do CC/ 1916. No entanto, observa que o CC/ 02 deixoude reproduzir essas normas, tratando do assunto em condições similares nos arts. 1.648 e 1.650,e afirma o autor que “certamente o ato praticado com o suprimento da autorização não poderáatingir o patrimônio particular daquele que se recusou à outorga, talvez até para preservar seusbens.”

IV.3.2) Da anulabilidade do ato praticado sem autorização - art. 1.649

A redação dada ao art. 1.649 parece que colocará fim à infindável discussão sobre ser nulaou anulável a prática por um só dos cônjuges, quando, para ele, a lei exige a outorga conjugal.Diferente da tendência que vinha adotando ultimamente o STJ, o art. 1.647 considera todas ashipóteses do art. 1.647, quando praticados os atos por um só dos cônjuges, meramente anuláveis.

A invalidade do ato praticado sem a outorga do outro cônjuge é apenas relativa, da espécie

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da anulabilidade, pela manutenção da possibilidade de aprovação posterior para validar o ato,como previsto no parágrafo único do art. 1.649. Caio Mário da Silva Pereira considera anulável oato sem outorga conjugal, e imputável exclusivamente à meação do que deu o consentimento, sevier a honrá-la; ficam excluídas da meação do outro as obrigações assumidas por um só, que nãohajam sido no interesse comum. Também Maria Helena Diniz considera que “a fiança, ou aval,prestado por um dos cônjuges, sem a outorga do outro, é anulável e acarreta responsabilidadepessoal do faltoso, pois os bens comuns não respondem pelo seu montante, só podendo o cônjugefiador contar com sua meação depois de terminada a sociedade conjugal, devendo, então, respon-der com seus bens particulares.” Também os bens adquiridos ou havidos pelo cônjuge da anulaçãode doação ou transferência pelo outro ao seu concubino, se tornam particulares do autor da anu-latória, que terá a exclusiva administração dos mesmos, como forma de penalizar aquele cônjugeque agiu de má-fé.

No CC/ 1916 era previsto o prazo de dois anos para o marido ou seus herdeiros (arts. 178,§ 7º, VII, e 252), e de quatro anos, para a mulher ou seus herdeiros (art. 178, § 9º, I) requerer aanulação do ato sem a sua outorga. No CC/ 02 o art. 1.649 unificou esse prazo decadencial paraa anulação do ato em “até 2 anos depois de terminada a sociedade conjugal” , para o homem e amulher.

Explica Carlos Roberto Gonçalves que “se trata, na verdade, de mera falta de legitimaçãoe não de incapacidade, pois, obtida a anuência do outro, o cônjuge fica legitimado, e os atos porele praticados revestem-se de legalidade.”

A legitimidade para a anulatória foi atribuída apenas ao “outro cônjuge” no caput do art.1.649, mas deve ser estendida aos “seus herdeiros” por força do art. 1.650.

Apesar de o art. 1.649 ter sido enfático ao dizer que “a falta de autorização, não supridapelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado”, o art. 1.650, dentro datécnica geral adotada em todo o CC/ 02, trata da decretação da “ invalidade dos atos praticadossem outorga”, empregando a expressão genérica, que admite as espécies da nulidade absoluta ourelativa - o que poderá acabar sendo uma porta para tentar caracterizar o ato como nulo, retoman-do a velha polêmica.

Anulada uma venda, por ausência da outorga marital ou uxória, reintegra-se o bem alienadono patrimônio do casal, ressalvando-se, ao terceiro prejudicado pelo fato, o direito de ressarcir-sede seus prejuízos, mediante ação reversiva contra o cônjuge culpado ou seus herdeiros.

O parágrafo único do mencionado artigo determina que a ratificação do ato pelo outro côn-juge revalida o ato praticado sem sua autorização, desde que feita por instrumento público ou par-ticular autenticado. Explica Regina Beatriz Tavares da Silva que “ já que o Código não apresenta oconceito de instrumento particular autenticado, deve-se entender como tal o documento com firmareconhecida em Cartório por Tabelião”.

IV.3.3) Da defesa da meação do cônjuge da responsabilidade pelas dívidas contraídas ou ato ilíci-to praticado pelo outro.

Assinala Leônidas Fillippone Farrula Junior que “a falta de outorga de um dos cônjuges parao ato atacado pode ser alegada por este em defesa, em recurso da sentença e em embargos deterceiro. Não irá prosperar, porém, tal alegação, se ficar demonstrado que o ato praticado sem sua

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autorização o beneficiou, ainda que indiretamente. Nesse raciocínio, citem-se as normas dispostasnos arts. 1.663, § 1, e 1.677, ambos do novo CC.”

O art. 3º da Lei n. 4.121/ 62, e a redação que deu ao art. 262 do CC/ 1916, estabeleceuque, se algum dos cônjuges se tornava devedor de terceiros, sem a anuência do outro, só ameação dele no patrimônio comum e os seus bens próprios respondiam por tal débito. Por forçados arts. 1.666 e 1.644, afirma Silvio Rodrigues que tudo o que estava consagrado a esse respeito,continuará aproveitável.

O cônjuge prejudicado com o ato do outro deve ingressar em juízo através de embargosde terceiro, para garantir a sua meação, porque pelos títulos de dívida de qualquer naturezaresponderão os bens particulares do signatário e os comuns, até o limite da meação (salvo se com-provado que a dívida resultou em benefício para a família ou para o outro cônjuge).

Ensina Zeno Veloso que “o cônjuge que não firmou o documento tem direito de socorrer-sede embargos de terceiro para a defesa da própria meação, nos termos do art. 1.046, § 3º, do CPC.Uma corrente acha que o cônjuge que não se obrigou, que não é devedor, tem garantida a suameação na totalidade, no conjunto dos bens que integram o patrimônio comum, e não na metadeideal de cada um deles. Assim, se a dívida é de valor 20, e há três bens comuns, um de valor 10,outro de valor 20, e um terceiro de 30, o patrimônio comum é de valor 60, e a meação de valor 30.

No caso, a execução poderia incidir sobre a totalidade do bem de valor 20, pois estariapreservada a meação do cônjuge inocente, na totalidade dos bens. Outros defendem que a pe-nhora deve recair na metade ideal de cada bem comum: a meação do cônjuge não devedor deveser considerada e resguardada em cada bem, concretamente, individualizadamente, e não no con-junto do patrimônio.”

Passam a ter a condição de bem particular do embargante aqueles que forem excluídos dapenhora, em execução movida contra o outro, por dívidas contraídas pelo outro cônjuge semproveito para a família. Tais bens, que representam a meação ou parte dela, excluídos da expro-priação compulsória da execução, passam a ser exclusivos do embargante, não se comunicandoao outro e constituindo seu patrimônio separado, que não se confunde com o patrimônio comum,porque o contrário constituiria um benefício para aquele que trouxe prejuízo para a sociedade con-jugal, conforme Antônio Chaves; Sílvio Rodrigues (que se refere, equivocadamente, a que estesbens se tornariam reservados da mulher quando o correto e técnico é considerá-los particulares,pessoais ou individuais dela); Sérgio Gischkow.

Os embargos de terceiro podem ser interpostos para que a meação de um cônjuge não sejaalcançada por obrigação decorrente de ato ilícito do outro. A responsabilidade civil pelos atos ilícitosé pessoal, logo, não pode recair sobre bens comuns do casal, a não ser que se prove que o outro côn-juge tirou proveito com o produto do ato ilícito. Por isso, só aquele que praticou o ato responde como seu patrimônio pela reparação a que for obrigado, e fica ressalva a meação do outro, que passa aser particular. Ensina Arnaldo Rizzardo que, se do ato ilícito adveio proveito ao outro cônjuge, ou secometido durante o exercício de atividade econômica, a aplicação do direito é outra, ou seja, a in-denização abrangerá os bens comuns na sua cobertura. Para Silvio Rodrigues “a única interpretaçãoadequada é a que entende que os bens do casal respondem pelo ilícito praticado por qualquer doscônjuges, imputando-se a importância da indenização paga na meação deste, por ocasião da parti-lha. Esta solução, além de legal e justa, é a única que se conforma com o maior interesse social, queconsiste em ver restabelecido o equilíbrio, pelo ressarcimento do dano causado.”

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Comunicam-se, entretanto, a responsabilidade pelo ilícito praticado pelo filho comum.

IV.4) Da administração individual - art. 1.651

O CC/ 02 consagrou a co-gestão e a co-administração dos bens comuns, mantendo comopessoal a dos bens particulares. Assim, por força do art. 1.567, parágrafo único, a direção dasociedade conjugal cabe, indistintamente, ao marido e à mulher, decidindo o juiz a respeito, quan-do divergirem.

Como exceção para essa regra geral da co-gestão, correta a previsão do art. 1.651, quepermite, ao outro, “quando um dos cônjuges não puder exercer a administração dos bens que lheincumbe, segundo o regime de bens”: I - gerir os bens comuns e os do consorte; II - alienar os bensmóveis comuns; III - alienar os imóveis comuns e os móveis ou imóveis do consorte, medianteautorização judicial. No CC/ 1916 havia norma similar, que permitia à mulher a administraçãoexclusiva dos bens, quando o marido, então chefe da sociedade conjugal, estivesse impedido deexercer este seu encargo (art. 251 do CC/ 1916).

Explicam José Costa Loures e Taís Guimarães que “gerir ou administrar os bens comuns eos particulares do cônjuge impedido ocasionalmente é resultado inarredável da comunhão plenade vida estabelecida pelo casamento; alienar livremente os bens móveis comuns se inclui no podergenérico de administração de cada cônjuge, estabelecida a presunção juris tantum de que agesempre movido pela necessidade, utilidade ou interesse do grupo familiar. Já as ações tendentesa alienar ou onerar de ônus real bens imóveis comuns, assim como, e principalmente, os móveisou imóveis particulares do consorte, escapando aos poderes normais da administração, exigemprévia autorização judicial” .

Enumera Maria Helena Diniz como casos em que um dos consortes assume a direção dasociedade conjugal, passando a ter a administração do casal, as seguintes:

“1) estiver em lugar remoto ou não sabido, independentemente deinstauração do processo de ausência, previsto no art. 22 do CC (RT,281;385, 390/ 148);

2) recolher-se à prisão por mais de 180 dias, em virtude de sentença con-denatória. Cabe aqui uma observação: cumprida a pena, recupera o côn-juge a posição primitiva, salvo em razão de motivo justo e grave, p. ex.,se foi condenado por lenocínio contra a mulher, caso em que perderá per-manentemente a autoridade marital;

3) for declarado, judicialmente, interdito, por doença mental ou acidente,que o privou episodicamente da consciência, caso em que o outro passaa ter a função de curador do incapaz (art. 1.775), investindo-se, nessaqualidade, na gestão da sociedade doméstica.

Ocorrendo uma dessas hipóteses excepcionais, compete ao outro côn-juge assumir a direção e administração do casal, substituindo, automati-camente, seu marido ou sua mulher, de preferência a um estranho, paraque não haja solução de continuidade no governo da família, semrestrição em sua capacidade, salvo intervenção de curador à lide e dorepresentante do Ministério Público.”

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IV.5) Da responsabilidade do cônjuge que estiver na posse dos bens particulares do outro - art. 1.652

Decorrência lógica do exercício da administração dos bens exclusivos do outro cônjuge, quenão pode fazê-lo por si, é a responsabilidade do que estiver na posse de tais bens, com o que oart. 1.652, acertadamente estabelece que o possuidor será responsável para com o outro e seusherdeiros: I - como usufrutuário, se o rendimento for comum; II - como procurador, se tiver manda-to expresso ou tácito para os administrar; III - como depositário, se não for usufrutuário, nemadministrador.

Apesar de não haver previsão expressa, deverá responder também como administrador emrelação à meação do outro cônjuge, conforme o caso.

Explica Maria Helena Diniz que “na vigência da sociedade conjugal o consorte que estiverna posse dos bens do outro será responsável como depositário, se não for seu usufrutuário, nemadministrador (CC, art. 1.652, III), incumbindo-lhe, com relação a eles, proceder com diligêncianecessária à sua guarda e conservação, restituindo-os ao seu cônjuge quando este o exigir ou aseus herdeiros após o óbito dele, com todos os frutos e acrescidos. É-lhe lícito reembolsar-se dasdespesas de conservação e indenizar-se pelos prejuízos que delas lhe advierem, tendo direito deretenção até reembolsar-se efetivamente.”

V. DO PACTO ANTENUPCIAL

O Capítulo II, do Subtítulo I, é dedicado ao pacto antenupcial, abrangendo os arts. 1.653 a 1.657.

V.1) Da solenidade do pacto antenupcial: escritura pública - parágrafo único do art. 1.640 e 1.653

O parágrafo único do art. 1.640 impõe que o pacto antenupcial seja feito em escritura públi-ca, forma que, se inobservada, torna a convenção nula, nos termos do art. 1.653. Independentedesta expressa disposição, por ser a escritura pública substância do pacto antenupcial, o desa-tendimento à formalidade imposta por lei invalidaria o ato (arts. 108 e 166, IV). ComplementaArnaldo Rizzardo esta disposição, esclarecendo que “não prevalecerá se lançado o regime que onão legal apenas no registro, ou declarado só na habilitação, sem o instrumento da escritura públi-ca: não pode o regime de separação de bens, declarado na habilitação ao casamento, se inexis-tente escritura pública de pacto antenupcial.”

No entanto, observa Débora Gozzo que a lei “não especifica nada quanto ao local para arealização do pacto, quer para a sua validade quer para a sua eficácia. Não determina ele que opacto seja feito no Cartório do domicílio da nubente, do nubente ou ainda, no do lugar da cele-bração das bodas. Vigora, entretanto, o princípio locus regit actum, que tem seu embasamentolegal no art. 7, caput, da LICC, no seu § 1, e, por fim, no seu § 4.”

Como cautela, para a perfeição da época do traslado da sua escritura pública, é importantese ter presente que o pacto antenupcial deve efetivar-se após a abertura do processo de habili-tação (art. 1.640, parágrafo único), portanto, pelos que já detêm a qualificação de nubentes. Dizia-se que a lei não previa época para a celebração do pacto antenupcial, em relação à data da rea-lização do casamento. Agora fica claro que só têm legit imação para o pacto os que foremnubentes, ou seja, aqueles em processo de habilitação para casar. Nesse sentido, Maria HelenaDiniz afirma que “é preciso deixar bem claro que o pacto antenupcial é firmado pelos nubentes,

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que são os interessados no seu regime de bens e considerados aptos a estipulá-lo, desde que te-nham habilitação matrimonial.” Prossegue a autora, para lembrar que, “como se admite em nossodireito, o casamento por procuração poderá ser firmado pelo mandatário, que, obviamente, sesujeitará ao estabelecido pelo mandante, pois, se foi investido de poderes especiais para o casa-mento, sob o regime comunitário, não poderá adotar, mediante pacto, outro diverso.” Em sentidocontrário Zeno Veloso, pois sugere um prazo de um ano para a realização do casamento o que con-traria a validade de noventa dias do certificado de habilitação e, por conseqüência, teria que admi-tir que fosse celebrado o pacto antes de iniciado o procedimento de habilitação.

V.2) Ineficácia do pacto caso não se suceda o casamento - art. 1.653

Por outro lado, o pacto será ineficaz se não lhe seguir o casamento (art. 1.653), devendoser anotada a adequação da linguagem, agora mais técnica do que a anterior (art. 256, parágrafoúnico, incisos I e II). Como o pacto antenupcial constitui o estatuto patrimonial do casamento, paraque tenha eficácia é essencial que esse seja celebrado. No dizer de Silvio Rodrigues, “as con-venções antenupciais constituem negócio condicional, pois sua eficácia fica submetida à ocorrênciade casamento.” Daí observação de Arnaldo Rizzardo de que “naturalmente, caduca a convenção sedecorre uma extensão de tempo tal que é certo que não mais se realizará o casamento, ou se umdos pactuantes casa-se com outra pessoa, ou se desfazem os pretendentes o noivado.”

V.3) Da eficácia do pacto do menor ou incapaz - art. 1.654

O art. 1.654 esclarece que a eficácia do pacto antenupcial, realizado por menor, fica condi-cionada à aprovação de seu representante legal, salvo as hipóteses de regime obrigatório de se-paração de bens. Não há norma equivalente no CC/ 1916. Põe fim à discussão sobre a intervençãodos representantes legais do menor no pacto antenupcial. Na verdade, a intervenção deve ser dosrepresentantes legais do adolescente, já que ambos os genitores, se vivos, terão que intervir e, nadivergência, será necessário suprimento judicial do consentimento do dissidente. Era dispensávela última parte, à medida que o regime da separação legal não exige pacto antenupcial. E se fize-rem opção pelo regime da separação convencional, a forma de tratamento será diferente pois,nesta hipótese, não há incidência da súmula 377 do STF.

A exigência de que seja transcrito integralmente, na escritura antenupcial, o instrumento daautorização para casar, estabelecida no art. 1.537 (que apenas repete o art. 196 do CC/ 1916),não faz muito sentido frente ao disposto no art. 1.654, que exige, para eficácia do pacto antenup-cial realizado por menor, a aprovação de seu representante legal, regra que não era prevista nosistema anterior. Comentam José Costa Loures e Taís Guimarães que “o legislador de agoraignorou por completo a crítica unânime dos comentadores do dispositivo. Clovis Beviláqua assimsintetizou o seu desconforto com a norma: ‘ainda que se lhe aceite o pensamento, aliás pouco jus-tificável, ou mesmo nada justificável, está deslocado. Não se trata, nesta seção, de escrituraantenupcial, e, sim, de celebração do casamento. E é desnecessário intercalar, na escrituraantenupcial, por extenso, o instrumento de autorização dos pais, tutores ou curadores. Bastariama assistência e a assinatura dessas pessoas para obter-se o mesmo fim, que é a certeza de queelas concordam no casamento. Além disso, é para a celebração do casamento que tem importân-cia decisiva a autorização dos pais, tutores e curadores, não para a escritura antenupcial, que estásubordinada à validade do casamento’.” Testemunha Alexandre Guedes Alcoforado Assunção que

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“Eduardo Espínola, Maria Helena Diniz e Carvalho Santos têm o entendimento de que o instrumen-to de autorização deverá ser transcrito no assento do casamento, e não na escritura antenupcial.”

V.4) Das cláusulas ou convenções nulas - art. 1.655

A norma do art. 1.655 é mais genérica do que a do art. 257, I e II do CC/ 1916 mas acabatendo a mesma conseqüência, de tal forma que será “nula a convenção ou cláusula dela que con-travenha disposição absoluta de lei”. A nulidade de determinada cláusula não contamina toda a con-venção, aproveitando-se as demais disposições do pacto. Como só no regime de participação finalnos aqüestos pode haver convenção no pacto antenupcial autorizando a alienação de bens imóveisparticulares, sem a necessidade de outorga conjugal (art. 1.656), pode-se deduzir que permaneceproibida cláusula autorizativa, em outros regimes, da venda de imóveis sem o consentimento deambos os cônjuges. Observa Silvio Rodrigues que “se no pacto antenupcial se convenciona que omarido, no regime da comunhão universal ou parcial, poderá vender bens imóveis de seu domínio,sem intervenção da mulher, tal cláusula é nula, não só por atentar contra direito do cônjuge, comopor colidir com a proibição de venda, pelo esposo, de bens imóveis sem a outorga uxória.”

Discute-se sobre o conteúdo do pacto antenupcial. Para Maria Helena Diniz “o pactoantenupcial deve conter tão-somente estipulações atinentes às relações econômicas dos côn-juges. [...] O pacto antenupcial é negócio dispositivo que só pode ter conteúdo patrimonial, nãoadmitindo estipulações alusivas às relações pessoais dos consortes, nem mesmo as de caráterpecuniário que não digam respeito ao regime de bens ou que contravenham preceito legal.”Enquanto Débora Gozzo defende a possibilidade de cláusulas imateriais: “o objeto pode ser umbem material ou imaterial sobre o qual incidem os poderes e deveres que compõem a esfera jurídi-ca do agente. [...] Não é somente quanto aos bens que se vai clausular. Outras matérias existem,afora esta, que podem ter guarida neste negócio. Isto, diferentemente do contrato, que abarcaprecipuamente objeto de natureza patrimonial.”

V.5) Da averbação do pacto no registro de imóveis - art. 1.657

O art. 1.657 mantém a exigência de que, para o pacto antenupcial produzir efeito peranteterceiros, seja sua convenção registrada (antes o art. 261 falava em “transcrição”) pelo oficial doRegistro de Imóveis do domicílio dos cônjuges. Há divergência entre o art. 167, inc. I, n. 12, da Lei6.015/ 73, que fala em “registro” do pacto, enquanto o inc. II, n. 1, do mesmo diploma legal, tratapor “averbação”. Leciona Maria Helena Diniz que “ tais pactos, para valerem contra terceiros, de-verão ser assentados, após o casamento, em livro especial no Registro de Imóveis do domicílio doscônjuges, pois somente assim terão publicidade e serão conhecidos de terceiros (CC, art. 1.657;Lei n. 6.015/ 73, art. 167, I, n. 12, e II, n. 1). Pelo art. 979 do CC, além do assento no RegistroCivil, será arquivado e averbado, no Registro Público de Empresas mercantis, o pacto antenupcialdo nubente que for empresário. Entretanto, a falta desse assento não torna nulo o ato, que sub-siste nas relações entre os cônjuges e herdeiros, embora não tenha validade erga omnes (RT,475:208). Ou seja, o pacto não é inválido, somente não se opõe a terceiros, pois só opera ergaomnes a partir do referido registro.” Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves “sem o registro,o regime escolhido só vale entre os nubentes (regime interno). Perante terceiros, é como se nãoexistisse o pacto, vigorando então o regime da comunhão parcial (regime externo).”

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O art. 1.536, em seu inciso VII, diz que o assento do casamento será lavrado no livro de re-gistro e que nele será exarado “o regime do casamento, com a declaração da data e do cartórioem cujas notas foi lavrada a escritura antenupcial, quando o regime não for o da comunhão par-cial, ou o obrigatoriamente estabelecido.” Conseqüentemente, apesar de não haver determinaçãoexpressa, o pacto antenupcial deverá ser levado para o oficial do registro civil, antes da celebraçãodo casamento, para que ele possa fazer a referida anotação no assento que ele irá lavrar. Esta ano-tação não é essencial para validade e eficácia do pacto antenupcial. Sua importância está ligadamais a terceiros, como publicização da existência daquele pacto, do que propriamente aos côn-juges. De qualquer forma, insista-se que a redação desse dispositivo também é equivocada àmedida que parece impedir que a opção pelo regime da comunhão parcial com algumas regras per-sonalizadas, exclua ou elimine a possibilidade e a necessidade do pacto antenupcial.

O pacto antenupcial vive a sorte do casamento: anulado este, invalida-se aquele; separadosos cônjuges, resolve-se. Enquanto subsistir o matrimônio, é irrevogável e irretratável, salvodecisão judicial em contrário, a pedido de ambos os cônjuges. A invalidade do pacto não afeta avalidade do casamento. Quando o pacto for apenas anulável, por conter defeito leve, poderá serratificado, retrotraindo a confirmação à data do casamento. Quando o defeito for de tal gravidade,que o pacto seja invalidado por conter nulidade, por ser essa absoluta, jamais será revalidado, ecomo regime de bens prevalecerá o da Lei.

VI. DO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL

O Capítulo III trata especificamente do regime de comunhão parcial de bens, dedicando-lheos arts. 1.658 a 1.666.

Ensina Clóvis Beviláqua que “a comunhão parcial ou dos adquiridos é, portanto, o regimematrimonial no qual a comunhão se limita aos bens adquiridos a título oneroso ou eventual, naconstância do casamento, permanecendo no patrimônio de cada cônjuge os trazidos para asociedade conjugal e os adquiridos a título lucrativo.”

Caracteriza-se o regime da comunhão parcial de bens pela existência de três patrimôniosdistintos, como explica Regina Beatriz Tavares da Silva: “o primeiro é o patrimônio comum forma-do pelos bens adquiridos na constância do casamento; o segundo e o terceiro referem-se, respec-tivamente, ao patrimônio pessoal do marido e ao da mulher. Via de regra, são os bens que cadaum já possuía antes do casamento e os recebidos, na constância do casamento, por doação ousucessão. O artigo seguinte indicará todas as hipóteses de incomunicabilidade”. Completa OrlandoGomes que “o patrimônio comum não é um condomínio, pois nenhum dos cônjuges pode dispor desua parte nem exigir a divisão dos bens comuns, salvo quando se dissolver também a sociedadeconjugal. Os cônjuges não são proprietários de coisas individualizadas, mas do conjunto de bens.”

Explica Rolf Madaleno, citando, Arnaldo Rizzardo que “atribui ao atual caráter contratual docasamento a razão de ser preservado o patrimônio de cada cônjuge, existente antes de casar-se,comunicando-se apenas os bens amealhados no curso das núpcias e por conseqüência do esforçocomum dos cônjuges, consoante os arranjos que procederam na divisão de suas tarefas matrimo-niais. É como acrescentam José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz,citados por Arnaldo Rizzardo: o regime da comunhão parcial ou de adquiridos respeita melhor aidéia de que o casamento é uma estreita comunhão de vida e, portanto, os cônjuges devem ter os

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mesmos direitos sobre os bens adquiridos na constância do matrimônio, como resultado do tra-balho e do esforço comum.” Dividem os cônjuges o produto econômico de sua sociedade nupcial,sem misturar riquezas oriundas de suas famílias de origem e que não tiveram o menor concursodo consorte na construção dos aprestos.”

O art. 1.658 traça como regra geral a de que, no regime de comunhão parcial, “comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções seguintes”,especificando o art. 1.659 os bens que estariam excluídos da comunhão, enquanto o art. 1.660enumera os que seriam comunicáveis. Não foi repetida a possibilidade de exclusão dos rendimen-tos dos bens de filhos anteriores ao casamento, que era absolutamente desnecessária. O art.1.661 deveria ser um inciso do art. 1.659, para que ali se esgotassem os bens incomunicáveis, damesma forma que o art. 1.662 deveria ser um inciso do art. 1.660, para que ficassem unificadosos bens comuns.

Lembra Maria Helena Diniz que “nosso diploma legal refere-se somente às doaçõesantenupciais, mas também são lícitas as doações entre consortes, na constância do matrimônio,salvo se o regime de bens foi o de separação obrigatória; se for de comunhão universal, por cons-tituírem um único patrimônio os bens do marido e da mulher; e se prejudicar a legít ima do herdeironecessário. Nula será a doação entre cônjuges que se encontrem sob o regime de separação debens obrigatório, embora essa nulidade não alcance a aquisição dos bens com o dinheiro doado,determinando-se apenas a reposição desse valor (RF, 112:460). E se um dos consortes fizer aooutro doação ilegal e depois confirmá-la por testamento, ter-se-á um legado, a descontar-se nameação disponível do testador (RT; 174:679).”

A essas normas específicas do regime de bens, deve-se acrescer que o art. 977 é expressoem que cônjuges casados sob o regime de comunhão parcial de bens, separação convencional ouparticipação final nos aqüestos, podem contratar sociedade entre si. O art. 977 dispõe que “ fa-culta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não se tenhamcasado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória” . O Projeto deLei 6.960, do Dep. Ricardo Fiúza, propõe que seja retirada a restrição relativa ao regime de bens,com o que o art. 977 passaria a ter a seguinte redação: “ faculta-se aos cônjuges contratarsociedade, entre si ou com terceiros.”

O novo CC passa a ser expresso, ainda quanto à permissão da compra e venda entre côn-juges, conforme norma contida no art. 499, desde que tal negócio se refira aos “bens excluídos dacomunhão”.

VI.1) Dos bens que não se comunicam - arts. 1.659 e 1.661

Os bens enumerados nos art. 1.659 e 1.661, que são os definidos como “excluídos dacomunhão”, constituem o patrimônio pessoal, próprio, exclusivo, particular ou individual de cadaum dos cônjuges, por isso incomunicável ao outro. Estes bens se distinguem dos comuns queentão pertencerão ao casal, em uma sociedade sui generis, criando uma universitas em que ambossão titulares da metade ideal destes bens da sociedade conjugal.

Como o regime da comunhão parcial de bens passou a ser tratado como o legal, ou seja, aregra geral, não foi reproduzido o art. 269, IV, do CC/ 1916 que generalizada estarem excluídos dacomunhão relativa os bens que não se comunicassem na universal. Por isso que o art. 1.659, ao

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enumerar os bens excluídos da comunhão parcial, amplia o rol anteriormente previsto nos arts. 269e 270 do CC/ 1916, excluindo incisos que se tornaram ultrapassados com o fim do regime dotal(art. 263, IV e V); não reproduziu o inciso X, também do art. 263, que falava da “ fiança prestadasem a autorização do cônjuge” , o que seria desnecessário porque a matéria é tratada nas dis-posições gerais; e, da mesma forma, não reproduziu o inciso XII porque, diante da isonomia dedireitos dos homens e das mulheres, caiu o bem reservado para qualquer deles.

Da relação dos bens excluídos da comunhão parcial constante dos incisos do art. 1.659,constituem novidade apenas os incisos IV e VI.

VI.1.1) Dos bens que cada cônjuge possuir ao casar e os que lhe sobrevierem, na constância docasamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar - art. 1.659, I

Não se comunicam os bens que cada um possuía ao casar-se e os que lhe advierem pordoação ou sucessão e os sub-rogados em lugar deles. Esta parte final que faz referência “e os sub-rogados em seu lugar”, foi inovação desnecessária porque abordada no inciso II deste art. 1.659, quemenciona a incomunicabilidade do bem que advier da substituição genérica dos bens particulares.

Quanto aos bens que cada um possuía ao se casar, para excluir da comunhão, restará a dis-cussão sobre a prova dos mesmos. Nesse inciso I a referência é aos bens de natureza imóvel,porque dos bens móveis cuida o art. 1.662. Como a prova da propriedade imóvel se faz pela trans-crição no registro imobiliário, continuará a polêmica sobre o bem imóvel adquirido e quitado por umsó dos cônjuges, antes do casamento, mas que só foi transcrito no registro após o casamento (art.1.660, I). Neste sentido, acertada a observação de Jorge Franklin Alves Felipe e Geraldo MagelaAlves no sentido de que “uma questão interessante é solucionada no art. 1.661 (art. 272CC/ 1916): são incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casa-mento. Assim, se um lote foi adquirido antes do casamento não se comunica, ainda que legaliza-do posteriormente ao casamento.”

Para Levenhagem e Carvalho Santos: se a pessoa prometeu comprar por escritura deter-minada propriedade, vindo a contrair casamento, quando vem a receber a escritura definitiva, talbem se comunica, pois embora a causa da compra seja anterior às núpcias, o título aquisit ivo (art.530 CC/ 1916) foi obtido já na constância do casamento. Zeno Veloso os critica dizendo que estãomuito presos ao sentido técnico jurídico do título de aquisição. No Código a expressão está empre-gada como negócio que deu origem à aquisição, ato jurídico (lato sensu), que produz a aquisiçãodo bem. O momento da aquisição, o fator temporal é que sobreleva para o deslinde da questão.Basta que o título seja apto, idôneo, hábil para servir de base ou de fundamento para a futuratransmissão da propriedade, e a promessa de compra e venda - que gera uma obrigação de fazer- é suficiente para tal. Aliás, tanto quanto seria a própria escritura de compra e venda, produzin-do uma obrigação de dar, com eficácia, portanto, meramente obrigacional. O compromisso de com-pra e venda, desde que irretratável e registrado no Registro de Imóveis, atribui direito real aopromitente comprador, podendo este requerer judicialmente a adjudicação compulsória conformetem decidido o STJ.

Consideram também incomunicável o bem adquirido antes do casamento, independente-mente do registro, José Costa Loures e Taís Guimarães explicando que, “ainda que a aquisição dobem se concretize na constância do casamento, não se integra ele no patrimônio comum do casal,se ela se deu por título anterior. Isto é, posto sejam tais aquisições a título oneroso, seguem elas

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no patrimônio particular do cônjuge adquirente. Como anota a argúcia do conspícuo ClóvisBeviláqua, tais aquisições se subordinam a uma condição suspensiva, só realizada na constância docasamento. Tal o caso, por exemplo, do direito do promitente comprador, constituído antes do casa-mento, e só obtida por ele a transferência da propriedade já na constância de seu casamento”.

Correta é a posição de Zeno Veloso pois fiel ao espírito da comunhão parcial onde ospróprios partícipes sabem que só serão sócios daquele patrimônio que formarem juntos, atéporque, aqui se poderia invocar o fundamento de que são incomunicáveis os bens cuja aquisiçãotiver por título uma causa anterior ao casamento (art. 1.661). Não sendo razoável que só o fatoda posterior formalização do domínio, por si, torne o bem, adquirido e quitado por apenas um doscônjuges, comum ao casal. Aliás, basta lembrar que o inciso I do art. 1.659 exclui da comunhãoaqueles bens que cada um apenas “possuir” antes de casar, o que significa que não é necessáriaa prova da propriedade.

Não se comunicam também os bens originários de doação, legado ou herança, recebidosantes ou durante o casamento. Explica Maria Helena Diniz que “se o nubente é herdeiro ne-cessário, mas seu pai está vivo por ocasião do casamento, tem, obviamente, expectativa dedireito, uma vez que só terá direito à legítima por morte do ascendente; como se trata de causade ganho anterior às núpcias, seu consorte não adquirirá os bens herdados (RT, 271: 399).”

A exclusão relativa aos bens originários de doação, herança ou legado, diz respeito apenasao principal, porque os frutos que forem bens percebidos na constância do casamento se comuni-cam (art. 1.660, V), salvo a imposição de cláusula de incomunicabilidade que seja expressa em quetambém estes frutos e rendimentos permaneçam exclusivos e pessoais do beneficiário. Sobre esteinciso, Silvio Rodrigues observa que, quanto aos bens da herança necessária a que se impuser acláusula de incomunicabilidade, até então com previsão específica (art. 263, XI CC/ 1916), suaexclusão vem mantida pela maior abrangência do inciso I do art. 1.668, que fala em bens herda-dos com cláusula de incomunicabilidade, e não mais apenas bens legados, como na previsão ante-rior (art. 263, II, CC/ 1916).” E acrescenta que “merecem lembrança as restrições para se gravara legítima (art. 1.848, CC/ 02), bem como a extensão da cláusula de inalienabilidade, tambémimplicando a incomunicabilidade e a impenhorabilidade (art. 1.911, CC/ 02).”

Sobre a cláusula de incomunicabilidade, lembra Virgilio Panagiotis Stavrids que “ tanto aincomunicabilidade como a impenhorabilidade decorrem da inalienabilidade, que somente pode serinstituída em relação aos bens adquiridos por intermédio de ato de doação, herança ou legado (art.1.911). A redação do art. 1.911 decorre da dúvida que surgiu quanto aos limites da cláusula dainalienabilidade, que levou o STF a editar o Enunciado de Súmula de n 49, com a seguinte redação:‘a cláusula da inalienabilidade incluiu a incomunicabilidade dos bens’.”

Na interpretação dos bens excluídos da comunhão, sob a égide do CC/ 1916, havia tendên-cia de considerá-la numerus clausus, só podendo abranger os bens expressamente previstos comotal. A adoção do regime da comunhão parcial de bens como o legal, comum ou supletivo, modifi-cou a mentalidade do legislador a ponto de não reproduzir a norma que previa a presunção decomunhão no silêncio do contrato. Assim, a comunhão deve ser interpretada hoje com uma men-talidade mais restrita para alcançar aqueles bens, produto da sociedade conjugal. Mesmo navigência do CC/ 1916 já se entendia que o usufruto não entrava na comunhão universal, apesar dosilêncio do art. 263 do CC/ 1916, e com mais razão na parcial, segundo Washington de BarrosMonteiro, fundamentado no art. 717 do CC/ 1916, repetido no art. 1.393 do CC/ 02. Ao que acres-

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centava Carlos Roberto Gonçalves que, “pelo seu caráter pessoal, não se comunicam o usufruto,o uso e o direito de habitação. Embora omissa a lei, não se comunicam também os bens doadoscom a cláusula de reversão (art. 1.174, CC/ 1916), ou seja, com a condição de, morto o donatárioantes do doador, o bem doado voltar ao patrimônio deste, não se comunicando ao cônjuge do fale-cido”. Conforme citação de Zeno Veloso, também José Lamartine Corrêa de Oliveira e FranciscoJosé Ferreira Muniz opinavam no sentido de que, pelo seu caráter pessoal, o usufruto, o uso e ahabitação não se comunicam. Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varelaalertam que o usufruto, como tal, é incomunicável, mas já os rendimentos do usufruto pertencemao patrimônio comum, e que, além dos direitos reais expressamente referidos na lei, devem aindaconsiderar-se incomunicáveis todos os direitos de crédito constituídos intuitu personae, a favor deum dos cônjuges, como o direito moral do autor, por exemplo.

VI.1.2) Dos bens sub-rogados de particulares - art. 1.659, II

Constituem patrimônio particular e, portanto, incomunicável ao outro, os bens adquiridoscom valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em sub-rogação dos bens particu-lares, por tais entendidos os referidos no inciso I do art. 1.659. Não se pode considerar que o pro-duto da venda da máquina de costura da costureira, que deixou de exercer esta atividade, sejaincomunicável ao marido, ou que o produto da venda da biblioteca formada pelos livros pessoaisdo marido passe a constituir patrimônio exclusivo seu.

Ensina Zeno Veloso “ tratar-se de sub-rogação real: uma coisa é substituída pela outra.Mesmo adquirido a título oneroso (quando, pela regra geral, entraria na comunhão), se o novo bemocupa o lugar de outro, que era próprio do adquirente, não se dá a comunicação. É o caso, porexemplo, da mulher que já possuía um terreno ao se casar, e, posteriormente, aliena o imóvel com-prando com o produto da venda um apartamento. Este apartamento, que fica no lugar do terreno,vai integrar a massa dos bens próprios da mulher. Também é bem próprio o dinheiro procedente davenda de um bem particular. A sub-rogação real compreende a sub-rogação direta e a indireta. Pelaprimeira, a saída de um bem e a entrada de outro no patrimônio de um dos cônjuges ocorrem nomesmo negócio jurídico, utilizando-se único instrumento, e a troca ou permuta é exemplo expressi-vo deste caso. A sub-rogação indireta verifica-se quando o bem adquirido através de um negóciojurídico deu-se com o produto da alienação de um bem próprio, por outro negócio jurídico.”

A questão da sub-rogação parece simples quando explica Maria Helena Diniz que “se osbens possuídos por ocasião do ato nupcial não se comunicam, é óbvio que também não devemcomunicar-se os adquiridos com o produto da venda dos primeiros. Se o nubente, ao convolar núp-cias, tinha um terreno, vendendo-o posteriormente, e adquirindo uma casa com o produto dessavenda, o imóvel comprado continua a lhe pertencer com exclusividade. Tem-se uma sub-rogaçãoreal.” No entanto, as dificuldades surgem quando a sub-rogação real não é direta, pela difícil com-provação que pode gerar: o nubente tinha um terreno, vende na constância do casamento, aplicao dinheiro na bolsa, e dois anos depois, compra uma casa. Toda a casa será considerada sub-rogação, incluindo o que se ganhou com os rendimentos do dinheiro aplicado na bolsa?

Outra situação mais complexa surge quando o terreno que se tinha antes é vendido na cons-tância do casamento por 100 e é comprada uma casa por 200. José Costa Loures e TaísGuimarães ponderam com Clovis Beviláqua que a hipótese do inciso II do art. 1.598, “quando afir-ma que para que a subrogação possa produzir o efeito querido é mister que a aquisição se faça

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com valores próprios ou exclusivos de um dos cônjuges, pois a sua concorrência com valores dacomunhão ou do outro cônjuge, estabelece ipso facto um condomínio.” Para Alexandre GuedesAlcoforado Assunção, “a sub-rogação induz a incomunicabilidade quando o novo bem for adquiri-do por recursos exclusivamente pertencentes ao dono do bem substituído. Se, entretanto, paraaquisição do bem, forem utilizados recursos da comunhão, ou do outro cônjuge, o bem pertenceráa ambos, em condomínio.” Melhor considerar que só a parte do bem quitada com recursos comunsou não ori-ginários da sub-rogação é que será da sociedade conjugal. Ou seja, a parte do bemadquirida com o produto da sub-rogação, por disposição do inciso II, art. 1.659, deverá ser con-siderada particular; e a parte do bem comprada com recursos comuns, que deverá pertencer aocasal, e não o imóvel todo ser considerado dos dois. No exemplo, o terreno particular do maridovendido por 100 na constância do casamento e usado para aquisição da casa de 200, 50% da casaserá pessoal dele, incomunicável à mulher e, os outros 50% passam a ser do casal.

VI.1.3) Das obrigações anteriores ao casamento - art. 1.659, III

As dívidas adquiridas antes do casamento, por qualquer dos cônjuges, não se comunicam,por força do art. 1.659, III. É conseqüência lógica da incomunicabilidade do ativo que cada um tiverantes do casamento. A responsabilidade pelas obrigações anteriores ao casamento, por ser pes-soal daquele que as contraiu, deverá responder com seus bens particulares ou com sua meaçãonos comuns.

Considera Alexandre Guedes Alcoforado Assunção que, “pelas obrigações anteriores aocasamento, responde, exclusivamente, o cônjuge que as contraiu, salvo se o outro tiver lucradocom elas. ‘Neste último caso, a sua responsabilidade é proporcional à vantagem obtida’ (cf. ClóvisBeviláqua).” Esta posição pode ser explicada pelo inciso III, já que pelas obrigações ilícitas sóresponde o cônjuge infrator, salvo “reversão em proveito do casal” .

Explica Virgilio Panagiotis Stavrids a diferença entre a responsabilidade pelas dívidas nosregimes da comunhão parcial e universal: “o inciso III repete integralmente a redação anterior,mantendo o tratamento diferenciado quanto ao regime da comunhão universal. Dispõe o artigo1.668, III, que, no caso de estas mesmas obrigações, anteriores ao casamento, advirem de despe-sas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum, deverão comunicar-se, ficando assimo patrimônio comum do casal responsável por sua liquidação. Desta forma, no regime dacomunhão parcial, mesmo que as obrigações anteriores tenham advindo de despesas comaprestos do casamento, ou tenham gerado proveito comum, deverão ser suportadas pelopatrimônio particular do devedor ou por sua metade, ideal e variável no tempo, do patrimôniocomum.”

VI.1.4) Das obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal - art.1.659, IV

Pelo inciso IV do art. 1.659 foi mantida a exclusão das “obrigações provenientes de atos ilí-citos” mas foi acrescentada importante ressalva: “salvo reversão em proveito do casal” . As obri-gações decorrentes dos atos ilícitos, que estão definidos nos arts. 927 e segs., não se comunicam,porque a responsabilidade é pessoal do infrator. No caso do ato ilícito trazer proveito para o casal,a responsabilidade pela reparação será solidária dos cônjuges.

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Quando um dos cônjuges praticar ato ilícito, para Virgilio Panagiotis Stavrids seja “anteri-or ou posterior ao casamento, as obrigações que advierem de tal ato não deverão comunicar-se,restando ao cônjuge que o praticou responder com seus bens particulares e com a metade idealdo patrimônio comum. Na hipótese de sofrer a constrição de um bem, poderá o cônjuge que nãopraticou o ato ilícito eximir-se da responsabilidade, evitando assim que sua metade ideal e seusbens particulares respondam pelo ato, salvo, obviamente, conforme ressalvado na parte final dodispositivo, no caso de o ato ilícito haver trazido algum proveito ao casal.”

Esta alteração tem grande significado pois que terá reflexo, por exemplo, na responsabili-dade civil em casos de “crimes do colarinho branco” em que o cônjuge conseguia excluir a suameação nas execuções para devolução de numerários de origem ilícita. Maria Helena Diniz ensinaque o cônjuge faltoso será o responsável pelo ato eivado de ilicitude que praticar; mas se se com-provar que ambos tiraram proveito, lícito será responsabilizar um e outro pelas obrigações oriun-das de ato ilícito, devendo o quantum indenizatório recair sobre bens comuns do casal. E emendaSilvio Rodrigues que “um problema de alta relevância que o dispositivo suscita é o de saber se afraude fiscal, cometida pelo marido, constitui ato ilícito, na acepção do disposit ivo em análise. Ouseja, pode a mulher embargar a penhora recainte sobre os bens do casal, em execução promovi-da pela Fazenda Pública, contra seu marido, por fraude fiscal por ele praticada? A resposta posi-tiva parece evidente no que concerne à multa e a outros encargos, pois estes são cobrados comopunição pelo ato ilícito do marido. Igual reflexão não é cabível no que concerne ao imposto propri-amente dito.”

VI.1.5) Dos bens de uso pessoal, dos livros e dos instrumentos de profissão - art. 1.659, V

O inciso IX do art. 263 do CC/ 1916 falava na incomunicabilidade no regime da comunhãouniversal das “ roupas de uso pessoal, as jóias esponsalícias dadas antes do casamento peloesposo, os livros e instrumentos de profissão e os retratos da família” , redação alterada pelo incisoV do art. 1.659 do CC/ 02, que diz que não se comunicam apenas “os bens de uso pessoal, oslivros e instrumentos de profissão”. No novo CC/ 02 foram excluídas de forma especificada “asroupas, as jóias esponsalícias e os retratos da família” porque, por óbvio, estão dentre os “bensde uso pessoal” , agora tratados de forma genérica.

Segundo Washington de Barros Monteiro “os objetos, roupas, livros, retratos e instrumen-tos do trabalho têm cunho acentuadamente pessoal e não deseja a Lei se dispersem com a even-tual partilha. Entretanto, com relação aos livros, devem eles entrar para a comunhão, se em grandenúmero, de molde a constituir parcela apreciável do ativo, assim como se o cônjuge os tem paranegócio.” Também especifica Maria Helena Diniz que “devido ao seu cunho nitidamente pessoal(RT, 94:437, 328:72), não há como comunicar bens de uso pessoal, como roupas, sapatos, etc.Quanto aos livros, convém lembrar que, se forem destinados a negócios ou se constituírem, porsua grande quantidade, parcela apreciável do ativo, deverão ser comunicáveis. Excluídos estão dacomunhão os instrumentos profissionais de cada consorte, pois deles dependerá sua sobrevivên-cia.” Reitera ainda Carlos Roberto Gonçalves que “os livros e os instrumentos da profissão, entre-tanto, só não entram para a comunhão se indispensáveis ao exercício da atividade própria do côn-juge e não integrarem um fundo de comércio, ou o patrimônio de uma sociedade da qual participeo consorte.” De forma diferenciada, Custódio da Piedade U. Miranda considera que “se a impe-nhorabilidade dos bens resulta da necessidade atual de se exercer a profissão mediante a utiliza-

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ção desses bens, se estes têm uma função instrumental em relação a tal exercício, deixam essesbens de ser impenhoráveis no momento em que deixam de ter essa função instrumental, quandojá não mais são necessários ao exercício da profissão, quando por ex. o indivíduo se aposenta, oucom muito mais razão, quando morre. Assim, estamos em crer que o que decide sobre a comuni-cabilidade ou não dos livros não é o seu grande número, mas o fato de serem ou não necessáriosou úteis ao exercício da profissão, que é afinal de contas o meio de sobrevivência do indivíduo.”

Vale a pena colacionar observação de Arnaldo Rizzardo sobre o tema: “os livros e instru-mentos de profissão entram nessa ordem de incomunicabilidade desde que deles dependa o exer-cício da atividade própria do cônjuge e não integrem um fundo de comércio, ou o patrimônio deuma instituição industrial ou financeira, da qual participa o consorte, ou não tenham sido adquiri-dos a título oneroso com dinheiro comum, segundo o art. 1.404, alínea 2, do Código Civil francês.Neste item deve-se incluir toda a série de bens de interesse particular. Incluem-se neste rol osaparelhos profissionais e os instrumentos de manifestação artística, como máquinas de escrevere computação, pincéis, telas de desenho e pintura, materiais de gesso e pedras para escultura,gaitas, pianos, flautas, jóias, adereços, materiais de pesquisa, e toda série de bens que servempara satisfazer ou realizar as manifestações pessoais do cônjuge. Isto porque os princípios dacomunhão não podem despersonalizar o ser humano, ou descaracterizar as individualidades.”

VI.1.6) Dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge -art. 1.659, VI.

O inciso VI do art. 1.659, contrariamente ao CC de 16, prevê a incomunicabilidade dos “proven-tos do trabalho pessoal de cada cônjuge.” Correta a redação que não fala em exclusão dos “frutoscivis do trabalho e da indústria de cada cônjuge” pois, desta forma, a incomunicabilidade alcança ape-nas os frutos do trabalho, entrando na comunhão os frutos gerados pelos bens (art. 1.660, V).

O inciso VI do art. 1.659 põe fim à polêmica discussão sobre o conflito que havia no regimede comunhão parcial em razão do disposto no art. 269, IV, e art. 263, XIII (levavam à conclusão daincomunicabilidade dos frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge, ou de ambos), emconfronto com o art. 271, VI (que expressamente determinava a comunhão daqueles frutos).

Crítica Rolf Madaleno que “antes declarasse comunicáveis os frutos civis do trabalho ouindústria dos cônjuges tanto no regime da comunhão limitada como no da comunicação universal,por se tratar de créditos, sobras ou economias oriundas do labor de cada cônjuge. Injusto que ocônjuge que trabalha por contraprestação pecuniária, mas que não converteu as suas economiasem patrimônio nupcial, seja privilegiado pela declaração oficial de essas reservas serem conside-radas crédito pessoal e incomunicável. Desestimula a economia doméstica de valores inegavel-mente amealhados no deambular das núpcias, geralmente, pelo esforço conjunto e pela divisão dastarefas, ou pela redistribuição das obrigações pecuniárias da família. Assim, desproporcionalmente,um dos cônjuges é obrigado a satisfazer as necessidades da habitação comum, com a educação dosfilhos, ou a conservação dos bens. Em suma, um dos consortes paga mais contas, enquanto o outroapenas trata de acumular suas reservas pessoais, advindas de seu trabalho, que serão havidascomo próprias e injustamente incomunicáveis, embora havidas na constância do casamento.”

Não seria justo que se considerassem “bens reservados” os mencionados no inciso VI doart. 1.659, como sugerido por Jorge Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves que conside-raram que “passa a haver, pois, proventos reservados e a discussão sobre a natureza dos benscom eles adquiridos”.

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Para Maria Helena Diniz, tanto o fruto do trabalho quanto o que for com ele adquirido nãoentram na comunhão: “o produto do trabalho dos consortes e os bens com ele adquiridos não secomunicam.” Mas, adiante, a Autora explica que “pelo art. 1.669 do CC, a incomunicabilidade dosbens arrolados no art. 1.668 não se estende aos frutos, quando se percebem ou se vencemdurante o matrimônio. P. ex., se um dos nubentes, antes de se casar, tinha direito a uma pensão,esse direito não se comunica pelo casamento. Porém, o dinheiro que receber, após as núpcias secomunica, a partir do vencimento da prestação, isto é, recebida a pensão, o valor assim obtidoentra no patrimônio do casal, bem como os bens adquiridos com ela. Faltando estipulação em con-trário, comunicam-se esses frutos auferidos na constância do matrimônio.”

Por sua vez, Silvio Rodrigues opina que “só os proventos, enquanto tais, não se comunicam.No exato instante em que se transformam em patrimônio, por exemplo, pela compra de bens,opera-se, em relação a estes, a comunhão, pela incidência da regra contida nos arts. 1.658 e1.660, I, até porque não acrescenta o inciso em exame, a hipótese ‘e os bens sub-rogados em seulugar’. Entendimento diverso contraria a essência do regime da comunhão parcial, e levaria aoabsurdo de só se comunicarem os bens adquiridos com o produto de bens particulares e comunsou por fato eventual, além dos destinados por doação ou herança ao casal.”

Neste sentido também a opinião de Carlos Roberto Gonçalves para quem “no tocante aoinciso VI, que exclui da comunhão ‘os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge’ deve-seentender que não se comunica somente o direito aos aludidos proventos. Recebida a remuneração,o dinheiro ingressa no patrimônio comum. Em caso de separação judicial, o direito de cada qualcontinuar a receber o seu salário não é partilhado. Se se interpretar que o dinheiro recebido nãose comunica, mas somente o que for com ele adquirido, poderá esse entendimento acarretar umdesequilíbrio no âmbito financeiro das relações conjugais, premiando injustamente o cônjuge quepreferiu conservar em espécie os proventos do seu trabalho, em detrimento do que optou por con-verter as suas economias em patrimônio comum.”

Ainda pode ser citado Alexandre Guedes Alcoforado Assunção para quem o produto dofruto do trabalho é comunicável pois “a previsão da exclusão dos proventos do trabalho pessoalde cada cônjuge, indicada no inciso VI, produz situação que se antagoniza com a própria essênciado regime. Ora, se os rendimentos do trabalho não se comunicam, os bens sub-rogados dessesrendimentos também não se comunicam, conforme o inciso II, e, por conseguinte, praticamentenada se comunica nesse regime, no entendimento de que a grande maioria dos cônjuges vive dosrendimentos do seu trabalho. A comunhão parcial de bens tem em vista comunicar todos os bensadquiridos durante o casamento a título oneroso, sendo que aqueles adquiridos com frutos do tra-balho contêm essa onerosidade aquisitiva.”

Exemplificam Nelson Nery Junior e Rosa Nery sobre propriedade adquirida em condomíniopelo casal, com rendimentos do trabalho pessoal de cada um: “hipótese em que ficou conven-cionada em escritura a proporção com que cada cônjuge concorria para a aquisição do bem: 2/ 3para a mulher, 1/ 3 para o varão. Efetuado o leilão do bem comum, ‘o numerário obtido deve serpartilhado de acordo com a proporção que cada um dos condôminos tem no imóvel (JTJ 162/ 13)’.”

A incomunicabilidade dos “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge” deverá recebera interpretação que os juristas e tribunais lhe vinham atribuindo: só se aplica a incomunicabilidadeenquanto “direito” à percepção dos proventos do trabalho; quando este direito se concretiza empoder do cônjuge, passa a ser comum por força do art. 1.660, V, que prevê que entram na

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comunhão os “ frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na cons-tância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.” Por isso que a aquisição deuma casa na constância do casamento, mesmo que com os proventos do trabalho pessoal de ape-nas um dos cônjuges, torna este bem comum. Na mesma toada, o direito ao FGTS é pessoal, epor isso, se ainda não recebido quando da dissolução do casamento, não se falará em sua parti-lha. Mas se o FGTS foi usado para aquisição de algum bem ou pagamento de parte de um imóvelpor exemplo, há divergência. Uns consideram que seria fruto de bem particular auferido na cons-tância do casamento e por isso comunicável, e outros consideram apenas sub-rogação de bempessoal que continuaria particular.

Por toda polêmica que se apresenta, será bem-vinda a aprovação da proposta apresentadapelo Projeto de Lei 6.960/ 02, do Dep. Ricardo Fiuza, em que se sugere a exclusão deste inciso VIdo art. 1.659, e que representará solução mais coerente.

VI.1.7) Das pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes - art. 1.659, VII

Observa Virgilio Panagiotis Stavrids que “no inciso VI foi repetida a redação anterior,excluindo-se apenas a expressão ‘tenças’. A alteração mostra-se acanhada. Poderiam ter sidosuprimidos ou alterados os termos ‘meios-soldos’ e ‘montepios’, não mais utilizados por nossa le-gislação, já substituídos por aposentadoria por invalidez e pensão por morte, respectivamente.”

Por se destinarem à subsistência do beneficiado, essas verbas têm natureza de direito per-sonalíssimo, o que justifica e fundamenta a sua exclusão do patrimônio comum. Explica MariaHelena Diniz que “ a pensão é o quantum pago, periodicamente, por força de lei, sentença judicial,ato inter vivos ou causa mortis, a uma pessoa, com a finalidade de prover sua subsistência; o meio-soldo é a metade do soldo paga pelo Estado a militar reformado (Dec.-lei n. 9.698/ 46, art. 108);o montepio é a pensão que o Estado paga aos herdeiros de funcionário falecido, em atividade ounão. Assim, se alguém, sendo beneficiário de montepio, vier a casar-se, essa vantagem pecuniárianão se comunicará ao seu cônjuge, por ser uma renda pessoal.”

Por coerência com a interpretação que dá ao inciso V deste art. 1.659, Carlos RobertoGonçalves anota que “o que não se comunica é somente o direito ao percebimento desses bene-fícios. As quantias mensalmente recebidas na constância do casamento, a esse título, porém,entram para o patrimônio do casal e comunicam-se logo que percebidas. Se o casal se separarjudicialmente, o cônjuge com direito ao benefício continuará levantando-o mensalmente, semperder a metade para o outro, porque o direito, sendo incomunicável, não é partilhado.”

VI.1.8) Dos direitos autorais - Lei n. 9.610/ 98

Apesar de não haver menção expressa, por força da Lei n. 9.610/ 98, art. 39, não se comu-nicam os direitos patrimoniais do autor; excetuados os rendimentos resultantes de sua exploração,salvo pacto antenupcial em contrário.

Sobre esta questão, ensina Fernanda Ferrarini G. C. Cecconello que, “ tendo em vista que acriação intelectual é monopólio exclusivo do seu autor, do criador da obra, visto ser um ramo dodireito sui generis, carregado de patrimonialidade e também de um cunho moral, de natureza pes-soal e, às vezes, personalíssima, não se comunica com o cônjuge pelo simples fato de serem casa-dos ou concubinos. Se assim quiser o autor, que seja convencionado em pacto antenupcial. O direi-

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to de autor representa uma relação jurídica de natureza pessoal-patrimonial, sem cair em qualquercontradição lógica, pois resulta da natureza especial da obra da inteligência. Então, apenas o côn-juge-autor é o seu criador. Os rendimentos resultantes da exploração da criação, ou seja, a fruiçãopatrimonial que a obra lhe traz, sim, é comunicável. É devido aos rendimentos, ao proveitoeconômico, resultado do comércio, visto ser profissão lucrativa, não se relacionando com o atocriativo em si, que o cônjuge não-autor pode defender a obra de engenho, cuja aquisição dos direi-tos é pessoal. Mas utilizar patrimonialmente a obra intelectual não compreende o poder de decidira oportunidade, o modo, a forma e qualquer outra modalidade da primeira publicação” .

VI.1.9) Dos bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento - art. 1.661

A este rol acrescenta-se o art. 1.661 que é uma reprodução do art. 272 e que estabeleceque “são incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento”.

Eis alguns exemplos de direitos ou bens que não se comunicam por ter título em causa anterior aocasamento: a) se moça solteira vender a crédito um imóvel de sua propriedade, cujo valor só lheé pago quando casada, sob o regime da comunhão de aqüestos; não se comunica ao marido, poiso recebimento do preço se prende a causa anterior às núpcias; “não se comunica o dinheiro rece-bido após o casamento pela venda anterior de um bem;” b) o mesmo se diga de aquisição a títulooneroso subordinada a condição, quando o contrato é celebrado antes do casamento e a condiçãose verifica depois do matrimônio; c) o mesmo se dá na ação reivindicatória iniciada antes do casa-mento do autor; se julgada procedente, quando este já estiver casado, o imóvel é só dele, “nãointegra a comunhão o bem reivindicado pelo marido quando solteiro, sendo a ação julgada proce-dente quando já casado;” d) na hipótese de domínio útil preexistente, em que venha a se consoli-dar o direito de propriedade quando já casado o enfiteuta; e) bem adquirido pela usucapião fun-dada em posse que teve o seu início antes do casamento; f) indenização por danos sofridos antesdo matrimônio mas recebida posteriormente a este; g) pagamentos de seguros relativos a fatosocorridos antes do casamento; importâncias entregues por desapropriação de bem que o cônjugepossuía antes do casamento.

VI.2) Dos bens que entram na comunhão - arts. 1.660 e 1.662

O art. 1.660 arrola os bens que entram na comunhão parcial de bens sem trazer qualquernovidade, devendo ser acrescido ainda como patrimônio do casal o disposto no art. 1.662.

VI.2.1) Dos bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nomede um dos cônjuges - art. 1.660, I

Todos os bens adquiridos, a título oneroso, na constância do casamento, mesmo que re-gistrados em nome de apenas um dos cônjuges, serão sempre considerados comuns do casal, per-tencendo à sociedade conjugal por eles formada, independente de qualquer prova da ajuda ou par-ticipação do outro para essa aquisição. Admite-se como exceção apenas a prevista no inciso II doart. 1.659, isto é, a aquisição onerosa decorrente de sub-rogação de bem particular, que é consi-derada incomunicável.

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VI.2.2) Dos bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesaanterior - art. 1.660, II

O inciso II apenas repete a redação contida no art. 263, III, do CC/ 1916. Assinala AlexandreGuedes Alcoforado Assunção que “o inciso II trata dos bens adquiridos por fato eventual. Nessecaso, não se leva em consideração se houve concurso de trabalho ou despesa anterior de qualquercônjuge. São exemplos os bens havidos por aluvião (art. 1.250), por descoberta (art. 1.233), ostesouros (art. 1.264), a aposta e a loteria.”

Arrola como exemplos Arnaldo Rizzardo: “os prêmios ganhos em loterias, sorteios, disputase jogos. Mesmo as recompensas concedidas a um dos cônjuges, as descobertas, as retribuiçõespela prática de um favor, os ganhos auferidos em vista de um dom especial ou científico, as cria-ções artísticas, entram na comunhão, a menos que se trate de direitos patrimoniais do autor.”

VI.2.3) Dos bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges - art.1.660, III

O inciso III repete integralmente a redação anterior. Explica Alexandre Guedes AlcoforadoAssunção que “não existe contradição com o art. 1.659, I, em que a doação ou sucessão é emfavor de um dos cônjuges; aqui, o autor da liberalidade, utilizando permissão legal, indica ambosos cônjuges como beneficiados.”

VI.2.4) Das benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge - art. 1.660, IV

Segundo Alexandre Guedes Alcoforado Assunção “as benfeitorias realizadas em bens par-t iculares, na constância do casamento, são presumidamente implementadas com recursos oriun-dos da poupança do casal. ‘São considerados verdadeiros acquestos conjugaes’ (CarvalhoSantos). Por esse motivo integram o patrimônio comum do casal.”

O inciso IV deveria ter incluído as “acessões”, já que plantações e construções, tecnica-mente não são “benfeitorias”, e a intenção do legislador é que estes também, como aquisições efrutos ocorridos na constância do casamento, devam se comunicar.

Para corrigir a redação atual, o Projeto de Lei 6.960, do Dep. Ricardo Fiuza, propõe que oinciso IV deste art. 1.660 passe a ter a seguinte redação: “as benfeitorias e acessões em bens par-t iculares de cada cônjuge.”

VI.2.5) Dos frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constân-cia do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão - art. 1.660, V

O inciso V repete a regra de que “os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cadacônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”passam a ser comuns.

Por “ frutos”, segundo Zeno Veloso, citando e aderindo à lição de Carvalho Santos, “enun-cia que se deve compreender a palavra frutos no sentido amplo, abrangendo as utilidades da coisa,como os produtos das minas, das pedreiras, as colheitas, os cortes anuais de madeiras, osaluguéis das casas, etc. Os frutos e rendimentos de bens comuns se comunicam. E tambémentram na comunhão os rendimentos e frutos de bens próprios, quando se percebam ou vençam

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durante a sociedade conjugal. Por exemplo: se um dos cônjuges tem imóvel particular, que lhe foidoado com a cláusula de incomunicabilidade, e aluga o dito imóvel, os valores dos aluguéis entramna comunhão. A incomunicabilidade do bem não se estende, no caso, aos respectivos frutos.”

Observa Silvio Rodrigues que “deixa o legislador de contemplar a exclusão dos rendimen-tos decorrentes do usufruto sobre os bens de filhos anteriores ao matrimônio recebidos no exer-cício do poder familiar (futura designação do atual exercício do pátrio poder). Entretanto, em nossosentir, a omissão legal não permite, por si só, a comunicação desses rendimentos, na medida emque o usufruto, pela sua natureza, representa um direito personalíssimo e intransferível (intuitupersonae). Como tal, só o pode exercer, recebendo os benefícios daí decorrentes, o respectivo ti-tular.” Ora, basta lembrar que não integram a comunhão os frutos de bens comuns ou particularesdos cônjuges e, aqueles recebidos por herança ou doação pelo filho, não pertencem ao genitor,donde não se trata de renda de bem pessoal do cônjuge, mas sim de patrimônio de terceiro queseria o filho de outro leito.

Virgilio Panagiotis Stavrids considera que “os frutos dos bens comuns certamente devemtambém integrar este patrimônio comum.” Mas, juntando-se a Álvaro Villaça Azevedo e ReginaBeatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, afirma que “não se vê, entretanto, razão para que osfrutos dos bens particulares de cada cônjuge também passem a integrar este mesmo patrimônio.Dever-se-ia seguir o mesmo princípio dos rendimentos decorrentes do trabalho.” Para exemplificara lei, cita Arnaldo Wald, dizendo que, de acordo com o texto de lei, temos “que os rendimentos edividendos do aluguel de um imóvel ou de ações de alguma empresa, adquiridos por um dos côn-juges antes do casamento, deverão reverter para o patrimônio comum.”

Opinião diversa encontra-se em Alexandre Guedes Alcoforado Assunção para quem “essaregra não representa quebra ao princípio adotado no direito brasileiro. O preceito é justo e temalicerce na comunhão plena de vida estabelecida pelo casamento. O patrimônio particular de cadacônjuge permanece intacto; não há decréscimo nem substituição de patrimônio, sendo, portanto,impróprio falar de sub-rogação. O que se comunica são os frutos do patrimônio. Os frutos sãopatrimônio novo impregnado pela comunicabilidade” .

VI.2.6) Dos bens móveis - art. 1.662

O art. 1.662 mantém a presunção de comunhão dos bens móveis, mas traz uma alteraçãosignificativa em relação ao antigo art. 273. No CC/ 1916, para que se excluísse a comunhão dosbens móveis, era necessário “provar com documento autêntico que foram adquiridos em dataanterior” . Agora, a prova de que os bens móveis foram adquiridos em data anterior está genera-lizada, o que admitirá a testemunhal, abrindo portas à fraude.

Aplaudiu a alteração Virgilio Panagiotis Stavrids por considerar que “o texto se coaduna comtodo o sistema de direito material e processual vigente. O contrato de compra e venda de bens móveisnão exige uma forma especial para sua realização, podendo ser provada sua existência de diversasformas (arts. 212 a 232 e arts. 332 e 402 do CPC). Pelo dispositivo, cria-se presunção iuris tantumde aquisição dos bens móveis na constância do casamento, salvo a produção de prova em contrário”.

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VI.3) Da administração e das dívidas - art. 1.663 a 1.666

VI.3.1) Da co-gestão e co-administração dos bens comuns e da gerência do patrimônio particular- art. 1.663 e art. 1.655

O art. 1.663, caput, estabelece que a administração do patrimônio compete a qualquer doscônjuges, o que significa que não é necessário que pratiquem os atos conjuntamente, podendofazê-lo cada um isoladamente.

Quanto aos bens particulares, a administração é conferida ao proprietário, salvo disposiçãodiversa, em pacto antenupcial, conforme disciplina o art. 1.665.

Correta a observação apresentada pelo IBDFAM sobre o art. 1.665, propondo que eletivesse a seguinte redação: “Art. 1.665. A administração dos bens constitutivos do patrimônio par-t icular compete ao cônjuge proprietário. Parágrafo único: A disposição dos bens imóveis constitu-t ivos do patrimônio particular dependerá de autorização do outro, salvo disposição diversa empacto antenupcial.” A explicação para proposta feita pelo IBDFAM justifica por si só a crítica: “Hámanifesta contradição entre o art. 1.665 e o art. 1.647. Enquanto o art. 1.647, inc. I, exige consen-timento de ambos os cônjuges para os atos de disposição dos bens imóveis, em todos os regimesde bens, exceto no regime de separação absoluta, o art. 1.665, tratando do regime da comunhãoparcial, autoriza que cada cônjuge pratique atos de disposição de seus bens particulares (móveis ouimóveis) independentemente autorização do outro. É preciso, pois, compatibilizar os dois disposi-tivos, incluindo no art. 1.665 a exigência de que no regime de comunhão parcial de bens haja autori-zação do cônjuge para a disposição de bens imóveis integrantes do patrimônio particular.”

Ensina Maria Helena Diniz que a administração e a disposição dos bens constitutivos dopatrimônio particular competirá ao cônjuge proprietário, exceto convenção em sentido contrárioestabelecida em pacto antenupcial (CC, art. 1.665). Logo, nada impede que se convencione empacto antenupcial que ao marido caiba a administração dos próprios bens e dos da mulher. É pre-ciso deixar bem claro que o marido, ao administrar os bens de sua mulher, age como seu repre-sentante, pois sua esposa tem o domínio e a posse do que lhe pertence.

Há no Projeto de Lei 6.960, do Dep. Ricardo Fiuza, proposta para alterar o art. 1.665, quepassaria a ter a seguinte redação: “a administração dos bens constitutivos do patrimônio particu-lar competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial” .

VI.3.2) Da responsabilidade pelas dívidas -arts. 1.663, 1.664 e 1.666

No entanto, o cônjuge administrador responde pelas “dívidas contraídas no exercício daadministração” com os “bens comuns e particulares” , sendo que o outro cônjuge só terá seus benscomprometidos “na razão do proveito que houver auferido”, por força do § 1º do art. 1.663. Aredação é bastante semelhante a que tinha o art. 274 do CC/ 1916.

Interessante inovação é a constante do § 2º do art. 1.663, pois passou a exigir “a anuênciade ambos os cônjuges para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dosbens comuns.” Isso significa que, por exemplo, apesar do comodato não ser um direito real, parasua concessão é necessário o assentimento conjugal. Virgilio Panagiotis Stavrids considera que o“§ 2º apresenta norma que nos parece mal colocada, pois o comando deveria ter sido editado comoinciso do art. 1.647, uma vez que se trata de ato que somente pode ser praticado pelo cônjugecom a autorização do outro. Na hipótese de inexistir tal autorização, cabe ao cônjuge que não a

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forneceu o ajuizamento da ação anulatória prevista no art. 1.649.”

Novidadeira também a previsão do § 3º do art. 1.663 que admite a atribuição a um só doscônjuges da administração dos bens, em caso de malversação pelo outro.

Segundo Maria Helena Diniz, no tocante ao passivo, devem-se considerar duas circunstân-cias especiais, devido à natureza desse regime: a época em que as dívidas foram contraídas e asua causa ou finalidade. Assim, cada consorte responde pelos próprios débitos, desde que ante-riores ao casamento, pelo fato de os patrimônios se conservarem separados (CC, art. 1.659, III).Quanto às dívidas subseqüentes ao matrimônio, contraídas no exercício da administração dopatrimônio comum, obrigam aos bens comuns e aos particulares do cônjuge que o administra, eaos do outro na proporção do proveito que houver auferido (CC, art. 1.663, § 1º). Já os débitoscontraídos por qualquer dos consortes, na administração de seus bens particulares e em benefíciodestes, não obrigam aos bens comuns (CC, art. 1.666). Os bens comuns responderão pelosdébitos contraídos por qualquer dos cônjuges para atender aos encargos da família, às despesasda administração e às decorrentes de imposição legal (CC, art. 1.664). Nesse regime, a adminis-tração dos bens comuns cabe naturalmente a qualquer dos cônjuges, mas será necessária aanuência de ambos para a prática de atos que impliquem, a título gratuito, a cessão do uso ou gozodos bens comuns (CC, art. 1.663, § 2º). E, se houver malversação dos bens, o magistrado poderáatribuir a administração a apenas um dos cônjuges (CC, art. 1.663, § 3º).

Também os arts. 1.664 a 1.666 não encontram paralelo no CC/ 1916.

Nos termos do art. 1.664, os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídaspelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração eàs decorrentes de imposição legal. Explica Alexandre Guedes Alcoforado Assunção que “o maridoe a mulher são igualmente responsáveis pela administração e sustento da família. É natural, por-tanto, que as obrigações contraídas para atender aos encargos da família, às despesas com aadministração dos bens e às decorrentes de imposição legal, independentemente de quem as con-traiu, obriguem os bens integrantes do patrimônio comum do casal” . Acrescentam José CostaLoures e Taís Guimarães que, “contraindo obrigações de qualquer natureza para atender aosencargos da família ou às despesas de administração, qualquer dos cônjuges, na inadimplência,vincula obrigatoriamente os bens da comunhão, segundo a regra geral do art. 942, observada asua extensão, se for o caso, aos bens particulares de cada um, quando insuficientes os comuns.Quanto às obrigações decorrentes de obrigação legal, de observar-se a possível incidência daregra do artigo 1.659, IV” .

Exemplifica o alcance da norma Virgilio Panagiotis Stavrids explicando que a “nova legislaçãofoi além, não só mencionando os encargos de família, mas também abrangendo expressamenteduas outras hipóteses, em que os bens da comunhão irão responder por obrigações contraídas porum dos cônjuges, a saber: as hipóteses de despesas de administração dos bens comuns, citando-se como exemplo a da taxa de administração, quando uma empresa administra um imóvel de pro-priedade comum dos cônjuges para fins de locação, e as de despesas decorrentes de imposiçãolegal, que podemos exemplificar através dos impostos e taxas. Sendo assumidas por apenas umdos cônjuges dívidas decorrentes das três hipóteses aqui previstas, servirá de garantia o patrimôniocomum, não cabendo ao cônjuge que não praticou o ato pretender resguardar sua meação”.

Os bens particulares serão administrados pelo cônjuge proprietário, salvo convenção diver-sa em pacto antenupcial (art. 1.665) mas, por conseqüência, as dívidas que contrair na adminis-

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tração e em benefício destes seus bens particulares, não obrigam os bens comuns (art. 1.666).

Para garantia de terceiros, o art. 1.666 deveria ter determinado que a meação do outro côn-juge sobre os bens comuns, que não responde pelas dívidas contraídas por um dos cônjuge na suaadministração, passa a constituir bem particular do outro. A literalidade do referido disposit ivoressalvou a integralidade do bem comum, protegendo até a meação do devedor, o que pareceinjusto com o credor.

Virgilio Panagiotis Stavrids entende que, “pelas dívidas assumidas em decorrência daadministração de bens particulares, e desde que somente em benefício destes mesmos bens, nãoé possível atribuir responsabilidade patrimonial ao cônjuge não-proprietário. Assim, a metade idealdos bens comuns e os bens particulares do cônjuge proprietário não respondem por tais dívidas.O disposit ivo, entretanto, deixa entender que, caso o benefício da dívida não esteja adstrito aopatrimônio particular do proprietário, poderá haver implicação do patrimônio do outro cônjuge. Nonosso entendimento, a norma deve ser compatibilizada com a do artigo 1.664, respondendo osbens comuns nas hipóteses previstas, em especial se a dívida foi assumida em virtude de encar-gos de família” .

VI.4) Da dissolução do regime

Explica Maria Helena Diniz que, dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos con-sortes, os bens que eram de sua propriedade são entregues aos seus herdeiros. Havendo dissoluçãopela separação judicial, divórcio ou anulação, os bens que constituem patrimônio comum serão par-tilhados; quanto aos incomunicáveis, cada cônjuge retira o que lhe pertence. Não são, portanto,meeiros, visto que não têm carta de ametade como no regime de comunhão universal de bens.

VII. DO REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL

No Capítulo IV é regulamentado o regime de comunhão universal, dos arts. 1.667 a 1.671.

No regime de comunhão universal, segundo Arnaldo Rizzardo, há uma fusão entre os bens trazi-dos para o casamento pela mulher e pelo homem, formando uma única massa. Instaura-se umestado de indivisão de bens, passando cada consorte a ter o direito à metade ideal do patrimôniocomum e das dívidas comuns. Para Carlos Roberto Gonçalves “é o regime em que se comunicamtodos os bens, atuais e futuros, dos cônjuges, ainda que adquiridos em nome de um só deles, bemcomo as dívidas posteriores ao casamento, salvo os expressamente excluídos pela lei ou pela von-tade dos nubentes, expressa em convenção antenupcial (CC, art. 1.667).”

No regime da comunhão universal, a tendência é a de que se tenha uma única massa debens, constituída por um patrimônio comum, pertencente em mancomunhão aos cônjuges, empartes ideais idênticas. A exceção será a existência, ao lado dos bens comuns, daqueles que sejamincomunicáveis ao outro, ou seja, aqueles que constituem bens pessoais, particulares, individuaisou próprios de um dos cônjuges.

Explica Alexandre Guedes Alcoforado Assunção que “os bens na comunhão universal cons-tituem um só patrimônio, que permanece indiviso até a dissolução da sociedade conjugal, sendocada cônjuge detentor de metade ideal. Existem várias teorias sobre a natureza jurídica do regimeda comunhão. A mais acatada é a da ‘sociedade conjugal’, que enxerga ‘na comunhão uma espé-

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Como o regime da comunhão universal deixou de ser o comum, legal ou supletivo, para quepossa ser adotado, é necessário que os nubentes o convencionem mediante pacto antenupcial.

As disposições sobre o regime de comunhão universal não trazem maiores novidades, salvoa exclusão da comunhão dos bens oriundos de obrigações ilícitas.

VII.1) Dos bens que se comunicam na comunhão universal - arts. 1.667 e 1.669

Consideram-se comuns todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas pas-sivas, com as exceções do art. 1.668, mas se comunicam os frutos dos bens enumerados no men-cionado dispositivo, “quando se percebam ou vençam durante o casamento”, conforme art. 1.669.

Passam a integrar os bens comuns aqueles anteriores e posteriores ao casamento, adquiri-dos a qualquer título, seja oneroso ou gratuito, como doação, legado ou herança, esteja registra-do em nome de qualquer dos cônjuges. Em razão da sociedade no ativo, as dívidas também serãocomuns, nos termos do art. 1.667, ressalvado o contido no inciso III do art. 1.668.

VII.2) Dos bens excluídos da comunhão universal - art. 1.668

O art. 1.668 enumera os bens excluídos da comunhão universal:

VII.2.1) dos bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados emseu lugar - art. 1.668

A comunhão universal alcança como patrimônio também o que for originário de doação ousucessão, salvo seja o bem onerado com a cláusula restritiva da propriedade da inalienabilidadeou da incomunicabilidade. Essas cláusulas podem ser impostas nos bens que compõem a disponí-vel ou a legítima e, por força de tal ônus sobre a propriedade, não vão se comunicar com o côn-juge não beneficiário. A incomunicabilidade alcançará também os sub-rogados.

Explica Carlos Roberto Gonçalves que “não só são excluídos os bens doados em vida, osdeixados em testamento, com cláusula de incomunicabilidade, como também os sub-rogados emseu lugar, ou seja, os que substituem os bens incomunicáveis. Assim, se o dono de um terreno,recebido em doação com cláusula de incomunicabilidade, resolver vendê-lo para, com o produto davenda, adquirir um veículo, este se sub-rogará no lugar do terreno e será também incomunicável.A incomunicabilidade não acarreta a inalienabilidade do bem, mas esta produz, de pleno direito, aimpenhorabilidade e a incomunicabilidade (CC, art. 1.911). Isto porque, quem se casa - e do casa-mento resulta a comunicação da metade do bem - de certa forma está alienando. E a penhora érealizada para a venda do bem em hasta pública. Dispõe a Súmula 49 do STF: ‘A cláusula deinalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens’. Embora omissa a lei, não se comunicam tam-bém os bens doados com a cláusula de reversão (CC, art. 547), ou seja, com a condição de, mortoo donatário antes do doador, o bem doado voltar ao patrimônio deste, não se comunicando ao côn-juge do falecido.”

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VII.2.2) Dos bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de rea-lizada a condição suspensiva - art. 1.668, II

Fideicomisso é espécie de substituição testamentária, como leciona Carlos RobertoGonçalves, onde “os bens permanecem durante certo tempo, ou sob certa condição, fixados pelotestador, em poder do fiduciário, passando depois ao substituto (fideicomissário). Para que possacumprir a obrigação imposta pelo testador, os bens não se comunicam ao cônjuge do fiduciário. Ofideicomissário, por sua vez, tem um direito eventual. A aquisição do domínio depende da mortedo fiduciário, do decurso do tempo fixado pelo testador ou do implemento da condição resolutiva,por ele imposta. Se falecer antes do fiduciário, caduca o fideicomisso, consolidando-se a pro-priedade em mãos do fiduciário.”

A substituição fideicomissária encontra-se regulada nos arts. 1.951 a 1.960. E, completaVirgilio Panagiotis Stavrids que “os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fidei-comissário estão, por razões óbvias, excluídos do patrimônio comum dos cônjuges. Os primeirosporque se traduzem em propriedade resolúvel e, ocorrendo a morte do fiduciário, certo tempo oucerta condição, deverá haver a transferência da propriedade ao fideicomissário (art. 1.951). Já oherdeiro fideicomissário somente é detentor de uma expectativa de direito, que somente irá inte-grar seu patrimônio com o implemento da condição suspensiva.”

VII.2.3) Das dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos,ou reverterem em proveito comum -art. 1.668, III

O art. 1.668, que enumera os bens excluídos da comunhão universal, contém disposit ivo deremissão à comunhão parcial, dizendo que não se comunicam também “V - os bens referidos nosincisos V a VII do art. 1.659” . Por isso mesmo, pertinente a observação de Silvio Rodrigues de que,“por falha ou omissão intencional, não serão mais excluídas da comunhão as obrigações prove-nientes de ato ilícito, uma vez ausente a respectiva previsão no art. 1.668. Essa, aliás, a única mo-dificação significativa proposta pelo novel legislador a respeito dos bens e dívidas que integram oacervo comum no regime da comunhão universal.” Isso porque a exclusão na comunhão parcial dosbens originários de “obrigações provenientes e de atos ilícitos, salvo reversão em proveito docasal” , está prevista no inciso IV do art. 1.659, não alcançado então pelo inciso V do art. 1.668.

No entender de Virgilio Panagiotis Stavrids “ inovou o legislador não mais excluindo dacomunhão as obrigações decorrentes de atos ilícitos praticados por um dos cônjuges, seja antesou depois do casamento. Assim, passaram a comunicar-se as dívidas decorrentes de ato ilícito,sendo elas anteriores ou posteriores ao casamento, respondendo pelo pagamento a integridade dopatrimônio comum e os bens particulares do cônjuge que o praticou.”

Não se comunicam as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesascom seus aprestos, ou reverterem em proveito comum. Leciona Maria Helena Diniz que “pelosdébitos anteriores ao matrimônio, que não se comunicam, responde, exclusivamente, o devedorcom os seus bens particulares ou com os bens que ele trouxe para a comunhão conjugal. Só coma dissolução do casamento, a meação do devedor responde pelos seus débitos contraídos antesdas núpcias. Se o credor provar que as dívidas são oriundas de despesas com os aprestos do casa-mento, como aquisição de móveis, enxoval ou festa, ou que reverteram em proveito de ambos osconsortes, como o dinheiro emprestado para comprar imóvel destinado à residência do futurocasal, ou para a viagem de núpcias, ter-se-á a comunicabilidade.”

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VII.2.4) Das doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomu-nicabilidade - art. 1.668, IV

Quanto às doações antenupciais, as posições de Silvio Rodrigues e Maria Helena Diniz sãoantagônicas.

Para Silvio Rodrigues é uma “ inutilidade, se não inadequação, da restrição contida no incisoIV. Isso porque inexistirá, na futura legislação, a modalidade específica de doação antenupcialcomo negócio jurídico nominado, como atualmente se encontra especificado no Código, através,inclusive, de capítulo próprio (CC/ 1916, arts. 312 e s.). A seu turno, o inciso I do artigo em examejá exclui da comunhão os bens recebidos em doação (antes ou depois das núpcias), com a cláusu-la de incomunicabilidade, e nessa regra, agora, enquadra-se perfeitamente a liberalidade contidano inciso IV, que, repita-se, deixou de merecer tratamento próprio.”

Por sua vez, Maria Helena Diniz considera que nada obsta (CC, arts. 546 e 1.668, IV), asdoações recíprocas de um ao outro nubente ou mesmo por terceiro, feitas por pacto antenupcial,mediante escritura pública, desde que não excedam à metade dos bens do doador, com exceçãodos casos de separação obrigatória de bens arrolados no art . 1.641, do CC, em que não se admitenem mesmo doação causa mortis (RT; 130:688). Claro está que se o regime for o da comunhão,os bens doados serão incomunicáveis (CC, art. 1.668, IV), pois caso contrário ociosa seria adoação. Mas tal incomunicabilidade não se estenderá aos frutos, quando percebidos ou vencidosna constância do casamento (CC, art. 1.669). A eficácia das doações antenupciais subordina-se àrealização de evento futuro e incerto, ou seja, do casamento, que funciona como condição sus-pensiva, uma vez que, em não se efetivando, não se tem liberalidade alguma, sendo, portanto,negócios jurídicos condicionais e solenes. Perde a doação todo o valor se um dos nubentes fale-cer ou se se casar com outra pessoa. Claro é a respeito o disposto no art. 546 do Código Civil: ‘Adoação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelosnubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houveremum do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamentonão se realizar’. As doações antenupciais não precisam, para valer, de aceitação expressa dodonatário, já que a própria realização do matrimônio implica aceitação, e, conseqüentemente,como são feitas propter nuptias, não se revogam por ingrat idão (CC, art. 564).”

Considera Alexandre Guedes Alcoforado Assunção que “mesmo no regime da comunhãouniversal de bens, além do patrimônio comum, existe o patrimônio individual de cada cônjuge, for-mado pelos bens que não se comunicam. Esses bens estão explicitados no artigo em estudo.Assim como qualquer dos cônjuges pode receber de terceiro doação com cláusula de incomunica-bilidade, os nubentes podem fazer doação um ao outro com cláusula de incomunicabilidade. É atode liberalidade do proprietário exclusivo, que visa proteger o donatário.”

VII.2.5) Dos bens referidos nos inc. V a VII do art. 1.659 -art. 1.668, V

Estão excluídos da comunhão universal, também aqueles bens que não se comunicam nacomunhão parcial, tal como previsto no inciso V do art. 1.668.

VII.2.6) Dos frutos dos bens particulares - art. 1.669

Em consonância com o art. 1.660, V, também na comunhão universal se comunicam os fru-

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tos oriundos dos bens particulares de cada cônjuge colhidos na constância do casamento.

Completando o já abordado no comentário ao art. 1.660, V, em tudo aplicável aqui, MariaHelena Diniz expõe que, “pelo art. 1.669 do CC, a incomunicabilidade dos bens arrolados no art.1.668 não se estende aos frutos, quando se percebem ou se vencem durante o matrimônio. P. ex.,se um dos nubentes, antes de se casar, t inha direito a uma pensão, esse direito não se comunicapelo casamento. Porém, o dinheiro que receber, após as núpcias, se comunica, a partir do venci-mento da prestação, isto é, recebida a pensão, o valor assim obtido entra no patrimônio do casal,bem como os bens adquiridos com ele. Faltando estipulação em contrário, comunicam-se essesfrutos auferidos na constância do matrimônio. Na constância da sociedade conjugal, a propriedadee posse dos bens é comum, mas, como a direção da sociedade conjugal é de ambos os consortes,compete-lhes a administração desses bens.”

VII.3) Da administração dos bens na comunhão universal - art. 1.670

No que tange à administração, aplica-se o disposto no regime de comunhão parcial pordeterminação do art. 1.670.

Como observa Silvio Rodrigues, quanto aos bens próprios, a administração compete aorespectivo proprietário, salvo disposição contrária em pacto antenupcial (arts. 1.665 e 1.642, I),permitida a alienação ou imposição de ônus real apenas sobre bens móveis (arts. 1.665 e 1.647,I), e eventual substituição da administração, na forma prevista no art. 1.651, e “essa nova formade administração proposta pelo Código no regime da comunhão parcial também passa a prevale-cer no regime da comunhão universal, pela expressa previsão contida no art. 1.670.”

Vale, neste ponto, lembrar, com Maria Helena Diniz, que é conveniente não discutir quepelos débitos assumidos por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares eem benefício destes, não responderão os bens comuns (CC, art. 1.670). Conseqüentemente, aresponsabilidade civil pelas obrigações ilícitas não poderá recair sobre bens comuns do casal, salvose o cônjuge que não cometeu a falta obteve lucro com o produto do ilícito perpetrado pelo outro(RT, 182:131, 414:344). A indenização deverá ser paga com os bens que compõem a meação doculpado ou com seus bens particulares excluídos da comunhão. Entretanto, não se poderá onerara meação do responsável, enquanto a sociedade conjugal não se dissolver, por se tratar de meaçãoindivisa e ideal (RT, 151:131,465:203).

VII.4) Da extinção da comunhão universal - art. 1.671

Para Maria Helena Diniz, dá-se a extinção da comunhão universal com a dissolução dasociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, pela sentença de nulidade ou anulação docasamento, pela separação judicial e pelo divórcio.

Explicam José Costa Loures e Taís Guimarães que “as dívidas contraídas por qualquer doscônjuges na condição de administradores natos dos bens comuns, obrigam a comunhão, por elasrespondendo ambos os cônjuges, na medida em que ultrapassem as forças da comunhão. Extintaa comunhão, por qualquer uma das formas previstas na lei, com a conseqüente divisão do ativo epassivo entre os parceiros, cessa automaticamente a responsabilidade de cada um em face daextinta comunhão. Esclarece Clovis Beviláqua que, efetuada a partilha dos bens, cada um levan-tando a sua parte no ativo, assim como assumindo, pessoalmente, a responsabilidade pelas dívi-

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das que lhe foram imputadas, cessa o estado de comunhão, por dissolvida a sociedade conjugal,inexistindo razão jurídica que determine a comunicação das dívidas que, por sua parte, um dos côn-juges contrair.”

Comenta Alexandre Guedes Alcoforado Assunção que “a separação judicial e o divórciopõem termo ao regime matrimonial de bens, extinguindo-se a comunhão. A partir do momento emque cessou a comunhão, as dívidas contraídas não podem comunicar-se. Carvalho Santos leciona:‘não havendo mais comunhão, a responsabilidade pelas dívidas se torna pessoal, por ela sórespondendo o cônjuge que a contraiu.’ Não se deve exigir, para a extinção da responsabilidadedo cônjuge perante os credores do outro, que a partilha seja efetivada. A simples extinção dacomunhão já é o suficiente”.

VIII. DO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQÜESTOS

O Capítulo V trata da disciplina do novidadeiro regime de participação final nos aqüestos,dedicando-lhe os arts. 1.672 a 1.686.

O IBDFAM apresentou proposta para “suprimir todo o capítulo V”, que trata do regime departicipação final nos aqüestos, apresentando a seguinte justificativa: “o regime tratado aqui éextremamente complexo, dando margem a lesão a direito de terceiros e tornando difícil sua li-quidação. São conhecidas as dificuldades que gera nos países que o adotaram. Por certo, assimcomo sucedeu com o regime dotal, acabará em desuso. De qualquer forma, sua previsão édesnecessária, uma vez que o art. 1.639 preserva o princípio da livre estipulação, concedendo aosnubentes para, em pacto antenupcial, estabelecerem o que lhes convier, criando seu próprioregime de bens.”

VIII.1) Tentando definir o regime

Este “regime de participação final nos aqüestos” é um parente próximo da comunhão par-cial, com peculiaridades. A principal delas é que, no novo regime, o patrimônio “comum” adquiridona constância do casamento, continua figurando no patrimônio pessoal de cada cônjuge, sem for-mar aquela massa de bens sobre a qual cada um teria sua cota-parte ideal, liqüidável só ao finaldo regime de bens.

Em trabalho redigido em 1977 o Prof. João Baptista Villela assim resumiu este regime debens: “ fundado no propósito ético de associar cada cônjuge aos ganhos do outro e inspirado eco-nomicamente na intenção de conciliar as vantagens da comunhão com as da separação, o regimede participação final nos aqüestos padece de construção dogmática defeituosa. Seu estatutolegal, além de incongruente sob o ponto-de-vista da estrutura, acaba por combinar antes os incon-venientes da separação com os da comunhão. Recomenda-se reconstruí-lo na sua organizaçãodogmática, por modo a guardar fidelidade com suas bases teóricas, do que resultará também suamelhor adaptação aos fins do casamento moderno.” Explicou que “o regime de participação finalnos aqüestos responde, melhor ainda que o da comunhão limitada, à contribuição formativa de umcônjuge nos aumentos de capital do outro, dada a mais fina sensibilidade do primeiro no atenderà variação do esforço de cada cônjuge. Assim é que no direito francês se permite expressamente,em manifesta decorrência do principio da liberdade de convenção, regular em proporçõesdesiguais a participação de um e outro. Onde a repartição se faz por valor e não por substância,

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os limites de expressão da desigualdade coincidem com os da. própria divisibilidade da moeda.”

“No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, quelhe cabe” (art. 1.672) composto pelos “bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por eleadquiridos, a qualquer título, na constância do casamento” (art. 1.673) “À época da dissolução dasociedade conjugal” , cada cônjuge “ terá direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a títulooneroso, na constância do casamento” (art. 1.673 parte final). Sendo que este montante comumapura-se “excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I - os bens anteriores ao casamento eos que em seu lugar se sub-rogaram; II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou li-beralidade; III - as dívidas relativas aos bens.” (art. 1.674).

Portanto, por este regime, o que ocorre é um crédito em favor de um dos cônjuges, contrao outro, para igualar os acréscimos, os ganhos obtidos durante o casamento. É um regime que temorigem no direito costumeiro húngaro e foi adotado pela Suécia, Finlândia, Dinamarca, Noruega,Alemanha, e na França, a título experimental.

Foi imaginado como uma fórmula transacional, como regime híbrido, misto, objetivandosomar as vantagens da comunhão com as da separação. Os bens ficam separados, mas a comu-nicação (participação) é feita nos ganhos, nos lucros, nos sobejos, nos acréscimos. Como cada umcontinua único titular do bem, poderá aliená-lo, inclusive se for imóvel, na constância do casa-mento, sem consentimento do outro, já que pelo art. 1.656 “no pacto antenupcial poder-se-á con-vencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares”.

Cornu, citado por João Baptista Villela, observa, do mesmo modo, que a participação nosaqüestos é uma “combinação” dos regimes comunitário e separatório, acrescentando: “regimemisto, oferece aos esposos serem separados em bens mas associados nos ganhos para tentarconciliar, neles, o gosto da independência e o apego à comunhão, sob a forma de um sistema con-tábil de participação diferida que se opera em valor, quando da dissolução do mesmo regime”.Trata-se, pois, de regime que busca juntar as vantagens da comunhão com as da separação, aomesmo tempo que elidir, deste modo, os inconvenientes de uma e de outra. Soluções opostas, asvantagens de uma são, com efeito, desvantagens ou carências na outra, e vice-versa.

Ensina Arnaldo Rizzarado que ocorre uma fusão entre os bens trazidos para o casamentopela mulher e pelo homem, formando uma única massa. Instaura-se um estado de indivisão debens, passando cada consorte a ter o direito à metade ideal do patrimônio comum e das dívidascomuns (Rolf Madaleno).

Silvio Venosa, comentando o então Projeto do Código Civil de 1975, explicou que nesseregime, cada cônjuge possui patrimônio próprio durante o casamento, tocando-lhe, por ocasião daruptura da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso,na constância do casamento e complementa: “Trata-se de um regime misto, pois no curso do casa-mento aplicam-se, em síntese, as regras da separação.”

Segundo Rolf Madaleno, “cuida-se, em realidade, de um regime de separação de bens, no qualcada consorte tem a livre e independente administração do seu patrimônio pessoal, dele podendo dis-por quando for bem móvel e necessitando da outorga do cônjuge se imóvel. Apenas na hipótese deocorrer a separação judicial é que serão apurados os bens de cada cônjuge separando, tocando a cadaum deles a metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.”

Noutros termos, o regime econômico da sociedade conjugal com participação final nosaqüestos é constituído pelos bens obtidos individualmente pelos cônjuges, ou por ambos, e que

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passam a integrar uma massa comum por ocasião da liquidação da sociedade matrimonial, sendorepartidos os aqüestos. Carlos Taquini afirma tratar-se de uma comunidade conjugal, em que cadaesposo administra livremente o seu próprio patrimônio e os bens por ele adquiridos ao tempo dasnúpcias, ainda que esses últimos ingressem na massa comunicável por ocasião da dissolução domatrimônio. Assim, durante a união, as relações patrimoniais entre os cônjuges funcionam comose houvesse separação de bens, nascendo com a dissolução conjugal uma massa comunicável dosbens aqüestos, como acontece na comunhão parcial.

Para Carlos Roberto Gonçalves “ trata-se de um regime misto, pois durante o casamentoaplicam-se as regras da separação total e, após a sua dissolução, as da comunhão parcial. Nascede convenção, dependendo, pois, de pacto antenupcial. Cada cônjuge possui patrimônio próprio elhe cabe, ‘à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelocasal, a título oneroso, na constância do casamento’ (CC, art. 1.672)” .

VIII.2) Do direito comparado e da inspiração do CC/ 02

No referido trabalho do Prof. João Baptista Villela, escrito em 1977, já anotava que, “ traí-da por uma astúcia da razão prática, a construção dogmática do instituto desviou-se francamentede suas nascentes teóricas, inclusive na configuração que assumiu na Suécia, de onde - segundose afirma - passou a outras legislações.

Com vistas a garantir a efetividade do crédito de participação de cada cônjuge sobre osganhos do outro, introduziu-se na estrutura do regime um conjunto de medidas que, não se har-monizando com os seus pressupostos jurídicos, acabam por neutralizar os benefícios que com omodelo se pretende instituir.

Assim é que na Suécia não assiste ao cônjuge, sem o consentimento do consorte, o direitode dispor de seus bens matrimoniais ou mesmo de hipotecá-los. E bens matrimoniais não são aliapenas os adquiridos a titulo oneroso após o casamento, senão todos aqueles - mesmo os deaquisição anterior - que não estejam marcados por uma vinculação pessoal com o titular.

Desrespeitada a proibição de alienar ou gravar de hipoteca, fica o ato sujeito a desfazi-mento. A restrição de dispor e dar em garantia alcança mesmo certos bens móveis.

No direito da República Federal da Alemanha, além da proibição - de discutida exegese - sobque está cada cônjuge de obrigar-se, sem a adesão do outro, pela totalidade do matrimônio (Vermögenim ganzen), prevê-se a ineficácia de atos singulares de alienação, concluídos sem outorga conjugal.

O legislador francês adotou linha diversa de operação, mas que pode chegar aos mesmosresultados práticos. Em aparência e, até certo ponto, mesmo em realidade, não só a administraçãoe o gozo dos bens próprios são exclusivos de um e outro cônjuge, como nenhuma prescrição nor-mativa os impede de aliená-los livremente. Mas, na formação contábil dos patrimônios, para o fimde se fixarem seus respectivos acréscimos, manda a lei agregar aos bens existentes aqueles cujaalienação tenha determinado o empobrecimento de seu titular:

“Aos bens existentes reúnem-se ficticiamente os de que o esposo dispôs por doações entrevivos, a menos que o outro cônjuge haja consentido na doação, assim como os que teria alienadofraudulentamente. A alienação para renda vitalícia ou a fim do perdido presume-se feita em fraudedos direitos do cônjuge , se este não deu seu consentimento”.

Para garantir a satisfação do seu crédito de participação, o cônjuge-credor pode recorrer

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subsidiariamente à ação revocatória, nos termos do art. 1.577 do Cód. Civ. Fr. Aí radica, de resto,uma considerável diferença entre o modelo francês, de um lado, e os modelos sueco e alemão, deoutro: no primeiro, só se alcançam os atos de alienação, se necessário para assegurar a satisfaçãodo cônjuge-credor. E mais: no direito francês, se a disposição foi a título oneroso, a ação só poderáser intentada contra o adquirente de má-fé. Trata-se, sem dúvida, de uma grande vantagem doestatuto francês sobre os outros dois.”

Prossegue ainda João Baptista Villela para observar que, “no Projeto Reale de novo CódigoCivil para o Brasil, a desfiguração do regime de participação chega ao extremo de atribuir ao côn-juge não-proprietário ação reivindicatória sobre os bens alienados sem o seu consentimento. Se oato de disposição se fez por quem era proprietário exclusivo, falar de ação reivindicatória aqui émanifestamente impróprio, já que falta então um de seus pressupostos mínimos: o domínio doautor. Não invalida o preparo nem mesmo a ausência do jus disponendi por parte do alienante,como é o caso do Projeto Reale no que concerne aos bens imóveis. Como quer que seja, quandoconfere “ao cônjuge lesado” ou a seus herdeiros a ação de reivindicação dos bens transferidos “emdetrimento da meação”, não exclui o Projeto os que sejam móveis.

Na Exposição de motivos com que a matéria, então ainda em fase de anteprojeto, foiencaminhada ao Ministro da Justiça, deu-se o regime de participação final nos aqüestos como“contribuição original” , a que não correspondia “nenhum modelo alienígena” . Talvez se pudesseconsiderá-lo, sob certo sentido, uma réplica da velha sociedad de gananciales do Código CivilEspanhol. De um modo ou de outro, o empenho e o possível mérito da originalidade não parecemjustificar a flagrante quebra da ortodoxia dominial, pela possibilidade que se abre aos cônjuges oua seus herdeiros de reivindicar bens de que não eram proprietários: nem ao tempo da transferên-cia, nem ao tempo da dissolução do regime. Salvo a esdrúxula hipótese de se entender “que asalienações, tanto de imóveis como de móveis, se tenham operado sob a condição implícita de sedesfazerem ao arbítrio do outro cônjuge ou de seus herdeiros: além da extrema insegurança queensejaria para o tráfego jurídico, a construção importaria o imoral negócio condicional potestativo”.

Apesar das críticas desde então apontadas por João Baptista Villela, o regime foi aprovadoconforme praticamente a redação original do projeto.

Aliás, em bela análise, o Prof. João Baptista Villela demonstrou que tal regime é contra ocasamento e principalmente a instituição da família, expondo que “a hermenêutica que inclui ointeresse de participação na categoria dos direitos eventuais e o arma, por conseguinte, de umbem equipado de mecanismo de defesa padece de um vício ontológico. Tanto e com tal ênfasedefende a expectativa de lucro de um cônjuge sobre o patrimônio do outro que os inabilita reci-procamente para o casamento. Antes fiscais que amantes na visão são da lei, melhor farão não secasando ou, se casados, separando-se, se os sentimentos de um ou de outro forem tais que jus-tifiquem o apelo aos instrumentos patrimoniais-repressivos que o regime lhes oferece. O que sequer dizer, com outras palavras , é apenas isso: o estatuto legal da participação nega o que o casa-mento afirma. Logo, não há como caminharem juntos. As supostas vantagens econômicas ficam,vista a matéria por outro ângulo, também contestadas. Não há como evitar o dilema: ou bem osterceiros, adquirentes ou contratantes, ficam sob a espada de Dâmócles - pela insegurança dasoperações que hajam concluído com um só dos cônjuges - ou terão que exigir a intervenção apro-batória do outro. Colomer viu aí a principal pierre d’achoppement do modelo e não hesitou emacrescentar que “a independência de gestão, que constitui um dos sustentáculos do regime,

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incorre no risco de praticamente se anular” . Indo além, nota Ponsard que “ indiretamente o poderde disposição de um esposo pode se encontrar reduzido, não apenas quanto aos bens adquiridosa título oneroso durante o casamento, mas ainda quanto aos que lhe pertenciam no dia do casa-mento ou que tenha recolhido por sucessão ou doação no curso deste”.

VIII.3) Como funciona o regime

Maria Helena Diniz assim explica neste regime de bens há, portanto, dois patrimônios; o ini-cial, que é o conjunto dos bens que possuía cada cônjuge à data das núpcias e os que foram porele adquiridos, a qualquer título, durante a vigência matrimonial, e o final, verificável no momentoda dissolução do casamento (CC, art. 1.674). A administração do patrimônio inicial é exclusiva decada cônjuge, que, então, administrará os bens que possuía ao casar, os adquiridos por doação eherança e os obtidos onerosamente, durante a constância do casamento, podendo aliená-los livre-mente, se forem móveis (CC, art. 1.673, parágrafo único). No pacto antenupcial que adotar esseregime, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares (CC,art. 1.656). Se não houver convenção antenupcial nesse sentido, nenhum dos cônjuges poderáalienar ou gravar de ônus os bens imóveis (CC, art. 1.647, I). Esse novo regime de bens, como severifica nas nações mais desenvolvidas, tem sido freqüente, principalmente nas hipóteses em queos cônjuges exercem atividades empresariais distintas, para que possam manusear com maiorliberdade seus pertences, levando adiante seus negócios profissionais.

Vaz Ferreira, citado por Rolf Madaleno, fala de um regime de comunidade diferida, estandoos bens sob o domínio de cada esposo, que tem aptidão para deles dispor livremente. O outro côn-juge não tem direito algum sobre esses bens, nem sequer possui meios de evitar a sua dilapidação,na harmonia conjugal, por configurar esse estágio um verdadeiro regime de separação. CompletaTaquini que, por ocasião da dissolução do casamento, nasce um direito do outro cônjuge sobrebens alheios. É possível, e assim expressam os artigos 1.675 e 1.676, que esse direito sobre bensalheios possa até não se materializar, na hipótese de terem ocorrido doações feitas por um doscônjuges sem a necessária autorização do outro (art. 1.675), cometendo ao esposo lesado reivin-dicar os bens doados ou ser compensado com outros bens, ou indenizado em dinheiro. Se não forpossível e nem conveniente acomodar a divisão dos bens em natureza, sendo igualmente desacon-selhável ou impraticável o seu condomínio, será calculado o valor de alguns desses bens ou detodos, para a sua reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário (art. 1.684). Os artigos 1.673e 1.674 informam como será procedida a operação contábil para o cálculo de participação final dosaqüestos. De acordo com o artigo 1.674, sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, quantifi-cam-se os aqüestos pelo montante a ser verificado na data da dissolução do regime de bens (art.1.683). Por ocasião da partilha judicial, são excluídos da soma dos patrimônios próprios: os bensanteriores ao casamento ou sub-rogados (inc. I do art. 1.674); os que sobrevierem a cada cônjugea título gratuito, por sucessão ou liberalidade (o artigo 1.672 ordena a divisão dos bens adquiridossomente a título oneroso - inc. II do art. 1.674); e as dívidas relativas aos bens conjugais (inc. III,art. 1.674). Os artigos 1.685 e 1.686, pertinentes ao regime de participação final nos aqüestos,dizem que no caso de morte do cônjuge a sua meação é transmitida aos seus herdeiros, a seremconvocados pela ordem de vocação hereditária, conforme Rol Madaleno.

VIII.4) da natureza jurídica da meação: direito real ou obrigacional.

Interrogação pertinente é feita por Maria Helena Diniz, que questiona se o direito à meação

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dos consortes se situa na seara do direito real ou na do direito obrigacional. Se cada cônjuge, nameação, tiver uma pretensão à separação in natura dos bens, aquele direito será real. Mas, se forimpossível ou inconveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o valor dealguns ou de todos para reposição em dinheiro ao ex-cônjuge não-proprietário e, se não se puderrealizar a reposição pecuniária, serão os bens avaliados e, mediante autorização judicial, alienadostantos bens quantos bastarem para perfazer a meação a que faz jus o outro ex-cônjuge (art. 1.684e parágrafo único do Código Civil). Realmente, de boa política legislativa é esse artigo, porque, àsvezes, a partilha in natura poderá acarretar a destruição de valores unitários, pois determinadosbens têm maior valor quando não divididos, como, p. ex., o conjunto de ações que conferem ao seutitular a maioria numa empresa. E, se a partilha prejudicar patrimonialmente os ex-consortes,ambos poderão pleitear avaliação para fins de reposição pecuniária no valor da meação que lhesé cabível. As mesmas normas deverão ser seguidas na hipótese de dissolução do casamento pormorte, deferindo-se a herança aos herdeiros do cônjuge falecido (CC, art. 1.685).

Reza o artigo 1.682 ser irrenunciável, nem cessível ou penhorável o direito à meação navigência do regime matrimonial. Trata-se de direitos e obrigações criados com a finalidade de sus-tentar economicamente o matrimônio e a família, que precisa dos seus recursos para se perpetu-ar no tempo e não inviabilizar a sua normal constituição e regular desenvolvimento. ArremataIruzubieta, citado por Rolf Madaleno, que se trata de um princípio de ordem pública que não podeser contrariado pela vontade das partes e, portanto, não pode o cônjuge renunciar ao direito deperceber a metade de seus ganhos aqüestos, por conta da dissolução de sua sociedade. Tambémnão pode ceder esse direito (o que daria no mesmo que renunciá-lo), nem terceiros podem-seservir da meação para satisfação de créditos executivos. Porém, nada impede a sua doação oucessão depois da adjudicação do cônjuge, desde que não prejudique aos herdeiros necessários.

VIII.5) Da liquidação ou apuração dos aqüestos

A futura estréia do regime conjugal de partilha final dos aqüestos permite antever inúmerasdificuldades no momento da dissolução e liquidação da sociedade conjugal - adverte CarlosIruzubieta - já que o regime prevê a possibilidade de uma série de compensações, recompensas oua tenaz reivindicação de bens indevidamente transferidos da sociedade conjugal. O repasse debens fica facilitado pelo sistema híbrido, que considera os bens individuais e incomunicáveisdurante o casamento, mas os têm por comunicáveis ao tempo da dissolução judicial das núpcias.Para apurar os valores líquidos de participação final dos aqüestos, deve ser incorporado ao monteo valor dos bens alienados (art. 1.676), devendo ser levantadas as dívidas que serviram ou não àsociedade nupcial. Tendo os débitos revertidos em favor do casal, constituem seu passivo; casocontrário, somente responderá por essas dívidas o cônjuge que as contraiu. Fácil é antever asinúmeras dificuldades que se farão registrar com morosas prestações de contas e procedimentosjudiciais declarando comunicáveis despesas lançadas pelo cônjuge titular de patrimônio que lheera próprio, mas que restaram em comum pelo anúncio oficial da separação, tornando-se devedorda sociedade matrimonial, na lição de Rolf Madaleno.

Com a dissolução da sociedade conjugal, Maria Helena Diniz explica que se apurará o mon-tante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: os bens anteriores ao casa-mento e os sub-rogados em seu lugar; os obtidos por cada cônjuge por herança, legado ou doação;e os débitos relativos a esses bens vencidos e a vencer (CC, art. 1.674, I, II e III). Mas os frutos

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dos bens particulares e os que forem com eles obtidos formarão o monte partível. Há presunçãojuris tantum de que os bens móveis, salvo prova em contrário, foram adquiridos durante o casa-mento. Acrescenta ainda a autora que, quanto aos débitos posteriores ao casamento, contraídospor um dos consortes, apenas este responderá por eles, a não ser que haja prova cabal de quereverteram, total ou parcialmente, em proveito do outro (CC, art. 1.677). Se um dos cônjuges viera pagar dívida do outro, utilizando bens de seu patrimônio, o valor desse pagamento deverá seratualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro consorte (CC, art. 1.678). Asdívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam o outro, ou a seusherdeiros (CC, art. 1.686).

Leciona Carlos Roberto Gonçalves que “é, na realidade, um regime de separação de bens,enquanto durar a sociedade conjugal, tendo cada cônjuge a exclusiva administração de seupatrimônio pessoal, integrado pelos que possuía ao casar e pelos que adquirir a qualquer título naconstância do casamento, podendo livremente dispor dos móveis e dependendo da autorização dooutro para os imóveis (art. 1.673, parágrafo único). Somente após a dissolução da sociedade con-jugal serão apurados os bens de cada cônjuge, cabendo a cada um deles (ou a seus herdeiros, emcaso de morte, como dispõe o art. 1.685) a metade dos adquiridos pelo casal, a título oneroso, naconstância do casamento. Em caso de separação judicial ou divórcio, ‘verificar-se-á o montantedos aqüestos à data em que cessou a convivência’ (art. 1.683)” .

O “cálculo dos aqüestos”, na lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Nery, se dá quando, “ocor-rido o evento (dissolução da sociedade conjugal) que confere eficácia ao regime comentado (par-ticipação final dos aqüestos), do patrimônio próprio do varão e do patrimônio próprio da mulherserão destacados apenas os bens que cada um adquiriu onerosamente na constância da sociedadeconjugal. É a partir dessa apuração que se faz o cálculo da massa que será dividida, então, em vir-tude da comunicação final dos aqüestos. Bens excluídos da comunhão final. O legislador optou porelencar direitos e obrigações que têm como causa direito próprio anterior ao casamento. Nessaclassificação podem ser lembradas as hipóteses do art. 1.722, 2, a a d, do Código Civil português,elucidativas de situações inseridas no: a) os bens adquiridos em conseqüência de direitos anteri-ores ao casamento sobre patrimônios líquidos partilhados depois dele; b) os bens adquiridos porusucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento; c) os bens compradosantes do casamento com reserva de propriedade; d) os bens adquiridos no exercício de direito depreferência fundado em situação já existente à data do casamento.”

Silvio Rodrigues mostra que, “conforme as circunstâncias fáticas, o cônjuge, com a rupturada sociedade conjugal, passa a ter uma dívida para com o outro, a ser quitada com a divisão deseus bens, em dinheiro ou com a venda de seu patrimônio para honrar a participação do outro.Com essa fórmula, a significativa diferença deste para com os outros regimes consiste no fato deque pelo novo modelo a participação se faz sobre os incrementos patrimoniais, mas de forma con-tábil (apuração de valores), não através de comunhão ou condomínio; vale dizer, após a compen-sação de bens, aquele cônjuge em desvantagem passa a ter um crédito consistente na diferençaapurada, e não uma parcela sobre o bem indivisível. Assim, o direito de um não é sobre o acervodo outro, adquirido durante o casamento. Limita-se o direito à participação final sobre o valor deeventual saldo, após a compensação dos acréscimos de ambos os cônjuges, pelos critérios esta-belecidos. Quanto às dívidas, prevê a lei que, por aquelas posteriores ao casamento, contraídaspor um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou total-mente, em benefício do outro (art. 1.677); ainda, se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro

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com bens do seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dis-solução, à meação do outro cônjuge (art. 1.678), sendo que os débitos de um dos cônjuges, quan-do superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros (art. 1.686). Na teoria aproposta é boa, pois conserva a independência patrimonial de cada um, inclusive quanto ao incre-mento ocorrido durante o casamento, ao mesmo tempo que, quando da ruptura, há proteçãoeconômica daquele que, direta, indiretamente, ou pela só qualidade de parceiro, acompanhou aevolução patrimonial do outro, sem ter bens em seu nome. Ocorre que, na prática, considerandoa complexidade da apuração contábil proposta, tornando necessária não só a exata identificaçãodos aqüestos, como a respectiva valoração, a exigir, inclusive, conforme o caso, a realização deperícia, tudo a tornar extremamente morosa e onerosa a solução de eventual litígio, a tendênciadeverá ser por desaconselhar aos noivos essa opção”.

Também Bianca Mota Moraes lembra a dificuldade da apuração dos direitos de cada côn-juge, lembrando que a própria nomenclatura dada ao regime optou por indicá-lo como o da parti-cipação final, e não o da comunhão final nos aqüestos. “Note-se ainda que o artigo 1.658 fazalusão a bens que sobrevierem ao casal e o 1.672 se refere a bens adquiridos pelo casal. Decorredaí que será necessária apuração daquilo que, no caso de dissolução da sociedade conjugal, so-frerá divisão entre os cônjuges (artigo 1.674). Aqui não basta que os bens sejam adquiridos depoisdo casamento, nem que o sejam a título oneroso; é preciso, além disto, que sejam adquiridos pelocasal. E a lei não presume que o foram; é necessária, em caso de lit ígio, a produção probatória, amenos, obviamente, que o(s) bem(ns) já tenha(m) sido adquirido(s) em nome dos dois. Esta li-quidação é, como bem focaliza Zeno Veloso, o ponto para o qual convergem as crít icas relativasao presente regime. A resistência se nos afigura procedente, pois, como se verá, o cálculo da par-t icipação final dos aqüestos se reveste de caráter indiscutivelmente tormentoso, sendo certo quea fase em que tal cálculo ocorre (dissolução da sociedade conjugal) contribui sobremaneira para olitígio, já que os envolvidos, em sua grande maioria, estão abalados emocional e psicologicamente.Portanto, aos que vierem a optar pelo novo regime, faz-se o alerta de que, quando os bens foremadquiridos com esforço comum, providenciem, tanto quanto possível e para que se evitem ques-tionamentos, a inscrição do nome de ambos no título aquisitivo. Quanto às dívidas, salientamospossuírem os regimes soluções diversas, como se vê nos artigos 1.663, §1, e 1.677”.

Diz-se que com este regime se facilita que ambos os cônjuges tenham atividades autôno-mas, mas com certeza irá dificultar a vida dos magistrados, advogados e partes que tenham quefazer a complexa aritmética da liquidação deste regime. A fórmula para a liquidação está no art.1.684: “Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário” .

Certamente que, na prática, este regime de bens trará grandes dificuldades para sua li-quidação, o que poderá redundar em prejuízo que sempre recairá sobre a parte mais fraca, sem opoder sobre os bens. Pessoalmente, acredito que o regime da comunhão parcial de bens é atual econsentâneo com o bom senso e as expectativas sociais, cumprindo bem a função de tornar todoo produto do trabalho dos cônjuges como sendo de ambos, não havendo, em princípio, justificati-va para este novo regime, cujas vantagens seriam discutíveis. Se os processos de partilha já sãomorosos e complexos, com este regime se tornarão impraticáveis.

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IX. DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS

Finalmente, o Capítulo VI vai regulamentar o último regime de bens especificamente pre-visto no CC e que é o de separação de bens, em apenas dois artigos (1.687 e 1.688).

O regime de separação de bens foi extremamente alterado pelo CC/ 02: primeiro, pela nãorepetição do art. 259 que previa que no silêncio do contrato haveria a presunção de comunhão;segundo, porque o cônjuge deixou de ter a restrição que antes existia para a prática de atos iso-lados, que constituíam limitações decorrentes do estado de casado, e não do regime de bens; ter-ceiro, principalmente pela autonomia que o cônjuge adquiriu sobre o seu patrimônio pessoal, quepoderá administrar como bem entender.

IX.1) Da convenção da separação de bens - art. 1.687

A lei confere liberdade para que, antes do casamento, os contraentes façam opção peloregime de bens que lhes aprouver, dentre eles permitindo que convencionem, por meio de escri-tura pública, um pacto segundo o qual será sempre exclusivo do titular do direito sobre o bem,incomunicável ao outro, todos os bens presentes e futuros, adquiridos a qualquer título. Dessaforma, cada cônjuge conservará um patrimônio pessoal, próprio, particular e incomunicável com ooutro relativamente ao domínio, à posse e à administração de seus bens presentes e futuros, bemcomo a responsabilidade pelos débitos anteriores e posteriores ao casamento. Nesse regime,teoricamente, existirão apenas duas massas de bens distintas, estanques, que são compostas pelopatrimônio de cada cônjuge.

Explica Carlos Roberto Gonçalves que, “neste regime, cada cônjuge conserva a plena pro-priedade, a integral administração e a fruição de seus próprios bens, podendo aliená-los e gravá-los de ônus real livremente (CC, art. 1.687), sejam móveis ou imóveis (art. 1.647). O Código Civilde 1916 (art. 235) dispensava a vênia conjugal somente para a alienação de bens móveis. Envolvetodos os bens presentes e futuros, frutos e rendimentos, e confere autonomia a cada um na gestãodo próprio patrimônio”.

Alerta Maria Helena Diniz que nada impede que no pacto antenupcial se estipule a com-petência do marido para administrar os bens da mulher (CC, arts. 1.639 e 1.688), mas a esposa,pelo novo Código Civil, não mais terá direito à hipoteca legal sobre os imóveis do marido, paragarantir os bens sujeitos à gestão marital (CC, art. 1.489, I). P. ex., se o quiser, pode, ainda, cons-tituir procurador o marido (CC, art. 1.652, II), para que ele administre e disponha de seus bens,desde que preste contas (AJ, 94:437; RT, 93:46). O cônjuge que nomear o outro seu mandatáriopoderá revogar procuração que der. Enneccerus, Kipp e Wolff vislumbram na administração dosbens da mulher pelo marido um contrato de prestação de serviços, em que se admite até que sejaestipulada remuneração.

Adequando-se à nova redação do art. 1.647, o art. 1.687 passou a estabelecer que: “estipu-lada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos côn-juges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real” . Esta novidade já foi objeto deanálise quando do estudo do art. 1.647. Neste sentido, anota Alexandre Guedes AlcoforadoAssunção que, “nesse tipo de regime de bens, cada cônjuge pode dispor de seu patrimônio comomelhor lhe aprouver. Os bens imóveis adquiridos na constância do casamento serão exclusivos dequem os comprou e registrou. Não existirá bem comum em virtude da disposição desse regime,

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podendo, entretanto, existir bens comuns, adquiridos mediante condomínio, de natureza estrita-mente contratual. Não mais é necessária a outorga do outro cônjuge para que sejam alienados ougravados de ônus os bens imóveis, como previa o Código Civil de 1916. Cada cônjuge administrae aliena livremente”.

Justamente por esta possibilidade de disposição de bens sem outorga conjugal pelo titulardo domínio no regime da separação absoluta, observa Daniela Faria Tavares que, “a despeito de onovo CC haver sistematizado as regras referentes ao bem de família voluntário (arts.l.711 a1.722), o professor Álvaro Villaça Azevedo e a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dosSantos já haviam sinalizado a importância de se pôr a salvo o bem de família, como o faz, porexemplo, o Direito Português, que exclui a possibilidade de um cônjuge dispor do imóvel destina-do à moradia da família sem a anuência do outro, qualquer que seja o regime de bens (art.1.682,§2, do Código Civil português). Na falta de dispositivo legal semelhante, o legislador deixou deconferir ao bem de família legal (Lei n- 8.009/ 90) a cláusula de inalienabilidade e, em últimaanálise, de proteger a moradia da família, especialmente no caso do casamento celebrado peloregime da separação de bens”.

Rolf Madaleno, citando Carlos Vázquez Intzubieta, “diz tratar-se de um sistema que respei-ta ao máximo a personalidade e a autonomia da mulher, já que sua incapacidade fática fora umaconstante sociocultural em quase todos os recantos do universo global. Em razão da igualdadejurídica entre o homem e a mulher, afigura-se a separação de bens como o regime das futurasuniões conjugais ou concubinárias, na medida em que cada um dos cônjuges ou conviventes iráconcorrer com as suas economias pessoais para atender às cargas específicas da sociedade afe-tiva, mantendo intactos os seus bens ou as suas fortunas no caso de separação. Especialmentequando se habilitam para um novo casamento, há o temor de arcar com mais prejuízos que ante-rior separação que já lhes tomou significativa parcela dos bens”.

Apesar da não-reprodução da regra do art. 259 do CC/ 1916, Daniela Faria Tavares consi-dera que “o que precisa restar esclarecido é que, com a entrada em vigor do novo código, res-guardado estará o direito a qualquer dos cônjuges de postular do outro a indenização por eventualcolaboração na compra de bem adquirido por apenas um deles durante o casamento celebradopelo regime da separação de bens (convencional ou legal). A ação, entretanto, em que um cônjugepostulará do outro tal direito deverá ser ajuizada no juízo cível, tendo em vista que o direito quese perquire não guarda vínculos com o direito de família, já que está amparado pelas normas queregulamentam a sociedade civil (art. 1.363 do atual CC). Aí está o cerne da questão. A revogaçãodo atual art. 259 do CC implica a impossibilidade de qualquer dos cônjuges postular do outro apartilha do bem que não esteja no seu nome. Neste aspecto, vale a transcrição do julgado men-cionado na obra do Sílvio Rodrigues (RJTJSP, 9/ 27; RT,449/ 90): ‘se, por iguais motivos, tem-seentendido comunheira do patrimônio formado em comum a concubina ou a amásia companheira,com melhor razão há que se valorizar, para os fins da comunhão dos aqüestos, o comportamentoda esposa que, mesmo casada em regime de separação de bens, tenha contribuído para aaquisição das coisas que venham a constituir o patrimônio nominal do marido. Ora, se a matériafoge ao direito de família, não haveria por que deixar de aplicar a mesma hermenêutica, em sendoconvencional o regime da separação, tenham ou não os cônjuges, no pacto antenupcial, acordadaa não-comunicação dos bens que cada um deles viesse a adquirir na constância do casamento’” .Em contrário, Nelson Nery Júnior e Rosa Nery enumeram a casuística sobre sociedade de fatoentre cônjuges casados pela separação convencional: “Separação absoluta consensual. Não-

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comunicação dos aqüestos. Estipulada expressamente na convenção antenupcial a separaçãoabsoluta, não se comunicam os bens adquiridos depois do casamento (aqüestos) (RT, 715/ 268).Sociedade de fato entre marido e mulher casados pelo regime de separação (convencional) abso-luta de bens. A separação pura é incompatível com a superveniência de uma sociedade de fatoentre os cônjuges. Ela pode existir fora do lar, mas somente pode ser comprovada e reconhecidaem ação própria (RT, 715/ 268)” . Para evitar este tipo de risco, nada impede que no pacto consteque nenhuma sociedade, condomínio ou co-propriedade poderá ser estabelecida senão de formaexpressa e por instrumento próprio, inadmitindo outro tipo de prova que não a constante do títuloaquisitivo do bem.

IX.2) Da contribuição para as despesas da família - art. 1.688

O art. 1.688 prevê que ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas docasal, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial. Essa norma perdeu a razão de ser pelodisposto no art. 1.568, que já determina que “os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporçãode seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e educação dos filhos,qualquer que seja o regime patrimonial” .

Pondera Daniela Faria Tavares que “os arts. 1.643 e 1.644 do novo Código, insertos no capí-tulo das Disposições Gerais, aplicáveis a todos os regimes de bens, estabelecem que obrigam so-lidariamente os cônjuges às obrigações contraídas para fazer frente às despesas necessárias àeconomia doméstica. A despeito de haver o legislador restringido no art. 1.644 o gênero da despe-sa, especificando que seriam as destinadas à economia doméstica, o princípio, abraçado pela dou-trina e jurisprudência, no sentido de que ambos os cônjuges respondem pela dívida contraída porum deles a qual o tenha sido em benefício da família, deve, por medida de justiça, prevalecer navigência do novo Código. Esse princípio, aliás, foi expressamente acolhido pelos arts. 1.664 e1.677 do novo Código, disciplinadores estes dos regimes da comunhão parcial e da participaçãofinal nos aqüestos”.

Na vigência da sociedade conjugal, o consorte que estiver na posse dos bens do outro seráresponsável como depositário, se não for seu usufrutuário, nem administrador (CC, art. 1.652, III),incumbindo-lhe, com relação a eles, proceder com diligência necessária à sua guarda e conser-vação, restituindo-os ao seu cônjuge quando este o exigir ou a seus herdeiros após o óbito dele,com todos os frutos e acréscimos. É-lhe lícito reaver as despesas de conservação e indenizar-sepelos prejuízos que delas lhe advierem, tendo direito de retenção até reembolsar-se efetivamente,como ensina Maria Helena Diniz.

IX.3) Outras observações

Sobre o regime da separação obrigatória de bens e Súmula 377 do STF, remete-se às obser-vações próprias feitas quando dos comentários ao art. 1.641.

Washington de Barros Monteiro pondera que sobre o regime da separação existem aindaoutras normas gerais: a) a falência do marido não atinge os bens particulares da mulher (Dec.- lein. 7.661/ 45, art. 42); b) ainda que o regime matrimonial seja o de separação, a mulher tem direi-to a alimentos (RT, 188:640; 196:283); c) a vocação para suceder em bens de estrangeiros situa-dos no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou

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de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (LICC,art. 10, § 19); d) o estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressaanuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apos-tile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de ter-ceiros e dada esta adoção ao competente registro (LICC, art . 7º, § 5º, com redação da Lei n.6.515/ 77, art. 43).

X. DO USUFRUTO E DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DE FILHOS MENORES

O Subtítulo II do Título II, que se refere ao “direito patrimonial” , é dedicado ao usufruto, e àadministração dos bens de filhos menores pelos seus genitores, matéria que no CC/ 1916 eratratada dentro do que hoje passou a ser denominado poder familiar. O legislador buscou tratar emseparado dos direitos pessoais e dos direitos patrimoniais decorrentes do poder familiar.

Pouca novidade traz este capítulo do novo CC, fazendo apenas adequação do CC/ 1916 àisonomia dos direitos paternos e maternos no exercício do poder familiar, também em relação aosbens dos filhos menores.

X.1) Da administração e usufruto dos bens dos filhos menores - art. 1.689

É mantido no art. 1.689 o direito do pai e da mãe, enquanto t itulares do poder familiar, aousufruto e administração dos bens dos filhos menores, salvo os bens excluídos e que são os ta-xativamente enumerados no art. 1.693.

A lei investe os pais na função de administradores naturais dos bens dos filhos submetidosao seu poder familiar, função que em tese é irrenunciável e gratuita. Tal administração abrangetodos os atos que visam à conservação, ao melhoramento e à produtividade dos bens dos filhos,à percepção de seus frutos e à aplicação de seus rendimentos. Além do direito à administração,têm os pais também o direito de usufruto sobre os bens dos filhos menores, o que implica o direi-to de fruir as utilidades e frutos desses bens. E esse usufruto tem características especiais: a)decorre de determinação legal, e não de negócio jurídico; b) não reclama inscrição no RegistroImobiliário; c) alcança todos os bens que constituem o patrimônio do filho, com as exceções pre-vistas em lei; d) não admite cessão e é irrenunciável; e) não exige caução e é impenhorável; f) éinstituto de direito de família.

Anota Alexandre Guedes Alcoforado Assunção que “o usufruto dos bens dos filhos menorespelos genitores é uma decorrência lógica do poder familiar. Sendo os filhos absolutamente inca-pazes (art. 3º), ou relativamente incapazes (art. 4) para o exercício dos atos da vida civil, cabe aospais representá-los e assisti-los, respectivamente. Em regra o usufrutuário é, também, o admi-nistrador dos bens. ‘O poder de administrar compreende os atos idôneos à conservação e ao incre-mento do patrimônio do filho. Exerce-se sobre todos os bens, salvo naturalmente os excluídosexpressamente pela vontade de quem os doou ou legou ao filho’ (Orlando Gomes)” .

Como ambos os pais são igualmente titulares desse direito à administração e ao usufrutosobre os bens dos filhos menores, em caso de divergência entre eles, deverão recorrer ao juiz paraque dê a necessária solução, conforme art. 1.690, parágrafo único.

As rendas produzidas pelo patrimônio do filho pertencem aos pais, que exercem adminis-tração que dispensa a prestação de contas relativamente aos rendimentos produzidos (para a

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maioria dos autores: Orlando Gomes, Maria Helena Diniz, Marco Aurélio da Silva Viana). EsclareceCarlos Roberto Gonçalves que estes direitos consistem numa “compensação dos encargos decor-rentes de sua criação e educação. Trata-se de usufruto legal, que dispensa prestação de contas eda caução a que se refere o art. 1.400 do Código Civil” . Mas os bens deverão ser entregues aofilho, alcançada a maioridade, com seus acrescentamentos, sem que os pais tenham qualquerremuneração.

As hipóteses de exclusão dos pais da administração e usufruto dos bens do filho menor sãoas mesmas previstas no art. 391 do CC/ 1916, adequadas às hipóteses do inciso I, a igualdade dosfilhos e a do inciso II aos novos tempos, generalizando as hipóteses em que o filho entre 16 e 18anos pode constituir seu próprio patrimônio.

Na hipótese de impedimento ou incapacidade de qualquer dos genitores de exercer o poderfamiliar, também a administração e o usufruto sobre os bens dos filhos menores caberá ao outrocom exclusividade. A suspensão ou destituição do poder familiar exclui aquele genitor punido dodireito de usufruir ou administrar os bens dos menores, o que caberá apenas ao outro.

X.2) Dos bens excluídos do usufruto e da administração dos pais - art. 1.693

A alteração neste ponto consiste na ausência de previsão da perda pelo genitor viúvo dousufruto sobre os bens dos filhos, caso venha a casar-se novamente antes de fazer o inventário eder a partilha aos herdeiros dos bens do falecido, como era disciplinado nos arts. 183, XIII, e 225do CC/ 1916.

Sobre a questão da autorização judicial exigida no caput do art. 1.691, apropriadas as consi-derações de Virgílio Panagiotis Starvridis no sentido de que “o caput do art. 1.691 estabelece que,no que tange ao exercício da administração dos bens dos filhos, somente três atos necessitam deautorização judicial: a alienação de imóveis, a instituição de ônus reais sobre estes e a contrataçãode obrigações que ultrapassam os limites da simples administração. Entretanto, a expe-riência temdemonstrado que, em outras situações além das três assinaladas, seria recomendável a inter-venção judicial. Não é raro o incapaz receber grandes quantias em dinheiro. Isto ocorre, geral-mente, em duas situações. A primeira hipótese é quando do recebimento de seguro de vida dei-xado por falecimento de um dos seus pais. Por diversos motivos, como o alto valor e a preocu-pação com a efetiva e regular quitação, geralmente as companhias de seguro exigem alvará judi-cial em favor do representante do beneficiário incapaz autorizando-o a receber o benefício. Asegunda hipótese trata do recebimento de verba fixada em sentença que julgou procedente pedi-do ofertado em demanda que visa à reparação dos danos materiais e morais decorrentes deresponsabilidade civil, seja ela contratual ou extracontratual. Não há qualquer previsão legal noque toca à necessidade de autorização judicial quanto à destinação ou emprego da verba recebi-da, cabendo ao pai ou à mãe, com exclusividade, decidir sobre sua aplicação.

O caput do art. 1.693 exclui do usufruto e administração dos pais:

a) Os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento - art. 1.693, I

A exclusão prevista no inciso I, ou seja, dos bens adquiridos pelo filho havido fora do casa-mento, antes do reconhecimento, é conseqüência lógica da situação fática. Sem reconhecimento,o pai não poderá exercer o poder familiar. Cabe à mãe, portanto, exercê-lo com exclusividade (art.1.633) - como bem anotado por Alexandre Guedes Alcoforado Assunção.

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Com clareza, observa Silvio Rodrigues que “nesses casos visa-se impedir que o reconheci-mento seja apenas produto do intuito do pai de beneficiar-se com o usufruto ou com a adminis-tração dos bens do filho. Se o móvel do pai que pretende reconhecer não for somente o deaproveitar-se da fortuna do filho, ele o reconhecerá de qualquer forma, privando-se, contudo, dousufruto e da administração dos bens do menor” .

b) Os valores auferidos pelo filho maior de 16 anos, no exercício de atividade profissional e os benscom tais recursos adquiridos - art. 1.693, II

Paulo Luiz Netto Lôbo considera que a redação dada ao art. 1.693, inciso II, que exclui dousufruto e da administração dos pais “os valores auferidos pelo filho maior de 16 anos, no exercí-cio de atividade profissional, e os bens com tais recursos adquiridos”, modificou o texto legal ante-rior, trazendo inovação no sentido de instituir verdadeiros “bens reservados” em benefício do filhomaior de 16 anos que os adquirir em virtude de qualquer atividade profissional que desenvolva.

Segundo Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, o novo Código deixou de se referir apenas aos“bens deixados ao filho, para fim determinado” (art. 390, II, c/ c o art. 1.916) e ampliou as hipóte-ses do inciso II (art. 391, II, c/ c o art. 1.916). Agora, todos os rendimentos auferidos pelo traba-lho do maior de 16 anos e os bens adquiridos com esses recursos não mais estão sujeitos aousufruto e à administração pelos pais (art. 1.693, II). O filho será assistido pelos pais.

c) Os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administra-dos, pelos pais - art. 1.693, III

Está mantida a possibilidade de, em testamento ou doação, se excluir o genitor da adminis-tração e usufruto do bem do filho.

Explicam Nelson Nery Júnior e Rosa Nery que se trata do “curador de herança de menor” ,e que “a hipótese do CC 1733 § 2 atinge também o filho menor sob o exercício do poder familiardos pais e limita-se ao zelo pelos bens deixados, por herança ou legado, para menor sob tutela oupoder familiar. A nomeação é feita pelo testador e não pode recair em pessoa que apresente asfalhas apontadas no CC 1735 I a VI. O curador assim nomeado limita-se a administrar o patrimônioobjeto dessa herança ou legado”.

Nada impede que tal curador seja administrador da herança legít ima ou testamentária domenor. Pode haver a nomeação do curador mesmo no caso de o outro genitor estar em condiçõesde exercer o poder familiar. Quando os genitores não convivem juntos e têm restrições recíprocas,é comum que algum deles - ou ambos - faça testamento nomeando um curador para administraros bens do menor, evitando que o ex-cônjuge indiretamente se beneficie do patrimônio deixadopara o filho.

d) Os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão - art.1.693, IV

Esta disposição é semelhante à do art. 1.816, parágrafo único, do CC/ 02, que se justifica,porque, do contrário, os pais estariam tirando proveito dos bens a que não fizeram jus.

A hipótese do inciso IV relativa à perda do direito à administração e usufruto dos bens dofilho menor, quando os pais forem excluídos da sucessão, deveria ser aplicada aos dois genitores,

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se estes ainda conviverem, caso apenas um sofra a pena porque, do contrário, indiretamente aque-le privado da sucessão continuará beneficiado. Ex.: a mãe casada, com duas filhas menores, matao pai (avô das suas filhas) e é excluída da sucessão deste, com o que, por representação, as fi-lhas menores herdam os bens do avô. O marido dela será o usufrutuário e administrador dos bens,com o que, convivendo aquela mulher com ele, indiretamente está-se beneficiando dos bens decuja sucessão e usufruto ela foi excluída.

Salienta Silvio Rodrigues que “a exclusão por indignidade, de que cogita a lei (CC/ 1916,arts. 1.595 e s.; CC/ 2002, arts. 1.814 e s.), é uma pena que se aplica ao herdeiro ingrato e queconsiste em privá-lo da sucessão. Como os efeitos da pena são pessoais, ela não atinge os filhosdo indigno, que, dessa maneira, herdam como se seu pai morto fosse. Ora, se o indigno pudesseadministrar ou ter o usufruto dos bens havidos por seu filho, em sucessão de que foi excluído, apena a ele imposta perderia parte de sua eficácia. E sua ingratidão ficaria apenas parcialmentepunida. Por isso a lei tira-lhe tanto a administração como o usufruto sobre tais bens. Em todasessas hipóteses, o juiz deverá nomear curador especial, que administrará os bens subtraídos àadministração paterna. Finalmente, a hipótese dada pelos Decretos-leis n. 2.063, de 4 de abril de1940, e 3.182, de 9 de abril de 1941, consignando que as ações de companhias de seguros e ban-cos, pertencentes a menores sujeitos ao pátrio poder de pessoa estrangeira, devem ser admi-nistradas por brasileiros” .

Quando os pais são excluídos da sucessão - inciso IV -, ficam igualmente impedidos deexercer a administração e usufruto dos bens que couberem aos filhos. A disposição.” .(ASSUNÇÃO, Alexandre Guedes Alcoforado. In: FIUZA, Ricardo (Coord.) Novo Código CivilComentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1500-1501.)

X.3) Dos limites à administração dos pais - art. 1.691

Aos pais, como administradores e usufrutuários dos bens dos filhos menores é vedada aprática de atos que ultrapassem os limites da mera administração. O legislador visa com arestrição que impõe no caput do art. 1.691 proteger os interesses dos menores quanto a possíveisatos de má administração ou malversação dos bens pelos pais genitores, enquanto titulares dopoder familiar.

Visa o disposit ivo preservar o patrimônio do menor íntegro, tanto quanto possível, até a suamaioridade, bem como proteger terceiros que integrem a relação jurídica, negociando direito domenor. Na hipótese de haver manifesto interesse e utilidade para os menores, desde que seja essademonstrada, convencendo-se o representante do Ministério Público e o Magistrado, poder-se-áobter autorização judicial, para eventual alienação do bem, o que não precisa ser necessariamenteem hasta pública. Neste sentido, observam Jorge Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves:“Não há necessidade de hasta pública para venda de bens de filhos menores sob o poder familiar,basta alvará judicial” . No entanto, sem autorização judicial, não é possível alienar os imóveis,hipotecar, gravar de ônus reais, nem contrair obrigações que ultrapassem o limite indicado pela lei.E, caso praticado, sem a devida autorização, este ato é inválido.

O art. 1.691 mantém a norma do art. 386 CC/ 1916, segundo a qual os pais não podemalienar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações queultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse daprole, mediante prévia autorização do juiz. Mantém também, no parágrafo único do dispositivo, a

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legit imidade aos filhos, herdeiros, e representante legal para argüir a invalidade dos atos previs-tos no art. 1.691, tal como estava contido no art. 388 do CC/ 1916.

Observa Silvio Rodrigues que “os bens deixados ao filho para fim certo e determinado,como na deixa testamentária em que os bens são destinados à educação do menor. Nesse caso,o desvio da renda torna impossível alcançar o fim almejado pelo testador. O novo Código nãoreproduz essa exclusão no subtítulo em exame, mas é decorrência natural da previsão testamen-tária que, nesse caso, perderão os pais a liberdade no usufruto e administração do patrimônioassim constituído, pela natureza do encargo imposto, independentemente de previsão específicanessa parte da lei relativa ao poder familiar” .

Consideram meramente anuláveis os atos praticados com violação ao caput do art. 1.691,José Costa Loures e Taís Guimarães, que anotam que “os atos profligados no presente artigo sãoanuláveis, indicando a lei as pessoas que podem pleitear em juízo a sua anulação, podendo opróprio filho fazê-lo, quando atingir a maioridade; os seus herdeiros, se falecer ele enquantomenor; ou o seu representante legal, se estiver ele sob tutela. O prazo para a propositura da açãoé de decadência e de dois anos, segundo a regra geral do artigo 179, contados, como já se disse,da data em que o menor completar a maioridade”.

X.4) Da representação e assistência dos pais em relação aos filhos menores - art. 1.690

O art. 1.690 é mera repetição do art. 1.634, V, e ainda encontra-se deslocado neste capítu-lo destinado aos direitos patrimoniais.

O art. 1.690 diz que “compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade,representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maio-ridade ou serem emancipados”. Isto é, atribui igualmente aos genitores o direito de representar osfilhos menores de 16 anos e de assisti-los até os 18 anos ou emancipação; só na falta dos geni-tores é que o outro assume a representação ou assistência exclusiva sobre o filho. Por falta de-verá ser entendida qualquer uma das hipóteses de suspensão e extinção do poder familiar previs-tas nos arts. 1.635 e segs. Paulo Luiz Netto Lôbo diz que este artigo que prevê a representaçãodos filhos menores de 16 anos e a assistência aos filhos entre 16 e 18 anos é de natureza pessoal,não se atendo apenas às questões de cunho patrimonial, o que implica dizer que ele se encontraem capítulo inadequado e deveria estar do capítulo V destinado ao poder familiar.

Opinam Jorge Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves no sentido de que “o art. 1.690é expresso, no sentido de que a representação e assistência dos filhos menores é feita em con-junto pelos pais. Interpreta-se, assim, o dispositivo constitucional, como recomendando a admi-nistração da sociedade conjugal não por qualquer um, mas por ambos os cônjuges. No regime doCC de 1916, o administrador era o pai e, na sua falta, a mãe. Agora, são ambos e não qualquerdeles. Se não houver, portanto, consenso entre os pais, a solução será recorrer ao Juiz (parágrafoúnico, art. 1.690). Embora vencidos, nesse particular, pensamos que o dispositivo constitucionalautoriza qualquer dos cônjuges a administrar a sociedade conjugal” .

X.5) O curador especial - art. 1.692

É mantida a figura do curador especial para as hipóteses em que houver colisão de inte-resses dos pais e filhos (o art. 1.692 do CC/ 02 tem a mesma previsão do art. 387 do CC/ 1916).

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O art. 9º, I, do CPC tem disciplina semelhante a esta norma.

Leciona Carlos Roberto Gonçalves que “sempre que no exercício do poder familiar colidir ointeresse dos pais com o do filho, o juiz lhe dará curador especial (art. 1.692). Não se exige, paratanto, prova de que o pai pretende lesar o filho. Basta que se coloquem em situações cujos inte-resses são aparentemente antagônicos, como acontece na venda de ascendente a descendente,que depende do consentimento dos demais descendentes. Se um destes for menor, ser-lhe-ánomeado curador especial, para representá-lo na anuência” .

O objetivo do comando legal é a proteção do interesse do menor, em face de choque com ointeresse de seus pais, conforme observa Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, que explicaque “o curador especial ao menor deverá ser nomeado a pedido do próprio menor ou a requeri-mento do Ministério Público. Para a nomeação do curador especial não é necessária prova de queos pais pretendem causar lesão ao patrimônio do filho. É o bastante a aparência de conflito deinteresse. O curador especial tem o dever de defender os interesses do menor, representando-oapenas nos atos administrativos em conflito. Os pais permanecem exercendo o poder familiarsobre o filho menor, nos moldes do art. 1.634”.

Adequada a distinção feita por Nelson Nery Júnior e Rosa Nery: “não se deve confundir aatuação do Ministério Público no exercício da chamada curadoria de incapazes (CPC 82 II), com anomeação do curador especial de que trata o CPC 9º, II. Este artigo CC 1692 trata das duas fi-guras. No processo em que haja interesses de menores, colidam ou não os interesses desses comos de seus pais ou representantes, o MP deve sempre intervir, por força do CPC, 82, II. Se,durante o processo, houver colidência de interesses do menor com os de seus representantes,haverá necessidade de nomeação de curador especial a este menor (CPC 9º, II) e de atuação doórgão do MP (CPC, 82, II e CC 1692)” .

X.6) Da separação e divórcio não alterar o poder familiar

Tanto os direitos assegurados de usufruto e administração dos bens do filho menor (art.1.689) como os de representação e assistência do filho menor (art. 1.690) não são alterados emrazão da separação ou divórcio dos pais, não havendo preferência em que tais atribuições passema ser exclusivas do guardião, por força do art. 1.632: “a separação judicial, o divórcio e a dis-solução da união estável não altera as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aosprimeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”. Portanto, a guarda dá ao genitor ape-nas o direito de custódia sobre o filho, sem privilegiá-lo em relação aos demais atributos inerentesao poder familiar que continuarão a ser exercidos igualmente pelo pai e pela mãe, buscando umasolução judicial em caso de divergência (art. 1.631 parágrafo único, norma repetida no art. 1.690,parágrafo único).

A concessão da guarda do filho a um dos genitores não esvazia o poder familiar em nada, oque por si só já demonstra a inutilidade, data venia, da guarda compartilhada no nosso sistemajurídico poder ter neste ponto uma divergência nevrálgica com o direito português, por exemplo,onde o guardião passa a ser o único titular do poder familiar.

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XI. DOS ALIMENTOS

O Subtítulo III do Título “Do Direito Patrimonial” é o que trata “Dos Alimentos” , abrangen-do os arts. 1.694 a 1.710, encontrando-se neste instituto talvez as modificações mais polêmicasdo novo Código Civil.

Pode-se considerar que o instituto mais maltratado, com todo respeito, no novo Código éjustamente o dos alimentos, porque a impressão é a de que o legislador considerou que ser pen-sionado por outrem tenha deixado de ser uma exceção para passar a ser uma regra; ao invés deos alimentos ficarem restritos apenas às necessidades básicas de subsistência, como forma deincentivar o trabalho de quem queira ter melhor “condição de vida”, no novo CC passaram a teruma abrangência e um alcance que se podem definir como absurdamente deseducativos. A idéiaque se tem é a de que a jurisprudência ia tranqüila, segura e unânime por um caminho, e, derepente, o novo Código está levando o instituto dos alimentos para uma posição diametralmenteoposta àquela que estava sendo a do bom senso geral.

É por isso que denuncia Francisco José Cahali que na sistemática proposta, em um só sub-título, entre os artigos 1.694 e 1.710,

“ trata-se promiscuamente dos alimentos, quer tenham eles origem narelação de parentesco, quer sejam conseqüentes do rompimento docasamento ou da convivência. Esta modificação estrutural, sem dúvida,repercute na interpretação das regras e princípios sobre a matéria, indi-cando venha a prevalecer o tratamento estritamente idêntico da pensão,independentemente da origem da obrigação. Daí, como se verá, resta-belece entre os cônjuges a invalidade da renúncia à pensão e estendeaos alimentos decorrentes do parentesco a transmissibilidade da obri-gação alimentar. Em linhas gerais, a polêmica gravita em torno danatureza jurídica da pensão alimentícia devida ao cônjuge (ou con-vivente) e aquela destinada aos familiares consangüíneos. [...] Nestesentido, a tendência dos Tribunais vinha sendo no sentido de confirmar adistinção entre os alimentos, de acordo com a sua origem, reservando acada qual um regime jurídico próprio, e, em alguns aspectos, diferencia-do. Agora, modificam-se os rumos para aproximar, quanto a característi-cas e efeitos, qualquer espécie de alimentos decorrentes do Direito deFamília.”

Antes de adentrar neste capítulo, necessário lembrar com Carlos Roberto Gonçalves que

“os alimentos são de várias espécies. Quanto à natureza, podem ser na-turais ou civis. Os naturais (ou necessários) restringem-se ao indispen-sável à satisfação das necessidades primárias da vida; os civis (ou côn-gruos: expressão usada pelo autor venezuelano Lopes Herrera e men-cionada no Código Chileno, art. 323) destinam-se a manter a condiçãosocial, o status da família. Quanto à causa jurídica, dividem-se em legais(ou legítimos), devidos em virtude de uma obrigação legal, que podedecorrer do parentesco, do casamento ou do companheirismo (CC, art.1.694); voluntários, que emanam de uma declaração de vontade intervivos (obrigação assumida contratualmente por quem não tinha a obri-gação legal de pagar alimentos - pertencem ao direito das obrigações esão chamados também de obrigacionais) ou causa mortis (manifestada

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em testamento, em geral sob a forma de legado de alimentos, e previstano art. 1.920 - pertencem ao direito das sucessões e são tambémchamados de testamentários); e indenizatórios (ou ressarcitórios), resul-tantes da prática de um ato ilícito (constituem forma de indenização dodano ex delicto e também pertencem ao direito das obrigações, arts.948, II, e 950). Somente os alimentos legais ou legítimos pertencem aodireito de família. Assim, a prisão civil pelo não-pagamento de dívida de ali-mentos, permitida na Constituição (art. 5º, LXVII), somente pode ser de-cretada no caso dos alimentos previstos nos arts. 1.566, III, e 1.694 e s. doCC, que constituem relação de direito de família, sendo inadmissível emcaso de não pagamento dos alimentos indenizatórios (responsabilidadeex delicto) e dos voluntários (obrigacionais ou testamentários).”

XI.1) Dos obrigados, do conteúdo e do alcance dos alimentos - art. 1.694

Bastou o caput do art. 1.694 para dar início à grande discussão jurídica dispor que: “Podemos parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitempara viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidadesde sua educação”.

A primeira inovação consiste em que os alimentos devidos em razão do parentesco foramdisciplinados conjuntamente, no mesmo caput do art. 1.694, com aqueles decorrentes do casa-mento e da união estável. O art. 396 do CC/ 1916 tratava dos alimentos oriundos do jus sanguinis,enquanto a Lei 6.515/ 77 disciplinava os alimentos originários do casamento, e foram as Leis8.971/ 94 e 9.278/ 96 que abordaram os alimentos com base na união estável. Era deste trata-mento distinto e diferenciado dos alimentos conforme a causa jurídica de que era originária a obri-gação que se chegava a conclusões e efeitos também diversos deste instituto, conforme os obri-gados: considerava-se válida e eficaz a renúncia a alimentos entre cônjuges e companheiros, masimpossível entre parentes; era transmissível a obrigação alimentar decorrente do casamento, masnão o era a originária do parentesco, por exemplo.

Realmente, este caput do art. 1.694, sozinho, foi capaz de reestruturar tudo o que vinhasendo construído em decorrência da diversidade da causa jurídica da obrigação alimentar, comconseqüências que certamente poderão levar, data venia, à prostituição do instituto, que temrazões tão humanitárias.

Esclarece Regina Beatriz Tavares da Silva que, “ainda no Senado, à regra do art. 1.694 foiacrescentado, como beneficiário dos alimentos, o cônjuge e, na Câmara, o companheiro, sem quehouvesse ressalva quanto ao conteúdo da verba alimentar, que, por razões evidentes, quanto aesses credores, não deve conter despesas com educação. Como já ressaltava Yussef Said Cahali,ao analisar o projeto do novo CC, este ‘pretende introduzir uma inovação que, por certo, seráembaraçosa na sua aplicabilidade’” .

O direito a alimentos decorrente de casamento ou união estável tem fundamento no deverde assistência imposto entre cônjuges no art. 1.566, III e entre companheiros no art. 1.724.

a) Da abrangência dos alimentos: “condição social” ou “viver de modo digno”

Outra novidade duvidosa contida no caput do art. 1.694 foi a de permitir que os alimentossejam pedidos em quantum suficiente para que o alimentado possa “viver de modo compatível coma sua condição social” .

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Segundo Nelcy Pereira Lessa, “no entender do Relator das Emendas na Câmara dosDeputados, o dispositivo não prevê a manutenção do mesmo padrão, tratando apenas da com-patibilidade do modo de vida com a condição social” .

O IBDFAM sugere a alteração do art. 1.694 para que dele conste que “podem os parentes,cônjuges ou os companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver demodo digno”. A justificativa apresentada tem o seguinte conteúdo: “ [...].deve ser excluída a refe-rência ao atendimento das ‘necessidades de sua educação’, por ser inadequada sua incidênciacom relação aos cônjuges e companheiros, e, por outro lado, quanto aos parentes menores, oatendimento dessa necessidade já se encontra previsto no art. 1.701. Por fim, a expressão ‘com-patível com sua condição social’ deve ser substituída por ‘digno’. Mantendo-se a expressão uti-lizada, poderá ser feita a interpretação de que o credor dos alimentos não poderá diminuir o seupadrão de vida, quando, na realidade, a simples divisão matemática de um casal que se separa(duas casas, duas manutenções etc.) muitas vezes não possibilita a mantença do padrão de vidapara a pessoa que recebe, e também para a que alcança os alimentos”.

A própria Regina Beatriz Tavares da Silva, que tão de perto acompanhou e interferiu naredação do novo Código Civil, cede para considerar que “deve ser acolhida a proposta realizadapelo IBDFAM, pela qual bem pondera que é inadequado o atendimento às necessidades de edu-cação do cônjuge ou do companheiro. Ainda, conforme a mesma proposta, a expressão ‘compatívelcom sua condição social’ deve ser alterada e substituída por ‘digno’, já que a primeira poderá serinterpretada como impossibilidade de diminuição do padrão de vida, sabendo-se que, a dependerda situação econômica e financeira dos envolvidos, especialmente dentre aqueles com menosrecursos, a diminuição do padrão de vida é inevitável” .

No Projeto de Lei 6.960/ 02, de autoria do Dep. Ricardo Fiuza, foi proposta a alteração docaput do art. 1.694, que passaria a ter a seguinte redação: “podem os parentes, os cônjuges oucompanheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver com dignidade” .

A parte final relativa a educação seria inadequada a cônjuges e companheiros, e, quanto aosparentes, já consta do art. 1.701, caput, pelo que, prudente seria a sua exclusão do caput do art.1.694.

XI.2) Da proporcionalidade: do atendimento ao binômio “necessidades” x “possibilidades” - § 1ºdo art. 1.694

Art. 1.694, § 1º: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do recla-mante e dos recursos da pessoa obrigada.”

O § 1º do art. 1.694 repete como critério para fixação dos alimentos a observação do princí-pio da proporcionalidade, que se alcança com o atendimento do consagrado binômio das “possi-bilidades” do alimentante, que é aquele que vai ter que cumprir a obrigação alimentar, e das“necessidades” do alimentado, que devem ser, na medida do possível, supridas com o quantum daprestação alimentícia que receber.

Prudente, observa Carlos Roberto Gonçalves que “o fornecimento de alimentos depende,também, das possibilidades do alimentante. Não se pode condenar ao pagamento de pensão ali-mentícia quem possui somente o estritamente necessário à própria subsistência. O § 1º do art.1.694 do Código Civil dispõe que os ‘alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades

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do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada’. É o requisito da proporcionalidade, impedindoque se leve em conta somente um desses fatores”.

Assinala Silvio Rodrigues que, “se enormes são as necessidades do alimentário, mas escas-sos os recursos do alimentante, reduzida será a pensão; por outro lado, se se trata de pessoa deamplos recursos, maior será a contribuição alimentícia. A regra é vaga e representa apenas umstandard jurídico. Assim, abre ao juiz um extenso campo de ação, capaz de possibilitar o enquadra-mento dos mais variados casos individuais” .

Adverte, porém, Nelcy Pereira Lessa que “a nova lei dispõe sobre situações em que os ali-mentos serão fixados levando-se em conta não só o binômio necessidade/ possibilidade, mas tam-bém a causa do pedido, pois, se a situação de fato em que se encontra o credor deriva de culpasua, os alimentos serão fixados no mínimo, tão-somente para sua subsistência”.

Não se pode deixar de examinar, na aplicação do princípio da proporcionalidade, o fato deque o dever de sustentar os filhos é imposto pela lei a ambos os genitores, que para tanto devemconcorrer dentro das possibilidades de cada um. É Maria Helena Diniz quem adverte que “os côn-juges têm a obrigação de contribuir na proporção de seus bens e do rendimento ou produto do tra-balho (remuneração direta: salário, vencimentos, honorários, comissões; lucros complementaresimediatos: prêmios, gratificações, conversão de licença-prêmio em pecúnia; e lucros comple-mentares mediatos: aposentadoria, pensão e outros benefícios sociais) para o sustento da famíliae educação da prole (CC, art. 1.568), respondendo solidariamente pelas dívidas, exceto as con-traídas em benefício da família (CC, arts. 1.643 e 1.644)” .

Pelo fato de existir, entre pessoas determinadas, um vínculo de família por consangüinidadeou casamento/ união estável, a lei impõe a elas a recíproca obrigação de se prestarem alimentoscom suporte no dever de socorro e solidariedade que deve existir entre estes obrigados e osnecessitados. Esta diferenciação era feita, por exemplo, por Basílio de Oliveira, quando observa-va que “a obrigação alimentar no casamento é recíproca entre os cônjuges, não apenas pelo deverde mútua assistência, mas também em face da regra contida no art. 19 da Lei 6.515 e a igualdadeestabelecida no § 5º do art. 226 da CF, que fez desaparecer a figura do chefe da sociedade con-jugal. A pensão é fixada somente em caso de necessidade comprovada, ao contrário da obrigaçãodevida pelo vínculo do parentesco, em que a necessidade é presumida, como, v.g., na hipótese dealimentos de pais a filhos”.

Doutrina e jurisprudência, além de fazerem a distinção, quanto à natureza, dos alimentosem “naturais” e “civis” , também diferenciavam as hipóteses em que um ou outro eram devidos ecaminhavam uníssonas nesse passo.

Os alimentos decorrentes do dever de solidariedade, entre pessoas adultas, eram excep-cionais, porque indivíduos maiores e saudáveis deveriam se autoprover pelo próprio trabalho;assim, como forma de não incentivar o ócio e o parasitismo, costumavam esses alimentos serrestritos aos naturais, isto é, sua fixação limitada àquilo que fosse necessário para subsistência doalimentado, com o custeio do essencial para mantenção da vida com alimentação, remédios, ves-tuário e habitação (necessarium vitae). Mesmo com toda sua liberalidade, Maria Berenice Diasafirmava que também entre cônjuges ou companheiros eram devidos alimentos naturais: “ já comreferência ao cônjuge, na única hipótese ainda contemplada na regra legal vigente - qual seja, acondição de inocência, os alimentos limitam-se ao atendimento das necessidades do alimentando,isto é, não se beneficia o cônjuge credor da ascensão econômico-financeira do devedor” .

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Por isso que Carlos Roberto Gonçalves define que “alimentos são prestações para satis-fação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Têm por finalidade fornecer a umparente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência. Quanto ao conteúdo, abrangemo indispensável ao sustento, vestuário, habitação, assistência médica e instrução (CC, art. 1.920)” .Maria Helena Diniz, citando Orlando Gomes, afirma que “compreende o que é imprescindível à vidada pessoa como alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, diversões, e, se a pessoaalimentada for menor de idade, ainda verbas para sua instrução e educação (CC, art. 1.701),incluindo parcelas despendidas com sepultamento, por parentes legalmente responsáveis pelos ali-mentos. Realmente o CC, art. 872, assim reza: ‘nas despesas do enterro proporcionadas aos usoslocais e à condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obri-gação de alimentar o que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens’” .

Até o novo CC, os alimentos devidos em razão do dever de sustento dos pais para com osfilhos menores, como decorrência do munus imposto pelo jus sanguinis e o poder familiar, eramtidos como civis porque abrangiam outras necessidades, tais como as intelectuais, morais e até olazer do filho alimentário (necessarium personae). Quanto a estes alimentos, Maria Berenice Diasafirma que “aos descendentes, os alimentos são fixados de forma proporcional aos rendimentosdo alimentante, utilizando-se o parâmetro da possibilidade e da necessidade. Chega-se a definir ofilho como ‘sócio do pai’, com o direito de manter o padrão de vida ostentado pelo genitor.Portanto, em se tratando de alimentos devidos por vínculo de consangüinidade - obrigação do paipara com a prole, o balizador para sua fixação, mais do que a necessidade do filho, é a possibili-dade do pai, que mais paga quanto mais ganha”.

Justo seria que os alimentos devidos pelos pais aos filhos menores, presumidos necessitados,fossem estabelecidos conforme as condições e as possibilidades dos alimentantes, enquanto queaqueles devidos por um irmão para outro que é maior e alcóolatra se restringissem ao essencial àsubsistência desse último, independente do padrão de vida do alimentante. Neste último caso, anecessidade do alimentado, por se tratar de pessoa maior, não era presumida e exigia comprovação.

Para que prevaleça a dicotomia conceitual e de eficácia construída entre alimentos civis enaturais, é preciso alterar o caput do art. 1.694 para que as “necessidades” referidas no § 1º sejammensuradas pelo critério de vida “digna”, que nem sempre terá que ser “compatível com acondição social” que se mantinha quando a família convivia sob o mesmo teto e somando as ren-das do grupo familiar, conforme os beneficiários do direito alimentar. De qualquer forma, comoanota Nelcy Pereira Lessa “os dois parágrafos abrandaram a assertiva genérica do caput do art.1.694”. Pode-se acrescer que também o art. 1.695, ao definir que só são devidos os alimentos“quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própriamantença,” ameniza o critério “condição social” mencionado no caput do art. 1.694.

De qualquer forma, aproveitável a dicotomia que Carlos Roberto Gonçalves considera aindaexistir entre obrigação alimentar e direito a alimentos, dizendo que, “entre pais e filhos menores,cônjuges e companheiros, não existe propriamente obrigação alimentar, mas dever familiar,respectivamente de sustento e de mútua assistência (CC, arts. 1.566, III e IV, e 1.724)” . [...] “Odever de sustentar os filhos menores é expresso no art. 1.566, IV, do CC e é enfatizado nos arts.1.634, I, e 229, este da CF. Decorre do poder familiar e deve ser cumprido incondicionalmente, nãoconcorrendo os pressupostos da obrigação alimentar. Subsiste independentemente do estado denecessidade do filho, ou seja, mesmo que este disponha de bens, recebidos por herança ou

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doação. Cessa quando o filho se emancipa ou atinge a maioridade aos dezoito anos de idade.Nestas hipóteses, deixa de existir o dever alimentar decorrente do poder familiar, mas pode sur-gir a obrigação alimentar, de natureza genérica, decorrente do parentesco (CC, art. 1.694)” . Odever de sustento pesa somente sobre os pais (CC, art. 1.566, IV), não se estendendo aos ou-tros ascendentes. E não é recíproco, ao contrário da obrigação alimentar do art. 1.694, que o éentre todos os ascendentes e descendentes.

Enquanto Maria Helena Diniz distingue dever de sustentar os filhos (CC, art. 1.566, IV) e aobrigação alimentar entre parentes: “ (a) a obrigação alimentar pode durar a vida toda e o deverde sustento cessa, em regra, ipso iure, com a maioridade dos filhos sem necessidade de ajuiza-mento pelo devedor de ação exoneratória (AASP, 1.950:36), porém a maioridade, por si só, nãobasta para exonerar os pais desse dever, porque filho maior, que não trabalha e cursa estabeleci-mento de ensino superior (AASP, 1.954:44), pode pleitear alimentos, alegando que se isso lhe fornegado prejudicaria sua formação profissional (RT, 490:109; TJRJ, Adcoas, 1983, n. 89.527; 1982,n. 86.076); (b) a pensão alimentícia subordina-se à necessidade do alimentando e à capacidadeeconômica do alimentante, enquanto o dever de sustentar prescinde da necessidade do filhomenor não emancipado, medindo-se na proporção dos haveres do pai e da mãe. Logo, essas duasobrigações não são idênticas na índole e na estrutura”.

Por sua vez, Rolf Madaleno faz distinção entre dever e obrigação alimentar, dizendo que“existe dever alimentar relativo entre cônjuges e concubinos e de parentes distanciados em grauda sociedade doméstica e viceja uma obrigação alimentar irrestrita, quando cuida de dar susten-to, educação, saúde, lazer e formação aos descendentes, enquanto sob o pálio do pátrio poder” .

O art. 1.590 é expresso em que “as disposições relativas à guarda e prestação de alimen-tos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes.” Portanto, a obrigação alimentar estáassegurada aos filhos maiores incapazes, nas mesmas bases e condições impostas pelo dever desustento que beneficiam os filhos enquanto menores. Mas adverte Carlos Roberto Gonçalves que“os filhos maiores que, por incapacidade ou enfermidade, não estiverem em condições de proverà sua subsistência, poderão pleitear também alimentos, mas com este outro fundamento, sujei-tando-se à comprovação dos requisitos da necessidade e da possibilidade. Tal obrigação podedurar até a morte”.

XI.3) Dos alimentos X estudos X maioridade

O caput do art. 1.694 prevê que os alimentos devem “atender às necessidades de sua edu-cação”, referindo-se aos parentes, sem menção a idade. No entanto, o art. 1.701, em sua partefinal, estabelece que o dever de “prestar o necessário à sua educação” só permanece enquanto oalimentando for “menor” . Os dois disposit ivos são objeto de proposta de alteração de redaçãopelo Projeto de Lei 6.960/ 02.

Observa Francisco José Cahali que, na obrigação alimentar dos pais em relação aos filhosmenores, haverá influência da “redução da capacidade civil para 18 anos de idade (art. 5º). Nestesentido, a prestação alimentar enquanto decorrência do dever de sustento inerente ao poder fami-liar (pátrio poder) não mais subsiste até 21 anos. Mas, assim como já fazia a melhor orientação,deve-se em princípio prolongar a obrigação até os 24 anos do ‘maior’ estudante. Aliás, ao se esta-belecer expressamente que a pensão deve ser fixada ‘inclusive para atender às necessidades desua educação’ (art. 1.694), fácil será sustentar a subsistência da obrigação mesmo após alcança-

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da a capacidade civil com 18 anos, quando destinado o valor para mantença de filho estudante”.

Explica Carlos Roberto Gonçalves que “ reiterada jurisprudência tem, contudo, afirmado a não-ces-sação da obrigação alimentar paterna diante da simples maioridade do filho, determinando amanutenção do encargo até o limite de 24 anos deste (limite este extraído da legislação sobre oimposto de renda), enquanto estiver cursando escola superior, salvo se dispuser de meios própriospara sua manutenção. Fora desses casos, a maioridade faz cessar automaticamente o dever depagar alimentos, dispensando o ajuizamento de ação exoneratória, podendo simplesmente serdeferido pedido de expedição de ofício à empregadora do devedor, inexistindo, ademais, o direitode acrescer (TJSP, AgI 260.325-1- SP, Rel. Des. Renan Lotufo, j. 10/ 9/ 95). Cessa também deimediato a obrigação alimentar em relação ao filho emancipado em razão do casamento (TJSP, AgI248.527-118- SP, Rel. Des. Sousa Lima, j. 19/ 4/ 95)” .

Por seu turno, Ênio Santarelli Zuliani lembra que, “ ‘extinto o poder familiar (nova designaçãode pátrio poder), conforme arts. 1.630 e 1.635, III, cessa o dever alimentar. Acontece, no entanto,que o fim da assistência material atinge, em grande escala, o filho em plena fase de preparaçãopara ingresso em universidades ou no início de cursos seqüenciais ou profissionalizantes, quandoa dependência econômica se agrava. Para os pais sensíveis ao drama dos filhos e que trabalhampara que tenham eles um futuro digno, a manutenção persistirá de forma voluntária até a con-clusão da faculdade. Porém, para a família em crise - infelizmente uma realidade cada vez maiorem nosso meio - a mudança do Código antecipa o lit ígio que iria eclodir somente aos 21 anos(regime anterior), exatamente porque a falta de amor corta a bolsa-escola, encaminhando os fi-lhos às Varas de Família em busca da prorrogação do vínculo alimentar. A experiência é revelado-ra da impossibilidade de se obter uma ótima graduação, com financiamento próprio. Um curso deDireito, no período noturno, não impede o aluno de exercer atividade remunerada no períodomatutino ou no vespertino, como assinalei na Ap. 113.481-4/ 9 (RT, 772/ 216). Como, no entanto,obrigar um aluno de Medicina (que não conta com horário noturno, salvo engano) a trabalhar parase manter na faculdade? Nestes e em todos os demais casos em que se comprovar que o projetode conclusão universitária do filho depende da cooperação dos pais para decolar, será legít ima asentença constitutiva da obrigação complementar” .

Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva, “quanto ao conteúdo da obrigação de prestar ali-mentos entre parentes, que inclui as despesas de educação, é feita sugestão legislativa na nota aoart. 1.701, de modo a restar claro que as verbas com essa destinação não cessam com a maioridade”.

De fato, o Projeto de Lei 6.960/ 02 propõe a inclusão de um § 3º neste art. 1.694, que de-verá ter a seguinte redação: “A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de tercessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios própriosde subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação”.

Importante frisar que o legislador impõe ao filho maior que reivindica alimentos que com-prove o seu estado de necessidade e incapacidade de se automanter, como seria natural. Não seaplica, como aos menores, a presunção de necessidade. Não é demais lembrar que, mesmo paraos filhos maiores, a obrigação alimentar também incumbirá a ambos os genitores, proporcional-mente aos seus rendimentos e/ ou possibilidades.

O direito ao custeio dos estudos a título de alimentos estava condicionado à menoridade dofilho na redação inicial do caput do art. 1.694, explicando Nelcy Pereira Lessa que a justificativada emenda supressiva da condição temporal foi a de que “os juízes têm entendido que os filhos

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maiores, que freqüentam cursos secundários e universitários e não têm recursos para prover aprópria subsistência, podem receber alimentos, mesmo os fixados quando menores, nos dissídiosentre os pais e a forma proposta poderia prejudicar esse entendimento”.

Para que alimentos em favor de filhos maiores não se tornem deseducativos, fonte de pro-longamento da adolescência e um desestímulo a que lutem por sua independência financeira,aproveitando da saúde e força da juventude, para sacrificar seus pais, muitas vezes doentes ecansados, apenas por não terem propenção para o labor, parece importante colacionar decisão doTJSP pela sua coragem na defesa da moralização do instituto dos alimentos:

“Temos aqui a situação de miserabilidade do alimentante, tanto socialcomo financeiramente, contrastando com a auto-independência do filho,jovem de 19 anos e com pleno vigor físico, reclamando interpretaçãocorajosa da finalidade do instituto. A 3ª Câm. Dir. Priv. do TJSP, em votoconduzido pelo Relator, Des. Ênio Zuliani (Ap. Cív. 197.481-4/ 2, julgadoem 4/ 9/ 01), assim dirimiu o caso: ‘Urge que se encontre alternativa paraum julgamento que não merece ser encaminhado para aqueles reserva-dos aos casos comuns ou sem excepcionalidades e a exoneração precoce,por isso, surge como solução jurídica confortável, porque a constituiçãoda obrigação alimentar não vai melhorar a expectativa de vida do filho esim agravar ou sacrificar a liberdade do pai. O jovem, que permaneceuna companhia da mãe depois da separação dos pais, aguardou 8 anospara ingressar com ação de alimentos e sequer compareceu à 1ª audiên-cia designada, tanto que o processo foi arquivado por conta de tal desin-teresse. Parece evidente a sua auto-independência financeira. Tambémnão ousou impugnar a afirmativa de que trabalha em lanchonete, que éjovem cheio de saúde e que o pai é um pobre ex-alcoólatra que ganha,esporadicamente, algum dinheiro vendendo, nas ruas, sorvetes em car-rinho de mão, depois de perder, por inaptidão, a função rural de ‘arran-cador de praga de laranja’. O autor afirmou na inicial que necessita deum curso de computação para conseguir um emprego mais qualificado e,igualmente, não convenceu de que isto é uma afirmação verdadeira, poisnão trouxe testemunhas ou comprovante de matrícula em curso destetipo. O destino prega peças surpreendentes e não raro assistimos filhosadolescentes assumindo o lugar do pai omisso ou doente para fazerdeslanchar a vida da família em crise financeira, um exemplo de sacrifí-cio e perseverança que muitos anônimos cumprem com naturalidade. Asituação dos autos não é muito diferente e poderá ser afirmado que, peladura e crua realidade fática, o pai - um homem consumido pelo vício dabebida, dependente de remédios e da caridade da velha mãe - é quenecessita da assistência do filho e não o inverso. Manter o pensiona-mento, nestas condições (ainda que em dimensão reduzida ou 1/ 4 dosalário mínimo, como sugeriu o Procurador de Justiça) seria desvirtuar afinalidade do regramento alimentar, que é, por óbvio, o de garantir sub-sistência dos indigentes ou carentes indefesos diante do egoísmo oucaridade dos parentes poderosos. A inadimplência é uma certeza e nãouma incógnita. O apelante não vai conseguir pagar sequer 1/ 4 do saláriomínimo ‘saindo do alto do morro para vender sorvete na cidade’, comoenfatizado pela Procuradoria. A sentença, portanto, em sendo prestigia-do, não vai melhorar a condição do filho e sim agravar a posição do pai,alvo de uma provável execução com prisão (arts. 733 do CPC e 5º,

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LXVII, da CF). Não é a Justiça que se espera (art. 5º, XXXV, da CF). OMin. Sydney Sanches escreveu que ‘num país de enormes conflitos soci-ais, políticos, jurídicos, econômicos e morais, como é o Brasil, ganhaenorme relevo o poder daquele a quem se confere, em nome da Nação,a missão de dirimi-los. Cresce, em proporção geométrica, sua respon-sabilidade, para evitar que, mediante decisões temerárias, arbitrárias einjustas, ao invés de dirimi-los, os amplie ou perpetue’. O filho, quepersegue a condenação do pai no crepúsculo da maioridade civil e semdemonstrar vocação real para o aprendizado de curso profissionalizante,é, em comparação ao suposto provedor e que sobrevive oprimido peladesesperança ou capacidade de sonhar com projetos maiúsculos de vidapromissora, um afortunado. Reúne ótimas aptidões pela força física ejuventude, enquanto que o pai sustenta-se em verdadeiro estado de mis-éria, assistindo, dia a dia, encurtar suas chances de trabalho. Incumbe aoEstado-juiz, diante de um caso peculiar, evitar a incidência da regra usual(arts. 396 e 397 do CC) e, com isto, exonerar o pai do dever de susten-tar o filho de 19 anos, não só por impossibilidade inquestionável de serconcretizado o vínculo da obrigação pecuniária, como por constituir adecisão um estímulo para um proceder magnânimo ou humanitário porparte do filho, que, aceitando a liberação, livra o pai da partida para ocaminho da prisão civil, invariavelmente a próxima seqüência do filme dafamília” (Pesquisa ADV, 8/ 2002).

XI.4) Dos alimentos decorrentes da culpa serem restritos aos naturais - § 2º do art. 1.694

Inova ainda o CC/ 02, ao prever no § 2º do art. 1.694, que “os alimentos serão apenas osindispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem ospleiteia” .

Mas também esse dispositivo não obteve boa receptividade dos juristas a ponto de opróprio IBDFAM sugerir a sua supressão sob a justificativa de que “o parágrafo segundo trás paradentro até mesmo da demanda alimentar entre parentes o questionamento da culpa, o que vai nacontramão da história, criando um problema de difícil solução para o juiz, que será o de apurar seo necessitado é ou não culpado pela sua necessidade”.

A atuação culposa de qualquer pessoa não pode acarretar ônus para quem não seja com elaco-participante. No entanto, conforme Carlos Roberto Gonçalves, “não importa a causa pela qualo reclamante foi reduzido à condição de necessitado, tendo direito a pensão ainda que culpado poressa situação. Neste caso, entretanto, os alimentos serão apenas os indispensáveis à sua sub-sistência, como proclama o § 2º do art. 1.694 do CC de 2002, que nesse ponto inova, trazendopara o texto legal a distinção feita pela doutrina entre alimentos naturais (ou necessários, indis-pensáveis à subsistência e destinados à alimentação, vestuário, saúde, habitação etc.) e alimen-tos civis (ou côngruos, destinados a manter a condição social, o status da família)” .

Procura explicar Regina Beatriz Tavares da Silva que “este artigo introduz em nosso direito,no § 2º, ao lado dos alimentos necessários, o conceito de alimentos indispensáveis, devidosmesmo diante de culpa do credor, que permanece com o direito de ser alimentado. De grande valiaé essa regra, porque, ao mesmo tempo em que atende ao princípio da solidariedade nas relaçõesde parentesco, casamento e união estável, não deixa de reconhecer que em caso de culpa devemser atendidas somente as necessidades básicas do alimentário, com a prestação do que é indis-pensável à sua subsistência”.

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Difícil apurar a situação que o legislador quis abranger com este dispositivo. RefleteFrancisco José Cahali a respeito: “Seria a punição ao filho menor que recusa morar com o pai e,assim, tem sua pensão reduzida por dar causa à necessidade regularmente suprida na convivênciaconjunta? Não, certamente não, pois a pensão, neste caso, continua sendo resultante do dever desustento. Haverá que se aguardar a casuística para ver como a doutrina e a jurisprudência se com-portam diante de tal previsão, pois, não se sabe se por falha, desconhecimento ou real intenção,o legislador fez incluir a perquirição da culpa de quem pleiteia os alimentos na previsão genéricada obrigação alimentar, e aí incluída aquela decorrente do parentesco. Pode-se talvez refletir sobreter pretendido o legislador reduzir a pensão quando o parente (maior e capaz) dá causa à suanecessidade ao, por descuido ou irresponsabilidade, dilapidar patrimônio (prodigalidade) ou encon-tra dificuldade na inclusão no mercado de trabalho por temperamento irascível” .

XI.5) Quem é o “necessitado” que pode pedir alimentos - art. 1.695

O art. 1.695 praticamente reproduz o caput do art. 399 do CC, estabelecendo que só “sãodevidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, peloseu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem des-falque do necessário ao seu sustento”.

Assinala Nelcy Pereira Lessa que, “em condições normais, cada pessoa deveria, com o pro-duto de seu trabalho ou rendimentos, prover seu próprio sustento, tendo a obrigação caráter sub-sidiário. Acrescente-se que, em princípio, deverá o reclamante alienar bens próprios para suprirsuas necessidades” .

Como condições de exigibilidade da obrigação alimentar, Silvio Rodrigues esclarece que,“para que emerja o direito de pedir alimentos, mister se faz que o alimentário não tenha bens, nempossa prover, pelo seu trabalho, à própria mantença. Assim, se quem os pede tem emprego, quelhe proporciona o suficiente para manter-se (RT, 188/ 217); ou se não trabalha porque prefere oócio, tratando-se de pessoa válida que, se quisesse, obteria colocação; ou se se cogita de indiví-duo cujos bens seriam capazes de proporcionar renda bastante para a sobrevivência do dono, emtodas essas hipóteses deve o pedido de alimentos ser indeferido. Por outro lado, se a questão dizrespeito a pessoa idosa ou doente que não pode trabalhar, ou mesmo se se trata de indivíduo váli-do que não consegue arranjar emprego, em virtude de crise que torna escassas as colocações,então o pedido de alimentos pode ser atendido”.

O fundamento da obrigação de prestar alimentos, para Maria Helena Diniz, está no “princí-pio da preservação da dignidade da pessoa humana (CF, art. lº, III) e o da solidariedade familiar,pois vem a ser um dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de parentesco que oliga ao alimentando. Assim, na obrigação alimentar um parente fornece a outro aquilo que lhe énecessário à sua manutenção, assegurando-lhe meios de subsistência, se ele, em virtude de idadeavançada, doença, falta de trabalho ou qualquer incapacidade, estiver impossibilitado de produzirrecursos materiais com o próprio esforço”.

No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves também considera que “só pode reclamar ali-mentos, assim, o parente que não tem recursos próprios e está impossibilitado de obtê-los, pordoença, idade avançada ou outro motivo relevante”.

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XI.6) da reciprocidade dos alimentos que devem ser pedidos do mais próximo em grau na linhaascendente - art. 1.696.

O art. 1.696 praticamente reproduz o art. 397 do CC/ 1916, estabelecendo que “o direito àprestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recain-do a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”.

Três podem ser as regras extraídas deste disposit ivo:

1º) A característica da reciprocidade da obrigação alimentar entre parentes. A reciprocidade daobrigação alimentar alcança tanto os ascendentes quanto os descendentes e ainda os cola-terais de 2º grau. Ao direito de exigir os alimentos corresponde a obrigação de prestá-los, oque não significa que, em um mesmo instante, se possa ser simultaneamente alimentado e ali-mentante. A reciprocidade implica que o credor dos alimentos de hoje poderá ser o obrigadoa prestá-los no futuro.

Explica Maria Helena Diniz que “essas pessoas são, potencialmente, sujeitos ativo e passi-vo, pois quem pode ser credor também pode ser devedor. Assim, somente pessoas que pro-cedem do mesmo tronco ancestral devem alimentos, excluindo-se os afins, por mais próximoque seja o grau de afinidade”.

2º) Que os alimentos têm que ser pedidos necessariamente dos ascendentes mais próximos emgrau. “Quem necessitar de alimentos deverá pedi-los, primeiramente, ao pai ou à mãe (RT,490:108)” , como afirma Maria Helena Diniz, e só “na falta destes, aos avós paternos ou mater-nos (AASP, 1.877:145; EJSTJ, 19:49; RSTJ, 100:195; Adcoas, 1980, n. 74.442, TJRJ); naausência destes, aos bisavós e assim sucessivamente”.

Complementa Carlos Roberto Gonçalves, ao ressaltar que “ todos os filhos, inclusive oshavidos fora do matrimônio e os adotivos, têm direito ao benefício (CC, art. 1.705), ‘sendo fa-cultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação se processe em se-gredo de justiça’. O filho somente pode pedir alimentos ao avô se faltar o pai ou se, existindo,não tiver condições econômicas de efetuar o pagamento. A ação deve ser dirigida primeira-mente contra o pai, para, na impossibilidade dele, serem chamados os avós. Não se exclui apossibilidade de a ação ser proposta contra o pai e o avô, se evidenciado que aquele não temcondições de arcar sozinho com a obrigação alimentar” .

3º) Que na falta dos primeiros obrigados deve-se recorrer aos ascendentes do grau seguinte e sóna falta de ascendentes capazes de prestar os alimentos é que se busca a prestação junto aosdescendentes, sempre pedindo daqueles mais próximos em grau. É ainda Maria Helena Dinizquem ensina que, “não havendo ascendentes, compete a prestação de alimentos aos descen-dentes, ou seja, aos filhos maiores, independentemente da qualidade de filiação (CF/ 88, art.229)” .

De forma didática, expõe Carlos Roberto Gonçalves que:

“Somente quatro classes de parentes são, pois, obrigadas à prestaçãode alimentos, em ordem preferencial, formando uma verdadeira hierar-quia no parentesco: a) pais e filhos, reciprocamente; b) na falta destes,os ascendentes, na ordem de sua proximidade; c) os descendentes, naordem da sucessão; d) os irmãos, unilaterais ou bilaterais, sem distinçãoou preferência.” [...] “Os avós são, assim, chamados a complementar apensão, que o pai, sozinho, não pode oferecer aos filhos (CC, art. 1.698).

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Se faltam ascendentes, a obrigação alcança os descendentes, segundoa ordem de sucessão (CC, art. 1.697). São convocados os filhos, emseguida os netos, depois os bisnetos etc. O pai somente pode pedir ali-mentos ao neto se faltar o filho ou, se existindo, não estiver emcondições de responder pelo encargo, havendo também neste caso apossibilidade de o neto ser chamado a complementar a pensão, que ofilho não pode pagar por inteiro. Embora menor de dezoito anos e sob opoder familiar, está obrigado a prestar alimentos ao filho o pai que oreconheceu por ocasião do registro de nascimento. Inexistindo descen-dentes o encargo recai sobre os irmãos, germanos ou unilaterais, semdistinção de qualquer espécie” .

XI.7) Dos alimentos poderem ser pedidos dos descendentes e dos colaterais na falta dos primeirosobrigados - art. 1.697

Completando o art. 1.696 e sem trazer novidades em relação ao CC/ 1916 (art. 398), esta-belece-se que: “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordemde sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais” .

Uma vez que os arts. 1.696 e 1.697 disciplinam a obrigação alimentar entre parentes, énecessário questionar quem é definido como “parente” no novo CC, principalmente para fins deprestação alimentícia.

a) Dos “parentes” no novo Código Civil e a obrigação alimentar

Assinalam Nelson Nery Júnior e Rosa Nery que no “sistema do CC são parentes todas aspessoas que, independentemente do grau, estão em relação de ascendência ou descendênciaumas para com as outras (CC 1.591), bem como os colaterais até o quarto grau (CC 1.592).Como o CC não distingue entre o parentesco civil e o natural (CC 1.593), nem a CF 227 § 6º per-mite distinção entre filhos, o adotado também assume a situação de filho e a relação de pa-rentesco que daí decorre (CC 1.626)” .

Na verdade, o art. 1.697 cuida de manter a limitação dos obrigados a prestação recíprocade alimentos aos parentes em linha reta sem restrição, ou seja, entre ascendente e descendenteexiste o dever em qualquer grau. E conserva a restrição na linha colateral aos parentes de 2º grau,isto é, aos irmãos, sejam unilaterais ou germanos. Deve ficar claro que a obrigação alimentar nalinha reta ou colateral de 2º grau existe tanto quando o parentesco for natural quanto tiver origemcivil na ficção criada pela adoção ou inseminação artificial heteróloga. Não se acredita em inter-pretação ampliativa para abranger como obrigados à prestação alimentícia todos aqueles que sãodefinidos como parentes para fins de sucessão. Colaterais de 3º e 4º grau não têm que prestarnem podem pretender alimentos uns dos outros. Não há obrigação entre tios e sobrinhos ou entreprimos. Neste sentido, além de Maria Helena Diniz, já citada, Carlos Roberto Gonçalves tambémconsidera que “a obrigação alimentar decorre da lei, mas é fundada no parentesco (art. 1.694),ficando circunscrita aos ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, com recipro-cidade. É transmissível e divisível” .

Quanto aos alimentos devidos reciprocamente entre adotante e adotado, diante da inte-gração absoluta que decorre agora, de qualquer adoção, deixa de haver possibilidade, recíproca,de alimentos entre os pais biológicos e os filhos que foram adotados por terceiros; e passa a exis-tir tal obrigação não só entre adotado e adotante mas também entre os ascendentes e colateraisaté 2º grau do adotante e o adotado e os seus descendentes.

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Preocupante é o fato de o art. 1.595 ter estabelecido que afinidade é forma de parentesco,pois diz no § 1º que “o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes eaos irmãos do cônjuge ou companheiro” . No CC/ 1916 o vínculo de afinidade nunca se constituiuem modalidade de parentesco. Sempre foi considerado um vínculo criado pela lei que aliava oscônjuges - e agora também os companheiros - aos parentes do outro, sem contudo se confundircom o parentesco.

Na medida em que o art. 1.593 é também ampliativo do que seja parentesco civil, pois dis-põe que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”,certamente não faltará quem defenda que neste parentesco civil decorrente de outra origem este-jam incluídos os “afins”. Exemplos deste entendimento já estão sendo encontrados: Nelcy PereiraLessa afirma que, “quando o legislador fez menção a parentes, deve-se entender aí os familiaresconsangüíneos, acrescentando a este vínculo os da afinidade e da adoção” ; Lúcia Maria TeixeiraFerreira para quem, “certamente, com a introdução de uma nova sistemática trazida pelo novo CCpara a matéria dos alimentos, modificando a estrutura normativa deste instituto, a questão dodever alimentar entre os afins demandará novas reflexões”. Em posição oposta, afirma CarlosRoberto Gonçalves que, “quanto às pessoas obrigadas a prestar alimentos em razão do pa-rentesco, [...] o rol é taxativo (numerus clausus) e não inclui os parentes por afinidade (sogros,cunhados, padrastos, enteados). Já se decidiu que, em razão do caráter pessoal da obrigação, seas irmãs são casadas, têm filhos e são inteiramente dependentes, econômica e financeiramente dosmaridos, sem qualquer renda ou atividade independente, não poderiam, assim, ser responsabi-lizadas pela pensão aos irmãos menores, sob pena de, por via indireta, condenarem-se os cunhados,que não estão evidentemente na linha de responsabilidade fixada pela lei civil (RT, 665:74). Poroutro lado, se o alimentando é casado, é ao seu cônjuge que ele deve dirigir-se, antes de visaralgum dos parentes”.

Quanto a alimentos para o nascituro, socorre-se mais uma vez das lições de Carlos RobertoGonçalves, que explica que “como a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida(CC, art. 2º), o nascituro não pode ser titular atual da pretensão alimentícia. A jurisprudência temperfilhado esse entendimento, embora admitindo a aplicação do jus superveniens, representadopelo nascimento do alimentando após o ajuizamento da ação. Na doutrina, a questão mostra-secontrovertida. Yussef Said Cahali, concordando com a referida orientação jurisprudencial, susten-ta que somente se reconhece ao nascituro “direito a alimentos, no sentido das coisas necessáriasà sua manutenção e sobrevivência, de modo indireto, compondo os valores respectivos a pensãodeferida à esposa” . Sob esse prisma, o nascituro produto de relações extramatrimoniais não pode-ria ser beneficiado quando a mãe não tivesse direito a alimentos (hoje, tal direito é reconhecidoaos companheiros). O citado civilista menciona, no entanto, vários autores que admitem a proposi-tura de ação de alimentos pelo nascituro, como Pontes de Miranda, Oliveira e Cruz, MouraBittencourt e Silmara Chinelato e Almeida. Sustenta a última, em trabalho específico, que “aonascituro são devidos alimentos em sentido lato - alimentos civis - para que possa nutrir-se edesenvolver-se com normalidade, objetivando o nascimento com vida”.” Para Maria Helena Diniz“o nascituro não reconhecido, por meio de sua mãe ou de curator ventris, deverá pleitear a inves-tigação de paternidade cumulada com alimentos civis, para que possa desenvolver-se, alcançan-do, p. ex., despesas médico-hospitalares, incluindo cirurgias intra-uterinas, ultrassonografia, partoetc. (RT, 650:220).” Por seu turno, Maria Alice Zaratin Lotufo considera que, “em relação ao nasci-turo, aquele ser que ainda se encontra no ventre materno e que deverá nascer, discute-se se é cre-

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dor de alimentos, uma vez que, segundo o art. 4º do CC, a personalidade do homem começa donascimento com vida, sendo que a lei resguarda, desde a concepção, os direitos do nascituro. Paramuitos o nascituro não teria direitos, apenas expectativa, pois os seus direitos estariam submeti-dos a uma condição suspensiva, ou seja, ao seu nascimento com vida. Para os que assim enten-dem, o nascituro não tem direito a alimentos. No entanto, para outros, os partidários da doutrinaconcepcionista, o nascituro tem personalidade, é pessoa, uma vez que não pode haver direitos semsujeito; os direitos patrimoniais, como a doação e a herança, estariam submetidos a uma condiçãoresolutiva, ou seja, se resolveriam com o nascimento sem vida. Assim, o dever de sustento do paiinicia-se desde a concepção no útero materno e se consubstancia em fornecer alimentos à mãeque é nutridora natural de seu filho, bem como a ampla assistência médico-cirúrgica pré-natal” .

Daí a severa observação de Sérgio Couto no sentido de que:

“ampliada a obrigação alimentar, força concluir que o parente tornou-seum órgão previdenciário de seus consangüíneos ou afins, como o concu-bino(a), por expressa determinação legal e, com isso, o legislador lava asmãos, despojando-se da ínsita responsabilidade social que lhe é ine-rente. Resumo da ópera: podem os parentes, os cônjuges ou conviventespedir uns aos outros os alimentos. Na falta de ascendentes cabe a obri-gação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e faltandoestes, os irmãos. Todos entrelaçados. E ainda há os concubinos, quepodem exigir uns dos outros, sem a prova da convivência mínima, o queincentiva o estelionato sentimental. Não adianta espernear. O rico ou oremediado da família tem que socorrer os menos afortunados. O desem-pregado ou o doente dependente tem agora a quem apelar, não pre-cisando bater às portas do governo ou do mercado, até porque estãosempre fechadas. O protesto antigo do cancioneiro bem de vida acabou:‘Na aba do meu chapéu/ você não pode ficar’. E nem na versão moder-na: ‘Sai da minha aba/ sai prá lá’, porque o poder infinito e incontrastá-vel do Estado resolveu mudar a ordem jurídica. As manifestações espon-tâneas de solidariedade que ainda existem, fortalecendo os laços defamília, cederam lugar à força da imposição legal. E ai de quem tentarescapulir do dever jurídico de ajuda ao parente necessitado, porqueestará sujeito à pena de prisão. Com a regra da ‘solidariedade’ inventa-da pelo legislador não é difícil prever o que acontecerá com a famíliabrasileira daqui para frente: saraivada de ações de alimentos, uns contraos outros, desagregando-a ainda mais. A briga que antes não havia entreirmãos, está inaugurada com o novo diploma, na caça aos alimentos judi-ciais. O amor e o respeito que devem orientar a relação das pessoas domesmo sangue, ou não, considerando-se as diferenças culturais ou pa-trimoniais existentes, porque isso é contingência da própria vida, tam-bém vai acabar. Todos serão lançados em lutas judiciais encarniçadasvisando apenas o cifrão. Não haverá vencidos ou vencedores pela sim-ples razão de que os contendores perderão o que há de mais sublime naordem familiar que é a afetividade que sempre deve imperar nasrelações” .

XI.8) Da solidariedade e do litisconsórcio na obrigação alimentar - art. 1.698

O art. 1.698, reproduzindo parcialmente o art. 397 do CC/ 1916, traz inovação significativade caráter processual, porque dispôs que: “se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar,

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não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os degrau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer naproporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais serchamadas a integrar a lide” .

O IBDFAM propôs a alteração da redação deste disposit ivo para que conste “se o parente,que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encar-go, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestaralimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos”. A justificação apre-sentada para tal proposta foi a seguinte: “Propõe-se a exclusão da parte final do disposit ivo (“e,intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”), por tratar-se de norma heterotópica. Seu conteúdo é processual, criando uma forma de intervenção de ter-ceiro que não se enquadra em nenhuma daquelas previstas no ordenamento processual civil. Cabelembrar que todas as possibilidades intervencionais ocasionam o retardo no andamento do proces-so, o que deve ser evitado ao máximo em se tratando de ação de alimentos. Ao depois esta pos-sibilidade vai inibir a busca de alimentos. Basta figurar a hipótese de o neto, que reside com o avômaterno, dificilmente acionará o avô paterno em face do risco de acabar, em face da possibilidadedo chamamento ao processo, aquele que o abriga, preso, por inadimplemento do pagamento dosalimentos”.

O art. 1.698 consagra os princípios de que a obrigação alimentar é divisível e conjunta, masnão é solidária. A solidariedade não se presume, pois ela resulta da lei ou vontade das partes (art.264, CC/ 02), com o que cada devedor responde por sua quota parte.

Com muita propriedade, explica Carlos Roberto Gonçalves que:

“A obrigação alimentar é também divisível, e não solidária, porque a so-lidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes (CC,art. 264). Não havendo texto legal impondo a solidariedade, é ela divisí-vel, isto é, conjunta. Cada devedor responde por sua quota-parte.Havendo quatro filhos em condições de pensionar o ascendente, nãopoderá este exigir de um só deles o cumprimento da obrigação porinteiro. Se o fizer, sujeitar-se-á às conseqüências de sua omissão, porinexistir na hipótese lit isconsórcio passivo necessário, mas sim facultati-vo impróprio, isto é, obterá apenas 1/ 4 do valor da pensão (STJ, 4º T.,REsp 50.153-9- RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU, 14/ 11/ 94, p.30961, Seção I). Cumpre ao ascendente, nesse caso, chamar a juízo,simultaneamente, todos os filhos, não lhe sendo lícito escolher apenasum deles. Se o fizer, sujeitar-se-á, como visto acima, às conseqüênciasde sua omissão. Propondo a ação contra todos, o juiz rateará entre elesa pensão arbitrada, de acordo com as possibilidades econômicas de cadaum, exonerando do encargo o que se achar incapacitado financeira-mente. A exclusão, portanto, só se legitima no nível do exame de méri-to, se provada a sua incapacidade econômica. Como inovação, o CC/ 02preceitua que, ‘sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos,todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, inten-tada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrara lide’ (art. 1.698, 2ª parte). A integração far-se-á pelo chamamento aoprocesso” .

Aplaude Francisco José Cahali parte do art. 1.698 em que “acolheu-se a orientação já con-

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solidada na doutrina e na jurisprudência, pela qual se pode pleitear alimentos complementares aoparente de outra classe se o mais próximo não estiver em condições de suportar totalmente oencargo. Representa a transformação em artigo do Código daquela usual ocorrência de proposi-tura de ação contra avós buscando a pensão suplementar pela reduzida capacidade do genitor” .No entanto, ainda conforme Francisco José Cahali, rebela-se contra a parte final deste artigo que“previu a possibilidade de, proposta a ação contra um, serem chamados a integrar a lide todas aspessoas obrigadas. Não foi feliz o legislador. Primeiro, faz incursão indevida no direito processual,ao prever causa específica de intervenção de terceiro no processo, e, o que é pior, sem identificaro respectivo instituto processual, requisitos e efeitos desta intervenção. Lembramos processar-sea ação de alimentos pelo rito especial, e, como tal, ser avessa a incidentes processuais destanatureza. Segundo, contraria o espírito cada vez mais acentuado de se buscar soluções rápidasaos processos, evitando turbulências nos procedimentos, especialmente diante do caráter alimen-tar da pretensão”. E conclui que “no confronto entre prós e contras, ainda melhor teria sido ine-xistir o artigo 1.698 do novo Código”.

Ao autor da ação de alimentos continuará facultativo o litisconsórcio, assim como ao réuacionado, que poderá ou não chamar à lide os demais obrigados. Parece que a solução é mais éticae moral, buscando maior equilíbrio na relação familiar, evitando o uso do pedido de complementodos alimentos contra avós por mera vindita ou pura picardia, como se tem visto nos tribunais.Sabendo que seus próprios genitores poderão ser chamados ao processo, a nora, representantedos filhos menores, irá pensar duas vezes antes de iniciar uma demanda desta natureza, utilizan-do-a apenas em caso de estrita necessidade. Importa em critério ético-moral que equilibra arelação entre as famílias materna e paterna, evitando que as mães, em geral as guardiãs, colo-quem os netos contra os avós paternos dizendo que eles não querem lhes dar a devida assistên-cia, estabelecendo aquelas lamentáveis “guerras íntimas”.

Acata esta norma, sem maiores reparos, Maria Helena Diniz, que considera que “nadaobsta, havendo pluralidade de obrigados do mesmo grau, que se cumpra a obrigação alimentar porconcurso entre parentes, contribuindo cada um com a quota proporcional aos seus haveres; se aação de alimentos for intentada contra um deles, os demais poderão ser chamados a integrar alide (CC, art. 1.698) para contribuir com sua parte, distribuindo-se a dívida entre todos. Na sen-tença, o juiz rateará entre todos a soma arbitrada e proporcional às possibilidades econômicas decada um, exceto aquele que se encontra financeiramente incapacitado, e, assim, cada qual seráresponsável pela sua parte. Se, por acaso, algum dos obrigados suportar o encargo, satisfazendo,totalmente, o necessitado, não há o que exigir dos outros. Não há, portanto, solidariedade, por serdivisível a obrigação”.

Muito oportuna a observação em acórdão do TJSP sobre as prudentes colocações do ilus-tre advogado Sérgio Couto, quando lembrou que os alimentos contra avós não podem virar umapanacéia, com abusos por parte dos netos. Afinal, nada mais justo que tenham paz e segurançana velhice:

“O que importa analisar, neste caso, é a responsabilidade jurídica do avômaterno pelo sustento de neto que chegou ao mundo sem pai declaradoou conhecido. R. (a mãe) nasceu em 16/ 6/ 77 e gerou F. (o neto doapelado) em 7/ 1/ 00. Na ordem social, o amor em família obriga os pa-rentes a se socorrerem reciprocamente, principalmente para subsistên-cia digna dos menores (artigo 12, III, da CF). Nem sempre as coisas se

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passam ou se resolvem com solidariedade ou fraternidade voluntária,porque há o aspecto legalidade de mais uma obrigação financeira nosombros dos mais velhos. Socorrer os netos nem sempre é possível oupermitido e os juízes não desconhecem a realidade. O ilustre advogadoSergio Couto escreveu no jornal O Globo - Jornal da Família (edição de22/ 4/ 01) - um artigo interessante intitulado Cabelos brancos no bancodos réus, quando oportunizou: ‘Outros avós, no entanto, após 40 ou 50anos de trabalho, agora sem preocupações maiores com os filhos já adul-tos, gostariam de levar a vida mais folgada que merecem. São avós mo-dernos, que gostam de freqüentar bailes da terceira idade, de passear,de viajar, de namorar - por que não? A velhice tem outros gastos, nadalúdicos. Um bom plano de saúde para quem tem mais de 60 anos custaum absurdo. Também saem caros os remédios que os mais velhos sãoobrigados a usar - medicamentos para artrite, hipertensão, reumatismo,enfermidades respiratórias, cardíacas ou digestivas. O dinheiro que, navisão oportunista de alguns, está sobrando para o vovô, na realidade nãosobra coisa nenhuma. Está é faltando para aquele a qualidade de vida aque faz jus. No entanto, aumenta o número de avós acionados naJustiça. Não bastasse ter que ficar à disposição dos netos enquanto fi-lhos, genros e noras passeiam, viajam e vão a festas, agora devem pagara conta do supermercado e até cadeia podem pegar caso não o façam’” .(Pesquisa ADV)

XI.9) Da alteratividade da obrigação alimentar - art. 1.699

O art. 1.699 praticamente repetiu o art. 401 do CC/ 1916, possibilitando a revisão da obri-gação alimentar: “se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem ossupre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstân-cias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.

Por se tratar de relação continuativa no tempo, a obrigação alimentar traz ínsita a cláusularebus sic stantibus, permitindo a modificação do quantum ou da forma da obrigação alimentar, oumesmo a sua extinção, a qualquer tempo, desde que preenchido o requisito exigido pela lei, qualseja, “mudança na situação patrimonial” das partes. Exige-se fato novo, posterior à constituição efixação da obrigação objeto do pedido de alteração. Como menciona Carlos Roberto Gonçalves,“o quantum fixado não é imutável, pois, se houver modificação na situação econômica das partes,poderá qualquer delas ajuizar ação revisional de alimentos, com fundamento no art. 1.699 do CC,para pleitear a exoneração, redução ou majoração do encargo” .

A expressão “mudança na fortuna” consagrada no Código revogado era mais abrangente egenérica do que a expressão usada no art. 1.699, “mudança na situação patrimonial” . Não sãoapenas alterações na situação patrimonial que podem ensejar uma revisional de alimentos.Mudanças fáticas, também. Tanto que Maria Helena Diniz observa que, “se o credor de alimentostiver comportamento indigno, passar a viver em união estável, concubinato ou se casar nova-mente, perderá os alimentos, exonerando o devedor (CC, art. 1.708; RT: 525:111, 543:119,546:223, 534:230, 535:93)” .

XI.10) Da transmissibilidade da obrigação alimentar - art. 1.700

Das questões mais polêmicas na obrigação alimentar hoje em dia é a sua transmissibilidade

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ou não, e será acirrada pela redação dada ao art. 1.700: “a obrigação de prestar alimentos trans-mite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”.

O IBDFAM propôs a alteração da redação do art. 1.700, sugerindo que tivesse os seguintestermos: “A obrigação de prestar alimentos, decorrente do casamento ou da união estável, trans-mite-se aos herdeiros do devedor no limite dos frutos do quinhão de cada herdeiro”. Eis a justifi-cação apresentada para tal proposta pelo IBDFAM: “Primeiro, convém limitar a transmissão daobrigação alimentar apenas quando proveniente de casamento ou de união estável, na linha do quetem sido, majoritariamente reconhecido pela jurisprudência, na interpretação dos arts. 23, da Lei6.515/ 77, e 402, do atual CC/ 1916. Com relação aos parentes, ou serão eles próprios herdeirostambém, ou, em geral, terão grau de parentesco com herdeiros que os legitime a postular a estesalimentos em razão do próprio parentesco. Depois, o tema da transmissão alimentar sabidamentetem trazido grandes dissídios doutrinários e jurisprudenciais. Para tentar solucioná-los, sugere-setraçar o âmbito da transmissão, limitando-o aos ‘frutos do quinhão de cada herdeiro’, de modo anão tornar insuportável a obrigação, compelindo o alimentante até mesmo a desfazer-se de seusbens para adimplir o pensionamento”.

Também o Projeto de Lei 6.960/ 02, de autoria do Dep. Ricardo Fiuza, propõe a alteração daredação do art. 1.700, o que reforça que a insatisfação com o mesmo é geral: “A obrigação deprestar alimentos decorrente do casamento e da união estável transmite-se aos herdeiros do deve-dor, nos limites das forças de herança, desde que o credor da pensão alimentícia não seja herdeirodo falecido”.

O art. 1.700 trouxe duas situações extremamente questionáveis para o instituto dos ali-mentos: a) se há transmissibilidade da obrigação alimentar entre parentes, independentemente dobeneficiário dos alimentos ser herdeiro do falecido, por exemplo, com o que esvaziaria o espólio,acrescendo a sua herança direito superior ao sucessório, o que pode criar perigosa e discutívelexceção ao caráter personalíssimo do instituto dos alimentos; b) se a transmissibilidade da obri-gação alimentar ocorre independente de o falecido ter deixado herança, ausente o limite antes pre-visto no art. 23 da Lei 6.515/ 77, de que só havia responsabilidade dos herdeiros pelos alimentos“até as forças da herança” pela remissão ao art. 1.796 do CC/ 1916. No entanto, Carlos RobertoGonçalves, sem justificar, ao comentar o art. 1.700, afirmou que “a regra abrange os alimentosdevidos em razão do parentesco e também os decorrentes do casamento e da união estável.Transmite-se a própria obrigação alimentar, de acordo com as forças da herança (art. 1.792), e nãoapenas as prestações vencidas e não pagas”. Mesma restrição encontra-se em Maria HelenaDiniz, “pois o art. 1.700 do CC prescreve que o credor dos alimentos pode reclamá-los do parenteque estiver obrigado a pagá-los, podendo exigi-los dos herdeiros do devedor, se este falecer,porque a estes se transmite a obrigação alimentar, passando, assim, os alimentos a ser conside-rados como dívida do falecido, cabendo aos seus herdeiros a respectiva solução até as forças daherança” .

Em breve retrospectiva, Francisco José Cahali narra a discussão existente sobre o tema erevela sua ansiedade pelas conseqüências da norma contida no art. 1.700:

“Tormentosa sempre foi em nosso direito a questão da transmissibilidadeda pensão alimentícia. Expressamente afastada pelo artigo 402 doCódigo vigente, houve quem resgatasse a transmissão da obrigação pelasuperveniência do artigo 23 da Lei do Divórcio assim prevendo para osalimentos decorrentes da separação judicial. Prevaleceu a incidência

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deste artigo 23 apenas entre os cônjuges, mantida a vigência do referi-do artigo 402, até porque, no parentesco, de um lado, provavelmentehaverá vínculo sucessório entre o obrigado e o alimentando, a justificara cessação da prestação por recebimento da herança. De outro, háexpressa previsão para a obrigação alimentar autônoma decorrente dovínculo consangüíneo, a dispensar regra específica para a transmissão(vale dizer, na falta de um, os demais parentes têm responsabilidadeautomática pelos alimentos, independentemente de outra regra assimprever e a esta fazer referência). Paralelamente, mesmo entre cônjuges,em que é expressa a transmissão, a aplicação da regra não encontrou,até o momento, porto seguro para fixação de seus efeitos. Há quem sus-tente a imposição do encargo ao espólio apenas no limite das parcelasvencidas e não pagas, embora, e em nosso ver corretamente, a tendên-cia seja transmitir a obrigação, e não apenas as prestações, aos suces-sores, mas em caráter excepcional, e de acordo com as forças da he-rança. Assim, antes de trazer solução, o novo Código, também nesteparticular, inaugura nova fase de conflitos e incertezas, desafiandoTribunais e estudioso a encontrar a melhor exegese à regra da transmis-sibilidade da obrigação alimentar, projetada para também ocorrer nos ali-mentos originados do vínculo de parentesco.”

Com sua ironia peculiar, comentando este art. 1.700, Sérgio Couto assim se expressa: “masse o devedor de alimentos morre, terá direito ao descanso eterno? Não, porque a lei não permite.Seus sucessores - que nada têm a ver com o peixe - têm que honrar a obrigação. Os alimentostransmitem-se aos herdeiros do devedor (art. 1.700). Ora, há inúmeros julgados no sentido con-trário, afirmando que a obrigação alimentar é personalíssima (AC 597.105.154, TJRS, Rel. Des.Eliseu Torres). Chega-se ao absurdo de ver um herdeiro litigando contra si mesmo, pois é claro queos alimentos serão pagos com as forças da própria herança” .

XI.11) Da substituição pensionária - art. 1.701

O art. 1.701 manteve parcialmente a substituição pensionária que era prevista no art. 403 doCC/ 1916 acrescentando a parte final: “a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar oalimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário àsua educação, quando menor” . De certa forma, o termo final do custeio da educação apenasenquanto o filho for menor, está em contradição com a atual redação do caput do art. 1.694, masambos são objeto de propostas de alteração pelo Dep. Ricardo Fiuza.

O parágrafo único do art. 1.701 estabelece que “compete ao juiz, se as circunstâncias o exi-girem, fixar a forma do cumprimento da obrigação”. Quando fizemos em parceria com a Profª LúciaMassara análise do então Projeto do CC, sugerimos que este parágrafo único fosse transforma-do em 1º e que fossem acrescentados três parágrafos a este dispositivo, que apenas repetiam odisposto no art. 21 da Lei 6.515/ 77. Seriam incluídos: “§ 2º: “Para assegurar o pagamento da pen-são o juiz poderá determinar a constituição de garantia real ou fidejussória.” ; § 3º: “Se o credorpreferir, o juiz poderá determinar que a pensão consista no usufruto de determinados bens dodevedor.” ; § 4º: “Aplica-se também o disposto no parágrafo anterior se o credor justificar a possi-bilidade do não-recebimento regular da pensão”. A justificação foi a de que o CC/ 02 deixou deestabelecer o sistema de garantia de pagamento da pensão alimentícia, matéria que mereceutratamento adequado, funcional e prático no art. 21 da Lei 6.515/ 77.

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O art. 1.701, segundo Maria Helena Diniz:

“permite que o alimentante satisfaça sua obrigação por dois modos:dando uma pensão ao alimentando, ou dando-lhe, em sua própria casa,hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessárioà sua educação, quando menor, não podendo interná-lo em asilos, nemsustentá-lo em casa alheia. Prescreve “assim, uma obrigação alternativa(CC, art. 252), cabendo a escolha ao devedor, que se libera do encargocumprindo uma ou outra obrigação. A opção não é irrevogável; nadaimpede, ensina-nos Orlando Gomes, que o devedor sat isfaça aprestação, durante um tempo, pela forma de pagamento de pensão,preferindo, depois, dar hospedagem e sustento ao alimentando. Todavia,esse direito de escolha não é absoluto, visto que o juiz, pelo art. 1.701,parágrafo único, poderá fixar a maneira da prestação devida, se as cir-cunstâncias exigirem, procedendo sempre com cautela para evitar atritos.A Lei n. 5.478/ 68, art. 25, prescreve: ‘a prestação não pecuniária esta-belecida no art. 403 do CC/ 1916 [hoje correspondente ao art. 1.701], sópode ser autorizada pelo juiz, se a ela anuir o alimentando capaz’. Demodo que, se houver, p. ex., qualquer incompatibilidade entre alimentantee alimentário, o órgão judicante não pode constranger o segundo a con-viver com o primeiro na mesma casa. Revigora-se, então, a pensão ali-mentar pecuniária, ou seja, o fornecimento periódico de uma soma (men-sal, trimestral, anual ou quinzenal). Mas, observa Washington de BarrosMonteiro, se não existir nenhuma animosidade, o alimentando deveráaceitar hospedagem e sustento em casa do alimentante, se este assimdeliberou. Se o alimentando não aceitar, exonerar-se-á o devedor”.

No mesmo diapasão o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves, para quem “há, nos ter-mos do art. 1.701 do Código Civil, duas modalidades de prestação alimentar: fornecendo, emcasa, hospedagem ou sustento ao alimentando (própria), sem prejuízo do dever de prestar onecessário à sua educação, quando menor, ou pagando-lhe uma pensão periódica (imprópria). Odireito de escolha cabe ao devedor, mas não é absoluto. Compete ao juiz, se as circunstâncias oexigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação (art. 1.701, parágrafo único). Se o credor nãoconcordar com a escolha ou a determinação judicial, exonerar-se-á o devedor” .

XI.12) Dos alimentos para o cônjuge inocente e necessitado na separação lit igiosa - art. 1.702

O art. 1.702 dispõe que, “na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente edesprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos oscritérios estabelecidos no art. 1.694”.

Nos termos da atual redação do art. 1.702, não havendo acordo entre os cônjuges sobre aobrigação alimentar, esta é decidida pelo juiz em caso de separação judicial litigiosa, concedendoos alimentos reivindicados apenas se presentes dois requisitos: o da inocência de quem reivindicao benefício; e o da necessidade de quem pediu a pensão. Obviamente que, além desses, pode-seacrescentar o requisito da capacidade ou possibilidade do outro cônjuge de prestar tais alimentos.Não basta a inocência, se o cônjuge não for necessitado nos termos do art. 1.695.

Há omissão quanto aos alimentos em caso de divórcio direto litigioso. Nesse, como não sediscute culpa, parece que o novel legislador não permitiu que nem indiretamente, para fins das

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conseqüências acessórias, fosse investigada a responsabilidade pela dissolução do casamento.Mais correta seria aplicar a tendência doutrinário-jurisprudencial de só conceder alimentos, tam-bém no divórcio, quando demonstrada a inocência. Mesmo porque, se decorridos mais de doisanos de separação de fato sem obrigação alimentar entre os cônjuges, questionável será a ale-gação de “necessidade” .

Quando do estudo que elaboramos para a OAB/ MG do então projeto do CC, sugerimos aseguinte redação ao art. 1.702: “O cônjuge ou companheiro responsável pela dissolução dasociedade conjugal ou da união estável prestará ao outro, se dela necessitar, a pensão que o juizfixar” ; Parágrafo único: “A pensão estabelecida será fixada por prazo certo, salvo se as circuns-tâncias recomendarem o contrário” . Foi apresentada a seguinte justificação: Na redação propostabusca observar o art. 226, § 3º, da CF que deu proteção à união estável. Propõe-se a possibili-dade da pensão entre cônjuges e companheiros ser aprazada como forma de não permitir que setorne uma aposentadoria, criando instrumento para coibir eventuais abusos, examinados aocritério do juiz.

Conforme César Fiuza, “em relação aos casos de prestação de alimentos a ex-cônjuge ouex-companheiro, a tendência atual é que, com a emancipação da mulher, se torne cada vez maisraros”.

O Conselho da Justiça Federal sugeriu como proposta de modificação 133 a alteração doart. 1.702, nos seguintes termos: “Na separação judicial, sendo um dos cônjuges desprovido derecursos, prestar-lhe-á o outro pensão alimentícia que houverem acordado ou que vier a ser fixa-da judicialmente, obedecidos os critérios do art. 1.694” . Tal sugestão ainda é omissa quanto aosalimentos no divórcio direto litigioso. Acrescente-se que deveria lembrar que devem ser atendidos,para fixação dos alimentos, também os requisitos do art. 1.695 e o § 2º do art. 1.694.

XI.13) Dos alimentos dos pais para os filhos - art. 1.703

O art. 1.703 dispõe que, “para manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmentecontribuirão na proporção de seus recursos”, norma semelhante à contida no art. 20 da Lei6.515/ 77.

O IBDFAM propôs a alteração também deste dispositivo para que dele constasse “Para amanutenção dos filhos, os genitores contribuirão na proporção de seus recursos”. A justificaçãoapresentada para tal proposta foi a seguinte: “Não importa a condição jurídica dos pais entre si: odever alimentar deles para com os filhos é sempre presente. A redação aqui proposta afasta qual-quer referência imprópria à condição jurídica dos pais” .

Considera Francisco José Cahali “ inútil, por desnecessária repetição, a previsão de que ‘oscônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos’ (art. 1.703), pois osalimentos sempre serão fixados de acordo com os ‘recursos da pessoa obrigada’ (art. 1.694, § 2º),e, ‘sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporçãodos respectivos recursos’ (art. 1.698). Também tecnicamente errada, pois não só cônjuges ‘sepa-rados judicialmente’, mas também aqueles divorciados e mesmo os genitores que nunca foramcasados contribuirão proporcionalmente na manutenção dos filhos. Igualmente desnecessária,ultrapassada, e até retrógrada na mentalidade, a previsão de que ‘para obter alimentos, o filhohavido fora do casamento pode acionar o genitor’. Nossos alunos já aprendem que os filhos têm

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os mesmos direitos e, assim, independentemente da origem (filiação natural ou mesmo civil)podem acionar o genitor. Transmitir a regra proposta representa reviver o passado”.

XI.14) dos alimentos renunciados mas pedidos pelo separado judicialmente que precisou poste-riormente da pensão - art. 1.704

Dos mais polêmicos dispositivos do CC/ 02 é o contido no art. 1.704, caput, segundo o qual,“se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obriga-do a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado naação de separação judicial” . Bem como o seu parágrafo único: “Se o cônjuge declarado culpadovier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão parao trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável àsobrevivência”.

O Conselho da Justiça Federal apresentou a proposta de modificação 134, visando alteraro caput do art. 1.704, para que passasse a corresponder à regra do parágrafo único atual, revo-gando o caput: “Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos e nãotiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obri-gado a prestá-los, mediante pensão a ser fixada pelo juiz, em valor indispensável à sobrevivência”.Revoga o parágrafo único do art. 1.704.

Apesar da Súmula 379 do STF, a jurisprudência e doutrina haviam, se pacificado para darvalidade e eficácia para a cláusula de renúncia de alimentos entre cônjuges (e companheiros).Surpreende o caput do art. 1.704 quando retrocede para permitir a reivindicação de alimentosrenunciados na separação, se depois da convenção, o ex-cônjuge tornou-se necessitado. Claroque o pedido posterior à renúncia só poderá ser tentado, na dicção do art. 1.704, entre a sepa-ração e a decretação do divórcio. Decretada a dissolução do casamento pelo divórcio, já não serápossível a futura tentativa de alimentos renunciados.

Críticas a tal norma do caput do art. 1.704 é que não faltam, apresentando-se mais polêmi-ca do que o parágrafo único que parece mais acatado pela doutrina. Contundente, Francisco JoséCahali lembra que “a espinha dorsal desta obrigação alimentar sofreu substancial modificação aoretirar-lhe o novo Código tratamento próprio em capítulo destinado aos efeitos patrimoniais da dis-solução da sociedade conjugal, incluindo sua regulamentação naquele destinado aos alimentosresultantes do parentesco. Assim agindo, na contramão da doutrina e da jurisprudência, merecede pronto nova solução a questão da renúncia à pensão alimentícia entre cônjuges. Esta matéria -renúncia à pensão alimentícia na dissolução amigável do casamento - encontrou fértil campo dediscussões. Na doutrina, basta a referência às autorizadas lições de Yussef Cahali, em dedicadoestudo a respeito desta polêmica, apontando a sua complexidade e ainda existente divergência.Na jurisprudência, pela sua relevância, a questão chegou a ser sumulada pelo STF, mas recenteorientação do STJ vem rejeitando a aplicação da Súmula, reconhecendo a possibilidade de renún-cia à pensão. Entre os Tribunais Estaduais, embora cada qual exercendo a autonomia a consignarentendimento diverso, vem sendo prestigiada, em sua maioria, a tese sustentada pelo STJ.Contrariando a tendência doutrinária e pretoriana, o novo Código registra ser irrenunciável o direi-to a alimentos, sem excepcionar a origem da obrigação, fazendo incidir, pois, esta limitação à pen-são decorrente também da dissolução da sociedade conjugal. E vai além: confirmando ser esta asua intenção, estabelece expressamente a possibilidade do cônjuge separado judicialmente vir a

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pleitear alimentos do outro, diante de necessidade superveniente” .

Sobre este dispositivo, Ênio Santarelli Zuliani já disse que “não resta dúvida de que a renún-cia dos alimentos pela mulher ou pelo homem, celebrada expressamente quando da separação oudo divórcio, continuará sendo admitida (apesar do art. 1.707, que, obviamente, se refere a ali-mentos que decorrem do jus sanguinis) como elemento extintivo do dever de mútua assistência,na esteira de enunciados como o do Min. Aldir Passarinho Júnior (REsp 70.630-SP, in RevistaBrasileira de Direito de Família, Ed. Síntese, n. 8, p. 137, verbete 816): “Alimentos. Ex-cônjuge.Separação consensual. Renúncia expressa. Pleito posterior. Inadmissibilidade” . Argumenta aindaÊnio Santarelli Zuliani que, “se não existir um discrímen nesta questão, o Judiciário poderá, a pre-texto de atender a necessidades fundamentais, estimular o ócio e o parasit ismo de pessoas comhigidez física e mental para o exercício de atividades remuneratórias, o que, aliás, é obrigação dedignidade humana (art. 1, III, da CF), conforme anotado em acórdão que relatei (Ap. 128.632.4/ 2,RT, 776/ 225): [...] Somente mulheres que se entregaram de corpo e alma ao casamento, abdi-cando de sua identidade profissional ou vocacional para manter os filhos bem educados e o larorganizado, se tornam dignas de receber alimentos quando surpreendidas na terceira idade com aseparação imposta pelo marido que cultivou o estilo dominador. Para elas, o mercado de trabalhose fecha, e as chances de conseguir a auto-independência financeira são remotas, o que autorizao Juiz a obrigar o ex-marido prover o seu sustento. Mulheres jovens que se aventuram em casa-mentos relâmpagos, incapazes de alterar-lhes a individualidade, estão moralmente subordinadasao próprio sustento, o que encaminha a complexa exoneração do marido ou, quando muito, talcomo ocorre com a legislação alemã, conceder alimentos com tempo limitado para que a mulher,com cursos profissionalizantes ou de reciclagem, consiga recuperar a capacidade laboral paraingressar no competit ivo mercado de trabalho. Não participando desse projeto, a mulher perde odireito aos alimentos” .

Ainda na discussão do Projeto do CC/ 02 pela OAB/ MG, sugerimos a exclusão do art.1.704 e seu parágrafo único, apresentando como justificação que “os alimentos entre cônjuge ecompanheiros devem ser considerados transacionáveis e, por isso mesmo, renunciáveis, como éde entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência atuais. A possibilidade de se reivindicarapós a separação alimentos dispensados será um desincentivo à conciliação”.

Polêmica, no mínimo, a inovação do art. 1.704, que permite alimentos naturais para o côn-juge culpado.

Apóia este disposit ivo Maria Berenice Dias, para quem “o parágrafo único do artigo 1.704impõe ao cônjuge a obrigação de prestar alimentos, ‘em valor indispensável à sobrevivência’,mesmo se for ao responsável pela separação, mas só se não tiver aptidão para o trabalho e nãoexistirem parentes em condições de prestá-los. Mesmo que difícil seja quantificar o montante quegaranta exclusivamente a sobrevivência, é mister reconhecer que ao menos ao culpado não maisestá proscrito o direito à vida”.

Também considera “proveitoso avanço normativo” a novidade do parágrafo único do art.1.704 Francisco José Cahali, argumentando que, “existentes outras formas de equilibrar a situ-ação, optou o legislador em manter, como regra, a obrigação alimentar ao cônjuge responsávelpela separação, em favor do inocente. Mas expressamente prevê exceção à regra, ao estabelecera possibilidade daquele considerado culpado reclamar alimentos, comprovando a necessidade, se‘não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho’, limitado o quantum

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ao ‘indispensável à sobrevivência’. Significativa a modificação introduzida no sistema atual, e, semdúvida, posit iva a evolução legislativa” .

Ainda aprova a inovação Carlos Roberto Gonçalves, que considera que “ importante avançotrouxe o novo diploma nesse assunto, ao prever a fixação de alimentos na dissolução litigiosa dasociedade conjugal mesmo em favor do cônjuge declarado culpado, se deles vier a necessitar enão tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, limitando-se, todavia,a pensão ao indispensável à sobrevivência deste (art. 1.704, parágrafo único)” .

Lembra Luiz Felipe Brasil Santos que “duas são as condições para que o culpado possahabilitar-se a receber alimentos do inocente: (1) não ter aptidão para o trabalho e (2) não ter pa-rentes em condições de prestá-los. A primeira condição configura a ‘necessidade’. Mas não bastaque o cônjuge culpado necessite dos alimentos. É necessário, além disso, que não tenha parentes(ascendentes, descendentes ou irmãos) em condições de prestá-los. Caso os tenha, deverá pediros alimentos a esses parentes, não podendo, nestas condições, direcionar sua pretensão contra ocônjuge ‘inocente’. Assim, a condição de ‘culpado’ ou de ‘inocente’ refletirá na própria ordem deprecedência da obrigação alimentar entre cônjuges. Isto é: se culpado, o parente precede o côn-juge; se inocente, o cônjuge precede o parente”.

XI.15) Dos alimentos pedidos para o filho fora do casamento - art. 1.705

O art. 1.705 dispõe que, “para obter alimentos, o filho havido fora do casamento podeacionar o genitor, sendo facultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a açãose processe em segredo de justiça”.

O IBDFAM propõe a supressão do art. 1.705. A justificação apresentada para tal propostafoi a seguinte: “O dispositivo é inteiramente desnecessário e discriminatório, uma vez que os fi-lhos, havidos ou não de uma relação matrimonial, são, por óbvio, parentes dos genitores e, comotal, têm o direito a alimentos assegurado pelo art. 1.694 do mesmo código”.

Realmente, o art. 1.705 deveria ser excluído, porque a hipótese já está abordada no art.1.703. O filho havido fora do casamento, para efeito de prestação de alimentos, poderá acionar ogenitor em segredo de justiça (CC, art. 1.705). A Lei n. 6.515/ 77 , alterando o art. 4º, parágrafoúnico, da Lei n. 883/ 49, dispõe que, dissolvida a sociedade conjugal do devedor de alimentos,quem os obteve não precisará propor ação de investigação de paternidade para se fazer reco-nhecer, cabendo ao interessado o direito de impugnar a filiação (art. 51, n. 3).

XI.16) Dos alimentos provisionais - art. 1.706

Dispõe o art. 1.706 que “os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da leiprocessual” . Deve ser lembrado que alimentos provisionais se referem àqueles concedidos emcautelar nominada com fundamento nos arts. 852 e segs. do CPC, enquanto alimentos provisóriossão os concedidos em alimentos pedidos na forma da Lei 5.478/ 68.

No entanto, considera Carlos Roberto Gonçalves que “só pode valer-se do rito especial(concentrado e mais célere) da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/ 68) quem puder apresentar provapré-constituída do parentesco (certidão de nascimento) ou do dever alimentar (certidão de casa-mento ou comprovante do companheirismo). Quem não puder fazê-lo, terá de ajuizar açãoordinária. Ao despachar a inicial da ação de rito especial (art. 4º), o juiz fixará desde logo alimen-

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tos provisórios (em geral, na base de 1/ 3 dos rendimentos do devedor, sendo de salientar-se quea lei não estabelece nenhum critério). Malgrado a ambigüidade do texto, o juiz não deve fixar deofício os alimentos provisórios, mas somente se o interessado o requerer (CPC, art. 2º). Cabepedido de revisão de alimentos provisórios fixados na inicial, que será sempre processado emapartado. Processar-se-á em apartado também a execução dos alimentos provisórios” .

Segundo Silvio Rodrigues, “em geral, em hipóteses de casal separado de fato, os tribunaistêm fixado a pensão, devida pelo varão à mulher e aos filhos, em um terço dos ganhos daquele.Entretanto, a solução pode ser outra, se for maior a necessidade da família, ainda que se trate depessoa que percebe salário mínimo. Aqui a declaração de renda representa, muitas vezes, um bomelemento de prova, que pode ser completado com a verificação da movimentação bancária e decartões de crédito” .

XI.17) Do não-exercício do direito aos alimentos e da renúncia ao direito aos alimentos - art. 1.707

Dispõe o art. 1.707 que “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direitoa alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação e penhora” .

O IBDFAM, para adequar a redação do dispositivo à tendência jurisprudencial, sugere queseja redigido assim: “Pode o credor não exercer, porém, quando a obrigação decorrer do pa-rentesco, lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível decessão, compensação ou penhora.” A justificação apresentada para tal proposta foi a seguinte:“Conhecida a controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de o cônjugerenunciar ao direito a alimentos, matéria que o STF versou na Súmula 379. A jurisprudência larga-mente majoritária, entretanto, desgarrando-se da orientação sumular, de há muito vem decidindoque, entre cônjuges, o direito alimentar é passível de renúncia. Ocorre que, tratando o capítulo dosalimentos do novo código sobre obrigação alimentar decorrente tanto do parentesco, como docasamento e da união estável, a regra da irrenunciabilidade, estampada do art. 1.707, generica-mente aplicável a todas essas relações, constitui considerável retrocesso em relação ao que vemsendo, de forma largamente majoritária, afirmado pela jurisprudência, inclusive do STJ. Assim,cumpre dar nova redação ao disposit ivo, limitando a impossibilidade de renúncia ao direito aos ali-mentos apenas quando a obrigação resultar de parentesco”.

Em nossa análise ao então Projeto de CC, sugerimos que o art. 1.707 fosse redigido, assim:“Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos”, justificando que “OProjeto, ao estabelecer que o ‘crédito’ a alimentos é ‘insuscetível de cessão, transação, compen-sação ou penhora’, além de ter repetido normas já existentes, como a prevista no art. 372, aindaestará inibindo acordos para acerto de pensões atrasadas, o que certamente não atende ao inte-resse dos envolvidos”.

O Projeto de Lei 6.960, do Dep. Ricardo Fiuza, também propõe modificação para o art.1.707, sugerindo: “Tratando-se de alimentos devidos por relação de parentesco, pode o credor nãoexercer, porém lhe é vedado renunciar ao direito a alimentos. Parágrafo único: o crédito de pensãoalimentícia, oriundo de relação de parentesco, de casamento ou de união estável, é insuscetível decessão, penhora ou compensação”. Explica Regina Beatriz Tavares da Silva que sugeriu esta mo-dificação porque a “volta à irrenunciabilidade é um retrocesso que precisa ser corrigido.”

Quanto à irrenunciabilidade do direito a alimentos decorrente de casamento ou união está-

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vel, explica Carlos Roberto Gonçalves que “ já têm ocorrido alguns pronunciamentos nos tribunais,entretanto, entendendo revogada a referida Súmula 379, ao fundamento de que o enunciado pro-tecionista que nela se contém não mais se compatibiliza com o princípio igualitário entre os côn-juges, proclamado pelo art. 226, § 5º, da Constituição. O novo Código, contudo, contrariando essatendência, faz incidir a proibição de renunciar ao direito a alimentos não só aos parentes, mas tam-bém aos cônjuges e companheiros, por ocasião da dissolução da sociedade conjugal ou da uniãoestável.”

Luiz Felipe Brasil Santos revela seu descontentamento com esta regra lembrando que “écerto que tal característica da obrigação alimentar já existia no Código anterior (art. 404). Porém,a jurisprudência mais recente vinha entendendo que indisponíveis eram apenas os alimentosdecorrentes do parentesco, não os que eram devidos em razão do casamento [...] De há muitosuperada, por sinal, inclusive no STJ, a Súmula 379, do STF, que espelhava entendimento diverso.[...] Entretanto, o NCCB, a partir do art. 1.694, dispõe acerca dos alimentos devidos tanto emrazão do parentesco como do casamento e da união estável. Assim, a regra da indisponibilidadeaplica-se agora, indiscutivelmente, a todo direito alimentar, independentemente de sua origem(parentesco, casamento ou união estável). Evidente a inconveniência dessa disposição, no que dizrespeito ao casamento e à união estável. É que, em se tratando de direito patrimonial, e ainda maistendo em conta que o casamento (assim como a união estável, é claro) trata-se de um vínculo quehá muito não mais desfruta da característica da indissolubilidade, injustificável que a ele se asso-cie a geração de um direito indisponível! Ademais, é sabido que muitas vezes a obtenção de umacordo de separação ou divórcio consensual exige determinadas concessões recíprocas. Nessecontexto, a renúncia aos alimentos é manifestada em troca de outras vantagens patrimoniais.Agora, com a impossibilidade de dispor dos alimentos estendida também aos cônjuges, a margemde negociação de acordos restará significativamente restringida”.

XI.18) Características da obrigação alimentar

O art. 1.707 trata de algumas das características da obrigação alimentar, em que as principais são:

a) Constitui um direito personalíssimo. Trata-se de um direito estabelecido em função da pessoa,destinando-se à subsistência apenas do alimentado, é instransferível. Não pode e não deve nemindiretamente beneficiar outra pessoa senão o alimentado. Assenta San Tiago Dantas que “odireito aos alimentos está, no caso, entre aqueles direitos estabelecidos intuitu personae, emque se tem em vista a própria pessoa que é titular. Esse direito adere ao seu sujeito ut lepracorpori. Sua titularidade não passa a outrem seja por negócio ou fato jurídico” .

b) É incessível. Impõe o art. 1.707 que o crédito aos alimentos vincendos é “ insuscetível decessão”, o que decorre do seu caráter personalíssimo, sendo inseparável da pessoa do credor.As prestações vencidas, como dívida comum, podem ser cedidas por não haver obstáculo noart. 286. No dizer de Carlos Roberto Gonçalves “não pode ser objeto de cessão de crédito, poisa isto opõe-se a sua natureza (CC, arts. 286 e 1.707). No entanto, somente não pode ser cedi-do o direito a alimentos futuros. O crédito constituído por pensões alimentares vencidas é con-siderado um crédito comum, já integrado ao patrimônio do alimentante, que logrou sobrevivermesmo sem tê-lo recebido. Pode, assim, ser cedido”.

c) É incompensável. Se o devedor da pensão alimentícia se torna credor da pessoa alimentada,não pode opor-lhe o seu crédito quando for exigida a obrigação, conforme arts. 373, II e 1.707.

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A compensação é meio de extinção de obrigação. A compensação é meio de extinção de obri-gações. Como os alimentos se destinam à subsistência do alimentado, a cessão total ou parcialdeste direito poderia constituir prejuízo irreparável para ele. Segundo Carlos RobertoGonçalves, “a jurisprudência, no entanto, vem permitindo a compensação, nas prestações vin-cendas, de valores pagos a mais, entendendo tratar-se de adiantamentos (RT, 616:147)” .Arnaldo Rizzardo admite a compensação dos valores pagos que têm a mesma natureza alimen-tar. Se refere a despesa que o alimentado teria forçosamente que ter. Exemplo: pagamento demensalidade de escola convencional. Se o alimentante não tivesse feito aquele pagamento, oalimentado teria que fazê-lo de qualquer forma.

d) É impenhorável. Inadmissível que qualquer credor venha privar o alimentado do que é estrita-mente necessário à sua subsistência, como expressamente previsto no art. 649, VII, do CPC eart. 1.707 do CC. Não há como se admitir a penhora de um direito essencial à mantença davida. Daí, por sua natureza, é um crédito impenhorável.

e) É imprescritível. Esclarece Carlos Roberto Gonçalves que “o que não prescreve é o direito depostular em juízo o pagamento de pensões alimentícias, ainda que o alimentando venha pas-sando necessidade há muitos anos. No entanto, prescreve em dois anos o direito de cobrar aspensões já fixadas em sentença ou estabelecidas em acordo e não pagas, a partir da data emque se vencerem (CC, art. 206, § 2º). A prescrição da pretensão a essas parcelas ocorre men-salmente”.

f) É intransacionável. Na redação original do art. 1.707 estava previsto que o crédito alimentarseria insuscetível de “ transação”, expressão oportunamente excluída na redação final, porque oque não é transacionável é o direito aos alimentos, podendo, no entanto, ser objeto detransação o seu valor. Lembra Carlos Roberto Gonçalves que, “sendo indisponível e persona-líssimo, não pode ser objeto de transação (CC, art. 841). Em conseqüência, não pode ser obje-to de juízo arbitral ou de compromisso. A regra aplica-se somente ao direito de pedir alimentos,pois a jurisprudência considera transacionável o quantum das prestações, tanto vencidas comovincendas. É até comum o término da ação em acordo visando prestações alimentícias futurasou atrasadas” .

g) É atual, no sentido de exigível no presente, e não no passado ou no futuro. Não se pode pediralimentos pretéritos em relação ao ajuizamento do pedido de alimentos, já que corresponde autilização da liberdade de não exigir o direito aos alimentos. Dispõe o art. 13, § 2º, da Lei5.478/ 68 que a prestação alimentícia é devida só a partir da citação do alimentante. É uma obri-gação atual no sentido de ser examinada a necessidade dos alimentos no momento em que elessão pedidos, e não para o futuro.

h) É irrepetível ou irrestituível. Leciona Carlos Roberto Gonçalves que “os alimentos, uma vez pagos,são irrestituíveis, sejam provisórios, definitivos ou ad litem. É que o dever alimentar constituimatéria de ordem pública, e só nos casos legais pode ser afastado, devendo subsistir atédecisão final em contrário. Mesmo que a ação venha a ser julgada improcedente, não cabe arestituição dos alimentos provisórios ou provisionais. Quem pagou pagou uma dívida, não setratando de simples antecipação ou de empréstimo. É esse um dos favores reconhecidos ànatureza da causa de prestar, pois os alimentos destinam-se a ser consumidos pela pessoa quedeles necessita. Já se deferiu, no entanto, pedido de repetição, em caso de cessação automáti-ca da obrigação, devida ao segundo casamento da credora, não tendo cessado o desconto em

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folha de pagamento por demora na comunicação ao empregador, sem culpa do devedor.Também já se admitiu a compensação nas prestações vincendas”. Arnoldo Wald, sob esse pris-ma, observa que “admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia,mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o ali-mentado, utilizando-se dos alimentos, não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adota-da pelo nosso Direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos, pensando errada-mente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmentedevia fornecê-los” . Yussef Said Cahaliadverte porém que, “mesmo recebidos ‘por erro’, naforma assim pretendida, não caberia a restituição pelo alimentário, eis que falta o pressupostodo enriquecimento sem causa; e quanto à pretendida sub-rogação do terceiro prestante emerro, no direito do alimentário contra o obrigado, a tese apresenta-se discutível” .

XI.19) Da extinção da obrigação alimentar por novo relacionamento do alimentado ou comporta-mento indigno - art. 1.708

O art. 1.708 estabelece que “com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor,cessa o dever de prestar alimentos”. Parágrafo único. “Com relação ao credor cessa, também, odireito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.”

Considera Francisco José Cahali que,

“se de um lado afastou-se, em certa medida, a relevância na discussãoda culpa no rompimento, de outro propõe o novo Código invasão na pri-vacidade do credor, ao estender significativamente as causas de exone-ração da pensão. Com efeito, ‘com o casamento, a união estável ou oconcubinato do credor cessa o dever de prestar pensão alimentícia’, e,‘’com relação ao cônjuge credor cessa, também, o direito a alimentos, setiver procedimento indigno’ (art. 1.708 e seu parágrafo único). Restrita aLei do Divórcio (art. 29) à exoneração apenas na hipótese de novo casa-mento do credor, a jurisprudência, ressalvados raríssimos julgados diver-gentes, também autorizava a extinção da obrigação se verificada a uniãoestável de quem recebe a pensão. Quanto à conduta irregular, emborareprovável, superada a fase inicial de nela igualmente se encontrar causade extinção da pensão, atualmente já não mais se valorava esta situaçãocomo apta a ensejar o termo final da obrigação. Na sistemática propos-ta, não apenas o concubinato (identificado no novo Código Civil comosendo as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidosde casar - art. 1.727), mas até mesmo o procedimento indigno passa arepresentar fundamento à exoneração. No mínimo curiosa a situação, amerecer enorme dose de cautela para evitar a perplexidade: se, porexemplo, adúltera contumaz a mulher na constância do casamento, masenquadrada naquela situação excepcional de necessidade, pode recla-mar alimentos destinados à sua sobrevivência; a seu turno, esta mesmamulher, ao prolongar relações íntimas com terceiros, já isenta da obri-gação de fidelidade após a separação judicial, pode vir a ser excluída dapensão antes fixada, se considerada vivendo em concubinato, ou ape-nas adotando procedimento indigno. Aguarda-se, neste contexto, sejaprudente e razoável o aplicador da norma, para não transformar o con-ceito vago em perseguição do ex diante do ponderado exercício da liber-dade afetiva do credor, valendo-se do permissivo legal apenas para evi-

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tar abusos, rechaçando, o quanto possível, eventual parasit ismo possív-el de ser criado pelo recebimento da pensão.”

Para Carlos Roberto Gonçalves “perde o direito a alimentos o credor que ‘tiver procedi-mento indigno em relação ao devedor’ (art. 1.708, parágrafo único). Anote-se que não apenas oconcubinato, definido no art. 1.727 do novo diploma como ‘relações não eventuais entre o homeme a mulher, impedidos de casar’, mas igualmente o procedimento indigno passam a constituir fun-damento para a exoneração do cônjuge devedor” .

XI.20) Da nova família do alimentante e da obrigação alimentar - art. 1.709

O texto do art. 1.709 diz que “o novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obri-gação constante da sentença de divórcio” .

O IBDFAM propôs que este dispositivo recebesse a seguinte redação: “A constituição denova família pelo alimentante não extingue sua obrigação alimentar anterior.” A justificação apre-sentada foi a de que: “Ressalva o dispositivo a permanência da obrigação alimentar mesmo antenovo casamento do devedor. Ocorre que (1) a obrigação alimentar pode decorrer de anterior uniãoestável e não apenas de anterior casamento, (2) pode ter sido fixada em anterior separação judi-cial e apenas mantida quando do divórcio, (3) ter sido estipulada em ação de alimentos e não nasentença de divórcio e (4) o devedor vir a constituir nova família pela união estável e não pelocasamento”.

Sugerimos na análise ao Projeto do CC feita para a OAB/ MG que o art. 1.709 tivesseredação nestes termos: “O novo casamento ou união estável do cônjuge devedor não extingue aobrigação constante da sentença de divórcio.” Justificando com a necessidade de coerência como art. 226, § 3º, da CF.

No Projeto de Lei n. 6.960/ 02, o Dep. Ricardo Fiuza sugere a alteração do art. 1.709 para:“A constituição superveniente de família pelo alimentante não extingue sua obrigação alimentaranterior” .

Como argumenta Maria Helena Diniz “o concubinato, a união estável e novo casamento dodevedor de alimentos não alteram sua obrigação (CC, art. 1.709 c/ c 1.708), embora o quantumda prestação possa ser suscetível de redução (CC, arts. 1.694, § 1º, e 1.699; TJRJ, Adcoas, 1983,n. 90.01”.

XI.21) Da atualização monetária da obrigação alimentar - art. 1.710

O atual art. 1.710 diz que “as prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atua-lizadas segundo índice regularmente estabelecido”.

Sugerimos que o art. 1.710 fosse assim redigido: “As prestações alimentícias, de qualquernatureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido, anualmente, salvodisposição em contrário” , justificando com a necessidade de criar um parâmetro temporal para oreajuste dos alimentos.

Explica Carlos Roberto Gonçalves que, “em regra, a pensão é estipulada com base nosrendimentos do alimentante, sendo atualizada automaticamente, na mesma proporção dos rea-justes salariais. Quando adotado valor fixo, a pensão será atualizada segundo índice oficial regu-

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larmente estabelecido (CC, art. 1.710), mas poderá ser determinada a atualização com base nosalário mínimo, não obstante a vedação enunciada no art. 7º, in fine, da Constituição Federal, emfunção da identidade de fins da pensão alimentar e do salário mínimo, como sendo aquilo que re-presenta o mínimo necessário para a subsistência da pessoa (JSTF, 159:227)” .

XII. DO BEM DE FAMÍLIA

O último Subtítulo, o IV, do Título “Do Direito Patrimonial” , é dedicado ao bem de família,abrangendo os arts. 1.711 a 1.722.

Maria Alice Lotufo diz que “o bem de família, como destaca a doutrina, teve a sua origemna figura da Homestead (Home = lar; stead = lugar), dos Estados Unidos da América, que foi aforma de o governo americano conseguir povoar e colonizar os territórios inabitados do seu oeste.Consistia numa faixa de terra concedida, a título de domínio, ao colono com família, desde que elenela habitasse por cinco anos e produzisse. Com o passar do tempo as benesses foram sendoampliadas, favorecendo os donos dessas faixas com leis que isentavam essas propriedades dapenhora, promovida pelos credores. A primeira lei nesse sentido surgiu no Estado do Texas, em1839, antes de incorporar-se aos EUA, e o sucesso foi tão grande que a idéia propagou-se, pos-teriormente, por outros estados americanos. No Brasil surgiu com o objetivo de favorecer as pes-soas economicamente mais carentes, impedindo, obedecidas certas condições, que o imóvel onderesidisse a família fosse levado à execução”.

Segundo Álvaro Villaça Azevedo, o Projeto cujo texto foi aprovado como do novo CódigoCivil brasileiro seguiu, de perto, a orientação traçada pelo Código Civil italiano, apreciando, comcerta felicidade, a matéria. O novo Código Civil sistematizou as regras atinentes ao bem de famíliano título referente ao direito patrimonial da família (arts. 1.711 a 1.722). Analiso, em seguida, emlinhas gerais, os aludidos artigos que cuidam do bem de família, que chamo de voluntário, pornascer da iniciativa privada.

XII.1) Quem pode instituir bem de família - parágrafo único do art. 1.711

O bem de família pode ser instituído pelos cônjuges, pelos companheiros que conviviam emunião estável ou por terceiro (“a novidade está em poder o bem de família ser instituído por ter-ceiro - Álvaro Villaça Azevedo), desde que os beneficiados aceitem expressamente esta desti-nação (art. 1.711, caput e parágrafo único). Isso significa que o separado judicialmente, divorcia-do, viúvo ou solteiro não pode instituir patrimônio em bem de família, porque só os cônjuges oucompanheiros têm esta legitimidade.

Maria Berenice Dias apresenta sua indignação pelo direito de instituição de bem de famílianão ter sido estendido aos que vivem em relação homoafetiva, argumentando que a Constituiçãooutorga especial proteção à família, e que sua maior responsabilidade é com o cidadão. “Oenfoque central do ordenamento jurídico, ditado pela Constituição Federal, é a proteção do serhumano. Assim, a possibilidade de constituição como bem de família exclusivamente da sede ondereside uma entidade familiar é descabida. Fere o princípio da igualdade deixar à margem da lei, e,por conseqüência, ao relento, o indivíduo que por opção ou contingência vive só ou mantém umrelacionamento que prefiro chamar de homoafetivo.”

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Por outro lado, para Álvaro Villaça Azevedo não há direito à reserva da propriedade do imó-vel ao instituidor, em caso de extinção do bem de família. Nem poderia imaginar-se que essa fa-culdade já estivesse expressa pelo caput do artigo 547 do Projeto aprovado como novo CC, queé reprodução do artigo 1.174 do CC de 1916, em que se vê que o doador pode estipular que osbens doados voltem a ele se sobreviver ao donatário, pois as causas de extinção do bem de famíliasão outras, previstas na lei.

A extensão do bem de família para a união estável não foi bem adaptada aos dispositivosdeste subtítulo, como se pode verificar, por exemplo, nos arts. 1.714, 1.716, 1.720, 1.721 e 1.722,em que há evidente omissão dos “companheiros”.

XII.2) Da forma da instituição do bem de família - arts. 1.711 e 1.714

A forma prescrita em lei para instituição do bem de família é a de escritura pública ou tes-tamento quando a iniciativa é dos cônjuges ou união estável (art. 1.711, caput) e, por testamentoou doação, quando o instituidor for um terceiro (art. 1.711, parágrafo único).

Mas é importante ressaltar que este terceiro só pode beneficiar um casal casado ou queconviva em união estável, não podendo fazer tal destinação em favor de pessoas não casadas ouque não vivam uma união informal.

Em qualquer hipótese, seja instituído pelos cônjuges, companheiros ou terceiros, o bem defamília só se constitui pelo registro de seu título no Registro de Imóveis, por expressa determi-nação do art. 1.714. Adverte Carlos Roberto Gonçalves que se “constitui pelo registro de seu títu-lo no Registro de Imóveis, quando instituído pelos cônjuges ou companheiros ou por terceiro (art.1.714), dependendo, a sua eficácia, no último caso, de aceitação expressa (art. 1.711, parágrafoúnico), ficando isento, desde então, de execução por dívidas posteriores à sua instituição, ‘salvoas que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio’ (art. 1.715)” .

Adverte Álvaro Villaça Azevedo que a instituição do bem de família em testamento pode nãogerar os efeitos esperados: “admitamos que, por testamento, os cônjuges ou os conviventes des-tinem parte de seu patrimônio a servir como bem de família. Falecendo os testadores, além derestarem seus filhos beneficiados com a herança, nada impede aos credores dos falecidos de habi-litarem seus créditos no inventário destes, pois serão, sempre, anteriores à constituição que, portestamento, se concretiza a partir do falecimento. Realmente, os efeitos do ato jurídico, realizadopor testamento, começam a fluir depois da abertura sucessória. Melhor seria que o artigo citadomencionasse, tão-só, a constituição do bem de família pelos cônjuges ou pela entidade familiar,por meio de escritura pública, a qualquer momento”.

XII.3) Do patrimônio que pode ser instituído bem de família - caput do art. 1.711 e arts. 1.712 e 1.713

O bem de família tem que ser necessariamente residencial, podendo constituir-se em pré-dio urbano ou rural, incluindo os pertences e acessórios, e deverá destinar-se a servir de “domicíliofamiliar” , permitindo o art. 1.712 que poderá “abranger valores mobiliários, cuja renda será apli-cada na conservação do imóvel e no sustento da família” .

É estabelecido um valor máximo que pode ser destinado a constituir o bem de família, e queé o equivalente a 1/ 3 do patrimônio líquido conjugal ou dos companheiros, o que deve ser apura-do no momento da instituição (art. 1.711), o que significa que, quando o casal só tiver um imóvel,

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este não pode ser instituído em bem de família, porque representaria 100% do patrimônio dafamília. Apura-se o patrimônio líquido do instituidor, para os fins deste art. 1.711, deduzindo-se ototal de suas dívidas.

O art. 1.713 cria limite para os “valores mobiliários” que podem ser destinados à conser-vação do imóvel domiciliar e/ ou ao sustento da família” , como sendo no máximo, o equivalente aovalor do “prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição” .

Os parágrafos do art. 1.713 trazem regras novas sobre como deve ser formalizada a insti-tuição destes valores mobiliários como bem de família e como podem ser administrados tais va-lores. Diz Álvaro Villaça Azevedo que, após essa disposição do caput do artigo 1.713, seguem-seseus três parágrafos, que não deixam dúvidas quanto a essa idéia de que não pode existir bem defamília por valores mobiliários sem bem imóvel.

XII.4) Da impenhorabilidade do bem de família - art. 1.711 e 1.715

Continua o bem de família protegido pela impenhorabilidade conforme as regras relativas ao“ imóvel residencial estabelecidas em lei especial” , nos termos da parte final do art. 1.711.

Complementa o art. 1.715 que o bem de família só está isento das dívidas posteriores à suainstituição, “salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de con-domínio”. Acrescenta o parágrafo único do art. 1.715 que, “no caso de execução pelas dívidasreferidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ouem títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharemoutra solução, a critério do juiz” - norma que não encontrava previsão semelhante no CC/ 1916.

Para Carlos Roberto Gonçalves, “não podendo seu valor ultrapassar um terço do patrimôniolíquido do instituidor existente ao tempo da instituição. Ao mesmo tempo, declara mantidas asregras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Desse modo,só haverá necessidade de sua instituição pelos meios supramencionados na hipótese do parágrafoúnico do art. 5º da Lei n. 8.009/ 90, ou seja, quando o casal ou entidade familiar possuir váriosimóveis, utilizados como residência, e não desejar que a impenhorabilidade recaia sobre o demenor valor. Neste caso, deverá ser instituído o bem de família mediante escritura pública ou tes-tamento, registrada no Registro de Imóveis, na forma do art. 1.714 do Código Civil, escolhendo-se um imóvel de maior valor para tornar-se impenhorável” .

Explica Álvaro Villaça Azevedo que, a seu turno, o artigo 1.715 apresenta-se com parte dotexto do caput do artigo 70 do Código de 1916. Esclarece o novo dispositivo que a isenção de exe-cução é por dívidas “posteriores à sua instituição” e inova quando inclui, como ressalvado, a pos-sibilidade de execução, além do crédito tributário relativo ao imóvel instituído, “de despesas decondomínio” . Essa inclusão é elogiável, pois a despesa de condomínio é obrigação de naturezapropter rem, que é gerada pela própria coisa. Essa despesa é benfeitoria, quando aprovada pelaassembléia de condôminos, não podendo deixar de ser paga, sob pena de execução do bem que agerou, ainda que seja bem de família. Essa exceção é inevitável, pois todos os condôminos têm depagar as despesas condominiais, sob pena de um locupletar-se à custa do outro. Inclui-se, ainda,nesse comentado artigo 1.715, um parágrafo único que determina que o saldo apurado nessa exe-cução seja aplicado em outro imóvel, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, parasustento familiar, ressalvando que, havendo motivos relevantes, pode o juiz, a seu critério, dar

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outra solução, que, certamente, seja de melhor proveito aos beneficiários. Entendo de grande valiaessa participação do juiz, porque, no mais das vezes, a aplicação desse saldo, como determinadoem lei, pode não corresponder à verdadeira defesa da família, que é, realmente, o escopo maiordo instituto sob estudo.

XII.5) Do destino do bem de família - art. 1.717

O art. 1.717 deixa claro que o patrimônio instituído em bem de família não pode ter outradestinação senão a de servir de domicílio e/ ou servir para conservar o bem e sustentar a família,bem como, que tal bem não pode ser vendido “sem o consentimento dos interessados e seus re-presentantes legais, ouvido o Ministério Público”. A novidade em relação ao art. 72 do CC/ 1916está apenas na exigência de que tem que ser ouvido o representante do Ministério Público paraalienação do bem de família.

Há proposta no Projeto de Lei 6.960, do Dep. Ricardo Fiuza, para que o art. 1.717 tenha aseguinte redação: “o prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem de família, não podemter destino diverso do previsto no art. 1.712”.

XII.6) Da proteção contra liquidação de administradora - arts. 1.718 e 1.713, § 3º

A proteção é tamanha ao bem de família que complementa o art. 1.718 que em “qualquerforma de liquidação da entidade administradora” dos valores mobiliários “não atingirá os valoresa ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obede-cendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição”.

XII.7) Do termo final automático para a proteção do bem de família - arts. 1.716 e 1.722

O termo final para a proteção ou restrição em bem de família está contido no art. 1.716, quereproduz o art. 70, parágrafo único, de tal forma que a impenhorabilidade “durará enquanto viverum dos cônjuges ou companheiros, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade”.

Por força do art. 1.722, “extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os côn-juges” ou companheiros “e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela” .

XII.8) Da desconstituição ou sub-rogação do bem de família - art. 1.719

A desconstituição de determinado patrimônio como bem de família exige, nos termos do art.1719, que seja “comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condiçõesem que foi instituído”, em procedimento judicial, no qual o juiz poderá, “a requerimento dos inte-ressados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos oinstituidor e o Ministério Público”.

O Projeto de Lei 6.960, do Dep. Ricardo Fiuza, propõe nova redação ao art. 1.719:“Comprovada a impossibilidade de manutenção do bem de família nas condições em que foi insti-tuído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extinguíi-lo, autorizar a alienação ou a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público”.

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XII.9) da decisão ser do casal e das normas para o bem de família em caso de dissolução do casa-mento ou da união - arts. 1.720 e 1.721.

Em razão da isonomia de direitos da mulher e do homem, o art. 1.720 determina que, emhavendo divergência entre os cônjuges e/ ou companheiros sobre a administração do bem defamília, “salvo disposição em contrário do ato de instituição” , caberá ao juiz resolver a divergência.

Ressalta Carlos Roberto Gonçalves que “a administração do bem de família compete aambos os cônjuges (acrescente-se: ou companheiros), salvo disposição em contrário estipulada noato de instituição, resolvendo o juiz em caso de divergência. Com o falecimento destes, a admi-nistração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor (art. 1.720 e pará-grafo único)” .

Sendo que, nos termos do parágrafo único do art. 1.720, “com o falecimento de ambos oscônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor” .

Mas a lei deixa claro que eventual “dissolução da sociedade conjugal” ou da união estável“não extingue o bem de família” (art. 1.721).

No entanto, cria o direito de escolha para o cônjuge ou companheiro sobrevivente de reque-rer a extinção do bem de família se, falecido o parceiro, este for o único bem do casal (parágrafoúnico do art. 1.721).

Juliana Gontijo Advogada, professora, mestre em Direito Civil pela UFMG

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II Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

24 a 26/ 05/ 2002 - Juiz de Fora/ MG

Newton Teixeira de Carvalho

SUMÁRIO:

1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2 Disposições Gerais - Capacidade e Impedimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3 Causas Suspensivas da celebração do casamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

4 Celebração e Prova do casamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

5 Invalidade do casamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

6 Eficácia e Dissolução do casamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

7 Proteção da pessoa dos filhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

8 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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1. INTRODUÇÃO

O Livro IV do novo Código Civil cuida do Direito de Família em quatro títulos que se esten-dem pelos artigos 1.511 a 1.783, sob os rótulos “Do Direito Pessoal” , “Do Direito Patrimonial” ,“Da União Estável” e “Da Tutela e da Curatela” .

No subtítulo I do Direito Pessoal aparece o casamento com diversas e relevantes mudançasde conteúdo trazidas pelo novo Código Civil naquele capítulo, quais sejam:

a) o casamento estabelece comunhão de vida, com base na igualdade de direitos e deveres doscônjuges (art. 1.511);

b) gratuidade da celebração do casamento e, com relação à pessoa pobre, também de habilitação,do registro e da primeira certidão (art. 1.512);

c) facilitação do registro civil do casamento religioso (art. 1.516);

d) redução da capacidade matrimonial do homem para 16 anos (art. 1.517);

e) redução dos impedimentos matrimoniais, catalogando apenas os dirimentes absolutos (art.1.521);

f) causas suspensivas do casamento, em lugar dos antigos impedimentos impedientes ou me-ramente proibitivos (art. 1.523);

g) exigência de homologação da habilitação matrimonial pelo juiz (art. 1.526);

h) casamento por procuração mediante instrumento público, com validade restrita há 90 dias (art.1.542);

i) desaparecimento da figura do chefe de família, em decorrência da igualdade dos cônjuges,aos quais compete à direção da sociedade conjugal (arts. 1.565 e 1.567);

j) possibilidade de adoção do sobrenome do outro por qualquer dos nubentes (art. 1.565, § 1º).

Assim, passamos à análise das modificações, na ordem ditada pelo Código Civil, no tocanteao Direito Pessoal no Direito de Família (art. 1511 a 1590). Porém, vale ressaltar-se que, com aconstitucionalização do Direito de Família o novo Código nada mais fez do que regulamentar e daraplicabilidade aos artigos 226 e seguintes de nossa Carta Maior, com destaque ao princípio daigualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, que derrubou ultrapassados entendimentos eacabou, de vez, com a inferioridade da mulher no casamento e também com a discriminação noque tange aos filhos, advindos ou não do casamento.

Não é demais lembrar, ainda, que foi o texto magno, em seu art. 226, parágrafo 3º e 4º, areconhecer outras formas de entidades familiares, além do casamento, ou seja, a união estável ea comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental).

2. DISPOSIÇÕES GERAIS - CAPACIDADE E IMPEDIMENTOS (ARTS. 1511 a 1522)

2.1. Da capacidade

A idade núbil, pelo novo Código, passa para 16 anos, tanto para o homem como para a mu-lher (art. 1517). Porém, se ainda não alcançada a maioridade civil, que o novo Código reduz para18 anos (art. 5º), exige-se a autorização dos pais ou dos representantes legais dos menores, para

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fins de casamento.

Havendo divergência entre os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado aqualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo (art. 1.631). Assim, a denegação do con-sentimento para fins de casamento, quando injusta, poderá ser suprida pelo juiz (art. 1.519).Porém, nesse caso, o regime será, obrigatoriamente, o de separação de bens (art. 1641, III).

O art. 1.520, do novo Código Civil, excepcionalmente admite o casamento precoce demenores de 16 anos, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em razão degravidez.

Interessante destacar-se que o atual Código não contempla a possibilidade de determi-nação, pelo juiz, da separação de corpos dos cônjuges até que atinjam idade legal, nas duashipóteses autorizativas de casamento abaixo da idade núbil, no parágrafo antecedente aludidas.

2.2. Dos Impedimentos

Não se pode confundir incapacidade para o matrimônio com impedimentos matrimoniais. Oimpedido de casar não é incapaz de contrair casamento. A incapacidade é geral e o impedimentoapenas circunstancial.

Com relação aos impedimentos matrimoniais, chamados também de impedimentos diri-mentes públicos ou absolutos, foram eles, no novo Código Civil, restringidos a sete e estão pre-vistos no art. 1.521. Todos são de caráter absoluto. Portanto, será nulo o casamento celebradocom infração a quaisquer desses impedimentos, conforme se vê do art. 1.548, II.

Consideram-se impedimentos apenas os fatos que efetivamente vedam a união civil pelocasamento, impossíveis de serem supridos ou sanados e a discriminação de cada abrange causasrelativas a parentesco próximo (ascendentes com descendentes e colaterais até o terceirograu);afinidade na linha reta; adoção (o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotadocom quem o foi do adotante, e, ainda, o adotado com o filho do adotante); vigência de casamen-to anterior e crime de homicídio ou tentativa de homicídio contra um dos cônjuges.

A discussão travada no momento é com relação à proibição do casamento entre parentesaté o 3º grau (t io e sobrinha) que, pelo Código Civil moribundo, comporta exceção quando houverautorização judicial, por permissão do Decreto-lei nº 3.200/ 41.

Assim, o Relator do Código Civil, Deputado Ricardo Fiúza, acatando sugestão do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família, encaminhou projeto de lei com várias modificações noainda não vigente Código Civil. Dentre elas, de destacar-se que poderá ser acrescentado ao art.1.521 parágrafo único, a seguinte redação: “Poderá o juiz, excepcionalmente, autorizar o casa-mento dos colaterais de terceiro grau, quando apresentado laudo médico que assegure inexistirrisco à saúde dos filhos que venham a ser concebidos”.

Evidentemente que o acréscimo acima transcrito tem por escopo evitar interpretaçõesdivergentes acerca da prevalência ou não do Decreto-lei nº 3.200/ 41 na vigência do novo Código,além de consolidar em um único corpo de lei o mesmo assunto, o que facilita o manuseio epesquisa. Porém, entendemos, enquanto não aprovada a modificação acima, que o Decreto-lei nº3.200/ 41 (como lei especial) foi recepcionado pelo novo Código Civil (lei ordinária). E, conformeo art. 2º dessa legislação, os parentes de 3º grau poderão casar-se se dois médicos que os exa-

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minarem atestarem-lhes a sanidade, afirmando não ser inconveniente, sob o ponto de vista dasaúde de qualquer deles e da prole, a realização do casamento.

Também não andou bem o novo Código ao fazer referência aos filhos adotivos (art. 1521,III)quando, sabemos, são simplesmente filhos, sem nenhum adjetivação, igualados aos naturais, “exvi” do disposto no art. 227, § 6º da Constituição Federal. Desnecessário é, por conseguinte, o incisoIII do novo Código Civil, eis que está encampado pelos outros incisos daquele mesmo artigo.

Com relação ao impedimento de casar-se o cônjuge sobrevivente com o condenado porhomicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte (art. 1.521, inciso VII), de ressaltar-seque tal vedação persiste, a exemplo de entendimento esposado sob o manto da legislação ante-rior, apenas em hipótese de crime doloso.

A oposição de impedimentos, se não ocorrer no procedimento de habilitação para o casa-mento, poderá ser concretizada até o momento da celebração, por qualquer pessoa capaz. Porém,se o casamento realizar-se, poderá ser invalidado, a qualquer tempo, por iniciativa de qualquerinteressado ou pelo Ministério Público.

O artigo 1.529 do novo Código Civil exige que os impedimentos e as causas suspensivas dacelebração das núpcias sejam opostos por declaração escrita e assinada, instruída com as provasdo fato alegado que impedem a realização do casamento. Se o oponente agiu de má-fé, poderesponder a ações civis e criminais (Parágrafo único, art. 1.530).

3. CAUSAS SUSPENSIVAS DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO

Tais causas, conhecidas na doutrina como impedimentos impedientes, suspensivos ouproibitivos, não impedem a realização do casamento nem desfaz o matrimônio. Podem ser descon-sideradas, por autorização judicial e, se infringidas, não constituem motivo para invalidação do ato.

As causas suspensivas (art. 1523, I a IV) foram estabelecidas no interesse da prole do leitoanterior (ausência de inventário, existindo filho do cônjuge falecido); no intuito de evitar a confusãode sangue (casamento somente após o décimo mês da viuvez, da nulidade ou anulabilidade dasnúpcias ou da dissolução da sociedade de fato) e de patrimônio (necessidade de decisão acercada partilha dos bens no divórcio), tudo, evidentemente, na hipótese de segundas núpcias; ou nointeresse do nubente que poderá acabar influenciado pelo outro (não poder o tutor ou o curador eos seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, casar com a pessoa tutela-da, enquanto não cessar a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas).

A inovação neste tópico é a previsão específica de causa suspensiva de casamento para odivorciado, enquanto não efetuada a partilha dos bens do casal (art. 1.523, III). Portanto, agoramais do que nunca deverá constar da sentença que decretar a separação ou o divórcio, que nãoexiste bem a partilhar, se for o caso, para facilitar o tramite da habilitação, se o divorciado pre-tender convolar novas núpcias.

A argüição das causas suspensivas de celebração do matrimônio só se permite aos parentesem linha reta e aos colaterais em segundo grau de um dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins(art. 1.524) e deve ser feita por escrito e com as provas do fato alegado (art. 1.529), quando aindaem curso o processo de habilitação.

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Se pendente a oposição, o casamento será adiado, eis que os nubentes não obterão o cer-t ificado de habilitação.

Caso desrespeitadas as chamadas causas suspensivas, o novo Código prevê a obrigato-riedade do regime de separação (art. 1.641, I).

3.1. Habilitação Matrimonial

A habilitação matrimonial, que ocorre perante o Oficial de Registro Civil do domicílio de umou de ambos os contraentes, é uma providência que antecede o casamento e tem por escopo averificação da inexistência de impedimentos e de causas suspensivas.

Pelo novo Código são mantidos os requisitos básicos necessários à habilitação, ou seja, for-mulação de requerimento pelas partes, instruído com documentos pessoais e declaração de duastestemunhas; publicação de editais por 15 dias (prazo para oposição de impedimentos e de causassuspensivas); oitiva do Ministério Público; homologação pelo juiz e expedição do certificado dehabilitação com eficácia por 90 dias (arts. 1.531 e 1.532).Se os nubentes não convolarem núpciasnesse período, terão que renovar o processo de habilitação, com a publicação de novos proclamase nova certidão, por se tratar de prazo de caducidade.

A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos,emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada nos termos da Lei 1.060/ 50(art. 1.512, parágrafo único).

De ver-se que o atual Código exige que a habilitação seja homologada pelo juiz (art. 1526).No Código agonizante, bastava a intervenção do Ministério Público. O juiz apenas se pronuncia-va nos casos de impugnação (oposição dos impedimentos e causas suspensivas) não aceita pelaspartes.

Evidentemente que desnecessária é tal providência, diante da fiscalização exercida pelo ofi-cial do Registro Civil e pelo Ministério Público. Descabida exigência está prestes a cair, eis que,do recente projeto de lei do Deputado Ricardo Fiúza, a situação poderá voltar ao sistema doCódigo anterior, já que o artigo 1.526 poderá ter a seguinte redação: “A habilitação será feita pe-rante o oficial de Registro Civil e, se o órgão do Ministério Público impugnar o pedido ou a docu-mentação, os autos serão encaminhados ao juiz, que decidirá sem recurso.” .

4. CELEBRAÇÃO E PROVA DO CASAMENTO

4.1. Da Celebração

Preenchidos todos os requisitos do procedimento de habilitação, os contraentes, de posseda certidão de Registro Civil e certificado de habilitação (art. 1531), requererão, mediante petiçãoà autoridade competente, a designação de dia, hora e local para a celebração do casamento (art.1.533).

A celebração do ato nupcial é da competência do juiz de casamento do lugar em que seprocessou a habilitação e é gratuita (art. 1.512). Constitui ato solene e deve ocorrer com todo origor formal, sob pena de inexistência do ato, salvo casos urgentes (casamento nuncupativo) ouexcepcionais (conversão da união estável em casamento). A publicidade do ato nupcial é de ordempública e, por conseguinte, condição para a validade dele.

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Presentes os nubentes, em pessoa ou por procurador especial (art. 1.535),bem como astestemunhas e o oficial do registro (que funciona como escrivão), o presidente do ato (juiz de casa-mento) perguntará, sucessivamente, ao futuro marido e à futura mulher se persistem no propósi-to de se casar por livre e espontânea vontade.

O novo Código não deixou nenhuma margem de dúvida quanto ao momento da consumaçãodo casamento, a afirmar, no artigo 1.514, que “o casamento se realiza no momento em que ohomem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo matrimonial,e o juiz os declara casados.” .

Assim, não é suficiente, à luz do novo Código Civil, a mera declaração de vontade dosnubentes, que ainda podem arrepender-se ou sofrer, antes do assentimento, oposição de impedi-mento (art. 1.522). Verifica-se, ainda em razão desse mesmo artigo, que a eficácia do casamen-to independe da solenidade do registro, que é mero meio de prova de sua realização (art. 1543).

Permite o novo Código Civil que, se um dos nubentes não puder estar presente ao ato nup-cial, se celebre o matrimônio por procuração que tem eficácia para noventa dias (art. 1.542, § 3º).Tal mandato, que somente pode ser outorgado por escritura pública, exige poderes especiais aomandatário para comparecer em lugar do mandante e receber, em seu nome, o outro contraente(art. 1.542), indicando o nome deste e individuando-o de modo preciso.

Inadmissível que ambos os nubentes se façam representar por mandatários, já que, sem apresença de um deles, o ato nupcial perde os caracteres cerimoniais peculiares. A revogação domandato também deverá ocorrer por instrumento público.

Como visto, o casamento é civil. Entretanto, é perfeitamente válido que os nubentes secasem no religioso, atribuindo-lhe efeitos civis (art. 1.515 e 1.516). O casamento religioso cele-brado sem as formalidades exigidas pelo Código Civil terá efeitos civis se, a requerimento docasal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante o Oficial de RegistroCivil.

Assim, o casamento religioso pode ser precedido de habilitação (Lei 6.015/ 73, art. 71 e CCart. 1.516, § 1º), caso em que os nubentes processam a habilitação matrimonial perante o Oficialdo Registro Civil, observando os arts. 1.525, 1.526, 1.527 e 1.531 do Código Civil. Celebrado ocasamento, qualquer interessado deverá requerer a sua inscrição no Registro Civil, no prazo de 90dias, sob pena de ser necessária nova habilitação, se ultrapassado tal prazo.

Realizado o casamento religioso sem prévia habilitação no civil, poderá o mesmo ser re-gistrado, desde que os nubentes apresentem a prova do ato religioso e os documentos exigidospelo art. 1.525 do Código Civil. Assim, processar-se-á a habilitação, com publicação de editais,na forma de praxe.

A validade do casamento religioso continua vinculada à exigência de sua inscrição noRegistro Civil das Pessoas Naturais, desde que atendida a providência da habilitação do casal,antes ou depois da celebração religiosa.

O prazo para registro, que pela Lei 6.015/ 73 era de 30 dias, foi aumentado pelo novoCódigo para 90 dias, no caso de prévia habilitação. Escoado aludido prazo, o registro poderá serconcretizado a qualquer tempo, porém há necessidade de ser efetuada nova habilitação.

O novo Código também manteve o casamento nuncupativo (art. 1.540), forma especial denúpcias em que, ante a urgência do caso e por falta de tempo (iminente risco de vida de um dos

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contraentes), não são cumpridas todas as formalidades ditadas pelos arts. 1.533 e seguintes doEstatuto Civil.

No casamento nuncupativo permanece a exigência de seis testemunhas, que com osnubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até o segundo grau. Porém, oprazo para confirmação do casamento perante a autoridade judicial se dilata, no novo Código, de5 dias previstos no atual, para 10 dias (art. 1541). Dispensado foi à formalidade da confirmaçãotestemunhal se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento na presença da autoridadecompetente e do oficial do registro.

Para ultimar o ciclo formal do casamento, que se inicia com a habilitação e prossegue coma cerimônia solene, dever-se-á lavrar no livro de registro, para perpetuar o ato e servir de prova,o assento do matrimônio.

4.2. Provas do Casamento

O casamento, bem como demais atos jurídicos, estão sujeitos à comprovação para existir.A prova neste caso é pré-constituída e se faz pela certidão do registro. Entretanto, a ausência destemeio probatório fundamental (sumiço do livro ou do próprio Cartório) não impede que o casamen-to seja demonstrado por outros meios, em direito admitidos (art. 1.543, parágrafo único): carteirade trabalho, averbação feita em registro de nascimento, justificação judicial, dentre outros.

O casamento realizado no exterior prova-se de acordo com a lei do país em que se celebrou,em aplicação do princípio do direito internacional privado locus regit actum.

Entretanto, se o casamento de brasileiro foi contraído no exterior perante agente consular,será provado por certidão do assento no registro do consulado (art. 1.544), que faz às vezes docartório do Registro Civil. Nessa hipótese, um ou ambos os cônjuges, se vierem para o Brasil, de-verá, em até 180 (cento e oitenta) dias, a contar do retorno, trasladar no cartório do respectivodomicílio ou, em sua falta, no 1º Ofício da capital do Estado em que passarem a residir (art. 1.544),o assento de casamento, para produzir efeito neste país.

O novo Código também considerou, em seu artigo 1.545, para fins de comprovação daexistência do casamento válido, na falta de registro ou de outro documento hábil, a prova da possedo estado de casado, assim considerada quando duas pessoas são tidas pela sociedade comomarido e mulher, em razão de assim procederem, publicamente.

De ver-se que o artigo 1.547 do novo Código encampa, a exemplo do Código anterior, oprincípio “ in dubio pro matrimonio” , a determinar que “na dúvida entre as provas favoráveis e con-trárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges cujo matrimônio se impugna, viverem outiverem vivido na posse do estado de casados.” .

Entretanto, de ver-se que a posse do estado de casados não se presta para convalescervício que invalida o casamento. Assim, somente poderá ser alegada para dirimir incerteza quantoao registro do casamento anteriormente realizado e que por algum motivo desapareceu ou sequerfoi lavrado.

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5. INVALIDADE DO CASAMENTO

5.1. Nulidade do casamento

O casamento tem como pilar o pressuposto fático da diversidade de sexo dos nubentes (art.1.514), exige a celebração na forma prescrita em lei (art. 1.533 a 1.535) e também consentimen-to das partes. Faltando qualquer um destes três requisitos é ato inexistente e, por conseguinte,nenhum efeito produz.

Assim, não se preocupou o novo Código Civil em tratar, expressamente, das condiçõesindispensáveis à existência jurídica do casamento, por total desnecessidade.

Entretanto, o novo Código continua com a distinção entre casamento nulo (art. 1.548), queé imprescritível, e anulável (art. 1.550).

A nulidade do casamento, conforme doutrina Maria Helena Diniz, deriva de enfermidademental grave, que impossibilite o discernimento para os atos da vida civil, incesto, bigamia e crimede homicídio ou tentativa de homicídio (art. 1.548, I e II).

A decretação de nulidade de casamento exige ação própria e tem legitimidade para ofertá-la qualquer interessado (o próprio cônjuge, herdeiro necessário, tutor, curador etc) ou o MinistérioPúblico (art. 1.549).

A sentença de nulidade do casamento tem efeito declaratório, eis que apenas reconhece ofato que o invalida. Portanto, é ex tunc (art. 1.563). Entretanto, não torna o matrimônio totalmenteineficaz eis que não apaga a paternidade e maternidade dos filhos havidos na constância dematrimônio declarado nulo e protege-se o cônjuge de boa-fé, além de proibir que a mulher contraianovas núpcias até 10 meses após a sentença, salvo se antes disso tiver dado à luz ou provar ine-xistência de gravidez.

De ressaltar-se que não mais existe o duplo grau de jurisdição, equivocadamente rotuladode recurso de ofício, com relação à sentença que declarar a nulidade ou anulação do matrimônio,eis que, pela última reforma do Código Processo Civil (art. 475), tal exigência foi abolida. Semrazão, pois, Maria Helena Diniz ao manter tal entendimento no seu Curso de Direito de Família.

O novo Código Civil não alude ao curador do vínculo. Assim, não há que ser nomeado maisesse defensor do matrimônio, nas ações de nulidade ou anulatórias.

5.2. Da Anulação do Casamento

A anulação do casamento está prevista no art. 1.550 do novo Código Civil e poderá ocor-rer nas seguintes hipóteses: ausência de idade mínima ou de autorização do representante legal,com relação ao menor em idade núbil; por vício de vontade (erro essencial sobre a pessoa do outrocônjuge - art. 1557); incapacidade de consentimento ou de manifestação, de modo inequívoco;realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do manda-to, desde que não sobrevenha coabitação entre os cônjuges.

De ressaltar-se que a situação de gravidez da mulher não permite a anulação do casamen-to por motivo de idade (art. 1.551).

O prazo para propositura da ação anulatória é de 180 dias, com relação ao incapaz de con-sentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento (art. 1.560, I); e de 02 anos, se incom-

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petente a autoridade celebrante (art. 1.560, II); de 03 anos em se tratando de erro essencial sobrea pessoa do outro cônjuge (art. 1.557) e de 04 anos, se houver coação.

Também é de 180 dias o prazo decadencial para anular o casamento dos menores de 16anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade e da data do casamento paraseus representantes legais ou ascendentes (art. 1560, I).

Pelo art. 1.550, inciso V, do novo Código Civil é anulável o casamento realizado por procu-ração quando o outorgado estivesse de boa-fé utilizando um mandato já revogado, antes da cele-bração, sem seu conhecimento. Entretanto, tal anulação não poderá ser almejada se, após o atosolene, t iver sobrevindo coabitação entre os cônjuges.

O art. 1.552 do novo Código Civil dá legitimidade ativa para propositura da ação anulatóriade casamento celebrado por menores de dezesseis anos, ao próprio cônjuge menor, seus repre-sentantes legais e seus ascendentes.

Entretanto, olvidou o legislador ao redigir tal artigo que, uma vez casado, o menor adquirea capacidade plena (emancipação em virtude do casamento) e, assim, antes mesmo da aquisiçãoda idade núbil poderá postular a anulação de seu respectivo casamento.

O novo Código, lastreado no princípio da igualdade entre os cônjuges, não prevê a possi-bilidade de anulação do casamento por ausência da virgindade da mulher. Aliás e à luz do CódigoCivil anterior, o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, após o advento da atual ConstituiçãoFederal, já havia repelido tal pretensão.

O art. 1.561 trata do casamento putativo, em atenção à boa-fé dos cônjuges, protegendoa união e dando-lhe todos os efeitos civis do casamento válido, embora anulável ou mesmo nulo,evidentemente até a sentença de declaração de nulidade.

O casamento putativo produz efeitos para o cônjuge de boa-fé até o dia da sentença anu-latória. Com relação aos filhos comuns, os efeitos subsistirão sempre, independentemente da boa-fé dos genitores.

No projeto de modificação do novo Código Civil, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza,poderá ser acrescentado o parágrafo terceiro no art. 1.561 para que o casamento putativo sejatambém considerado com relação ao cônjuge coato. É que, como sabido, os efeitos da putativi-dade só aproveitam ao cônjuge de boa-fé, isto é, o que ignorava o vício ou o defeito que originoua invalidade do casamento. Portanto, o cônjuge coato, como vít ima que foi da coação não poderiaalegar que não conhecia o vício.

Portanto e se acrescentado o parágrafo terceiro ao art. 1561, o cônjuge coato seráequiparado ao cônjuge de boa-fé, como ocorre no direito alemão, italiano e português. O § 3º a seracrescentado ao art. 1.561 terá a seguinte redação: “Os efeitos mencionados no caput deste arti-go se estendem ao cônjuge coato” .

A sentença anulatória do casamento é de caráter constitutivo, eis que apenas dissolve omatrimônio existente. Produz efeito para frente (“ex nunc”).

6. EFICÁCIA E DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO

Pelo art. 1.511 extrai-se a atual conceituação do casamento que tem por finalidade esta-belecer comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

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Complementando a conceituação jurídica do casamento, o artigo 1.565 do novo Código dis-põe que, por intermédio dele, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes,companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

Verifica-se que sepultado se encontra, de vez, a chefia da sociedade conjugal em nomeapenas do marido, bem como o exercício do pátrio-poder (agora poder familiar), apenas pelohomem, posto que o artigo 1.567 estabelece que compete tanto ao homem como a mulher àdireção da sociedade conjugal, em mútua colaboração, sempre no interesse do casal e dos filhos.Havendo divergência, a parte discordante poderá recorrer à solução judicial.

Entretanto, se impossível for à comunhão de vida, a sociedade conjugal poderá ser desfei-ta pela separação judicial ou divórcio (art. 1.571), mantidos pelo novo Código Civil, que tambémratifica legislação anterior a determinar que o casamento válido somente se dissolve pela mortede um dos cônjuges ou pelo divórcio (art. 1.571, § 1).

O art. 1.574 prevê a possibilidade da separação judicial consensual. Entretanto, exige queo casamento tenha a duração mínima de 01 (um) ano. Assim, o prazo de 02 anos do artigo 4º daLei do Divórcio foi reduzido.

Tal dispositivo legal está para ser modificado no projeto do Deputado Ricardo Fiúza, pas-sando a ter a seguinte redação e acabando, de vez, com prazo mínimo para a decretação da se-paração consensual: “Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges, ma-nifestado perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.” .

Pelo parágrafo único do art. 1.574, repetindo o § 2º do artigo 34 da Lei do Divórcio, o juizpode recusar a homologação da separação se comprovar que a convenção não preserva suficien-temente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.

O novo Código mantém a chamada separação-remédio em seu art. 1.572, § 2º. Porém,reduziu o prazo que antes era de 05 anos para apenas 02 (dois) anos. Assim, o cônjuge poderápedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestadaapós o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após umaduração de 2 (dois) anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

Na separação chamada litigiosa ainda foi mantida a necessidade de identificação de um cul-pado para que a mesma possa ser concedida. Por conseguinte, somente se à parte autora imputarà parte ré conduta desonrosa ou qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casa-mento, demonstrando que daí resulta insuportável a vida em comum, será possível a propositurada chamada separação-sanção (art. 1.572).

Os motivos que podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida e que autorizamo ajuizamento da ação de separação estão previstos no art. 1.573, itens I a VI. São eles: adultério;tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar, durante um ano contínuo;condenação por crime infamante e conduta desonrosa.

Entretanto, após descrever os motivos ensejadores da separação litigiosa, o parágrafoúnico do art. 1573 permite ao juiz considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidadeda vida em comum. Portanto, a tipificação legal é meramente exemplificativa.

Com relação ao abandono voluntário do lar, durante um ano contínuo, também há propostade modificação pelo Deputado Ricardo Fiúza. Na verdade, persistirá, se aprovado, apenas o aban-dono voluntário do lar conjugal, independentemente de prazo, já que “a exigência de duração doabandono do lar por um ano, para possibilitar o pedido de separação judicial culposa está em con-

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tradição com os requisitos da união estável, que possibilitam sua constituição diante de separaçãode fato no casamento de um dos conviventes (art. 1.723, § 1º); deste modo, o cônjuge pode, se-parado de fato, constituir união estável, mas não lhe é possibilitada a propositura de ação de se-paração judicial para buscar a regularização de seu estado civil, se abandonado por período infe-rior a um ano”, conforme consta da justificação apresentada pelo próprio Relator, DeputadoRicardo Fiúza, de número 72.

Inovação ocorre, na separação e no divórcio, com relação ao uso do nome. O novo Códigofaculta a qualquer dos cônjuges acrescer ao seu nome o sobrenome do outro (parágrafo único doart. 1.565). Entretanto, o cônjuge culpado na separação perde este direito (art. 1.578), desde queesta seja a vontade do vencedor da ação. Porém, mesmo havendo esta oposição, é possível o côn-juge culpado continuar com o sobrenome do outro se demonstrado evidente prejuízo para a suaidentificação ou manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havido da união dis-solvida ou, ainda, dano grave reconhecido na decisão judicial.

Com o novo Código houve um certo abrandamento no tocante a voltar o cônjuge culpado ausar o nome de solteiro, já que o artigo 17 da Lei do Divórcio determinava a perda do nome semqualquer ressalva, se vencida a mulher na ação de separação.

No tocante ao divórcio, o artigo 1.581 permite sua decretação sem que haja prévia partilhade bens. Entretanto, já há entendimento no sentido que tal dispositivo legal se refere apenas aochamado divórcio direito. Aderimos a tal posição, eis que o divórcio conversão é tratado no artigoanterior e quisesse o legislador referir a ele, bastava abrir mais um parágrafo naquele dispositivo,que já possui dois outros (art. 1580).

7. PROTEÇÃO DA PESSOA DOS FILHOS

Na verdade nenhuma novidade trouxe o novo Código com relação à proteção dos filhos. Deprevalecer, nesta matéria, sempre, o interesse do menor. A guarda será atribuída a quem revelarmelhores condições para exercê-la entre o casal (art. 1584) e, inclusive, poderá ser deferida asoutras pessoas, levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade.

Por outro lado, por se tratar de realidade dinâmica, seja a guarda provisória ou definitiva,poderá a mesma ser modificada a qualquer tempo, sempre buscando o “melhor interesse” da criança.

Portanto e principalmente com relação à pessoa dos filhos, o novo Código fez mera trans-posição de jurisprudência.

No projeto de modificação do novo Código, apresentado pelo Deputado Ricardo Fiúza eacatando sugestão do IBDFAM, ao artigo 1.583 será acrescentado o parágrafo único, admitindo aguarda conjunta ou compartilhada. Tal artigo terá a seguinte redação: “A guarda poderá ser con-junta ou compartilhada, se preservar os interesses dos filhos” .

8. CONCLUSÃO

Como visto o novo Código Civil já nasceu velho, razão de estar sendo rotulado, correta-mente, de o FILHO TARDIO DA MODERNIDADE. Vários assuntos importantes foram olvidados,

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a exemplo da união homoafetiva ou mantidos, como a ainda perquirição de culpa na separação liti-giosa.

Verificados os equívocos, apressa-se, agora, a aprovar lei modificando vários artigos doainda não vigente Código Civil. Diante de tal postura, urge que a vigência do novo Código Civilseja sobrestada, até que aprovadas as necessárias alterações sugeridas, já que as propostas demodificações atingem inúmeros artigos, iniciando-se no 2º e terminando-se no 2.045.

Depois e mesmo com o advento do novo Código, com ou sem as indispensáveis alterações,dúvidas ainda persistirão acerca da revogação ou não de diversas leis extravagantes, principal-mente na seara do Direito de Família.

A dúvida persiste principalmente com relação à Lei do Divórcio, que contém em seu ventreregras de direito material e processual.

A Desembargadora no Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias afirma que “diante dessaconcorrência normativa, cabe questionar se o novel estatuto, quando de sua entrada em vigor,acabará ou não por derrogar a Lei do Divórcio, ficando a disciplina da separação e do divórcio re-gulada exclusivamente no Código Civil” .

A mesma jurista antes citada conclui acerca da indagação por ela posta da seguintemaneira: “Ainda que minguados os números de disposições que regulam o divórcio, não há comodeixar de reconhecer que, quando entrar em vigor o novo estatuto civil, a Lei do Divórcio sumirádo direito positivo brasileiro” .

Entretanto, várias matérias de ordem processual estão inseridas na Lei do Divórcio que terásobrevida, enquanto não ocorrer reforma no Código de Processo Civil, incluído-as. Portanto, per-sistirão os dois instrumentos legais (Código Civil e Lei do Divórcio), evidentemente no que nãoforem incompatíveis, hipóteses em que, se ocorrer e por princípio de interpretação, prevalecerá oCódigo Civil (por ser posterior), mesmo no que se refere às leis processuais.

Depois, ao art. 2045, “Das disposições finais e transitórias” do novo Código Civil revogou,expressamente, apenas o Código Civil anterior e a parte primeira do Código Comercial. E o art.2043 daquela parte derradeira da novel legislação civilística é taxativo: “até que por outra formase disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal,constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código”.

Ainda acerca de revogação de leis, de ver-se que o novo Código Civil, ao contrário do ante-rior, não possui Lei de Introdução. Assim e considerando que várias matérias entranhadas naque-la legislação não constam do novo Código, a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro tambémpersistirá.

Newton Teixeira de Carvalho

Juiz da 1ª Vara de Família de Belo Horizonte

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En u n c i ad o s

II Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

24 a 26/ 05/ 2002 - Juiz de Fora/ MG

TEMA: Direito de Família - 112 participantes

Disposições Gerais e Filiação - arts. 1.591 a 1.606

Orientador: Des. Geraldo Augusto de Almeida

Relator: Juiz Alanir José Hauck Rabeca

Enunciado:

1- As hipóteses elencadas no art 1.597 são exaustivas.

Reconhecimento de Filhos - arts. 1.607 a 1.617

Poder Familiar - arts. 1.630 a 1.638

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relatora: Juíza Danielle Christiane Costa Machado de Castro Cotta

Enunciados:

1- A declaração de reconhecimento da paternidade ou maternidade é irrevogável, nos termos dosarts. 1.609 e 1.610, podendo ser invalidada nas hipóteses dos artigos 166 e 171.

2- No caso de invalidade de reconhecimento voluntário da filiação, não haverá prazo para suscitá-la,se nulo o ato (art. 169); e será de quatro anos, se anulável (art. 178).

Adoção - arts. 1.618 a 1.629

Orientador: Juiz Manoel Bravo Saramago

Relator: Juiz Marcelo Alexandre do Valle Thomaz

Enunciados:

1- As regras referentes à adoção contidas no Código Civil prevalecerão naquilo que conflitarem como ECA.

2- A adoção, prevista no novo Código Civil, é irrevogável.

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Tutela - arts. 1.728 a 1.766

Orientador: Juiz Alberto Aluízio Pacheco Andrade

Relatora: Juíza Maria Cecília Gollner Stephan

Enunciados:

1- O benefício do menor previsto na parte final do inc. II do art. 1.731 poderá ser aplicado a ambosos incisos (todos os parentes).

2- O poder de escusa da tutela pelo princípio da isonomia poderá ser aplicado ao homem casado.(art.1.736, inciso I).

Curatela - arts. 1.767 a 1.783

Orientador: Juiz Roberto de Freitas Messano

Relatora: Juíza Lilian Maciel Santos

Enunciados:

1- Os artigos 1.768 e 1.780 dispõem sobre norma de natureza processual, conferindo àquelesmencionados no primeiro dispositivo legitimidade supletiva nos casos do enfermo que tiver dis-cernimento para os atos da vida civil e para o portador de deficiência física. Nos demais casosa legitimidade é concorrente.

2- A interdição pode ser promovida pelo companheiro(a) (art. 1.768 c/ c art. 1.775).

União estável - arts. 1.723 a 1.727

Orientador: Juiz Marcos Lincoln dos Santos

Relatora: Juíza Valéria da Silva Rodrigues

Enunciado:

1- O lapso temporal não é determinante para a configuração da união estável (art. 1.723).

Regime de bens entre cônjuges: Disposições Gerais e Pacto antenupcial - arts. 1.639 a 1.657

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relator: Juiz Cristiano Álvares Valladares do Lago

Enunciados:

1- O regime legal de separação de bens previsto no art. 1.641 é norma jurídica autônoma, nãovedando a alteração de regime permitida no art. 1.639 , § 2º, desde que cessadas as causas deobrigatoriedade.

2- A alteração de regime de bens prevista no art. 1.639, § 2º, poderá ser deferida mais de umavez, cabendo ao juiz verificar a pertinência das razões invocadas.

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Comunhão Parcial e Universal - arts. 1.658 a 1.671

Orientador: Juiz Manuel Bravo Saramago

Relator: Juiz Fabiano Afonso

Enunciados:

1- A disposição do art. 1.665 refere-se a bens móveis, no que diz respeito à alienação.

2- A proteção a que se refere o art. 1.666 abrange os bens comuns, e não só a meação.

3- O elenco de exclusão da comunhão universal, a que se refere o art. 1.668, é exaustivo.

Alimentos - arts. 1.694 a 1.710

Orientador: Juiz Marcos Lincoln dos Santos

Relatora: Juíza Sandra Sallete S. Mendes Martins

Enunciado:

1- A obrigação dos herdeiros do devedor, contida no artigo 1.700, deve estar pré-constituída e li-mitar-se à força da herança (inteligência dos artigos 1.694 e 1.700).

Bens de família - arts 1.711 a 1.722

Orientador: Des. Geraldo Augusto de Almeida

Relator: Juiz Vitor dos Santos Martins Ferreira

Enunciado:

1- A faculdade de reversão, prevista no caput do art. 547, aplica-se ao parágrafo único do art.1.711, não havendo descendência.

Casamento - Disposições Gerais - Capacidade e Impedimentos - arts. 1.511 a 1.522

Orientador: Juiz Manuel Bravo Saramago

Relator: Juiz Cristiano Álvares Valladares do Lago

Enunciado:

1- A competência para presidir o ato de casamento, nos termos do art. 1.514, será regulada pelaLei de Organização Judiciária.

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Invalidade do casamento - arts. 1.548 a 1.564

Orientador: Juiz Marcos Lincoln dos Santos

Relator: Juiz Marco Antônio Feital Leite

Enunciado:

1- O art. 1.548 amplia a parte geral e não exaure as hipóteses de nulidade (art. 166).

Eficácia e Dissolução do casamento - arts. 1.694 a 1.710

Orientador: Des. Geraldo Augusto de Almeida

Relator: Juiz Renato Luis Dresch

Enunciado:

1- Na separação judicial não é obrigatória a partilha de bens (Inteligência dos artigos 1.575 e1.581).

Proteção da pessoa dos filhos - arts. 1.583 a 1.590

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relator: Juiz Silvério Ezequiel Torres

Enunciados:

1- O bem-estar e a segurança do menor são preponderantes. As disposições contidas nos arts.1.584 e 1.585 são supletivas em face do disposto no art. 1.586.

2 - No interesse da segurança e do bem-estar dos filhos menores e dos maiores incapazes, o poderdiscricionário do juiz, havendo motivo grave, prevalece sobre a convenção das partes (inteligên-cia dos arts. 1.583 e 1.586).

3- O parágrafo único do art. 1.584 é norma jurídica autônoma. Aplica-se a todas as hipóteses deguarda dos filhos, independentemente de separação judicial ou divórcio.

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Pr o g r am aç ão

III Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

30/ 06 a 02/ 07/ 2002 - Ipatinga/ MG

D i a 3 0 / 6 / 0 2 - D o m i n g o

20h Abertura Pronunciamentos

- Des. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Superintendenteda Escola Judicial Des. Edésio Fernandes - EJEF

- Dr. Doorgal Gustavo Borges AndradaPresidente da AMAGIS

20h30min Palestra: “Direito das Coisas - Principais Inovações”- 60 minutos - Expositor: Juiz Caetano Levi Lopes (MG)- Debates: 30 minutos

D i a 0 1 / 7 / 0 2 - S eg u n d a -f e i r a

8h30min Palestra: “Fim Social da Propriedade” - 60 minutos- Expositor: Juiz Alberto Aluízio Pacheco de Andrade (MG)

9h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Disposições Gerais dos Direitos Reais e da Propriedade - arts. 1.225 a 1.232Grupo II - Descoberta - arts. 1.233 a 1.237Grupo III - Aquisição da Propriedade Imóvel - arts. 1.238 a 1.247Grupo IV - Acessão - arts. 1.248 a 1.259

- Aquisição da Propriedade Móvel - arts. 1.260 a 1.274Grupo V - Perda da Propriedade em geral - arts. 1.275 e 1.276

- Direito de Vizinhança - Parte I - arts. 1.277 a 1.296Grupo VI - Direito de Vizinhança - Parte II - arts. 1.297 a 1.313

11h Plenária - 90 minutos

15h30min Palestra: “A Nova Visão do Condomínio” - 60 minutos- Expositor: Prof. João Batista Cândido (MG)

16h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Condomínio Voluntário e Necessário - arts. 1.314 a 1.330Grupo II - Condomínio Edilício - Parte I - arts. 1.331 a 1.346

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Grupo III - Condomínio Edilício - Parte II - arts. 1.347 a 1.358Grupo IV - Propriedade Resolúvel e Fiduciária - arts. 1.359 a 1.368Grupo V - Direito de Superfície - arts. 1.369 a 1.377Grupo VI - Servidões - arts. 1.378 a 1.389

- Usufruto - arts. 1.390 a 1.411

18h Plenária - 90 minutos

19h30min Encerramento

D i a 0 2 / 7 / 0 2 - Ter ç a-f e i r a

8h30min Palestra: “Alterações nos Direitos Reais de Garantia” - 60 minutos- Expositor: Prof. José Anchieta da Silva (MG)

9h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Direitos de Uso, Habitação e do Promitente Comprador - arts. 1.412 a 1.418Grupo II - Direito Real de Garantia - Disposições Gerais - arts. 1.419 a 1.430

- Penhor - Parte I - arts. 1.431 a 1.437Grupo III - Penhor - Parte II - arts. 1.438 a 1.450Grupo IV - Penhor - Parte III - arts. 1.451 a 1.460

- Penhor de Veículos - arts. 1.461 a 1.466- Penhor Legal - arts. 1.467 a 1.472

Grupo V - Hipoteca - Parte I - arts 1.473 a 1.488Grupo VI - Hipoteca - Parte II - arts. 1.489 a 1.505

- Anticrese - arts. 1.506 a 1.510

11h Plenária - 90 minutos

Coordenador dos Grupos de Discussão- Juiz José Nepomuceno Silva (TAMG)

Coordenador das Plenárias- Des. Nilson Reis (TJMG)

Orientadores- Des. Geraldo Augusto de Almeida (TJMG)- Juiz Caetano Levi Lopes (TAMG)- Juiz Manuel Bravo Saramago (TAMG)- Juiz Pedro Carlos Bitencourt Marcondes (2ª V. Faz. Pública e Autarquias da Capital)- Juíza Selma Maria Marques (7ª Vara Cível da Capital)- Juiz Alberto Aluizio Pacheco de Andrade (TAMG)

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Pa l es t r a

III Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

30/ 06 a 02/ 07/ 2002 - Ipatinga/ MG

Caetano Levi Lopes

DIREITO DAS COISAS - PRINCIPAIS INOVAÇÕES

1. BREVE HISTÓRIA DA POSSE E PROPRIEDADE

A noção de propriedade é relativamente nova na História da humanidade. Os primeiros gru-pos humanos, quando passaram a utilizar a inteligência, certamente foram nômades porque dependi-am da coleta, da caça e da pesca para sobreviverem. A sedentarização só foi possível quando con-seguiram produzir alimento, ou seja, aprenderam a cultivar a terra e a domesticar animais. Anteshavia frouxos laços de posse sobre apetrechos necessários à obtenção dos meios de subsistência.

A partir do momento em que a comunidade torna-se sedentária, a propriedade passa a existir.Por certo, no início era coletiva, pois pertencia à família, depois à tribo e, em derradeiro lugar, àprópria comunidade. A propriedade individual é bem mais recente.

Entre os indo-europeus o tema foi estudado na monumental obra A cidade antiga e Fustel deCoulanges, seu monumental autor, localiza a propriedade a partir da religião doméstica: o culto dodeus lar ou penates e dos antepassados (manes) demandam a existência de um altar, onde a pirasagrada perpetuamente brilha, e o local de sepultamento são territórios de propriedade familiar.

Gustav Glotz (A cidade grega) analisa o que se passava entre os gregos e afirma que a pro-priedade é o meio para preservação dos costumes e das instituições patriarcais.

Pode-se, ainda, notar que a propriedade fundiária era notavelmente desenvolvida entre ospovos mesopotâmicos. O Rei Hamurabi (reinou entre 1955 e 1913 a. C.) editou um conjunto de nor-mas escritas, que passaram à História como sendo o Código de Hamurabi. Foram fixadas várias nor-mas reguladoras do uso do solo, inclusive com emprego de irrigação, além de estabelecer sançõespenais severas para quem violasse as normas protetivas (§ 6 a 126).

Os romanos, cuja história é mais recente, também manifestaram preocupação com o temadesde os seus primórdios.

Pode-se afirmar que existiram três fases distintas.

Na primeira fase, predominavam as normas religiosas. Havia:

a) res in patrimonium: os bens que poderiam estar na propriedade privada e eram res mancipi (bensmais importantes) e res nec mancipi (bens menos importantes).

b) res extra patrimonium: os bens insuscetíveis de apropriação particular e eram res divini iuris (bens per-tencentes à divindade por serem consagradas à divindade - res sacrae -, dedicadas aos mortos - resreligiosae - e, embora não consagradas aos deuses, têm caráter religioso como os muros, as portasdas cidades e os marcos dos campos que eram colocados sob a proteção de alguma divindade) bemcomo res humani iuris (bens inapropriáveis - res communes como o ar, a água, etc. - e res publicae -

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bens de propriedade do povo romano e de uso comum a todos como as estradas, os portos, etc.)

Na segunda fase, o Estado laicizou-se e a sacralidade praticamente desapareceu. Esta faseocorre quando as conquistas guerreiras passam a determinar o notável aumento do território. Aclasse patrícia recebe a titularidade sobre vastos territórios nos quais devem afirmar o poder deRoma.

Na derradeira etapa, começa a influência do Cristianismo. Os bens, sejam eles móveis ouimóveis, constituem propriedade era coletiva e são instrumentos para exaltação de Deus. Esteenfoque atravessou quase toda a Idade Média.

No final do da Idade Média e por toda Idade Moderna, com o incremento da atividadeeconômica, os grandes empreendimentos demandavam mais capital e a propriedade privadaassumiu importância de vulto.

O alvorecer da Idade Contemporânea, anunciado pela Revolução Francesa e sua consoli-dação no Código Civil de 1804, passa a ser incrementado o individualismo sobre o interesse cole-tivo no que respeita à propriedade. É o período áureo da Escola Liberal.

2. O DIREITO DAS COISAS E O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 1916

O jovem Estado brasileiro nasce neste confronto de idéias. E o Código Civil de 1916, naverdade, produto completo do ideário do Século XIX, sofre influência forte do pensamento liberalclássico. É, portanto, fundamentalmente um código patrimonialista.

A roda imprevisível da História não pára.

Mal havia entrado em vigor o nosso Código Civil e a Segunda Revolução Russa (abolchevique de outubro de 1917) procura eliminar a propriedade privada. É a primeira grande criseque permeia todo o Século XX.

Ensaiando forte reação, os países capitalistas procuram, num primeiro momento, reforçar apropriedade individual. Entretanto, o temor gerado pelo comunismo acaba levando ao abranda-mento: adota-se a função social da propriedade.

3. O CÓDIGO CIVIL DE 2002

E neste torvelinho histórico, em 1975 aporta na Câmara dos Deputados o projeto de leicontendo o novo Código Civil brasileiro. Após longa tramitação legislativa, num período em que aHistória registrou a queda de tantos e outrora poderosos Estados, finalmente no mês de janeirode 2002 é sancionado o projeto de lei que passa a ser o futuro Código Civil.

A posse a propriedade são disciplinados no Livro III da Parte Especial, mantida a denomi-nação atual: Direito das Coisas. Mas é importante assinalar que o Projeto de Lei nº 6.860, de2002, que pretende reformar o Código mesmo na vacatio legis altera o título do Livro III para“Posse e Direitos Reais” . A providência, caso venha a ser aprovada, é oportuna. A Parte Geral, noLivro II, cuida dos bens, numa precisão de linguagem elogiável. Ocorre que coisa é tudo que existeenquanto bem é a coisa juridicamente qualificada. É intuit ivo que o Livro III da Parte Especialsomente pode disciplinar os bens.

A subdivisão do Livro III segue boa técnica. O Livro em questão é composto por dez títulos.

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O primeiro título dedica-se à posse. O segundo discrimina os direitos reais. O terceiro disciplina apropriedade. Os títulos quarto ao oitavo contém normas acerca dos direitos sobre bens alheios(superfície, servidões, usufruto, uso e habitação). O penúltimo regula os direitos do promitentecomprador enquanto o derradeiro regulamenta os direitos reais de garantia.

4. AS ALTERAÇÕES MAIS SIGNIFICATIVAS

Em relação ao instituto da posse, somente a redação foi atualizada. É importante registrarque a teoria objetiva é mantida e, em decorrência, não há alterações importantes.

Idêntica afirmação, entretanto, não pode ser feita quanto à propriedade.

Como seria de se esperar, a nova disciplina infraconstitucional amoldou-se aos princípioscontidos na Constituição da República de 1988. Passamos a anotar as alterações que, a nossoaviso, revelam-se mais importantes.

O art. 1.225 elenca os direitos reais. Não faz referência à enfiteuse. O instituto desaparecesalvo quanto aos aforados da Marinha (conforme art. 2.038, § 2º). Todavia, surgem o direito desuperfície (artigos 1.369 a 1.377) e o direito do promitente comprador de imóvel (artigos 1.417 e1.418).

A função social da propriedade é amplamente consagrada (art. 1.228) com fortes reflexosna aquisição por usucapião.

A disciplina relativa à aquisição de imóvel não contempla expressamente o direito here-ditário. A matéria ficou para o Livro V (Direito das Sucessões). Aliás, falta artigo similar ao atualart. 530.

Frise-se que os minerais do subsolo, os potenciais de energia hidráulica e os monumentosarqueológicos são dissociados da propriedade do solo (art. 1.230).

A aquisição de imóvel por usucapião passa a ter disciplina bastante diferente. São con-templadas as espécies clássicas (usucapião ordinária e usucapião extraordinária) mas a usucapiãoespecial também passa a integrar o texto legislativo infraconstitucional.

Observo que há redução de prazos tanto para a extraordinária (quinze anos sendo possí-vel ser diminuído para dez - art. 1.238) quanto a ordinária (dez anos sendo possível ser diminuídopara cinco - art. 1.242); a usucapião especial foi simplesmente copiada do texto constitucional.

Relativamente à aquisição de imóvel pelo registro do título houve regulamentação maiscompleta, inclusive tornando clara a presunção de domínio em favor de quem tem o bem registra-do em seu nome (artigos 1.245 e 1.247).

Embora seja duvidosa a constitucionalidade, há previsão para que o particular exproprie oimóvel alheio no caso de acessão industrial (artigos 1.255, parágrafo único e 1.258). É questãoque, por certo, despertará acesa polêmica e comporta duas hipóteses:

a) construção ou plantação com materiais próprios em solo alheio integral;

b) construção com material alheio em solo também alheio parcial: a invasão não poderá ser supe-rior a um vigésimo do imóvel invadido e a expropriação ocorrerá até mesmo em caso de má-fépor parte do construtor. Se exceder ao vigésimo, a expropriação dependerá de haver boa-fépor parte do construtor.

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Quanto à aquisição de bens móveis, houve pequenas alterações. Destaca-se, na especifi-cação, o tratamento dado à pintura, à escultura e ao trabalho gráfico: pertencem ao especificador(art. 1.270, § 2º) e, no Código Civil de 1916, o tema era disciplinado na Parte Geral (art. 62).

O direito de vizinhança contém algumas novidades.

O uso nocivo da propriedade passa a denominar-se uso anormal da propriedade e interfe-rências prejudiciais (art. 1.277) e a sentença, se houver, não transita materialmente em julgado(art. 1.279).

É criada a restrição relativa a passagem de cabos e tubulações (artigos 1.286 e 1.287) e asnormas são supletivas para o aqueduto (art. 1.294).

As normas relativas às águas, diante da grave crise que começa a fazer sentir os seusefeitos deletérios, são insuficientes. Devem ser interpretadas de modo assaz genérico.

Duas importantes alterações são introduzida no direito de construir. A primeira refere-se àdistância entre prédios quando for aberta janela ou edificados eirado, terraço ou varanda (art.1.301); fica reduzida a distância pela metade em relação ao Código Civil de 1916. A segunda é aexpressa autorização para ser feito acréscimo de altura em parede divisória (art. 1.307).

O instituto do condomínio é aprimorado quanto ao voluntário e ao forçado.

O condomínio horizontal passa a ser tratado no Código como condomínio edilício e com dis-ciplina bastante detalhada. A dúvida é quanto à vigência dos artigos 11 a 27 da Lei nº 4.591, de1964. Entendemos que deixarão de vigorar porque, neste caso, constituem lei extravagante. Estainstitui e disciplina instituto novo à margem do Código Civil e, na verdade, é complemento deste.Note-se que o Projeto de Lei nº 6.960, de 2002, expressamente revogará os artigos mencionados.

A propriedade fiduciária, que atualmente é regida em lei extravagante, passa a ser expres-samente incorporada (artigos 1.361 a 1.368);

Os institutos da servidão, do usufruto, do uso, da habitação não sofrem alterações subs-tanciais. Ressalva-se, no que respeita ao usufruto, que, de modo implícito, será permitido à pes-soa jurídica ser usufrutuária; neste caso, o usufruto durará no máximo trinta anos (art. 1.410, III)

Os dois novos institutos - direito superficiário e direito do promitente comprador - merecemdestaque.

O direito de superfície, previsto nos artigos 1.369 a 1.377, permite que o proprietário dosolo autorize terceiro plantar ou construir no terreno. A utilização poderá ser onerosa ou gratuita,ao contrário da enfiteuse que sempre é remunerada. O superficiário - sujeito de direito que utilizao imóvel alheio - terá a obrigação de pagar os encargos e tributos e pode transferir seu direito paraterceiros, além da haver sucessão hereditária, vedado ao concedente cobrar pela transferência(artigos 1.371 e 1.372). É oportuno lembrar que o proprietário e o superficiário têm direito depreferência no caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície. Findo o prazo da concessão,o proprietário adquire o domínio sobre as plantações e construções, não tendo o superficiário direi-to a indenização (art. 1.375) mas, em caso de desapropriação, a indenização será repartida entreeles na proporção de cada direito real.

O direito do promitente comprador - em linguagem mais apurada, promissário comprador -e regulado em dois artigos: 1.417 e 1.418. A matéria não é nova por ser objeto de leis extrava-gantes. A importância de sua inclusão no Código Civil é generalizar o âmbito de aplicação.

Aqui, é oportuno lembrar que o Código Civil de 2002, em matéria contratual, inverte a regra

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atual, ou seja, presume-se que as partes, celebrado o contrato, não podem manifestar arrependi-mento. O art. 1.417, atento ao novo princípio, dispõe que a promessa de compra e venda de imó-vel sem cláusula permissiva de arrependimento pode ser levada a registro no Ofício de Registrode Imóveis. Este ato gera direito real à aquisição do imóvel. E o artigo seguinte expressamenteprevê a adjudicação judicial se o promitente vendedor deixar de cumprir a obrigação de fazer con-sistente em outorgar a escritura pública de compra e venda. Atualmente, como a regra é a possi-bilidade de arrependimento, exige-se que a promessa contenha cláusula de irretratabilidade.

Os direitos reais de garantia são mantidos com aperfeiçoamentos.

Destaca-se:

a) o prazo máximo para o penhores agrícola e rural são elevados de dois e três anos para três equatro anos, permitida apenas uma prorrogação (art. 1.439);

b) o penhor mercantil passa a ser tratado no Código (artigos 1.447 a 1.450)

c) a caução em títulos de crédito passa a ser penhor de direitos e títulos de crédito (artigos 1.452a 1.460);

d) é instituído o penhor sobre veículos (artigos 1.461 a 1.466);

e) a hipoteca poderá incidir sobre recursos naturais destacados do solo (minerais do subsolo) eaeronaves;

f) é vedada cláusula proibit iva de alienação de imóvel hipotecado, sendo cominada invalidadeabsoluta para a mesma (art. 1.475); e

g) é instituída a remição de anticrese (art. 1.510) - o instituto até então era exclusivamenteprocessual.

Passadas em revista as alterações principais, é hora de encerrar esta exposição que estátornando-se fastidiosa.

5. BREVÍSSIMA CONCLUSÃO

Mas não poderíamos deixar de dizer que o novo Código Civil é obra humana e, como tal,sujeita a falhas. Todavia, recai sobre nós, operadores do direito, a tarefa de vivificar o texto frio dalei. A doutrina e a jurisprudência, por certo, suprirão as imperfeições. Não podemos jamais esque-cer que a sociedade brasileira deposita fundadas esperanças de uma renovação na vida privadade todos nós. A bem da verdade, o legislador cumpriu sua missão ao optar por aprovar um novoCódigo Civil. Agora, é a nossa vez de desempenhar a missão e torná-lo palpitante realidade davida. Oxalá possamos estar à altura de tão importante missão!

Muito obrigado.

Caetano Levi LopesDesembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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III Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

João Batista de Oliveira Cândido

30/ 06 a 02/ 07/ 2002 - Ipatinga/ MG

NOVO CÓDIGO CIVIL - A NOVA VISÃO DO CONDOMÍNIO

Introdução

O Congresso Nacional aprovou finalmente o texto do “Novo Código Civil” , a Lei nº 10.406, de10 de janeiro de 2002, cujo texto foi publicado no Diário Oficial do dia 11 de janeiro de 2002.

A pergunta que se faz então é : Novo Código Civil ?! Existe mesmo uma certa perplexidade.Verificando-se nos meios acadêmicos, até pouco tempo atrás, no período em que o mesmo se acha-va em tramitação no Congresso, um quase total desconhecimento do seu texto, ou mesmo da suarealidade, e que somente agora, na última hora, se busca sanar. Alguns indagam mesmo sobre a faltade discussão pública sobre a matéria, até mesmo nas instituições e fóruns apropriados para o debate,bem como na própria sociedade civil, e que somente agora começa a surgir em encontros como esteplanejado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes.

Honrados com o convite para falar sobre “A Nova Visão do Condomínio” dentro do texto da Lei10.406/ 02, pensamos que, antes de mais nada, cabe fazer uma pequena retrospectiva histórica dalei, para, em seguida, tratarmos das críticas que vêm sendo feitas à mudança do texto do Código de1916; isto é, a discussão sobre o problema da codificação. Após essa visão, pretendemos desenvolveralguns aspectos atinentes à feitura do Novo Código Civil, ou seja, falar um pouco sobre os parâme-tros utilizados pelo legislador na sua confecção, até mesmo para compreendermos o alcance de algu-mas mudanças, e, enfim, trataremos de observar, ainda que brevemente, os aspectos filosóficos eteóricos que inspiraram o legislador de 2002, de modo a percebermos exatamente aquilo quepoderíamos chamar de a “Nova Visão do Condomínio”.

Cabe aqui um primeiro esclarecimento. O projeto do “novo” Código Civil, não é tão novo assim.Na verdade, nascerá com aproximadamente vinte e oito anos de vida legislativa, por assim dizer. Eisso porque, numa retrospectiva histórica, se verifica que a iniciativa da elaboração do novo CódigoCivil surgiu no governo de Jânio Quadros, cujo Ministro da Justiça, Oscar Pedroso D’Horta, confiouo preparo do anteprojeto, em 1961 ao Professor Orlando Gomes. Logo após o começo daquele tra-balho, sobreveio a renúncia de Jânio Quadros, tendo então assumido o Presidente João Goulart, quetinha como Ministro da Justiça João Mangabeira. O Ministro João Mangabeira, então retomando otema, em outubro de 1962 renovou ao Professor Orlando Gomes a confiança para apresentar o pro-jeto. Este ofereceu o anteprojeto em 1963,o qual foi submetido a uma Comissão Revisora compostapelo próprio autor do anteprojeto (Prof. Orlando Gomes), contando ainda com a participação doMinistro Orozimbo Nonato e do Professor Caio Mário da Silva Pereira, sendo que àquela época foisujeito a debate em instituições de cultura e fóruns próprios. O Anteprojeto foi entregue de formasolene ao Ministro da Justiça de então, o mineiro Milton Campos, agora já no governo Castello

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Branco. (apud. A Reforma do Código Civil, Prof. ORLANDO GOMES, Publicações. DaUniversidade da Bahia, 1965). Esse projeto, entretanto, não teve seguimento.

Em maio de 1969, em plena época do chamado “milagre brasileiro” , e nos sótãos da ditadu-ra militar, dito Governo Revolucionário, foi constituída nova Comissão para fins de apresentar novoanteprojeto de Código Civil, sendo certo que à mesma se deu o nome de ‘Comissão Revisora eElaboradora do Código Civil’, composta pelos professores (ainda vivos) Miguel Reale, na quali-dade de supervisor, José Carlos Moreira Alves,Ebert Chamoun, e (dos já falecidos) Agostinhode Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Clóvis Couto e Silva, e Torquato de Castro, de cujos estu-dos resultou o “novo Anteprojeto, publicado em 18 de junho de 1974” .

Este Anteprojeto foi encaminhado ao Congresso pela mensagem 160, de 16 de junho de1975, do então Presidente da República, Ernesto Geisel, conforme se pode verificar na exposiçãode motivos do Ministro da Justiça da época , o Ministro Armando Falcão, tendo ali sido recebida.

Assim sendo, o Projeto da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o CódigoCivil, teve sua tramitação iniciada no Congresso Nacional em 1975, sendo certo que ali per-maneceu até 1984, quando,então, foi examinado e aprovado, com emendas, pela Câmara dosDeputados, tendo sido remetido ao Senado Federal em 1984.

Ali, no Senado da República, recebeu o projeto várias emendas (360). Ao se instalar a novalegislatura, em 1991, foi ele, que se encontrava arquivado, desarquivado, por iniciativa do SenadorCid Sabóia de Carvalho. Foi constituída uma Comissão Especial para seu exame, tendo ali sidodesignado Presidente e Relator Geral, respectivamente, os Senadores Cid Sabóia de Carvalho e,o já falecido, Josaphat Marinho. Como relatores parciais: Amir Lando – Obrigações; Antônio Mariz– Atividade Negocial; Maurício Correia – Das Coisas; Wilson Martins – Da Família; EsperidiãoAmin – Sucessões e Louremberg Rocha – Livro Complementar.

Segundo consta do parecer do Relator do então projeto, o Senador Josaphat Marinho, aque-la comissão aguardou a revisão constitucional extraordinária, prevista na própria Carta de 1988, quefora, como se sabe, bastante inovadora, sobretudo na parte do direito de família, buscando evitar,com isso, possíveis outras modificações, que acabariam por obrigar a uma repetição do trabalhodaquela comissão, ou mesmo aumentar as contradições já trazidas pela nova Constituição. Nesseperíodo, segundo consta daquele parecer, manteve-se contato com os elaboradores do anteproje-to, no caso, o Professor Miguel Reale e o Professor e Ministro José Carlos Moreira Alves. Após arevisão, veio nova campanha eleitoral a impedir novamente o exame da matéria.

O fato é que, depois de desarquivado no ano de 1991, somente em 1995, foi então apre-sentado o parecer preliminar favorável sobre o então projeto do Código Civil, o qual após trami-tação regular, acabou sendo provado pelo Senado, com o acréscimo de várias emendas, bemcomo, e ainda, de acréscimos ofertados pela relatoria. Em razão das emendas aprovadas, que re-presentaram mudanças no texto já aprovado pela Câmara em 1984, como é da previsão legal, oentão projeto retornou à Câmara Federal, para aprovação das emendas aprovadas no Senado; oque de fato acabou ocorrendo com a sua aprovação e publicação ocorridas, esta última como sesabe em 10 de janeiro de 2002, embora a publicação seja do dia 11 de janeiro de 2002.

Assim, como se verifica, a perplexidade causada, quando se fala do “Novo Código Civil” , énatural, pois se está falando de um texto aprovado, cuja tramitação somente teve início na Câmarano ano de 1975, sendo que sua verdadeira origem data de 1961, como aqui assinalado, isto é, noGoverno de Jânio Quadros. Passou portanto pelos anos escuros da ditadura militar, onde efetiva-

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mente teve seu início, em pleno Governo Militar do Presidente Ernesto Geisel, embora, naqueleperíodo, já se preparasse a chamada distensão militar.

É verdade ainda que, em face da denominação dada à nova Comissão: “Revisora eElaboradora do Código Civil” - bem como se vê da exposição de motivos do Ministro ArmandoFalcão, se tem clara e ressaltada a idéia de substituição do primitivo Anteprojeto do ProfessorOrlando Gomes, de 1963, pelo da referida Comissão Elaboradora e Revisora, supervisionada peloProfessor Miguel Reale. Entretanto, não há como negar que, para constituir o novo texto daqueleprojeto, que hoje se transformou no novo Código Civil, aproveitou aquela Comissão das con-tribuições ofertadas pelos Anteprojetos de Código de Obrigações de 1941 e de 1965, e peloAnteprojeto de Código Civil de 1963, de autoria do Professor Orlando Gomes, assim comoprocurou manter o atual Código Civil.

Também é verdade que promoveu o novo Código Civil várias inovações, bem como nãoaceitou a idéia de criação de dois Códigos distintos – O Código Civil e o de Obrigações, como pre-visto pelo Professor Orlando Gomes, tendo buscado manter o atual código, porém com diversasinovações, como nos esclarece o Professor Miguel Reale, supervisor do Anteprojeto e hoje CódigoCivil Brasileiro.

Entretanto, a sensação que hoje existe no meio jurídico é de espanto e preocupação.Espanto pela “novidade”, e preocupação pela falta de discussão atual da matéria. Na verdade, nãohavendo como negar que o texto aprovado do Novo Código Civil constante da Lei 10.406, de10.01.2002, é totalmente desconhecido da grande maioria dos operadores do direito, assim comodaquele a quem é dirigido, o cidadão comum. Exigirá, pois, de todos nós nesse período de vacatiolegis atenção e exame redobrados para que possamos compreender a dimensão e o alcance domesmo.

O Problema da Codificação

A despeito das preocupações acima assinaladas, o Novo Código Civil nos trás ainda outraspreocupações. Dentre elas, a preocupação pela inoportunidade da obra, já que não se pode deixarde assinalar que a tendência da sociedade moderna é exatamente a da descodificação, de maneiraa permitir soluções mais ágeis para um mundo dito globalizado ou mesmo globalizante. Assim éque hoje prevalecem as leis especiais, falando-se nos chamados micro-sistemas, isto é, pequenasleis que regulam os diversos ramos do direito e pertinentes à aplicação do conhecimento especí-fico daquele conteúdo. Hoje fala-se do Código do Consumidor, do Código de Família, do Estatutoda Criança e do Adolescente, no Estatuto das Locações, nas Leis de Marcas e Patentes, dentreoutras várias e não em Códigos.

Aliás civilistas importantes, como Sílvio Rodrigues, Caio Mário da Silva Pereira, têm-semostrado contrários à Codificação. Mesmo o próprio Professor Orlando Gomes, autor do antepro-jeto de 1963, também assim demonstrou a sua preocupação, como assinalou inclusive o próprioSenador Josaphat Marinho, em seu parecer preliminar sobre o projeto. Disse aquele falecido eilustre civilista que: “embora acreditasse, durante certo tempo, que a reforma das estruturasdevesse ser cumprida através da substituição do Código Civil, nem por isso confundiu o proble-ma da reforma com o problema da Codificação”, sendo certo que afirmou entender que a “ ...asubstituição global de um Código Civil é atualmente um anacronismo” .1

1 GOMES, Orlando in "Ensaios de Direito Civil e de Direito do Trabalho", Aide Editora, 1a. ed. 1986, p.p.121-135

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Ora, o chamado esgotamento do processo histórico-cultural da codificação já era apontadopelos próprios franceses, detentores de uma das maiores obras da Codificação que, inclusiveinspirou o nosso próprio Código Civil. HENRI, LEON e JEAN MAZEAUD, em 1955, diziam que:“em conseqüência das transformações do direito após 1804, o Código Civil não traduziu mais oestado do direito positivo francês. Certas leis foram incorporadas ao Código mediante alteraçõesou acréscimos às vezes incorreto; outras, mais numerosas, não se situaram na codificação, e lhemodificam o espírito. Finalmente, a interpretação dada pela jurisprudência mudou o sentido denumerosos artigos do código”2, sendo certo que, concluíam pela inoportunidade da codificação,ao lembrar que, em 1904, se buscou inovar sem resultado. Em 1948 houve outra iniciativa ou ten-tativa de reforma, que não vingou. A verdade é que, até hoje, não se operou a reforma sistemati-zada do Código Civil Francês.

O falecido senador Josaphat Marinho, como relator do Projeto do Código Civil no Senado,deixou assinalado que, num estudo publicado em 1986, CHRISTIAN ATIAS, num texto que falavada referida crise da codificação, dizia que: “o ‘direito comum da França’ desaparece em face damultidão de direitos especiais” 3

Aliás o mesmo falecido senador, relator do anteprojeto no Senado, já esclarecia que essarestrição e resistência do direito francês e de seus pensadores à elaboração de um novo Códigonão era isolada, ao contrário, provinha também de outros sistemas, como na própria Itália. Nessesentido colhe-se da vigorosa monografia do Professor Italiano Natalino Irti, um estudo aprofunda-do da matéria, onde ele inclusive adverte que as mudanças sociais geraram normas e leis especi-ais à margem dos códigos civis. Observando expressamente aquele autor italiano que: “O códigocivil perdeu o caráter de centralidade no sistema das fontes: não é mais sede das garantias doindivíduo, porque constam da Constituição, nem dos princípios gerais, visto que expressos, porsingulares categorias de bens ou classes de sujeitos, em leis autônomas”4. Concluindo aquelemestre italiano, que: “em linha negativa que o nosso não é o tempo de novas codificações, nemde reformas gerais, com que se pretenda alterar estrutura e funções do código vigente”5.

Pois bem, a tendência redutora da importância dos Códigos Civis, foi anotada também peloSenador da Bahia, que em seu parecer preliminar concluiu, após verificar que o século passadonão foi o século dos códigos civis, tanto assim que editados apenas o Soviético, o Italiano e oPortuguês, os dois últimos inclusive e respectivamente, obras de períodos e regimes ditatoriais, osquais vêm sofrendo os efeitos das mutações culturais, reconhecendo, ainda, que não foram efe-tuadas reformas sistematizadas em textos antigos, como o Francês e o Alemão.

Diante disso, fica difícil explicar a tentativa de se insistir no atual projeto do Código CivilBrasileiro. Parece mesmo que uma só explicação existiria para a insistência: a vaidade de seusfeitores, como daqueles que querem, de algum modo, se perpetuar-se na história como elabo-radores do texto do “Novo Código Civil” . Como nós não acreditamos que homens de reputaçãoilibada, e de cultura tão vasta, sejam prisioneiros de um sentimento tão pequeno, acreditamos pia-mente que essa insistência acontece mesmo em razão das convicções e do espírito público de seusilustres e sérios elaboradores e feitores quanto à oportunidade e necessidade do novo Código

2 HENRI, LEÓN e MAZEAUD, Jean, "Leçons de Droit Civil, Edit ions Montcherestien, Paris, 1955,T.1,p78.3 In "Une crise de legitimité seconde, in Droits" - Revue Française de Théorie Juridique, 4, 1986, p.p.21-33, cit.p.274 IRTI, Natalino, "L'Età della decodificazione, Giufre, 1979, p.p.33 e 365 Idem

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Civil. Afinal de contas não se pode negar que razões lógico-jurídicas fortes existem também parajustificar a pretensão, e foram elas apresentadas para justificarem a aprovação do novo texto.

O professor e filósofo, mestre de todos nós, Miguel Reale, por exemplo, que é o supervi-sor do anteprojeto de 1975, agora convertido na Lei 10.406, de 10.01.2002, mostra não desco-nhecer as críticas feitas, tanto assim que afirmava na exposição do então Anteprojeto, no que con-cerne à referida crítica da não-codificação que: “Nem se diga que nossa época é pouco propíciaà obra codificada, tantas e tamanhas são as forças que atuam em contínua transformação, pois,a prevalecer tal entendimento, só restaria ao jurista o papel melancólico de acompanhar passi-vamente o processo histórico, limitando-se a interferir, intermitentemente, com leis esparsas eextravagantes. Ao contrário do que se assoalha, a codificação como uma das expressões máxi-mas da cultura de um povo, não constitui balanço ou arremate de batalhas vencidas, mas podee deve ser instrumento de afirmação de valores nas épocas de crise. Mesmo porque, tal como ahistória no-lo comprova, há codificações, como a de Justiniano elaboradas no crepúsculo de umacivilização, enquanto que outras, como o Código Civil de Napoleão, correspondem ao momentoascensional de um ciclo de cultura”6.

Na mesma esteira, dizia o Senador JOSAPHAT MARINHO, em artigo publicado na RevistaJurídica “Del Rey”, em seu volume de nº 01, em dezembro de 1997, da Editora de igual nome,onde deixou assinaladas as razões que lhe fizeram prosseguir no então projeto, mesmo ante asdúvidas de espírito trazidas pela discussão do declínio das codificações, tendo ali expressamenteafirmado: “Considerei, porém, um conjunto de circunstâncias fortemente favoráveis à conclusãodo esforço já desenvolvido. Ilustrada Comissão de Professores, a convite do Poder Executivo,havia sistematizado o Anteprojeto, e o reviram à base de observações críticas e sugestões devárias fontes especializadas. A Câmara dos Deputados já o examinara e o aprovara, com alte-rações. Era,m e é manifesto que tantas leis já modificaram o atual Código Civil, que continua-mente se revela difícil interpretar os seus dispositivos. E a evolução social, econômica e cultu-ral incidiu no texto de 1916 superando-lhe normas e seu espírito, apesar de notável construçãode Clóvis Belviláqua. Por esses motivos e ainda em face das inovações provenientes da Cons-tituição de 1988, pareceu-nos próprio retomar o trabalho já adiantado, ouvindo outros estudiososo que foi feito. Dentre desse critério e examinadas as 366 emendas oferecidas por senadores,atualizou-se o Projeto, a que o Relator também acresceu 127 proposições. Sem conter exageros,o Projeto, que já revelava amplo sentido social, com a revisão reflete a linha geral do pensamentojurídico moderno. Assegurando direitos individuais, subordina o exercício deles à ética e ao inte-resse social.”7

Por seu turno, o sempre brilhante e culto Professor e Ministro José Carlos Moreira Alves,em seminário promovido pelo Instituto Brasileiro de Atualização Jurídica (IBAJ) , na cidade do Riode Janeiro, cujo tema era “O Novo Código Civil Brasileiro, A Constituição, o Código e as Leis”defendeu ali, ardorosamente, a necessidade do Código, salientando, ali, que os detratores da co-dificação, somente o faziam em relação ao Código Civil, não o fazendo, por exemplo, em relaçãoaos Códigos Penal, de Processo Civil, de Processo Penal, enfim, outras codificações. Tendo salien-tado que recentemente foi publicado o Código Civil do Peru, a demonstrar a atualidade da pre-

6 REALE, Miguel, in "Código Civil, 1º vol. - parte Geral, Senado Federal, Subsec. De Ed. Técnicas, 1975, p.XIV7 MARINHO, Josaphat, in "Revista Jurídica Del Rey", Editora Del Rey, vol. 01, 1997, p. 16

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tensão codificadora. De igual modo, o aqui já mencionado Professor Miguel Reale, presente noconclave, insistiu naquela tese aqui já transcrita, afirmando pois a necessidade.

De nossa parte, entendemos que a lei é inoportuna, comungando com as crít icas aqui jácitadas. Porém, pensamos também que o momento não é mais o de críticas, mas sim, de nosdebruçarmos sobre o novo texto, para procurar extrair do mesmo as suas idéias e princípios,sobretudo quanto às inovações; assim como e também de procurarmos proceder a uma releituradaqueles temas mantidos, partindo sempre dos pilares filosóficos em que o novel texto se embasa,estes sim tradutores de uma nova alma deste Código.

Quando afirmamos, entretanto a inoportunidade, é porque entendemos importante assinalarque, num contexto onde se afirma a longevidade do projeto que deu origem à lei 10.406 de 2002,em exame, resta bastante claro que, por mais que se tenha buscado atualizá-lo, o mesmo acabousofrendo os efeitos das circunstâncias históricas e sociais. Ora, como assinala o ProfessorGustavo Tepedino, ilustre Doutor do Rio de Janeiro, na Revista aqui mencionada, num mundo mo-derno, pluralista e multifacetado, onde os grupos políticos se manifestam através de um conjuntode leis especiais, a regular de forma setorial as atividades privadas, não tem mais sentido a buscade uma unificação no plano das leis ordinárias, como acontece com as codificações que represen-tam o momento de unificação política e ideológica de um povo, a exprimir, portanto, naquele con-junto de regras a síntese do pensamento de um povo.

Ora e não tem mais sentido porque num mundo globalizado é necessário que haja agilidadeda normativização, até mesmo para compatibilizar as relações mundiais que se formam. Hoje já sediscute até a questão da desnecessidade da Constituição de um país em face da integração dospovos. Essa questão, em que pese nossa discordância, aponta ainda mais para o anacronismo dacodificação, como sentido de unificação sistêmica. Por outro lado, num sentido inverso, se discutetambém a questão da constitucionalização do direito civil.8

Além disso, em certos aspectos, a desatualização da lei aparece clara em alguns artigos,em conflito com textos de leis especiais muito mais avançadas sobre o tema, como é o caso doEstatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Defesa do Consumidor, da nova Lei deMarcas e Patentes, da Lei de Locações Prediais Urbanas, o chamado Estatuto da Cidade, e detantas outras.

No sentido acima assinalado, verifica-se, por exemplo, que a lei ainda fala em perda doPoder Familiar9 para o pai que castigar imoderadamente o filho, deixando portanto nas entreli-nhas, como ocorria no Código de 1916, que o pai pode castigar o filho desde que moderadamente.De igual modo, afirma ainda no seu texto, que o pai pode exigir do filho que lhe preste serviçospróprios de sua idade e condição10, esquecendo-se, em ambas as circunstâncias, que tanto aConstituição Federal, como o Estatuto da Criança e do Adolescente prevêem a proteção integralda criança, sendo que a Lei Menorista fala no sentido da não-violação da integridade física epsíquica da criança11, que seguramente ocorrerá com a admissão de tais procedimentos. Outros

8 Neste sentido veja-se: TEPEDIDO, Gustavo. "Temas de Direito Civil Constitucional", Editora Renovar. Rio de Janeiro, 1999. Veja-se aindado referido autor o texto: "Introdução: Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição : premissas para uma reforma legisla-tiva", pág. 1-17, in seu "Problemas de Direito Civil Constitucional", Editora Renovar. Rio de Janeiro-São Paulo, 2002.

9 Art. 1638, I da Lei 10.406/ 0210 Art. 1634,VII da Lei 10.406/ 0211 Art. 15 c/ c art 17, ambos da Lei 8.069/ 90

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inúmeros casos poderiam ser pinçados do novo texto para mostrar exatamente o descompassohistórico.

Na verdade, ao procurar reformar o Código de 1916, aproveitando parcialmente o seu texto,os elaboradores, por mais que tenham buscado adequá-lo à nossa realidade, não conseguiram.Seja porque o projeto havia envelhecido, seja porque aquele texto alterado representava, na suaestruturação jurídica, a unificação política e ideológica do período oitocentista, já que a sua fontede inspiração é o Código Napoleônico, que é do ano de 1804. Assim, a visão individualista e pa-trimonialista, patriarcal e machista, inseridas na própria estrutura daquele Código inspirador,acabam por resvalar no novo texto, gerando algumas perplexidades. O que é previsível, posto quenão se altera a alma e o espírito de uma lei que, em última análise, representava a alma e o espíri-to de uma sociedade, no caso, a sociedade patriarcal, individualista e burguesa do início do sécu-lo passado. Por isso mesmo, embora válida a tentativa, estaremos sempre esbarrando nos fan-tasmas da ideologia daquela codificação, gerando com isso conflitos e contradições graves, aassombrar e assustar a realidade da nova geração, da nova sociedade que se pretende regula-mentar, e, desse modo, mantendo-se afastado da própria razão codificadora que é, como dito,expressar o momento de unificação política e ideológica de um povo.

Por isso mesmo é que concitamos os operadores do direito, sobretudo aos magistrados, aquem neste momento nos dirigimos, para que não percam jamais os pilares filosóficos que inspi-raram o novo texto, ainda que com defeitos da adaptação procedida, porém, que compreenden-do o descompasso histórico do projeto, não o vejam como se estivessem examinando o mesmotexto do Código de 1916, posto que se assim o fizerem estarão mantendo estagnada a realidadesocial12. Por isso mesmo é que, antes de adentrarmos ao tema que nos compete, insistiremos,ainda, em proceder a seguir a uma análise da Nova Lei, sob as perspectivas filosóficas que inspi-raram seus elaboradores.

O Novo Código Civil

Como salientado, a despeito das críticas feitas, o fato quase certo é que o texto, ora emperíodo de vacatio13 entrará em vigor no próximo dia 11 de janeiro de 200314, e desse modo a vidado cidadão brasileiro se alterará profundamente. E isto significa dizer, mais uma vez, que, da nossaparte, na qualidade de operadores do direito, teremos a obrigação de conhecê-lo e discuti-lo àsaciedade, para o momento de sua aplicação, que se aproxima de forma veloz. Neste primeiromomento, e neste trabalho, não pretendemos, como dito, discutir toda a matéria que nos foi desig-

12 Sob pena de se repetir, em equívoco grave, a realidade do período oitocentista, de um código exclusivamente patrimonialista, individu-alista e por muitas vezes injusto, proferindo assim sentenças totalmente desconectadas com o tempo presente, e igualmente injustas.

13 A autores como o renomado Professor mineiro Aroldo Plínio, que criticam aqueles que falam em vacatio , posto que esta se aplicariapara a lei nova, e não para a lei reformadora, como a presente.

14 Embora existam movimentos para que o período de vacatio legis previsto no artigo 2.044 da lei 10.406/ 2002, que é de um ano após asua publicação ( o texto é de 10.01.2002, mas a publicação se deu em 11.02.2002), seja prorrogado, as circunstâncias apontam para apouca probabilidade de tal ocorrer, fazendo com que a nova lei entre em vigor no período previsto. Contribuindo para tanto, verificamos:o interesse econômico do Governo, especialmente em face da redução etária da responsabilidade civil, que representaria para o mesmouma economia quanto ao Imposto de Renda, quanto ao desconto dos dependentes, cuja menoridade cessaria não mais aos vinte e umanos, mas aos dezoito anos. De igual modo, vantagens econômicas adviriam em razão das pensões pagas aos menores pelos órgãosprevidenciários, cuja faixa etária se reduzirá. Além disto, o paralizante processo eleitoral que movimentará os congressistas no mês deoutubro, com repercussões até o final do ano. Tudo isto sem falar na questão referente ao chamado "legado" contributivo para aper-feiçoamento das instituições sociais, que um "novo texto civil" representa, ainda que com falhas.Estes aspectos nos levam ao convenci-mento de que o texto realmente deverá entrar em vigor na data prevista no referido dispositivo legal acima assinalado.

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nada, isto é, o “novo direito condominial” , até porque impossível fazê-lo, em razão do tempodisponível neste conclave, e obviamente de nossas limitações técnicas. Mas nem por isso nos olvi-daremos de fazê-lo. O que a seguir pretendemos é trazer à tona a curiosidade jurídica, para provo-car o exame, por parte dos senhores juízes, e mais à frente, de possíveis leitores deste texto, aindaque tal exame, insista-se, seja feito de forma bastante pontual, e por isso mesmo, superficial egenérico, apontando tão-somente aspectos inovadores, que numa primeira e rápida leitura, noschamaram à atenção dentro da nova lei civil.

Os Parâmetros Utilizados pelo Legislador

Apenas para dar uma certa ordem didática, começamos por apresentar o projeto apontan-do para os parâmetros adotados pela comissão ‘Revisora e Elaboradora do Código Civil’, alhuresmencionada, esclarecendo aqui, e mais uma vez, que tais informações defluem de nossas ano-tações procedidas em palestra aqui já mencionada, e proferida pelo Professor Miguel Reale, nacidade do Rio de Janeiro, no Hotel Glória, e patrocinada pelo IBAJ.

Segundo o ilustre supervisor da dita comissão de elaboração do projeto, hoje Lei10.406/ 02, a primeira idéia daqueles membros foi no sentido de aproveitar todo o Código Civilatual, partindo-se sempre da premissa de que o Código, enquanto obra, é a estratificação deexperiências, e não sectarismo, e que, por isso mesmo, não poderia deixar perder aquelas con-tribuições jurídicas, ou mesmo lembrando as palavras de Rui Barbosa, por aquele supervisorcitadas: “Toda obra jurídica de grande porte é obra de transição”. Entretanto, em face da existên-cia de uma predominância do individualismo sobre os direitos sociais universais, se buscou mudarno projeto aquela idéia unitária e individual, trazendo-a para o contexto da sociabilidade do direitoe da personalidade social e ética do indivíduo, em compatibilidade, portanto, com os princípios daConstituição Federal de 1988. Assim é que apontou para a criação dos novos direitos, tais comoo da personalidade, não existentes no código de 1916, como demonstração da mudança no entãoprojeto.

Ratificando essa posição daquela comissão elaboradora, o Ministro José Carlos MoreiraAlves, naquele mesmo seminário na cidade do Rio de Janeiro, de igual modo asseverou que a linhade conduta da Comissão foi de “modernizar o código atual inovando”. Disse ele que não há ino-vação pela inovação, mas para aquelas situações ainda não estratificadas por ocasião da feiturado Código de 1916, e que por isso mesmo não foram aproveitadas, mas que agora em face até dasua estratificação, acabaram incluídas como inovações no novo código. Neste contexto é quevamos então encontrar um dos temas objeto de nossa discussão, que é exatamente o chamado“Condomínio Edilício” . Observou quanto à modernização do atual código, com inovações, aqueleilustre Professor e Ministro paulista, que o Código Civil, não é campo de experiência, mas de fi-xação de estratificações jurídicas, devendo as experiências serem levadas para a legislaçãoextravagante, como de resto acabou por acontecer com todas aquelas disciplinas que entendeu acomissão de elaboração do então projeto de Código Civil de não legislar.

Por outro lado, deixou claro aquele Ministro, que a Comissão na elaboração do texto, “bus-cou ser pragmática”, em alguns pontos, de maneira a permitir a perfeita compreensão da norma,ou até mesmo para evitar prejuízos jurídicos. Como exemplo, apontou para a questão das PessoasJurídicas de Direito Público, já regulada pelo Código de 1916, e que foram mantidas, tendo emvista por exemplo a falta de um Código de Direito Administrativo, que pudesse adequadamente

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defini-las. Neste ponto afirmou-se que se manteve, porém inovando, como é o caso dos territórios,autarquias, ou mesmo das demais entidades de caráter público criadas por lei15.

Por fim aqueles membros da comissão que elaborou o texto primitivo afirmaram que bus-caram ser didáticos e doutrinadores. Neste sentido apontou-se ainda, a questão da prescrição eda decadência, cujo procedimento pragmático, permitiu alocar juntamente com os artigos próprios,na parte do livro especial, todos os prazos decadenciais, deixando aqueles prescricionais, apenase tão-somente no título e capítulo próprios16, mas sobretudo no plano didático, buscaram evitarconfusões, procurando definir de forma mais adequada os dois institutos, evitando-se com taismedidas o que ocorria no Código de 1916, onde não havia um critério para se saber se se falavade prazo prescricional ou decadencial.

Os Pilares Filosóficos do Novo Código Civil. Uma nova visão.

Uma boa técnica de hermenêutica jurídica é conhecer os mentores intelectuais do textojurídico, seus pensamentos e idéias. Embora se saiba bem que a lei não é fruto de uma únicacomissão que a elabora, mas sim produto do estudo iniciado por aquela, mas produto da discussãopromovida pela sociedade, através de seus representantes legislativos, durante todo o processode formação e aprovação da norma. Não obstante, conhecer as idéias inspiradoras dos criadoresprimitivos do texto ajuda a compreender, e muito, o alcance que se pretendeu dar ao texto, sobre-tudo na sua concepção filosófica. Por isso mesmo, reputamos importante chamar a atenção paraa obra dos elaboradores do Novo Código, em especial do Professor Miguel Reale e do MinistroJosé Carlos Moreira Alves17. Mas não apenas destes, como também dos demais membros daque-la Comissão elaboradora, aqui já mencionados, quais sejam os professores (ainda vivo) EbertChamoun – Desembargador Aposentado, Professor Catedrático de Direito Civil na Faculdade deDireito da Universidade Nacional do Rio de Janeiro, responsável pela elaboração do livro do“Direito das Coisas”, e (dos já falecidos) Agostinho de Arruda Alvim – Professor catedrático deDireito Civil na Faculdade de Direito d Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, advogado,responsável pela elaboração do livro “Direito das Obrigações”; Sylvio Marcondes - ProfessorCatedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, advogado,responsável pelo Livro “Direito da Empresa” - Clóvis Couto e Silva – Professor catedrático deDireito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, advogado,responsável pelo Livro “Direito de Família” e Torquato de Castro – Professor catedrático de DireitoCivil na Faculdade de Direito da Universidade de Pernambuco e advogado, responsável pelo Livro“Direito das Sucessões”.

Pois bem, o novo Código Civil, teve como inspiração, por assim dizer, segundo a fala doProfessor Miguel Reale, no encontro aqui já mencionado, e conforme se colhe ainda da leitura dostextos daquele nos livros mencionados em notas de número dezessete deste texto, três grandespilares, a saber: o princípio da eticidade; o princípio da socialização e o princípio da concretude.

15 Veja-se o artigo 41, incisos II, IV e V da Lei 10.406/ 200216 Veja-se os artigos 189 a 206, do Título IV, do Livro III dos Fatos Jurídicos17 Do Professor Miguel Reale, por exemplo pensamos ser indispensável a leitura de seu texto sobre o Anteprojeto do Código Civil, reedi-

tado pela Editora Saraiva, 1999; Mas não apenas, especialmente sua obra filosófica, como: "Filosofia do Direito". São Paulo, Saraiva,1994; "Experiência e cultura", Campinas, Bookseller, 1999. Do Professor Moreira Alves, "A parte geral do Projeto de Código CivilBrasileiro". São Paulo, Saraiva, 1986.

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Esses três pilares teóricos e filosóficos: eticidade, socialização e concretude, norteiam toda aestrutura e o texto do Novo Código Civil, como se demonstrará à frente, e lhe impingem uma visãototalmente diferente do Código de 1916, apontando, assim para uma nova visão.

Em linhas curtas, significando dizer que o princípio da eticidade caracteriza-se pela preo-cupação do legislador com o fenômeno da dignidade da pessoa humana, estampado com todas asletras na Carta Constitucional, como fundamento da República18, e que revela sobretudo para oplano da ética das ações humanas. Assim é que o legislador vai-se preocupar com o princípio daboa-fé, não só nos contratos, como também no exercício da faculdade de direitos de uso, gozo efruição, que é conferida aos proprietários19 apontando assim para uma preocupação com o valorda pessoa, da dignidade da pessoa humana, e não com a propriedade ou os próprios direitos doproprietário.

Além de referido princípio, o Novo Código Civil, trás consigo o princípio da socialização,espantando assim o grande germe inspirador da sociedade burguesa, qual seja o individualismo.Agora se cuidará da visão social do direito civil, por mais paradoxal que possa aparentar ao direi-to privado, isto é o direito do indivíduo e de sua individualidade. Não podemos esquecer entretan-to que todo homem é um ser social, e portanto todas as ações humanas que interessam ao direi-to, embora fruto do reflexo ou mesmo refletidas em sua individualidade, tem o caráter social, comoser posto no mundo. Daí que a visão interpretativa dos fatos jurídicos que se deverá ter, não émais a visão individualista do “pacta sunt servanda”, por exemplo, ou mesmo aquela que buscavaproteger os interesses privados da burguesia, e da sua propriedade, a todo custo, mas sim a visãosocial. Isto significa dizer, que se devem examinar os efeitos implicativos na ordem social daque-le fenômeno jurídico. Não bastará pois examinar o fato humano, capaz de alterar, modificar oucriar um direito, dentro do plano da sua legalidade para considerá-lo como legítimo, como se com-preendia o ato jurídico. Mas, ao contrário, dever-se-á observar se a sua interferência na ordemsocial é legítima, isto é, se é ela de natureza social ou mesmo socializante, num contexto que éemoldurado pela eticidade.

Por fim, observa-se no Novo Código uma mudança profunda, naquilo que se denomina oprincípio da concretude. Querendo este significar que ao contrário da visão passada de que a lei éigual para todos, a todos devendo ser aplicada de forma idêntica. Nesse aspecto deve ser dito quea idéia representativa de uma norma fechada, fruto de um positivismo exacerbado, não tem maissentido, num mundo e num Código que se pretende socializante, pautado pela ética do princípioda dignidade humana, onde as pessoas não são iguais, embora tenham direitos e deveres iguais,e em que a aplicação uniforme da lei acaba gerando injustiças muitas vezes.

Ora a nova ordem jurídica reconhece, como não poderia deixar de ser, o postulado de quea lei é igual para todos, até porque não poderia ser diferente, porém, embora seja igual paratodos, ela pode ser fruto da construção do mundo real, atingindo a cada um de forma direta econcreta, no chamado princípio da concretude. Por isso mesmo é que o Novo Código contém umsem número de normas abertas, por muitos, indevidamente, criticadas. Alguns, por não perce-berem ou mesmo não compreenderem a dimensão pretendida pelo legislador, em razão do novoprincípio inspirador.

18 Vide artigo , 1º, inc.III da Constituição Federal de 198819 Vide artigo 1228, § 2º :"São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela

intenção de prejudicar outrem."

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Apenas a título de exemplo, tomemos a Lei 6.515 de 1977, que contém a Lei do Divórcio.Na parte em que a mesma cuida da proteção dos filhos, a mencionada Lei do Divórcio aponta parauma norma fechada e igual para todos, que diz: “a) que na hipótese de culpa os filhos ficarãocom o cônjuge inocente; b) na hipótese de culpa recíproca, com a mãe; c) e na impossibilidadede ambos permanecerem com o filho, ficará com algum parente idôneo da família, é o que seapreende dos termos do artigo 10, I e II, daquela lei 6.515/ 77. Veja-se, portanto, que qualquer queseja a circunstância daqueles filhos, outra solução não restaria ao seu destino , em tese, que o efe-tivo enquadramento. Pois bem, no Novo Código Civil, o legislador vai dizer no artigo 1.584, que:“Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto àguarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la” . Veja-se,portanto, que embora igual para ambos, a nova lei atingirá de forma concreta a circunstância decada um, observando, assim, aquela que mais interessa, ou seja a criança. Na lei antiga, ela ficariacom o pai, teoricamente, se a mãe fosse culpada, ainda que estivesse em fase de amamentação.Ora esse critério, teoricamente subjetivo e aberto, permite então fazer com que o direito, de formaconcreta atinja o indivíduo da melhor maneira possível observada a sua realidade, o seu mundoconcreto. E aqui se está utilizando a questão da guarda dos filhos, apenas como exemplo, sem quese queira ou que se pretenda aprofundar o tema inovado no Novo Código, até porque, não épróprio da nossa circunstância. Por isso mesmo, não analisamos a possibilidade de no exemplodado, em face do artigo 13 da lei 6.515/ 77 que assim autorizava os magistrados a agir, quandohouvesse motivo grave, dando-lhes poderes para agir de forma diversa. Aliás e na verdade váriosjuízes vinham assim fazendo, buscando muito mais o interesse do menor do que a aplicação puristada norma, até mesmo por uso inadequado do artigo 13 da referida lei divorcista .

Outros exemplos poderíamos dar, porém o que importa na verdade é observar que o legis-lador de 2002, buscou normas abertas, com o intuito claro de fazer aplicar o princípio da concre-tude, de maneira a permitir a melhor aplicação da norma ao caso concreto. Não se pode negar queisso trará para os juízes, muito maiores sofrimentos do que aqueles que hoje têm na solidão do jul-gamento, fazendo crescer ainda mais a sua pesada responsabilidade no ato solitário de decidir oque é justo, e não, simplesmente, o que é legal porém, nem sempre, justo.

Esses, portanto, os novos pilares filosóficos com que haverão os magistrados e os ope-radores da lei de examinar o novo código, devendo fazê-lo sempre, sob pena de, como uma grandemaldição, serem assustados pelos fantasmas do Código de Clóvis Belviláqua.

A Estrutura do Novo Código

O Novo Código Civil apresenta uma estrutura bastante próxima daquela utilizada no CódigoCivil de 1916, embora trazendo inovações.

Assim é que o mesmo está dividido, como no Código atual, em duas partes: a Parte Gerale a Parte Especial. A Parte Geral está dividida em três livros: Das Pessoas; Dos Bens e Dos FatosJurídicos, exatamente como o Código Civil anterior. Por sua vez a Parte Especial está dividida emcinco livros: Direito das Obrigações (Livro I); Direito da Empresa (Livro II); Direito das Coisas(Livro III); Direito da Família (Livro IV) e Direito das Sucessões (Livro V), respectivamente nestaordem, havendo ainda o que diríamos um sexto livro, que é o Livro Complementar, onde se cuidoudas Disposições Finais e Transitórias, e das questões de aplicação da lei no tempo e no espaço.

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Nesse aspecto, nota-se que a lei manteve a tradição jurídica do nosso Código Civil, que vemdesde as leis do Império com Teixeira de Freitas, bem como a orientação do Código Alemão, oB.G.B.. Manteve assim uma Parte Geral, e uma Parte Especial. Afastou-se nesse aspecto, por-tanto, do anteprojeto de 1963 do Professor Orlando Gomes, que previa dois Códigos onde a partedas obrigações se destacava da parte geral. De igual modo, também do Código Italiano de 1942,que não prevê parte geral, havendo ali uma unificação do direito privado, inexistente no direitobrasileiro. Aliás, no particular, é curioso perceber que, por injunções fascistas da época fez-seinserir toda a parte do Direito do Trabalho, naquele Código Italiano, só retirada após a volta danormalidade política.

Quanto aos livros, a novidade está em que se valendo da lógica adota pelo sistema ger-mânico, levou-se o livro da Família, que era o primeiro da parte especial do Código vigente, paraapós o livro das Coisas, sendo certo que se introduziu o Livro que trata das Empresas, ali retratan-do todo o tema que hoje é ocupado pelo Código Comercial, que no particular foi revogado expres-samente em sua primeira parte20.

Por outra forma, inovou a Lei 10.406/ 02 introduzindo o chamado Livro Complementar, ondesão tratadas as questões das revogações da legislação operadas pelo projeto, bem como regula-dos alguns aspectos e efeitos intertemporais da norma. No que diz respeito aos títulos, capítulose seções de cada livro, a nova lei, na essência, mantém aquilo hoje existente no Código Civil deBelviláqua, embora tenha promovido, como já salientado, várias mudanças: algumas delasdoutrinárias, como acontece por exemplo no Livro dos Fatos Jurídicos, quanto ao tema do Títulodo primeiro, no chamado “Negócio Jurídico”. Isso porque, uma das grandes inovações trazidaspelo projeto está na distinção que passou a fazer, e que não se encontrava no Código Civil de 1916em relação, por exemplo, aos diversos atos ditos jurídicos, mas que na verdade constituem sim-ples negócios jurídicos. Houve mudança, portanto, doutrinária, implicando assim em mudança danomenclatura.

De outro modo, algumas disciplinas foram transferidas, como acontece por exemplo, com aquestão da ausência21que, no Código Civil de 1916, estava no Livro da Família, mas que na ver-dade nada tinha a ver com o instituto da Família. A confusão que originou tal aspecto seguramentefoi o fato de que para o ausente é nomeado curador, donde então achava-se que ele deveria inte-grar aqueles chamados direitos assistenciais. Neste aspecto então, houve o deslocamento dotema para a parte geral, no livro das pessoas, onde é melhor tratado o tema. Por vezes as alter-ações decorrem de acréscimos de temas, como acontece por exemplo com o instituto da lesão22,agora regulado pela Lei, no capítulo atinente aos Defeitos do Negócio Jurídico, no Livro dos FatosJurídicos.

20 Vide artigo 2045 da Lei 10.406/ 2002 - "Revogam-se a Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do CódigoComercial, Lei 556, de 15 de junho de 1850."

21 Vide artigos 22 a 39, da Lei 10.406/ 2002. No Código de 1916, art igos 463 a 483.22 Vide artigo 157 e o § 21, da Lei 10.406/ 2002 - "Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se

obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta."; " § 1º Aprecia-se a desproporção das prestaçõessegundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico". Veja-se quanto ao tema da lesão obra do Professor CaioMario da Silva Pereira. "Da Lesão nos Contratos"; Forense, Rio de Janeiro, 2000.

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Os personagens do Novo Código Civil

Verifica-se portanto, dentro deste contexto da estrutura da lei, que o legislador manteve osmesmos personagens do Código Civil de 1916: o marido, o proprietário, o contratante e o testa-dor, fazendo-se acrescer, agora, a figura do empresário. Não obstante visão tão antiga, a demons-trar em alguns aspectos até mesmo a inoportunidade da lei, o fato é que não se pode deixar dedizer e reconhecer, que esses velhos personagens ganharam roupagem nova, mas sobretudo, umanova alma.

O proprietário

Nesse sentido o Proprietário, que, na visão antiga do Código Civil de 1916, era o senhor decutelo, e martelo da mesma, dela podendo dispor ao seu modo e interesse, agora fica preso àfunção social da propriedade. Houve, portanto uma nítida socialização do direito de propriedade.Nesse sentido, o artigo 1.228, do novel texto, sinaliza para uma visão totalmente distinta do pro-prietário, que não tem mais o direito, mas apenas: “ ...a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, sendocerto que, segundo o § 1º do referido dispositivo legal do novo texto: “O direito de propriedadedeve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo quesejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna asbelezas naturais,o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada apoluição do ar e das águas.” Ora estes limites claramente impostos pelo legislador retiram do pro-prietário a sanha de tudo poder, ao contrário, ficará ele estritamente limitado a tais aspectos, lem-brando-se aqui, mais uma vez, que o contexto da socialização se emoldura pelo uso ético damesma, razão pela qual o legislador foi expresso ao afirmar, agora no parágrafo segundo domesmo artigo, que: “São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ,ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”.

Assinale-se, ainda, que o legislador criou inclusive uma forma de desapropriação privada,prevista no § 4º do artigo 1.228, cuja repercussão e os limites são essencialmente de natureza efunção social, partindo do pressuposto de uma nova forma de aquisição da propriedade, isto é, aaquisição coletiva da propriedade, pela posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, deconsiderável número de pessoas, que tenham realizado, em conjunto ou separadamente, obras eserviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante, sendo que a fixação dopreço, isto é, da indenização, será fixada pelo Juiz. Pago o preço, no caso pelos próprios ocu-pantes, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

A própria posse também se presta à exemplificação dessa mudança de roupagem e alma donovo texto. Embora a posse continue sendo mantida em seu conceito unitário, enquanto exterio-rização fática da propriedade (Savigne), tem ela ainda um novo conceito que o da posse acompa-nhada da criação do indivíduo (pro labore), casos em que o prazo é diminuído23. Trouxe-se, por-tanto, para o novo texto, a idéia Constitucional da função social da propriedade, o que aliás nãopoderia deixar de ser, embora vários autores e comentadores dos direitos reais disto não tivessem

23 Artigo 1239, da Lei 10.406/ 2002 - "Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por 5 (cinco) anosininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a 50 (cinqüenta) hectares, tornando-a produtiva por seu trabalhoou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade."

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se apercebido desde a entrada em vigor da Carta de 1988, tanto assim que continuaram a cuidardo tema no mesmo diapasão do Código de 1916.24

Cumpre tmabém salientar que o legislador de 2002, cuidando ainda do tema da propriedadee do proprietário, trouxe conceito novo, não existente no Código de 1916, numa visão daquilo quede mais moderno existe, e que a lei trabalhou, abrindo inclusive campo para o direito urbanístico,que é o direito de superfície.25

O Contratante

Ainda dentro das figuras mantidas pelo legislador de 2002, vamos encontrar, no campo dodireito obrigacional, a figura do Contratante, que também recebe uma nova roupagem e alma total-mente inovadora. Nesse contexto, vamos encontrar o legislador fazendo mais uma vez nortear asua ação pelos princípios filosóficos da eticidade, socialização e concretude, limitando o campo desuas ações, e tornando limitado o campo de sua atuação.

Todos nós sabemos que o direito de contratar é um direito básico atual. Kant dizia que: “odireito é uma coordenação da liberdade com as demais liberdades, segundo uma lei universaldas liberdades”. Assim é que o princípio da autonomia da vontade, expressão máxima da liberdadede contratar, revela-se limitado no novo texto pelo princípio da boa-fé objetiva e da própria teoriada responsabilidade, de igual modo prendendo-se ainda ao princípio da função social do contrato.Por isso mesmo é que lei que contém o Novo Código Civil, vamos encontrar no artigo 421, quecuida dos Contratos em Geral, na parte das Disposições Gerais; o legislador afirmando que: “Aliberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, sendoque o artigo 422 do novel texto declara que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim naconclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.”

Aplicou-se portanto aos contratos a chamada teoria da concretude, como a denomina EmílioBetti, e que o nosso Professor Miguel Reale, chama de teoria da experiência jurídica. Observando-se ainda quanto ao contrato que a denúncia do mesmo não é mais arbitrária. Nesse sentido, porexemplo, o artigo 473 da Lei diz: “A resilição unilateral, nos casos em que alei expressa ou implici-tamente o permita opera mediante denúncia notificada a outra parte” , e o parágrafo único domesmo dispositivo deixa claro que: “Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes hou-ver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produziráefeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.”

Esses aspectos acima apontados mostram bem que o projeto deu nova roupagem ao con-tratante, retirando assim o princípio individualista predominante no Código Civil de 1916, que porrazões históricas, como aqui já assinalado se inspirara no Código de Napoleão, fruto daquelesideais da Revolução Francesa, onde a liberdade (liberte – laissez faire) de inspiração daquelearcabouço jurídico (liberte – fraternité – igualité) se mostrava exacerbada.

24 Neste sentido confira-se a pertinente crítica formulada por Gustavo Tepedino, em seu texto originariamente publicado com o título"Contorni della proprietà nella Costituzione brasiliana Del 1988", in "Rassegna Del cdiritto civile", 1991, nº 1, pp.96-119, e cujo textotraduzido pelo Dr. César Gonçalves da Silva, se encontra em seu "Temas de Direito Civil", Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pp.267-291,com o título "Contornos Constitucionais da Propriedade Privada".

25 Vide disposições dos artigos 1369 a 1377 do Novo Código.

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A Família

O personagem do Marido do Código Civil de 1916, senhor patriarcal, chefe da sociedadeconjugal, detentor de todos os poderes de uma sociedade que tinha na sua figura a representaçãoe segurança do grupo familiar, o que gerou inúmeras distorções, por razões óbvias, simplesmentenão se manteve. O personagem agora não se individualiza, ao contrário, o personagem é agora aFAMÍLIA, não a família singular que todos conhecíamos como a família legítima, isto é, aquela for-mada pelo casamento. Ao contrário, a realidade do novo texto civil, agora aponta para uma famíliaplural, isto é, aquela família constitucionalizada, que está devidamente protegida pelos §§ 1º,2º,3ºe 4º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988. É pois a família do casamento, da união está-vel e dos núcleos monoparentais, ou seja, aqueles formados por qualquer dos pais e seus descen-dentes. Nesses modelos familiares impera a regra da isonomia filial e conjugal26, não se podendofalar mais num contexto de desigualdade de seus membros. Esse é, portanto, o novo contexto daFamília no Novo Código.

O dinamismo e mobilidade do grupo social familiar, produto das mudanças sociais de nossaera , seguramente fizeram com que os maiores abismos para adaptação do projeto do Novo CódigoCivil, ao texto constitucional de 1988, dali decorressem. Seguramente um dos maiores desafios doselaboradores do novel texto, e por isso mesmo aquele que talvez, contenha o maior número de alte-rações, além de inúmeros descompassos, sobretudo quanto a estrutura formativa.

O marido perdeu, portanto, a sua condição de chefe da sociedade conjugal, caindo, comodito, nas amarras da isonomia conjugal. Por sua vez, o poder do pai passou a ser o poder dos pais(pai e mãe), e, portanto, agora se falará em Poder Familiar. A família continua ainda sob as hostesda monogamia, ainda que se verifique cada vez mais a chamada monogamia sucessiva. Por issomesmo o legislador de 2002 se preocupou, ainda que não tenha sido muito feliz, em distinguir otermo União Estável, do termo Concubinato, que a doutrina e a jurisprudência continuam usandoindistintamente como palavras sinônimas, que efetivamente já não o eram desde o texto constitu-cional de 1988. Agora nos artigos 1.723 e seus parágrafos, e no artigo 1.727, o legislador buscaassentar a diferença dos termos.

Nesse contexto assinala-se ainda que o tema do instituto referente aos chamados Bens deFamília, saiu da parte geral e veio agora para a parte especial, no Livro da Família27. Aliás, referi-do tema, dos Bens de Família, foi tratado no Título II do chamado “Do Direito Patrimonial” , no novoCódigo. Cumprindo assinalar que uma das demonstrações de preocupação maior com a pessoa doque com o patrimônio, sobretudo no contexto da família, está no fato de que o legislador na estru-tura do Livro IV, da Família, fala por primeiro “Do Direito Pessoal” , só depois então cuidando dopatrimônio, num indicativo claro de valorização da pessoa e não do patrimônio. Não obstante, porinjunções históricas28, acabou ficando torta a estrutura, posto que ali, no Direito Pessoal, dever-se-ia cuidar dos diversos tipos de família, isto é, como um todo, ou seja, tanto daquele grupo fami-liar referente à família constituída pelo casamento, como e também pelos núcleos familiares for-mados pela união estável, ou mesmo dos núcleos monoparentais. O que se observa, no entanto,

26 Vide, Constituição Federal de 1988 artigo 227, § 6º e 226, § 5º, respectivamente.27 Vide na Lei 10.406/ 2002 os art igos 1711 a 1722 .28 Não se pode perder de vista que após a apresentação do Projeto de Lei 635/ 74 que acabou se tornando no Novo Código Civil, tivemos

a Lei do Divórcio (Lei 6.515) que é de 1977, a Constituição Federal de 1988, que afetou profundamente a família com seus três eixosmodificativos: família plural e não singular, isonomia conjugal e filial,; além disto t ivemos ainda as leis que vieram regular-lhe, como porexemplo a Lei 8.069/ 90, o ECA.

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é que tal não se fez adequadamente, já que no título do “Direito Pessoal” poucos aspectos daunião estável são cuidados. Na verdade, praticamente dois dispositivos se referem a este núcleofamiliar formado pela monoparentalidade29 .

De tudo se concluindo que o personagem do Marido, se adequou à nova realidade contem-porânea, pautada seguramente no princípio da dignidade da pessoa, mas sobretudo se adequan-do a uma realidade familiar onde a busca da felicidade de seus membros é muito mais importantedo que a chamada busca da paz doméstica, centrada no Código de 1916, na idéia de um núcleotranspessoal, onde a família era muito mais importante do que seus próprios indivíduos, e onde aentrega do poder diretivo a um único ser, no caso o homem, como patriarca, para o exercício dachefia, se apresenta, aos olhos do presente, totalmente incompatível e anacrônica, daí porquesubstituído pelo personagem da social da Família.

O Testador

A figura do Testador ainda permanece clara no novo texto, tendo sido mantido o mesmoprincípio do Código Civil de 1916. Porém, deve ser dito que o mesmo sofreu limitações erestrições, pautadas, sobretudo, pelos novos pilares filosóficos do Novo Código Civil.

Apenas a título de exemplo, verifica-se, na questão da limitação ao direito de propriedade,decorrente da possibilidade do grave do bem testado com cláusula de inalienabilidade, impe-nhorabilidade e incomunicabilidade, que a lei determina agora que tal só ocorrerá se houver justacausa. Nesse sentido, o artigo 1.848, da Lei 10.406/ 02, que afirma: “Salvo se houver justa causadeclarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impe-nhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima:” , sendo que o parágrafoprimeiro do referido dispositivo legal faz acrescer que: “Não é permitido ao testador estabelecer aconversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa”. Veja-se, portanto, que o testadorsofre limites no ato de testar. E aqui certamente a fonte inspiradora é a questão atinente à funçãosocial da propriedade, cujo grave imporia prejuízo à sua finalidade, daí porque deve ser justificada.E o que é importante assinalar nesse contexto, é que o legislador, no chamado “Livro Complemen-tar” ,30 regulando o tema quanto aos aspectos da lei no tempo e no espaço, deixou assinalado queos testadores, vivos ao tempo da entrada em vigor do novo código, e que assim tiverem procedidoantes da sua entrada em vigência, ou seja, aqueles testadores que clausularam o legado com asreferidas limitações, sem que haja justa causa, agora proibidas, deverão ratificá-las, no prazo de umano após a entrada em vigor do Código de 2002. O que significa dizer que os testadores, nacondição referenciada, deverão dar a justa causa da limitação. Isto se processasrá através de rati-ficação, que o legislador não diz como será feita. Mas, em nosso entendimento, deve-se observaro mesmo procedimento utilizado para o testamento dentro dos seus diversos tipos, ou seja, naforma pública, através da escritura pública de testamento; na forma cerrada, observando-se os pro-cedimentos próprios, o mesmo ocorrendo no chamado testamento particular31.

29 Vide na Lei 10.406/ 2002 artigos 1513 e o artigo 1636, p.u., quanto a disposições específicas do núcleo monoparental.30 Vide na Lei 10.406/ 2002 o artigo 2042: "Aplica-se o disposto no caput do art. 184, quando aberta a sucessão no prazo de 1 (um) ano

após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei 3.701, de 1º janeiro de 1916;se no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa e cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição"

31 Vide na Lei 10.406/ 2002 quanto ao testamento público artigos 1864 a 1867; quanto ao testamento cerrado, os artigos 1868 a 1875, equanto ao particular os artigos 1876 a 1880.

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Embora estejamos falando das figuras e personagens do Código de 1916, mantidas pelonovel legislador, ainda que com as nuances que sinteticamente apresentamos, assinala-se, emrazão da sua importância, que no Livro das Sucessões, o legislador procedeu a mudanças impor-tantíssimas, sobretudo no tocante à ordem da vocação hereditária, onde os descendentes passama concorrer com o cônjuge sobrevivente, salvo quando casado com o falecido no regime dacomunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens32 ; ou se no regime da comunhãoparcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. Por outro lado, os ascendentesconcorrem com o cônjuge.33

Campo que, embora não cuide especificamente de condomínio, mas que interessa pelassuas peculiaridades e proximidades e até mesmo pela discussão que gerava na jurisprudênciaquanto à natureza e forma e que agora se constitui numa inovação é o atinente à cessão da he-rança, agora regulamentado pelo legislador.34

O empresário

Por fim, criado um novo livro, isto é o Livro da Empresa, um novo personagem é acrescidoàqueles do Código de 1916, e vai conviver com os demais, ainda que com as mudanças já assi-naladas.

No caso, estamos falando da figura do Empresário, que é seguramente o mais novo per-sonagem do Código Civil, o qual é definido no artigo 966 como: “ ...quem exerce profissionalmenteatividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Porém, pensamos que a grande novidade está em que se procedeu à unificação do direito,não se fazendo mais a distinção entre a natureza civil ou comercial da relação.

Este empresário recebe também do Estado um tratamento diferenciado, sendo que o artigo970, do Novo Código Civil afirma que: “A lei assegurará tratamento favorecido diferenciado e sim-plificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daídecorrentes”.

Por outro lado, no livro do Empresário, procedeu-se à diferenciação, nunca clara no nossosistema jurídico, entre Sociedade e Associação35, sendo certo que se considera Sociedade àquelaque é constituída para fins econômicos e Associação às demais. Nesse aspecto acabou-se dandoum tratamento diferenciado. De igual modo acabou-se com a polêmica sobre a definição de fundode comércio, trazendo do direito italiano a idéia de estabelecimento.36

A NOVA VISÃO DO CONDOMÍNIO

O Condomínio e sua nova estrutura legal

Seguramente que vários dos senhores devem estar a se perguntar quando começaremos atecer nossos comentários sobre o tema objeto do convite que nos foi formulado, qual seja para

32 Vide na Lei 10.406/ 2002 o artigo 1640, p.u. quanto às hipóteses de separação obrigatória de bens33 Vide na Lei 10.406/ 2002 os artigos 1829 a 1844 que cuidam da ordem da vocação hereditária.34 Vide na Lei 10.406/ 2002 os artigos 1793 a 1795, que regem a chamada cessão da herança35 Vide na Lei 10.406/ 2002 o artigo 53 para Associação; 931 para Sociedades; para Fundações veja-se o artigo 62, e seu p.u.36 Vide na Lei 10.406/ 200 os artigos 1.142 a 1.149

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falarmos sobre a nova visão do Condomínio. Com certeza que não nos furtaremos a ele, entre-tanto, acreditamos que sem uma visão global do novo Código Civil, ainda que perfunctória, comoa procedida, e sem que se apontasse para os aspectos antecedentemente tratados, com certeza,a visão poderia restar obscura e opaca, razão pela qual somente agora nos sentimos seguros paradar um melhor tratamento ao tema.

O novel legislador, sobre o tema específico do Condomínio, como não poderia deixar de ser,cuidou no Livro IV, do Direito das Coisas. O Livro do Direito das Coisas por sua vez está dividi-do em dez títulos: I - da posse; II - dos direitos reais; III – da propriedade; IV- da superfície; V – dasservidões; VI – do usufruto; VII – do uso; VIII – da habitação; IX do direito do promitente com-prador; X – do penhor, da hipoteca e da anticrese.

Pois bem, vamos encontrar o condomínio tratado exatamente no Título III, no tema da pro-priedade, porquanto o condomínio não passa da propriedade em comum. O Titulo III, referente àpropriedade, por sua vez, dentro do novo texto está dividido em capítulos e seções em algumasseções, subseções, existindo exatamente nove capítulos, que contem a seguinte divisão: I – Dapropriedade em geral; II – Da aquisição da propriedade; III – Da aquisição da propriedade móvel;IV da perda da propriedade;V- Dos direitos de vizinhança; VI – Do Condomínio geral; VII – Do con-domínio Edilício; VIII – Da propriedade Resolúvel; IX - Da propriedade Fiduciária.

Assim percebemos, desde logo, que vamos encontrar o nosso tema sendo tratado no LivroIII, no Direito das Coisas, dentro do título, III, que se refere à Propriedade, e nos Capítulos VI eVII. De outro modo observamos que o Capítulo VI do Condomínio em geral está dividido emduas seções: seção I – Do Condomínio Voluntário, e a seção II – Do condomínio necessário.Verificando-se também que a seção I esta subdividida em duas subseções: I Dos direitos edeveres dos condôminos e II Da Administração do condomínio. Por seu turno a seção II não con-tém subdivisões.

No que se refere ao Capítulo VII, que trata do Condomínio Edilício, esta o mesmo dividi-do em três seções: I – Disposições Gerais; II - Administração do Condomínio; III - Extinção doCondomínio.

Em termos de dispositivos, a matéria está inserida no que concerne ao Condomínio em geralnos artigos 1.314 a 1.330, e no concernente ao Condomínio Edilício, nos artigos 1.331 a 1.358.Divididos logicamente consoante a estrutura acima identificada a saber: Capítulo VI do Condo-mínio em geral; seção I – Do Condomínio Voluntário – artigos 1.314 a 1.326, e a seção II – Do con-domínio necessário – artigos 1.327 a 1.330. Verificando-se, também, que a seção I está subdividi-da em duas subseções: I - Dos direitos e deveres dos condôminos (artigos 1.314 a 1.322) e II - DaAdministração do condomínio (artigos 1.323 a 1.326). Por seu turno a seção II – Do Condomínionecessário que não contém subdivisões acham-se os artigos 1.327 a 1.330.

No que se refere ao Capítulo VII, que trata do Condomínio Edilício, está o mesmo divididoem três seções: I – Disposições Gerais (artigos 1.331 a 1.336); II - Administração do Condomínio(artigos 1.347 a 1.356); III - Extinção do Condomínio (artigos 1.357 a 1.358). Esta portanto é anova estrutura dentro do novel texto do Condomínio.

Numa primeira análise observa-se, de imediato, e portanto que o legislador fez incluir den-tro do Novo Código Civil o tema do condômino, que antes era cuidado pela Lei 4.591, de 16 de

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dezembro de 1964,o chamado Condomínio Horizontal, e que agora é denominado de CondomínioEdilício.37

Ainda numa observação primeira, verifica-se que o tema do Condomínio, relativo ao Códigode 1916, teve agora uma nova designação buscando o legislador as designações utilizadas peladoutrina, passando-se a falar, não mais e simplesmente “Do Condomínio” , como a lei anterior, massim em “Condomínio Geral” , o qual se subdivide em Condomínio Voluntário e CondomínioNecessário. Esta última expressão usada para designar o chamado: “Condomínio em paredes, cer-cas muros e valas”, termos agora substituídos pelo legislador, que se valeu do uso corrente dadoutrina, na distinção do condomínio em voluntário e necessário; é portanto inovadora a desig-nação dada na Seção II, de Condomínio Necessário, e que continua tratado no Capítulo VI- con-domínio em geral; inserido no título III - da Propriedade.

No concernente ao Condômino Edilício, como dito é totalmente inovador quanto à estrutu-ra do Código, embora as suas disposições tenham como suporte basicamente aquelas antes con-tidas na Lei 4.591/ 64, mencionada. Aliás numa rápida análise daquela lei, de forma comparativacom a estrutura dada no novo texto codificado, observa-se que aquela lei, que não cuidava ape-nas do condomínio, mas também das incorporações, dividia o tema em dois títulos: I – DoCondomínio e II – Das incorporações. E no tema que nos interessa que é o condomínio, o legis-lador, tratava em sete capítulos, e vinte e sete artigos toda a matéria do Condomínio, embora,inadequadamente o próprio título “Do Condomínio”, também servisse de primeiro capítulo. Assimé que o legislador cuidava, nos sete capítulos, dos seguintes temas: II Da convenção do Condo-mínio; III Das Despesas do Condomínio; IV Do seguro, do incêndio, da demolição e da recons-trução obrigatória; V – Utilização da Edificação ou do conjunto de Edificações; VI – Da adminis-tração do Condomínio; VII – Da Assembléia Geral.

Por sua vez, o Código de 2002, como visto acima, trata da matéria também em vinte e seteartigos, embora de forma mais econômica tenha titulado a matéria em três seções apenas: I -Disposições Gerais; II - Da Administração do Condomínio e III Da extinção do Condomínio; ao con-trário, portanto, dos sete capítulos da Lei 4.591, de 2002. Não obstante a lei produziu mudançasimportantes, que procuraremos pontuar quando estivermos analisando o seu conteúdo específico.

Assim sendo, deve ser dito neste primeiro instante, que embora com mudanças de ordemestrutural e algumas de natureza conceitual ou mesmo de forma, a disciplina do Condomínio nopertinente não mudou muito porém, na verdade, sofreu uma transformação interna imensa, não noque tange à sua estrutura até aqui examinada, ou mesmo às eventuais alterações de contexto quese examinará à frente. Sofreu, isto sim, como já apontado aqui, ainda que de maneira perfunctória,uma mudança profunda, posto que concerne à sua própria natureza e origem. Explica-se facil-mente. É que sendo o exercício da propriedade em comum, ou como definia o autor do Código que

37 Cumpre salientar que conforme a regra do artigo 2043, da Lei 10.406/ 2002 que contém o Novo Código Cível, verbis: "Até que por outraforma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual e administrativa ou penal, constantes de leis cujos pre-ceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código." Tendo sido incorporado ao novel texto civil o tema da Lei 4.591 de 16de dezembro de 1964, por óbvio que a mesma no particular quando cuidando do Condomínio, está derrogada, ou seja os seus vinte esete artigos que cuidavam do tema, não prevalecem mais. Porém no que concerne ao tema da incorporação estes continuarão ainda regi-dos por aquela norma. Em suma a derrogação da chamada lei de condomínio, se dá apenas na sua primeira parte relativa ao condomínio,porém continuando em pleno vigor quanto ao tema das incorporações. Na espécie também devendo ser dito que a Lei de Introdução aoCódigo Civil (Dec.Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942), em seu artigo 2º § 1º e 2º, à espécie se aplica. Na oportunidade lembrando-seapenas que o fato de estar surgindo um novo Código Civil, não faz com que haja a derrogação da Lei de Introdução, que como leiordinária continua em pleno vigor, até porque assim chamada de Lei de Introdução ao Código Civil, na verdade regula questões de caráterhermêutico.

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ora se finda, Clóvis Belviláqua um estado anormal da propriedade, e tendo aquela sido absorvidapor alteração de sentido e forma profundos, por conseqüência toda a questão do direito condo-minial acabou por sofrer com as referidas mudanças na propriedade. Assim sendo, para começar-mos a falar de Condomínio, devemos falar então das mudanças e da nova visão da propriedade.

A propriedade em comum e a função social da propriedade

Parece-nos ainda didático, de início, trazer a conceituação do Condomínio, e para tanto,escolhemos dentre as inúmeras definições encontradas nos autores, aquela dada pelo ProfessorCAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, até mesmo como homenagem ao velho mestre mineiro, e pelaimportância de sua obra e visão jurídica, inclusive específica sobre o tema do Condomínio hori-zontal. Valer-nos-emos da sua afirmativa de que teremos o condomínio quando: “a mesma coisapertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre otodo e cada uma de suas partes”38. Na verdade pode-se dizer que se trata de uma espécie dogênero comunhão, já que quando um direito pertence a duas ou mais pessoas, afirmamos que aliacha-se formada a comunhão. Porém, quando esse direito pertence a duas ou mais pessoas e recaisobre o direito de propriedade, aí então afirmamos que existe um condomínio.

Como acima anotado, Clóvis dizia que seria o condomínio, na verdade um estado anormalda propriedade, posto que a característica essencial daquela é a exclusividade, sendo portantoestranho admitir que aquilo que é próprio (exclusivo) possa, ao mesmo tempo, ser comum, daísurgindo talvez a dificuldade dos juristas de entender a natureza jurídica deste instituto39. Masdentro desse contexto, poderíamos então começar a questionar ou pelo menos lançar um lumepara discutir, qual seria a conseqüência então desta nova realidade da propriedade, ou seja da suachamada função social, e quais seriam as conseqüências no que concerne ao tema objeto do nossoestudo, isto é, do condomínio.

Poderíamos pensar, dentro do pilar filosófico instituído pelo novo legislador, dentro da idéiade eticidade e da socialização, que o exercício do direito de propriedade em comum estaria ouestará profundamente alterado, posto que a idéia de propriedade como algo exclusivo e próprio,é incompatível com a idéia de socialização. Neste caminho, poderíamos até afirmar que a noçãodo velho Clóvis de que o condomínio seria um estado anormal da propriedade, somente seprestaria à idéia individualista, e essencialmente patrimonialista do início do século, no qual aliásseu Código se inspirou. Porém, neste condão de idéias, como ficaria a questão dos sistemaseconômicos, inclusive o sistema capitalista?

Por certo que estaríamos guindados a tal equívoco a partir do momento em que con-fundirmos função social, com propriedade social ou comum, aqui no sentido de comunismo. Nãochegaremos a tanto. Porém, o que nos parece importante salientar é que, embora possa parecerinovação falar de função social da propriedade, o que na verdade o é para o novel legislador civil,que dessa expressão se vale, em seu artigo 1.228, na verdade, no plano Constitucional, tal nãorepresenta inovação.

38 PEREIRA, Caio Mario da Silva - "Instituições de Direito Civil", vol. 4, Rio de Janeiro, 1998. Editora Forense.39 A doutrina aponta para duas grandes correntes para explicar o fenômeno jurídico, quais sejam: as correntes individualistas e a coletiva.

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Num exame da legislação constitucional brasileira40, verifica-se que, muito antes daConstituição Federal de 1988, a Constituição de 1946 assim já tratava a propriedade, quando, pelaprimeira vez, no seu artigo 147, previa que: “O uso da propriedade será condicionado ao bemestar social . A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa dis-tribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

Por outro modo, o artigo 160, III da Emenda Constitucional de 1969, dispunha: “A ordemeconômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com basenos seguintes princípios: (...) III – função social da propriedade”. Ora, como se vê não constitui,em si mesma, a função social da propriedade uma novidade constitucional, como o é para o textocivil. Porém, o que chama à atenção no texto constitucional de 1988, que igualmente trata damatéria dentro da ordem econômica e social, em seus artigos 186 e 182, é exatamente o fato deque a matéria foi colocada agora no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, nos termos doart. 5º, XXIII o qual cuida, além da proteção da propriedade privada, a que se refere o inciso XXIIdo mesmo artigo, que fala agora da função social da propriedade. E nesse contexto, não podendonunca perder de vista que toda essa questão está centrada na idéia da dignidade da pessoahumana, pilar fundante da República brasileira.

Logo, não se pode deixar de verificar, como dito, que se por um lado é novidade a visãosocial da propriedade no novo texto civil, não é a mesma estranha à história constitucionalbrasileira. Pois bem, aqui então se observa uma questão palmilhar. Pelo princípio da hierarquia dasnormas, desde a Constituição de 1988, a questão da propriedade privada, e a sua função social,ganharam novos matizes e contornos, no contexto civil. Porém, como bem anotou GustavoTepedino41, parece que não foram devidamente apercebidos pelos principais comentadores civilis-tas pátrios, tanto assim que os manuais insistem em não aprofundar, ou até mesmo desconheceressa realidade.

Ora, o que seria na verdade essa função social, e em que ela altera a noção de propriedadeprivada, quando se viu que o legislador ainda a mantém como garantia fundamental? Discutir afunção social, exige de nós a compreensão exata do que seja a propriedade, embora essa noçãoquase que nos pareça natural. Toda criança expande desde cedo com uma absoluta naturalidadea noção egocêntrica de afirmação da sua pessoa, ao buscar para si objetos e afirmá-los comosendo seus. É o famoso “é meu” infantil. Por seu turno, os adultos, muitas vezes diante dessa ati-tude expressam também a idéia clara da necessidade de socialização e da divisão daquele objeto,dando assim o que chamaríamos de forma empírica de uma função social àquele objeto. Isso talveznos leve à compreensão, por mais frágil que possa parecer o argumento, de que estaríamosadmitindo que também a noção da função social da propriedade é natural.

Pois bem, o saudoso Professor WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, em seu Curso deDireito Civil, Coisas, São Paulo, Editora Saraiva, assinala que: “com efeito , a exata concepçãoé a de que a propriedade é inerente à própria natureza humana; ela representa condição daexistência e de liberdade de todo o homem”. Pauta-se, pois, num binômio que a doutrina desig-nou chamar de propriedade-liberdade, e que na verdade não representa a realidade presente, ecremos já não representasse mais até mesmo em sua época.

40 Sobre o tema indispensável é a leitura de Gustavo Tepedino, na obra aqui já mencionada "Temas de Direito Civil", Rio de Janeiro,Editora Renovar, 1999, pp. 268-272.

41 Idem, pp. 267

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A realidade presente aponta para uma propriedade que não admite um conceito absoluto einerente ao ser humano, ao contrário, cada vez ela se apresenta como um instituto complexo, denatureza plural, onde surge não o poder da exclusividade, como um direito subjetivo único, massim um direito subjetivo típico e complexo que exigirá de cada um a percepção óbvia da multifa-cetação da noção de propriedade. Isso significa dizer que haverá de existir uma convivência dosinteresses privados com os interesses da sociedade, os chamados contradireitos, cuja origem ebase constitucional é idêntica, e que na órbita dos conflitos, deverá ser solvida no âmbito dosprincípios hermenêuticos constitucionais próprios42, como por exemplo o princípio da propor-cionalidade, jamais deixando de observar o contexto da dignidade da pessoa humana e os inte-resses da ordem econômica, jurídica e social.

Nessa linha de raciocínio pode-se até mesmo estranhar o que se está a pretender com odesenvolvimento destes temas, no contexto do Condomínio. Ora, como aqui já salientado, a pro-priedade em comum, quer nos parecer não é a propriedade imprópria, como dizia Clóvis, ao con-trário, é a extensão interna e clara da visão e da função social da mesma, diríamos é a funçãocomum da propriedade, ainda que no âmbito interno possa ter um quê de discurso de propriedadeexclusiva dos condôminos, em razão do direito ideário que sobre o todo cada um deles possua.Porém, os contradireitos que se lhe apõem em razão dos direitos internos e ou externos, do quechamamos de função comum, ou mesmo de função social, nos levariam a desenvolver senão umanova teoria, ao menos naquilo que os italianos de há muito vêm discutindo sobre o tema43, ondese renova a cada instante uma revisão do conceito da propriedade bem como da sua funçãosocial44.

Em suma, o que gostaríamos apenas de despertar neste tópico, é para o fato de que não sepode compreender o novo condomínio, sem se ater à função social da propriedade, da categoriados contradireitos, que fazem renascer uma nova ordem jurídica quanto ao instituto condominial.

Não queremos aqui, como dito, criar uma nova teoria ou estrutura sobre o condomínio, quecontinua admitindo no novo código as mesmas classificações doutrinárias, e agora até mesmolegais, como é o caso da noção de condomínio necessário agora absorvida pelo legislador, e aque-la de condomínio convencional que surge em razão da vontade das partes. Continua, pois, admiti-da no plano teórico, doutrinário e legal, a noção do condomínio pro diviso, agora expressamentetrazido para o Código na figura do Condomínio Edilício, ou mesmo no pro indiviso quando hácomunhão de direito e de fato, restando as partes em estado de indivisão, não se localizando nobem que se mantém indiviso.

Mas queremos chamar a atenção para o fato de que estamos sim diante de um novo direi-to condominial, cujas respostas fogem portando da noção absolutista da propriedade isolada, oumesmo da propriedade em condominial do início do século. E isso importa em poder reconhecera possibilidade de fazer prevalecer, aquilo que aqui chamamos de contradireitos de propriedadesobre o interesse individual. Nesse aspecto, sobretudo, relevando anotar a questão dos direitos devizinhança, e até mesmo a hipótese de exclusão de um proprietário, ou condômino, do exercício da

42 Sobre o tema, confira-se a obra do Professor Agostinho Aurélio Vieto, Editora Del Rey Belo Horizonte, 1999. 43 Neste sentido veja-se ª Ianelli, "Replica", in "Crisi deloo stato sociale e contenuto mínimo della proprietà, atti Del Covegno, Camerino,

27-28 maggio 1982, Napoli, 1983, p.199, apud TEPEDINO, Gustavo, in seu " Temas de Direito Civil", Rio de Janeiro, Renovar, 1999.44 Sobre a função social da propriedade leia-se ainda Caio Mario da Silva Pereira, em seu "Direito Civil, alguns aspectos de sua evolução",

Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 69-73.

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sua faculdade de usar o seu imóvel. Ora, tudo isso já era possível apenas com base na com-preensão das mudanças constitucionais da propriedade, o que se dirá agora com a incorporaçãodesses conceitos na nova ordem civil, servindo este exemplo apenas com um simples indicativo doalcance dessa nova visão.

Mas como salientado, ter uma nova visão do Condomínio, implica em ter uma nova visão daalma do novo Código, enxergá-lo como um texto novo e inovador, pautado por pilares filosóficostotalmente diferentes daqueles do Código de 1916, bem como da própria lei 4.591/ 64, e é issoque se deve procurar verificar.

ASPECTOS PONTUAIS DAS MUDANÇAS FORMAIS

No Condomínio em Geral

Apenas e tão somente para não frustrar àqueles que buscam no presente ensaio asmudanças ocorridas na nova ordem civil, passo agora, então, de maneira sucinta, a discorrer sobrealguns pontos do Novo Código Civil que me chamaram à atenção no tema do Condomínio, e queconsidero, e aponto, como mudanças, além, é lógico, daquelas mudanças estruturais já apontadas.Para tanto, seguirei a ordem do novo texto.

A primeira regra do Condomínio é o artigo 1.314, e seu parágrafo único, que se insere nocontexto do Condomínio voluntário, e cuida dos direitos e deveres dos condôminos. A perspecti-va do texto é a mesma contida na regra dos artigos 623, 628 e 633, do Código Civil de 1916, cujasregras foram simplesmente unificadas no texto, sendo certo que o legislador se valeu de termosdoutrinariamente mais aceitos, deixando de falar em parte indivisa, para agora falar em parte ideal,deixando de falar em uso em razão do destino, para o termo destinação. A única inovação se re-fere à questão da defesa da posse que o legislador agora explicita como sendo um direito de cadacondômino, fato que a doutrina e jurisprudência sempre tiveram como pacífico, daí que não sepode ter em conta de grande inovação.

No que se refere ao artigo 1.315, e seu parágrafo único, que corresponde ao antigo artigo624 do Código de 1916, o legislador trouxe para o texto, no parágrafo único, a presumibilidadelegal de igualdade das partes ideais. Trata-se de presunção juris tantum que comporta prova emcontrário, portanto.

Disposição totalmente nova, sem qualquer parâmetro com o Código de 1916 é a da regrado artigo 1.316, que permite ao condômino eximir-se do pagamento das despesas e dívidas, renun-ciando à sua parte ideal. Nessa hipótese prevê o legislador um sistema de substituição da cotapelos demais condôminos, desde que os mesmos assumam as despesas e dívidas, aproveitando-se assim daquela renúncia, isto é, tornando-se proprietários daquela parte aumentando pois o seuquinhão, o que por si só já apontaria como uma das exceções à presumibilidade do dispositivo doartigo 1.315, quando adquirida por um único apenas. Interessante que se nenhum condômino sal-dar o débito a coisa comum será dividida, hipótese em que se subentende que todos poderão sercompelidos ao pagamento integral daquela dívida, agora até mesmo pela aplicação do artigo 1.320do novo texto, que repetiu na essência aquilo que continha o Código de 1916, em seus artigos 629e 630, que foram unificados pelo referido dispositivo do artigo 1.320.

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As normas dos artigos 626, 625, 627 acabaram mesmo sendo incorporadas no novo texto,ainda que com pequenas adequações ao vernáculo contemporâneo, porém sem maiores conse-qüências, e se acham tratadas respectivamente nos artigos 1.317, 1.318 e 1.319, respectivamente.

Mudança importante ocorre no que diz respeito à questão da divisão do condomínio, naregra do artigo 1.320. Ali se inovou afirmando-se que o quinhão de cada um responde pela suaparte no tocante à divisão, admitiu-se a hipótese já existente no artigo 629, de as partes poderemacordar que a coisa reste indivisa, porém por prazo não maior do que cinco anos, embora suscetí-vel de prorrogação ulterior. Entretanto, se tal indivisão for estabelecida pelo doador ou testador, elanão pode ultrapassar os cinco anos, sem possibilidade portanto de prorrogação. Porém, inovador éo parágrafo terceiro, do artigo 1.320 em comento, que se valendo exatamente na questão atinenteà função social da propriedade, admite que o Juiz, desde que requerido por qualquer das partes, eem havendo razões graves que assim o aconselhem, poderá determinar a divisão da coisa comumantes do prazo. Este abrandamento da regra é uma inovação não prevista no Código anterior eacaba, inclusive, com a discussão doutrinária sobre o tema da possibilidade de tal vir a ocorrer.Salientando-se, apenas, que o antigo artigo 630, que cuidava da possibilidade da limitação feitapelo doador ou testador, foi absorvido pelo parágrafo segundo do aqui referido dispositivo legal.

No tocante ao artigo 1.321, correspondente ao antigo artigo 641, manteve o legislador aidéia de fazer aplicar, de forma supletiva, as regras de partilha e de herança, que no novo códigose acham nos artigos 2.013 a 2.022.

O legislador de 2002, manteve o contido no artigo 632 do Código de 1916, que cuidava basi-camente do processo de divisão, quando se tratar de coisa indivisível, sendo que o mesmo retiroudo texto a noção da indivisibilidade decorrente da impropriedade do bem, pelo seu destino, man-tendo quanto ao mesmo a regra no artigo 1.322. Porém, no referido, artigo fez acrescentar o pará-grafo único, que oferece um critério de licitação a estranhos, quando nenhum dos condôminos tiverbenfeitorias na coisa comum e se todos tiverem direitos iguais. Nessa hipótese, embora haja a li-citação para estranhos, antes que aquele possa adjudicar o bem em seu favor, será procedida umalicitação, agora entre os próprios condôminos visando então permitir que seja adjudicado a quemafinal oferecer melhor, lanço, preferindo na hipótese de empate o condômino ao estranho. O queo texto não esclarece é na hipótese de existir entre aqueles condôminos que preferiram ao estra-nho um empate quanto ao lanço. Neste caso, indagar-se-ia se seria caso de novo leilão entre elesapenas, hipótese que redundaria num círculo vicioso, já que a regra do parágrafo único deveriaentão ser reaplicada.

No tocante à administração do condomínio, não houve inovações a não ser a junção em umsó texto da regra dos artigos 635 e 636, os quais cuidavam da circunstância deliberadora daadministração ou da locação do bem, e que agora no novo Código estão unificados no artigo 1.323.O artigo 640, foi mantido no artigo 1.324, alterado apenas o termo mandatário para representante,seguramente em razão de caráter doutrinário, posto que o mandatário é aquele que detém manda-to dos demais, podendo praticar atos próprios do mandante, ao passo que o representante ficalimitado apenas aos atos de administração. Houve, pois, correção de natureza meramentedoutrinária, diríamos.

Quanto ao cálculo do valor dos quinhões, tema que era tratado pelo artigo 637 do Códigode 1916, passou agora o legislador a dele cuidar no artigo 1.325, o qual manteve a noção de obri-gatoriedade da decisão tomada pela maioria. Como inovação, o legislador trouxe apenas o § 3º do

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referido texto, que agora admite, na hipótese de dúvida quanto ao valor quinhão, que este sejaavaliado judicialmente.

O princípio de que os frutos da coisa comum são partilhados de forma comum, em con-formidade com os quinhões, do artigo 638, foi mantido, agora no artigo 1.326.

Por fim, no tema do Condômino, o legislador, trouxe como já alhures, uma modificação quan-to à titulação falando agora em condomínio necessário, e não mais em condomínio em paredes, cer-cas, muros e valas, valendo-se, portanto, da noção doutrinária sobre o tema, e quanto aos dispo-sitivos que regulavam aquela matéria (artigos 642 a 645), manteve-os inalterados, apenas fazendoadequar questões de nomenclatura e adaptação das disposições que aqueles dispositivos men-cionavam. Assim é que cuidou dos respectivos dispositivos exatamente nos artigos 1.327 a 1.330.

No Condomínio Edilício

Quando a doutrina fala sobre o condomínio, fala do condomínio vertical e do condomínio ho-rizontal. Embora nem sempre nos pareça claro o tipo de instituto que estamos examinando. Via deregra não é incomum a confusão originada da designação. É que embora possa parecer o contrárioaos menos avisados, a verdade é que doutrina, quando se refere ao tema, lembra que o “con-domínio vertical” se prende ao condomínio constante da origem onde as construções tinham aparede-meia como marco divisor, e por isto mesmo em posição vertical. Já quando se fala sobre“Condomínio horizontal” , está-se falando do plano horizontal com que são construídos os aparta-mentos, isto é, de forma sobreposta. Na verdade, o termo “Condomínio Horizontal” é uma abre-viatura do termo propriedades sobre planos horizontais, isto é a propriedade que se exerce emedifícios divididos em planos horizontais45.

Pois bem, a par de se tratar de tema já consagrado pela doutrina, o fato é que o legisladorde 2002, mudou a designação nominativa do Condomínio que na tradição do nosso direito é tido,como salientado, de Condomínio Horizontal, passando agora o seu nome para “CondomínioEdilício” . Buscando esclarecer a origem do texto, em comentários ao então Projeto de Lei 634/ 75,que se tornou a atual lei em comento, dizia o Professor Miguel Reale, que o termo é de fonte lati-na puríssima, e a palavra “aedilici (um)”, não se referia apenas a edil, mas também às suasatribuições de fiscalizar as construções públicas e particulares, afirmando mesmo que seria de lin-guagem corrente na própria Itália como forma de designar o Instituto46

Esta portanto a primeira grande mudança promovida quanto ao tema do CondomínioHorizontal, tratado pela Lei 4.591, de 1964, e agora chamado pela Lei 10.406, de 2002 deCondomínio Edilício, e nela tratado nos disposit ivos do artigo 1.331 a 1.358.

De forma pontual, como proposto, e sem se proceder a uma análise comparativa dos textospode-se afirmar como novidades na nova lei, quanto ao texto de 1964, seriam aquelas decorrentesda obrigatoriedade da convenção para todos logo que subscrita pelos seus titulares, sendo que sóapós a devida publicidade, ou seja, após o seu registro é que prevalecerá contra terceiros, obser-vando-se que o registro deve ser feito no Cartório de Registro de Imóveis, consoante deflui daanálise do artigo 1.333 e de seu parágrafo único.

45 Neste sentido verifica-se a lição do Professsor João Batista Lopes, in seu "Condomínio", São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.46 Quanto ao tema veja-se a crít ica efetivada pelo referido professor João Batista Lopes, in seu " Condomínio", São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2000, pp. 48-49.

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Modificação importante, trazida pelo legislador de 2002 é no que se refere ao direito devotação e participação pelo condômino nas assembléias e que está no inciso III do artigo 1.335, con-siderando-se que somente os que estiverem em dia com o Condomínio poderão votar. Aqui nosparece claro que se tratando de uma dívida cujo objeto acha-se em discussão, incabe a limitaçãodo artigo em comento. É que deve ser observado que não se pode tolher o direito de ação da parte,até porque do contrário se estaria tolhendo um direito constitucional de ampla defesa, ou mesmode legalidade e devido procedimento legal. Quando se impede de votar, sob o argumento de queexiste débito, deve-se ter como débito consolidado, sobre o qual não caiba discussão. Um bomexemplo seria aquele atinente a multas indevidamente aplicadas pelo síndico ou administrador aoCondômino, e que ensejariam direito de resposta. Ora até que se decida sobre a sua validade, nãose pode ter tal como hipótese elisiva de participação no processo decisório da Assembléia.

Mudança importante, mas que entretanto poderá acabar inviabilizando os condomínios é aquestão prevista no artigo 1.336, § 1º, que fixa a multa em, no máximo, é dois por cento sobre odébito. Por outro lado, os juros moratórios podem ser convencionados, se não o forem serão deum por cento ao mês. Isto significa dizer que poderão os condomínios fixar patamar diverso, porémsomente sendo válido se devidamente alterada a convenção, passando assim a prever. No parti-cular é de se ter que, na falta de convenção, os juros serão os de um por cento. Quanto à con-venção, pensamos que se podem tomar como limite e patamar os juros moratórios previstos noartigo 406 do novel texto, que admite para os juros moratórios a taxa cobrada para os Impostosdevidos à Fazenda Nacional.

Cumpre observar que o legislador não regulou no livro complementar, como seria cobrada amulta até que o condomínio promova a adequação de sua convenção. Ora, prevendo o texto quea multa deve ser de até dois por cento, e não mais podendo prevalecer a multa superior a essepatamar, prevista pela convenção, até que se promova a adequação daquele multa não poderá sercobrada, por falta de previsão.

O legislador inovou ainda na regra do artigo 1.337, admitindo por quorum qualificado de trêsquartos dos condôminos restantes ser constrangido a pagar multa até o quíntuplo do valor atribuídoao próprio valor do condomínio, considerada a gravidade da falta, sem prejuízo das perdas e danos.

Porém, o que nos parece interessante observar é que o Código exatamente dentro daque-la noção da função social da propriedade, que inclusive impede que o proprietário pratique atosatentatórios aos interesses dos demais, admite até a possibilidade da Assembléia deliberar aexclusão do condômino do prédio, como está expressamente previsto no parágrafo único do arti-go em comento, entendendo-se no caso que o quorum será aquele constante do caput do artigo,ou seja três quartos (3/ 4) cumprindo entretanto salientar, que antes disso pode ele ser cons-trangido a pagar multa de até dez vezes o valor atribuído à contribuição condominial.

Interessante aspecto é a admissão pelo artigo 1.339 do novo texto de se permitir que ocondômino possa alienar parte acessória de sua unidade imobiliária a outro condômino, podendoaté fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do Condomínio, e desde que aela não se oponha à respectiva assembléia geral. Um bom exemplo seria a questão das garagens.

Nesta hipótese o legislador não diz qual seria o quorum necessário para tal, neste casodevendo ser aplicada a regra do artigo 1.352, que prevê que, salvo quando exigido quorum espe-cial, é que as deliberações da Assembléia serão tomadas em primeira convocação por maioria devotos (metade mais um dos presentes que representem metade das frações ideais) e por maioria

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de votos, em segunda convocação, desde obviamente que não haja previsão na lei ou convençãode quorum especial.

Ainda no âmbito das inovações não se pode também deixar de assinalar que houve umadiminuição do quorum, para votação de obras voluptuárias a serem construídas no prédio, queantes exigiam totalidade e que agora exigem apenas dois terços, sendo certo no tocante às demaisobras, tidas como úteis, a reforma poderá se dar por maioria simples, de metade mais um, con-forme o artigo 1.341 do novo texto.

Aliás o referido artigo contém inovações importantes, no que se refere aos chamadosreparos necessários e urgentes, pode agora o síndico proceder ao conserto, porém havendodespesas excessivas, deverá comunicar à Assembléia, em convocação imediata. Na hipótese denão serem urgentes e implicarem em despesas excessivas, isto importará na obrigatoriedade deconvocação da Assembléia. Nesse sentido os parágrafos segundo e terceiro do mencionado arti-go em comento (art.1.341).

Inovação curiosa é a que admite agora a possibilidade de qualquer condômino proceder àreparação ou obra urgente, cabendo reembolso, fato entretanto não admissível para obras oureparos de outra natureza.

Na espécie, deve ser dito que o legislador aponta, em norma aberta para o tema dadespesa excessiva, o que permite que em cada caso concreto seja tal apurado, considerando-secomo parâmetro, por certo, a capacidade contributiva dos condôminos, ou seja, a situação con-creta de cada condomínio.

Cumpre ainda asseverar que, na hipótese de abuso ou mesmo de não- confirmação pelaAssembléia quanto ao reconhecimento da urgência da obra, ou mesmo em relação à necessidadeda convocação prévia em face da onerosidade excessiva, o síndico que assim procedeu deverá, nostermos da lei, reembolsar o condomínio, sem prejuízo ainda das perdas e danos, sobretudo tendoem vista o princípio da eticidade, e até mesmo a regra do artigo 187 do novo Código que consideracomo ato ilícito o ato praticado pelo titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamenteos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, o quefaz com que todos os síndicos e representantes tenham que ter o máximo cuidado quanto à utiliza-ção do direito que a lei lhes confere, até porque subjetivo o conceito de despesas excessivas, quenão se vincula apenas ao valor intrínseco, mas como e também ao valor de mercado por exemplo.Assim, mesmo que se pague um valor relativamente irrisório, se este em relação ao mercado forconsiderado excessivo, nesta circunstância poderá incidir o síndico ou responsável.

No artigo 1.342, o legislador admite a realização de obras, em partes comuns, em acrésci-mo às já existentes, a fim de lhes facilitar ou aumentar a utilização, dependendo entretanto dequorum qualificado de dois terços dos votos, observando-se que, apesar da permissão prevista,para aquelas já existes, não se permite a construção nas partes suscetíveis de prejudicar a uti-lização por qualquer dos condôminos, quanto às partes próprias ou comuns.

Mudança importante também se verifica na regra do artigo 1.345, quando o legislador dizque o adquirente da unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclu-sive multas e juros moratórios. Neste sentido assinala o Professor da Universidade CândidoMendes, MARCO AURéÉLIO BEZERRA DE MELO, in seu “Novo Código Civil Anotado”, vol. V,Direito das Coisas, Rio de Janeiro, editora Lúmen Júris, 2002, que “Depois de muita vacilação ajurisprudência , que nos parece predominante, chegou a uma conclusão justa, decidindo que o

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réu na ação de cobrança de cotas condominiais deverá ser o possuidor do bem e não o propri-etário, pois é o primeiro quem se beneficiou das vantagens decorrentes do estado condominial,como água, o serviço do faxineiro e do porteiro, enfim de toda a estrutura condominial. A va-cilação inicial deveu-se a uma confusão da palavra ônus, esta sim dependente de registro, e aobrigação propter rem que, eventualmente, pode ser devida pelo possuidor, como sucede emvários casos estudados no capítulo referente aos direitos de vizinhança.” (ob. cit., p.á 185).Nesse contexto verifica-se, portanto, que a matéria recebeu um tratamento que a adequou é àqui-lo que já vinha sendo decidido pelos tribunais.47

Ainda quanto à pessoa do síndico, deve-se salientar que o legislador deixou assentado queo Síndico é obrigado a comunicar, de forma imediata à Assembléia, a existência de procedimentojudicial ou administrativo, de interesse do Condomínio, conforme está na regra do inciso III do arti-go 1.348. Por sua vez, o legislador também deixou claro que a Assembléia , especialmente convo-cada para o fim estabelecido pode destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar con-tas, ou não administrar convenientemente o condomínio. Neste caso a votação se fará pela maio-ria absoluta de seus membros.

Anota-se ainda, a título de modificação, fixação estabelecida pelo novel texto quanto ao quo-rum qualificado de dois terços, para que se possa proceder à mudança ou alteração da convençãoe do regimento interno, porém a mudança da destinação da edificação e também da unidade imo-biliária, depende de unanimidade dos condôminos, como se deflui da regra do artigo 1.351.

Aspecto importante, embora não inovador, é que o legislador impede a deliberação se todosos condôminos não forem convocados para a reunião, embora não tenha o legislador se preocupa-do com a forma da convocação, esta constante da regra do art igo 1.354.

Importa salientar que, na dicção do artigo 1.347, o Síndico pode ser reconduzido pelaAssembléia, sendo que seu mandato pode durar até dois anos. Já os membros do Conselho Fiscal,acaso existente, têm mandato de dois anos, sendo omissa a lei quanto à possibilidade de recon-dução(art.1.356). Disto se concluindo que na hipótese do artigo 1347, a recondução pode se darpor uma única vez, posto que, do contrário, não teria o legislador se preocupado em expressa-mente fixar a possibilidade da recondução.

Conclusão

O Novo Código Civil, qual seja a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, cuja publicação sedeu em 11 de janeiro de 2002, na verdade suscita ainda muitos exames e indagações, não quere-mos aqui fugir à responsabilidade de nossa fala, mas com certeza ela, sobretudo quanto aocomentário de alguns preceitos expressos no texto não passa de uma primeira reflexão sobre otema, que esperamos mais tarde rever, mas que também esperamos sirva para incentivar a todosaqueles que operam com o direito, visando com isto concitar-lhes à pesquisa . Muito obrigado.

João Batista de Oliveira CândidoProfessor de Direito da PUC, FUMEC e Faculdade deDireito de Itaúna.

47 Quanto ao posicionamento jurisprudencial, veja-se anotações ao referido disposit ivo, in "Novo Código Civil e legislação extravagante ano-tados: atualizado até 15.03.2002, Nelson Nery Júnior, Rosa Maria de Andrade Nery - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.,p.473.

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Pa l es t r a

III Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

30/ 06 a 02/ 07/ 2002 - Ipatinga/ MG

José Anchieta da Silva

“OS DIREITOS REAIS DE GARANTIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL - PRIMEIRAS ANOTAÇÕES“

SUMÁRIO

1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .199

2. Sobre os direitos reais considerados no código . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .201

3. Sobre os direitos reais de garantia – disposições gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .201

4. Sobre o Penhor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .204

5. Sobre a Hipoteca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .210

6. Sobre a Anticrese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .216

7. Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .217

8. Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .217

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1. INTRODUÇÃO

Vigora a partir do dia onze de janeiro do ano de dois mil e três, o novo Código CivilBrasileiro, em face da promulgação da Lei nº 10.406 de dez de janeiro de dois mil e dois. Sai decena o código de Clóvis Beviláqua para dar lugar ao código, cuja organização coube ao jurisfiló-sofo Miguel Reale.

Dentre as críticas ao texto, várias, sobressai aquela segundo a qual melhor seria o aban-dono da técnica legislativa de se legislar por códigos, preferindo, dizem os críticos, a elaboraçãode estatutos separados, segundo institutos jurídicos específicos. De se registrar, que encontra-seem vigor no Brasil, em se tratando de matéria civil ou não, um razoável número de estatutos legaisespeciais, de cujo conjunto são bons exemplos o denominado Código do Consumidor e o Estatutoda Criança e do Adolescente. A autoridade encarregada de elaborar a norma, (e nem sempre seestá assim a dizer apenas em relação ao poder legislativo), tem tido, ao que parece - a históriaregistra - uma certa compulsão pela edição de normas cogentes.

O próprio Código Comercial convive com um extraordinário número de estatutos especiaisque lhe são posteriores, dentre eles os que regulam a falência e as sociedades anônimas, porexemplo. Na verdade, ainda nos umbrais do século XXI, nenhum código haveria ser tão completode modo a exonerar o legislador da sua tarefa-função de cuidar do aprimoramento legal das insti-tuições, fazendo-o mediante edição de estatutos separados ou não. A observação, contudo, se nosapresenta insuficiente para condenar a iniciativa codificadora, tal como se deu, até porque a formaadotada já era dentre nós, uma forma ou um sistema consagrado.

Na visão do principal responsável pela elaboração do novo código, o professor Miguel Reale,o trabalho de codificação realizado assentou-se sobre as seguintes diretrizes: (a) a preservaçãodo código anterior, sempre que possível, pelos seus méritos intrínsecos e pelo acervo de doutrinae de jurisprudência em razão dele constituídos; (b) a impossibilidade de que se realizasse apenasuma revisão da obra de Beviláqua dada a sua falta de correlação com a sociedade contemporâneae com as mais significativas conquistas da Ciência do Direito; (c) alteração geral do código no quese refere a certos valores considerados essenciais, tais como o de eticidade, de socialidade, deoperabilidade; (d) o aproveitamento dos trabalhos de reforma anteriores, a primeira comHaheneman Guimarães, Orozimbo Nonato e Philadelplho de Azevedo, com o anteprojeto do códi-go das obrigações, e a segunda com o projeto de Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira,com a proposta de elaboração separada de um código civil e um código das obrigações, contandocom a colaboração de Silvio Marcondes, de Theóphilo de Azeredo Santos e de Nehemias Gueiros;(e) a inserção no código apenas de matéria já consolidada ou com relevante grau de experiênciacrítica, transferindo-se para a legislação especial aditiva, o regramento de questões ainda emprocesso de estudo, ou que, por sua natureza complexa, envolvam problemas e soluções queextrapolam do Código Civil; (f) pretendeu dar-se ao novo código uma nova estrutura, mantendo-se a parte geral e dando-lhe, na parte especial, uma nova ordenação a respeito das codificaçõesmais recentes; (g) não se realizou, propriamente, a unificação do Direito Privado, mas sim do direi-to das obrigações, em virtude do obsoletismo do Código Comercial, com a criação do livro do‘direito das empresas’1.

1 REALE, MIGUEL. O Novo Código Civil Brasileiro. Revista da Academia Paulista de Magistrados, São Paulo, Dezembro de 2001, nº 1.

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O professor Reale disserta ainda em sua palestra de apresentação do novo código, sobreos três princípios fundamentais, norteadores do trabalho, registrando sobre a eticidade que a novalegislação procura superar o apego do código anterior ao formalismo jurídico, fruto da influênciarecebida do direito tradicional português e da escola germânica dos pandectistas, aquele decor-rente do valioso trabalho empírico dos glosadores e este último dominado pelo tecnicismo institu-cional, haurido na experiência do direito romano2.

Buscou-se a compatibilização dos valores éticos com a técnica jurídica. De fato, será fre-qüente encontrar no texto codificado, por exemplo, o valor da boa fé como expressão da vontadeda lei.

Sobre a socialidade, registra aquele jurista que o novo código procurou superar o caráterindividualista do código anterior, registrando que o código de mil, novecentos e dezesseis foi ela-borado para uma sociedade, cuja população agrícola, no campo, representava algo em torno deoitenta por cento da população brasileira, o que hoje não é mais verdade.

Quanto à operabilidade na orientação do novo código, tomou-se a decisão no sentido deestabelecer soluções normativas, de modo a facilitar sua interpretação e sua aplicação pelo ope-rador do direito. Recolhe-se, nesta parte, a decisão adotada de enumerar, em numerus clausus,definitivo, na parte geral, os casos de prescrição. Outro exemplo está na separação conceitualentre associação e sociedade. As primeiras ficaram para as entidades que não possuam finseconômicos3.

O atraso no encaminhamento de tão importante texto legal, nas duas casas que compõemo Congresso Nacional, em boa medida decorreu da necessidade de se ajustar os seus termos àConstituição Federal de 19884.

Do ponto de vista da magnitude e do senso de utilidade da empreitada reformista, con-sidere-se que, da legislação especial, o cidadão dela só se utiliza nas oportunidades de recorrên-cia, a cada um de seus institutos específicos. Com o Código Civil se dá diferentemente, porqueeste regula todos os atos do dia a dia das pessoas. O Código Civil é a lei de todo o cidadão porqueé a lei que regula as pessoas, seus atos e, agora, suas ‘empresas’.

A Constituição Federal, como ordenamento máximo é a lei dos sentidos, enquanto que oCódigo Civil, sendo a lei do nascimento, da morte, da família, das obrigações, dos contratos e dasempresas é a lei dos movimentos.

Do ponto de vista lingüístico, no entanto, é fato que desta feita, o Congresso Nacional,diferentemente do que se deu com o Código de Beviláqua, sentiu a ausência de um Ruy Barbosa,senador, tribuno e conhecedor da língua pátria5.

2 O sentido das pandectas está na sinopse das decisões dos antigos jurisconsultos, às quais Justiniano deu força de lei, também conheci-da pelo nome de Digesto. A glosa, exercida pelos glosadores compreendia a interpretação de um texto obscuro. Do termo erudito aindaresultou a palavra glossário que corresponde a dicionário em que se dá explicação de certas palavras antigas ou pouco conhecidas. (CAL-DAS AULETE, Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 5a. Edição, Editora Delta, Rio de Janeiro, 1964, verbetes).

3 Nesta parte a inovação do texto legal apenas ajustou a conceituação dos termos como na prática já se admitia, isto é, a associação estápara as instituições de fins não econômicos, assim como a sociedade está para as instituições de fins econômicos.

4 O professor Miguel Reale informa em seu endereço eletrônico http:/ / www.miguelreale.com.br/ reale/ ncc.htm que, “ ...tanto na Câmarados Deputados – onde, cerca de 1.200 emendas foram objeto de magnífico relatório do deputado Ernani Sátyro – assim como no SenadoFederal, houve várias alterações devidas a sugestões dos membros remanescentes da originária ‘Comissão Revisora e Elaboradora doCódigo Civil’,...”

5 Referimo-nos à ação de Ruy, no Congresso Nacional quando da tramitação do Código Civil anterior, responsável, principalmente, pela suarevisão linguística. Como se sabe, o código de Beviláqua encontrou resistência na voz alt iva daquele monstro sagrado da cultura brasileira,

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Após esta necessária introdução, para melhor conhecer as bases ou os pilares sobre osquais está assentado o novo código, dediquemo-nos ao tema objeto de nosso trabalho: os direitosreais de garantia.

Não se perca de vista o acréscimo propositadamente ajustado ao título: ‘primeiras ano-tações’. Em se tratando de codificação nova tudo o que se escrevesse neste momento a respeitodaquele texto legal, certamente o seria em primeiras notas, ouvindo-se, com o tempo, a doutrinae a jurisprudência que se construirá para melhor conhecimento da essência normativa.

2. SOBRE OS DIREITOS REAIS CONSIDERADOS NO CÓDIGO

No direito positivo brasileiro, a parte compreensiva ‘Dos Direitos Reais’ está assentada, naparte especial, no Livro III, título II do novo código civil, a partir de seu artigo 1.225, cujo corres-pondente, no código anterior, sob o titulo de ‘Dos direitos reais sobre coisas alheias’ encontrava-se a partir dos artigos 674.

O presente e deliberadamente superficial estudo do tema, não tem por finalidade maioresperquirições científicas. Antes, pretende-se apenas promover ligeiro apanhado comparativo entrea lei velha e a lei nova, apontando a evolução do texto e, eventualmente, tecendo despretensiosasconsiderações de natureza crítica quanto ao seu desenvolvimento.

Antes de examinar os direitos reais de garantia criados por lei, necessário nos parece con-ferir, no texto novo, exatamente no seu artigo 1.225, os direitos reais catalogados como tais pelonovo legislador. Diz o nomeado artigo que: ”são direitos reais: - a propriedade, a superfície, asservidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor,a hipoteca e a anticrese”.

Em relação à codificação anterior duas são as inclusões: a superfície e o direito do promi-tente comprador do imóvel. E duas são as exclusões: a enfiteuse e as rendas expressamenteconstituídas sobre imóveis.

Manteve-se a regra original segundo a qual os direitos reais sobre coisas móveis, quandotransmitidos por atos entre vivos, só se adquire com a tradição. (art. 1.226).

Por igual, manteve-se a regra segundo a qual os direitos reais sobre imóveis, constituídosou transmitidos por atos entre vivos, só se adquire após a inscrição ou a transcrição no cartório deregistro de imóveis, salvo expressas exceções legais. (art. 1.227)

3. SOBRE OS DIREITOS REAIS DE GARANTIA – DISPOSIÇÕES GERAIS

Os direitos reais de garantia passam a ser regulados a partir do artigo 1.419, assim redigi-do: “Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica

imortalizado no texto de Ruy, d’a Réplica’. Escreve Américo de Moura sobre este referido escrito dele dizendo: “ ...Réplica do SenadorRuy Barbosa às Defesas da Redação do Projeto da Câmara dos Deputados é o título do vol II dos Trabalhos da Comissão Especial doSenado, no estudo do Projeto do Código Civil. É um volume de quinhentas e noventa e nove páginas de formato grande e tipo pequeno,publicado em 1904 pela Imprensa Nacional. O seu conteúdo já era muito antes dessa data conhecido, porque foi em 31 de dezembrode 1902 que o autor o apresentou à Comissão, de que era presidente.” (Américo de Moura, Rui Barbosa Escritos e Discursos Seletos,Editora Nova Aguilar, 1997, Rio de Janeiro, p. 879). E considere-se que o código só se fez lei em 1916.

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sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.” Constituem, portanto, os direitos reaisde garantia das obrigações: o penhor, a hipoteca e a anticrese.

No código anterior, onde a disposição correspondente era o artigo 755, não se falava embem, mas falava-se da coisa.

Só aquele que tem poderes para alienar pode praticar os atos de empenhar, hipotecar oudar em anticrese. A propriedade superveniente torna eficaz a garantia dada por quem não eradono a contar do registro. (art. 1.420 e § 1º)

A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia na sua totali-dade, sem o consentimento dos demais. Cada um, todavia, pode estabelecer a garantia sobre asua parte. (art. 1.420, § 2º).

O pagamento, pelo devedor de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneraçãocorrespondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa notítulo ou na quitação. (art. 1.421)

O credor garantido tem o direito de excutir a garantia, preferindo a outros credores, obser-vada quanto à hipoteca a prioridade no registro. O código anterior falava na inscrição. Valem,todavia, as exceções criadas por outras leis. (art. 1.422 e parágrafo único).

Resta confirmada a hierarquização dos créditos quando da realização dos pagamentos,como o previsto, por exemplo, na lei de falências. Nesta parte, nota-se, no texto, a coerência doque esteve a pregar o professor Miguel Reale, no que pertinente à saudável convivência das leis.José Costa Loures e Taís Maria Loures Dolabela Guimarães, em oportuna nota a este dispositivo,chamam a atenção para a finalidade da garantia real consistente na expressão excussão, admiti-da esta como subespécie de execução, concluindo que é da essência da garantia real o poderatribuído ao credor de ser pago pelo produto da alienação judicial da coisa dada em garantia,com a exclusão de credores outros, até a integral satisfação de seu crédito.”6.

Noutro passo, mas ainda em torno dessa norma, Maria Helena Diniz destaca o conteúdo danorma insculpida no parágrafo único do artigo 1.422, registrando que ali se consagra o direito àprelação, direito esse que resulta da própria natureza do direito real de garantia, apontando anorma, como exceção, exatamente aquela obrigação cuja preferência ou prelação, resulta dedeterminação com origem noutra lei e que, portanto, deve ser paga com preferência. A autorarecorre-se, como exemplos, aos créditos arrolados no artigo 965 do próprio Código Civil (do títu-lo: das Preferências e Privilégios Creditórios)7.

O credor anticrético tem direito de reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não forpaga. Extingue-se esse direito decorridos 15 (quinze) anos, da data de sua constituição. (art.1423). É preciso, nesta parte, recorrer-se ao estudo em torno dos institutos da prescrição e dadecadência, a partir do artigo 189 do novo código.

Nos contratos, os direitos reais de garantia, (de penhor, anticrese ou hipoteca), devemdeclarar, sob pena de não terem eficácia: I- o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;II- o prazo fixado para pagamento; III- a taxa dos juros, se houver; IV- o bem dado em garantia

6 LOURES, José Costa, e DOLABELA GUIMARÃES, Taís Maria Loures, “Novo Código Civil Comentado, Del Rey, Belo Horizonte, 2002, p.606.

7 DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, Saraiva, São Paulo, 2.002, p. 882.

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com as suas especificações (art. 1.424). Esta disposição, como lembram, em boa nota, CostaLoures e Dolabela Guimarães, consagram o princípio da especialização do bem dado em garantia,o que compreende tornar inconfundível o ato jurídico, especificando-o, distinguindo-o de qualqueroutro8.

A dívida considera-se vencida: I-se, deteriorando-se ou depreciando-se o bem dado emsegurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir; II- se o deve-dor cair em insolvência ou falir; III- se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez quedeste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestaçãoatrasada importa renúncia do credor ou seu direito de execução imediata; IV- se perecer o bemdado em garantia e não for substituído; V- se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótesena qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.(art. 1.425).

O legislador não considerou a possibilidade de o valor total da desapropriação, em relaçãoao valor atribuído à coisa desapropriada, ser insuficiente para resgatar ou para responder pelaobrigação. Teria faltado, no texto, a expressão ‘limitado ao valor da desapropriação’, ou umaexpressão correspondente.

Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização doseguro, ou no ressarcimento do dano em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferên-cia até seu completo reembolso. (art. 1.425, § 1º)

Nos casos dos incisos IV e V anotados, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipula-do, se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta nãoabranger outras; substituindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantiasobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos. (art. 1.425, § 2º)

Havendo, seguro portanto, nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, haverá asub-rogação na indenização do seguro ou no ressarcimento do dano, em beneficio do credor, aquem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso. (art. 1.425, § 1º).

Nos casos já vistos de perecimento ou de desapropriação do bem, só se vencerá a hipote-ca antes do prazo estipulado, se o perecimento ou a desapropriação recair sobre o bem dado emgarantia e esta não abranger outras; subsistindo no caso contrário, a dívida reduzida com a respec-tiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos. (art. 1.425 § 2º).

Nas hipóteses do artigo anterior, de vencimento antecipado da dívida, não se compreendemos juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido. (art. 1.426).

Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obri-gado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize (art.1.427).

É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com oobjeto da garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento. (art. 1.428). Continua no direitobrasileiro inadmitida, como regra, a cláusula do chamado pacto comissório. Trata-se de proteção àparte mais fraca em relação à parte mais forte. A norma subsiste em defesa do chamado hiposu-ficiente.

8 Costa Loures e Dolabela Guimarães, ob. cit. p. 606 e 607.

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Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida. (art. 1.428,parágrafo único). Esta possibilidade construída no parágrafo único do artigo 1.428 não existia nocódigo anterior (o artigo correspondente seria o 765 no código antigo).

Os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na pro-porção de seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo (art. 1.429).

O herdeiro ou sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quo-tas que houver satisfeito. (art. 1.429, parágrafo único). A partir desse artigo será importante aten-tar-se para uma correção que o código fez na utilização dos termos homófonos remissão eremição. São palavras de sentidos distintos. Remição tal como adotado no artigo objeto de nossaatenção, corresponde ao benefício legal que o proprietário da coisa possui para reavê-la, pagan-do-se ao credor a quem está presa a garantia. Já remissão tem o sentido de perdão. Não são, pois,a mesma coisa.

Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamen-to da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante. (art.1.430). A norma correspondente, sem alterações, na codificação ao artigo 767.

Até aqui vimos as chamadas disposições gerais em torno dos direitos reais de garantia,onde, efetivamente, percebe-se, não ocorreu grande alteração em relação ao direito anterior.

4. SOBRE O PENHOR

Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao cre-dor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível dealienação. (art. 1.431). A norma, nesta parte, não contém inovação em relação ao seu correspon-dente artigo anterior (art. 768), a não ser a substituição das expressões tradição por transferên-cia e objeto por coisa. A palavra tradição já compreendia em si a transferência da posse.

No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam empoder do devedor, que as deve guardar e conservar. (art. 1.431, parágrafo único). Finalmente aclausula constituti criada em torno do penhor agrícola e pecuário (código anterior, art. 769), agoracom satisfatória clareza alcança um universo maior de bens, e assim se evitará, espera-se, asdesnecessárias buscas e apreensões com o sempre discutível pedido de remoção de coisas. A ino-vação se apresenta de grande significado.

O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o dopenhor comum será registrado no cartório de títulos e documentos. (art. 1.432). O artigo corres-pondente no código anterior é o de nº 771 e o registro não era obrigatório. Não se pode esquecerdas premissas elencadas pelo professor Miguel Reale, chamando a atenção sobre a necessáriaconivência do código com a legislação esparsa. Em se tratando de penhor, necessário será o levarpermanentemente em conta toda uma série de leis que regulam as mais variadas espécies de pe-nhor, destacando-se a Lei nº 492, de 30.08.37, que regula o penhor rural e as cédulas pignoratícias.

O credor pignoratício tem direito: I- à posse da coisa empenhada; II- à retenção dela, atéque o indenizem das despesas devidamente justificadas, que tiver feito, não sendo ocasionadaspor culpa sua; III- ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada;IV- a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir expressamente o contra-

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to, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração; V- a apropriar-se dos frutos da coisa empe-nhada que se encontra em seu poder; VI – a promover a venda antecipada, mediante prévia auto-rização judicial, sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore,devendo o preço ser depositado. O dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada,substituindo-a, ou oferecendo outra garantia real idônea. (art. 1.433).

Estes dois últimos incisos, não tinham correspondência na codificação anterior. A norma, nacodificação anterior, se disseminava nos artigos nºs. 772, 773 e 774.

O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela,antes de ser integralmente pago, podendo o juiz, a requerimento do proprietário, determinar queseja vendida apenas uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o pagamentodo credor. (art. 1.434). A intervenção do juiz, a requerimento do credor, agora é uma norma.

O credor pignoratício é obrigado: I- à custódia da coisa, como depositário, e a ressarcir aodono a perda ou deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na dívida até a con-corrente quantia, a importância da responsabilidade; II- à defesa da posse da coisa empenhada ea dar ciência, ao dono dela, das circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação pos-sessória; III- a imputar o valor dos frutos, de que se apropriar (art. 1433, inciso V) nas despesasde guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida, sucessivamente; IV- arestituí-la, com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga a dívida; V- a entregar o que sobe-je do preço, quando a dívida for paga, no caso do inciso IV do art. 1433. (art. 1.435).

O acréscimo consiste em que agora o credor pignoratício está obrigado na defesa da posseda coisa empenhada e na imputação do valor dos frutos de que se apropriar na proteção da coisa(sua guarda e conservação). Os seus correspondentes são os artigos 774 e 775 no código anterior.

Extingue-se o penhor: I- Extinguindo-se a obrigação; II- perecendo a coisa; III- renunciandoo credor; IV- confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e de dono da coisa; V-dando-se a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor oupor ele autorizada. (art. 1.436).

A codificação anterior permitia mais uma hipótese de resolução, qual seja a da adjudicaçãoou remição ou venda amigável do penhor, se o permitisse o contrato ou o autorizasse o credor (art.802, inciso IV, do código antigo).

Presume-se a renúncia do credor quando consentir na venda particular do penhor sem reser-va de preço, quando restituir a sua posse ao devedor, ou quando anuir à sua substituição por outragarantia. (art. 1.436, § 1º). Tinha por correspondente no código anterior o artigo 803.

Operando-se a confusão tão somente quanto a parte da dívida pignoratícia, subsistiráinteiro o penhor quanto ao resto. (art. 1436, § 2º). Trata-se da confusão parcial. O correspondenteanterior era o art. 804.

Produz efeitos a extinção do penhor depois de averbado o cancelamento do registro, à vistada respectiva prova. (art. 1.437). Sem correspondência no código anterior.

Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou particular, registrado nocartório de registro de imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas.(art. 1.438). A codificação anterior preferia a expressão penhor agrícola. Na codificação nova openhor rural aparece como gênero.

Prometendo pagar em dinheiro a dívida, que garante com penhor rural, o devedor poderá

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emitir, em favor do credor, cédula rural pignoratícia, na forma determinada em lei especial. (art.1.438, parágrafo único). De se lembrar que em vários textos legais posteriores ao código de 1916,foram sendo instituídas várias modalidades de cédulas (rural, comercial, industrial, de crédito àexportação). Além dessa lembrança, confirmadora da convivência do código com a legislaçãoextravagante, necessário o registro de que, no livro do direito das empresas, os títulos de créditotambém encontram-se regulados nos artigos 887 a 926 nesse novo código.

O penhor agrícola e o penhor pecuário somente podem ser convencionados, respectiva-mente, pelos prazos máximos e 3 (três) e (quatro) anos, prorrogáveis, uma só vez, até o limite deigual tempo. (art. 1.439).

Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que aconstituem (art. 1.439, § 1º). A prorrogação deve ser averbada à margem do registro respectivo,mediante requerimento do credor e do devedor. (art. 1.439, § 2º). As normas do código anteriorsó permitiam penhor agrícola pelo prazo de um ano, admitindo sua prorrogação máxima por seismeses. O penhor de animais só poderia ser estipulado em prazo de até dois anos, com uma pror-rogação. Ao cabo desses prazos deveria o penhor ser excutido ou reconstituído. (art igos 782 e 788e seu parágrafo único do código velho).

Quanto aos prazos, houve uma positiva ampliação, exatamente porque a anualidade anteri-ormente prevista, na prática, não funcionava.

Se o prédio estiver hipotecado, o penhor rural poderá constituir-se independentemente daanuência do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de preferência, nem restringe aextensão da hipoteca, ao ser executada. (art. 1.440). Esta norma representa exatamente o opos-to do que, no código anterior, previa o artigo 783, onde se determinava que a penhor era nulo senão contasse com a anuência do credor hipotecário.

Tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as onde seacharem, por si ou por pessoa que credenciar (art. 1.441). O código anterior se ressentia daausência dessa norma.

Podem ser objeto de penhor: I - máquinas e instrumentos de agricultura; II - colheitas pen-dentes, ou em via de formação; III - frutos acondicionados ou armazenados; IV - lenha cortada ecarvão vegetal; V - animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola. (art. 1.442).

O penhor agrícola que recai sobre colheita pendente, ou em via de formação, abrange a ime-diatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a que se deu em garantia. (art. 1.443).

Se o credor não financiar a nova safra, poderá o devedor constituir com outrem novo pe-nhor, em quantia máxima equivalente à do primeiro; o segundo penhor terá preferência sobre oprimeiro, abrangendo este apenas o excesso apurado na colheita seguinte. (art. 1.443, parágrafoúnico). Norma sem antecedente. Acreditamos que na execução dos penhores poderá haver con-fusão quanto aos créditos do primeiro e do segundo penhor.

Podem ser objeto de penhor os animais que integram a atividade pastoril, agrícola ou de lati-cínios. (art. 1.444). Sem correspondente anterior. Esta disposição está a tratar do penhor pecuário.

O devedor não poderá alienar os animais empenhados sem prévio consentimento, porescrito do credor. (art. 1.445). Quando o devedor pretende alienar o gado empenhado ou, por ne-gligência, ameace prejudicar o credor, poderá este requerer se depositem os animais sob a guar-da de terceiro, ou exigir que se lhe pague a dívida de imediato. (art. 1.445, parágrafo único).

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Observe-se que, manteve-se a regra geral segundo a qual só mediante o sinal da fraude seaceita a remoção dos bens, no caso, dos animais.

Os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortos, ficam sub-rogados nopenhor. (art. 1.446). Presume-se a substituição prevista neste artigo, mas não terá eficácia contraterceiros, se não constar de menção adicional ao respectivo contrato, a qual deverá ser averbada.(art. 1.446, parágrafo único).

Segue o novo código com uma seção especial sobre o penhor industrial e o penhor mercan-til. Esta seção não tinha correspondência no código anterior.

Podem ser objeto de penhor máquinas, aparelhos, materiais, instrumentos, instalados e emfuncionamento, com os acessórios ou sem eles; animais, utilizados na indústria; sal e bens desti-nados à exploração das salinas; produtos de suinocultura, animais destinados à industrialização decarnes e derivados, matérias primas e produtos industrializados. (art. 1.447). Da mesma forma quese chamou atenção anteriormente para outros textos legais, neste passo, pede-se especialatenção para as normas do Decreto-lei nº 413, de 09.01.69.

Regula-se pelas disposições relativas aos armazéns gerais o penhor das mercadorias nelesdepositadas. (art. 1.447, parágrafo único). Assim dispondo, o código nos remete, obrigatoria-mente, a uma legislação que mantém a sua linguagem histórica iniciada com o código comercialimperial.

Constitui-se o penhor industrial, ou o mercantil, mediante instrumento público ou particular,registrado no cartório de registro de imóveis da circunscrição onde estiverem situadas as coisasempenhadas. (art. 1.448).

Prometendo pagar em dinheiro a dívida, que garante com penhor industrial ou mercantil, odevedor poderá emitir, em favor do credor, cédula do respectivo crédito, na forma e para os finsque a lei especial determinar. (art. 1.448, parágrafo único). Esta norma é repetição daquela criadapara o penhor rural no artigo 1.438.

O devedor não pode, sem o consentimento por escrito do credor, alterar as coisas empen-hadas ou mudar-lhes a situação, nem delas dispor. O devedor que, anuindo o credor, alienar ascoisas empenhadas deverá repor outros bens da mesma natureza, que ficarão sub-rogados nopenhor. (art. 1.449).

Tem o credor o direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as ondese acharem, por si ou por pessoa que credenciar. (art. 1.450). Isto corresponde a uma norma gerale assim sendo, poderia tal disposição estar na parte introdutória.

Podem ser objeto de penhor, direitos susceptíveis de cessão, sobre coisas móveis. (art. 1.451).Este artigo inicia a regulação do penhor sobre os títulos de crédito, sendo recomendável analisá-lo em sintonia com as normas dizentes ao instituto. Da mesma forma, oportuno, quando se tratardos valores mobiliários emitidos por sociedades anônimas, analisar o texto em sintonia com a pre-gação legal contida nos artigos 39 e seguintes da Lei nº 6.404, de 15.12.76, Lei de SociedadesAnônimas.

Constitui-se o penhor de direito mediante instrumento público ou particular, registrado noregistro de títulos e documentos. (art. 1.452). O titular de direito empenhado deverá entregar aocredor pignoratício os documentos comprobatórios desse direito, salvo se tiver interesse legítimoem conservá-los (art. 1.452, parágrafo único). A forma em que se encontra redigida a norma, per-

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mite sugerir que se está dando corpo à tese de se admitir os títulos de crédito virtualizados.Revela-se o abandono à documentalidade ou cartularidade dos títulos de crédito. A doutrina e ajurisprudência muito terão dizer a respeito.

O penhor de crédito não tem eficácia senão quando notificado ao devedor; por notificadotem-se o devedor que, em instrumento público ou particular, declarar-se ciente da existência dopenhor. (art. 1.453).

O credor pignoratício deve praticar os atos necessários à conservação e defesa do direitoempenhado e cobrar juros e mais prestações acessórias compreendidas na garantia. (art. 1.454).Resta transferida ao credor a administração da garantia, o que é uma norma geral, freqüentementemitigada pela realidade daqueles negócios que impõe, por lei, tratamento diverso.

Deverá o credor pignoratício cobrar o crédito empenhado, assim que se torne exigível. Seeste consistir numa prestação pecuniária, depositará a importância recebida, de acordo com odevedor pignoratício, ou onde o juiz determinar; se consistir na entrega da coisa nesta se sub-ro-gará o penhor. (art. 1.455). Nota-se que o dispositivo diz respeito não apenas ao penhor sobre títu-los, mas também sobre direitos.

Estando vencido o crédito pignoratício, tem o credor direito a reter, da quantia recebida, oque lhe é devido, restituindo o restante ao devedor; ou a excutir a coisa a ele entregue. (art. 1.455,parágrafo único).

Se o mesmo crédito for objeto de vários penhores, só ao credor pignoratício, cujo direitoprefira aos demais, o devedor deve pagar; responde por perdas e danos aos demais credores ocredor preferente que, notificado por qualquer um deles, não promover oportunamente a cobrança.(art. 1.456). A lei penaliza a inércia e não poderia ser de outra forma.

O titular do crédito empenhado só pode receber o pagamento com a anuência, por escrito,do credor pignoratício, caso em que o penhor se extinguirá. (art. 1.457).

O penhor, que recai sobre título de crédito, constitui-se mediante instrumento público ouparticular ou endosso pignoratício, com a tradição do título ao credor, regendo-se pelas dis-posições gerais deste título e, no que couber, pela presente seção. (art. 1.458). O legisladorandou, inicialmente, preferindo o termo transferência em substituição ao termo tradição. É, pois,possível que, neste caso, a adoção do termo tenha sido um vício decorrente da falta de revisão. Oendosso é instrumento típico do direito cambiário. Agora, a lei estaria a admitir sua substituiçãopelo instrumento notificatório.

Ao credor, em penhor de título de crédito, compete o direito de: I- conservar a posse do títu-lo e recuperá-la de quem quer que o detenha; II- usar dos meios judiciais convenientes para asse-gurar os seus direitos, e os do credor do título empenhado; III- fazer intimar ao devedor do títuloque não pague ao seu credor, enquanto durar o penhor; IV– receber a importância consubstancia-da no título e os respectivos juros, se exigíveis, restituindo o título ao devedor, quando esse solvera obrigação. (art. 1.459). Embora tenha havido substituição de termos, não houve em relação aocódigo antigo, significativas alterações.

O devedor do título empenhado que receber a intimação prevista no inciso III do artigoantecedente, ou se der por ciente do penhor, não poderá pagar ao seu credor. Se o fizer, respon-derá solidariamente por este, por perdas e danos, perante o credor pignoratício. (art. 1.460). Ocorrespondente artigo anterior (art. 794) não compreendia as perdas e danos.

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Se o credor der quitação ao devedor do título empenhado, deverá saldar imediatamente adívida, em cuja garantia se constituiu o penhor. (art. 1.460, parágrafo único). Comporta aqui aanálise da hipótese de se quitar a dívida, sem se estar a quitar o título. No código anterior aquestão era remetida para as perdas e danos (art. 795 do anterior). Imagine-se o caso de ter odevedor pago regularmente ao seu credor, dele tendo obtido quitação, sem ter tido notícia daemissão ou de saque de duplicata. A responsabilidade por perdas e danos, de fato, só poderárecair sobre os ombros do agente do ato.

Podem ser objeto de penhor os veículos empregados em qualquer espécie de transporte oucondução. (art. 1.461). A efetiva utilização desse penhor de veículos poderá inibir (em boa hora,digamos), a utilização indiscriminada da alienação fiduciária em garantia.

Constitui-se o penhor, a que se refere o artigo antecedente, mediante instrumento públicoou particular registrado no cartório de títulos e documentos do domicílio do devedor, e anotado nocertificado de propriedade. (art. 1.462).

Prometendo pagar em dinheiro a dívida garantida com o penhor, poderá o devedor emitir cédu-la de crédito, na forma e para os fins que a lei especial determinar. (art. 1.462, parágrafo único).

Não se fará o penhor de veículos sem que estejam previamente segurados contra furto,avaria, perecimento e danos causados a terceiros. (art. 1.463). Esta combinação de penhor com oseguro, antes não obrigatória é uma inovação que faz sentido.

Tem o credor direito a verificar o estado do veículo empenhado, inspecionando-o onde seachar, por si ou por pessoa que credenciar. (art. 1.464).

A alienação, ou a mudança, do veículo empenhado sem prévia comunicação ao credor impor-ta no vencimento antecipado do crédito pignoratício. (art. 1.465). Parece-nos que a adoção daexpressão ou a mudança diz respeito à mudança do domicílio do veículo, isto é, de seu registro.

O penhor de veículos só se pode convencionar pelo prazo máximo de dois anos prorrogávelaté o limite de igual tempo, averbada a prorrogação à margem do registro respectivo. (art. 1.466).Os artigos 1.461 a 1.466, cuidando do penhor de veículos não têm correspondência no códigoanterior e é preciso ser analisada em função do Decreto-Lei nº 911, de 03.10.69, que cuida da alie-nação fiduciária em garantia.

Instituindo-se o penhor legal, diz a lei que são credores pignoratícios, independentementede convenção: I - os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens,móveis, jóias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivascasas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; II - o dono do prédiorústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmoprédio, pelos aluguéis ou rendas. (art. 1.467). Trata-se de hipótese de penhor legal já tradicional-mente admitido no direito anterior.

A conta das dívidas enumeradas no inciso I do artigo antecedente será extraída conformetabela impressa, prévia e ostensivamente exposta na casa, dos preços de hospedagem, da pen-são ou dos gêneros fornecidos, sob pena de nulidade do penhor. (art. 1.468). A norma é idênticaà do código anterior.

Em cada um dos casos do art. 1.467, o credor poderá tomar em garantia um ou mais obje-tos até o valor da dívida. (art. 1.469). Os credores, compreendidos no art. 1.467, podem fazer efe-tivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora,

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dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem. (art. 1.470). Trata-se de umdos raros casos em que se admite a iniciativa sem a necessidade prévia de uma intervenção daautoridade.

Tomado o penhor, requererá o credor, ato contínuo, a sua homologação judicial. (art. 1.471).Na norma anterior (art. 780 do código antigo), se determinava a iniciativa de citar a parte para,em vinte e quatro horas, pagar ou apresentar defesa. No novo código o que se estaria a homolo-gar seria a garantia, ou seja, o penhor legal, sendo necessário prosseguir-se no processo. O maisviável no caso, seria ou a cobrança ou a monitória, neste caso, protegidas pelo penhor legal. Temosdúvidas sobre a possibilidade da execução, já que não nos parece que os documentos dahospedaria pudessem representar um título, a menos que se emitisse uma duplicata, com a garan-tia do penhor legal. A lei, entrementes, não diz tanto.

Pode o locatário impedir a constituição do penhor mediante caução idônea. (art. 1.472).Considerando-se que caução idônea há de ter por finalidade o pagamento, quanto aos processos,vigeria a norma do artigo anterior.

5. SOBRE A HIPOTECA

Podem ser objeto de hipoteca: I - os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamentecom eles; II - o domínio direto; III - o domínio útil; IV - as estradas de ferro; V - os recursos natu-rais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI - os navios; VII -as aeronaves. (art. 1.473). Em relação ao código anterior, houve a exclusão das minas e daspedreiras e a inclusão das aeronaves sobre as quais, para o legislador de 1916, de fato, não haviaainda despertado interesse. Quanto às minas (e aí incluída a exploração de pedras), o próprio textoestá a remeter-se para a disposição do artigo 1.230.

A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial. (art. 1.473,parágrafo único). Necessário recorrer-se ao Decreto-Lei nº 70, de 20.11.66, à Lei nº 7.652, de03.02.88, alterada pela Lei nº 9.774, de 21.12.98.

A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel.Subsistem os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmoimóvel. (art. 1.474). É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado. (art.1.475). Embora, na prática, a matéria, com freqüência, despertasse certa dúvida, a norma é deuma obviedade de aluvião. Em se vendendo o bem, o gravame vai junto. Não poderia ser diferente.

Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário se o imóvel for alienado. (art. 1.475,parágrafo único). O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediantenovo título, em favor do mesmo ou de outro credor. (art. 1.476). Trata-se da consagração do princí-pio segundo o qual o imóvel pode ser objeto de tantas hipotecas quanto o seu valor suportar. (diz-se hipoteca de graus diferentes, em segunda, em terceira e em quarta hipotecas, por exemplo).

Salvo o caso de insolvência do devedor, o credor da segunda hipoteca, embora vencida, nãopoderá executar o imóvel antes de vencida a primeira. (art. 1.477). Trata-se da sucessividade dashipotecas, de modo que a segunda se submete à primeira, e assim por diante.

Não se considera insolvente o devedor por faltar ao pagamento das obrigações garantidaspor hipotecas posteriores à primeira. (art. 1.477, parágrafo único). A norma sugere que, para se

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obter a declaração de insolvência do devedor, será necessário estabelecer-se um concurso de cre-dores, sob a liderança do primeiro credor hipotecário.

Se o devedor da obrigação garantida pela primeira hipoteca não se oferecer, no vencimen-to, para pagá-la, o credor da segunda pode promover-lhe a extinção, consignando a importância ecitando o primeiro credor para recebê-la e o devedor para pagá-la; se este não pagar, o segundocredor, efetuando o pagamento, se sub-rogará nos direitos da hipoteca anterior, sem prejuízo dosque lhe competirem contra o devedor comum. (art. 1.478). A intenção do texto não pode ter sidooutra se não o fazer do segundo credor hipotecário, o substituto do primeiro, com os benefíciosdessa posição. A norma do código anterior (art. 814) falava na possibilidade da remição pelo cre-dor posterior.

Se o primeiro credor estiver promovendo a execução da hipoteca, o credor da segundadepositará a importância do débito e as despesas judiciais. (art. 1.478, parágrafo único). Oadquirente do imóvel hipotecado, desde que não se tenha obrigado pessoalmente a pagar as dívi-das aos credores hipotecários, poderá exonerar-se da hipoteca, abandonando-lhes o imóvel. (art.1.479). Norma sem correspondente anterior. O uso do termo abandonando seguido do uso dopronome lhes, está a significar mais do que abandono, eis que mais se parece com a entrega dobem, e neste caso, será preciso estar atento para a prova da entrega. Com permitida vênia, aque-le que abandona não faz a entrega da coisa abandonada a ninguém. A expressão buscada no verboabandonar não foi feliz.

O adquirente notificará o vendedor e os credores hipotecários, deferindo-lhes conjunta-mente, a posse do imóvel, ou o depositará em juízo. (art. 1.480).

Poderá o adquirente exercer a faculdade de abandonar o imóvel hipotecado, até 24 (vinte equatro) horas subseqüentes à citação, com que se inicia o procedimento executivo. (art. 1.480,parágrafo único). Como já observamos, não se trata, exatamente, de abandono, ainda mais se seestá a sugerir o abandono de hora marcada.

Dentro em 30 (trinta) dias, contados do registro do título aquisitivo, tem o adquirente doimóvel hipotecado o direito de remi-lo, citando os credores hipotecários e propondo importâncianão inferior ao preço por que o adquiriu. (art. 1.481). Embora a lei não diga, está claro que se tratade direito de ação.

Se o credor impugnar o preço da aquisição ou a importância oferecida, realizar-se-á lici-tação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço, assegurada preferência aoadquirente do imóvel. (art. 1.481, § 1º).

Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o preço proposto pelo adquirente,haver-se-á por definitivamente fixado para a remissão do imóvel, que ficará livre de hipoteca, umavez pago ou depositado o preço. (art. 1.481, § 2º). Se o adquirente deixar de remir o imóvel, sujei-tando-o a execução, ficará obrigado a ressarcir os credores hipotecários da desvalorização que,por sua culpa, o mesmo vier a sofrer, além das despesas judiciais da execução. (art. 1.481, § 3º).

Disporá de ação regressiva contra o vendedor o adquirente que ficar privado do imóvel emconseqüência de licitação ou penhora, o que pagar a hipoteca, o que, por causa de adjudicação oulicitação, desembolsar com o pagamento da hipoteca importância excedente à da compra e o quesuportar custas e despesas judiciais. (art. 1.481, § 4º). A norma tem dois correspondentes nocódigo antigo e que são os artigos 815 e 816.

Necessário lembrar que estas disposições são do direito material, sendo necessário, no

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seu desempenho prático, analisar as hipóteses em concreto, com as ações previstas no códigoinstrumental.

Realizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até queseja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao daavaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Igual direito caberá aocônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado. (art. 1.482). Costa Loures e DolabelaGuimarães abstraem dessa norma o reacendimento de antiga controvérsia sobre a possibilidadeou não de nova penhora sobre o bem remido, quando a remição for feita pelo devedor9.

Ousamos dissentir do nosso ex presidente do Judiciário mineiro e nosso ex-professor paradizer que, a nosso sentir, dúvida não remanesce sobre a possibilidade de nova penhora a partir domomento em que liberado estiver o bem. A norma não tem correspondente anterior.

No caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remissão defere-seà massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação doimóvel. (art. 1.483). Esta norma interfere diretamente no processo falencial e, portanto, tem queser analisada em conjunto com as normas daquele direito concursal.

Pode o credor hipotecário, para pagamento de seu crédito, requerer a adjudicação do imó-vel avaliado em quantia inferior àquele, desde que dê quitação pela sua totalidade. (art. 1.483,parágrafo único).

É lícito aos interessados fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveishipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações eremições, dispensada a avaliação. (art. 1.484). A norma consagra uma prática usual, qual seja ade anotar nos instrumentos de venda e compra, valores diferentes daqueles que realmente prati-cados na operação. Neste caso, os valores oficialmente atribuídos ao negócio, diz a lei, nortearãoa sua eventual alienação forçada.

Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipote-ca, até perfazer 20 (vinte) anos, da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderásubsistir o contrato de hipoteca, reconstituindo-se por novo título e novo registro; e nesse caso,lhe será mantida a precedência, que então lhe competir. (art. 1.485). A lei limita o prazo diferen-temente do código anterior que também o limitava em trinta anos, mas, admite sua reconstituição.

Podem o credor e o devedor, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar a emissão da corre-spondente cédula hipotecária, na forma e para os fins previstos em lei especial. (art. 1.486). Ahipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada, desde que determi-nado o valor máximo do crédito a ser garantido. (art. 1.487). Esta disposição não tinha corres-pondência no código anterior, e vem resolver uma lacuna da nossa legislação que acabava porpropiciar o abuso na utilização da hipoteca e, freqüentemente, sua anulação.

Nos casos deste artigo, a execução da hipoteca dependerá de prévia e expressa concordân-cia do devedor quanto à verificação da condição, ou ao montante da dívida. (art. 1.487, § 1º).Havendo divergência entre o credor e o devedor, caberá àquele fazer prova de seu crédito.Reconhecido este, o devedor responderá, inclusive, por perdas e danos, em razão da superve-niente desvalorização do imóvel. (art. 1.487, § 2º).

9 Costa Loures, Dolabela Guimarães, ob. cit. p. 633.

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Se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir con-domínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou unidade autônoma, se o reque-rerem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada umdeles e o crédito. (art. 1.488). Esta disposição não tem correspondente no código antigo e o direi-to brasileiro dela se ressentia, como forma de se evitar a hipoteca de todo o bem condominial.

O credor só poderá se opor ao pedido de desmembramento do ônus, provando que o mesmoimporta em diminuição de sua garantia. (art. 1.488, § 1º). Salvo convenção em contrário, todas asdespesas judiciais ou extrajudiciais necessárias ao desmembramento do ônus correm por conta dequem o requerer. (art. 1.488, § 2º).

O desmembramento do ônus não exonera o devedor originário da responsabilidade a que serefere o art. 1430, salvo anuência do credor. (art. 1.488, § 3º).

A lei regula a chamada hipoteca legal que confere às seguintes pessoas: I - às pessoas dedireito público interno (art. 41) sobre os imóveis pertencentes aos encarregados da cobrança,guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas; II - aos filhos, sobre os imóveis do paiou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior; III - ao ofen-dido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para satisfação do dano causadopelo delito e pagamento das despesas judiciais; IV - ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhãoou torna da partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente; V - ao credor sobre o imó-vel arrematado, para garantia do pagamento do restante do preço da arrematação. (art. 1.489). Aregra do inciso I, até onde se tem notícia, nunca foi aplicada. Quanto à do inciso V não se conheciaprecedente.

O credor da hipoteca legal, ou quem o represente, poderá, provando a insuficiência dosimóveis especializados, exigir do devedor que seja reforçado com outros. (art. 1.490). A lei nãoesclarece se esse reforço também seria considerado hipoteca legal. É certo que poderá até vir aocorrer tratamento igual, por equiparação, mas se se trata de reforço, certamente, do ponto devista conceitual, este reforço, hipoteca legal não é.

A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública federal ouestadual, recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente; ou por outra garantia acritério do juiz, a requerimento do devedor. (art. 1.491). Sem correspondente anterior. Quando sediz garantia por caução de título da dívida pública, por certo se está a dizer, título corrente.

A pretexto desta renovação da norma legal, tivemos o cuidado de conferir na mais recentedoutrina, a presença de algo que modificasse nosso reiterado entendimento segundo o qual a lei nãoestá a compreender, nesse entrecho, oferecimento de título que não seja título corrente, coisa acre-ditada como valor monetário e financeiro. Felizmente a doutrina não está a dar guarida a uma certadoutrina recente, à base de recomendados pareceres, segundo os quais, os títulos da velha repúbli-ca, do império até, corrompidos pela prescrição e pela legislação que os tornou valores não cir-culáveis (a não ser para sebos e colecionadores) se enquadraria nessa qualidade de títulos públicos.

As hipotecas serão registradas no cartório do lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se otítulo se referir a mais de um. (art. 1.492). Compete aos interessados, exibido o título, requerer o re-gistro da hipoteca. (art. 1.492, parágrafo único). Maria Helena Diniz, recomenda-se na célebre frasede Lacerda de Almeida, para lembrar que hipoteca não registrada é hipoteca não existente 10.

10 Diniz, Maria Helena, ob. cit. p. 935.

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Os registros e averbações seguirão a ordem em que forem requeridas, verificando-se elapela da sua numeração sucessiva no protocolo. (art. 1.493). O número de ordem determina a pri-oridade, e esta a preferência entre as hipotecas. (art. 1.493, parágrafo único). Não se registrarãono mesmo dia duas hipotecas, ou uma hipoteca e outro direito real, sobre o mesmo imóvel, emfavor de pessoas diversas, salvo se as escrituras, do mesmo dia, indicarem a hora em que foramlavradas. (art. 1.494).

Neste passo, recomendando-se na lição de Clovis Beviláqua, melhor elucidam a questãoCosta Loures e Dolabela Guimarães, dissertando sobre a especialidade e a publicidade, assim:Pela especialidade, há hipoteca convencional, obtém-se a determinação precisa da respon-sabilidade e dos imóveis que a ela ficam sujeitos, representado esse complexo no instrumentode sua constituição, segundo as regras rígidas do art. 1.226. Com a especialização nasce umaobrigação de vínculo ainda estritamente pessoal. Já a publicidade, resultante da inscrição doinstrumento constitutivo no Registro Imobiliário, transformando o caráter pessoal da obrigaçãoassumida em direito real, de caráter absoluto, isto é, oponível erga omnnes. No caso de hipote-ca legal, como não há instrumento constitutivo, provindo ela de uma imposição da lei, a espe-cialização se faz em juízo, a requerimento do interessado, servindo a sentença homologatória detítulo hábil para a sua inscrição no registro competente11.

Quando se apresentar ao oficial do registro título de hipoteca que mencione a constituiçãode anterior, não registrada, sobrestará ele na inscrição da nova, depois de a prenotar, até 30 (trin-ta) dias, aguardando que o interessado inscreva a precedente; esgotado o prazo, sem que serequeira a inscrição desta, a hipoteca ulterior será registrada e obterá preferência. (art. 1.495).

Se tiver dúvida sobre a legalidade do registro requerido, o oficial fará ainda assim, a preno-tação do pedido. Se a dúvida, dentro de noventa dias, for julgada improcedente, o registro efetu-ar-se-á com o mesmo número que teria na data da prenotação; no caso contrário, cancelada esta,receberá o registro o número correspondente à data em que se tornar a requerer. (art. 1.496). Anorma do código anterior previa prazo menor, de trinta dias (art. 835 do código antigo).

As hipotecas legais, de qualquer natureza, deverão ser registradas e especializadas. (art.1.497). O registro e a especialização das hipotecas legais incumbem a quem está obrigado aprestar a garantia, mas os interessados podem promover a inscrição delas, ou solicitar aoMinistério Público que o faça. (art. 1.497, § 1º).

As pessoas, às quais incumbir o registro e a especialização das hipotecas legais, estãosujeitas a perdas e danos pela omissão. (art. 1.497, § 2º). Vale o registro da hipoteca, enquanto aobrigação perdurar, mas a especialização, em completando 20 (vinte) anos, deve ser renovada.(art. 1.498).

A hipoteca extingue-se: I - pela extinção da obrigação principal; II - pelo perecimento dacoisa; III - pela resolução da propriedade; IV - pela renúncia do credor; V - pela remição; VI - pelaarrematação ou adjudicação. (art. 1.499). Excluiu-se, em relação à norma correspondente anteri-or (art. 849) a hipótese da sentença passada em julgado.

Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação, no registro de imóveis, do cancelamento doregistro, à vista da respectiva prova. (art. 1.500). A norma anterior contemplava ainda a hipótesedo requerimento de ambas as partes, se capazes e conhecidas do oficial de registro. É certo que

11 Costa Loures e Dolabela Guimarães, ob. cit. p. 638.

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o requerimento por ambas as partes compreende forma de extinção de obrigação. Quanto ao co-nhecimento das pessoas pelo oficial de registro, trata-se de reminiscência só passível da atençãodo legislador no Brasil do princípio do século passado.

Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem quetenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem dequalquer modo partes na execução. (art. 1.501).

As hipotecas sobre as estradas de ferro serão registradas no Município da estação inicial darespectiva linha. (art. 1.502).

Antes de criticar a existência ou a utilidade da norma é preciso ligeira digressão histórica,lembrando-se que as estradas de ferro, no Brasil, nasceram pela obra do Barão de Mauá. Eram,portanto, privadas. Num segundo momento foram erigidas pelas mãos do Estado, rasgando asentranhas desse país continente. Estas estradas de ferro foram se tornando obsoletas na medidaem que se valorizou a chegada das rodovias e do transporte rodoviário. Só muito recentemente,despertando de longo sono é que, mediante privatizações e mediante novas concessões, as fer-rovias foram retomadas.

Ocorre que, verificando-se inadimplemento ou descumprimento de norma regedora da con-cessão, deve o Estado, como autoridade, exercer os seus direitos de concedente e para tanto, taisnormas do código civil seriam dispensáveis. Se motivos de outra ordem determinarem a retomadada concessão, da mesma sorte terá o Estado a seu serviço o instituto da desapropriação. Logo,também por esta razão não seria necessário recorrer-se a tais normas do novo código. Estas con-siderações induzem ao raciocínio de que as normas a respeito da estrada de ferro, quando men-ciona ou regula a chamada do Estado pode ser norma sem utilidade. Nesse ponto não podemosemprestar nossa adesão à conclusão adotada por Costa Loures e Dolabela Guimarães que enten-dem que o Estado, no caso, apenas estaria a exercitar uma antecipação da reversão da concessãooutorgada. Tal não pode ser verdadeiro porque, no caso a lei está a falar em remição mediante opagamento do preço da arrematação ou da adjudicação 12.

Admitindo-se, entretanto, diferentemente, vê-se que tal norma, pela complexidade do querepresenta a planta de uma estrada de ferro necessitava ser mais explícita. De se observar que,considerados isoladamente, os mesmos bens podem ser objeto, inclusive, de outros tipos degravames.

Os credores hipotecários não podem embaraçar a exploração da linha, nem contrariar asmodificações, que a administração deliberar, no leito da estrada, em suas dependências, ou no seumaterial. (art. 1.503).

A hipoteca será circunscrita à linha ou às linhas especificadas na escritura e ao respectivomaterial de exploração, no estado em que ao tempo da execução estiverem; mas os credoreshipotecários poderão opor-se à venda da estrada, à de suas linhas, de seus ramais ou de parteconsiderável do material de exploração; bem como à fusão com outra empresa, sempre que comisso a garantia do débito enfraquecer. (art. 1.504). De se observar que a oposição dos credores àalienação é, então, uma exceção à regra.

Na execução das hipotecas será intimado o representante da União ou do Estado, para,

12 Costa Loures e Dolabela Guimarães, ob. cit. p. 643.

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dentro em 15 (quinze) dias, remir a estrada de ferro hipotecada, pagando o preço da arremataçãoou da adjudicação. (art. 1.505). Diante do fato de se estar a tratar de bens, presumivelmente, departiculares, a norma mais se parece com a possibilidade de uma expropriação da coisa, induzin-do-se o poder público a resgatar dívida privada. A norma anterior era mais feliz, quando reserva-va à pessoa de direito público, apenas a faculdade de se exercer a preferência. (art. 855).

6. SOBRE A ANTICRESE

Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ou credor, ceder-lhe o direitode perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos. (art. 1.506). Anticrese é, pois,direito real sobre imóvel alheio, obtendo o credor a posse da coisa, para dele perceber os frutosou rendimentos, respondendo esses recebimentos, pela obrigação subjacente.

É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel sejam percebidos pelo credor àconta de juros, mas se o seu valor ultrapassar a taxa máxima permitida em lei para as operaçõesfinanceiras, o remanescente será imputado ao capital. (art. 1.506, § 1º). A norma mantém acesaa questão, no momento assaz tormentosa, quanto ao que sejam os juros legalmente aceitos. Eagrava a discussão quando, estando a regular a vida do cidadão comum, utiliza-se da linguagem,em torno dos juros, dizendo taxa máxima permitida em lei para as operações financeiras. Ajurisprudência e a doutrina terão muito trabalho.

Quando a anticrese recair sobre bem imóvel, este poderá ser hipotecado pelo devedor aocredor anticrético, ou a terceiros, assim como o imóvel hipotecado poderá ser dado em anticrese.(art. 1.506, § 2º).

O credor anticrético pode administrar os bens dados em anticrese e fruir seus frutos e uti-lidades, mas deverá apresentar anualmente balanço, exato e fiel, de sua administração. (art.1.507). Este dispositivo não tinha correspondente no código anterior.

Se o devedor anticrético não concordar com o que se contém no balanço, por ser inexato,ou ruinosa a administração, poderá impugná-lo, e, se o quiser, requerer a transformação em arren-damento, fixando o juiz o valor mensal do aluguel, o qual poderá ser corrigido anualmente. (art.1.507, § 1º). Sem correspondente anterior. Esta disposição deve ser analisada em conjunto com anorma da hipoteca aplicável e com as normas da locação.

O credor anticrético pode, salvo pacto em sentido contrário, arrendar os bens dados em anti-crese a terceiro, mantendo, até ser pago, direito de retenção do imóvel, embora o aluguel dessearrendamento não seja vinculativo para o devedor. (art. 1.507, § 2º). O acréscimo está em que, naredação do correspondente artigo anterior, (art. 806), o aluguel não era vinculativo para o devedor.

O credor anticrético responde pelas deteriorações que, por culpa sua, o imóvel vier a sofrer,e pelos frutos e rendimentos que, por sua negligência, deixar de perceber. (art. 1.508).

O credor anticrético pode vindicar os seus direitos contra o adquirente dos bens, os cre-dores quirografários e os hipotecários posteriores ao registro da anticrese. (art. 1.509). Esta dis-posição estabelece o lugar onde se situa o crédito resultante da anticrese na hierarquização doscréditos.

Se executar os bens por falta de pagamento da dívida, ou permitir que outro credor o execute,sem opor o seu direito de retenção ao exeqüente, não terá preferência sobre o preço. (art. 1.509, § 1º).

O credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja

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destruído, nem, se forem desapropriados os bens, com relação à desapropriação. (art. 1.509, § 2º).

O adquirente dos bens dados em anticrese poderá remi-los, antes do vencimento da dívida,pagando a sua totalidade à data do pedido de remição e imitir-se-á, se for o caso, na sua posse.(art. 1.510). Sem correspondente anterior.

7. CONCLUSÃO

A título de conclusão, uma nota final que não poderia deixar de ser considerada, diz respeitoao fato de a dentre nós tão conhecida ‘alienação fiduciária em garantia’ não ter sido regulada den-tre os ‘direitos reais de garantia.’ Preferiu o legislador dar-lhe sede própria, regulando-a a partirdo artigo 1.361, tratando da ‘propriedade fiduciária’ no livro III, do Direito das Coisas, dentro docapítulo ‘Da Propriedade’. Todavia, Maria Helena Diniz, em mais de uma oportunidade não deixade trazer o exemplo da ‘alienação fiduciária’ como direito real de garantia13.

De resto, cumpre registrar que a presente elaboração corresponde apenas a um princípio depesquisa e suas correspondentes primeiras notas. A ela serão oportunamente acrescidas outrasnotas e ainda outras considerações doutrinárias.

José Anchieta da SilvaAdvogado, Mestre em Direito Comercial pela Faculdadede Direito da UFMG e membro Diretor do Depto. deDireito Comercial do Instituto dos Advogados de MinasGerais-IAMG

8. BIBLIOGRAFIA

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DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 8a. Edição, Saraiva, São Paulo-SP, 2002.

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MALUF, Carlos Alberto Dabus, Novo Código Civil Comentado, obra coordenada por Ricardo FIUZA, 1ª edição, Saraiva,

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REALE, Miguel. O Novo Código Civil Brasileiro. Revista da Academia Paulista de Magistrados, nº 1, São Paulo-SP, 2001.

REALE, Miguel. Site do autor http:/ / www.miguelreale.com.br/ reale/ ncc.htm

13 Diniz, Maria Helena, ob. cit. p. 879 e 886.

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En u n c i ad o s

III Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

30/ 06 a 02/ 07/ 2002 - Ipatinga/ MG

TEMA: Direito das Coisas - 80 participantes

Descoberta - arts. 1.233 a 1.237 Orientador: Des. Caetano Levi LopesRelatora: Juíza Danielle Christiane Costa Machado de Castro CottaEnunciados:

1- A autoridade competente a que se refere o parágrafo único do artigo 1.233, para fins de comuni-cação da descoberta e entrega do bem, é o chefe do Poder Executivo municipal ou quem tiver de-legação para tanto.

2- Qualquer outra autoridade que tomar ciência da descoberta e receber o bem deverá encaminhá-loà municipalidade.

3- O percentual da recompensa, havendo restituição, poderá ser ajustado entre os interessados. Emcaso de divergência, será feito arbitramento judicial, observados os requisitos do parágrafo únicodo art. 1.234.

4- Caberá à autoridade competente, no caso de não ter sido restituído o bem, arbitrar o percentualde recompensa. Havendo discordância do descobridor, será feito arbitramento judicial.

5- A municipalidade poderá adjudicar o bem, em caso de não haver licitante em hasta pública, pagan-do a recompensa e as despesas feitas pelo descobridor.

Aquisição Da Propriedade Imóvel - arts. 1.238 a 1.247 Orientador: Juiz Manuel Bravo SaramagoRelator: Juiz Fabiano AfonsoEnunciado:

1- O Novo Código Civil não revogou a Lei nº 6.969/ 81, que disciplina a aquisição por usucapiãoespecial.

Acessão - arts. 1.248 a 1.259 Aquisição Da Propriedade Móvel - arts. 1.260 a 1.274Orientador : Juiz Alberto Aluízio Pacheco de AndradeRelatora: Juíza Maria Aparecida de Oliveira Grossi AndradeEnunciado:

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1- O valor do terreno previsto no parágrafo único do art. 1.255 deve ser calculado sobre a área doimóvel efetivamente ocupada, desde que não haja desvalorização da área remanescente.

Perda da Propriedade em geral - arts. 1.275 a 1.276Direito de vizinhança - Parte I - arts. 1.277 a 1.296 Orientadora: Juíza Selma Maria Marques de SouzaRelator: Juiz Richard Fernando da Silva Enunciados:

1- A interferência prejudicial prevista no art. 1.277 só se configura diante de abuso de direito,podendo ser praticada pelo proprietário, possuidor ou detentor do prédio vizinho.

2- O art. 1.285 deve ser interpretado extensivamente para atender aos fins econômicos e sociaisda propriedade.

3- A fixação da passagem forçada deve atender aos fins econômicos e sociais da propriedade.

Direito de vizinhança - Parte II - arts. 1.297 a 1.313 Orientador: Juiz Pedro Carlos B. MarcondesRelator: Juiz Ronaldo Claret de MoraesEnunciados:

1- A legitimidade ativa para discussão dos direitos mencionados no art. 1.297 se estende ao pos-suidor, exceto a demarcação.

2- Ao facultar ao vizinho, a todo tempo, levantar a sua edificação ou contra-muro, o parágrafoúnico do artigo 1.302 vedou a possibilidade jurídica de o outro vizinho requerer usucapião deservidão de luz.

Condomínio Voluntário e Necessário - arts. 1.314 a 1.330Orientador: Des. Caetano Levi LopesRelator: Juiz Alexandre Quintino SantiagoEnunciados:

1- É relativa a presunção prevista no parágrafo único do art . 1.315.

2- A renúncia prevista no art. 1.316 não exige forma especial, salvo na hipótese do art. 108.

3- Na hipótese do parágrafo 2º do art. 1.316, se o bem comum for indivisível, será vendido naforma do art. 1.322.

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Condomínio Edilício - Parte II - arts. 1.347 a 1.358Orientador: Juiz Alberto Aluízio Pacheco de AndradeRelator: Juiz Fabiano AfonsoEnunciado:

1- A competência do síndico disposta no art. 1.348 é exemplificativa.

Propriedade Resolúvel e Fiduciária - arts. 1.359 a 1.368Orientadora : Juíza Selma Maria MarquesRelator: Juiz Marcelo Pereira da Silva Enunciado:

1- Em decorrência da constitutividade do Registro previsto no art. 1.361, § 1º, está derrogado oartigo 66, § 1º, da Lei nº 4.728/ 65, que era exigido apenas para prevalecer contra terceiros.

Direito de superfície - arts. 1.369 a 1.377Orientador: Juiz Pedro Carlos B. MarcondesRelator: Juiz Rodrigo Moraes Lamounier ParreirasEnunciado:

1- O contrato que der origem ao direito de superfície somente gera efeitos pessoais entre aspartes. A eficácia de direito real só é obtida com o registro imobiliário.

Direitos De Uso, Habitação e Do Promitente Comprador - arts. 1.412 a 1.418Orientador: Juiz Manuel Bravo SaramagoRelator: Juiz Agnaldo Rodrigues PereiraEnunciados:

1- O Código Civil de 2002 consolidou entendimento de que o contrato de compromisso de com-pra e venda confere ao promitente comprador adimplente, desde que inscrito no RI e comcláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade, o direito de pleitear adjudicação compulsória,em face da recusa do promitente vendedor em outorgar a correspondente escritura.

2- Os direitos de uso e habitação estendem-se aos conviventes.

Direito Real De Garantia - Disposições Gerais - arts. 1.419 a 1.430Penhor - Parte I - arts.1.431 a 1.437 Orientador: Juiz Alberto Aluízio Pacheco de AndradeRelator: Juiz Dalton Soares NegrãoEnunciados:

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1- Na ocorrência do vencimento antecipado previsto no artigo 1.425, há que se decotar os jurosembutidos nas prestações vincendas. (art. 1.426)

2- Nos casos em que o devedor mantém a posse da coisa empenhada, pode o credor pignoratícioutilizar-se dos remédios possessórios para proteger o seu interesse na garantia.

Penhor - Parte III - arts. 1.451 a 1.460Penhor de Veículos - arts. 1.461 a 1.466Penhor Legal - arts. 1.467 a 1.472 Orientador: Juiz Pedro Carlos B. MarcondesRelator: Juiz Melchiades Fortes da Silva FilhoEnunciado:

1- O artigo 1.467, II, ao prever o penhor legal sobre os bens do locatário, para garantia dosaluguéis, derrogou a Lei nº 8.009/ 90, nesta parte.

Hipoteca - Parte I - arts. 1.473 a 1.488Orientador: Des. Geraldo Augusto de AlmeidaRelatora: Juíza Sandra Sallete Silva Mendes Martins Enunciado:

1- O termo “abandono” contido nos artigos 1.479 e 1.480, parágrafo único, tem a significaçãojurídica de entrega do bem dado em garantia ao credor, com a finalidade de se exonerar dahipoteca.

Hipoteca - Parte II - arts. 1.489 a 1.505Anticrese - arts. 1.506 a 1.510Orientador: Des. Caetano Levi lopesRelator: Juiz Ronaldo Claret de MoraesEnunciados:

1- A taxa máxima de juros a que se refere o § 1º do art. 1.506 é a prevista no Decreto nº22.626/ 33, até a edição de lei específica.

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IV Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

02 a 04/ 08/ 2002 - Montes Claros/ MG

D i a 0 2 / 8 / 0 2 - S ex t a -f e i r a

16h às 18h Credenciamento19h30min Abertura

Pronunciamentos- Des. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins

2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Superinten-dente da Escola Judicial Des. Edésio Fernandes - EJEF

- Dr. Doorgal Gustavo Borges AndradaPresidente da AMAGIS

20h Palestra: A Unificação das Obrigações Civis e Mercant is no Código Civil de 2002- 60 minutos - Expositor: Prof. Francisco Amaral (RJ) - Debates - 30 minutos

D i a 0 3 / 8 / 0 2 - S áb ad o

8h30min Palestra: A Transmissão das Obrigações - Perfil Jurídico Renovado - 60 min- Expositora: Profª Lúcia Massara (MG)

9h30min Discussão - 60 minutos

Grupo I - Modalidades das obrigações - arts. 233 a 285Grupo II - Transmissão das obrigações - Parte I - Cessão de Crédito - arts. 286 a 298Grupo III - Transmissão das obrigações - Parte II - Assunção de dívida - arts. 299 a 303Grupo IV - Adimplemento e extinção das obrigações - Parte I - Pagamento - arts. 304

a 333Grupo V - Adimplemento e extinção das obrigações - Parte II - Outras modalidades -

arts. 334 a 388Grupo VI - Inadimplemento das obrigações - arts. 389 a 420

11h Plenária - 90 minutos

15h30min Palestra: Títulos de Crédito - Visão Geral - 60 minutos- Expositor: Prof. José Mauro Catta Preta Leal (MG)

16h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

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Pr o g r am aç ão

IV Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

02 a 04/ 08/ 2002 - Montes Claros/ MG

Grupo I - Atos unilaterais - Parte I a) Promessa de recompensa - arts. 854 a 860b) Gestão de negócios - arts. 861 a 875

Grupo II - Atos unilaterais - Par te IIa) Pagamento indevido - arts. 876 a 883b) Enriquecimento sem causa - arts. 884 a 886

Grupo III - Títulos de crédito - Parte I - Disposições gerais - arts. 887 a 903 Grupo IV - Títulos de crédito - Parte II -

a) Títulos ao portador - arts. 904 a 909b) Títulos à ordem - arts. 910 a 920c) Títulos nominativos - arts. 921 a 926

Grupo V - Obrigação de indenizar - arts. 927 a 943Grupo VI - Indenização - arts. 944 a 954

Preferências e privilégios creditórios - arts. 955 a 965

18h Plenária - 90 minutos

19h30min Encerramento

D i a 0 4 / 8 / 0 2 - D o m i n g o

8h30min Palestra: A Sucessão Legítima no Código Civil de 2002 - 60 minutosExpositor: Prof. Salomão Cateb (MG)

9h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Sucessão em geral - arts. 1.784 a 1.828Grupo II - Sucessão legítima - arts. 1.829 a 1.856Grupo III - Sucessão testamentária - Parte I

a) Disposições gerais - arts. 1.857 a 1.861b) Formas ordinárias do testamento - arts. 1.862 a 1.880c) Codicilo - arts. 1.881 a 1.885

Grupo IV - Sucessão testamentária - Parte IIa) Testamentos especiais - arts. 1.886 a 1.896b) Disposições testamentárias - arts. 1.897 a 1.911

Grupo V - Sucessão testamentária - Parte IIIa) Legados - arts. 1.912 a 1.940b) Direito de acrescer e substituições - arts. 1.941 a 1.960c) Outras disposições - arts. 1.961 a 1.990

Grupo VI - Inventário e Partilha - arts. 1.991 a 2.027

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IV Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

02 a 04/ 08/ 2002 - Montes Claros/ MG

11h Plenária - 90 minutos

Coordenador dos Grupos de Discussão- Juiz José Nepomuceno da Silva (TAMG)

Orientadores- Des. Geraldo Augusto de Almeida (TJMG)- Juiz Caetano Levi Lopes (TAMG)- Juiz Manuel Bravo Saramago (TAMG)- Juíza Tereza Cristina da Cunha Peixoto (TAMG)- Juíza Selma Maria Marques de Souza (7ª Vara Cível da Capital)- Juiz Pedro Carlos Bitencourt Marcondes (2ª V. Faz. Pública e Autarquias da Capital)

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Pa l es t r a

IV Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

02 a 04/ 08/ 2002 - Montes Claros/ MG

DA SUCESSÃO LEGÍTIMA NO CCB/ 2002

Embora o tema sob minha responsabilidade seja “Da Sucessão Legítima”, gostaria, antes, dediscutir o “mérito” , formular algumas “preliminares”, essenciais ao entendimento da matéria.

1 - Dispõe o art. 2.041 do CC/ 2002 que “as disposições deste Código, relativas à ordem da vocaçãohereditária (arts. 1.829 a 1.844), não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência” ,prevalecendo o disposto na lei anterior.

Significa, portanto, que teremos de conviver com os dois Códigos por algum tempo, em se tratan-do de sucessão mortis causa. A todos os óbitos ocorridos até 10 de janeiro de 2003, aplicar-se-áo Código de 1916, quanto ao chamamento e distribuição da herança a ser inventariada. Todos osprocessos de inventário e arrolamento que estão ou forem ajuizados até a data de início de vigên-cia do novo Código, continuarão a reger-se pelo Código atual, conjuntamente com o que estiverestabelecido no CPC.

2 - Ao tratar de aceitação e renúncia de herança, o art. 1.804 estabelece que a aceitação da herançatorna definitiva a sua transmissão aos herdeiros, concluindo o art. 1.812 que, uma vez feita aaceitação, o ato é irrevogável, semelhante àquilo que ocorria com a renúncia. Pelo Código atual(1916), somente a renúncia é irrevogável, ocorrendo, portanto, modificação no instituto, salvoquando o ato é praticado, revelando vício de consentimento ou de manifestação errônea da von-tade. O Código de 1916 revela que a renúncia deve ser manifestada por escritura pública ou termojudicial; o novo Código troca escritura pública por instrumento público e mantém termo judicial.

À primeira vista há uma contradição: a legislação brasileira adotou a teoria da “saisine”, isto é,transmite-se a herança, independentemente da manifestação do herdeiro. Não há, portanto, na leibrasileira, a delação. No entanto, na matéria sob comento, aceita a herança, seria ela irrever-sível, contrariando o disposto no art. 1.792, que declara não ser o herdeiro responsável porencargos superiores às forças da herança. É um problema a ser apreciado pelos Tribunais.

Na prática, hoje, é comum a renúncia ser expressa por documento particular, com firma reco-nhecida, e uma petição do advogado ao juiz do feito. Diante desse quadro, o juiz deve mandarlavrar o termo de renúncia, que poderá ser assinado pelo advogado, desde que tenha poderesespeciais na procuração. O resultado será a renúncia por termo judicial.

O CCB/ 2002 é taxativo, declarando que “a renúncia da herança deve constar expressamente deinstrumento público ou termo judicial (art. 1.806).”

Salomão de Araújo Cateb

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3 - Na exclusão por indignidade, o novo Código é bem mais elástico, amplo, excluindo os herdeirosou legatários que praticarem atos ilícitos, civis ou criminais, contra a pessoa de cuja sucessãose tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente. Igualmente, o agente seráexcluído se participar do ato como autor, co-autor ou partícipe de homicídio doloso ou tentati-va deste, bem como praticar ato contra a honra do autor da herança ou de seu cônjuge oucompanheiro e, finalmente, por violência ou meios fraudulentos, inibir ou obstar o autor da he-rança de fazer testamento. De forma idêntica, deverá existir uma ação ordinária, instruída comamplo e constitucional direito de defesa, para culminar com a sentença que declara o herdeiroexcluído do processo sucessório.

3.1 - Merece destaque o art. 1.818 do Novo Código, permitindo a reabilitação ou perdão doherdeiro excluído, devendo o t itular do patrimônio perdoar, expressamente, em testa-mento ou em outro ato autêntico.

No parágrafo único - “não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em tes-tamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade,pode suceder no limite da disposição testamentária”. Essa norma pôs um ponto final àcontrovérsia alimentada pelos doutrinadores.

4 - Os arts. 1.824 a 1.828 são novidades: tratam da petição de herança, matéria que era do CPCe foi transportada para o Código Civil. Assim, o herdeiro pode, em ação de petição de herança,demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ouparte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua.

A partir da citação, a responsabilidade do possuidor se há de auferir pelas regras concernentesà posse de má-fé e à mora. No entanto, “são eficazes as alienações feitas, a título oneroso,pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé” (parágrafo único do art. 1.827), antes de citadopara a ação de petição de herança.

Sobre o assunto já trataram os profs. Caio Mário e Orlando Gomes, entre outros.

5 - Bem, tratemos agora do “mérito” do tema, ou seja, da sucessão legítima. Alguns tópicos, comoserá visto, nos chamam à atenção, pela forma instigante que se dispõem, pelas novidades, pelaambigüidade, pela complexidade. Passemos a discutir algumas dessas questões...

Sucessão legítima decorre em virtude da lei, que regula a transmissão da herança deixada pelode cujus para seus herdeiros. Essa transmissão se faz de acordo com a ordem da vocaçãohereditária, ou seja, uma escala que atribui a determinada classe a preferência quase absolu-ta, excluindo as classes seguintes.

A origem dessa ordem remonta ao direito romano, no período da realeza, portanto, a primeirafase da evolução da sociedade romana. Surgiu, como forma de legalização primitiva, ainda naLei das XII Tábuas, depois com lei Falcídia, mas somente com Justiniano, nas Novelas 118, doano 543, e na 127, do ano 548, se fixou de forma definit iva, trazendo para nós um espelho, ummodelo, aprimorado de acordo com a condição social de cada país.

A ordem da vocação hereditária, introduzida pelo artigo 1.829, modificou, substancialmente, adistribuição da herança. Houve, portanto, profunda modificação às normas dos artigos 1.603 esegs. do Código Beviláqua, aproximando-se a nova ordem jurídica às existentes em diversosoutros países. Assemelha-se o novo diploma aos códigos italiano, português, espanhol, argenti-

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no, chileno, entre outros.

O cônjuge passou a ser herdeiro necessário, cerceando um pouco mais a liberdade de testardo consorte. O art. 1.789, que estabelece poder ao testador de dispor da metade da herança,quando há herdeiros necessários, não visa, tão-somente, os descendentes ou ascendentes - oque ocorre até a presente data - mas abrange o cônjuge, que passou a herdeiro necessário.

Como herdeiro necessário o cônjuge pode ser excluído por deserdação.

O cônjuge concorre com os descendentes e com os ascendentes.

Para que o cônjuge supérstite concorra, impõe, a lei, condições, contidas no art. 1830, ipsislitteris: “somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente que, ao tempo damorte do outro, não estavam separados judicialmente (o que é óbvio), nem separados de fatohá mais de 2 (dois) anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impos-sível sem culpa do sobrevivente”. Assim, a separação de fato pode resultar em exclusão docônjuge sobrevivente, caso tenha ocorrido por sua culpa.

5 -“É difícil, senão impossível, aferir culpa pelo desfazimento da união conjugal, pois, quandofenece o amor, se torna dramático analisar o espólio da relação havida. Em regra, cuida-se ape-nas da causa imediata da ruptura, desconsiderando que o rompimento é resultado de umasucessão de acontecimentos e desencontros próprios do convívio diuturno, em meio, também,às próprias dificuldades pessoais de cada um. Afasta-se o exame da culpa se dela não se extraiqualquer conseqüência jurídica imediata” .

O legislador se volta para uma discussão antiga, que aponta quem deu causa à separação. Omoderno Direito de Família busca outro porto, ou seja, a supremacia do afeto, mais importanteaté, que o elemento biológico e o patrimônio. O processo de inventário não pode servir depalco de discussões, para apurar-se culpa de quem deu causa à separação, envolvendo, inclu-sive, o de cujus.

Por outro lado, dependendo do regime de bens, adotado no casamento, poderá ou não o côn-juge concorrer.

Se o regime adotado for o da comunhão universal, da separação obrigatória ou da comunhãoparcial, sem bens particulares, não haverá a concorrência.

Se, ao contrário, no casamento tiverem adotado o regime da comunhão parcial e o falecidotinha bens particulares, ou na separação total voluntária ou convencional, ou, ainda, no regimede participação final nos aqüestos, haverá a concorrência, chamando-se o cônjuge para rece-ber uma parcela com os descendentes.

Que são bens particulares? Na data da celebração das núpcias é fácil indicá-los. No entanto, pas-sados muitos anos e não sendo os bens imóveis, como poderão ser estes bens identificados?

Vale lembrar que a herança será calculada sobre todos os bens que compõem o acervo here-ditário e não somente os bens particulares, como lembra Maria Helena Diniz.

5.1 - Com os descendentes temos estas hipóteses:

- se o falecido deixou até três filhos, a partilha se faz por cabeça, dividindo-se a herançaem partes iguais, entre os filhos e o cônjuge;

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- se o falecido deixou quatro filhos ou mais, filhos do cônjuge sobrevivente, este teráassegurado um quarto da herança e os restantes três quartos serão divididos entretodos os demais filhos;

- se, ao contrário, o falecido deixou filhos do primeiro casamento e o cônjuge sobreviventenão gerou filhos com o autor da herança, o supérstite receberá parcela igual à de qual-quer herdeiro-descendente.

- se o falecido deixou filhos de dois casamentos e o cônjuge sobrevivente é ascendentede parte dos herdeiros, caberá ao Judiciário dividir essa herança, porque tal hipótesenão foi resolvida pelo Novo Código Civil. Deverá o juiz aplicar as normas do art. 1.832,isto é, calcular o monte destinado às legítimas, dividir esse monte pelo número de fi-lhos, acrescer o cônjuge e fazer um segundo cálculo, separando um tanto para os filhosdos quais é o cônjuge ascendente e outro tanto para os demais filhos. À primeira vistao cálculo é complexo, mas, na prática, em sala de aula, demonstrei a simplicidade dasoperações.

5.2 - Quando o cônjuge supérstite concorre com os ascendentes, pouco importa o regime debens do casamento, porque o cônjuge receberá sempre, desde que não ocorra a hipótesedo art. 1.830 do CCB. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocaráum terço da herança, isto é, havendo pai e mãe, a divisão será por cabeça, um terço paracada um; igual procedimento haverá se houver um só ascendente, quando a herança serádividida meio a meio; se os ascendentes forem de outro grau (avós, por exemplo), caberáao cônjuge metade da herança e a outra metade tocará aos ascendentes.

5.3 - Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjugesobrevivente, desde que, evidentemente, não acolha as hipóteses do art. 1.830.

5.4 - Ao cônjuge sobrevivente será assegurado o direito real de habitação, relativamente aoimóvel destinado à residência da família, desde que seja o único dessa natureza a inven-tariar, qualquer que seja o regime de bens do casamento, sem prejuízo da participaçãoque lhe caiba na herança. Deixa de existir o usufruto vidual, previsto no parágrafoprimeiro do art. 1.611, do Código de Beviláqua.

6 - E a companheira (ou companheiro)?

Novas regras foram introduzidas ao Código de 2002. Primeiramente, cabe destacar que o le-gislador regulou os direitos dos companheiros em local impróprio, ou seja, no início do livro dassucessões, nas disposições gerais, e não na ordem de vocação hereditária. O companheiroocupa uma posição semelhante à do cônjuge sobrevivente.

É bom lembrar que o Novo Código faz dist inção entre companheiro e concubino (arts. 1.723e 1.727), declarando que não se constituirá união estável se ocorrerem os impedimentospara o casamento, e as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos decasar, constituem concubinato.

A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiri-dos onerosamente na vigência da união estável.

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Temos: bens havidos na vigência da união, aquisição onerosa, unicamente. Essa é uma conse-qüência do art. 1.725, segundo o qual institui-se regime de bens semelhante ao regime legal,isto é, de comunhão parcial. Assim, a companheira (o companheiro) participa da meação, rela-tivamente aos bens adquiridos na constância da união estável. É justo, portanto, que a com-panheira participe da meação dos bens, cujo patrimônio ajudou a construir.

O direito da companheira ou do companheiro, quanto a herança, será:

- se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que, por lei, foi atribuí-da ao filho;

- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que coubera cada um daqueles;

- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Como já foi dito, esse artigo não constava do projeto primitivo. Foi acrescentado por emendado senador Nélson Carneiro, a emenda nº 1 358, quando ainda do projeto de Código Civil.Após a aprovação da Câmara dos Deputados, em 1984, esse foi enviado para o Senado.

Segundo alguns doutrinadores (o que se pode verificar com a simples leitura dos textos), o art.1.790 do Código Civil é um retrocesso na sucessão entre companheiros. Comparando-se coma legislação em vigor- Leis 8.971/ 94 e 9.278/ 96, constata-se a inferioridade que foi imposta àcompanheira (ou companheiro), sem justificativa plausível, quer de ordem moral, social oujurídica, para uma mudança de atitude tão radical do legislador.

É importante dizer que as Leis 8.971/ 94 e 9.278/ 96 não outorgaram tão largos direitos aoscompanheiros. O que, realmente, houve foi precipitada interpretação dirigida de alguns doutri-nadores interessados, conduzindo a opinião pública para incorreta seara.

Lembra Zeno Veloso que “as famílias constituídas pelo afeto, pela convivência, são merecedo-ras do mesmo respeito e tratamento dados às famílias matrimonializadas. A discriminaçãoentre elas ofende, inclusive, fundamentos constitucionais” .

O companheiro e a companheira ficam numa situação de extrema inferioridade, quanto àsucessão, diante do marido e da mulher. Note-se que a herança destinada ao companheirosobrevivente é limitada aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, o querepresenta uma restrição, considerada injustificável por alguns doutrinadores.

Autores há que querem uma pacificação (uma real e efetiva paridade jurídica) entre uniãoestável e casamento, matéria que foi amplamente debatida no último Congresso de Família,promovido pelo IBDFAM.

Segundo Gisela Maria Fernandes Novais Hironaka “o retrocesso e a injustiça perpetrada con-tra os que escolhem viver em uniões estáveis é flagrante. Como sempre pensei, desde aConstituição de 1988, toda aquela construção de igualdade das famílias, tendo em vista as dis-tintas modalidades de sua composição, enquanto entidade, não passava de mera balela. Aunião estável foi e continua sendo considerada ‘apenas um casamento de segunda categoria’,infelizmente”.

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Realmente, a companheira, pelo inciso II do art. 21, da Lei 8.971/ 94, herda a totalidade, nafalta de descendentes e ascendentes. Pelas novas regras, enquanto existir um herdeiro cola-teral de 4º grau, a companheira receberá, tão-somente, um terço da herança.

A companheira (ou companheiro) perdeu o direito real de habitação, anteriormente previsto naLei 9.278/ 96. Alguns doutrinadores entendem que o art. 71, parágrafo único, da Lei 9.278/ 96não foi revogado pelo Novo Código. É bastante discutível se essa disposição do referido diplo-ma legal estaria vigorando.

7 - Algumas outras modificações merecem ser anotadas:

O art. 1.798 legit ima a sucederem somente as pessoas nascidas ou já concebidas no momen-to da abertura da sucessão. Têm legitimidade, também, os filhos, ainda não concebidos, depessoas indicadas pelo testador; terão direito, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão,as pessoas jurídicas constituídas, ou cuja organização foi determinada pelo testador, sob aforma de fundação.

Em se tratando de filhos de pessoas vivas (prole eventual), os bens da herança ficarão a cargode um curador, nomeado pelo juiz, em primeiro lugar, pelos pais e, em sua falta, as pessoasindicadas no art. 1.775.

Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendi-mentos. Se, no entanto, decorridos 2 (dois) anos após a abertura de sucessão, não for conce-bido o herdeiro esperado, os bens reservados caberão aos herdeiros legítimos, salvo dis-posição em contrário do testador.

8 - O artigo 1.843 do Novo Código, torna explícita uma regra já existente: na falta de irmãos, her-darão os filhos destes, e não os havendo, os tios. Embora ambos estejam no 3º grau, a lei sem-pre deu guarita aos descendentes.

9 - A legítima é calculada (art.1.847) pelo valor de bens existentes na abertura da sucessão, abati-das as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitosà colação.

10 - Clausular a legítima tornou-se mais difícil. A regra, introduzida pela Lei Feliciano Pena, em1907, um marco avançado à época, mereceu reparos, em face dos exageros, evolução social,conquistas de direitos por parte da mulher, sua igualdade absoluta. Agora, para tornar umalegítima inalienável, impenhorável e incomunicável, necessário que o autor da herança declare,em testamento, a justa causa.

A generalidade tomada pelo legislador prejudica, em parte, o bom relacionamento familiar.Entendemos que a incomunicabilidade não deveria estar inserida no art. 1.848, mas, tão-somente, a inalienabilidade e a impenhorabilidade.

O Novo Código não mais permite ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítimaem outros de espécie diversa e, o que é mais importante, permite que os bens gravados, medi-ante autorização judicial e, havendo justa causa, possam ser alienados, convertendo-se o pro-duto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros (vide art. 1.723 e 1.677do Código atual).

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11 - Embora o tema seja sucessão legitima, considero da maior importância o estudo das novasnormas sobre o testamento.

Sempre defendi o uso do testamento, por ser a mais autentica manifestação de vontade do ti-tular do patrimônio, ou, talvez, o que há de mais imposit ivo e livre no direito de propriedade.

O Novo Código Civil determina que os testamentos público e cerrado precisarão de somente2 (duas) testemunhas, enquanto impõe a presença de 3 (três) testemunhas para o testamen-to particular.

O testamento público deixa de ser tão solene, para assumir uma posição mais atual. Assim, astestemunhas testamentárias não precisarão permanecer na sala do início ao fim do ato, mas,tão-somente, depois de lavrado o instrumento pelo tabelião ou por seu substituto legal, astestemunhas serão introduzidas no recinto para ouvir a leitura, em voz alta, que será proferidapelo tabelião ao testador, ou pelo próprio testador, se for do seu interesse.

Ora, ao fazer o testamento público, o testador pode servir-se de minuta, notas ou apontamen-tos, o que quer dizer, poderá o testador encaminhar essa minuta ao tabelião, o qual lançará nolivro de notas o testamento, procedendo à leitura regimental, em seguida, na presença de duastestemunhas. O testamento pode ser escrito manual ou mecanicamente, bem como ser feitopela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livros ou notas, desde querubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.

O Novo Código, seguindo a melhor jurisprudência ditada pelos Tribunais, quer que o testa-mento prevaleça, como legítima manifestação do testador. Se o autor da herança já faleceu,deve sua vontade ser cumprida, mesmo com redução das disposições testamentárias, adespeito da contrariedade dos eternos inimigos do testamento, que são os herdeirosnecessários. Se o testamento diminui as parcelas dos herdeiros necessários (respeitando aslegítimas), é claro que esses herdeiros prejudicados (?) se levantam contra a manifestação davontade do testador.

O art. 1.859 fixa prazo de 5(cinco) anos, contados da data do seu registro, para que qualquerherdeiro possa impugnar a validade do testamento. A fixação desse prazo não encontra simi-lar no Código de Beviláqua.

A propósito, aberta a sucessão, o testamento deverá ser apresentado em juízo, mandando omagistrado citar todos os herdeiros legít imos. Far-se-á, assim, a abertura, publicação e registrodo testamento, iniciando-se o prazo para impugnação da manifestação de última vontade doautor da herança. A apresentação do testamento continua a ser regida pelos arts. 1.125 esegs. do CPC.

Finalmente, resta lembrar que o CCB/ 2002, considerando indivisível a herança, até a partilha,estabelece que administração da herança far-se-á de acordo com as normas relativas ao con-domínio (parágrafo único, art. 1.791), podendo o herdeiro ceder total ou parcialmente o seudireito mediante escritura pública. O co-herdeiro não poderá ceder sua quota hereditária a pes-soa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto, devendo, no entanto,previamente, o herdeiro obter a autorização judicial para a cessão do direito.

O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositando o valor, haverpara si a quota cedida a estranho, desde que a requeira em juízo até 180 (cento e oitenta) dias,

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contados da transmissão. Sendo vários os co-herdeiros, todos terão, igualmente, o direito, pro-porcionalmente.

O direito sucessório marca, assim, o horizonte complexo em que se inserem as relações jurídi-co-possessórias, indicando que estamos a presenciar um processo de mudanças, muitas delasainda não totalmente assimiladas pelo legislador. Caminhando paripassu ao direito de Família,novas alterações haverão de surgir e uma nova feição jurídico-social formará o Direito civil dostempos atuais.

O dep. Ricardo Fiúza já apresentou ao Congresso dois (2) projetos de leis, alterando perto de230 artigos do CCB/ 2002. Tem-se notícias de vários outros projetos que foram encaminhadosà Câmara dos Deputados.

“O direito existe para se realizar. A realização é vida, é a verdade do direito, é o próprio dire-ito. O que realmente não sucede, o que só tem existência nas leis e no papel, é unicamente umespectro do direito, meras palavras e mais nada”. (Rudolf Von Ihering, o Espírito do direitoRomano, Ed. Alba, Rio de janeiro, 1943, p.16 ).

O juiz não pode ser um simples aplicador da lei, mas a balança que equilibra a lei e o direito,distribuindo a Justiça.

O aplicador da lei é, e será eternamente, estudante de Direito, potencialmente, cientista,artista, e deverá estar sempre pronto para os embates das lides processuais. O inventário, adespeito de ser considerado pelo CPC processo contencioso, não deve se alongar. A próprialei determina que deve ser concluído no prazo de seis (6) meses.

O Juiz, condutor do processo, para distribuir Justiça, não pode deixar-se ofuscar com tantosrequerimentos de advogados, e mesmo do Ministério Público, retardando a partilha, entre-gando ao herdeiro o instrumento para o exercício do seu direito, outorgado pela Lei e pelo fale-cido no exato momento de sua morte.

Agradeço à direção da Escola Judicial pelo honroso convite e, especialmente, aos Srs. Juízesque, pacientemente, ouviram essas observações elaboradas por mim, eternamente estudantedo Direito. Muito obrigado.

Salomão de Araújo Cateb

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IV Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

02 a 04/ 08/ 2002 - Montes Claros/ MG

TEMA: Direito das Obrigações / Direito das Sucessões - 85 participantes

Transmissão das obrigações - Parte II - Assunção da dívida - arts. 299 a 303

Orientador: Juiz Manuel Bravo Saramago

Relator: Juiz Fabiano Afonso

Enunciados:

1- A restauração do débito a que se refere o art. 301 não atinge direitos de adquirente de boa-fé.

2- A notificação tratada no art. 303 poderá ser judicial ou extrajudicial.

Adimplemento e extinção das obrigações - Parte II - Outras modalidades - arts. 334 a 388

Orientadora: Juíza Selma Maria M. de Souza

Relator: Juiz Michel Curi e Silva

Enunciados:

1- A remissão da dívida, prevista no art. 385, contempla o princípio da boa-fé objetiva.

2- O art.335 preserva implicitamente o concurso de preferência previsto no art. 973, VI, do Códigode 1916.

Atos unilaterais - Parte I

a) Promessa de recompensa - arts. 854 a 860

b) Gestão de negócios - arts. 861 a 875

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relator: Juiz Antônio Augusto Calaes de Oliveira

Enunciado:

1- O prejuízo a que se refere a parte final do art. 869, suportado pelo gestor, abrange o decorrentede ato ilícito. O dono do negócio tem direito de regresso contra o causador do dano.

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Atos unilaterais - Parte II

a) Pagamento indevido - arts. 876 a 883

b) Enriquecimento sem causa - arts. 884 a 886

Orientador: Juiz Manuel Bravo Saramago

Relator: Juiz Carlos Roberto de Faria

Enunciados:

1- No caso da repetição de que trata o art. 882, o juiz poderá apreciar, de ofício, matéria referenteà prescrição, não incidindo, na hipótese, o previsto no art. 194.

2- A obrigação de restituir o valor indevidamente auferido, atualizado monetariamente, abrange,também, a incidência dos juros de mora. ( art 884 )

Títulos de crédito - Parte I - Disposições gerais - arts. 887 a 903

Orientadora: Juíza Tereza Cristina da Cunha Peixoto

Relator: Juiz Delvan Barcelos Júnior

Enunciado:

1- Os bens particulares e os da meação do cônjuge que anuiu ao aval não respondem pelo cumpri-mento da obrigação garantida.

Obrigação de indenizar - arts. 927 a 943

Orientador: Juiz Pedro Carlos B. Marcondes

Relator: Juiz Richard Fernando da Silva

Enunciados:

1- A responsabilidade do incapaz, prevista no art. 928, é subsidiária.

2- A responsabilidade, prevista no artigo 933, é relativa, pressupondo a ilicitude da conduta docausador do dano.

Sucessão legítima - arts. 1.829 a 1.856

Orientadora: Juíza Tereza Cristina da Cunha Peixoto

Relator: Juiz Antônio José Franco de Souza Pêcego

Enunciado:

1- A manifestação de vontade do testador será respeitada, caso se torne incapaz para aditar o tes-tamento (art.1.848 c/ c art.1861 e 2.042 ).

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Sucessão testamentária - Parte I

a) Disposições gerais - arts. 1.857 a 1.861

b) Formas ordinárias do testamento - arts. 1.862 a 1.880

c) Codicilo - arts. 1.881 a 1.885

Orientadora: Juíza Selma Maria M. de Souza

Relator: Juiz Geraldo Carlos Campos

Enunciado:

1- No testamento público não há mais necessidade de as testemunhas acompanharem a todo oato, bastando presenciarem a leitura do instrumento, pelo tabelião, ou por seu substituto, aotestador (art. 1.864).

Sucessão Testamentária - Parte III

a) Legados - arts. 1.912 a 1.940

b) Direito de acrescer e substituições - arts. 1.941 e 1.960

c) Outras disposições - arts. 1.961 a 1.990

Orientador: Juiz José Nepomuceno Silva

Relator: Juiz Napoleão da Silva Chaves

Enunciados:

1- A condição suspensiva terá que se fazer necessariamente expressa no testamento ( art. 1.923).

2- A ofensa de que resulte dano psíquico deve ser compreendida na ofensa física expendida nosincisos I dos artigos 1.962 e 1.963.

Inventário e partilha - arts. 1.991 a 2.027

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relatora: Juíza Simone Lemos Botoni

Enunciado:

1- O artigo 1.991 derrogou o artigo 1.032 do Código de Processo Civil, no que se refere à dispensada lavratura de termo de compromisso de inventariante. O referido termo é exigível, também,no arrolamento para fixação do início da administração da herança, pelo inventariante, ressal-vada a hipótese de homologação de plano.

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Pr o g r am aç ão23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

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V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

D i a 2 3 / 8 / 0 2 - S ex t a -f e i r a

20h Abertura Pronunciamentos- Des. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins

2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Superinten-dente da Escola Judicial Des. Edésio Fernandes - EJEF

- Dr. Doorgal Gustavo Borges AndradaPresidente da AMAGIS

20h30min Palestra: “A Nova Visão Dos Contratos” - 60 minutos - Expositora: Profª Giselda Maria Fernandes Novais Hironaka (SP)- Debates - 30 minutos

D i a 2 4 / 8 / 0 2 - S áb ad o - m an h ã

8h30min Palestra: “Contrato de Compra e Venda - Inovações” - 60 min- Expositor: Juiz Sebastião Pereira de Souza (MG)

9h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Contratos em geral - Parte I - Disposições gerais - arts. 421 a 461

Grupo II - Contratos em geral - Parte II- Contrato preliminar - arts. 462 a 466

Grupo III - Contratos em geral - Parte III- Contrato com pessoa a declarar - arts. 467 a 471

Grupo IV - Extinção dos contratos - arts. 472 a 480 Grupo V - Contratos em espécie

- Compra e venda - Disposições gerais - arts. 481 a 504Grupo VI - Contratos em espécie

- Compra e venda - Cláusulas especiais - arts. 505 a 532

11h Plenária 90 minutos

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V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

D i a 2 4 / 8 / 0 2 - S áb ad o - t a r d e

15h30min Palestra: “A Prisão Civil do Depósito Voluntário e a Provável Revogação do art. 11 doPacto Internacional de Direitos Civis E Políticos” - 60 minutos- Expositor: Dr. Maurício da Cunha Peixoto (MG)

16h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Contratos em espéciea) Contrato estimatório - arts. 534 a 537b) Doação - arts. 538 a 564c) Locação de coisas - arts. 565 a 578

Grupo II - Contratos em espéciea) Empréstimo - arts. 579 a 592b) Prestação de serviços - arts. 593 a 609

Grupo III - Contratos em espéciea) Empreitada - arts. 610 a 626b) Depósito - arts. 627 a 652c) Mandato - arts. 653 a 692

Grupo IV - Contratos em espécie- Comissão - arts. 693 a 709

Grupo V - Contratos em espécie- Agência e Distribuição - arts. 710 a 721

Grupo VI - Contratos em espécie- Corretagem - arts. 722 a 729

18h Plenária - 90 minutos

19h30min Encerramento

D i a 2 5 / 8 / 0 2 - D o m i n g o - m an h ã

8h30min Palestra: “O Contrato De Seguro e o Código de 2002” - 60 minExpositor: Prof. Ricardo Bechara Santos (RJ)

9h30min Discussão de Grupos - 60 minutos

Grupo I - Contratos em espécie - Transporte - Parte I - Disposições gerais e transporte de pessoas - arts. 730 a 742

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Pr o g r am aç ão

V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

Grupo II - Contratos em espécie - Transporte - Parte II- Transporte de coisas - arts. 743 a 756

Grupo III - Contratos em espécie - Seguro - Parte I- Disposições gerais - arts. 757 a 777

Grupo IV - Contratos em espécie - Seguro - Parte II- Seguro de dano - arts. 778 a 788

Grupo V - Contratos em espécie - Seguro - Parte III- Seguro de pessoa - arts. 789 a 802

Grupo VI - Contratos em espécie - Outros contratos - arts. 803 a 853

11h Plenária - 90 minutos

Coordenador dos Grupos de Discussão- Juiz José Nepomuceno da Silva (TAMG)

Coordenador das Plenárias- Des. Sérgio Antônio de Resende (TJMG)

Orientadores- Des. Nilson Reis (TJMG)- Des. Geraldo Augusto de Almeida (TJMG)- Juiz Caetano Levi Lopes (TAMG)- Juíza Tereza Cristina da Cunha Peixoto (TAMG)- Juiz Alberto Aluízio Pacheco de Andrade (TAMG)- Juíza Selma Maria Marques de Souza (7ª Vara Cível da Capital)

23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

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Pa l es t r a

V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

CONTRATO: ESTRUTURA MILENAR DE FUNDAÇÃO DO DIREITO PRIVADO

Superando a crise e renovando princípios, no início do vigésimo primeiro século, ao tempo datransição legislativa civil brasileira.

A segunda metade do século XX, principalmente, foi o tempo em que mais se falou acerca deuma eventual decadência do contrato, tido sempre como um dos fundamentais pilares de sustentaçãodo direito privado e da autonomia da vontade privada.

Sob o vaticínio da crise das instituições, a crise do contrato igualmente se desenhou e expri-miu-se debaixo da inegável limitação da autonomia privada, mormente em face da limitação à liber-dade dos atores ou partícipes contratuais, no que respeita à outrora livre fixação do conteúdo dascláusulas de um contrato.

Uma ingerência cada vez mais presente, por parte do Estado, na estruturação desse conteúdocontratual, tendo em vista a salvaguarda de interesses sociais mais significativos que a mera intençãoe simples pretensão dos contratantes, constituiu-se, também, em forte razão para a crescente ondade descrédito que pretendeu tomar conta do destino do contrato enquanto tradicional e clássico insti-tuto de direito privado.

Confundindo-se, muitas vezes, liberdade de contratar com liberdade contratual, o diagnósticofoi sempre muito pessimista a respeito da sobrevida institucional do contrato. Mas, como o “sonhode John Lenon”, o contrato não morreu. Nem declinou, nem encolheu, nem perdeu espaço, nem poder.

Rui de Alarcão1 escreveu, e com toda a razão, que tal pessimismo foi claramente desmentido,a significar que o alarde foi exagerado e que a pós-modernidade prescreve a necessidade de novosmodelos de realização do direito, estando entre eles, certamente, os novos modelos contratuais quetodos os dias se multiplicam, indicando uma fertilidade inesgotável desses paradigmas e o seu ver-dadeiro, e sempre renovado, papel de organizador e auto-regulamentador dos interesses privados.

Ora mais “publicizado”, ora mais socializado, ora mais poroso à intervenção estatal, ora mais li-mitado quanto ao seu conteúdo específico, ora mais “funcionalizado”, não importa. Todas essas facessão as faces do contrato que se transmuda e evolui sempre, como a própria transmudação e evoluçãoda pessoa humana e das relações que estabelece com os demais. A dinâmica própria da vida dos ho-mens e a realidade jurídica subjacente conseguem explicar e justificar essa mobilidade, traçando-a na-turalmente, conforme convém, e imprimindo o devido grau de certeza acerca da necessidade e urgênciadessa releitura contratual. Construção e crítica se alternaram [desde o início do anterior século], pro-duzindo um movimento de edificação de uma teoria [geral do direito privado] tão sólida quanto volátil.2

1 Rui de Alarcão, Contrato, Democracia e Direito, in Revista Brasileira de Direito Comparado, nº 20, 1º semestre de 2001, Rio de Janeiro, 2001,ps. 03-12.

2 André Lipp Pinto Basto Lupi, O Direito Privado Burguês, in www.eticadireito.hpg.ig.com.br/ artigos- page.htm

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Esse movimento é absolutamente saudável, rejuvenescedor e revigorante para as institui-ções privadas, mesmo porque, dizendo respeito a relações de natureza intersubjetiva, quer dizer,dos sujeitos entre si, essas instituições se renovam com o próprio uso, e o seu eventual desuso éque pode acarretar sua morte, por inércia.3

O contrato não caiu em desuso nunca e, por isso, permanece vivo; sua força revela suaindispensabilidade no trato das relações jurídicas e da mantença da segurança.

Mudam os fatos, mudam os homens, muda a realidade social, altera-se, por força da con-seqüência, a arquitetura jurídica subjacente. Mas o contrato é sempre o contrato, afinal. Sob oparadigma simplesmente individualista da burguesia revolucionária francesa, ou sob o paradigmade consagração dos princípios contratuais como princípios próprios da ordem natural, ou sob o par-adigma meramente dogmático de conformação do direito com a lei, o contrato muda de feição eatende aos interesses jurídicos dos contratantes de cada época. Até que se mostre, a cada época,como insustentável ou deficiente, quando então ele se remoldura e busca sua readequação, paraprosseguir como o que sempre fundamentalmente foi: um instrumento essencial da organizaçãosocial.

O contrato, tal como houvera sido antes, concebido no Código Francês de 1804, conferiapoder absoluto à vontade individual e à liberdade contratual. Tal poder podia fazer surgir todos osdireitos atribuíveis ao sujeito emissor da vontade, independentemente da preocupação social ge-rada a indagar se estaria, ou não, ferindo o interesse jurídico dos demais. Os tempos eram os dabusca compulsiva da certeza científica, o que deu azo à torrente positivista esvaziada de conteú-do axiológico e da idéia mais geral e abstrata de justiça.

Não havia como prosperar indefinidamente uma visão assim fanática e tão apertada emseus próprios limites. Por isso, opôs-se o tempo de revisão do velho espírito revolucionário, den-tro dos melhores limites da democracia e da justiça dos rumores de superação dos ideaisnapoleônicos, para enfrentar a substituição de normas simplesmente supletórias por normas supe-riormente imperativas, na regulação dos contratos, de modo a se restringir a liberdade contratual(não a liberdade de contratar), pela adição de normas de ordem pública. Limitando-se a liberdadecontratual, buscou-se impedir a opressão do fraco pelo forte, do tolo pelo esperto, do pobre pelorico.

A intervenção legislativa do Estado, assim levada a cabo, fez florescer um tempo novo, ondeos malefícios do liberalismo jurídico foram mitigados pela proteção social, que se estendeu ao eco-nomicamente mais fraco. As formas contratuais nas quais os direitos competiam todos a uma sódas partes e as obrigações só à outra parte, foram repelidas severamente pelo que se convencio-nou chamar dirigismo contratual.4

Enfim, o que se deu neste interregno de passagem, desde a vitória burguesa até o para-digma da pós-modernidade, foi a sujeição da vontade dos contratantes ao interesse público, comose por atuação de um verdadeiro freio, que moderasse a liberdade contratual, tudo em nome dointeresse coletivo e em atenção às exigências do bem comum. O modelo atual pede e espera uma

3 Interessante e paradoxal, por exemplo, é o momento rico em que a sociedade jurídica pode assistir ao ressuscitamento de um certo insti-tuto privado, como o que vimos observando ocorrer justamente agora, com a proximidade da vigência do novo Código Civil Brasileiro quetraz, em seu bojo, o instituto da superfície, prestigiado pelos romanos, mas em desuso há muito, entre nós, ausente por isso da legislaçãobrasileira anterior.

4 Conforme o capítulo denominado "A função social do contrato", de lavra da autora deste estudo, no livro Direito Civil – Estudos, EditoraDel Rey, Belo Horizonte, 2000.

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abertura maior do sistema, outrora tão fechado a valorações externas, e, para tanto, procura inje-tar-se de bases principiológicas novas ou, no máximo, renovadas.

Segundo o meu sentir, mais importa, hoje, identificar e reconhecer os princípios que regema conformação contratual atual, do que continuar em debate acerca da presença ou da ausênciados novos tipos na composição positiva do direito atual, mesmo porque, o fato de estarem con-sagrados, ou não, pelo beneplácito do legislador contemporâneo, em sede codicista, não pareceser exatamente o viés de maior importância.

O novo Código Civil acolheu, em acréscimo ao modelo novecentista de Código Civil, osmesmos modelos contratuais até aqui atípicos, que já eram previsíveis desde a década de 70,quando o trabalho da Comissão nomeada pelo Governo Federal, em 1969, sob a presidência deSua Excelência o Professor Miguel Reale, ganhou o status de Projeto de Lei (Projeto 634/ 75),quais sejam, o contrato de transporte, o contrato de comissão, o contrato de agência e dis-tribuição, o contrato de corretagem, além do contrato preliminar e do contrato estimatório. Nadade novo ou surpreendente, enfim. Nada que a atipicidade contratual já não nos tivesse desenhado,à exaustão.

Nesse passo, levanto pedido de licença para registrar, desde logo, a inconveniência e odesacerto de se prosseguir, doutrinária e dogmaticamente, com aquela posição que sempre deucomo sinônimas as expressões inominado e atípico.5 Sob nenhuma hipótese desconsidero tal críti-ca, eis que a atipicidade de um contrato não se traduz pelo fato de ter ele, ou não, um nomemjuris, senão pelo fato de não estar devidamente regulamentado em lei.

Reconhece-se, com freqüência cada vez mais acentuada, que contratos há que têm nome enem por isso são nominados-típicos já que, para que assim fossem considerados, estariam a exi-gir a presença de um regramento legislativo específico. Fico com a melhor e dominante doutrinapara admitir que é preferível se referir, nestes casos, a contratos típicos e a contratos atípicos, emlugar de nominados e inominados.

Assim, é contrato típico aquele que a lei regulamenta, estabelecendo regras específicas detratamento e lhe concedendo um nomem juris. Aliás, penso que a denominação decorre da regu-lamentação, e não vice-versa, como poderia parecer se o adjetivo preferido fosse nominado.

A seu turno, portanto, contrato atípico é aquele não disciplinado pelo ordenamento jurídico,embora lícito, pelo fato de restar sujeito às normas gerais do contrato e pelo fato de não contrariara lei, nem os bons costumes, nem os princípios gerais de direito. Pouco importa se tem ou não umnome, porque este não é a característica da sua essência conceitual; seu traço característicopróprio é o fato de não estar sujeito a uma disciplina própria.

Isso considerado, ainda que com a brevidade da premência do tempo, retomo o que men-cionava antes, acerca de ter, o novo Código Civil, acolhido em seu bojo, e tipificado, portanto,modelos contratuais já em constância tradicional e antiga de uso, no mundo do direito, quais sejame como já referido, o contrato de comissão, o contrato de transporte, o contrato de agência e dis-tribuição, o contrato de corretagem.

De fora da nova Lei Civil permaneceram tipos mais contemporâneos, é certo, mas nem porisso exatamente novos, como o contrato de leasing e o contrato de franquia.

5 Já me referi a essa inconveniência em estudo que resultou no capítulo denominado "Contratos atípicos e contratos coligados: caracterís-t icas fundamentais e dessemelhanças", no livro de minha autoria, supra rferido, Direito Civil – Estudos.

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O que o novo Código mesmo perdeu, como feliz oportunidade a ser considerada nestaambiência mais definida dos modelos contratuais – como bem esclarece Junqueira de Azevedo – foia oportunidade de estabelecer regras específicas para as modalidades coligadas de contratos, tãoem evidência nos dias atuais, e que absolutamente não se confundem com os contratos mistos.

Se os contratos mistos são aqueles que resultam da combinação de elementos de dife-rentes contratos, formando uma espécie contratual não esquematizada em lei, e se desta combi-nação de elementos de diferentes contratos resulta uma unicidade que é o que, afinal, claramenteos caracteriza, não há razão para se confundirem os contratos mistos – assim definidos – com oscontratos coligados, uma vez que, nestes, não se combinam elementos de vários contratos, sim-plesmente, mas o que se dá é a combinação de contratos completos. Por isso, nos contratos co-ligados há uma pluralidade de contratos, e a combinação deles não resulta, como nos contratosmistos, numa unicidade.

Contudo, e como adverte Orlando Gomes, o mecanismo da coligação muito se assemelhaao do contrato misto, e, por isso mesmo, teria sido oportuno que o novo Código houvesse traça-do as regras próprias de tratamento e tutela de tais contratos, impedindo a repetição da confusãonefasta entre eles e os contratos mistos.

Contrato coligado assim estampado, e segundo registra Maria Helena Diniz6, é, então, oque apresenta celebração conjunta de duas ou mais relações contratuais, formando nova espé-cie de contrato não contemplado em lei. Na coligação, as figuras contratuais unir-se-ão em tornode relação negocial própria, sem perderem, contudo, sua autonomia, visto que se regem pelasnormas alusivas ao seu tipo.

Por isso, são os seguintes os elementos constitutivos fundamentais dos contratos coliga-dos: a) a celebração conjunta de dois ou mais contratos; b) a manutenção da autonomia de cadauma das modalidades que integra a modalidade nova; c) a dependência recíproca ou apenas uni-lateral dos contratos amalgamados; d) a ausência de unicidade entre os contratos jungidos; e) asua regência jurídica pelas normas típicas alusivas a cada um dos contratos que se coligam.

Tive ocasião de iniciar um de meus estudos na área contratual, e sobre exatamente os con-tratos coligados, dizendo que ‘sempre se mostrou confusa ou vacilante a doutrina, no sentido debem situar no complexo quadro classificatório dos contratos, aqueles denominados simples e aque-les denominados mistos, aqueles denominados típicos e aqueles denominados atípicos e, por fim,aqueles denominados coligados, diferentes dos mistos, mas aparentados com os múltiplos’. Emconclusão, pautei minhas reflexões sobre o benefício que haveria se a normativa contratual especi-ficasse bem essa composição de tipos contratuais inteiros que se amalgamam, mas cuja regênciase daria tipo a tipo, considerando a disfunção havida, em cada um dos contratos de per si.

Bem, o Código de 2002 não abriu espaço para essa regulamentação.

De qualquer forma, tudo quanto mais se coloca em pauta de discussão, nesse encontro dehoje, e segundo a seleção de assuntos que fiz, por julgar mais convenientes à alta consideração deVossas Excelências, se referirá, daqui por diante, aos aspectos mais fundantes de toda a estruturaprincipiológica dos contratos, na nova visão que lhes determina o Código Civil de Miguel Reale.

Junqueira de Azevedo, em famosa palestra que proferiu no Seminário “O novo Código Civil– o que muda na vida do cidadão”, em 04 de junho deste ano de 2002, junto à Ouvidoria

6 "Tratado Teórico e Prático dos Contratos", vol. I, São Paulo, Saraiva, 1993.

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Parlamentar da Câmara dos Deputados, em Brasília, reconhece outros princípios contratuais, nalegislação nova, que não estiveram explicitamente considerados pelo legislador do século passa-do, entre eles e principalmente, o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da função social docontrato. Ele refere que esta nova organização principiológica da Lei de 2002 não exclui os princí-pios clássicos do direito contratual, quer dizer, o princípio da liberdade de contratar, o princípiosegundo o qual o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda7) e o princípio da relativi-dade dos efeitos contratuais (res inter alios acta allis nec nocet prodest nec8). Ao contrário, anova tábua de princípios convive, completa e remoça a tábua tradicional, sem sufocá-la ou excluí-la. Apenas convivem. O novo agrupamento principiológico revela, enfim, a feição contemporâneado contrato e seu traço de adaptação e coerência com a pessoa mais ética desta pós-mo-dernidade, centro de todo o interesse epistemológico do direito atual.

O contrato levado a efeito entre os atores contratuais contemporâneos, pois, passa a serum contrato que exige mais do comprometimento ético e político de cada um desses partícipes,de modo a expandir projeção para muito além das fronteiras do mero sinalagma.

Ora, acerca desse novo contrato, então – instituto eternamente presente na triangulaçãobásica do Direito Civil, ao lado da propriedade e da família – seria desejável referir, prioritaria-mente, as denominadas cláusulas gerais, que constituem uma técnica legislativa característica dasegunda metade deste século, época na qual o modo de legislar casuisticamente, tão caro aomovimento codificatório do século passado – que queria a lei clara, uniforme e precisa [...] – foiradicalmente transformado, por forma a assumir a lei características de concreção e individuali-dade que, até então, eram peculiares aos negócios privados.9

‘A mais célebre das cláusulas gerais é exatamente a da boa-fé objetiva nos contratos.Mesmo levando-se em consideração o extenso rol de vantagens e de desvantagens que a pre-sença de cláusulas gerais pode gerar num sistema de direito, provavelmente a cláusula da boa-féobjetiva, nos contratos, seja mais útil que deficiente, uma vez que, por boa-fé, tout court, seentende que é um fato (que é psicológico) e uma virtude (que é moral)’.

‘Por força desta simbiose – fato e virtude – a boa-fé, numa visualização muito mais subjeti-va, se apresenta como a conformidade dos atos e das palavras com a vida interior, ao mesmotempo que se revela como o amor ou o respeito à verdade. Contudo, observe-se, através daformidável lição de André Comte-Sponville, que a boa-fé não pode valer como certeza, sequercomo verdade, já que ela exclui a mentira, não o erro’.10

O homem de boa-fé tanto diz o que acredita, mesmo que esteja enganado, como acreditano que diz. É por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo. Vale dizer, é uma crençaao mesmo tempo que é uma fidelidade. É crença fiel, e fidelidade no que se crê. É também o quese chama de sinceridade, ou veracidade, ou franqueza, é o contrário da mentira, da hipocrisia,da duplicidade, em suma, de todas as formas, privadas ou públicas, da má-fé.11

‘Essa é a interessante visão da boa-fé pela sua angulação subjetiva; contudo, enquantoprincípio informador da validade e eficácia contratual, a principiologia deve orientar-se pelo viés

7 "Os pactos devem ser observados".8 "O que é feito entre certas pessoas nem prejudica nem aproveita aos outros".9 Judith Martins-Costa, O Direito Privado como um sistema em construção:as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro

(www.jusnavigandi.com.br).10 André Comte-Sponville, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Martins Fontes, 1999, citado por Régis Fichtner Pereira, "A responsabili-

dade civil pré-contratual", Renovar, 2001.11 Idem, ibdem.

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objetivo do conceito de boa-fé, pois visa garantir a estabilidade e a segurança dos negócios jurídi-cos, tutelando a justa expectativa do contraente que acredita e espera que a outra parte aja emconformidade com o avençado, cumprindo as obrigações assumidas. Trata-se de um parâmetro decaráter genérico, objetivo, em consonância com as tendências do direito contratual contemporâ-neo, e que significa bem mais que simplesmente a alegação da ausência de má-fé, ou da ausên-cia da intenção de prejudicar, mas que significa, antes, uma verdadeira ostentação de lealdadecontratual, comportamento comum ao homem médio, o padrão jurídico standard’.

‘Em todas as fases contratuais deve estar presente o princípio vigilante do aperfeiçoamen-to do contrato, não apenas em seu patamar de existência, senão também em seus planos de va-lidade e de eficácia. Quer dizer: a boa-fé deve-se consagrar nas negociações que antecedem aconclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de seus efeitos, na sua conclusãoe na sua interpretação. Deve prolongar-se até mesmo para depois de concluído o negócio con-tratual, se necessário’.

Trata-se, portanto, da boa-fé objetiva entranhada no comportamento dos contratantes,capaz de exigir, deles, uma postura que sobrepassa a singela idéia de ser o contrato apenas umaauto-regulamentação de interesses contrapostos, um instrumento de composição de interessesprivados antagônicos. O comportamento delineado pelo atributo da boa-fé objetiva é um compor-tamento tal que faz transcender a noção de colaboração entre os que contratam, antes de maisnada. E que os faz, por isso, mais leais, reciprocamente, mais informados, mais cuidadosos e maissolidários na persecução da finalidade contratual comum.

‘Da consagração da boa-fé objetiva, nas relações contratuais – como pretendi demonstrar– decorrem principalmente os deveres de informação, de colaboração e de cuidado, somatóriaque realiza a insofismável verdade que, em sede contratual, se lida com algo bem maior que o sim-ples sinalagma, mas se lida com pressupostos imprescindíveis e socialmente recomendáveis, comoa fidelidade, a honestidade, a lealdade, o zelo e a colaboração. Enfim, está presente, também naambiência contratual, o sentido ético, a tendência socializante e a garantia de dignidade que são,por assim dizer, as marcas ou os marcos deste direito que perpassando os séculos, se apresentarenovado, aos primórdios do milênio novo.’12

O art. 422 do novo Código estampa, precisamente, esse novo princípio, ao dizer que oscontratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,os princípios de probidade e boa-fé. Mas estará seguramente melhor referido, o aludido princípio,se for aprovada a proposta de alteração do novo Código Civil, de autoria do Deputado RicardoFiúza, o próprio relator do Código em sua fase final de tramitação, a qual, por meio do Projeto6.960/ 2002 (no momento aguardando parecer, na Câmara), sugere que o mencionado art. 422passe a ter a seguinte redação: Os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociaçõespreliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípiosde probidade e boa-fé e tudo mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e dasexigências da razão e da eqüidade.

A justificativa textual, apresentada no Projeto 6.960/ 2002, menciona que a necessidade dese imprimir ao art. 422 esta nova redação, se dá pelo fato de a atual redação apresentar, conforme

12 Estas considerações que se encontram entre aspas simples, às ps. 07 e 08 desta transcrição, são as mesmas – com breves alteraçõesou supressões – que já haviam sido expendidas em anterior palestra acerca das Tendências do Direito Civil no século XXI, proferida em21.09.2001, no Seminário Internacional de Direito Civil, promovido pelo NAP – Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira deDireito da PUC/ MG.

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aponta o Desembargador JONES FIGUEIREDO ALVES, insuficiências e deficiências, na questãoobjetiva da boa-fé nos contratos. As principais insuficiências convergem às limitações fixadas(período da conclusão do contrato até a sua execução), não valorando a necessidade de aplicaçõesda boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento.

Essa modificação de redação, ampliando significativamente os horizontes da regra da boa-fé objetiva nos contratos, é resultado, enfim, de um grande incômodo sentido pela comunidadejurídica brasileira, ao tempo da promulgação do Código, no que dizia respeito ao fato de não estaro disposit ivo em comento, conforme a sua redação original, conectado com os momentos anteri-ores à formação do contrato – a fase pré-contratual – e nem mesmo os momentos posteriores àsua execução – a fase pós-contratual. Em ambas as fases, deve estar presente, igualmente, ocomportamento qualificado pela lealdade ou honestidade, considerando-se os interesses alheios,por força da celebração futura e execução posterior de um negócio jurídico.

Códigos alienígenas já consagram tais posturas mais ampliadas, como, por exemplo, oCódigo Italiano, que prescreve o dever daquele pré-contratante que, perdendo o interesse noprosseguimento das tratativas preambulares, e não mais desejando concluir o negócio, deva comu-nicar esta nova situação ao seu coadjuvante pré-contratual, exatamente para liberá-lo do enges-samento que é produzido pela obrigatoriedade da proposta negocial, permitindo que possa ele ini-ciar nova negociação, conforme bem entenda, com o menor prejuízo possível pela interrupção.

Da mesma maneira, a exigência de comportamento coerente com a boa-fé objetiva deveestar presente, também, nas hipóteses em que o contrato já se encontre terminado pelo eventualcumprimento das obrigações dele resultantes. Haverá hipóteses em que tal conduta assim pauta-da deverá obrigatoriamente estar presente, sempre sob a perspectiva de minoração de prejuízose incômodos ao outro contratante. A esse respeito, JUNQUEIRA DE AZEVEDO, naquela palestrana Ouvidoria Parlamentar, já antes referida, mencionou o seguinte exemplo: na Alemanha, umapessoa vendeu um terreno e disse ao comprador que, de lá, ele poderia ver o vale; assim, a situ-ação topográfica do terreno se constituiria em uma vantagem do imóvel. Para justificar tal van-tagem, o vendedor disse que o imóvel em frente a seu terreno, do outro lado da rua, não pode-ria receber edificações elevadas, pois haveria determinado limite para a construção. A pessoacomprou o terreno e construiu uma casa, que, segundo a jurisprudência alemã, valia seis vezeso valor do terreno. O comprador estava muito satisfeito com essa situação, até que o mesmovendedor comprou o terreno em frente, foi à Prefeitura, obteve licença para a mudança do pro-jeto de zoneamento — de acordo com o nome que utilizamos — e construiu naquele local umedifício alto. Havia acabado a transação de compra e venda, caso em que, muitas vezes, o com-prador nunca mais vê o vendedor. Porém, depois de terminado o contrato, ou seja, depois quevendeu, e o outro pagou, o vendedor comprou o imóvel em frente e, ele mesmo, prejudicou oantigo comprador. O fato caracteriza evidente falta de boa-fé.

Um exemplo assim – fato verdadeiro ocorrido na Alemanha, mas que certamente pode ocor-rer, e ocorre, em nosso país, a todo momento – estava mesmo a revelar a urgência de se alterar ocontexto do art. 422 do novo Código. Deve-se aguardar, portanto, a aprovação da nova redação,conforme o Projeto de Lei mencionado, de nº 6.960/ 2002. A regra, enfim, que corresponda, nocolo positivo da lei, ao princípio da boa-fé objetiva não deve ser tida simplesmente como uma fontede interpretação do contrato, mas deve ser tida, isso sim, pois é o que ela é como, uma fonte depreenchimento de lacunas de cláusulas contratuais. Nem sempre é possível dizer, nas cláusulasdos contratos, toda a extensão das pretensões ali regulamentadas pelos contratantes. Aliás, pre-

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tender fazê-lo seria utópico, pois que se dá uma evidente impossibilidade natural e até física de seintentar esgotar as possibilidades, pela projeção já prevista em cláusulas. Ninguém pode fazê-lo.Mas a boa-fé objetiva, enquanto princípio fundador do direito contratual da atualidade, podepreencher a omissão. Provavelmente a nova redação sugerida pode conferir ao art. 422 um tal edesejável alcance.

Com relação ao princípio da função social do contrato, finalmente, encanta-me sempre men-cioná-lo, assim como sempre me encanta pensar a função social da propriedade.

Esse princípio vem consagrado – desde 1975, ano em que o Projeto 634 foi encaminhado àPresidência da República, para ser apreciado como o novo Código Civil Brasileiro – no atual art.421 do novo Código. Em que pese o seu alto teor axiológico, e a alegria por verificar o legisladorbrasileiro reconhecendo a nova conotação social das relações privadas, é inegável, conforme apon-tam, com precisão, Junqueira de Azevedo e Álvaro Villaça Azevedo, que o dispositivo tem impor-tantes defeitos, que analisaremos a seguir, e que poderão igualmente ser corrigidos se a sugestãode alteração contida no Projeto 6.960/ 2002 for acolhida e aprovada, passando a ser a nova nor-mativa brasileira acerca desse princípio agora sob exame, o da função social do contrato.

Mas antes, e apenas para não perder a oportunidade de tecer algumas considerações decaráter mais geral sobre essa limitação de ordem social imposta à esfera contratual, seria talvezútil considerar que a profunda repercussão social que o fenômeno da funcionalidade condi-cionadora – e, por isso, limitadora – do uso da propriedade foi que levou os pensadores e cientis-tas do direito a compreender – e Duguit já havia feito essa previsão bem antes – que o atributo dafunção social não se encontra afeto apenas à propriedade, mas senão também ao contrato.

ORLANDO GOMES, o saudoso jurista de vanguarda, havia dito, logo nas primeiras con-siderações de seu clássico Transformações gerais do Direito das Obrigações, que orienta-se mo-dernamente o Direito das Obrigações no sentido de realizar melhor equilíbrio social, imbuídosseus preceitos não somente da preocupação moral de impedir a exploração do fraco pelo forte,senão também, de sobrepor o interesse coletivo, em que se inclui a harmonia social.14 Para tanto,ele ponderava que se tratava, então, de submeter a ambiência contratual a um regime no qual aautonomia da vontade [estivesse] severamente restringida, o que acarretaria, seguramente – esempre conforme a previsão de Orlando Gomes – enorme restrição de ocorrência de injúria con-tratual, a ponto de cercá-la de modo provavelmente absoluto.

A limitação contratual derivada da funcionalidade social se instalaria no âmago do conteú-do contratual – e não exatamente, como é o meu sentir, no prenúncio da liberdade de contratar,domínio ainda perene da autonomia privada – de sorte a restringir a ingerência da vontade doscontratantes em áreas de salvaguarda social, de alcance inegavelmente mais dilatado.

Para compreender esse assunto, conviria apresentar a importante distinção entre doisaspectos da liberdade individual nos contratos, ainda hoje confundidos, inclusive pelo legisladorbrasileiro de 2002, conforme procurarei demonstrar, na seqüência. São dois lados de uma mesmamoeda, por assim dizer, mas cada qual deles deve ser considerado de per si, em prol da verdadeiradimensão contratual, hoje. Refiro-me à distinção absoluta entre o que se convenciona denominarliberdade de contratar e liberdade contratual.

A liberdade de contratar ainda é aquela mesma liberdade facultada a todas as pessoas de

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realizarem suas avenças, sem qualquer consideração sobre eventual restrição de conteúdo do con-trato em foco, limitação essa que seja decorrente de uma determinada norma de ordem pública.Em outras palavras, a liberdade de contratar revela, exclusivamente, a liberdade que cada um temde realizar contratos, ou de não os realizar, de acordo com a sua exclusiva vontade e necessidade.Por isso, é naturalmente ilimitada, uma tal liberdade.

Mas, diferentemente, põe-se a liberdade contratual, a qual, no dizer de ÁLVARO VILLAÇAAZEVEDO é considerada como a possibilidade de livre disposição de interesses, pelas partes,no negócio.15 Enfoca o conteúdo, ele mesmo, dos contratos, quer dizer, a sua consistência inter-na, traduzida pelas cláusulas que compõem o negócio. Esse é o aspecto mais crít ico da formaçãodo contrato, uma vez que essa liberdade pode vir limitada por normas de ordem pública que digamqual o percurso cogente de determinadas cláusulas contratuais. Por isso, a liberdade há de condi-cionar- se emoldurando-se na lei, para ser liberdade condicionada, não ser liberdade-escravidão,instrumento dos que atuam de má-fé, em detrimento da própria sociedade, como mencionou, bemantes, Álvaro Villaça Azevedo.

Essa idéia dos limites impostos à liberdade contratual resulta do próprio fenômeno da pu-blicização do Direito Privado, por meio, então, da interferência estatal nas relações havidas entreparticulares, em atenção às exigências do bem comum e do interesse coletivo, num último passo.Não é difícil, portanto, e como se vê, conceber que também o contrato, assim como a propriedade,possui uma função social que lhe é inerente, que o limita essencialmente, e que não pode, de modonenhum, deixar de ser observada.

A função social – então, e enquanto princípio contratual – veio instalada, no bojo da novellegislação civil, em seu art. 421 que prescreve, em sua atual e original redação que a liberdade decontratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. É fácil reconhecer,talvez, onde se assentam os dois enormes problemas desse dispositivo, que precisa mesmo serurgentemente modificado, para alcançar a perfeição de redação que permita se revela, em suatotal consagração o referido princípio da função social.

Vejamos, então, e para finalizar:

Bem adverte JUNQUEIRA DE AZEVEDO que a função social do contrato é um limite paraa liberdade contratual, e efetivamente é. Não um limite à liberdade de contratar, como considera-mos antes. E no que estaria fundada a liberdade de contratar, é a pergunta intrigante de JunqueiraAzevedo, que respondeu a S.Exa, o Professor Miguel Reale e a S. Exa, o Deputado Ricardo Fiúza,naquele encontro na Ouvidoria Parlamentar, ao qual já me referi antes, que no seu modo de ver –e lhe parece ser esse o pensamento implícito na Constituição Brasileira – baseia-se na dignidadeda pessoa humana. No entanto – ele prossegue – esse artigo tem um viés trágico, porque deter-mina textualmente que a liberdade de contratar será exercida em razão da função social.

Ora, nem se trata de liberdade de contratar, nem deverá ser exercida em razão da funçãosocial do contrato.

Na verdade, trata-se de liberdade contratual, aquela pertinente à limitação do Conteúdo docontrato, por força de norma de ordem pública, e não de liberdade de contratar, esta sim funda-da na dignidade da pessoa humana e resultante da alta expressão da autonomia privada e, bempor isso, ilimitada.

15 Verbete liberdade contratual, Enciclopédia Saraiva do Direito 49/ 370-371, São Paulo: Saraiva, 1977.

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Além disso, a liberdade contratual poderá encontrar, na função social que é inerente ao con-trato, uma limitação à sua extensão meramente volitiva, uma vez que nem sempre os contratantespoderão, sem estes freios, fixar livremente as cláusulas de seu contrato.

E quando isso se der, quer dizer, quando certas cláusulas estiverem cogentemente registradasno contrato, conforme a determinação de norma de ordem pública, se compreenderá, então, que afunção social exerceu o seu verdadeiro papel, conforme convém. Exerceu o papel limitador da von-tade dos contratantes, restringindo-lhes a liberdade contratual, e não qualquer outro papel que fossedelineado por um viés de fundamentação ou de razão de ser da própria restrição cometida.

Em desacerto, portanto, o mesmo art. 421, em dois momentos subseqüentes de sua com-posição legislativa, quando descreve que a ‘liberdade de contratar’ será exercida ‘em razão’ e nolimite da função social do contrato. Insisto: a função social de que se cuida aqui, é função limita-dora à fixação absolutamente livre do conteúdo contratual, mas não é fundamento para justificarou sustentar a restrição imposta em certos casos.

O Projeto nº 6.960/ 2002, atento a essas discussões – que não são recentes, mas que seencontram ressuscitadas, hoje, especialmente pela presença constitucional do mega-princípio dadignidade da pessoa humana e pela vasta tábua axiológica dada aos brasileiros e à sociedadebrasileira como um todo – ostenta significativa alteração nesse art. 421, acolhendo, principal-mente, a lição pontual e valorosa daqueles dois professores titulares de Direito Civil da Faculdadede Direito de onde venho para hoje, honradamente, estar aqui com V.Exas, digníssimos desem-bargadores e juízes do Estado de Minas Gerais. São eles – e já os referi antes – Antônio Junqueirade Azevedo e Álvaro Villaça Azevedo.

Se aprovado, enfim, o mencionado art. 421, em exame, passará ele a ter a seguinte e muitomais precisa redação, permitindo ao juiz, se for o caso, o exame a posteriori de eventuais nulidadescontratuais decorrentes do desatendimento desse princípio, e não apenas o exame a priori, comoocorre à face do sistema geral das nulidades negociais: “A liberdade contratual será exercida noslimites da função social do contrato”.

A justificativa apresentada pelo deputado RICARDO FIÚZA, para a alteração dúplice dopresente artigo 421, corre exatamente nessa mesma vertente à qual me refiro e diz, textualmente,o seguinte: “A alteração proposta, atendendo a sugestão dos professores ÁLVARO VILLAÇAAZEVEDO e ANTÔNIO JUNQUEIRA AZEVEDO, objetiva inicialmente substituir a expressão‘liberdade de contratar’ por ‘liberdade contratual’. Liberdade de contratar a pessoa tem, desdeque capaz de realizar o contrato. Já a liberdade contratual é a de poder livremente discutir ascláusulas do contrato. Também procedeu-se à supressão da expressão ‘em razão’. A liberdadecontratual está limitada pela função social do contrato, mas não é a sua razão de ser.

Senhores, estas eram, então, as considerações que com grande prazer separei para vir lhestrazer, nesta noite, e por conta da abertura da 5ª edição deste ciclo de estudos que o Tribunal deJustiça de Minas Gerais e a Escola Judicial Edésio Fernandes têm, com muito sucesso, feitorealizar.

Obrigada.

Giselda Maria Fernandes Novaes HironakaDoutora em Direito pela Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo. Professora-Doutora doDepto. de Direito Civil da Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo.

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Pa l es t r a

V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

Sebastião Pereira de Souza

SUMÁRIO

1.0 DA COMPRA E VENDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .251

1.1 - ELEMENTOS DA COMPRA E VENDA – consensus, pretium e res . . . . . . . . . .252

1.2 - RESTRIÇÕES À COMPRA E VENDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .255

1.2.1 - Venda de Ascendentes a Descendentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .255

1.2.2 - Suprimento Judicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .256

1.2.3 - Proibições quanto a determinadas pessoas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .257

1.3 - VENDA À VISTA DE AMOSTRA, PROTÓTIPOS OU MODELOS . . . . . . . . . . . .257

1.4 - VENDA “AD MENSURAM” E VENDA “AD CORPUS” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .258

1.5 - CLÁUSULAS ESPECIAIS À COMPRA E VENDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .259

1.5.1 - Da retrovenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .259

1.5.2 - Da venda a contento e venda sujeita a prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .260

1.5.3 – Da preempção ou preferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .261

1.5.4 - Da venda com reserva de domínio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .261

1.5.5 - Da venda sobre documentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .262

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A COMPRA E VENDA NO NOVO CÓDIGO CIVIL1

Por Sebastião Pereira de Souza2

Num exercício fért il de memória da história da humanidade, parece que o homem primitivosatisfazia o seu interesse imediato, pelo uso da força física. Parece que cada um agia por si catan-do na natureza pródiga o que lhe interessava, ou tomando-o do indivíduo mais fraco. Ainda desen-volvendo a fertilidade do pensar, evocando nas pegadas do tempo as situações que deram origemao pensamento lógico, ao discernimento inteligente, parece também, que o indivíduo fraco, aoreconhecer a sua tibiez frente à hostilidade do viver sem conviver, buscou no agrupamento umaforma de, no bando, superar-se a si mesmo unindo esforços contra a agressão externa. Parece,ainda, que aí nasceu a idéia de sociedade entre consangüíneos e não consangüíneos. Debulhandomais ainda a nossa indagação curiosa, buscando no funil do tempo que alargou a tendência aosjuízos de valores éticos, parece que o homem, ainda primitivo em relação à civilização que o seguia,mirando no desenvolver da cada bando, separados em territórios, cujo húmus, aliado às estações,prodigalizava diferente produção, que mais cômodo e sem perigo de vida seria dispor do que lhesobrava, recebendo do outro, na mesma situação e sem preocupar-se com o valor, aquilo de quecarecia. Parece finalmente, que surgiu aí o escambo. Trocava-se o que se precisava pelo que sobe-java para o outro. O escambo teria transcorrido vários séculos como prática de negócio, até quea distância, as intempéries constantes e mesmo o transporte de bens in natura como meio de trocatornava cada vez mais difícil o relacionamento, donde teria surgido a moeda, com um valor aceitopor todos e que substituía o bem trocado. Nossa lucubração histórica nos conduz, como CAR-VALHO SANTOS, a afirmar que a compra-e-venda teve sua origem na troca.

1 - Da compra e venda

A compra e venda é uma espécie do gênero contrato, com características próprias, masque se aperfeiçoa, como todo acordo de vontade, como um ato jurídico ou, na dicção da novaordem, - um negócio jurídico3, que requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado oudeterminável e forma prescrita ou não defesa em Lei.

Acrescentando, ao negócio jurídico, a coincidência de duas ou mais manifestações unila-terais de vontade, visando ao proveito e bem-estar dos contratantes, temos aí, como conseqüên-cia, o contrato.

A capacidade do agente que libera a sua vontade para contratar é ampla e só encontra li-mitação no interesse social4 - artigo 421 do Código Civil, guardando as partes, tanto na conclusãocomo na execução, os princípios da probidade e boa-fé5 - artigo 422.

1 Palestra proferida em Uberlândia no dia 24 de agosto de 2.002 no 5º SEMINÁRIO DE ESTUDOS SOBRE O NOVO CÓDIGO CIVILpatrocinado pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

2 Juiz de Direito da 25ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte – Minas Gerais http:/ / sites.uol.com.br/ sebastiao-souza - [email protected] - [email protected]

3 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO - Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:I - agente capaz;II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;III - forma prescrita ou não defesa em lei.

4 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO - Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limitesda função social do contrato.

5 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – PROBIDADE E BOA FÉ - Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contra-to, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

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O princípio da autonomia da vontade, - ensina SÍLVIO RODRIGUES, - parte do pressupos-to de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres paraaceitar ou rejeitar os termos do contrato.

1.1 - Elementos da compra e venda

Pelo contrato de compra e venda um dos contratantes se obriga a transferir o domínio decerta coisa, e o outro, a pagar-lhe o preço em dinheiro – artigo 481 do Código Civil. O contrato decompra e venda é o meio, o instrumento para se transferir o Domínio. Tem efeito meramente obri-gacional que se implementa com a execução mediante a tradição, se coisa móvel6 – artigo 1.267,ou pelo Registro no Cartório do Registro Imobiliário7 – art. 1.245, se for coisa imóvel. A obrigaçãodo vendedor é de transferir o domínio do objeto contratado. A obrigação do comprador é de pagaro preço.

Segundo expressa disposição no artigo 482 é a venda considerada perfeita desde que hajaacordo sobre a coisa e sobre o preço. Três, portanto, são os elementos da compra e venda – con-sensus, pretium e res.

Consensus

O consenso ou consentimento é o resultado do encontro da declaração unilateral de von-tades, de um lado, do comprador sobre o bem, e, de outro lado, do vendedor sobre o preço. A von-tade eivada de vício contamina todo o contrato. Anulável, portanto, é o contrato de compra evenda quando viciada a declaração de vontade por erro substancial, dolo e coação nas circunstân-cias delineadas nos artigos 138 e seguintes do Código Civil8.

6 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – DOMÍNIO DE COISA MÓVEL - Art. 1267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídi-cos antes da tradição.

Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirenteo direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião donegócio jurídico.

7 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – DOMÍNIO DE COISA IMÓVEL - Art. 1245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do títu-lo translativo no Registro de Imóveis.§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, oadquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

8 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 - Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substan-cial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.Art. 139. O erro é substancial quando:I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nestade modo relevante;III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu con-texto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecerpara executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.Seção IIDo DoloArt. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, em-bora por outro modo.

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Pretium

No contrato de compra e venda, o preço deve ser certo, em dinheiro, não podendo serirrisório, e que consista numa soma que seja considerada equivalente à coisa, considerando-se aoferta e a procura à época da contratação.

O preço vil pode levar à consideração não de um contrato de compra e venda, mas dedoação simulada, cujo efeito pode levar à sua anulação como, verbi gratia, na doação do cônjugeadúltero ao seu cúmplice, que pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeirosnecessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal, - expressa disposição doartigo 550 do Código Civil9,considerando, mais ainda, as demais disposições10 que impedem adoação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doadore também, a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade,poderia dispor em testamento. – artigos 548 e 549. O preço pode ser pago em moeda correntenacional à vista, em moeda estrangeira, pela cotação do dia em que for convertida em moedanacional, ou a prazo, em prestações. Sendo o preço pago com outro bem, compra e venda não é,pois a moldura é do contrato de troca de que in thesi os efeitos não divergem muito, porque asdisposições que se aplicam são as mesmas do contrato de compra e venda, exceto quando setratar de troca entre ascendentes e descendentes – artigo 533, - em que o negócio entre ascen-dentes e descendentes só depende da intervenção dos outros descendentes e do cônjuge, quan-do os bens trocados forem de valores desiguais: “Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições re-ferentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I - Omissis;

II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem con-sentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante”.

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte hajaignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter co-nhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quemludibriou.Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveitoque teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

Seção IIIDa Coação

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e consi-derável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houvecoação.Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demaiscircunstâncias que possam influir na gravidade dela.Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela t ivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, eesta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter con-hecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.

9 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – DOAÇÃO DO CÔNJUGE ADÚLTERO - Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode seranulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

10 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – NULIDADE DA DOAÇÃO - Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda sufi-ciente para a subsistência do doador.Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testa-mento.

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Fica sem efeito o contrato de compra e venda se o terceiro a quem foi deixado arbitrar opreço11, - art igo 485, não aceitar o encargo, salvo se concordarem designar outra pessoa. O preçoestipulado pelo terceiro indicado vincula os contratantes, até que se provem vícios na elaboraçãodo laudo que inquinem de nulidade os negócios jurídicos em geral. A nova ordem civil consideralícito às partes fixarem o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis deobjetiva determinação – artigo 487. As partes podem escolher um padrão objetivo e de fonte isen-ta para a fixação do preço, como v.g. os índices estipulados por órgãos governamentais ou fun-dações de trato econômico. Ocorre, a meu falível juízo, que o índice ou parâmetro não pode terorigem em entidade de uma das partes, como na compra e venda de imóveis feita entre constru-toras e particulares com base em índice SINDUSCOM/ CUB, elaborado pelo Sindicato dasEmpresas Construtoras, porque estaria, de forma transversa, deixando ao arbítrio exclusivo daconstrutora, através de seu sindicado, entidade defensora de seus interesses, a fixação do preço,fato que torna nulo o contrato por força do artigo 489.12 Não se havendo convencionado a fixaçãodo preço ou critérios para a sua determinação, e não tendo a coisa tabelamento oficial, dispõe alei – artigo 488 do Código Civil, - que as partes se sujeitarão ao preço corrente nas vendas habi-tuais do vendedor.13 – artigo 488. Convencionada a compra e venda de um veículo em determina-da concessionária do ramo sem fixação do preço, vale o preço que o vendedor aliena a mesmamarca nas vendas habituais. Havendo oscilação no preço valerá a média. A dificuldade, porque nãoelucida a lei, - parágrafo único do artigo 488 do Código Civil - é disciplinar qual o tempo que sedeve considerar para tirar a média.

Res

Em regra, - ensina CARVALHO SANTOS14, - são alienáveis todas as coisas que estão nocomércio, quer sejam existentes, ou futuras, certas ou incertas, contanto que estas se venham averificar. Sem a coisa, inexiste contrato, por falta do objeto, elemento essencial. Não há dúvidaquando o objeto do contrato de compra e venda se constitui de coisa presente, atual. Do artigo483, disposição nova, a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Nesse caso,ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de con-cluir contrato aleatório.

É futura a compra de determinada quantidade e qualidade da safra agrícola ou de determi-nado número de itens da produção industrial, em que o adquirente toma para si o risco de vir a exis-tir em qualquer quantidade. A venda, no caso, é de coisa certa esperada – emptio rei speratae15.

11 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – FIXAÇÃO DO PREÇO POR TERCEIRO - Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de ter-ceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o con-trato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa.

12 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – NULIDADE DO CONTRATO - Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrioexclusivo de uma das partes a fixação do preço.

13 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – PREÇO NÃO FIXADO - Art. 488. Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a suadeterminação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais dovendedor.Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço, prevalecerá o termo médio.

14 J. M. CARVALHO SANTOS – in CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO INTERPRETADO – 9ª edição, - volume XVI, - página 10 – Livraria FreitasBastos, S/ A.

15 CÓDIGO CIVIL DE 2.002 – VENDA DE COISAS FUTURAS - Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomandoo adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de suaparte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.

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Vale o contrato para a quantidade produzida, e o vendedor tem direito a todo o preço, desde quede sua parte não tenha havido culpa. Nada produzindo, mesmo em face de caso fortuito ou forçamaior, o contrato não se forma, a venda é nenhuma, por falta de elemento essencial, o objeto, acoisa contratada – artigo 459, parágrafo único, do Código Civil. “Art. 459. Se for aleatório, porserem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qual-quer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiverconcorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienanterestituirá o preço recebido”.

Aleatória é a compra da esperança. A compra da expectativa. O comprador aposta naexistência da coisa no termo. Por isso mesmo, o objeto do contrato é a própria esperança, aprópria expectativa – emptio spei. Alguém compra toda a safra de feijão ou café que produzir alavoura do vendedor, assumindo o risco de colher muito ou nada colher. Nesse caso, o objeto donegócio não foram os grãos, mas a esperança de colhê-los. Válido é o contrato, a teor da normado artigo 458, mesmo que nada se venha a colher16.

“Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo riscode não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmenteo que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nadado avençado venha a existir” .

A aparente desproporção das prestações não descaracteriza a comutatividade do contratoe se justifica porque ambos os contratantes assumiram igual risco. O vendedor recebeu um preçoe, ao adimplir o contrato, o que entregar pode valer o dobro ou mais. O comprador pagou um preçocom uma expectativa de lucro que pode redundar em prejuízo.

É ainda aleatório o objeto concernente à compra de mercadoria já despachada, embarcadae sujeita ao risco do transporte assumido pelo adquirente, mesmo que já não existisse no dia docontrato, no todo ou em parte, por naufrágio do navio ou qualquer outro acidente com o veículotransportador, fazendo jus o vendedor a todo o preço, desde que ignorasse a consumação do risco,a que no contrato se considerava exposta a coisa – artigos 460 e 461 do Código.

1.2 - Restrições à compra e venda

1.2.1 - Venda de Ascendentes a Descendentes

O Código de 1916 por enquanto em vigor é taxativo no artigo 1.132 de que “os ascen-dentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamenteconsintam”. À venda efetivada ao arrepio do dispositivo legal entendia-se a presunção de simu-lação de liberalidade do ascendente com o intuito de beneficiar um descendente em prejuízo dosoutros por ocasião da sucessão hereditária. Uns entendiam fosse a presunção juris et de jure, ou-tros entendiam fosse juris tantum. Era relativa a presunção quando para a venda houvesse a inter-mediação de interposta pessoa, como julgado pelo nosso Egrégio Tribunal de Justiça - “VENDA

16 CÓDIGO CIVIL – VENDA DE COISAS ALEATÓRIAS - Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futu-ros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido,desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.

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DE ASCENDENTE A DESCENDENTE - INTERPOSTA PESSOA - SIMULAÇÃO - PROVA - ANU-LABILIDADE - Anula-se a venda feita por ascendente a descendente, através de interposta pes-soa, quando há prova séria da simulação. Para a anulação da venda de ascendente a descen-dente não é necessário que a ação seja proposta por todos os outros descendentes não aquin-hoados, bastando que apenas um deles não concorde com a alienação para se posicionar vali-damente no pólo positivo da relação processual. (TJMG - EI 68.002 - 2ª C. - Rel. Des.Gudesteu Biber - J. 22.12.87) (JM 97/ 100-129)” . Também do Egrégio Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul – “VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE - INTERPOSTA PESSOA -Necessidade da prova da fraude e da simulação. Enquanto na venda direta de ascendente adescendente, sem consentimento dos demais, a nulidade (art. 1.132 do CC), sem outras inda-gações, é corolário imediato e insanável, tanto inocorre com a interferência de terceiro, em queé mister o exame e apreciação da prova caracterizadora da fraude e da simulação. Apelodesprovido. (TJRS - AC 591.074.273 - 3ª C. - Rel. Des. Luiz Gonzaga Pilla Hofmeister - J.22.04.92) (RJ 180/ 104). Anteriormente o mesmo Egrégio Tribunal havia decidido considerandoabsoluta a nulidade – “VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE - A venda de ascendentea descendente, feita por interposta pessoa, sem o consentimento expresso dos demais descen-dentes, revela-se ato nulo e não meramente anulável, violada a norma do art. 1.132 do CC. Osefeitos da inviabilidade remontam ao tempo da primeira operação, nulificadas as que se suced-eram. Se a venda é realizada diretamente entre o ascendente e o descendente, vindo este maistarde a alienar o mesmo bem a terceiro de boa-fé, torna-se anulável o ato, invertidos os efeitosda declaração. Nesse caso o descendente beneficiado com a operação leva à colação o valor dobem. (TJRS - AC 591.059.506 - 8ª C. - Rel. Des. João Pedro Rodrigues Reis - J. 19.12.91) (RJ178/ 101)” . Seria absoluta a presunção e nula a venda, quando efetivada diretamente do ascen-dente para o descendente sem a intermediação de terceiro. Nesse sentido um acórdão do Eg.Superior Tribunal de Justiça - ´ VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE – NULIDADE –PRESCRIÇÃO – QUOTAS DE SOCIEDADE COMERCIAL – A venda de ascendente a descen-dente, sem interposta pessoa, é nula; a pretensão prescreve em vinte anos, contado o prazo dadata do ato. Inclui-se entre os atos proibidos a transferência de quotas sociais. Precedentes.Recurso conhecido e provido. (STJ – REsp 208521 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar– DJU 21.02.2000 – p. 132)” .

Essa dúvida já não mais existe com a nova norma do art. 496 do Código Civil – “é anulá-vel a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alie-nante expressamente houverem consentido”.

“Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se oregime de bens for o da separação obrigatória” .

1.2.2 - Suprimento judicial

O consentimento dos descendentes poderia ser suprido por provimento jurisdicional, no casode injusta recusa? - O que é anulável está sujeito à prescrição. Não é questão de ordem pública quepode ser alegada pelo Ministério Público ou levantada pelo Juiz, ex offício. Pode ser expressamenteconvalidado pelas partes ou com o implemento do lapso prescricional. A norma visa ainda, a prote-ger a legítima dos descendentes. De sorte que o suprimento judicial é juridicamente possível, quan-do houver equivalência das prestações e injusta se revelar a recusa de consentimento por parte dos

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demais descendentes e do cônjuge do alienante, neste caso, quando o regime de bens não for oda separação obrigatória. A circulação da riqueza sim, é questão de ordem pública.

Os ascendentes podem trocar bens com os descendentes, desde que haja equivalência devalores, - inteligência do inciso II do artigo 533 do Código Civil. Em ambos os casos há cominaçãode anulabilidade, sem contudo, estabelecer prazo para pleitear-se a anulação. O prazo pres-cricional, portanto, será de dois anos17, a contar da data da conclusão do ato – artigo 179 doCódigo Civil.

1.2.3 - Proibições quanto a determinadas pessoas

Ensinava CLOVIS BEVILÁQUIA, comentando o artigo 1.133 do Código de 1916 que “asproibições deste artigo têm um fundamento moral transparente – manter a isenção de ânimonaqueles a quem se confiam interesses alheios”. De sorte que é nula, não vale, a venda, feita àspessoas elencadas no artigo 497 do código de 2002, que substituiu o artigo 1.133 do Código de1916. Diferentemente do código que se expira, o que vai entrar em vigor não comina proibição deserem comprados pelos mandatários os bens de cuja administração ou alienação estejam encar-regados. Cautela deve ser mantida quanto à disposição do art. 122 do novo código – verbis – “Sãolícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes”;entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou osujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Ou, então ainda, do artigo 489, que reproduziu odisposto no artigo 1.125 do código do século passado – “Nulo é o contrato de compra e venda,quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço”. Assim, por cautela,para beneficiar o mandatário, o instrumento deve conter a cláusula “em causa própria” – artigo685 e mais os elementos essenciais do contrato de compra e venda consensus, res e pretium18.

No regime de comunhão universal de bens é vedada a compra e venda entre os cônjuges,porque já lhes pertencem mesmo porque, na linha de sucessão hereditária, um é herdeiro do outroem concorrência com os descendentes e ascendentes – art. 1.829, inciso I e II. “Todavia19, mesmonesse regime ou se outro for o regime matrimonial, como o de comunhão parcial, tal venda serálícita relativamente aos bens excluídos da comunhão” – artigo 499 do código20.

1.3 - Venda à vista de amostra, protótipos ou modelos

Efetuada a venda por amostra do produto21, que provocou o assentimento do comprador,há a presunção legal de que o vendedor assegura ter a coisa alienada as mesmas qualidades do que

17 CÓDIGO CIVIL - Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação,será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

18 TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS - Procuração em causa própria – Requisitos – "Res", "pretium", "consensus". A procuraçãoem causa própria, para operar a transferência de direito real, deve conter todos os requisitos do ato de compra e venda, "res", "pretium","consensus", sob pena de ineficácia nesse sentido. É que a inexistência de referência ao preço coloca uma das partes sob o inteiro arbítrioda outra, o que é vedado pelo art. 115 do Código Civil. (TAMG – AC 0262906-7 – 1ª C.Cív. – Relª Juíza Vanessa Verdolim Andrade – J.23.03.1999).

19 MARIA HELENA DINIZ – in CÓDIGO CIVIL ANOTADO – Saraiva – 8ª edição 2002 – página 348, - nota ao artigo 499 do novo CódigoCivil.

20 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – COMPRE E VENDA ENTRE CÖNJUGES - Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relaçãoa bens excluídos da comunhão.

21 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – VENDA POR AMOSTRA - Art. 484. Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, enten-der-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem.Parágrafo único. Prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo, se houver contradição ou diferença com a maneira pela qual se descreveua coisa no contrato.

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serviu de paradigma, – inteligência do artigo 484 do novo código. Havendo contradição ou diferençana qualidade da coisa entregue e a amostra, exibida por ocasião da contratação, considera inadim-plente o vendedor que responde por perdas e danos22 e mais as cominações do artigo 389.

1.4 - Venda “Ad Mensuram” e venda “Ad Corpus”

O artigo 500 do código a viger23 substituiu as disposições do artigo 1.136 do código que seexpira sob a venda ad mensuram e a venda ad corpus com suas conseqüências. A venda de imó-vel ad mensuram, ou por medida, é aquela em que se fixa área determinada e estipula o preço pormedida de extensão. É interessante a distinção entre a venda por medida e a venda ad corpus,porque os efeitos são diferentes. Na prática, a venda ad mensuram constitui-se de gleba retiradade área maior. O comprador adquire uma determinada metragem de terreno. O vendedor tem deentregar a quantidade vendida, observado pelo comprador um limite legal de tolerância em favordo vendedor de até menos de 1/ 20 da área total enunciada. Se a área vendida foi de 100 hectares,o vendedor tem de entregar ao comprador (100 : 20 = 5. 100 – 5 = 95), no mínimo, 96 hectares.Se a medida for menor, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendopossível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço. A presunçãode que a diferença encontrada não excedente a 1/ 20 foi meramente enunciativa é juris tantum,porque a Lei ressalvou ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria rea-lizado o negócio. Por outro lado, o que não era previsto no Código de 1916, se a área encontradafor maior do que a declarada no título, o vendedor tem direito, por escolha do comprador, de rece-ber a complementação do preço ou a devolução do excesso, desde que o vendedor possa provarque tinha motivo suficiente para ignorar a medida exata da área vendida.

Considera-se ad corpus a compra e venda de uma gleba determinada de terra, com limitese confrontações conhecidos por ambos os contratantes e colocados na descrição no título. Nestetipo de operação as partes não estão interessadas em medidas, mas no todo que compõe a gleba.Nesse caso não haverá complementação da área e nem devolução do excesso. Havendo limitescertos e confrontantes determinados, a referência às dimensões é apenas enunciativa, mesmo quenão conste de modo expresso haver sido a venda ad corpus. Com muito mais razão ainda, quan-do em tais circunstâncias, a dimensão é seguida da locução adverbial ‘mais ou menos’, significan-do que, para mais ou para menos, não faz diferença para os contratantes.

Tanto o vendedor quanto o comprador têm o prazo de um ano24 para reclamarem em juízoa complementação da área faltante, ou a rescisão do contrato ou o abatimento proporcional do

22 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – INADIMPLÊNCIA - Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais jurose atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

23 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – VENDA AD MENSURAM E AD CORPUS - Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço pormedida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o com-prador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimentoproporcional ao preço.§ 1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigési-mo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.§ 2º Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá aocomprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.§ 3º Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sidoapenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

24 CÓDIGO DE 2002 – DECADÊNCIA - Art. 501. Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o vendedor ou ocomprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do registro do título.Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.

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preço, contado a partir do registro do título, ou então, a part ir da imissão na posse se houver atra-so por culpa do alienante – artigo 501.

1.5 - Cláusulas especiais à compra e venda

1.5.1 - Da retrovenda

Retrovenda25, instituto do Código de 1916 e mantido no de 2002, é o direito que tem ovendedor de readquirir o imóvel que vendeu, dentro de certo prazo, devolvendo ao comprador opreço mais as despesas feitas pelo mesmo.

É o contrato de compra e venda, com a cláusula adjeta em que se estipula que o vendedorterá o direito de resgatar a coisa vendida, dentro de determinado prazo, não superior a três anos,pagando o mesmo preço ou diverso, previamente convencionado.

Dois são os pressupostos para a retrovenda, - que o objeto da venda seja imóvel e da escri-tura pública e registro imobiliário conste cláusula resolutiva para a retomada em prazo nunca supe-rior a três anos. Mesmo que convencionado entre as partes, considera-se não escrito o tempo quesobejar a três anos e limitado a esse tempo quando, expressamente, não o estipularem as partes.A retomada não tem a natureza de nova venda, mas de desfazimento do negócio, voltando tudoao status quo ante. De sorte que, para o implemento da condição, a obrigação do vendedor é dese prontificar, dentro do prazo acordado a promover a retomada pelas vias administrativas ofere-cendo o preço. Por outro lado, a obrigação do comprador é se dispor a comparecer no ato pú-blico26 para aceitar o pagamento e devolver o domínio. Caso o comprador se recuse27, está ovendedor legitimado a exercer o direito de resgate, na via judicial, no procedimento de consignaçãoem pagamento28, provando a mora do comprador.

O direito de retrato só é cessível e transmissível29 por causae mortis. Na retrovenda, ovendedor, seus herdeiros e legatários, conservam a sua ação contra os terceiros adquirentes dacoisa retrovendida – artigo 507 do Código novo. Se a duas ou mais pessoas couber o direito deretrato sobre o mesmo imóvel, - caso de condomínio ou sucessão hereditária, - e só uma o exercer,a questão deve resolver na via judicial, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado odepósito, contanto que seja integral30.

25 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – RETROVENDA - Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo má-ximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante operíodo de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

26 LEI 6015/ 73 – REGISTROS PRÚBLICOS - Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:I - o registro:1) Omissis... 29) da compra e venda pura e da condicional;

27 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – RETROVENDA – MORA DO COMPRADOR - Art. 506. Se o comprador se recusar a receber as quantias aque faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente.Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto nãofor integralmente pago o comprador.

28 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou ter-ceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.

29 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – DIREITO ERGA OMNES - Art. 507. O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros elegatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente.

30 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – HERDEIROS E LEGATÁRIOS - Art. 508. Se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmoimóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efe-tuado o depósito, contanto que seja integral.

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1.5.2 - Venda a contento e venda sujeita a prova

Trata de cláusula especial, inserida na avença, mediante a qual, o contrato só se aperfeiçoaapós o implemento de condição suspensiva que beneficia o comprador.

Na primeira hipótese31, a do artigo 509, mesmo que a coisa tenha sido entregue ao com-prador, a venda só se torna perfeita quando o adquirente manifestar o seu agrado. Não se exigedo adquirente justificativa de forma objetiva para aceitar ou rejeitar o produto. O comprador rejei-ta a coisa não por conta de vício material ou qualquer outro defeito. A coisa pode estar perfeitapara qualquer outra pessoa. Rejeita-se, simplesmente, porque essa é a sua vontade, do com-prador. O vendedor, no caso, ao entregar o produto ao adquirente, tem uma expectativa de venda,que só se aperfeiçoa se o comprador agradar-se da coisa. Não se agradando o comprador, con-trato não há, à míngua do elemento essencial – o consentimento, que deve ser recíproco. A vendaa contento do comprador não se presume, deve constar expressamente do contrato. Há casos devenda a contento quando o vendedor oferta, mediante propaganda impressa, determinado produ-to, e o envia ao adquirente, sob a condição de receber de volta o produto e a devolução da quan-tia paga, se, num determinado lapso temporal, o adquirente não gostar. O vendedor tem certezada aceitação do seu produto, de tal forma que lança o repto – ou adquirente satisfeito ou o negó-cio não se faz.

Na segunda hipótese32, a do artigo 510, do contrato deve constar que se trata de vendasujeita à constatação, pelo comprador, das qualidades asseguradas pelo vendedor, de sorte aservir, de forma idônea, ao objetivo do comprador, assim consignado expressamente no contrato.Diferentemente do que ocorre com a venda a contento, em que o comprador não precisa funda-mentar a sua recusa, aqui, na venda sujeita à prova, o adquirente, para recusar a coisa, tem dedemonstrar, por meios objetivos, que a coisa não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor,ou que as tendo, ainda assim, a coisa se revela inidônea ao fim a que se destina. A coisa, um doselementos essenciais do contrato, pelas qualidades que porta, não serve ao desiderato doadquirente e por isso não há o consenso para aperfeiçoar o contrato de compra e venda.

Registra-se que em ambas as hipóteses, - art igo 511, a posse do comprador, enquanto nãomanifestar a aceitação é de mero comodatário33. O efeito prático é que, uma vez não aperfeiçoa-da a compra e venda, e sendo do negócio a natureza jurídica do comodato, se o bem vier a perder,por caso fortuito ou força maior, o prejuízo é do vendedor34, no caso comodante, se o comodatáriodispensou todos os esforços para salvar os bens do comodante35 – artigo 583.

Para se evitarem disputas judiciais, em ambos os casos, deve constar do contrato, o prazocerto para a declaração do comprador. Não havendo prazo estipulado para a declaração do com-prador, o vendedor terá direito de notificá-lo, judicial ou extrajudicialmente, para que o faça em

31 CÓDIGO CIVIL DE 2002 - Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que acoisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.

32 CÓDIGO DE 2002 - Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qua-lidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina.

33 CÓDIGO CIVIL DE 2002 - Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisacomprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la.

34 CÓDIGO CIVIL DE 2002 - Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressa-mente não se houver por eles responsabilizado.

35 CÓDIGO CIVIL DE 2002 - Art. 583. Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este asalvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou forçamaior.

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prazo improrrogável - art. 512, que deve ser assinado, guardando o princípio da razoabilidade. Osilêncio do comprador, em qualquer situação, é corolário do seu assentimento e a compra e vendase revela perfeita.

1.5.3 - Da preempção ou preferência36

É a cláusula segundo a qual o comprador se obriga a oferecer ao vendedor a coisa objetodo contrato, antes de ser vendida a terceiro.

Direito de preferência que tem o ex-proprietário de um bem de adquiri-lo novamente, preçopor preço, em caso de o comprador desejar vendê-lo posteriormente, tudo segundo estipulado nocontrato de compra e venda. A preempção, também chamada preferência ou prelação, aplica-setambém à dação em pagamento.

Não se confunde a preempção com retrovenda. Nesta, o objeto é coisa imóvel. Na pre-empção tanto pode ser coisa móvel como imóvel. No retrato, o prazo de decadência é de até trêsanos. Na preempção é de até 180 dias para móvel e de até dois anos, se imóvel. Na retrovenda,a compra-e-venda só se revela perfeita após o prazo acordado no contrato, e a retomada não éconsiderada venda, mas extinção do negócio originário. Na preempção, a compra-e-venda estáperfeita tão logo ocorra a tradição e a retomada do bem considera-se um novo negócio. Na retro-venda, é o ex-proprietário quem tem a obrigação de procurar o comprador, dentro do lapso apraza-do, para resolver o negócio. Na preempção, é o comprador, que dentro do prazo acertado, se dese-jar se desfazer do bem, por venda ou dação em pagamento, quem está obrigado a procurar o ex-proprietário para oferecer a coisa, tanto por tanto. Na retrovenda, o preço da coisa é justamenteo mesmo que o comprador pagou ao vendedor e mais as despesas que fez. Na preempção, opreço é o do mercado, ou aquele que ao comprador foi ofertado. Na retrovenda, só é transmissí-vel por causae mortis. Na preempção, o direito de preferência é personalíssimo, não se pode cederpor atos inter vivos e nem por sucessão hereditária – art. 520.

1.5.4 - Venda com reserva de domínio

Trata de cláusula suspensiva em que o comprador de coisa móvel tem a expectativa dodomínio da coisa adquirida a prestações, tão logo ult ime o pagamento. O instituto de garantia dovendedor não era disciplinado pelo código que se expira. A reserva deve constar de forma expres-sa no contrato e ter como objeto coisa móvel que possa ser identificada, individuada, caracteriza-da, no universo de outros bens. Portanto, só são objetos do contrato de compra e venda com acláusula de reserva de domínio os bens infungíveis, perfeitamente caracterizáveis para extremá-los de outros congêneres. Para valer contra terceiros, o contrato deve ser registrado noTabelionato do Registro de Títulos e Documentos37 do domicílio do comprador38. Constituído o

36 CÓDIGO CIVIL DE 2002 – DIREITO DE PREFERÊNCIA - Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação deoferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tantopor tanto.

37 LEI 6015 DE 31/ 12/ 73 – LEI DE REGISTROS PÚBLICOS – REGISTRO RESERVA DE COMÍNIO - Art. 129. Estão sujeitos a registro,no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:

§ 5º. os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os dealienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária;

38 CÓDIGO CIVIL DE 2002 - Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio docomprador para valer contra terceiros.

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comprador em mora mediante protesto do título ou interpelação judicial, o vendedor pode cobraras prestações vencidas e vincendas ou então recuperar a posse da coisa vendida – artigo 525 e526 do código. A cobrança das prestações vencidas e vincendas e mais o que for devido, pode serfeita pelo procedimento comum ou monitório, se as prestações não estiverem representadas portítulo executivo, fato que impede a recuperação da posse da coisa vendida com animus domini,mas sim como cautelar, visando garantir a execução da sentença condenatória, ou do título exe-cutivo extrajudicial em que se fundar o crédito. Agora, se o vendedor optar pela recuperação daposse, após a apreensão, o comprador será citado para contestar em cinco dias ou então, nomesmo prazo, se houver pago mais de 40% (quarenta por cento) do preço, requerer ao juiz que lheconceda 30 (trinta) dias para reaver a coisa, liquidando as prestações vencidas, juros, honoráriose custas - § 2º do artigo 1.071 do Código de Processo Civil. Se a coisa não for encontrada, o pro-cedimento não obsequia espaço para a conversão em ação de depósito, como no caso do DL911/ 69, da alienação fiduciária. No procedimento ordinário o réu é citado e a ação busca sentençacondenatória de entrega de coisa certa, aplicando-se, na fase de execução, o disposto no artigo627 do Código de Processo Civil verbis – “art. 627. O credor tem direito a receber, além de per-das e danos, o valor da coisa, quando esta não lhe for entregue, se deteriorou, não for encon-trada ou não for reclamada do poder de terceiro adquirente. – Efetivada a retomada da coisa,responde o comprador pela sua depreciação, servindo as prestações pagas e o produto da vendapara a quitação da dívida. O que exceder será devolvido ao comprador e o que faltar será cobra-do em procedimento próprio – inteligência do artigo 527 do código. Se o vendedor ceder o crédi-to a instituição financeira, cede também os direitos e ações decorrentes do contrato, devendo ape-nas cientificar o comprador – artigo 528.

1.5.5 - Da venda sobre documentos

Nesse tipo de venda, agora regulado pelo direito comum – artigo 529 a 532, a tradição seaperfeiçoa com a entrega do título que identifica a coisa, e de outros documentos exigidos pelocontrato. Exemplo prático é a venda de mercadoria depositada, que é representada pelo conheci-mento de depósito e pelo warrant. O warrant é o título descrit ivo e representativo da mercadoriadepositada, que é acompanhado do título de depósito denominado conhecimento de depósito.Dispõe o artigo 15 do Decreto 1.102 que “Art. 15. Os armazéns gerais emitirão, quando lhes forpedido pelo depositante, dois títulos unidos, mas separáveis à vontade, denominados - conhe-cimento de depósito e warrant39” . Como observa J.X. Carvalho de Mendonça, “o warrant servede instrumento de crédito sobre as mercadorias, o conhecimento de depósito, de meio de circu-lação das mercadorias” – apud (TJRJ – AC 3.521/ 98 – Reg. 271198 – Cód. 98.001.03521 – RJ –1ª C.Cív. – Rel. Des. Amaury Arruda de Souza – J. 08.09.1998) – colhido de Juris SínteseMillenium. O conhecimento é o título que formaliza e serve para a transferência da mercadoria emdepósito. O warrant atua como instrumento às cauções que se fazem sobre o conhecimento ousobre mercadorias. Adverte DE PLÁCIDO E SILVA, “quando, juntamente com o conhecimento dedepósito, tenha sido emitido o warrant, não se pode retirar a mercadoria dos armazéns em que seencontra sem a entrega dos dois títulos: conhecimento e warrant40” . A Professora MARIA HELE-

39 FONTE ELETRÔNICA DE CONSULTA VIA INTERNET - http:/ / www.dji.com.br/ decretos/ 1903-001102- ag/ ag__015a027.htm40 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, Forense, 4º v., 1982.

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NA DINIZ acentua que “a venda sobre documentos, decorrente de usos e costumes, é muito uti-lizada nos negócios de importação e exportação, ou seja, nas vendas internacionais, ligando-se àtécnica de pagamento denominada crédito documentado (trust receipt)”41. Dispõe o artigo 178 doCódigo Penal que se emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposiçãolegal incorre o agente na pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Sebastião Pereira de SouzaJuiz de Direito da 25ª Vara Cível da Comarca deBelo Horizonte – Minas Gerais

41 MARIA HELENA DINIZ – in Código Civil Anotado – Editora Saraiva – 2002 – página 361.

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Pa l es t r a

V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

Maurício da Cunha Peixoto

A PRISÃO CIVIL NO DEPÓSITO VOLUNTÁRIO E A PROVÁVEL REVOGAÇÃO DO ARTIGO 11 DOPACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

I

O tema sobre o qual devo discorrer, como já anunciado, é “a Prisão Civil no Depósito Voluntárioe a Provável Revogação do art. 11 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Polít icos”.

Já de início, eu promoveria um acréscimo ao tema, à medida que o Brasil é signatário não deapenas 01, mas de 02 tratados internacionais que versam sobre a prisão civil.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, já mencionado no título desta palestra,que foi aprovado pelo Dec. Legislativo 226, de 12/ 12/ 1991 e mandado cumprir (promulgado) peloDecreto Executivo 592, de 06/ 07/ 1992, e também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,o chamado Pacto de São José da Costa Rica, ratificado no Congresso Nacional pelo DecretoLegislativo 27, de 25/ 09/ 92, que integrou o nosso direito posit ivo interno, a partir de DecretoExecutivo 678, de 06/ 11/ 1992.

Vejamos o que dizem esses tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário e, como eudisse, já integram a nossa legislação.

É a seguinte a previsão do art. 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos :

“Ninguém poderá ser preso apenas por não cumprir com uma obrigação con-tratual”

A seu turno, prevê o artigo 7º, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica :

“Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandadosde autoridade judiciária competente, expedidos em virtude de inadimple-mento de obrigação alimentar.”

São duas, principalmente, as questões sobre as quais me proponho a externar algumas con-siderações para a reflexão dos senhores : a primeira é se, tendo em vista o direito hoje vigorante, esob a consideração do fato de que os mencionados tratados internacionais estão integrados ao nossosistema jurídico, mostra-se possível, ou não, a prisão civil em caso de depósito voluntário, principal-mente considerando-se que a nossa Constituição Federal em seu art. 5º inciso LXVII, ao vedar, entrenós, a prisão civil, excepciona e assim a permite no caso do não- pagamento injustificado da pensãoalimentícia e no do depositário infiel.

E a segunda é se o advento do novo Código Civil, que entra em vigor no início do próximo ano,trará alguma alteração neste quadro.

Na análise que conduzirei vou concentrar maior atenção na prisão do depositário infiel na alie-nação fiduciária, visando que esta nossa troca de idéias ganhe em praticidade, à medida que a prisão

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do depositário infiel na alienação fiduciária é, de longe, o caso que mais freqüenta os nossosTribunais, se comparado com as demais hipóteses de prisão por dívida admitidas na legislaçãoinfraconstitucional. De qualquer forma, a atenção mais concentrada na alienação fiduciária não sefará em prejuízo das demais hipóteses referidas, porque o tratamento legislativo dado às demaishipóteses não difere , na essência, daquele dispensado ao depositário infiel na alienação fiduciária.Em todos os casos estaríamos diante não do depósito voluntário genuíno, mas do depósito porequiparação legislativa, com as normas específicas de cada hipótese remetendo às conseqüên-cias previstas no Código Civil e Código de Processo Civil, em havendo a infidelidade dodepositário equiparado. Ou seja, as conclusões que alcançarmos relativamente ao depositárioinfiel na alienação fiduciária se estendem às demais hipóteses de depósito por equiparação le-gislativa.

II

A vedação à prisão civil, contida nas ordens jurídicas dos povos cultos, em termos históri-cos, significa a supressão da possibilidade de ficar o devedor submetido ao poder do credor, aponto de, diante da impossibilidade de pagar a dívida, empenhar a própria vida. Já há muito quedeixou o homem de responder por suas dívidas com o próprio corpo, mais precisamente desde oano 326 antes de Cristo, com a edição da “LEX POETELIA PAPIRA”, do direito romano, quando seaboliu a possibilidade de a execução dirigir-se contra a pessoa do devedor, devendo, ao contrário,cingir-se ao seu patrimônio.

E, de fato, agride a consciência contemporânea vislumbrar-se possível aquela situaçãorelatada por Shakespeare no Mercador de Veneza, isto é, um credor, diante da impossibilidade depagamento do débito, exigindo do devedor parte da carne de sua perna.

Omissas a respeito as Constituições brasileiras de 1824 e de 1891, o nosso ordenamentoconstitucional proibiu a prisão por “dívidas, multas ou custas”, a partir da carta Republicana de1934. Nova omissão na Constituição de 1937 e a de 1946 revigorou a vedação da prisão por dívi-das, no art. 141, agora excetuando, de forma expressa, o caso do depositário infiel e o de inadim-plemento de obrigação alimentar.

O texto da Carta de 1946 foi repetido na de 1967 e mantido na emenda de nº 01, de 1969;sofreu uma pequena alteração na chamada Constituição cidadã, de 1988, com a manutenção, noentanto, da vedação da prisão por dívida, exceção feita também para os casos do alimentanteinadimplente e do depositário infiel.

Na linha de argumentação que pretendo desenvolver para responder negativamente aprimeira das indagações postas, fincarei bases, em princípio, no nível constitucional, para depoisdescer à discussão no nível infraconstitucional.

Tenho por certo que, se bem interpretarmos o artigo 51, inciso LXVII, da Carta Republicanaem vigor, a vedação à prisão do depositário infiel, pelo menos do depositário por equiparação, aflo-rará inevitavelmente.

E para iniciarmos nossa análise, mister se faz a comparação histórica entre o texto consti-tucional que vigorou de 1946 a 1988 e aquele que passou a disciplinar a prisão civil a partir de1988.

Dizia o artigo 153, § 17, da Constituição emendada de 1969 (lembrando que era este otexto também daquela de 1946 e 1967):

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“Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso dedepositário infiel ou do responsável pelo inadimplemento de obrigaçãoalimentar, na forma da lei”

Atualmente, diz o art. 5º, inciso LXVII da C.F :

“Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadim-plemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a dodepositário infiel” .

A questão que aflora, portanto, é a seguinte: devemos dar ao dispositivo uma interpretaçãomais restritiva quanto ao significado da expressão “depositário infiel” constante do texto, ou deve-mos ampliar seu significado, à medida que o legislador constituinte não trouxe qualquer distinção.

Ou em outras palavras, a prisão civil só se mostraria possível no caso do depósito genuíno,ou também se mostraria possível no caso de infidelidade em situações de depósito porequiparação legal?

Mas o que é o depósito genuíno, clássico ou tradicional, como se referem alguns autores, eo que seria o depósito por equiparação legal ?

Bom, o depósito genuíno é aquele cujo contrato é disciplinado no Código Civil, sendo cele-brado “ intuitu personae” . O depositário recebe bem móvel alheio para guardá-lo e conservá-lo como cuidado e a diligência empregados na conservação de suas próprias coisas (esse é o objeto docontrato), para devolvê-lo quando o depositante assim o exigir (art. 1265 e 1266, do Código Civil).

É um contrato via de regra gratuito, fundado na confiança, na boa-fé.Já no depósito por equiparação, apesar de não haver, entre as partes, a rigor, a celebração

de um contrato de depósito; por intermédio de uma ficção legal, o legislador ordinário estende aoutro instituto jurídico distinto os efeitos de um contrato de depósito.

Tem-se situações com pressupostos de fato diferentes, mas com equivalência no tratamen-to jurídico, com o legislador atribuindo, repita-se, por um instrumento de técnica legislativa, que éa criação de uma ficção jurídica, os efeitos jurídicos referentes a um determinado instituto, a outrobem diferente.

É o que ocorre, por exemplo, no caso da alienação fiduciária em garantia. Não há como sus-tentar que, no plano real - natural, ocorra um depósito no caso da alienação fiduciária.

O devedor fiduciário nunca será um depositário (na concepção genuína do depósito -reafirme-se). Ele não recebe a coisa da mão do depositante para guardá-la e conservá- la até queo depositante a reclame. Ele próprio a adquire através de um financiamento. E o credor fiduciário,suposto depositante, tampouco entrega a coisa para esse fim, reclamando-a quando não lhe inte-ressar a custódia alheia. Ele nem sequer pode pedir que a coisa lhe seja devolvida a qualquermomento (como no caso do depósito tradicional). Para que ele peça a restituição daquilo que naverdade ele nunca entregou, é necessário haver a mora do devedor, suposto depositário. Por outrolado, o verdadeiro depositário guarda a coisa alheia (e este é o escopo do contrato de depósito: aguarda da coisa alheia). Não há possibilidade de que ele dela se apodere. Na alienação fiduciária,a rigor, acontece o contrário. O fictício depositário torna-se proprietário do bem, ainda que atravésde propriedade resolúvel, e adquire a propriedade plena, bastando que pague a dívida do contra-to de financiamento. O escopo do contrato, aqui, não é a guarda de bem alheio, mas a garantia dadívida.

Inobstante essas diferenças, o legislador equiparou o devedor - fiduciário ao depositário,prevendo o artigo 66 da Lei 4.728/ 65, com a redação dada pelo Decreto-Lei 911/ 69, que o alie-

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nante fiduciário é “possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos quelhe incumbem de acordo com a lei civil e penal” .

E aí voltamos à questão anteriormente posta. O depositário infiel a que se refere aConstituição Federal seria aquele depositário infiel do t ipo clássico, tradicional ou a expressãoalcança o depositário infiel por equiparação legal, como, por exemplo, o devedor fiduciário?

Um primeiro ponto que não se pode desconsiderar na resposta a essa indagação é o fatode estarmos interpretando uma regra constitucional que excepciona uma regra geral vedatória daprisão civil. As exceções a essa regra, portanto - é princípio básico de hermenêutica - só podemser interpretadas restrit ivamente, e nunca de forma ampliativa.

E nessa interpretação, outro ponto que de forma alguma pode ser desconsiderado é asupressão, no atual texto constitucional, da expressão “na forma da lei” que figurava na dicção domesmo dispositivo nas constituições anteriores.

Não podemos querer, como fazem alguns, deixar de enxergar efeitos relevantes e elo-qüentes nessa supressão, como se fosse possível interpretar da mesma maneira dois disposit ivos,quase idênticos, um de uma Constituição revogada, outro da Constituição revogadora, o primeiro,com a expressão “na forma da lei” , o segundo, sem a expressão, como se nada tivesse aconteci-do e como se a expressão, no texto revogado, estivesse sobrando, fosse excessiva e sem signifi-cado. Ora, não existem palavras inúteis na lei.

Na verdade, se antes nós tínhamos uma norma constitucional de eficácia contida, relativa-mente à qual havia espaço para a disciplina legislativa a nível infraconstitucional, agora temos umanorma constitucional de eficácia plena, ou seja, de aplicabilidade direta, imediata e integral.

Antes, possível se mostrava ao legislador ordinário, por delegação expressa do próprioconstituinte, criar hipóteses outras de depósito por equiparação, por ficção jurídica. Sob a égideda Constituição anterior, portanto, possível se mostrava a prisão do alienante fiduciário ou dedevedores de financiamentos cedulares garantidos por penhor, cujos bens empenhados hou-vessem desaparecido. E não havia maiores discussões a esse respeito, exatamente por que aexpressão, “na forma da lei” , constava do texto constitucional.

A situação mudou com a supressão da expressão na Constituição atual, fato que aponta, ameu ver, inquestionavelmente, para a necessidade de se dar interpretação restritiva ao art. 5º,LXVII, da CF, limitando-se a exceção à prisão civil, no caso do depositário infiel, aos contratos dedepósito genuíno, e não a estendendo às hipóteses de depósito por equiparação.

E para que se alcance essa conclusão basta que se equipare, que se coloque em uma ba-lança, para comparação, o peso das exceções à vedação da prisão por dívidas.

Ora, é da tradição não só do nosso direito, mas do direito dos povos cultos, a proibição àcoação física do devedor inadimplente. Mas existem 02 (duas) situações de peso, situaçõesextremas, em que os valores envolvidos são de tal forma relevantes, que efetivamente a regravedatória pode ser excepcionada. A prisão aqui não pode ser entendida com uma pena, mas comoum meio visando compelir o inadimplente ao cumprimento da obrigação assumida.

A primeira delas é a situação do alimentante que, sem justificativa, e, portanto, espon-taneamente, não paga a dívida de alimentos.

Ora, a obrigação alimentar funda-se na própria existência da família, interessando, pois, aosdestinos da sociedade. Na verdade, os alimentos são essenciais à vida. Então, a rigor, o que está,efetivamente, sendo resguardado, a ponto de se ferir um outro bem maior, que é a liberdade, é aprópria vida do alimentando e a própria entidade familiar.

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A segunda delas é a situação do depositário infiel. Ora, o depósito, em sua concepção tradi-cional e genuína, funda-se na boa-fé, na fidúcia. A base subjacente da relação contratual é a con-fiança, outro bem de valor superior nas relações humanas.

A coisa depositada vem às mãos do depositário em razão da confiabilidade que lhe tem odepositante. E essa fidúcia merece proteção.

Ou seja : a vida e a confiança são os bens que merecem proteção a ponto de se relativizara proteção à liberdade. Inegavelmente, dois bens humanos de valor inestimável.

Diferente, no entanto, é o caso dos depositários infiéis por equiparação legal, porque, naverdade, o depósito (entre aspas) se faz em garantia de uma dívida, como na alienação fiduciária.Seria possível conceber a prisão como meio coercitivo para o pagamento de uma dívida contraí-da junto a uma instituição financeira?

Vamos colocar na balança, vamos comparar os valores, os bens juridicamente protegidos.Excepcionar-se o direito à liberdade para garantir-se o direito à vida, ou para assegurar-se que aconfiança, a boa-fé, nas relações humanas não seja traída, vá lá. Mas excepcionar-se o direito àliberdade, apenas para garantir o pagamento de empréstimos contraídos junto a instituições finan-ceiras é desvirtuar totalmente o preceito constitucional, porque estar-se-ia-se diante da própriaprisão por dívida (que é vedada constitucionalmente) em seu aspecto mais mesquinho e tene-broso. Estar-se-ia, a rigor, transformando-se a exceção em regra e voltando-se àqueles tempos,que a história deveria esquecer, de cortar-se a perna para pagar um débito. É desumano privaralguém da liberdade por não ter dinheiro.

E na comparação dos textos constitucionais anterior e atual, um outro ponto estaria a apon-tar também para o acerto de uma interpretação restritiva das exceções contempladas no dispo-sitivo da Lei Maior, pois bem demonstra a intenção do legislador constituinte em excepcionar aindamais a possibilidade da prisão civil por dívidas, relativamente ao texto anterior e na esteira do mo-derno constitucionalismo. Refiro-me ao fato de se estabelecer, a nível constitucional, a impossibi-lidade de se prender o alimentante inadimplente, se houver justificativa para o inadimplemento ( otexto anterior não previa essa exceção, que só figurava na legislação infraconstitucional - issomostra a preocupação do constituinte em marcar bem a excepcionalidade da prisão por dívida).

A liberdade, em sendo um dos maiores bens da vida, deve sempre sobrepairar ao interessepecuniário de qualquer credor.

É como, com a costumeira felicidade, colocou o Prof. BARBOSA MOREIRA:

“Reconhecer à lei ordinária a possibilidade de equiparar outras situ-ações, substancialmente diversas, à do depositário infiel, para o fim detornar aplicável a prisão civil, eqüivale a esvaziar a garantia constitu-cional. Mediante a “equiparação”, qualquer devedor - um simples mu-tuário, por exemplo - acabará podendo ver-se sujeito a medida cujoemprego a Constituição quis limitar a casos bem definidos” . (AP. CIV. Nº3.568/ 87 do TJRJ, citado no acórdão do Resp. 7.943 B RS do STJ, 40T. Rel. Athos Carneiro DJU de 10/ 06/ 91, p. 7854, RSTJ 23/ 387-388).

De qualquer forma, como diz CARLOS MAXIMIANO, traduzindo conhecido brocardo latino, “Na dúvida, pela liberdade. Em todos os assuntos e circunstâncias, é a liberdade que

merece maior favor” .Já me sinto assim, apto a uma primeira conclusão, limitando, ainda, a análise apenas à con-

sideração do texto constitucional de 1988.Entendo que o art. 5º, inciso LXVII, da CF só permite a prisão civil no caso de alimentos,

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diante da falta de justificativa para o inadimplemento, e, no caso do depositário infiel, em setratando do depósito tradicional, seja voluntário, decorrente de contrato, seja o necessário, comopor exemplo, aquele de decorre de ordem judicial.

Os artigos da legislação anterior que permitiam a prisão do depositário infiel porequiparação (como na hipótese da alienação fiduciária, do penhor cedular rural, etc.) não foramrecepcionados pela nova ordem constitucional.

Deve-se frisar, no entanto, que não é esta a posição do STF, pois a Excelsa Corte, a meuver, erroneamente (com todas as “venias” possíveis), por mais de uma vez, entendeu que “em faceda Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em setratando de alienação fiduciária” . (HC 75.306-0/ RJ DE 19/ 08/ 97, Rel. Min. Moreira Alves, eainda HC 72.131-RJ de 23/ 11/ 95, HC 74.381-1,de 26/ 09/ 97 dentre outros).

III

Mas vamos colocar como ingredientes novos na discussão os tratados internacionais járeferidos, quais sejam, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica.

São tratados que trazem em seu bojo garantias de proteção a Direitos Humanos, comoaquela, que veda a prisão civil por descumprimento de obrigação contratual e a prisão por dívida,exceção feita apenas para o caso do alimentante.

E aí vem uma primeira indagação. A que nível esses tratados passam a integrar o nossodireito positivo depois de devidamente ratificados pelo Congresso Nacional. No nível constitu-cional ou infraconstitucional ?

Haveria eventualmente a possibilidade de que os direitos e garantias relacionados com osdireitos humanos constantes desses tratados integrassem o direito positivo no nível constitucional?

O Supremo Tribunal Federal generalizou a questão e também, por mais de uma vez,externou o entendimento no sentido de que os tratados internacionais aderem ao nosso direitoposit ivo ao nível da legislação infraconstitucional, como leis ordinárias. E o fez, há de se reco-nhecer, com sólida fundamentação, argumentando que a Constituição Federal, no art. 105, III, sub-meteu à competência do Superior Tribunal de Justiça, julgar, mediante recurso especial, decisõesque contrariam tratado ou lei federal. A discussão a respeito de tratado internacional, da mesmaforma que a respeito de lei federal, só alcança o Supremo se questionada a sua constitucionali-dade, conforme previsão do art. 102, III, b, da Carta Maior. Assim, a própria Constituição Federalteria equiparado os tratados à lei federal.

Por outro lado, os tratados internacionais passam a integrar o nosso direito interno depoisde ratificados pelo Congresso Nacional, por Decreto Legislativo, que tem tramitação nas CasasLegislativas semelhante à das leis ordinárias, e bem diferenciada (no que diz respeito a quoruns,número de reuniões, etc) das emendas constitucionais.

Assim, admitir a integração de tratados internacionais, no nível constitucional, poderia sig-nificar uma flexibilização perigosa da Constituição, concebida como um texto rígido. Ou seja, pormeio de tratados internacionais firmados pelo Presidente da República ter-se-ia EmendasConstitucionais, a alterar a Constituição. E conforme o entendimento da Excelsa Corte, a CartaMagna, “como expressão máxima da soberania nacional, está acima de qualquer tratado ou con-venção internacional que com ela conflite” .

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Todavia, corrente oposta, no que se refere a direitos e garantias relacionadas a direitoshumanos previstos em tratados internacionais, tem ganhado força, calçada em doutrina que traztambém fundamentação interessante e bem atraente.

Para os que se opõem à posição do STF, os tratados internacionais que não versam sobreproteção de direitos humanos, integrariam nosso direito interno, após a necessária ratificação porparte do Congresso Nacional, ao nível de lei ordinária.

Diferentemente, a proteção decorrente de tratados internacionais sobre direitos humanosaqui se estabeleceria no nível constitucional. E isto porque é a própria Constituição Federal queimpõe seja dessa forma.

Os arautos dessa corrente, fincam as âncoras principais de sua argumentação no art. 5º, §2º, da CF que assim dispõe :

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição (dentre eles o davedação à prisão por dívida) não excluem outros decorrentes do regimee dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em quea República Federativa do Brasil seja parte” .

No disposit ivo, então, extraem-se três vertentes de proteção constitucional, relativas aosdireitos e garantias individuais :

a) os direitos e garantias já expressos na Constituição.b) os direitos e garant ias decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição ado-

tados, ec) direitos e garantias previstos em tratados internacionais firmados pelo Brasil.

Trata-se, assim, argumentam, de norma com um caráter aberto, que determina a entrada norol dos direitos e garantias consagrados na Constituição, de outros direitos e garantias prove-nientes de tratados internacionais.

À medida que o dispositivo dispõe que “os direitos e garantias expressos na Constituiçãonão excluem outros direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais” , a “contrariusensu” está ele a incluir, no catálogo dos direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enun-ciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Ou seja, o processo de inclusãoimplicaria a incorporação, pelo texto constitucional, desses direitos.

Dessa forma, mais do que vigorar como lei interna, os direitos e garantias fundamentaisproclamados nas convenções ratificadas pelo Brasil, por força do mencionado art. 5º, § 2º, pas-sam a ter, por vontade da própria Carta Magna, o status de norma constitucional; em outraspalavras, têm natureza materialmente constitucional.

Como explica Flávia Pioveram, uma das que sustentam esta tese, o tratamento diferencia-do, conferido pelo art. 5º,§ 2º, na Carta Constitucional de 1988,

“Justifica-se na medida em que os tratados internacionais deDireitos Humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dostratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e areciprocidade de relações entre Estados partes, aqueles transcendem osmeros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes. OsTratados de Direitos Humanos objetivam a salvaguarda dos direitos doser humano e não das prerrogativas dos Estados” .

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Esse caráter especial estaria a justificar, assim, o status constitucional atribuído aos trata-dos internacionais de proteção aos Direitos Humanos. Status, repita-se, conferido pela própriaConstituição Federal.

E neste conferir status constitucional a normas protetoras dos direitos humanos oriundasde tratados internacionais, o Brasil não estaria sozinho.

Veja-se que segundo o art. 25 da vigente Constituição Alemã:

“As normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte inte-grante do direito federal. Sobrepõem-se às leis e constituem fonte dire-ta para os habitantes do território federal” .

Já o art. 55 da Constituição Francesa estabelece:

“Os Tratados e acordos regularmente ratificados ou aprovados possuem,desde a sua publicação, autoridade superior à das leis, sob reserva, emcada caso, de aplicação pela outra parte”.

Também o art. VI (2) da Constituição dos EUA reza:

“Esta Constituição e as Leis complementares e todos os tratados já ce-lebrados constituirão a Lei Suprema do País...”

De se citar, também, a Constituição Espanhola, que afirma em seu art. 9.2:

“As normas relativas aos direitos fundamentais e às liberdades que aConstituição reconhece se interpretarão de conformidade com aDeclaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados e acordosinternacionais sobre as mesmas matérias ratificadas pela Espanha”.

A constituição Argentina, reformada em 1994, também estabeleceu, em seu art. 75, quedeterminados tratados e instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos nele enu-merados têm “hierarquia constitucional” e são complementares aos direitos e garantias nelareconhecidos.

E neste caldeirão de argumentos, lançam-se, ainda, dois outros dispositivos constitucionais:

O primeiro é que um dos pilares em que se assenta o Estado Brasileiro, é a dignidade dapessoa humana. Com efeito, assim prevê o art. 1º, inciso III da Lei Maior :

Art. 1º : A República Federativa do Brasil, formada pela união indis-

solúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em

estado Democrático de Direito e tem como fundamento. .......................................................................................................III – A dignidade da pessoa humanaE o segundo é o art. 4º, inciso II :............................................................................................Art. 4º : A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relaçõesinternacionais pelos seguintes princípios :II – prevalência dos Direitos Humanos.

Que se recorde, nesse passo, o § 2º do art. 5º:

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“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição nãoexcluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasilseja parte”.

Ora, se é princípio da República Federativa do Brasil a prevalência dos direitos humanos ese ela tem por fundamento a dignidade da pessoa humana, as três vertentes de proteção extraí-das do art. 5º, § 2º, que há pouco destaquei, estariam a autorizar a integração ao nosso direito deregras protetoras dos direitos humanos ao nível constitucional.

Mas admitindo que a proibição à prisão civil em decorrência de descumprimento contratualprevista no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a vedação à prisão por dívida, salvodo alimentante, estabelecida no Pacto de São José da Costa Rica, se reputam normas constitu-cionais, haveria, então, um conflito entre dispositivos da nossa Constituição, à medida que o art.5º, LXVII, permite também a prisão do depositário infiel ?

Eu penso que não. Teríamos aí que fazer uma interpretação integrativa dos dispositivos emfoco, que passariam a ter, a meu ver, o seguinte significado: não é mais possível a prisão dodepositário infiel, caso o depósito tenha decorrido de contrato ou em razão de dívida do depo-sitário. Mas ela continua possível, caso o depósito não tenha decorrido de contrato ou dívida, comoé o caso do depósito judicial.

Neste raciocínio, então, ou seja, considerando que a proteção aos direitos humanos cons-tantes dos dois pactos internacionais são normas constitucionais, toda legislação infraconstitu-cional, anterior ou posterior aos pactos, que preveja a prisão do depositário infiel por dívida ou emrazão de descumprimento de contrato, e neste rol, incluir-se-ia, até o depósito voluntário genuíno,passa a ser reputada inconstitucional.

Mas consideremos - até porque está é a posição tranqüila do STF e aí sem divergência entreos ministros - que os tratados internacionais integrem o nosso direito como lei ordinária.

De um lado teríamos, assim, por exemplo, uma lei ordinária, Lei 4.728/ 65, cujo art. 66, coma redação dada pelo Dec-Lei 911, que versa sobre a alienação fiduciária, equiparando o devedorfiduciário a um “depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acor-do com a lei civil e penal” . Dentro dessas responsabilidades e encargos está o disposto do art.1.287 do Código Civil, prevendo a prisão do depositário infiel. De outro lado, temos, então, 02(duas) outras leis ordinárias posteriores àquela (exatamente os dois tratados já referidos) quevedam, primeiro, a prisão de alguém por ter simplesmente descumprido uma obrigação contra-tual, e, segundo, a prisão por dívida, a não ser no caso do alimentante inadimplente.

Haveria um confronto entre essas normas?

Eu não tenho qualquer dúvida disto. É absolutamente incompatível que elas convivam den-tro do mesmo ordenamento, porque elas são completamente opostas. A primeira permitindo aprisão civil por descumprimento contratual e por dívida, no caso da alienação fiduciária. E as ou-tras, vedando exatamente isto.

A lei posterior sobre o mesmo assunto revoga a anterior. Portanto, a se admitir que tenhamos tratados integrado o nosso ordenamento jurídico na condição de lei ordinária, eles certamenteentraram em conflito direto com o dispositivo da lei de alienação fiduciária, que por via indireta(remetendo para a lei civil) permite a prisão do devedor alienante.

Mas também impõe registrar, não é este o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Isso

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porque o pleno da Excelsa Corte, por uma tímida maioria de 06 a 05, ao julgar o HC 72.131/ RJ,

“ firmou o entendimento de que em face da Carta Magna de1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infielem se tratando de alienação fiduciária, bem como que o Pacto de SãoJosé da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do art.5º, LXVII, da mesma Constituição não derrogou, por ser norma infra-constitucional geral, as normas infra-constitucionais especiaissobre prisão civil do depositário infiel” .

Segundo o Min. Maurício Corrêa, que conduziu a apertada maioria nesse julgamento, “oscompromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (§ 2º do art. 5º daConstituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração da suaConstituição; por essa razão, o art. 7º, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica, deve ser inter-pretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição”.

Mais uma vez, com todas as vênias, terei a ousadia de discordar desse posicionamento.Mas, pelo menos aqui, eu estou bem acompanhado por Ministros do peso do Min. FranciscoRezek, Marco Aurélio de Melo, Carlos Veloso e Sepúlveda Pertence.

Ora, é certo que os tratados internacionais são leis gerais. Mas também as leis gerais con-têm em seu bojo disciplinas específicas sobre determinadas matérias. E é o caso da prisão civil,pois os tratados já referidos disciplinaram, específica e exaustivamente, a questão, vedando, semressalvas, a prisão por descumprimento de obrigação contratual e a prisão por dívida, só excep-cionando, neste último caso, o alimentante mau pagador.

São, induvidosamente, normas que versam de maneira específica sobre a mesma matéria.A posterior, então, revoga a anterior.

Nos termos da Lei de Introdução ao Código Civil, as leis especiais não são revogadas pelasgerais, salvo quando as gerais regulem a matéria ou explicitem a revogação. E eu volto a insistir,os tratados internacionais de que estamos falando regularam, especificamente, a matéria perti-nente à prisão civil.

E por outro lado, se a questão é de lei geral, o tratamento da alienação fiduciária tambémestá em uma lei geral, que é a 4.728/ 65, que disciplina o mercado de capitais.

Vale a pena, ainda, colacionar um trecho de voto do Min. Rezek, em que S.Exa demonstraabsoluta surpresa com a posição adotada pela maioria vencedora:

“O julgamento em plenário dessa questão jurídica, foi extrema-mente longo, e não pude assisti-lo até o fim. Pela leitura das atasobservei que se admitiu aquilo que em certo momento eu afirmara emmeu voto: o inciso LXVII proíbe a prisão por dívida e, ao estabelecer aexceção possível, permite que o legislador ordinário discipline a prisão doalimentante omisso e do depositário infiel. Permite, não obriga. O cons-tituinte não diz: prenda-se o depositário infiel. Ele diz: é possível legislarnesse sentido. Mas algo me causou perplexidade. Ter-se-ia dito que,então, dado ao legislador ordinário o poder de optar entre permitir, ounão, a prisão do depositário infiel, o texto de São José da Costa Rica nãopoderia ter, a partir de sua vigência no Brasil, limitado o direito constitu-cional que tem o legislador ordinário de fazer sua escolha! Veja-se qualfoi o raciocínio : a Constituição não obriga a prender o depositário infiel;ela diz apenas que isso é uma exceção possível à regra de que não há

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prisão por dívida, e o legislador ordinário que delibere. O legisladorordinário poderia, então, disciplinar a prisão nessa hipótese, ou não fazê-lo e assumir uma atitude mais condizente com os novos tempos. Masafirmou-se : esse texto de São José da Costa Rica, ao proibir a prisãodo depositário infiel, limita – e não poderia fazê-lo – a liberdade do nossolegislador ordinário.

Raciocinou-se, com todas as vênias, como se o texto de São Joséda Costa Rica só fosse um produto alienígena, uma obra de extrater-restres, que desabou arbitrariamente sobre nossas cabeças. Procedeu-se como se São José da Costa Rica não fosse um texto de cuja elabo-ração o Brasil participou, e que só começou a valer no Brasil depois queo Congresso Nacional aprovou esse texto – com todos os requisitosnecessários à produção de direito ordinário – e que o Chefe de Estado oratificou. O necessário para que a República se envolva num tratado é,no mínimo, igual ao necessário para produzir direito ordinário. Entre-tanto, havendo-se raciocinado como se a convenção não fosse obra quesó nos vincula por causa da nossa vontade soberana, exorcizou-se a con-venção como coisa estranha á brasilidade ...” (HC 74.383/ MG)

Mas, ainda que consideremos correta a posição do STF, no sentido de que os PactosInternacionais não revogaram as normas relativas à alienação fiduciária, que permitem a prisãocivil, porque lei geral não revoga lei especial, ainda assim, a prisão não se mostraria possível.

E aqui o fundamento é irrefutável porque se trabalha dentro da linha argumentativa dopróprio STF.

Isto porque o Decreto –Lei 911, da alienação fiduciária, e no mesmo diapasão as leis quetratam, por exemplo, do penhor cedular, não trazem um dispositivo específico a impor a prisão dodepositário infiel por equiparação.

Esses diplomas não criaram uma espécie de prisão civil própria e autônoma para o infieldepositário por equiparação.

Na verdade, no que diz respeito à responsabilidade do depositário por equiparação, elessimplesmente remetem às previsões da lei civil e processual civil sobre o assunto. Ou seja, elesremetem às previsões de duas leis gerais.

Ora, a usar o entendimento do Supremo, “ lei geral não revoga lei especial” , as disposiçõesdo Código Civil (art. 1.287) e do Código de Processo Civil (arts. 902 e 904) que versam sobre aprisão civil, no caso de depósito voluntário, por descumprimento contratual e por dívida, por con-flitarem com as normas dos 02 tratados internacionais já referidos, que são também lei geral eposterior, estão revogadas.

Com isso, esvaziou-se, por completo, o conteúdo compulsivo prisional daquelas normasditas especiais que apenas remetem à lei geral para impor responsabilidade ao depositário infiel.

É de lembrar que o Dec-Lei 911/ 69, por exemplo, ao equipar o devedor ao depositárioimpõe-lhe, remissivamente, “ todas as responsabilidades que lhe incumbem de acordo com a leicivil e penal” . Como a lei civil, por conter regra geral (é o artigo 1.287 do CC a fonte de ondeemana o conteúdo da responsabilidade civil, com todos os seus consectários por infidelidadedepositária, no tocante à prisão civil) foi derrogada por lei geral posterior, exatamente os pactosinternacionais, deixou de existir no país norma que desse suporte à remissão das supostas leisespeciais.

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Bom, até aqui eu fiz referência apenas à posição do STF. Mas como está a questão noâmbito do STJ? Isso porque, se o STF entendeu constitucional a prisão do depositário infiel,mesmo do depositário infiel por equiparação, e se os tratados internacionais que vedam a prisãocivil se integram ao nosso direito interno no nível de lei ordinária, dirimir o conflito entre essestratados e a nossa legislação infraconstitucional, a rigor, é da competência, do STJ.

No STJ, atualmente, a posição pacificou-se no sentido da impossibilidade da prisão dodepositário infiel por equiparação, como registrado no julgamento abaixo, de sua Corte Especial:

“Alienação fiduciária em garantia (Lei nº 4.728/ 65 e Decreto-lei nº911/ 69). Prisão civil (falta de cabimento).Embargos de divergência.

1 – Em 1999, decidiu a Corte Especial, em julgamento unânime,que “Não cabe prisão civil do devedor que descumpre contrato garanti-do por alienação fiduciária” (EREsp-149.518, Min. Ruy Rosado, publica-do o acórdão no DJ de 28.02.00).

2 – Em 2000, a Corte Especial, por maioria de votos, manteve,por ocasião do julgamento do HC-11.918 (redigirá o acórdão o MinistroNilson Naves), a posição tomada nos EREsp-149.518.

3 – No atual julgamento, a Corte Especial, tornando à matéria,reafirma, em julgamento unânime, que é ilegal a prisão civil do alienanteou devedor como depositário infiel.

4 – Embargos de divergência conhecidos e recebidos. (EREsp-127.098/ RJ, Corte Especial, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 27/ 08/ 01,pg. 215)”.

Vale também colacionar a posição do TAMG. E aqui, pesquisando o site na internet, eu con-segui decisões a propósito do tema de 32 dos atuais componentes da Corte Mineira. Desses, 14(quatorze) entendem cabível a prisão do depositário equiparado e 18 (dezoito) não a admitem.

Agora, para finalizar, e já não é sem tempo, pois abusei da paciência dos senhores, comofica a questão quando o novo Código Civil entrar em vigor?

É de notar que o art. 652 do novo Código Civil simplesmente repetiu a regra do atual art.1.287, estabelecendo :

“seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o resti-tuir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não exce-dente a (um) 01 ano, e ressarcir os prejuízos”.

E aí, como ficamos ?

Depende da posição que se adotar com relação ao nível de integração de proteções aosdireitos humanos constantes de tratados internacionais firmados pelo nosso país.

Se o entendimento for no sentido - que não é a posição do Supremo Tribunal Federal – deque estes princípios integram a própria Constituição Federal, o novel artigo 652 do Código Civil jánasce com o vício da inconstitucionalidade.

Se o entendimento for no sentido de que a integração se dá a nível de lei ordinária, aí nóstemos 02 (duas) posições possíveis:

Vimos que o artigo 1.287 do Código Civil atual foi revogado no que diz respeito ao depósi-to voluntário, pelos pactos internacionais já referidos, o que esvaziou o conteúdo prisional da

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remissão feita pelo Dec.-Lei 911, da alienação fiduciária, ao mencionado dispositivo. Com a entra-da em vigor do novo art. 652, estar-se-ia restabelecendo-se, portanto, a possibilidade de prisão dodepositário infiel, mesmo no caso dos depósitos por equiparação.

A 2ª posição, (sendo a que, no meu entendimento, é a mais correta) é no sentido de que, orestabelecimento da possibilidade de prisão, com a entrada em vigor do art. 652 do novo CódigoCivil, com o mesmo texto do revogado art. 1.287, só diz respeito ao depósito voluntário tradicional,e nunca ao depósito por equiparação legal, por força das razões aduzidas no início desta palestra,no que respeita à interpretação restritiva do art. 5º, LXVII, da CF, principalmente em razão desupressão da expressão “na forma da lei” .

Meus senhores e senhoras, apenas pondo um ponto final nesta palestra eu repetiria umafrase do Procurador Geral de São Paulo, Dr. Sotelo Felippe, ao apresentar o livro “ Instrumentosinternacionais de proteção aos direitos humanos”. Disse S. Exa :

“O verdadeiro conceito de soberania nacional compreende emseu interior, a soberania popular. E não há soberania popular semDireitos Humanos. Por isso, em nome da democracia em tempos deglobalização é preciso globalizar a dignidade humana”.

Muito obrigado.

Maurício da Cunha PeixotoAdvogado militante em Belo Horizonte

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S u m ár i o

V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

O NOVO CÓDIGO CIVIL E O CONTRATO DE SEGURO: NOVIDADES E POLÊMICAS

Vigência: 11/ 01/ 2003

Comentários

ART. 757 - PELO CONTRATO DE SEGURO, O SEGURADOR SE OBRIGA, MEDIANTE O PAGAMENTO DO

PRÊMIO, A GARANTIR INTERESSE LEGÍTIMO DO SEGURADO, RELATIVO A PESSOA OU A COISA, CON-

TRA RISCOS PREDETERMINADOS.

PARÁGRAFO ÚNICO - SOMENTE PODE SER PARTE, NO CONTRATO DE SEGURO, COMO SEGU-

RADOR, ENTIDADE PARA TAL FIM AUTORIZADA.

A expressão “ interesse legítimo” tem sentido amplo e abrange os dois seguros (de dano e depessoas). A expressão “risco pré-determinado” equivale ao art. 1.460 do Código velho, excluindoqualquer responsabilidade do segurador por risco não delimitado no contrato.

Corrige defeito do art. 1.432 do Código velho já que este erigiu conceito que mais se pres-ta ao seguro de dano, passando a idéia de que o seguro, seja de dano ou de pessoas, garante sem-pre um prejuízo, dando também ao seguro de pessoa um caráter indenitário que ele não tem.

Já o novo Código introduz um conceito unitário do contrato de seguro que serve tanto aoseguro de dano quanto ao seguro de pessoa, estabelecendo que o seguro objetiva garantir um inter-esse legít imo do segurado contra riscos predeterminados no contrato, e não a indenizar prejuízossomente.

Adota a teoria da necessidade, pois o traço comum dos seguros é a satisfação de uma neces-sidade, concreta (seguro de danos) ou abstrata (seguro pessoas), que não se cumpre de formaprimária (devolução da própria coisa roubada, destruída etc), mas de forma secundária, com o paga-mento de uma indenização/ capital segurado em dinheiro.

Daí porque o seguro não encerra obrigação de fazer, mas genuinamente obrigação de dar, depagar quantia certa em dinheiro (veja o art. 776).

O objeto do contrato de seguro, pois, não é o bem material (automóvel, casa, navio etc) ou ima-terial (a vida a integridade física etc), mas o interesse legítimo sobre esses bens. E o que é interesselegítimo senão a relação lícita de valor econômico sobre um bem?

Se essa relação encontra-se ameaçada por um risco, estaremos diante de um interesse legíti-mo segurável, que vem a ser o objeto de qualquer contrato de seguro, seja ele de dano ou de pessoa.

Resta claro que o objeto, por exemplo, de um contrato de seguro de automóvel (seguro dedano), não é o automóvel, assim como o objeto de um contrato de seguro de vida não é a pessoa,embora esteja ela no epicentro da relação, mas decididamente o interesse legítimo sobre esses bens(bens aqui considerados no seu sentido mais amplo).

23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

Ricardo Bechara

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A expressão risco “predeterminado” equivale a todo o art. 1.460 do Código velho que ago-niza, como que economizando palavras desnecessárias para expressar essa natureza imanente docontrato de seguro, já por demais decodificada, para com uma só palavra excluir qualquer respon-sabilidade do segurador por risco não delimitado no contrato, não predeterminado portanto, sejaessa delimitação objetiva (causal, temporal, espacial) ou subjetiva.

No art. 757 está o comando da delimitação do risco no contrato, de modo que tudo quantoextrapolar dessa fronteira tratar-se-á de um caso não coberto. Persevera o legislador com a pre-missa de que é essencial o estabelecimento das linhas divisórias do risco no contrato, que se mar-cam pelas cláusulas e condições nele plasmadas.

E essa delimitação do risco no contrato de seguro é necessária para que o segurador possadimensionar sua responsabilidade e calcular a taxa do prêmio devido.

O risco encontra sua moldura em face da lei ou do contrato, e é com base nessa delimitaçãoque se pode considerar o risco agravado ou não, bastando que exceda o segurado, a partir do novoCódigo intencionalmente (arts. 768 e 769) , os limites da cobertura contratada.

Em suma, o risco deve estar delimitado em toda a sua extensão para se outorgar certezajurídica à relação contratual e fazer, antes que tudo, tecnicamente possível e viável essa notávelinstituição chamada seguro, que não pode nem deve ser confundida ou tratada como mercadoriacomum e corriqueira.

O art. 757 atrai discussões que envolvem outros dispositivos do mesmo Código, por issoque a sua leitura há de ser feita em sintonia com os demais, eis que, afinal, o Código é como queum sistema de vasos comunicantes.

Tanto assim que já t ivemos oportunidade de presenciar manifestação no sentido de que onovo Código, justamente em face de seu art. 757, estaria permitindo que “uma coisa possa sersegurada mais de uma vez para a preservação do mesmo risco...” , mas entenda-se, quando hou-ver interesses diferentes... Discussão, aliás, assaz interessante.

Pondere-se que a possibilidade de mais de um seguro sobre o mesmo bem não é novidade,pois no Código velho, ainda com seus últimos suspiros de vida, tal é permitido, desde que, certa-mente, a soma dos seguros não ultrapasse o valor real do bem, mormente quando sob a égide donovo Código, que realça o caráter indenitário dos seguros de dano ou de coisas.

O seguro de dano vittando, e não de lucro capiendo, arreda a possibilidade de especulação,muito menos, e por conseguinte, a de se indenizar um bem sinistrado por valor maior do que o pre-juízo experimentado e, em qualquer hipótese, por valor superior ao limite ajustado na apólice, con-soante os arts. 778 e 781, que assim estabelecem, verbis:

“Art. 778 - Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor dointeresse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, esem prejuízo da ação penal que no caso couber” .

“Art. 781. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momentodo sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em casode mora do segurador” .

A “garantia prometida”, a que alude o art. 778, é a importância segurada, ou em mais ade-quada terminologia, “ limite máximo de garantia” ; e o interesse segurado é o objeto da cobertura,que não se confunde com o bem, com a coisa segura, como já alhures mencionamos. Tão rigorosofoi o legislador que ameaça com ação penal qualquer tentativa de se ultrapassar esses limites.

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O caráter indenitário dos seguros de dano, e daí esses rigorosos limites estabelecidos pelolegislador como intransponíveis, tem o efeito didático e moralizador de não permitir que o sinistropossa interessar, como no jogo e na aposta, ao segurado.

E para completar a idéia, o art. 781 cria dois limites: o do valor do interesse segurado nomomento do sinistro (valor do próprio prejuízo) e, em hipótese alguma, o valor da importância segu-rada fixada no momento da contratação conforme o art. 778, salvo em caso de mora do segurador.

Havendo mora do segurador, aplicar-se-á o art. 772, segundo o qual, “a mora do seguradorem pagar o sinistro obriga à atualização monetária da indenização devida segundo índices ofici-ais regularmente estabelecidos, sem prejuízo dos juros moratórios”.

Não seria então demasiado repetir que a leitura ao art. 757 do novo Código há de ser feitade acordo com os seus demais disposit ivos, relembrando que nos seguros de dano, de caráterindenitário, a indenização não pode ultrapassar aqueles dois limites antes mencionados (valor doprejuízo e limite máximo de garantia).

Já no seguro de pessoa é livre a estipulação de um capital segurado e por conseguinte pos-sível a realização, em regra sem limites, de vários seguros sobre a vida ou integridade física deuma mesma pessoa.

Como o Código Civil é um sistema integrado por todos os seus artigos, seria equivoco, porconseguinte, nesse contexto, também fazer a leitura do art. 757 sem atentar para o que esta-belece o art. 782 do mesmo Código, que assim dispõe, literis:

“Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre omesmo interesse, e contra o mesmo risco, junto a outro segurador, deve previamente comunicarsua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de secomprovar a obediência ao disposto no art. 778”.

Seria possível existir interesses subjetivamente diferentes sobre um mesmo bem, mas comenfoque de risco diferente, como por exemplo, apenas para ilustrar, (a) o de um comerciante quesofrerá prejuízo com a destruição do imóvel que ocupar como inquilino e onde tem o ponto de seucomércio, e (b) o do proprietário que prejuízo também terá com a perda de seu imóvel.

Nesse caso, ambos em tese poderão, na medida do interesse e do risco que têm sobre aque-le mesmo bem, realizar os respectivos seguros, um para garantir indenização do prejuízo no fundode comércio gerado pela destruição do prédio, e outro para indenização do próprio prédio em si.

É que o seguro, na sua expressão mais simples, continua sendo nada mais nem menos doque a transferência dos efeitos econômicos do risco do segurado para o segurador. Portanto, todoaquele que detiver esse risco, daí o conceito de interesse legítimo, poderá ser segurado, trans-ferindo os efeitos econômicos desse risco ao segurador.

O que não é possível é a realização de mais de um seguro, sobre o mesmo risco, sobre ummesmo interesse, a permitir o enriquecimento sem causa por conta de um sinistro. Por exemplo,o proprietário de um imóvel e o inquilino realizarem, cada qual, um seguro para cobrir prejuízo deincêndio sobre o mesmo imóvel e pelo valor que ele realmente tem.

E tal é impossível por que o risco, com relação à destruição do prédio, é do proprietário ede mais ninguém, por isso que o inquilino, por exemplo, ao receber igual quantia devida ao propri-etário pelo dano ao imóvel que não lhe pertence, estaria recebendo indenização por um prejuízoque não teve, o que seria enriquecimento ilícito e sem causa.

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O Código velho foi categórico em determinar que o segundo seguro sobre o mesmo bem epelo seu todo pode ser anulado. O novo, entretanto, foi silente. Porém, pela conjugação de seusdiversos dispositivos que consagram a natureza indenitária do seguro de dano e impedem rigo-rosamente o ultrapassamento do limite do próprio prejuízo, já estando o interesse garantido osegundo seguro será inexistente por falta de objeto, por falta de interesse legítimo portanto.

Tudo sob pena da ação criminal competente conforme brandido pelo art. 778, ante a ilicitudeem que consiste a tentativa ou a consumação do recebimento de uma indenização além do prejuí-zo efetivamente experimentado à custa do seguro, sem falar na possibilidade de se configurar indí-cio de crime de lavagem de dinheiro conforme a Lei nº 9.613/ 98 e Circular SUSEP nº 187/ 2002.

Acresça-se que pelo parágrafo único do art. 757, o legislador ratifica que numa das pontasdo contrato de seguro, que permanece oneroso, aleatório e bilateral, está o segurado, independen-temente de sua condição de pessoa física ou jurídica, bastando ter interesse legítimo segurável.

Na outra ponta do contrato de seguro estará o segurador para absorver o risco, de formaorganizada, segundo as leis da estatística, a lei dos granes números, porém como pessoa jurídicaestruturada sob a forma de sociedade anônima conforme a legislação complementar e desde queLEGALMENTE AUTORIZADA para tanto.

ART. 758 - O CONTRATO DE SEGURO PROVA-SE COM A EXIBIÇÃO DA APÓLICE OU DO BILHETE DO

SEGURO, E, NA FALTA DELES, POR DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DO PAGAMENTO DO RESPEC-

TIVO PRÊMIO.

Consagra a apólice e o bilhete como prova da contratação do seguro mas na sua falta acei-ta o recibo de pagamento do prêmio como prova. Refere-se ao período de aceitação e emissão(15 dias). O pagamento do prêmio formaliza o contrato antes da apólice. Sugere regulamentaçãoda SUSEP, renovando a norma atual, que venha a esclarecer os aspectos da cobertura provisória.Vale ser lido em conjunto com os artigos 10 e 11 do Decreto Lei 73/ 66.

ART. 759 - A EMISSÃO DA APÓLICE DEVERÁ SER PRECEDIDA DE PROPOSTA ESCRITA COM A

DECLARAÇÃO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO INTERESSE A SER GARANTIDO E DO RISCO.

Exige que a proposta anteceda a emissão da apólice e que daquela constem os elementosessenciais do interesse a ser garantido. Igual exigência não cabe para emissão de bilhete.Comparar com o art. 46 do CPDC.

ART. 760 - A APÓLICE OU O BILHETE DE SEGURO SERÃO NOMINATIVOS, À ORDEM OU AO PORTA-

DOR, E MENCIONARÃO OS RISCOS ASSUMIDOS, O INÍCIO E O FIM DE SUA VALIDADE, O LIMITE DA

GARANTIA E O PRÊMIO DEVIDO, E, QUANDO FOR O CASO, O NOME DO SEGURADO E O DO

BENEFICIÁRIO. PARÁGRAFO ÚNICO. NO SEGURO DE PESSOAS, A APÓLICE OU O BILHETE NÃO

PODEM SER AO PORTADOR.

Elenca os requisitos que deverão constar da apólice. A denominação bilhete é no sentido deapólice simplificada com aceitação plena (não há processo de aceitação parcial para o bilhete).

ART. 761 - QUANDO O RISCO FOR ASSUMIDO EM CO-SEGURO, A APÓLICE INDICARÁ O SEGU-

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RADOR QUE ADMINISTRARÁ O CONTRATO E REPRESENTARÁ OS DEMAIS, PARA TODOS OS SEUS

EFEITOS.

Consagra a prática adotada ao prescrever que o líder administrará o contrato e represen-tará os demais seguradores, para todos os seus efeitos. Tratando-se de uma representação denatureza administrativa, não envolve a solidariedade do líder, que não se presume, resulta da leiou da vontade das partes (art. 265).

Cada segurador pagará a parcela de sua responsabilidade prevista no contrato e, por isso,em caso de eventual ação proposta, deverão todos ser citados. No co-seguro, o segurador é e sópode ser responsável pela cota ou percentagem declarada e aceita (o tema vem tratado no DL.73/ 66, no seu Regulamento e na Resolução CNSP 68/ 2001).

ART. 762 - NULO SERÁ O CONTRATO PARA GARANTIA DE RISCO PROVENIENTE DE ATO DOLOSO

DO SEGURADO, DO BENEFICIÁRIO, OU DE REPRESENTANTE DE UM OU DE OUTRO.

Enquanto o Código velho determina que é nulo o seguro filiado a ato ilícito do segurado, dobeneficiário ou do representante de um ou de outro, o novo Código, em seu art. 762, mencionaapenas o ato doloso para caracterizar a nulidade do seguro. Com um texto mais genérico na ver-dade restringiu a aplicação. Todavia a culpa grave, enquanto entendida como dolo eventual, podese abrigar no presente dispositivo.

ART. 763 - NÃO TERÁ DIREITO À INDENIZAÇÃO O SEGURADO QUE ESTIVER EM MORA NO PAGA-

MENTO DO PRÊMIO, SE OCORRER O SINISTRO ANTES DE SUA PURGAÇÃO.

Trouxe o preceito do art. 12, parágrafo único do DL 73/ 66 para o corpo do novo Código, oque melhora a posição das seguradoras diante da inadimplência. Mas não afasta a adoção da“tabela a prazo curto” .

ART. 764 - SALVO DISPOSIÇÃO ESPECIAL, O FATO DE NÃO TER SE VERIFICADO O RISCO, EM

PREVISÃO DO QUAL SE FAZ O SEGURO, NÃO EXIME O SEGURADO DE PAGAR O PRÊMIO.

Sem novidade, pois repete o art. 1.452 do Código velho, preservando os fundamentos doseguro como contrato aleatório.

ART. 765 - O SEGURADO E O SEGURADOR SÃO OBRIGADOS A GUARDAR NA CONCLUSÃO E NA

EXECUÇÃO DO CONTRATO, A MAIS ESTRITA BOA-FÉ E VERACIDADE, TANTO A RESPEITO DO OBJE-

TO COMO DAS CIRCUNSTÂNCIAS E DECLARAÇÕES A ELE CONCERNENTES.

Mantém a exigência da mais estrita boa fé e veracidade tanto do segurador como do segu-rado, não só na contratação como na vigência do contrato e sua execução, inclusive na liquidaçãodo sinistro, ainda que por perda total que normalmente extingue o contrato.

ART. 766 - SE O SEGURADO, POR SI OU POR SEU REPRESENTANTE, FIZER DECLARAÇÕES INEXATAS

OU OMITIR CIRCUNSTÂNCIAS QUE POSSAM INFLUIR NA ACEITAÇÃO DA PROPOSTA OU NA TAXA

DO PRÊMIO, PERDERÁ O DIREITO À GARANTIA, ALÉM DE FICAR OBRIGADO AO PRÊMIO VENCIDO.

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PARÁGRAFO ÚNICO - SE A INEXATIDÃO OU OMISSÃO NAS DECLARAÇÕES NÃO RESULTAR

DE MÁ-FÉ DO SEGURADO, O SEGURADOR TERÁ DIREITO A RESOLVER O CONTRATO, OU A

COBRAR, MESMO APÓS O SINISTRO, A DIFERENÇA DO PRÊMIO.

Aquele que agir por má fé e não fizer declarações verdadeiras ou completas, além de perdera garantia, fica obrigado a pagar o prêmio vencido. Abrange as hipóteses, por exemplo, dedoenças preexistentes na contratação dos seguros de vida e saúde.

Parágrafo único - Resolver o contrato, tem o sentido de extinguir. O legislador preservou oconceito essencial do seguro, ao possibilitar a resolução do contrato mesmo se a inexatidão ouomissão nas declarações do segurado não resultar de má-fé.

Havendo perda total no seguro de dano ou morte no de pessoas, o contrato já estaráresolvido, extinto, caso em que, não havendo má-fé do segurado, restaria ao segurador a cobrançada diferença do prêmio. Doutrina: “Causas naturais de extinção ou resolução do contrato deseguro: a) ocorrência do evento total; b) decurso do tempo; c) cessação do risco” (OrlandoGomes - Contratos, 7ª edição, pág. 521).

ART. 767 - NO SEGURO À CONTA DE OUTREM, O SEGURADOR PODE OPOR AO SEGURADO QUAIS-

QUER DEFESAS QUE TENHA CONTRA O ESTIPULANTE, POR DESCUMPRIMENTO DAS NORMAS DE

CONCLUSÃO DO CONTRATO, OU DE PAGAMENTO DO PRÊMIO.

Se o estipulante descumprir qualquer obrigação, os efeitos do descumprimento atingirão osegurado. Também a falta de informação poderá ser oposta ao segurado. Considere-se tambémcomo estipulante o proprietário de veículo ou de embarcação que contrata o seguro DPVAT e deDEPEM (ver comentários ao art. 801).

ART. 768 - O SEGURADO PERDERÁ O DIREITO À GARANTIA SE AGRAVAR INTENCIONALMENTE O

RISCO OBJETO DO CONTRATO.

A principal novidade é de que o agravamento do risco para determinar a perda do direito dosegurado deverá ser intencional. O novo Código abole a regra de equidade consagrada no art.1.456 do Código velho.

ART. 769 - O SEGURADO É OBRIGADO A COMUNICAR AO SEGURADOR, LOGO QUE SAIBA, TODO

INCIDENTE SUSCETÍVEL DE AGRAVAR CONSIDERAVELMENTE O RISCO COBERTO, SOB PENA DE

PERDER O DIREITO À GARANTIA, SE (o segurador) PROVAR QUE SILENCIOU DE MÁ-FÉ.

§ 1º - O SEGURADOR, DESDE QUE O FAÇA NOS QUINZE DIAS SEGUINTES AO RECEBIMEN-

TO DO AVISO DA AGRAVAÇÃO DO RISCO SEM CULPA DO SEGURADO, PODERÁ DAR-LHE CIÊNCIA,

POR ESCRITO, DE SUA DECISÃO DE RESOLVER O CONTRATO.

§ 2º - A RESOLUÇÃO SÓ SERÁ EFICAZ TRINTA DIAS APÓS A NOTIFICAÇÃO, DEVENDO SER

RESTITUÍDA PELO SEGURADOR A DIFERENÇA DO PRÊMIO.

Inova possibilitando ao segurador resolver (extinguir) o contrato, que teve risco agravado.Deverá, entretanto fazê-lo por escrito, dentro dos 15 dias seguintes ao recebimento do aviso daagravação do risco. O processo de regulação deverá ser muito ágil. As seguradoras deverão seorganizar para ter um sistema de recebimento de informações eficiente.

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Mais uma vez o legislador preserva a natureza essencial do contrato de seguro, tanto que per-mite nas condições ali dispostas, ao segurador extinguir o contrato mesmo se a agravação do riscose der sem culpa do segurado, como que a dizer que o segurador não está obrigado a conviver comsituações agravadoras do risco, ainda que mediante a restituição do prêmio no caso de boa fé.

ART. 770 - SALVO DISPOSIÇÃO EM CONTRÁRIO, A DIMINUIÇÃO DO RISCO NO CURSO DO CON-

TRATO NÃO ACARRETA A REDUÇÃO DO PRÊMIO ESTIPULADO; MAS, SE A REDUÇÃO DO RISCO

FOR CONSIDERÁVEL, O SEGURADO PODERÁ EXIGIR A REVISÃO DO PRÊMIO, OU A RESOLUÇÃO

DO CONTRATO.

Também novo. É aconselhável que o contrato defina o percentual do que venha a ser umaumento considerável do risco. Vide a lei mexicana que fixa em 20%. Seria interessante ainda quea fixação do percentual fosse estabelecida pela SUSEP. Ver art. 478 (resolução por onerosidadeexcessiva). Contrato aleatório. Regra mais específica.

ART. 771 - SOB PENA DE PERDER O DIREITO À INDENIZAÇÃO, O SEGURADO PARTICIPARÁ O SI-

NISTRO AO SEGURADOR, LOGO QUE O SAIBA, E TOMARÁ AS PROVIDÊNCIAS IMEDIATAS PARA

MINORAR-LHE AS CONSEQÜÊNCIAS.

PARÁGRAFO ÚNICO - CORREM À CONTA DO SEGURADOR, ATÉ O LIMITE FIXADO NO CON-

TRATO, AS DESPESAS DE SALVAMENTO CONSEQÜENTE AO SINISTRO.

O legislador pune com a perda do direito a demora do segurado na comunicação do sinistro.A obrigação de minorar as conseqüências do sinistro que no Código velho é da seguradora, passaa ser do segurado. O parágrafo restringe a responsabilidade do segurador ao limite fixado no con-trato. Relaciona-se com o art. 779. O contrato poderá convencionar o prazo de aviso de sinistrocomo decadencial (art. 211).

ART. 772 - A MORA DO SEGURADOR EM PAGAR O SINISTRO OBRIGA À ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA

DA INDENIZAÇÃO DEVIDA SEGUNDO ÍNDICES OFICIAIS REGULARMENTE ESTABELECIDOS, SEM

PREJUÍZO DOS JUROS MORATÓRIOS.

A SUSEP/ CNSP tem estabelecido em suas normas o prazo de trinta dias como inicio demora. É norma mais específica em relação ao art. 404.

ART. 773 - O SEGURADOR QUE, AO TEMPO DO CONTRATO, SABE ESTAR PASSADO O RISCO DE

QUE O SEGURADO SE PRETENDE COBRIR, E, NÃO OBSTANTE, EXPEDE A APÓLICE, PAGARÁ EM

DOBRO O PRÊMIO ESTIPULADO.

Não traz novidade, pois repete o art. 1.446 do Código velho, consagrando o caráteraleatório e prospectivo do contrato de seguro.

ART. 774 - A RECONDUÇÃO TÁCITA DO CONTRATO PELO MESMO PRAZO, MEDIANTE EXPRESSA

CLÁUSULA CONTRATUAL, NÃO PODERÁ OPERAR MAIS DE UMA VEZ.

O presente dispositivo alerta para que as partes do contrato de seguro, no vencimento da

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primeira renovação, passem a se manifestar por escrito pela recondução se esse for o seu dese-jo, eis que o vedado no dispositivo não é a recondução expressa, mas a recondução tácita. Valetambém lembrar o que dispõe o art. 777, que ressalva a prevalência das leis próprias que regem,por exemplo, o seguro saúde e o DPVAT.

ART. 775 - OS AGENTES AUTORIZADOS DO SEGURADOR PRESUMEM-SE SEUS REPRESENTANTES

PARA TODOS OS ATOS RELATIVOS AOS CONTRATOS QUE AGENCIAREM.

Relaciona-se ao art. 710, reforça a diferença entre agente e corretor. Em conceito mais amplopode tratar da situação genérica. Assim sendo se refere a qualquer um com exceção do corretor.

ART. 776 - O SEGURADOR É OBRIGADO A PAGAR EM DINHEIRO O PREJUÍZO RESULTANTE DO

RISCO ASSUMIDO, SALVO SE CONVENCIONADA A REPOSIÇÃO DA COISA.

Prevê expressamente que o prejuízo poderá ser indenizado através da reposição da coisa,sendo a regra a obrigação de pagar. Obrigação de fazer em regra não se impõe coativamente (Min.Moreira Alves).

ART. 777 - O DISPOSTO NO PRESENTE CAPÍTULO APLICA-SE, NO QUE COUBER, AOS SEGUROS

REGIDOS POR LEIS PRÓPRIAS.

Refere-se especialmente aos seguros de assistência à saúde e DPVAT, considerando que aexpressão leis próprias deva ser entendida no seu sentido constitucional, como lei mesmo e nãocomo normas emitidas através de resoluções e circulares.

ART. 778 - NOS SEGUROS DE DANO, A GARANTIA PROMETIDA NÃO PODE ULTRAPASSAR O VALOR

DO INTERESSE SEGURADO NO MOMENTO DA CONCLUSÃO DO CONTRATO, SOB PENA DO DIS-

POSTO NO ART. 766, E SEM PREJUÍZO DA AÇÃO PENAL QUE NO CASO COUBER.

A garantia prometida é a IS/ LMI (LMG), e o interesse segurado é o objeto da cobertura,ou seja, a relação lícita de valor econômico sobre o bem ameaçada pelo risco. Afasta qualquer pos-sibilidade de lucro por parte do segurado como conseqüência do sinistro, possibilitando ainda açãopenal paralela.

ART. 779 - O RISCO DO SEGURO COMPREENDERÁ TODOS OS PREJUÍZOS RESULTANTES OU

CONSEQÜENTES, COMO SEJAM OS ESTRAGOS OCASIONADOS PARA EVITAR O SINISTRO, MINO-

RAR O DANO, OU SALVAR A COISA.

O que era facultativo passa a ser obrigatório. Voltam os questionamentos sobre o principale os acessórios no contrato, ou seja, se é possível considerar-se verba separada para despesascom o salvamento. Cabe também lembrar que a parte final do dispositivo é meramente exempli-ficativa, podendo por isso incluir lucros cessantes e danos emergentes. O dispositivo, todavia,parece colidir com as disposições do parágrafo único do art. 771.

ART. 780 - A VIGÊNCIA DA GARANTIA, NO SEGURO DE COISAS TRANSPORTADAS, COMEÇA NO

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MOMENTO EM QUE SÃO PELO TRANSPORTADOR RECEBIDAS, E CESSA COM A SUA ENTREGA AO

DESTINATÁRIO.

Delimitação clara e bem vinda e que, aliás, se concilia com o que dispõe o art. 750.

ART. 781 - A INDENIZAÇÃO NÃO PODE ULTRAPASSAR O VALOR DO INTERESSE SEGURADO NO

MOMENTO DO SINISTRO, E, EM HIPÓTESE ALGUMA, O LIMITE MÁXIMO DA GARANTIA FIXADO NA

APÓLICE, SALVO EM CASO DE MORA DO SEGURADOR.

Consagra o princípio do não enriquecimento sem causa do segurado, ao proibir que o valorda indenização ultrapasse o interesse segurado no momento do sinistro. Pacifica a questão dovalor de mercado, indiretamente admitido. Fixa, na parte final, a limitação dos riscos assumidospelo segurador, ao estabelecer que a indenização não poderá ser superior ao limite máximo dagarantia fixada na apólice, salvo em caso de mora do segurador (veja art. 772).

Preserva com muita clareza e ênfase o princípio indenitário do seguro de dano, ao estab-elecer dois limites: o do valor do interesse segurado no momento do sinistro (valor do próprio pre-juízo); e EM HIPÓTESE ALGUMA, o valor da importância segurada fixada na contratação con-forme o art. 778.

ART. 782 - O SEGURADO QUE, NA VIGÊNCIA DO CONTRATO, PRETENDER OBTER NOVO SEGURO

SOBRE O MESMO INTERESSE, E CONTRA O MESMO RISCO JUNTO A OUTRO SEGURADOR, DEVE

PREVIAMENTE COMUNICAR SUA INTENÇÃO POR ESCRITO AO PRIMEIRO, INDICANDO A SOMA POR

QUE PRETENDE SEGURAR-SE, A FIM DE SE COMPROVAR A OBEDIÊNCIA AO DISPOSTO NO ART. 778.

Para melhor eficácia deste dispositivo, recomenda-se constar da proposta assinada pelosegurado ou seu representante legal, quesito pelo qual o mesmo informe ao segurador sobre aexistência de outro seguro sobre o mesmo risco.

ART. 783 - SALVO DISPOSIÇÃO EM CONTRÁRIO, O SEGURO DE UM INTERESSE POR MENOS DO

QUE VALHA ACARRETA A REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO, NO CASO DE SINISTRO

PARCIAL.

Trata de sub-seguro. Consagra a cláusula de rateio, sobre a qual se travou inúmeras dis-cussões antes de ser compreendida pela Jurisprudência. O segurado bancou parte do risco.

ART. 784 - NÃO SE INCLUI NA GARANTIA O SINISTRO PROVOCADO POR VÍCIO INTRÍNSECO DA

COISA SEGURADA, NÃO DECLARADO PELO SEGURADO.

PARÁGRAFO ÚNICO - ENTENDE-SE POR VÍCIOS INTRÍNSECO O DEFEITO PRÓPRIO DA

COISA, QUE SE NÃO ENCONTRA NORMALMENTE EM OUTRAS DA MESMA ESPÉCIE.

Repercussões especialmente no seguro de automóvel e habitacional. Conceitua o víciointrínseco, exemplo, automóvel que explode por defeito ou vício próprio de fabricação.

ART. 785 - SALVO DISPOSIÇÃO EM CONTRÁRIO, ADMITE-SE A TRANSFERÊNCIA DO CONTRATO A

TERCEIRO COM A ALIENAÇÃO OU CESSÃO DO INTERESSE SEGURADO.

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§ 1º - SE O INSTRUMENTO CONTRATUAL É NOMINATIVO, A TRANSFERÊNCIA SÓ PRODUZ

EFEITOS EM RELAÇÃO AO SEGURADOR MEDIANTE AVISO ESCRITO ASSINADO PELO CEDENTE E

PELO CESSIONÁRIO.

§ 2º - A APÓLICE OU O BILHETE À ORDEM SÓ SE TRANSFERE POR ENDOSSO EM PRETO,

DATADO E ASSINADO PELO ENDOSSANTE E PELO ENDOSSATÁRIO.

Nova redação acrescida da expressão “salvo disposição em contrário” . Recomenda-se dis-cipline no contrato a hipótese de transferência do bem ou interesse segurado para terceiros. Noseguro de automóveis, por exemplo, que é nominativo, não havendo a formalização do avisoescrito para a seguradora, a transferência não será considerada para efeito de cobertura. Balizaas formalidades para efetivação da transferência.

ART. 786 - PAGA A INDENIZAÇÃO, O SEGURADOR SUB-ROGA-SE, NOS LIMITES DO VALOR RESPEC-

TIVO, NOS DIREITOS E AÇÕES QUE COMPETIREM AO SEGURADO CONTRA O AUTOR DO DANO.

§ 1º - SALVO DOLO, A SUB-ROGAÇÃO NÃO TEM LUGAR SE O DANO FOI CAUSADO PELO

CÔNJUGE DO SEGURADO, SEUS DESCENDENTES OU ASCENDENTES, CONSANGÜÍNEOS OU

AFINS.

§ 2º - É INEFICAZ QUALQUER ATO DO SEGURADO QUE DIMINUA OU EXTINGA, EM PREJUÍZO

DO SEGURADOR, OS DIREITOS A QUE SE REFERE ESTE ARTIGO.

A sub-rogação do segurador nos direitos e ações do segurado contra o causador do dano,passa a constar expressamente no novo Código, hoje na Súmula 188 do STF. § 1o - É justa a regraaqui estabelecida, impeditiva da ação de ressarcimento, salvo por dolo, contra os parentes próxi-mos do segurado ali mencionados.

Todavia, se o segurador vier a saber que o segurado, nada obstante, promoveu ação deindenização contra os mesmos, poderá pleitear o valor pago, considerando o caráter indenizatóriodo seguro de dano que inviabiliza dupla indenização pelo segurado. § 2o - Traz importante ino-vação para as ações de ressarcimento das seguradoras, na medida em que nulifica qualquer atodo segurado que diminua ou extinga o direito do segurador.

ART. 787 - NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL, O SEGURADOR GARANTE O PAGAMENTO DE

PERDAS E DANOS DEVIDOS PELO SEGURADO A TERCEIRO.

§ 1º - TÃO LOGO SAIBA O SEGURADO DAS CONSEQÜÊNCIAS DE ATO SEU, SUSCETÍVEL DE

LHE ACARRETAR A RESPONSABILIDADE INCLUÍDA NA GARANTIA, COMUNICARÁ O FATO AO

SEGURADOR.

§ 2º - É DEFESO AO SEGURADO RECONHECER SUA RESPONSABILIDADE OU CONFESSAR A

AÇÃO, BEM COMO TRANSIGIR COM O TERCEIRO PREJUDICADO, OU INDENIZÁ-LO DIRETAMENTE,

SEM ANUÊNCIA EXPRESSA DO SEGURADOR.

§ 3º - INTENTADA A AÇÃO CONTRA O SEGURADO, DARÁ ESTE CIÊNCIA DA LIDE AO SEGU-

RADOR.

§ 4º - SUBSISTIRÁ A RESPONSABILIDADE DO SEGURADO PERANTE O TERCEIRO, SE O SEGU-

RADOR FOR INSOLVENTE.

Reafirma princípios que norteiam os seguros de responsabilidade civil. Consagra o caráter

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de reembolso característico do seguro, impossibilitando transação do segurado com o terceiro semanuência do segurador. Reafirma a obrigação do segurado comunicar ao segurador da ação do ter-ceiro, momento em que a teor do art. 206 tem início o prazo prescricional. Reafirma não caber açãodireta do terceiro no RC facultativo.

ART. 788 - NOS SEGUROS DE RESPONSABILIDADE LEGALMENTE OBRIGATÓRIOS, A INDENIZAÇÃO

POR SINISTRO SERÁ PAGA PELO SEGURADOR DIRETAMENTE AO TERCEIRO PREJUDICADO.

PARÁGRAFO ÚNICO - DEMANDADO EM AÇÃO DIRETA PELA VÍTIMA DO DANO, O SEGU-

RADOR NÃO PODERÁ OPOR A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO PELO SEGURADO, SEM

PROMOVER A CITAÇÃO DESTE PARA INTEGRAR O CONTRADITÓRIO.

Mantém a ação direta do terceiro nos seguros obrigatórios, vedando-a nos facultativos.Tanto que também no art. 206, § 1º,II, “a” , ao fixar regra de prescrição da pretensão do segura-do contra o segurador, estabelece que no seguro de RC comum o prazo conta-se do momentoem que o segurado é citado para responder a ação do terceiro, reconhecendo descaber ação dire-ta do terceiro contra o segurador no seguro de RC facultativo.

Por outro lado o parágrafo único confronta com a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/ 95)que veda a litisdenunciação, porém não mais com o CPC nos processos sumários face a novaredação Lei. 10.444/ 02, que resgata a possibilidade de litisdenunciação quando fundada em con-trato de seguro.

ART. 789 - NOS SEGUROS DE PESSOAS, O CAPITAL SEGURADO É LIVREMENTE ESTIPULADO PELO

PROPONENTE, QUE PODE CONTRATAR MAIS DE UM SEGURO SOBRE O MESMO INTERESSE, COM

O MESMO OU DIVERSOS SEGURADORES.

Entende-se como tais os seguros de vida e acidentes pessoais, pois são eles que estabele-cem um capital segurado livremente estipulado, excluindo-se todos aqueles em que não haja aestipulação livre de um capital segurado. Mostra sua nítida distinção dos seguros de dano pelaausência de seu caráter indenizatório.

ART. 790 - NO SEGURO SOBRE A VIDA DE OUTROS, O PROPONENTE É OBRIGADO A DECLARAR,

SOB PENA DE FALSIDADE, O SEU INTERESSE SOBRE A PRESERVAÇÃO DA VIDA DO SEGURADO.

PARÁGRAFO ÚNICO - ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO, PRESUME-SE O INTERESSE, QUANDO O

SEGURADO É CÔNJUGE, ASCENDENTE OU DESCENDENTE DO PROPONENTE.

Ao reproduzir a idéia do art. 1.472 do Código velho, o novo tira da presunção do interesseo irmão.

ART. 791 - SE O SEGURADO NÃO RENUNCIAR À FACULDADE, OU SE O SEGURO NÃO TIVER COMO

CAUSA DECLARADA A GARANTIA DE ALGUMA OBRIGAÇÃO, É LÍCITA A SUBSTITUIÇÃO DO

BENEFICIÁRIO, POR ATO ENTRE VIVOS OU DE ÚLTIMA VONTADE.

PARÁGRAFO ÚNICO - O SEGURADOR, QUE NÃO FOR CIENTIFICADO OPORTUNAMENTE DA

SUBSTITUIÇÃO, DESOBRIGAR-SE-Á PAGANDO O CAPITAL SEGURADO AO ANTIGO BENEFICIÁRIO.

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Mantém a possibilidade do seguro de vida prestamista e prevê a renúncia da faculdade desubstituição do beneficiário, abrindo perspectiva para uma série de negócios entre pessoas, inclu-sive de financiamento das despesas médicas de segurado de vida com doença terminal (AIDS, porexemplo), garantindo o reembolso pela indenização do seguro, desde que não esteja garantindoalguma obrigação e que o segurado não tenha renunciado à faculdade de substituir beneficiário.

ART. 792 - NA FALTA DE INDICAÇÃO DA PESSOA OU BENEFICIÁRIO, OU SE POR QUALQUER MOTI-

VO NÃO PREVALECER A QUE FOR FEITA, O CAPITAL SEGURADO SERÁ PAGO POR METADE AO

CÔNJUGE NÃO SEPARADO JUDICIALMENTE, E O RESTANTE AOS HERDEIROS DO SEGURADO,

OBEDECIDA A ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.

PARÁGRAFO ÚNICO - NA FALTA DAS PESSOAS INDICADAS NESTE ARTIGO, SERÃO

BENEFICIÁRIOS OS QUE PROVAREM QUE A MORTE DO SEGURADO OS PRIVOU DOS MEIOS

NECESSÁRIOS À SUBSISTÊNCIA.

Estando em branco a cláusula beneficiária, ou se o beneficiário estiver indevidamente indi-cado, em relação a metade do capital para ser paga ao cônjuge não poderá o mesmo estar sepa-rado judicialmente do segurado. O Dispositivo reproduz conceito legal anterior (Dec. Lei nº 5.384de 08/ 04/ 43), com a supressão da destinação do capital para a União em caso de inexistir osherdeiros do dependente previstos, permitindo assim possa o capital permanecer no patrimônio daseguradora em casos tais.

Se as pessoas do “caput” não reclamarem em três anos aplica-se a regra de prescrição re-ferente aos beneficiários (art. 206, § 3o, inciso IX). Observe-se que houve mudança na regra devocação hereditária para incluir o cônjuge como herdeiro concorrente com herdeiros necessários(art.1.829/ 1.845).

ART. 793 - É VÁLIDA A INSTITUIÇÃO DO COMPANHEIRO COMO BENEFICIÁRIO, SE AO TEMPO DO

CONTRATO O SEGURADO ERA SEPARADO JUDICIALMENTE, OU JÁ SE ENCONTRAVA SEPARADO

DE FATO.

Substitui o art. 1.474 do Código velho. É óbvio que a expressão companheiro utilizada nomasculino também se estende à companheira, por força de disposição constitucional. Dispositivoé facilitador do pagamento de sinistros e evita ações consignatórias hoje comuns. Vide art. 550sobre doação a cônjuge adúltero, sua anulabilidade e prazo decadencial.

Companheiro(a) não se confunde com concubino(a) enquanto cúmplice de adultério, porisso que ao permitir a indicação de companheiro(a) como beneficiário(a) do seguro de pessoa, olegislador, por exclusão, veda a indicação do amante, que seria aquele que comete adultério e queo segurado não o apresenta à sociedade como seu consorte, no sentido de união estável a quealude o art. 226 da CF.

Do ponto de vista prático, por se tratar de ato equiparável à doação e sujeito a anulaçãoconforme art. 550, o segurador deve continuar atento a essa situação sob pena de pagar mal, por-tanto de pagar duas vezes, valendo a regra do art. 936 do Código velho, reproduzida no art. 309do novo, segundo a qual é válido o pagamento feito a credor putativo mesmo que ao depois seprove não seja ele o credor.

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ART. 794 - NO SEGURO DE VIDA OU DE ACIDENTES PESSOAIS PARA O CASO DE MORTE, O CAPI-

TAL ESTIPULADO NÃO ESTÁ SUJEITO ÀS DÍVIDAS DO SEGURADO, NEM SE CONSIDERA HERANÇA

PARA TODOS OS EFEITOS DE DIREITO.

Resguarda o capital dos beneficiários contra eventual penhora de credores do segurado edesconsidera- o como herança, neste ponto codificando entendimento doutrinário já pacificado.

ART. 795 - É NULA, NO SEGURO DE PESSOA, QUALQUER TRANSAÇÃO PARA PAGAMENTO REDUZI-

DO DO CAPITAL SEGURADO.

Impede com nulidade propostas para reduzir o capital segurado. Não impede a transaçãohomologada em juízo, mas pode ser objeto de anulação via ação rescisória. Observe-se que emprincípio o dispositivo não atinge as liquidações de sinistros por grau de incapacidade, eis que opagamento da invalidez parcial não importa em redução do capital segurado, na medida em que éele proporcional a invalidez apurada.

ART. 796 - O PRÊMIO, NO SEGURO DE VIDA, SERÁ CONVENIADO POR PRAZO LIMITADO, OU POR

TODA A VIDA DO SEGURADO.

PARÁGRAFO ÚNICO - EM QUALQUER HIPÓTESE, NO SEGURO INDIVIDUAL, O SEGURADOR

NÃO TERÁ AÇÃO PARA COBRAR O PRÊMIO VENCIDO, CUJA FALTA DE PAGAMENTO, NOS PRAZOS

PREVISTOS, ACARRETARÁ, CONFORME SE ESTIPULAR, A RESOLUÇÃO DO CONTRATO, COM

RESTITUIÇÃO DA RESERVA JÁ FORMADA, OU A REDUÇÃO DO CAPITAL GARANTIDO PROPOR-

CIONALMENTE AO PRÊMIO PAGO.

Trata do seguro de vida e não do de acidentes pessoais. Cria a possibilidade de repactu-ação do prêmio em períodos determinados, ou que seja convencionado por toda a vida do segu-rado. Prevê assim o seguro de vida inteira. Relaciona-se com a tábua atuarial (pactuação doprêmio) não se confundindo com o prazo contratual. Será possível a repactuação do prêmio aolongo da vigência do contrato.

ART. 797 - NO SEGURO DE VIDA PARA O CASO DE MORTE, É LÍCITO ESTIPULAR-SE UM PRAZO DE

CARÊNCIA, DURANTE O QUAL O SEGURADOR NÃO RESPONDE PELA OCORRÊNCIA DO SINISTRO.

PARÁGRAFO ÚNICO - NO CASO DESTE ARTIGO O SEGURADOR É OBRIGADO A DEVOLVER

AOS BENEFICIÁRIOS O MONTANTE DA RESERVA TÉCNICA JÁ FORMADA.

Mecanismo que permite ao segurador, no seguro de vida (não inclui AP), resguardar-se dasconseqüências de doenças preexistentes. Atende qualquer hipótese, não se limitando ao suicídio.Em princípio não atingiria a CPT do seguro saúde face o que dispõe o art. 802 que o exclui destaseção. A carência deve ser ajustada na apólice, eis que sua aplicação está apenas autorizada pelalei para ser estipulada.

ART. 798 - O BENEFICIÁRIO NÃO TEM DIREITO AO CAPITAL ESTIPULADO QUANDO O SEGURADO SE

SUICIDA NOS PRIMEIROS DOIS ANOS DE VIGÊNCIA INICIAL DO CONTRATO, OU DA SUA

RECONDUÇÃO DEPOIS DE SUSPENSO, OBSERVADO O DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO

ARTIGO ANTECEDENTE.

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PARÁGRAFO ÚNICO - RESSALVADA A HIPÓTESE PREVISTA NESTE ARTIGO, É NULA A

CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI O PAGAMENTO DO CAPITAL POR SUICÍDIO DO SEGURADO.

Resolve a questão do suicídio. As apólices deverão ser alteradas para atender ao preceitoda norma. A cláusula que exclui o pagamento do capital é nula. Atinge as Súmulas 105 e 61 doSTJ. As apólices de seguro de acidentes pessoais deverão conter cláusula declaratória de que nãose considera o suicídio como acidente pessoal.

É possível persistir na discussão de não cobertura do suicídio no seguro de AP, consideran-do não só o fato de que o suicídio não se coaduna com o conceito de acidentes pessoais, comotambém o fato de não mais subsistir no novo Código artigo equivalente ao 1.440 do velho, queserviu de base para as decisões do STF que consideraram não escrita a excludente do suicídio ditonão premeditado.

ART. 799 - O SEGURADOR NÃO PODE EXIMIR-SE AO PAGAMENTO DO SEGURO, AINDA QUE DA

APÓLICE CONSTE A RESTRIÇÃO, SE A MORTE OU A INCAPACIDADE DO SEGURADO PROVIER DA

UTILIZAÇÃO DE MEIO DE TRANSPORTE MAIS ARRISCADO, DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MILITAR,

DA PRÁTICA DE ESPORTE, OU DE ATOS DE HUMANIDADE EM AUXÍLIO DE OUTREM.

O texto não permite cláusulas excludentes dos riscos nele elencados. Recomenda-se ques-tionário de avaliação de risco detalhado para as hipóteses acima previstas, visando o cálculo dataxa do prêmio. O artigo, embora vedando excludentes relativas a práticas de esporte de risco,transporte mais arriscado, prestação de serviço militar, dentre outros ali citados, não elimina ashipóteses de agravamento de risco decorrentes do art. 768.

ART. 800 - NOS SEGUROS DE PESSOAS, O SEGURADOR NÃO PODE SUB-ROGAR-SE NOS DIREITOS

E AÇÕES DO SEGURADO, OU DO BENEFICIÁRIO, CONTRA O CAUSADOR DO SINISTRO.

Veda a sub-rogação nos seguros de pessoas pelo segurador, entendendo-se como tais o devida e AP, conforme definição do art. 789, ali não se incluindo, portanto, seguros que, embora serelacionem com a pessoa, não contém a estipulação de um capital e que tenha caráter patrimo-nial ou indenizatório, como por exemplo, o seguro saúde, este que, além de expressamente estarexcluído da seção dos seguros de pessoas, conforme seu art. 802, tem caráter indenizatório.

ART. 801 - O SEGURO DE PESSOAS PODE SER ESTIPULADO POR PESSOA NATURAL OU JURÍDICA

EM PROVEITO DE GRUPO QUE A ELA, DE QUALQUER MODO, SE VINCULE.

§ 1º - O ESTIPULANTE NÃO REPRESENTA O SEGURADOR PERANTE O GRUPO SEGURADO, E

É O ÚNICO RESPONSÁVEL, PARA COM O SEGURADOR, PELO CUMPRIMENTO DE TODAS AS

OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS.

§ 2º - A MODIFICAÇÃO DA APÓLICE EM VIGOR DEPENDERÁ DA ANUÊNCIA EXPRESSA DE

SEGURADOS QUE REPRESENTEM TRÊS QUARTOS DO GRUPO.

Redação inexata. Refere-se à representação, devendo ser entendido o termo “em proveito”no sentido de “em nome”. As regras hoje vigentes exigem que o estipulante tenha vínculo especí-fico com o grupo, enquanto que o novo Código estabelece que este vínculo pode ser de “qualquermodo” . Passa a valer qualquer vínculo. Modifica a Resolução CNSP nº 41. Esta disposição deveser articulada com a do art. 767.

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§ 1o - Desvincula claramente o estipulante do segurador. Aquele, como representante dosegurado, será o único a quem o segurador poderá se dirigir e opor direitos. Responderá por todosos atos dos segurados, inclusive pela inadimplência. O prazo prescricional para o segurador oporação de cobrança de dívida ao estipulante poderá ser de cinco ou dez anos, conforme a situaçãose enquadre no inciso I, do § 5o. do art. 206 ou no art. 205.

Todavia, se o estipulante for beneficiário (art. 21, DL 73/ 66) a prescrição de sua pretensãocontra o segurador será de três anos (§ 3o, IX do art. 206). Se o seguro for contributário e se hou-ver desconto do prêmio junto ao segurado, e não repassado ao segurador pelo estipulante, poressa sua conduta ilícita a prescrição será de três anos (§ 3o, IV do art. 206). No caso em que oestipulante assumir a condição de segurado (art. 21, DL 73/ 66 - Seguros LegalmenteObrigatórios), a prescrição será de um ano (§ 1o, II, art. 206).

§ 2o - A exigência de concordância de ¾ do grupo para alteração na apólice pode ser umgrande complicador considerando que a anuência deva ser expressa. Ainda bem que se refere ape-nas a modificações em apólices já em vigor, não se aplicando a modificações ocorridas quando darenovação de seguro. Deverá articular-se na forma com o previsto no art. 796.

ART. 802 - NÃO SE COMPREENDE NAS DISPOSIÇÕES DESTA SEÇÃO A GARANTIA DO REEMBOLSO

DE DESPESAS HOSPITALARES OU DE TRATAMENTO MÉDICO, NEM O CUSTEIO DAS DESPESAS DE

LUTO E DE FUNERAL DO SEGURADO.

Exclui o seguro de assistência à saúde dos seguros de pessoas, o mesmo fazendo comgarantia de despesas de luto e funeral. A regulamentação deverá ser feita por legislação especial,na primeira hipótese pela a ANS. Vide comentários ao art. 800 supra, enfatizando que o segurosaúde segue regulamentado por lei própria.

A PRESCRIÇÃO não será mais da ação, mas da pretensão, que em regra nasce de umdireito subjetivo violado (art. 189). No seguro o marco inaugural da prescrição será a ciência dofato gerador da pretensão, com reflexos na Súmula 229 do STJ, segundo a qual o prazo pres-cricional que já fluía da ciência do sinistro suspende-se com o aviso à seguradora, para ser retoma-do mais na frente quando da formal negativa, computando-se o prazo já decorrido.

Há mais clara separação no novo Código entre prescrição e decadência. A ação não pres-creve porque é direito subjetivo público. Somente os direitos subjetivos que dão margem à vio-lação e que dependem da colaboração do titular podem gerar uma pretensão e estar sujeita a pres-crição. Os direitos sem pretensão não prescrevem. No campo do direito privado, o devedor aindapode cumprir a prestação.

A decadência extingue o próprio direito potestativo (ex: direito de ver anulado um ato ounegócio jurídico, como previsto nos arts. 178 e 179), que independe de colaboração ou negoci-ação, por isso fatal.

A ação não pode mesmo prescrever, posto que direito subjetivo público. Se a ação pres-crevesse o juiz poderia decretar a prescrição de ofício.

Difere-se da decadência, ademais, porque esta refere-se ao direito potestativo. Por isso quea prescrição pode ser interrompida ou suspensa, já que o direito subjetivo violado, como se disse,tem ainda chance de ser resolvido entre as partes, pois o titular desse direito subjetivo ainda podecolaborar para a sua solução, o que não sucederia com o direito potestativo, atingido peladecadência.

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Resta claro que o novo Código, de uma vez por todas, reforçando a solução favorável dadapela 2ª Seção do STJ, afasta qualquer resto de discussão contra a aplicação do prazo de um anodo Código Civil em detrimento do prazo de cinco anos do Código do Consumidor no que tange adiscussão de cláusula contratual.

Os prazos de prescrição vêm organizados nos art. 205 e 206, enquanto que os de decadên-cia vêm espalhados pelo Código em cada situação concreta (ex: arts. 745 e 754, no contrato detransporte).

Em resumo: houve violação de direito subjetivo privado, o caso é de prescrição; há neces-sidade de reparar direito potestativo, o caso é de decadência.

1. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes (art. 192).

2. Não corre o prazo prescricional se relacionado a fato que deva ser apurado no juízo crimi-nal, até a sentença definitiva, desde que tal fato seja necessário ao esclarecimento de alguma cir-cunstância fundamental à liquidação do sinistro (art. 200).

3. A interrupção da prescrição só pode ser feita uma vez (art. 202) e pode ser interrompidapor qualquer interessado, portanto, em princípio pela líder em nome das co-seguradoras e pelaseguradora sub-rogada antes mesmo do pagamento da indenização (art. 203). É cauteloso quetodas promovam a interrupção face o art. 204 considerando não serem as co-seguradoras cre-dores solidários.

4. O prazo geral de prescrição é reduzido de 20 para 10 anos (art. 205), independente-mente de se tratar de ação pessoal ou real, ou de demanda entre presentes ou ausentes, ao con-trário portanto do que estabelece o Código de 1916, passando esse prazo a ser único de 10 anosquando não houver prazo específico de prescrição.

5. É mantido o prazo de prescrição de um ano (mesmo fato fora do Brasil), da pretensão dosegurado contra o segurador e vice-versa, contado o prazo da ciência do fato gerador da pretensão(sinistro), sendo que no seguro de RC esse prazo conta-se da citação do segurado para respondera ação do terceiro ou da data que indeniza com anuência da seguradora (art. 206, § 1º, II).

6. Prescreve em 3 anos, não mais em 20 anos, as pretensões: de reparação civil, com refle-xos nas ações de ressarcimento das seguradoras sub-rogadas (art. 206, § 3º, V); do beneficiáriocontra o segurador; do terceiro nos seguros de RC obrigatórios (art. 206, § 3º, IX), aí se incluin-do os do art. 20 do D. L. 73/ 66 (RC do transportador aéreo, terrestre e aquático, e RC do cons-trutor de imóveis em zonas urbanas).

7. Prescreve em 3 anos as prestações vencidas de rendas temporárias e vitalícias (art. 206,§ 3º, II), que entra em testilha com o estabelecido no art. 75 da Lei Complementar nº 109/ 2001,relativamente a planos de previdência privada complementar aberta, como se vê transcrito noslide seguinte:

“sem prejuízo do benefício, prescreve em cinco anos o direito às prestações não pagasnem reclamadas na época própria, ressalvados os direitos dos menores dependentes, dos inca-pazes, na forma do Código Civil” , por isso que, em caso de conflito, prevalece a regra maisespecífica estabelecida na lei de maior hierarquia, no caso a Lei Complementar.

8. Prescreve em 5 anos a cobrança de títulos de capitalização (art. 206, § 5º, I), na medidaem que se possa entender esses títulos como um instrumento particular que gera uma dívida líqui-da da empresa que o emite para com o credor titular. Vencido e não pago o título ocorrerá a vio-lação do direito subjetivo do credor e o nascimento da pretensão para sua cobrança, que se

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extingue pelo lapso prescricional contado do vencimento que é o fato gerador da pretensão.

Todavia, falecendo o credor do título (presente e capaz) antes de consumar-se a prescrição,esta em tese não seria interrompida nem suspensa, salvo se o herdeiro ou sucessor for ausenteou incapaz (art. 198, I e II). Entrementes, se levado o título a inventário, caberia a interrupção poranalogia do que dispõe o art. 202, IV.

OBS: o art. 21 do DL 73/ 66 admite o ESTIPULANTE como:

a) segurado nos seguros legalmente obrigatórios;

b) beneficiário; e

c) mandatário.

Como segurado, sua pretensão prescreverá em um ano; como beneficiário, em três anos.Como mandatário, em dez anos (prazo geral por falta de previsão específica).

O prazo prescricional para o segurador opor ação de cobrança de dívida ao estipulante (videart. 801) poderá ser de cinco ou dez anos, conforme a situação se enquadre no inciso I, § 5o, doart. 206 ou no art. 205. Se o estipulante for beneficiário (art. 21 DL 73/ 66) a prescrição de suapretensão contra o segurador será de três anos (§ 3o, IX do art. 206).

Se o seguro for contributário e se houver desconto do prêmio junto ao segurado, e nãorepassado ao segurador pelo estipulante, por essa sua conduta ilícita a prescrição seria de trêsanos (§ 3o, IV, do art. 206). No caso em que o estipulante assumir a condição de segurado (art.21, DL 73/ 66 - Seguros Legalmente Obrigatórios), a prescrição será de um ano (§ 1o, II, art. 206).

Quanto à DECADÊNCIA, vale observar:

(a) salvo disposição legal em contrário, não se aplicam as normas que impedem, suspendemou interrompem a prescrição (art. 207);

(b) é nula a renúncia à decadência mesmo que fixada em lei (art. 209);

(c) a decadência fixada em lei pode ser reconhecida de ofício pelo juiz (art. 210);

(d) nas hipóteses não definidas em lei, a decadência pode ser convencionada em contrato(art. 211), ao contrário do que sucede com a prescrição, podendo-se daí sustentar a perda do direi-to do segurado quando não cumprir um prazo decadencial ajustado no contrato.

QUANDO COMEÇA A PRESCRIÇÃO

NO SEGURO (VALE REPISAR):

Em que momento se dará a ciência do fato gerador da pretensão? Em que momentopoderíamos considerar violado o seu direito subjetivo? Do momento da negativa do sinistro?

Ou do momento do transcurso do prazo legal ou contratual que o segurador dispõe para li-quidar o sinistro após a entrega de todos os documentos a cargo do interessado? Ou seria domomento em que o segurado ou beneficiário tomou conhecimento do sinistro?

Parece mais razoável a últ ima hipótese na ordem acima indicada, eis que, do contrário,estar-se-ia admitindo a imprescritibilidade, pois o segurador ficaria mercê de um prazo “ infinito”de prescrição, afetando inclusive as suas reservas e provisões técnicas, na medida em que esseprazo não pudesse fluir enquanto não houvesse uma reclamação do sinistro.

Sendo o sinistro o fato gerador da pretensão do segurado, da sua ciência é que deverá cor-

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rer a prescrição, presumindo-se o conhecimento pelo segurado se ele próprio é quem promoveu ofato danoso, ou de qualquer forma com ele se envolveu.

Assinale-se que o prazo prescricional poderá ser suspenso, tal como vem entendendo o STJ(Súmula 229), a partir da reclamação do sinistro na seguradora, recomeçando a fluir da formal ne-gativa do sinistro. Está-se, portanto, a ver, que na visão do STJ o prazo prescricional começa afluir antes da reclamação, já que só se suspende ou interrompe o que tem curso!

No contrato de seguro, particularmente, o fato gerador da pretensão é a ocorrência do si-nistro, pois é ele que gera a indenização ou o pagamento do capital segurado, por isso que da suaciência é que em regra flui o prazo prescricional, que pode ser interrompido ou suspenso até peloaviso de sinistro e retomado com a formal negativa do segurador, conforme Súmula 229 do STJ .

O legislador, pois, ao estabelecer a prescrição extintiva, jamais contemplaria a idéia de quea fluência do prazo ficasse ao arbítrio do credor, ou do prescribente, pois o sentido da prescriçãoextintiva é exatamente o de permitir a extinção de um direito não agitado por seu titular no prazoque lhe foi assinalado, a partir do momento em que ele tem conhecimento de seu fato gerador.

Depender da reclamação do segurado ou beneficiário o pagamento da indenização ou ca-pital segurado é tornar imprescritível a pretensão, que significaria o mesmo que negar a própriaprescrição, e também as próprias regras de hermenêutica.

Assim não fosse, o que se aduz apenas para argumentar, o prescribente que já conhecesseo fato gerador de sua pretensão, o sinistro por exemplo, e não o reclamasse ou avisasse à suaseguradora, locupletando-se da elasticidade de um prazo prescricional, no mínimo incidiria napecha do abuso do direito, figura aliás recriminada pelo novo CC, por exemplo em seu art. 187.

De toda forma impõe-se a perda do direito ao seguro pela prescrição, pois o segurador,gestor do mutualismo, não poderia ficar indefinidamente mercê do segurado ou do beneficiário,para tomar ciência de um sinistro que só podia em regra conhecer através daqueles que podiamcomunicá-lo e não o fizeram, apagando os vestígios para a regulação, ou tornando-a inviável.

Demais porque, o titular do benefício poderá desde a ciência do sinistro, querendo, ingres-sar em juízo contra a seguradora independente de reclamá-lo administrativamente, eis que, a rigor,o aviso de sinistro não seria em tese condição da ação, que uma vez intentada igualmente deter-minará nos termos da lei a interrupção da prescrição.

Assim é que, se já podia o segurado ou beneficiário teoricamente pretender em juízo a in-denização securitária desde a ciência do sinistro, sua pretensão desde aí já começa a ficarameaçada de extinção pelo decurso do prazo prescricional.

Ainda que arcando com os efeitos da desobediência ao art. 771, segundo o qual, “sob penade perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que osaiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências” .

O grifo é intencional para lembrar ser esse mais um fundamento a determinar ser o sinistro ofato gerador da pretensão e a sua ciência pelo segurado ou beneficiário o marco inaugural do fluxoprescricional, tanto que ameaçado de perder o direito à indenização se não comunicar o sinistro aosegurador, logo que o saiba. Salvo se nenhum prejuízo decorrer da falta ou intempestividade do aviso.

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REGRA DE TRANSIÇÃO

PARA PRESCRIÇÃO:

Vale ressaltar a regra de transição estabelecida no art. 2.028 do novo CC quanto às hipóte-ses de redução de prazo prescricional , como por exemplo de vinte anos para três anos (ação deressarcimento), ou de vinte para dez anos (prazo geral).

Assim, se com a vigência do Novo CC já tiver, digamos, transcorrido mais da metade dosvinte anos do exemplo, permanece o mesmo prazo vintenário até seu esgotamento. Se, do con-trário, fluiu menos da metade desse prazo, terá o prescribente mais três anos além do prazo quejá correu.

A regra impede que as pessoas, já contando com um certo prazo para movimentar o seudireito, sejam surpreendidas com a redução drástica desse prazo, dando a elas um fôlego paradecidir se ingressam ou não com a ação, dentro de uma nova realidade, com novos, modernos emais eficientes meios de comunicação, em que se faz necessária e tendente a redução de prazosextintivos.

ALGUNS DISPOSTIVOS ESPARSOS DO NOVO CÓDIGO CIVIL QUE INTERESSAM AOSEGURO:

. Incapazes - Por idade (16 e 18 anos) e por enfermidade (antes “ loucos de todo gênero”):Incapacidade absoluta (art. 3º). Ébrios habituais: Incapacidade relativa (art. 4º).. Maioridade - (18 anos - art. 5º).. Morte Presumida - (acidente: morte real. Ausência: morte fictícia - arts. 7º e 22). . Manifestação de Vontade - (válida mesmo com reserva mental, salvo se conhecida - art. 110). . Transporte (interesse no seguro de transporte)

a) Art. 732 - As disposições do novo CC aplicam-se apenas no que couber aos transportes regi-dos por legislação especial (marítimo, aeronáutico e ferroviário), tratados e convenções inter-nacionais. Aplicação ampla no transporte terrestre (de pessoas e coisas).

b) Art. 734 (transporte de pessoas) - “O transportador responde pelos danos causados a pes-soas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquercláusula excludente da responsabilidade”. Não faz menção a fortuito, logo permite a exi-mente de responsabilidade do transportador por assalto a mão armada, como fato, emboraprevisível, inevitável.

c) Art. 736 - Exclui da norma os contratos benévolos ou gratuitos, assim não considerado aque-le que fez, embora sem remuneração, com fins de auferir vantagens indiretas (Súmula 145 doSTJ). d) Art. 749 - Transporte de coisas - Responsabilidade presumida pelos jus receptum(teoria da incolumidade).

e) Art. 750 - Limita a responsabilidade do transportador ao valor constante do conhecimento,começando do recebimento da coisa e terminando com a sua entrega ao destinatário ou, seeste não encontrado, com o depósito em juízo. Baliza o risco do segurador (coincidente como art. 780).

ART. 2.028 - SERÃO OS DA LEI ANTERIOR OS PRAZOS, QUANDO REDUZIDOS POR ESTE CÓDIGO, E

SE, NA DATA DE SUA ENTRADA EM VIGOR, JÁ HOUVER TRANSCORRIDO MAIS DA METADE DO

TEMPO ESTABELECIDO NA LEI REVOGADA.

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Traça uma regra de transição para os prazos prescricionais da lei anterior que serão reduzi-dos pela lei nova. Por exemplo, o prazo de prescrição para ações de ressarcimento que antes erade 20 anos e hoje reduzido, digamos para 3 anos, se dele já transcorreu mais da metade do tempoestabelecido no Código de 1916, digamos 12 anos, com a vigência do novo Código restarão aindaos mesmos oito anos.

Se, outro tanto, desses 20 anos transcorreram menos de sua metade, no caso 8 anos, oprazo restante na vigência do novo Código será de três anos e não de 12 anos.

ART. 2.035 - A VALIDADE DOS NEGÓCIOS E DEMAIS ATOS JURÍDICOS, CONSTITUÍDOS ANTES DA

ENTRADA EM VIGOR DESTE CÓDIGO, OBEDECE AO DISPOSTO NAS LEIS ANTERIORES, REFERIDAS

NO ART. 2.045, MAS OS SEUS EFEITOS, PRODUZIDOS APÓS A VIGÊNCIA DESTE CÓDIGO, AOS PRE-

CEITOS DELE SE COADUNAM, SALVO SE HOUVER SIDO PREVISTA PELAS PARTES DETERMINADA

FORMA DE EXECUÇÃO.

PARÁGRAFO ÚNICO - NENHUMA CONVENÇÃO PREVALECERÁ SE CONTRARIAR PRECEITOS

DE ORDEM PÚBLICA, TAIS COMO OS ESTABELECIDOS POR ESTE CÓDIGO PARA ASSEGURAR A

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DOS CONTRATOS.

Padeceria de vício de inconstitucionalidade se interpretado com efeito retroativo, passívelde ADIN, quando afrontaria direito constitucional fundamental da irretroatividade(art. 5º,XXXVI,que garante respeito a ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada). Com relação a todoe qualquer contrato de seguro, até mesmo o seguro DPVAT, com suas características todas espe-ciais, regido que é por lei própria, assim como o seguro saúde.

Se o seguro foi celebrado sob a égide do Código velho, penso que a ele deveria submeter-se, pois a segurança jurídica determinada pelo princípio da irretroatividade das leis subsiste justa-mente para impedir mudanças de regras no meio do jogo, com base nas quais o contrato iniciou.Mas o que pretendeu dizer o art. 2.035 quanto a “efeitos” produzidos na vigência do novo Código?Que efeitos?

Se o sinistro relativo a seguro feito na vigência do Código velho for um desses efeitos ima-ginados pelo legislador, teria que submeter-se ao novo Código se ocorrido na sua vigência e seconsiderado o artigo literalmente. Mas esses “efeitos” parecem mesmo referir-se a uma data devigência diferida ou a condição estabelecida na vigência da lei velha.

É isso que me parece o mais razoável até por não imaginar que juristas do estofo dos queparticiparam da elaboração do Código não iriam cometer uma inconstitucionalidade tão flagrante,mesmo porque de regra o contrato já começa a produzir os seus efeitos desde sua vigência inicial,pois no seguro, na delimitação temporal do risco, a garantia já opera desde então.

ART. 2.045 - REVOGAM-SE A LEI Nº 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916 - CÓDIGO CIVIL E A PARTE

PRIMEIRA DO CÓDIGO COMERCIAL, LEI Nº 556, DE 25 DE JUNHO DE 1850.

Vale menção especial porque revoga toda a parte primeira do Código Comercial de 1850trazendo paro o bojo da lei civil toda a parte ali tratada, como sejam, os atos de comércio,empresário, sociedades, etc. Deixando ainda vigente no Código Comercial praticamente o comér-cio marítimo, nele incluído o seguro e transporte marítimos.

Ricardo BecharaAdvogado militante no Rio de Janeiro

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En u n c i ad o s

V Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

23 a 25/ 08/ 2002 - Uberlândia/ MG

TEMA: Contratos - 122 participantes

Contratos em geral - Parte II - Contrato preliminar - arts. 462 a 466Orientador: Des. Caetano Levi LopesRelatora: Juíza Lilian Maciel SantosEnunciados:

1- O art. 463 inverte a presunção de cláusula implícita de arrependimento no contrato preliminar, aoexigir que a referida cláusula seja expressa, reforçando a obrigatoriedade do negócio jurídico.

2- A ausência do Registro, previsto no art. 463, parágrafo único, não retira a eficácia e exigibilidadedo contrato preliminar entre as partes, como decorrência dos princípios da função social e boa fé.

Contratos em geral - Parte III - Contrato com pessoa a declarar - arts. 467 a 471Orientador: Des. Nilson ReisRelator: Juiz Alexandre Quintino SantiagoEnunciados:

1- O contrato com pessoa a declarar não se aplica àqueles celebrados intuitu personae.2- O contrato com pessoa a declarar não se confunde com o de mandato, porquanto aquele obriga o

estipulante a assumir as obrigações originárias, observado o que dispõe o art. 470.

Extinção dos contratos - arts. 472 a 480Orientadora: Juíza Tereza da Cunha PeixotoRelator: Juiz Edison Magno de Macêdo Enunciado:

1- Os efeitos da sentença, em caso de resolução contratual por onerosidade excessiva (art. 478),retroagirão à data da citação, se não houver inequívoca manifestação anterior de desacordo pelaparte prejudicada.

Contratos em espécie - Compra e venda - Disposições gerais - arts.481 a 504Orientadora: Juíza Selma Maria M. de SouzaRelator: Juiz Antônio Évio de SouzaEnunciados:

1- A expressão termo médio, prevista no parágrafo único do art. 488, deverá considerar o preço cor-rente nas vendas habituais do vendedor, bem como o praticado no mercado.

2- O disposto no art. 499 também se aplica à união estável, por inteligência do art. 1.725 .

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Contratos em espécie - Compra e venda - Cláusulas especiais - arts. 505 a 532Orientador: Juiz Alberto Aluízio Pacheco de Andrade Relatora: Juíza Maria Isabel FleckEnunciados:

1- A fim de se evitar enriquecimento sem causa, o valor da restituição será o valor de mercado àépoca do exercício da retrovenda (art. 505).

2- Os riscos de qualidade e estado do bem, na venda sobre documento, são do comprador, haven-do presunção juris tantum em favor do vendedor( art. 529 e parágrafo único).

Contratos em espécie - a) Contrato estimatório - arts. 534 a 537b) Doação - arts. 538 a 564c) Locação de coisas - arts. 565 a 578Orientador: Des. Caetano Levi LopesRelatora: Juíza Simone Lemos BotoniEnunciado:

1- O contrato estimatório, previsto no art. 534, na sua formação, tem natureza híbrida de depósi-to, mandato e promessa de compra e venda.

Contratos em espécie - a) Empréstimo - arts. 579 a 592b) Prestação de serviços - arts. 593 a 609Orientador: Des. Nilson ReisRelator: Juiz Gilson Soares LemesEnunciados:

1- As exceções contidas nos incisos IV e V do art. 589 prestigiam o princípio da boa-fé objetiva eo que veda o enriquecimento sem causa.

2- O parágrafo único do art. 606 tem caráter de ordem pública, vedando o exercício ilegal deprofissão.

Contratos em espécie - a) Empreitada - arts. 610 a 626b) Depósito - arts. 627 a 652c) Mandato - arts. 653 a 692Orientadora: Juíza Tereza da Cunha PeixotoRelator: Juiz Alexandre Quintino Santiago Enunciado:

1- A prisão por depósito voluntário ou necessário, prevista no art. 652, somente será possível emcaso de depósito real, próprio, tendo em vista o disposto no inciso LXVII do art. 5º da CF/ 88.

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Contratos em espécie - Comissão - arts. 693 a 709Orientadora: Juíza Selma Maria M. de SouzaRelatora: Juíza Marli Maria Braga AndradeEnunciado:

1- A remuneração a que se referem os artigos 703 e 705, não obstante a terminologia usual da le-gislação trabalhista, possui natureza contratual civil.

Contratos em espécie - Agência e Distribuição - arts.710 a 721 Orientador: Juiz Alberto Aluízio Pacheco de AndradeRelator: Juiz Ronaldo Claret de MoraesEnunciado:

1- A razoabilidade do prazo, a que se refere o parágrafo único do art. 720, está relacionada como tempo já transcorrido do contrato, e não com o prazo do aviso prévio.

Contratos em espécie - Corretagem - arts. 722 a 729Orientador: Des. Geraldo Augusto de AlmeidaRelator: Juiz Fabiano AfonsoEnunciado:

1- A ausência de registro profissional não obsta o reconhecimento do direito à remuneração de cor-retagem. (art. 722)

Contratos em espécie - Seguro - Parte I - Disposições gerais - arts. 757 a 777Orientadora: Juíza Selma Maria M. de SouzaRelatora: Juíza Vilma lúcia Gonçalves CarneiroEnunciado:

1- O ônus da prova, para os fins do art. 769, é do segurador.

Contratos em espécie - Seguro - Parte II - Seguro de Dano - arts. 778 a 788Orientador: Juiz Alberto Aluízio Pacheco de AndradeRelator: Juiz Vagner Sana Duarte MoraisEnunciados:

1- A disposição do § 1º do art. 786 se estende aos conviventes.2- O § 2º do art. 787 só tem aplicação quando a seguradora comprovar a má-fé do segurado.

Contratos em espécie - Outros contratos - arts. 803 a 853Orientador: Des. Caetano Levi LopesRelator: Juiz Tenório Silva SantosEnunciado:

1- O mérito do contrato de compromisso extrajudicial pode ser revisto judicialmente, salvo se insti-tuído o juízo arbitral.

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VI Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

13 a 15/ 09/ 2002 - Belo Horizonte/ MG

D i a 1 3 / 9 / 0 2 - S ex t a -f e i r a

20h Abertura Pronunciamentos- Des. Gudesteu Biber Sampaio

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais- Des. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins

2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Superintendenteda Escola Judicial Des. Edésio Fernandes - EJEF

20h30min Palestra: “Das Pessoas e dos Bens - Principais Inovações” - 90 minutos- Expositor: Professor Francisco dos Santos Amaral Neto (RJ)

D i a 1 4 / 9 / 0 2 - S áb ad o

9h Palestra: “Defeitos do Negócio Jurídico” - 90 minutos- Expositor: Professor Humberto Theodoro Júnior (MG)

10h30min Discussão - 90 minutos

- Do Negócio JurídicoGrupo I - Disposições Gerais - arts 104 a 114Grupo II - Representação - arts. 115 a 120Grupo III - Da Condição, Do Termo e Do Encargo - arts. 121 a 137Grupo IV - Do Erro e Do Dolo - arts 138 a 150Grupo V - Da Coação e do Estado de Perigo - arts. 151 a 156Grupo VI - Da Lesão e da Fraude Contra Credores - arts. 157 a 165Grupo VII - Da Invalidade: Nulidades - arts. 166 a 170Grupo VIII - Da Invalidade: Anulabilidade - arts. 171 a 184Grupo IX - Da Prescrição I - Disposições Gerais - arts. 189 a 196Grupo X - Da Prescrição II - Causas Impeditivas, Suspensivas e Interruptivas - arts.

197 a 206Grupo XI - Decadência I - arts. 207 a 211

- Da ProvaGrupo XII - Atos Não Formais - arts. 212 a 214Grupo XIII - Escritura pública e certidões - arts. 215 a 218Grupo XIV - Documentos Particulares e Eletrônicos - arts. 219 a 225Grupo XV - Documentos de Escrituração Empresarial - art. 226

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Pr o g r am aç ão

VI Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

13 a 15/ 09/ 2002 - Belo Horizonte/ MG

Grupo XVI - Prova testemunhal - Admissibilidade, Impedimentos e Suspeições - arts.227 e 228

Grupo XVII - Prova testemunhal - Direito de Recusa - art. 229Grupo XVIII- Presunções e Perícia Médica - arts. 230 a 232

D i a 1 4 / 9 / 0 2 - S áb ad o

16h Palestra: “Parte Geral do Novo Código Civil - Linhas Gerais” - 60 minutos - Expositor: Desembargador Sylvio Capanema de Souza (RJ)- Debates - 30 minutos

17h30min Discussão de Grupos - 90 minutos

- Das PessoasGrupo I - Capacidade - arts. 1º ao 5ºGrupo II - Término da Personalidade, Atos Registrais e Ausência - arts. 6º a 10Grupo III - Direitos da Personalidade I - arts. 11 a 15 Grupo IV - Direitos da Personalidade II - arts. 16 a 21 e 52 Grupo V - Pessoas Jurídicas de Direito Público - arts. 40 a 43 Grupo VI - Pessoas Jurídicas de Direito Privado - Regras Gerais - arts. 44 a 49Grupo VII - Pessoas Jurídicas de Direito Privado - Desconsideração e Dissolução -

arts. 50 e 51Grupo VIII - Associações - art. 53 a 56Grupo IX - Associações - arts. 57 a 61Grupo X - Fundações - arts. 62 a 69Grupo XI - Domicílio Civil - arts. 70 a 78

- Dos BensGrupo XII - Bens Imóveis - arts. 79 a 81Grupo XIII - Dos Bens Móveis, Fungíveis, Consumíveis e Divisíveis - arts. 82 a 88Grupo XIV - Dos Bens Singulares e Coletivos - arts. 89 a 91Grupo XV - Dos Bens Reciprocamente Considerados - arts. 92 a 95Grupo XVI - Dos Bens Públicos I - arts. 98 e 99Grupo XVII - Dos Bens Públicos II - arts. 100 a 103Grupo XVIII - Dos Atos Ilícitos - arts. 186 a 188

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Pr o g r am aç ão

VI Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

D i a 1 5 / 9 / 0 2 - D o m i n g o

8h Plenária - Duração de 3h30min

Coordenador-Geral dos Grupos de Discussão e da Plenária- Des. Sérgio Antônio de Resende (TJMG)

Orientadores- Des. José Costa Loures (TJMG)- Des. Cláudio Renato dos Santos Costa (TJMG)- Des. Isalino Romualdo da Silva Lisbôa (TJMG)- Des. Tibagy Salles Oliveira (TJMG)- Des. Nilson Reis (TJMG)- Des. Geraldo Augusto de Almeida (TJMG)- Juiz Caetano Levi Lopes (TAMG)- Juiz José Nepomuceno da Silva (TAMG)- Juiz Manuel Bravo Saramago (TAMG)-Juíza Tereza Cristina da Cunha Peixoto (TAMG)- Juíza Vanessa Verdolim Hudson Andrade (TAMG) - Juiz Alberto Aluízio Pacheco de Andrade (TAMG)- Juíza Selma Maria Marques de Souza (7ª Vara Cível)- Juiz Pedro Carlos Bitencourt Marcondes (2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias)- Juiz Sebastião Pereira de Souza (25ª Vara Cível)- Juiz José Flavio de Almeida (14ª Vara Cível)- Juiz Marcos Lincoln dos Santos (12ª Vara Cível)

13 a 15/ 09/ 2002 - Belo Horizonte/ MG

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Pa l es t r a

VI Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO NO NOVO CÓDIGO CIVIL: FRAUDE, ESTADO DEPERIGO E LESÃO

SUMÁRIO

1. Intróito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .305

2. Defeitos do negócio jurídico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .306

3. Diferença entre invalidade e ineficácia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .308

4. O erro de nominar a fraude contra credores de anulabilidade e não de ineficácia . . . . . . . . . . .301

5. Em síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .312

6. Os vícios de consentimento e a anulabilidade do negócio jurídico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .314

6.1. Teoria da vontade real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .314

6.2. Teoria da declaração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .314

6.3. Teoria da responsabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .315

6.4. Teoria da confiança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .315

7. A posição do novo Código brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .316

8. O estado de necessidade no âmbito dos negócios jurídicos: anulabilidade ou rescindibilidade? . .317

9. Conceito legal de estado de perigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .319

10. Negócios usurários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .320

11. Esboço histórico da lesão no direito brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .321

12. Conceito de lesão como vício de consentimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .322

13 a 15/ 09/ 2002 - Belo Horizonte/ MG

Humberto Theodoro Júnior

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1. INTRÓITO

O tema dos “defeitos do ato jurídico” prepara a abordagem legal das invalidades - nulidadee anulabilidade.

O Novo Código Civil evoluiu grandemente nesse campo de defeitos do negócio jurídicoinserindo, no direito posit ivo, novas e relevantes figuras como a lesão (art. 157) e o estado de peri-go (art. 156), atendendo, dessa maneira, a notórios anseios sociais.

Deslocou, também, com inegável acerto, a simulação do campo das anulabilidades para odas nulidades (art. 167).

Cometeu, todavia, um desserviço ao direito civil brasileiro, ao manter a fraude contra cre-dores dentre as causas de anulabilidade do negócio jurídico (arts. 158 a 165), já que os rumostraçados pelo direito comparado contemporâneo e a lição da doutrina nacional desde muito cata-logam a impugnação pauliana no âmbito da ineficácia, e não da invalidade.

Além de atribuir efeitos impróprios à natureza dos negócios viciados, reúne o Código fenô-menos heterogêneos sob a denominação única de “defeitos do negócio jurídico”. Na verdade, nadahá em comum entre os vícios de consentimento (ou de vontade) - erro, dolo, coação etc. e os víciosfuncionais (ou sociais), como a fraude contra credores.

Nos vícios de consentimento o ato é defeituoso porque a vontade do agente não se formacorretamente, já que não fora o defeito de que se ressentiu no processo de formação, manifestar-se-ia, certamente, de maneira diversa. Ou seja, sob influências que atuam anormalmente sobreseu psiquismo, o comportamento do agente “difere daquele a que sua vontade livre e conscienteo conduziria”1. Já na fraude contra credores (assim como na simulação), a declaração de vontadenão se afasta do propósito que efetivamente o agente teve ao praticá-la. “O negócio jurídico por-ventura configurado resulta do livre e consciente desejo dos contratantes” , de sorte que “ inexistedisparidade entre o querido e o declarado”2. A sanção que, na espécie, se aplica ao negócio nãoé em proveito de um dos contratantes, mas de terceiro ou terceiros atingidos pelos efeitos do atofraudulento. Daí porque não há defeito algum na formação do negócio, quer quanto aos seus ele-mentos essenciais, quer quanto aos requisitos de validade entre as partes. A censura da lei sevolta apenas para um plano exterior ao negócio, o de seus reflexos sobre o meio social. Por issose costuma qualificar a fraude como vício social.

Como explicar, então, o agrupamento de figuras tão díspares como os vícios de consenti-mento e os vícios sociais no mesmo segmento dos defeitos do negócio jurídico? Simplesmenteporque, na ótica do Código de 1916, todos eles conduziriam a uma só sanção: a anulabilidade.

Mas, tão diferentes eram os dois fenômenos, que mesmo submetendo-os ao regime comumdas anulabilidades, não pôde o Código velho deixar de reconhecer que a invalidade teria conse-qüências não uniformes, conforme o vício fosse de vontade ou social. No primeiro caso, a proteçãoera para o agente vítima do defeito, de maneira que a invalidação seria decretada em seu benefí-cio; no segundo, a anulação operaria em favor dos terceiros lesados e não do agente do atodefeituoso3.

1 RODRIGUES, Silvio. Dos Vícios de Consentimento. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1982, nº 2, p. 5.2 RODRIGUES, Silvio. ob. cit., nº 2, p. 6.3 RODRIGUES, Silvio. ob. cit., nº 2, p. 7.

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Ora, esse tratamento promíscuo de fenômenos irredutíveis entre si só se justificava pelofato de ao tempo da elaboração do Código velho não se dominar, ainda, com a segurança, a dis-t inção, entre anulabilidade e ineficácia relativa. Num Código do Século XXI, todavia, é inaceitávelque se mantenham coisas tão díspares sob regime nominalmente igual, mas de conseqüênciassubstancialmente diversas. A impropriedade é gritante e será, na prática, fator de muita confusãoe prejuízos, pelos reflexos que certamente acarretará à segurança jurídica.

2. DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Para o Código, há defeito no negócio jurídico quando este padece de deficiência nos ele-mentos constitutivos capaz de permitir sua anulação, seja por erro, dolo, coação, estado de peri-go, lesão ou fraude contra credores (arts. 138 a 166). Da mesma deficiência ressente-se o negó-cio praticado por agente relativamente incapaz (art. 171, I), embora a hipótese não venha elenca-da no capítulo em que o Código reúne e descreve os “defeitos do negócio jurídico” (Cap. IV doTítulo I, Livro III, art. 138 a 165).

O defeito se passa, portanto, no terreno da validade do negócio jurídico, ou seja, na suaaptidão, ou não , para produzir os efeitos jurídicos visados pelo agente. Quando o negócio se achacompletamente despido de força para gerar tais efeitos diz-se que ocorre nulidade (art. 166); equando os efeitos são produzidos, mas com risco de serem inviabilizados por provocação de quemse viu prejudicado pela prática viciada, o que se dá é a sua anulabilidade (art. 171). Isto é, o negó-cio não é nulo, porque uma vez consumado entra a produzir seus naturais efeitos. Estes, porém,correm o risco de serem frustrados pelo poder que se reconhece ao prejudicado de anular o negó-cio, retirando-lhe a potencialidade de manter os efeitos de início produzidos.

Para o Código, como se vê, o negócio é válido ou inválido. Se é válido, apresentar-se-á emcondições de produzir todos os efeitos jurídicos dele esperados. Se é inválido, ou não produziráefeito algum (nulidade), ou poderá ser ulteriormente privado de seu efeito (anulabilidade). Enfim,o sistema adotado resume-se a ter como base o binômio “validade-invalidade” , no plano geral, eo acanhado confronto entre “nulidade” e “anulabilidade”, no plano restrito da invalidade.

Há nessa sistemática uma confusão, intolerável para o grau atual de desenvolvimento daciência do direito, entre “ invalidade” e “ ineficácia” , porque na vetusta ótica do Código, não hácomo negar efeito, no todo ou em parte, a um negócio jurídico como o praticado sob a fraudesenão imputando-lhe a mácula da invalidade, ou seja, tratando-o como ato nulo ou anulável.

Realmente, no final do Século XIX, quando CLÓVIS BEVILAQUA redigiu o projeto que, em1916, viria a converter-se no primeiro Código Civil Brasileiro, a teoria da eficácia e da ineficácia,ainda não estava suficientemente explorada e sistematizada. Por isso, se jogava apenas com asidéias de validade e nulidade, dentro das quais deveriam acomodar-se todas as situações de negó-cios jurídicos impotentes à plena geração de efeitos.

Reconhecia, então, o autor do Projeto do velho Código que a teoria das nulidades ainda seapresentava vacilante na doutrina, circunstância que aliada à falta de nitidez dos dispositivoslegais, à ausência de princípios diretores do pensamento em função legislativa, vinha dando a esseassunto “um aspecto particularmente rebarbativo”4.

4 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Atualizada por Caio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, §65, p. 254.

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Lembra CLÓVIS que nas origens romanas o sistema era extremamente singelo: se o atofora praticado contra prescrição legal, era nulo, o que equivalia dizer, não tinha existência para alei5. O rigor da lógica jurídica esposada pelo preceito se manifestou inconveniente em várias situ-ações, pelo que o direito pretoriano cuidou de abrandá-lo, por meio de distinções que conduzirama reunir em setores diferentes os atos “nulos de pleno direito” , cuja ineficácia não dependia derescisão, e os “atos defeituosos”, cuja nulidade dependia de sentença para ser reconhecida.

Foi essa doutrina que, predominando ainda ao tempo da elaboração do Projeto Bevilaqua,se tornou o critério legal de catalogar as invalidades adotado pelo Código Civil de 1916.Reconhecia, porém, CLÓVIS que, sem embargo da opinião unânime sobre a existência dos doistipos de nulidade, não existia entre os doutrinadores um consenso sobre quais atos deveriamentrar numa classe ou noutra, nem tampouco sobre o critério de distribuição, nem ao menos sobrese as duas categorias seriam, realmente, suficientes “para conter todos os atos, a que a ordemjurídica recusa apoio”6.

Ciente de que os atos ineficazes não poderiam limitar-se às categorias da nulidade e daanulabilidade, o seu Projeto contemplava também a figura dos atos inexistentes, preconizada porAUBRY et RAU. Na concepção de CLÓVIS, o ato inexistente é mais do que ato nulo, porque nãotem sequer a aparência de um ato jurídico de seu gênero. No entanto, o Código preferiu ignorar acategoria da inexistência para contemplar, no campo da ineficácia, apenas a nulidade e a anula-bilidade, agrupando analiticamente as hipóteses enquadráveis em cada uma das categorias legais.

Explica o autor do Projeto que o critério adotado foi o de considerar a nulidade como umgênero que admite duas espécies, conforme o grau de intensidade do fenômeno. Por nulidade emsentido lato deve-se entender “a declaração legal de que a determinados atos jurídicos se nãoprendem os efeitos ordinariamente produzidos pelos atos semelhantes” . A privação de efeitos éuma pena aplicada a quem pratica o ato violando a lei. Consiste essa pena justamente na “pri-vação dos direitos ou vantagens, que o ato teria conferido se fosse conforme a lei“7.

No entanto, a reação da ordem jurídica contra o ato nulo não se dá sempre com a mesmaintensidade, tendo em vista que os interesses feridos pela ilegalidade nem sempre são da mesmanatureza ou da mesma relevância. Assim, quando a norma violada é daquelas que agasalhamprincípios básicos da ordem jurídica, pondo em jogo interesses de ordem pública, ocorre a nulidadede pleno direito, como a reação mais enérgica contra a prática ilegal. Mas quando os preceitosofendidos pelo ato se destinam mais particularmente a proteger os interesses privados da pessoaque dele participou, a reação contra sua eficácia é atenuada porque dependerá da vontade indi-vidual do interessado. O ato, neste caso, será apenas anulável8.

Como a única classificação disponível na ótica do Código de 1916, no plano da ineficáciaera a dicotomia “nulidade - anulabilidade”, todos os casos em que se pretendeu negar algum tipode efeito ao negócio jurídico foram catalogados ou como nulos ou como anuláveis. Não se conce-bia, na sistemática adotada, que um ato válido pudesse ser havido como ineficaz, ou seja, se apre-sentasse como incapaz de produzir o efeito para o qual foi praticado.

5 Ea quae lege fieri prohibentur si fuerint facta, non solo inutilia, sed pro infectis, etiam habentur - é o que se proclama no direito imperial(Cód. 1, 14, 1.5).

6 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral cit., § 65, p. 255.7 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral cit., § 65, p. 257.8 BEVILÁQUA, Clóvis, idem, ibidem.

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Todas as hipóteses de recusa legal de eficácia, por motivos atribuídos a desvios de vontadedo agente foram catalogados como “vícios de vontade” geradores de “anulabilidade” . Como,todavia, o defeito às vezes se localizava na formação da vontade (anormalidade psíquica), e ou-tras vezes se prendia apenas a desvios éticos de finalidade (fim de prejudicar a outrem ou fugirdas prescrições legais), CLÓVIS concebeu uma classificação que diferenciava duas classes devícios da vontade na prática do ato jurídico: a) os vícios de consentimento, em que a vontade seforma imperfeitamente por defeito de consciência ou liberdade: erro, dolo e coação; e b) os víciossociais, que não provocam desarmonia entre o psiquismo e a vontade exteriorizada, mas que sedirigem a resultados anti-sociais: a simulação e a fraude contra credores.

Coisas heterogêneas, como se vê, foram aglomeradas no velho Código sob o rótulo de“vícios de vontade”, porque só dispunha o legislador de um único caminho para negar eficácia. Adoutrina nacional, no entanto, a partir da evolução científica da conceituação da ineficácia e daexperiência do direito comparado, pôde atribuir a certas “anulabilidades” do Código sua ver-dadeira natureza, que seria a de ineficácia relativa ou inoponibilidade, malgrado a terminologiainadequada e superada do velho diploma legal.

Sem embargo de tal esforço científico, que logrou respaldo significativo na jurisprudência,o novo Código vem à luz no Século XXI repetindo, ipsis litteris, o anacrônico e superado regime deanulabilidades do estatuto de 1916. Ou seja, o vício social - fraude contra credores - continua arro-lado como causa de anulabilidade, ao lado de vícios de consentimento como o erro, o dolo e acoação, muito embora nada tenha em comum com eles, nem no mundo fático, nem no jurídico.

Ignorou o legislador do Século XXI toda a conquista da ciência do direito do Século XX emtorno da sistematização dos planos de atuação da vontade no campo jurídico. Isto, porém, nãoimpede que os fenômenos ligados aos efeitos do negócio jurídico sejam catalogados e analisadoscientificamente pelo jurista. O erro do legislador não tem a força de mudar a natureza das coisas.Se a lei não sabe distinguir entre entidades tão diferentes como são a anulabilidade e a ineficáciarelativa, cabe ao intérprete fazê-lo.

Vamos, pois, fazer a distinção que o legislador não soube captar, ou o que é pior, conhe-cendo as categorias, não cuidou de observá-las com o indispensável rigor.

3. DIFERENÇA ENTRE INVALIDADE E INEFICÁCIA

A aplicação da sanção da ineficácia, e não da invalidade, decorre de uma valoração da leiem torno dos interesses a resguardar numa prevista conjuntura em que certo negócio jurídico sedesenvolve.

Feito o cotejo entre o tipo ou gênero de negócio e a situação especial cogitada, a lei exprime“uma valoração negativa que é, de certo modo, o reverso da outra, positiva, que a lei faz relati-vamente ao negócio-tipo a que liga a produção de novas situações jurídicas”9. Daí a restriçãoque se faz, diminuindo a área de incidência dos efeitos próprios do tipo legal respectivo.

A distinção entre o ato inválido (nulo ou anulável) e o ato ineficaz revela-se, na modernaciência jurídica, como indispensável, dado ser irrecusável a substancial diferença de natureza econseqüências das duas figuras jurídicas10.

9 BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico cit., v. III, n. 57, p. 11.10 BETTI, Emilio, ob. cit., loc. cit.

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A invalidade, para BETTI, “é aquela falta de idoneidade para produzir, por forma duradourae irremovível, os efeitos essenciais do tipo”, como sanção à inobservância dos requisitos essen-ciais impostos pela lei. Já a ineficácia qualifica-se, ao contrário, como característica de um ato “emque estejam em ordem os elementos essenciais e os pressupostos de validade, quando, noentanto, obste à sua eficácia uma circunstância de fato a ele extrínseca”11.

No campo vasto da ineficácia, assume relevo marcante a figura da ineficácia relativa ou ino-ponibilidade, que se configura quando, no sistema da lei, “um ato, não privado de validade, podeser ineficaz apenas a um ou outro interessado, em atenção especial de alguma deficiência sua”12.Adverte TRABUCCHI que de maneira alguma se deve confundir essa figura com a da invalidadedo negócio, porque o negócio validamente concluído não perde sua substância, embora, em facede outros fatores, não produza todos os seus efeitos13.

Em suma, a lei conceitua como ineficácia relativa o caso em que considera o ato “ ineficazapenas em relação a uma determinada pessoa, conservando-se para os demais, não obstanteineficaz”14. Enquanto a anulação do ato viciado apaga todos os seus efeitos, reduzindo as partesao estado anterior à sua prática (Novo Código Civil, art. 182; Código de 1916, art. 158), o reco-nhecimento da ineficácia conserva as partes do negócio jurídico na mesma situação em que o atoas colocou.

Nosso Código Civil de 1916, redigido em época em que a categoria da ineficácia ainda nãose achava cientificamente bem elaborada entre os juristas, englobou como caso de anulabilidade,por exemplo, a fraude contra credores, que os códigos posteriores vieram a tratar como hipótesede típica ineficácia relativa.

Doutrina e jurisprudência, no entanto, puderam construir a teoria da fraude como de ineficá-cia, levando em conta não só os próprios efeitos que o velho Código Civil lhe imputava e que nãose igualavam aos da anulação verdadeira, mas também considerando um critério sistemático esta-belecido a partir de outras figuras similares à revocação pauliana e que foram tratadas por leis pos-teriores como sujeitas à ineficácia relativa, por textos expressos (revocatória falencial e fraude deexecução).

Nada obstante, o novo Código Civil, volta a reproduzir textualmente o regime da fraude con-tra credores concebido pelo código antigo, mantendo-a como causa de anulabilidade do negóciojurídico e ignorando, por completo, a categoria dos atos ineficazes.

Essa visão equivocada e retrógrada do legislador, ainda que traduzido em literal disposiçãodo novo estatuto civil, não impedirá, obviamente, que a verdadeira natureza da figura jurídica sejaretratada e proclamada por seus intérpretes e aplicadores.

O fato de o legislador ignorar uma categoria ou tipo jurídico não muda a natureza da coisa.

A lei e a doutrina podem criar conceitos próprios para os institutos jurídicos, fixando-lheselementos e requisitos, mas não podem criar tipos ou categorias, cuja existência cabe à ciênciacomprovar e reconhecer. Explica OLÍMPIO COSTA JÚNIOR:

“Bem a propósito, se o conceito é abstrato e surge de pura abstração ou ‘dissociação do

11 BETTI, Emilio, ob. cit., loc. cit.12 TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di diritto civile. 38. ed., Padova: CEDAM, 1998, n. 81, p. 184.13 TRABUCCHI, Alberto, ob. cit., loc. cit.14 LARENZ, Karl, ob. cit., p. 647.

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concreto’ (HEGEL), o tipo representa um ‘retorno à realidade’ (ENGISCH) e se enraíza no ‘geralconcreto’ (LARENZ), como instrumento de compreensão e explanação de fenômenos que se rei-teram de determinado modo”15.

Por isso mesmo, “os tipos, diferentemente dos conceitos, não se criam ou se inventam -somente se descobrem; nem se definem em seus próprios termos - apenas se descrevem”16. Daíque o fato de o Código lidar apenas com as categorias da nulidade e da anulabilidade não impedeque a ciência jurídica descubra no bojo do ordenamento posit ivo situação patológica do ato jurídi-co que não configure nem o tipo da nulidade nem o da anulabilidade, sem embargo de ter recebidodo legislador o rótulo de um deles.

O que importa é descobrir cientificamente a natureza da coisa para, no resultado práticovisado pelo legislador, encontrar o critério que realmente vai conduzir à classificação do fenômenono local que lhe corresponde. Nesse trabalho, evidentemente, é despida de maior significado aopinião do legislador, já que concebida a figura jurídica, não lhe é dado alterar ou ignorar anatureza da coisa dentro do mundo do direito onde ela se insere. O legislador não tem compro-misso científico com o direito. O jurista que interpreta e aplica a norma do legislador, ao contrário,tem sempre de agir cientificamente, a fim de encontrar e definir o efeito concreto do texto legis-lado.

O intérprete da lei, por isso, não pode, de maneira alguma, ser um mero repetidor daspalavras do legislador. Como cientista, dispõe de método próprio para desvendar o sentido ealcance da norma, sem se escravizar à literalidade do texto legal.

Descoberta uma nova categoria jurídica e sistematizado o seu posicionamento no esquemageral do direito, os institutos antigos do ordenamento em vigor haverão de sofrer o impacto doavanço científico obtido.

4. O ERRO DE NOMINAR A FRAUDE CONTRA CREDORES DE ANULABILIDADE E NÃO DEINEFICÁCIA

Repetir a qualificação da fraude como causa de anulabilidade do negócio jurídico, exata-mente como o fazia o Código velho, importa submeter a lei nova a toda censura que já se acumu-lara contra o diploma revogado, a propósito do tema.

Com efeito, a não ser por apego à literalidade do Código de 1916 ninguém defendia a anu-labilidade do negócio praticado em fraude de credores. Mesmo assim já se tranquilizava a tese deque não mais se poderia solucionar o problema exegético in casu como se a textualidade fosse oúnico caminho disponível ao aplicador da norma legal. Fazer prevalecer a simples letra da lei,equivaleria, a desprezar, por inteiro, o quadro histórico em que o velho Código Civil foi redigido, enão atribuir influência alguma aos interesses visados pelo legislador, aos fins colimados pelasanção oculta sob a literalidade dos arts. 106 a 113 do Estatuto de 1916, abstendo-se, ainda, docotejo sistemático da pauliana com outras revocações provocadas pela fraude contra credores dis-ciplinadas por leis posteriores ao Código. Assim agindo, acabar-se-ia por conferir à definição da

15 COSTA JÚNIOR, Olímpio. A relação jurídica obrigacional, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 56.16 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução Portuguesa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1978, p. 506 et seq. apud

COSTA JÚNIOR, Olímpio, ob. cit., p. 57.

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lei uma inatacabilidade que a moderna ciência do direito não reconhece. Vem a propósito aadvertência de FÁBIO KONDER COMPARATO:

“A nova ciência jurídica não despreza, evidentemente, os conceitos e as definições, comoinstrumentos indispensáveis à aplicação do direito, mas considera tais instrumentos sempre per-fectíveis e provisórios, em função da constante observação histórica da vida humana emsociedade”17.

No nosso entender, a interpretação dos dispositivos codificados referentes à ação pauliana,que o novo Código herdou do anterior, tem de ser feita a partir das seguintes premissas:

a) ao tempo do Código velho, a doutrina brasileira não havia desenvolvido, ainda, a teoria daineficácia como fenômeno distinto da nulidade e da anulabilidade;

b) ao sancionar a fraude contra credores, o Código vetusto levou em conta o conflito de interes-ses entre o poder de dispor do devedor e o direito à garantia patrimonial com que conta o cre-dor e valorizou a repulsa que a consciência social faz a toda espécie de má-fé;

c) declarando anulável o ato do devedor prejudicial à garant ia do credor, o objetivo visado com talsancionamento foi, sem dúvida, o de sanar o seu prejuízo, restabelecendo a garantia patrimoni-al violada pelo ato dispositivo do devedor insolvente.

Visando coibir a fraude e restaurar a garantia genérica do credor sobre o patrimônio dodevedor, o antigo Código declarou, textualmente, que o ato de disposição deste, praticado emestado de insolvência, era anulável. Mas não o fez dentro do conceito que a própria codificaçãoassentara para os efeitos da anulabilidade, e, sim, para alcançar uma eficácia especial ou suigeneris.

Com efeito, ao sistematizar as nulidades o antigo Código Civil definiu como conseqüêncianatural da anulação do ato jurídico a restituição das partes “ao estado em que antes se achavam”(art. 158). Quando, porém, tratou da fraude contra credores, teve a preocupação de estatuir efeitodiverso para aquilo que chamava de anulação do ato do devedor prejudicial a seus credores. Nãodeixou a eficácia da “anulação” seguir sua disciplina geral, que seria a de fazer com que oadquirente restituísse ao alienante o bem deste adquirido, ao mesmo tempo em que este ficariasujeito à reposição do preço em favor daquele. Aqui, o que se estatuiu foi que a vantagem resul-tante da revocação não seria a restituição das partes do contrato fraudulento ao estado anterior,mas a integração do bem alienado no acervo passível de execução pelos credores do alienante. Éo que se depreende do texto do art. 113, onde a velha lei afirmava, expressamente, que a van-tagem da sentença anulatória “reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar oconcurso de credores” .

A lei, então, incluiu formalmente a fraude contra credores no quadro das anulabilidades semcontudo, atribuir-lhes os efeitos substanciais próprios deste t ipo de defeito do ato jurídico. Se, pois,sua eficácia não era a da anulabilidade, nada impedia que a doutrina se afastasse da literalidade dalei para definir qual a verdadeira natureza da sanção aplicável à fraude contra credores, levando emconta os interesses tutelados e os objetivos visados pela tutela concebida pela lei, na espécie.

Nessa ordem de idéias, não é pelo fato de o Código velho não sistematizar a categoria dosatos ineficazes que ela seja estranha ao nosso direito, já que, sem rotulá-la expressamente, nosso

17 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 84.

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ordenamento, não só na codificação civil, como em leis posteriores, emprega o mecanismo de pri-var alguns atos jurídicos de efeito em relação a certas pessoas, sem, todavia, tratá-los como inváli-dos (por exemplo: os efeitos do contrato não registrado, ou da hipoteca não inscrita, não atingemterceiros, embora tais atos sejam plenamente válidos entre as partes - Cod. Civil de 1916, arts.135 e 848).

O velho Código Civil também não fazia a distinção conceitual entre prescrição e decadên-cia, rotulando toda forma de extinção dos direitos pelo decurso do tempo sob o nomen iuris deprescrição. Isto, porém, não impediu que a doutrina e jurisprudência procedessem à separação dasduas figuras jurídicas e extraíssem da distinção enormes conseqüências teóricas e práticas.

Se, pois, a lei civil quis com a sanção à fraude simplesmente resguardar os credores dos pre-juízos que o ato do devedor insolvente poderia acarretar-lhes, o que fez foi cominar-lhe uma ineficá-cia relativa. Não criou uma anulabilidade, malgrado o emprego incorreto do nomen iuris utilizado.

Se, porém, era compreensível o equívoco ao tempo da elaboração do Código Bevilaqua,hoje é totalmente inadmissível que o Código novo venha a repetir o mesmo texto anacrônico equase centenário.

5. EM SÍNTESE

O legislador ignorou não só o avanço da ciência jurídica consolidado em amplo consensodoutrinário, como desprezou a larga construção do direito comparado ao longo do Século XX emtorno dos planos da existência, validade e eficácia. Códigos antigos, como o da Argentina, v.g.,passaram por reforma de texto, a fim de que a fraude contra credores tivesse seu regularenquadramento no plano de ineficácia relativa e não mais no campo da invalidade. Deixou de leraté mesmo o que desenvolvera, entre nós, PONTES DE MIRANDA há mais de cinqüenta anos:

“Para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de inva-lidade a respeito do que não existe. A questão da existência é uma questão prévia. Somentedepois de se afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou invalidade (...).

Os fatos jurídicos, inclusive atos jurídicos, podem existir sem serem eficazes. O testamen-to, antes da morte do testador, nenhuma outra eficácia tem que a de negócio jurídico unilateral,que, perfeito, aguarda o momento da eficácia. Há fatos jurídicos que são ineficazes, sem que arespeito deles se possa discutir validade ou invalidade. De regra, os atos jurídicos nulos são inefi-cazes; mas ainda aí, pode a lei dar efeitos ao nulo”18.

Fez vista grossa ao que a doutrina especializada construiu, na seqüência de PONTES DEMIRANDA, em obras importantes como as de ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO19, MAR-COS BERNARDES DE MELLO20; CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO21; NELSON HANADA22;YUSSEF SAID CAHALI23, entre outros.

18 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, t. IV, § 357, p. 7.19 Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2.000 .20 Teoria do fato jurídico - Plano da Existência. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2.000; Teoria do fato jurídico - Plano da Validade. 2. ed., São

Paulo: Saraiva, 1997.21 Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2. ed., São Paulo: RT, 1987.22 Da insolvência e sua prova na ação pauliana. São Paulo: RT, 1982.23 Fraudes contra credores. São Paulo: RT, 1989.

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Até mesmo a evolução da legislação brasileira sobre fraude contra credores, realizada forado Código Civil foi desprezada, pois a Lei de Falência, de 1945, e os Códigos de Processo Civil de1939 e 1973, já tratavam a fraude como tema ligado à ineficácia e não à anulabilidade.

É certo que os autores do projeto que se transformou no novo Código Civil não ignoram adistinção técnica entre validade e eficácia, pois um dos objetivos por eles perseguidos, segundoexplicitado na Exposição de Motivos, foi o de eliminar o vício do Código anterior de empregar,indiscriminadamente, “palavras que devem ter sentido técnico unívoco” ; e, para tanto, cuidou deapontar, com propriedade, o que constituiu o sentido de cada uma das referidas figuras jurídicas:

“Tal orientação importou, desde logo, uma tomada de posição que se reflete no corpo tododo Projeto, quanto à delicada, mas não despicienda, necessidade de distinguir-se entre validade eeficácia dos atos jurídicos em geral e dos negócios jurídicos em particular. Na terminologia doAnteprojeto, por validade se entende o complexo de requisitos ou valores formais que determi-na a vigência de um ato, por representar o seu elemento constitutivo, dada a sua conformaçãocom uma norma jurídica em vigor, seja ela imperativa ou disposit iva. Já a eficácia dos atos se re-fere à produção dos efeitos, que podem existir ou não, sem prejuízo da validade, sendo certo quea incapacidade de produzir efeitos pode ser coeva da ocorrência do ato ou da estipulação do negó-cio, ou sobrevir em virtude de fatos e valores emergentes”24.

Sem embargo do domínio dos conceitos e do confessado empenho de aplicá-los com “zeloe rigor” no tratamento da matéria relativa à validade e eficácia dos negócios jurídicos, o resultadonão foi o que se era de esperar25: o caso mais típico de ineficácia relativa - a fraude contra cre-dores - continuou expressamente tratado como de anulabilidade.

Não foi apenas uma opção entre duas possibilidades técnicas de sistematização jurídica;mas o emprego de nomen iuris em flagrante contradição com a própria disciplina dada ao fenô-meno jurídico, pois os efeitos que se atribuem à fraude não são, de fato, próprios da anulabilidade,mas sim os que correspondem à ineficácia, na moderna categorização dos planos por que passa adeclaração de vontade, desde sua emissão até alcançar a meta visada pelo negócio.

Daí porque, nada obstante, o regime defeituosamente traçado pelo novo Código, para dis-ciplinar a ação pauliana e seus efeitos sobre os atos praticados em fraude contra credores, haveráde ser interpretado como sendo o da ineficácia relativa e não o da anulabilidade, pela total inade-quação desta para operacionalizar a repressão da questionada patologia do negócio fraudulento.

Por outro lado, não se preconiza devesse o novo Código abrir um capítulo para a validadee outro para eficácia26, mesmo porque esta se manifesta de maneira não uniforme nas diferentessituações em que ocorre. O erro está em rotular de invalidade fenômeno que, por sua próprianatureza, se passa no terreno da ineficácia, e não da anulabilidade. A impropriedade é, em suma,arrolar todos os defeitos do negócio jurídico nos estreitos limites da anulabilidade. À impugnaçãoda fraude, portanto, te-se-ia de imputar o simples efeito de provocar o reconhecimento de suaineficácia perante os credores prejudicados. Nada mais.

24 Exposição de Motivos do Prof. MIGUEL REALE, de 16.01.75, item nº 16.25 No tratamento do negócio, "como em outros pontos , procura-se obedecer a uma clara distinção entre validade e eficácia dos atos jurídi-

cos, evitando-se os equívocos em que se enreda a Dogmática Jurídica que presidiu à feitura do Código de 1916" (Exposição de Motivos,cit., item nº 17, i).

26 Tal orientação foi repelida, com razão, pelo parecer de MOREIRA ALVES (A parte geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. São Paulo:Saraiva, 1986, p. 42-43).

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6. OS VÍCIOS DE CONSENTIMENTO E A ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Embora afetem o elemento essencial da validade do negócio jurídico - a declaração de von-tade, que deve ser, em princípio, livre e consciente para sua natural eficácia - os vícios de consen-timento não acarretam, por política legislativa, a inexistência, nem mesmo a nulidade do negócio poreles afetados. A sanção legal que o Código lhe aplica é apenas a anulabilidade (art. 171, II).

O terreno dos defeitos do negócio jurídico oferece, portanto, rico material para observar eadequar as discutidas teorias da vontade e da declaração e suas variantes.

6.1. Teoria da vontade real

Segundo teoria sistematizada por SAVIGNY, a essência do negócio jurídico está no quererindividual, isto é, na vontade mesma do autor da declaração negocial. Esta, portanto, opera ape-nas como instrumento de revelação daquela. Por isso, quando há conflito entre a vontade e adeclaração, é a vontade que haverá de prevalecer27.

Levada ao extremo, todo ato afetado por vício de consentimento seria inválido diante daausência de vontade de que se ressente, seja por erro, dolo ou coação, ou por qualquer outroevento que impeça sua livre e consciente manifestação.

Essa proteção ampla e irrestrita à vontade real não é, todavia, acolhida pela ordem jurídica,porque entraria em choque com o interesse geral, afetando a segurança das relações negociais.Se de um lado existe o interesse do declarante, que praticou o negócio jurídico e que desejapreservar a pureza de sua vontade; de outro, há o interesse do meio social, onde o negócio jurídi-co estabelece uma expectativa de que a declaração de vontade produzirá os efeitos programados,não podendo, razoavelmente, aceitar que, por motivos íntimos do declarante, se estabeleça o peri-go da sua fuga da obrigação assumida.

A primeira restrição que se manifestou foi de não considerar o vício de consentimento comocausa de nulidade, e sim como de anulabilidade, impondo-se condições ao exercício do direitopotestativo da parte de promover a ação de anulação do negócio jurídico.

Depois, surgiram teorias que deslocaram da vontade real a essência mesma do negóciojurídico, fixando-a na declaração.

6.2. Teoria da declaração

A reação contra o excesso reconhecidamente presente na teoria da vontade real deu-se pormeio da teoria da declaração, cujo ponto de partida foi a necessidade de preservar as vinculaçõescriadas pelas declarações de vontade, para ter-se segurança nas relações jurídicas. O comérciojurídico não pode conviver com a insegurança que decorreria de declarações de vontade que facil-mente se revogam. Além do mais, o plano da vontade subjetiva seria inacessível, pelo que, para odireito, o importante deve ser a declaração e dela, portanto, é que hão de emanar os efeitos jurídi-cos. Não haveria segurança alguma nas relações privadas se quem emite uma declaração não

27 SAVIGNY. Sistema del diritto romano attuale. Torino: Unione Tipografico Editrice, 1900, vol. 3, § 134 e 1355, p. 342 a 356;RODRIGUES. Silvio. Dos vícios de consentimento, cit., nº 23, p. 31.

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aceitasse ficar vinculado a quem ela se endereçou, dentro do sentido normal das expressõesempregadas28.

Como reação, a teoria da declaração mostrou-se tão extremada como a teoria da vontade.Se a primeira protegia intoleravelmente o declarante, a segunda outorgou tutela exorbitante aodestinatário da declaração.

É evidente que não se poderia tutelar, por exemplo, a má-fé de quem procurasse prevale-cer do erro alheio para, maliciosamente, obter vantagens do negócio viciado. E além do mais, sese pode valorizar a declaração, não se deve fugir da realidade de que a raiz mesma do negóciojurídico não pode ser desvinculada da vontade.

6.3. Teoria da responsabilidade

Fugindo do antagonismo profundo estabelecido entre a teoria da vontade real e a da decla-ração da vontade, formulou-se uma posição intermediária, sob o nome de teoria da responsabili-dade. Segundo esta, embora a autonomia da vontade esteja na base do negócio jurídico, impõe-se admitir que, mesmo havendo divergência entre a vontade e a declaração, esta deve prevalecer,se o desacordo for provocado por culpa ou dolo do próprio declarante29.

Em princípio, portanto, a divergência entre a vontade e a declaração se resolve pelaprevalência da vontade real, provocando a anulação do negócio praticado sob o impacto do erroou de outro vício que impediu a formulação da vontade livre e consciente.

Como, todavia, o agente deve responder pelos atos culposos que causem dano a outrem, ocontratante que cometeu o erro por sua própria negligência ou dolo, terá de se sujeitar aos efeitosdo negócio, para não prejudicar o terceiro que nele confiou.

Objetou-se que a conseqüência do ato ilícito culposo não é a criação de negócio jurídico,mas apenas da obrigação de indenizar. Redarguiu-se que a vontade merece a proteção do orde-namento jurídico quando se destina a alcançar escopos afins aos interesses sociais, pois, segun-do FERRARA, o fundamento dessa proteção é “o interesse do comércio jurídico, da comunidade,e não uma homenagem incondicional e servil ao ato volitivo”30.

A manutenção do negócio a despeito da vontade diversa do autor da declaração, segundoa teoria comentada, ocorre porque quem incorre em erro por culpa, causa dano à expectativa legí-tima de terceiro. A reparação que toca ao culpado consiste justamente em satisfazer aquelaexpectativa, decretando-se a obrigação de cumprir a declaração feita. Nem toda reparação de atoculposo se dá por indenização de perdas e danos. Pode também haver a reparação in natura, queno caso seria a não anulação do negócio31.

6.4. Teoria da confiança

O último grau de evolução do tratamento do problema do erro no negócio jurídico foiacrescido pela teoria da confiança. Não basta analisar o dissídio entre vontade e declaração ape-

28 SALEILLES. Étude sur la théorie génerale de l'obligation, p. 5, apud SANTOS, Beleza dos. A simulação em direito civil. São Paulo: Lejus,1999, p. 16.

29 FERRARA, Simulazione, p. 29, apud RODRIGUES, Silvio. Dos vícios de consentimento, cit., p. 34.30 RODRIGUES, Silvio, ob. cit., p. 35.31 RODRIGUES, Silvio, ob. cit., nº 26, p. 36/ 37.

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nas no ângulo de quem a emite. É preciso levar em conta também o comportamento de quem arecebe. É preciso indagar se este manteve sua expectativa de vinculação segundo a boa-fé, ou sede alguma forma concorreu com culpa no evento.

A teoria da confiança retrata bem os rumos da nova ordem jurídica, que se fasta do indi-vidualismo para melhor valorizar o interesse social. Daí porque vai além da tutela da vontade dodeclarante para se ocupar também do interesse daqueles que confiam na segurança das relaçõesjurídicas e que, da mesma forma, devem concorrer para que ela se concretize.

As leis, no direito comparado, aos poucos vão aderindo a essa nova teoria, que fora apenasesboçada ou sugerida pelo Código alemão (BGB, art. 122).

Já no atual Código italiano a orientação preconizada pela teoria da confiança é clara: “o erroé causa de anulação do contrato quando for substancial e reconhecível pelo outro contratante”(art. 1.428).

Também no novo Código português, está previsto que a anulabilidade do negócio gerado porerro ocorrerá se este for conhecido ou reconhecível pelo outro contratante (art. 247º).

7. A POSIÇÃO DO NOVO CÓDIGO BRASILEIRO

Em toda a celeuma gerada pela luta entre teoria da vontade e teoria da declaração, o novoCódigo, ao disciplinar genericamente os vícios de consentimento tomou, apenas em aparência,partido da defesa da vontade real, permitindo a anulação dos negócios em que o consentimentonão for livre e conscientemente manifestado (coação, dolo, lesão, estado de perigo).

No campo do erro substancial, porém, onde o regime era no Código anterior dominado (porexegese jurisprudencial) pela “ teoria da responsabilidade” (culpa do autor da declaração), evoluiu-se para a “ teoria da confiança” , seguindo-se o exemplo de legislações modernas como a italianae a portuguesa. Não é mais apenas pela falta de culpa do declarante (erro escusável) que se anulao ato errôneo, mas porque o destinatário da declaração, por sua vez, teve culpa no evento, já quepoderia ter evitado a prática viciada do negócio jurídico, pois o erro era daqueles que poderiam serpercebidos por pessoas de diligência normal nas circunstâncias do negócio (art. 138). A contrariosensu, ainda que haja divórcio entre a vontade e a declaração, esta prevalecerá se o outro con-tratante (de boa-fé) não tinha condições de perceber o erro do declarante.

Essa teoria, segundo a ótica tradicional, não teria maior repercussão nos vícios mais gravescomo o dolo e a coação, porque, entre as partes do negócio, uma delas quase sempre se compor-ta de má-fé, por força da própria maneira de obter-se a má formação da vontade da vítima; ou,mesmo não estando o beneficiário de má-fé, em casos como o dolo de terceiro, o desvio do que-rer seria tão profundo que a lei não poderia relevá-lo32.

No entanto, até mesmo no campo do dolo e da coação, o regime do atual Código, prestigiaa teoria da confiança e não dispensa a culpa do beneficiário para a configuração do vício de con-sentimento. Se o ardil ou a ameaça tiverem sido praticados por estranho e não pela parte do con-trato que deles se beneficia, a anulação somente será possível quando esta deles tiver t ido co-nhecimento ou condições de conhecê-los (arts. 148 e 154).

32 TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni cit., nº 71, p. 155, nota 2.

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Se é impensável cogitar-se da possibilidade de boa-fé no dolo e na coação, quando prati-cados diretamente por um dos contratantes, é perfeitamente viável a atuação de boa-fé do con-tratante se a coação ou o dolo tiverem sido praticados por terceiro, situação em que a ausênciade má-fé entre os sujeitos do negócio impede sua anulação. Dessa maneira, mesmo nos maisgraves vícios de consentimento, a boa-fé do destinatário da declaração de vontade prevalecesobre o defeito de formação da vontade do declarante.

Até mesmo a fraude contra credores se funda na base da teoria da confiança, visto que asanção aos negócios onerosos praticados em prejuízo da garantia dos credores só atinge o ter-ceiro adquirente ou sub-adquirente que tenha atuado de má-fé. O que tenha adquirido bens dodevedor insolvente de boa-fé (isto é, sem conhecer a insolvência) não é atingido pela invalidadedo contrato (arts. 107 e 109).

Como se vê, o sistema geral dos vícios de consentimento, na evolução do Código de 1916,para o atual, submeteu-se, predominantemente, à teoria da confiança, onde o destaque maior éconferido a boa-fé, à lealdade, e à segurança das relações jurídicas.

8. O ESTADO DE NECESSIDADE NO ÂMBITO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ANULABILI-DADE OU RESCINDIBILIDADE?

Como defeitos do negócio jurídico o Código atual acrescenta duas figuras novas: o estadode perigo e a lesão, que correspondem às hipóteses do Código italiano de desequilíbrio econômi-co do contrato, ali apelidadas de stato di pericolo e stato di bisogno33.

Em todas elas, não há propriamente erro da vítima no declarar a vontade negocial, o que sepassa é o quadro de perigo enfrentado no momento do aperfeiçoamento do negócio que coloca apessoa numa contingência de necessidade premente de certo bem ou valor e, para obtê-lo, acabaajustando preços e condições desequilibradas. O contrato, em tais circunstâncias, se torna iníquo,porque uma das partes se aproveita da conjuntura adversa para extrair vantagens injustas à custada necessidade da outra.

No estado de perigo, o que determina a submissão da vítima ao negócio iníquo é o riscopessoal (perigo de vida ou de grave dano à saúde ou à integridade física de uma pessoa). Na lesão(ou estado de necessidade), o risco provém da iminência de danos patrimoniais, como a urgênciade honrar compromissos, de evitar a falência ou a ruína dos negócios.

As duas situações jurídicas, no direito italiano, não são vistas como causas de anulabilidade.Recebem tratamento repressivo distinto, qual seja o da rescindibilidade (arts. 1.447 e 1.448).

Defende-se historicamente a rescindibilidade como algo diverso da anulabilidade, porqueesta se ligaria aos vícios de consentimento, enquanto aquela se voltaria para a repressão dainjustiça ou iniquidade. Não se detecta na lesão ou no estado de perigo um vício de constituiçãodo negócio jurídico com ato de vontade, mas na sua organização econômica. Atende-se mais à pro-teção dos critérios de justiça e eqüidade, na prática negocial, que à liberdade de vontade. Emboraesta, indiretamente, também se resguarde34.

33 TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni cit., n. 86, p. 193.34 TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni cit., n. 86, p. 194.A

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O Código brasileiro, mesmo conhecendo a sistemática italiana, preferiu ignorar a distinçãotécnica ali feita entre rescisão e anulação. Optou por englobar todos os casos de patologia nego-cial no campo único da anulabilidade, por entender que não há razões práticas e teóricas para jus-tificar o tratamento dicotômico.

Quando se repeliu a sugestão do Professor COUTO E SILVA, à época dos trabalhos le-gislativos, de submeter a lesão e o estado de perigo ao regime da rescisão, e não da anulação, oMinistro MOREIRA ALVES justificou a opção unificadora do projeto afirmando que não se via, nofundo, razão para tratarem-se na lei separadamente os casos de anulação e de rescisão.Invocaram-se, para tanto, objeções da própria doutrina italiana, onde autoridades insuspeitas tam-bém se opõem à conveniência de tratar separadamente a anulabilidade e a rescindibilidade.

Nesse sentido foram lembradas as ponderações de CHIRONI e ABELLO, para quem a inva-lidade do negócio dá origem a uma ação, que na lei se chama de anulabilidade ou de rescisão,embora a última expressão se reserve mais especificamente para a anulação fundada no vício dalesão. “Ma” - advertem os civilistas - “differenza assoluta tra i due termini non v’è, e la legge liricorda entrambi meglio per ragioni d’ordine storico che per altro, poichè la nullità e la rescissioned’un atto conseguono dall’invalidità sua a ragion d’un vizio che gli era inerente a fin dal tempo disua nascita”35.

Anotou MOREIRA ALVES que os argumentos dos defensores da rescisão como fenômenodiverso da anulação têm como ponto principal a razão de a lesão operar fora do ato, isto é, fundar-se em motivo que não está na declaração de vontade, mas que surgiu simultaneamente com ela36.

A própria doutrina, na palavra de CANDIAN não aceita pacificamente a tese de que o moti-vo da rescisão atuaria fora dos pressupostos ou elementos constitutivos do negócio:

“A ben guardare, il fato al quale l’ordinamento consente di reagire con l’azione di rescissioneinduce una anomalia in alcuno degli elementi costitutivi del negozio: o sotto il profilo della causa,inquanto lo scopo viene, nel concreto caso, raggiunto per la via anormale, cioè con necessitata eimmoderata sproporzione fra la quantità del dato e quella del ricevuto; oppure sotto il profilo dellavolontà, in quanto è turbata, al di là del limite tollerato dall’ordinamento, il processo della for-mazione autonoma dell’atto di volontà da parte del soggetto iugulato; oppure, più probabilmente,sotto il profilo della combinata anomalia dell’uno e dell’altro elemento”37.

Não se consegue, portanto, mesmo no direito italiano, fugir do relacionamento entre a lesãoe a anomalia da formação do contrato, no que diz respeito à declaração de vontade. Por isso, atese que separa a ação de anulação por vício do consentimento da ação de rescisão por lesão nãoconsegue afastar-se da conclusão de que “não há dúvida de que a rescindibilidade é, historica-mente, uma subespécie de invalidade, porquanto não identificável com a nulidade; todavia nãoestá longe - nos efeitos - da anulabilidade”38.

A doutrina mais atualizada na Itália não consegue evitar a conclusão de que “ il risultatodella rescissione è molto simile a quello dell’annullamento”39. Para BIANCA, por exemplo, “ larescindibilittà è una forma d’invalidità analoga all’annullabilità, pur se caratterizzata da una propria

35 Trattato di diritto civile italiano, v. I, p. 498, apud ALVES, Moreira. A parte geral do projeto de código civil brasileiro cit., p. 116.36 BARASSI. Teoria della ratifica del contratto annullabile, n. 87, p. 174 apud ALVES, Moreira, ob. cit., p. 116.37 CANDIAN. Nozioni ist ituzionali di diritto privato, n. 336, p. 481, apud ALVES, Moreira, ob. cit., p. 117.38 MESSINEO. Dottrina generale del contratto, p. 465, apud ALVES, Moreira, ob. cit., p. 118.39 TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni cit., n. 86, p. 193.

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disciplina (…). L’irregolarità del contratto non è data dalla iniquità, in sè counderata ma dall’iniqui-tà risultante dall’approfit tamento di una situazione di anomala alterazione della libertànegoziale”40.

Por isso responde BIANCA aos defensores da tese de que o instituto defenderia a equidadecontratual e não a vontade do contratante, que a lei, na matéria, não cuida apenas do desequilíbrioentre as prestações (iniqüidade), mas “da manifesta iniqüidade do contrato que provém da causade perturbação da normal liberdade de decisão do sujeito”41.

Não se deve, portanto, censurar a orientação do Código brasileiro de reunir numa só açãode invalidação os vícios de consentimento tradicionais e a lesão e o estado de perigo. O antigotratamento da rescisão, reservado historicamente para os últimos, não cuida de vícios estranhosà declaração de vontade, pelo menos de forma absoluta. Também na lesão e no estado de perigose depara com situações anômalas e prejudiciais à liberdade negocial, de sorte que tal como nodolo e na coação, a rescindibilidade exprime no plano jurídico uma valoração socialmente negati-va do aproveitamento da vontade mal formada42.

9. CONCEITO LEGAL DE ESTADO DE PERIGO

Entre os novos vícios de consentimento que provocam a anulabilidade do negócio jurídico,o Código atual arrola o estado de perigo, ao lado da lesão. Pelo art. 156:

“Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, oua pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessiva-mente onerosa”.

Um perigo corrido pela própria pessoa ou por alguém da família (ou até mesmo por um não-parente, quando, pelas circunstâncias, o risco puder afetar emocionalmente o declarante, tal comose dissesse respeito a uma pessoa da família), deve ser a causa determinante de um negóciojurídico que se contrata em bases excessivamente onerosas. É justamente para escapar ao riscode dano pessoal grave que o negócio se consuma. A declaração de vontade é emitida com o dire-to propósito de obter meios para se safar do perigo. O exemplo mais freqüente é o do náufragoque concorda de pagar uma recompensa excessivamente alta pelo socorro que alguém se dispõea retirá-lo do perigo em que se encontra. Se pudesse raciocinar livremente, com toda certeza nãopactuaria um ajuste tão exorbitante. Por isso é que se considera defeituoso o ajuste consumadoem bases excessivamente onerosas, por causa do quadro de perigo em que o declarante atuou.

Na essência, o mecanismo de que se vale o contratante beneficiário para obter da vítima doperigo a vantagem que jamais alcançaria sem este, não é diverso do que se passa quando o con-tratante faz uso da coação moral. Tal como na vis compulsiva, o declarante submetido ao estadode perigo não tem, praticamente, condições para declarar livremente sua vontade negocial. Nosordenamentos jurídicos em que não há previsão específica do estado de perigo, a doutrina costu-ma enquadrá-lo no regime da coação43.

40 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. Ristampa, Milano: Giufrrè, 1987, v. III, n. 333, p. 642-64341 BIANCA, C. Massimo. ob. cit., v. III, n. 333, p. 643.42 BIANCA, C. Massimo. ob. cit., v. III, n. 333, p. 643-644.43 ANZORENA, Acuña. Anotações in SALVAT. Tratado de derecho civil argentino - fuentes de las obligaciones. 2. ed., Buenos Aires: Tea,

1950, n. 806, p. 89; LLAMBÍAS, Jorge J. Tratado de derecho civil - parte general. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1970, t. II, n. 1.974.

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Há, ainda, casos como já se expôs, de ordenamentos jurídicos locais, que não consideramo estado de perigo e o estado de necessidade (lesão) como vícios de consentimento, e apenas otratam como causa de rescindibilidade do negócio. Isto, porém, não gera efeitos práticos dife-rentes da anulação. Há, outrossim, os que são mais radicais e conduzem o problema para o da ili-citude, de modo a qualificar o abuso da necessidade alheia como prática contra direito, capaz deacarretar mais do que um defeito no negócio jurídico, ou seja, sua nulidade44.

O atual Código brasileiro, enfrentando direta e expressamente o problema, equacionou oestado de perigo, bem como a lesão, na categoria das causas de anulabilidade do negócio jurídi-co (arts. 156 e 157). Enquanto não havia previsão legal específica, o contrato, in casu, poderia servisto como viciado por coação moral ou até como configurador de ato ilícito (finalidade contráriaao direito) e, portanto, nulo.

Toda a incerteza antes vigorante por indefinição legislativa foi superada e o regime de trata-mento normativo do defeito é, sem dúvida, o da anulabilidade, a exemplo do negócio praticado sobinfluência do dolo ou da coação.

10. NEGÓCIOS USURÁRIOS

O estado de perigo e a lesão são aspectos da chamada usura real em contraposição à usurafinanceira. Esta se caracteriza pela cobrança de juros a taxas superiores ao que seria legal ou ho-nestamente aceitável nos empréstimos de dinheiro; e aquela a que se refere a qualquer prática nãoequitativa que transforma o contrato bilateral em fonte de prejuízos exagerados por uma daspartes e de lucros injustificáveis para a outra. É uma anomalia verificável nos contratos bilateraisonde o normal seria um razoável equilíbrio entre as prestações e contraprestações.

É claro que não se pode exigir uma absoluta igualdade na equação contratual, porque nocomércio jurídico é natural procurar-se o lucro que só é atingível se um dos contratantes conseguiruma certa vantagem sobre o outro. O intolerável é a exorbitância do lucro, obtida por meio deimposições que representem a exploração desonesta de uma parte sobre a outra.

Na origem a ilicitude do negócio usurário era medida com base em proporções matemáti-cas: em Roma, se a diferença era superior à metade, tinha-se a lesão enorme, causa suficientepara a invalidar o contrato, independentemente de ponderações de ordem subjetiva.

Mais tarde, além do desequilíbrio das prestações, a história do direito registrou a repulsa aoabuso do estado de necessidade. Aí, sem levar em conta a medida de desproporção, se valoriza-va o aspecto ético da conduta de quem se usava da prevalência do risco de dano corrido por umapessoa para extorquir-lhe vantagens iníquas.

Por caminhos sinuosos chegou-se ao Código italiano que, cuidando da usura real, siste-matizou as duas formas de rescisão do contratos por ela viciados: o estado de perigo (art. 1.447)e o estado de necessidade ou lesão (art. 1.448). Ambos, porém, identificados por elementos obje-tivos (desproporção entre as prestações) e subjetivos (dolo de aproveitamento da situação deinferioridade de um dos contratantes). É a situação que agora se implanta, de forma sistemáticae moderna, no novo Código brasileiro (arts. 156 e 157), embora não em termos exatamente iguais.

44 MIRANDA, Pontes de. Tratado cit., v. IV, §459, p. 351.

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11. ESBOÇO HISTÓRICO DA LESÃO NO DIREITO BRASILEIRO

Reconhece o novo Código brasileiro a lesão como um dos defeitos que provocam a anula-bilidade do negócio jurídico (art. 171, II). O que seja este vício de consentimento di-lo o art. 157:“ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga aprestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

A lesão, como defeito funcional (e não como vício de vontade) já era conhecida das fontesromanas (Lei Segunda, do ano de 285, de Deocleciano e Maximiliano - Cód., Liv. IV, Tít. 44, Derescindenda venditione, Livro 2) e figurava, também, nas Ordenações Filipinas (Livro 4, Tít. 13).

Em tais origens, porém, tratava-se não de uma causa de anulação do contrato por vício deconsentimento, mas de um motivo de rescisão, por ofensa ao princípio objetivo da comutatividadeentre as prestações dos negócio bilaterais. Não se apontava falha nos elementos essenciais deformação do contrato, como os que ocorriam no erro, dolo ou coação. O motivo de rompimento(rescisão) estava na imoralidade das condições econômicas do ajuste. O seu desequilíbrio eravisto como ofensivo dos bons costumes. Por isso mesmo o defeito funcional não era fatal. A outraparte poderia ilidir a pretensão rescisória da que restou lesada, oferecendo-se para complementaro preço, ou reduzi-lo, conforme o caso.

O Código Civil de 1916, eliminou a figura da lesão, por havê-la como incompatível com aautonomia privada, então sob grande exaltação. Naquela quadra, dominada pelo posit ivismo exa-cerbado, a lesão era vista como “ instituto decadente e antipático às legislações modernas”45.

No entanto, após a primeira guerra mundial, o pensamento social passou a exercer mar-cante influência sobre a legislação e sob esse impacto surgiram, entre nós, diplomas normativoscomo as leis do inquilinato e a lei da usura. Finalmente, em 1938, adveio a Lei de Proteção àEconomia Popular (Dec. 869, mais tarde substituído pela Lei nº 1.521 de 26.12.51), que reintro-duziu a figura da lesão no direito brasileiro, embora cuidando precipuamente do aspecto darepressão penal à usura. No entanto, a própria Lei nº 1.521 ordenava ao juiz ajustar os lucrosusurários à medida legal, impondo à restituição do que fora pago em excesso (art. 4º, § 3º).

Entendeu-se que a ressurreição do instituto da lesão operada na seara penal tinha imedia-ta repercussão no campo do direito privado, de modo a permitir não só a recuperação do paga-mento a maior, mas também o rompimento do contrato por via da nulidade pela ilicitude do obje-to (Cód. Civil, art. 145, II).

A lesão, reprimida penalmente pela Lei nº 1.521 pressupunha a desproporção superior a umquinto do valor recebido em troca e, ainda, que tal diferença proviesse do abuso de uma partesobre a necessidade, leviandade ou inexperiência da outra.

Aplaudiu-se a postura do legislador pátrio, visto que se harmonizava com as tendências dodireito em todo o mundo, que eram no sentido de se adaptarem aos imperativos da moral e ao idealde justiça, valorizando uma visão social e solidária da convivência humana e no seu respectivoordenamento46.

45 MENDONÇA, Carvalho de. Doutrina e Prática das Obrigações ou tratado geral dos direitos de crédito. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense,s. d., v. II, n. 582; BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 5. ed., Rio de Janeiro: F. Alves, 1929, § 56.

46 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1959, n. 103, p. 216; RODRIGUES, Silvio. Víciosdo Consentimento. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1982, n. 109, p. 214.

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Posteriormente, no âmbito das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidorpreviu a nulidade de cláusulas abusivas, ou seja, daquelas que importem prática, contra o con-sumidor, de iniquidade, desvantagem excessiva ou onerosidade excessiva (art. 51, IV). Trata-se,sem dúvida, de repressão à prática de lesão, embora limitada aos contratos de consumo47.

Pouco tempo antes da aprovação do novo Código Civil, o Governo Federal baixou MedidaProvisória que consagra o instituto da lesão como meio de proporcionar a nulidade das estipu-lações usurárias que, nos negócios jurídicos onerosos em geral, tenham provocado “ lucros ou van-tagens patrimoniais excessivos” , quando pactuados “em situação de vulnerabilidade da parte”(Medida Provisória n. 2.172-32, de 23.08.2001)48. A solução preconizada por essa legislação deemergência é a nulidade apenas da cláusula usurária, devendo o juiz rever o contrato para “resta-belecer o equilíbrio da relação contratual” , ajustando-o ao “valor corrente” e, se for o caso, orde-nando “a restituição, em dobro, da quantia recebida em excesso, com juros legais a contar dopagamento indevido” (Medida Provisória 2.172-32, art. 1º, inc. II)49.

O novo Código Civil, portanto, ao reincluir na sistemática do direito privado, em carátergeral, o vício da lesão, está sintonizado com os rumos claramente traçados pelo direito compara-do e com a própria evolução sinalizada pelo direito brasileiro, a partir da Lei de Proteção àEconomia Popular.

12. CONCEITO DE LESÃO COMO VÍCIO DE CONSENTIMENTO

A lesão que o novo Código admite como vício de consentimento para gerar a anulabilidadeconsiste na hipótese em que a pactuação do negócio tenha sido fruto de premente necessidadeou de inexperiência de uma das partes, circunstâncias que foram determinantes das prestaçõesavençadas de maneira manifestamente desproporcional.

Há na base da lesão um perigo de dano que o contratante deseja afastar, mas esse perigonão é o risco pessoal de que fala o art. 156; é a iminência de qualquer perigo de ordem patrimo-nial, desde que sério ou grave. O contrato afetado pela lesão é justamente o que se mostra, nomomento e na ótica do agente, capaz de fornecer-lhe os meios necessários ao afastamento doperigo, embora a um custo exagerado e iníquo.

Típico exemplo de premência dessa natureza, embora não o único, é o do devedor insol-vente, que, para obter meios de pagamento, vende seus bens a preços irrisórios ou muito abaixodos preços de mercado. Para considerar-se em estado de necessidade, ou sob premente necessi-dade, não é necessário que a parte se sinta reduzida à indigência ou à total incapacidade patri-monial, bastando que seu estado seja de dificuldades econômicas ou de falta de disponibilidadeslíquidas para honrar seus compromissos.

O que importa apurar é se a dificuldade econômica ou a inexperiência do contratante foram

47 BECKER, Anelise. A Natureza Jurídica da Invalidade Cominada às Cláusulas abusivas do Código de Defesa do Consumidor. Revista deDireito do Consumidor, v. 22, p. 132.48 Por força da Emenda Constitucional 32 de 11.09.2001, as medidas provisórias editadas em data anterior à sua publicação continuam emvigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional (art. 2º).49 A superveniência do Código Civil tratando da mesma matéria da Medida Provisória n. 2.172-32, importou em revogação da parte em queela tratava da usura real nos negócios civis e comerciais, já que dito vício do negócio jurídico foi totalmente disciplinado pelo novo Código(Lei de Introdução ao Cód. Civil, art. 2º, §1º).

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a causa determinante do negócio lesivo, ou seja, se a parte prejudicada lançou mão do contratocomo instrumento para tentar satisfazer sua necessidade; e, ainda, se foi por causa dessa pre-mência que as condições iníquas vieram a ser ajustados50.

Em suma, o desequilíbrio entre as prestações deverá decorrer do estado de premência oude inexperiência. E, mais, esse desequilíbrio deve ser congênito, ou seja, deve ter se dado nomomento da contratação e não ser fruto de oscilações de mercado ulteriores ao negócio. Deve,ainda, persistir até o momento da anulação porque é daqueles defeitos que a lei permite sejamremediados a posteriori. Extinta, pois, a disparidade de prestações, não mais haverá razão para aruptura da avença. Isto, porém, pressupõe prestações ainda por satisfazer. Se a lesão já se con-sumou e o negócio se exauriu, pouco importa que o bem tenha se valorizado ou desvalorizado pos-teriormente ao contrato. A anulação será possível em função do prejuízo que o lesado efetiva-mente sofreu no momento do ajuste.

Humberto Theodoro JúniorProfessor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. Desembargador Aposentado do TJMG.Doutor. Advogado.

50 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile cit., v. III, n. 335, p. 648.

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Pa l es t r a

VI Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

13 a 15/ 09/ 2002 - Belo Horizonte/ MG

Francisco Amaral Neto

PARTE GERAL DO NOVO CÓDIGO CIVIL - LINHAS GERAIS

INTRODUÇÃO

Minhas primeiras palavras são para louvar a iniciativa da Escola Judicial “DesembargadorEdésio Fernandes”, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de promover este Semináriosobre o novo Código Civil Brasileiro.

Mostra, assim, mais uma vez, essa conceituada Escola o seu interesse pelo permanente apri-moramento do corpo de juízes do Estado de Minas Gerais. Aproveito, ainda, a oportunidade paraagradecer o convite que me foi formulado para participar, com modesta contribuição, deste encontro,falando das principais inovações da Parte Geral do novo Código.

O que é um código civil? É um corpo unitário e homogêneo de princípios e normas jurídica damesma natureza. Seus elementos dispõem-se de modo coerente, com relações de coordenação e desubordinação entre si. É, desse modo, um sistema, e como tal deve ser considerado no seu processode interpretação e concretização. O Código Civil representa um momento histórico em que razõespolíticas, filosóficas e técnicas justificam a sua adoção. É uma opção legislativa. Aponta-se, como suaprincipal vantagem, a possibilidade de sistematizar o saber jurídico de uma determinada época e deuma determinada natureza, servindo, ainda, para legitimar as decisões jurídicas e para facilitar o co-nhecimento do direito formal e positivo de uma sociedade.

ESTRUTURA DO CÓDIGO

O novo Código Civil mantém a estrutura e a redação do Código anterior, atualizando-o, porém,com novos institutos e no modo de redistribuir a matéria. Conserva a Parte Geral, conjunto de princí-pios e regras de caráter pretensamente geral, e uma Parte Especial, dividida em cinco livros, respec-tivamente, o Direito das Obrigações, o Direito de Empresa, o Direito das Coisas, o Direito de Famíliae o Direito das Sucessões. Refiro-me ao seu caráter pretensamente geral, tendo em vista que nãose aplica a algumas relações jurídicas da parte especial, especificamente o Direito de Família, que temnormas e regras próprias quanto à constituição, validade e eficácia das relações jurídicas matrimoniase de parentesco.

Relativamente ao Código de 1916, o Código de 2002 inova ao iniciar a parte especial com amatéria das Obrigações, em vez do Direito de Família, que é assim deslocado para o penúltimo livro,a preceder o Direito das Sucessões, e com a introdução de um novo livro, o de Direito de Empresa.

Realizou-se a unificação do direito privado, particularmente no campo das obrigações, o queimplica a revogação do Código Comercial, na parte referente ao direito comercial terrestre.

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A FUNÇÃO DO CÓDIGO CIVIL

Destina-se ele a disciplinar a matéria privada, o conjunto das relações jurídicas em que aspartes, ou os sujeitos, encontram-se no mesmo nível de igualdade e no exercício dos seus poderesjurídicos, particularmente os que caracterizam a autonomia privada. O Código Civil é hoje a leibásica, mas não global do direito privado. Graças à atualização de seus principais institutos, incor-porando-se ao Código de 1916 a notável obra de criação jurisprudencial das últ imas décadas,pode agora dizer-se que o nosso Código Civil é a expressão daquilo que, usando a terminologia doProf. Miguel Reale, se pode chamar de experiência jurídica brasileira, no sentido de um conjuntode manifestações jurídicas com que se tem solucionado os conflitos de interesse que a vida socialfaz nascer no nosso país. O novo Código Civil, na verdade, não é novo. É o Código de Beviláquaatualizado e enriquecido com a contribuição jurisprudencial referida, que lhe confere a natureza deestatuto jurídico da sociedade civil brasileira.

OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

O Código é um sistema formado por princípios e normas como já assinalado. A sistematici-dade garante a coerência, a coordenação e a subordinação dos seus conceitos, das suas normas.Elementos importantes a destacar, principalmente no estudo da parte geral, são os princípiosjurídicos inseridos pelo legislador, o que transforma o Código em um sistema aberto, flexível nasua aplicação, exigindo do magistrado ou do advogado um maior conhecimento doutrinário para arealização do direito nele indicado. Os princípios são diretrizes básicas que fundamentam e dãounidade ao sistema. São a positivação de valores que legitimam as suas regras jurídicas. A funçãodesses princípios é constituir critérios orientadores para a interpretação do texto legal e a criaçãodas normas jurídicas concretas pelo magistrado e pelo advogado. São reconhecidas as funçõesdos princípios jurídicos, especificamente a função interpretativa, a função integrativa, a funçãoprogramática e a função construtiva.

Espécies de princípios que se encontram na ordem jurídica brasileira, pertinentes à matériaprivada, são os da igualdade, o da função social social da propriedade e o da autonomia privada.Tem-se, ainda, o princípio da socialidade, o princípio da concreção e o princípio da boa-fé. O princí-pio da socialidade é o que demonstra a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, prin-cipalmente em matéria privada, afetando o proprietário, o contratante, o empresário, o pai defamília e testador (REALE Miguel. O projeto do novo Código Civil, 20 ed. São Paulo: Ed. Saraiva,1999, p. 7). No capítulo referente à extinção do contrato, com resolução por onerosidade exces-siva, o art. 478 dispõe que, nos contratos de execução continuada ou deferida, se a prestação deuma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para outra, em virtudede acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contra-to. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Impera, neste caso, oprincípio da socialidade, que também se encontra em matéria de posse, no conceito de posse tra-balho, em virtude da qual o prazo de usucapião de um imóvel é reduzido se os possuidores nelehouverem estabelecido a sua morada, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.No campo do direito de família, o pátrio poder passa a chamar-se poder familiar, que é exercidoem conjunto por ambos os cônjuges em razão do casal e da prole. O princípio da socialidade tam-

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bém se realiza na chamada função social do contrato, artigo 421, segundo o qual a liberdade decontratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Aplica-se ou realiza-se também na função social da propriedade, no artigo 1.228, segundo o qual o direito de pro-priedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e demodo que sejam preservados, em conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, afauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evi-tada a poluição do ar e das águas. São, assim, proibidos os atos que não trazem ao proprietárioqualquer comunidade ou utilidade e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. Nestesdispositivos, inovadores, realiza-se o princípio da socialidade.

Quanto ao segundo princípio, chamado de princípio da concreção ou também princípio daoperabilidade, traduz-se ele na recomendação de uma ação construtiva na jurisprudência e nadoutrina. O direito é feito para ser executado (Lhering), o que se verifica na criação da normajurídica adequada ao caso concreto. Compete ao juiz, com auxílio dos advogados, criar a normajurídica adequada ao caso concreto. Outro princípio é o da boa-fé, segundo o qual, nas relaçõesobrigacionais, além do dever normal de realizar-se a prestação devida, é esperada uma regra decomportamento, um dever de conduta, honestidade, retidão do devedor no cumprimento da obri-gação. O princípio da boa-fé surge no Código no artigo 113, na parte geral, dispondo que os negó-cios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e o uso do lugar de sua celebração, e noartigo 422, da Parte Especial, que determina serem os contratantes obrigados a guardar, na con-clusão do contrato tanto como na sua execução, os princípios de probidade e de boa-fé.

PERSONALIDADE E CAPACIDADE DE DIREITO

A distinção entre personalidade e capacidade de direito.

É uma inovação feliz, a indicar um mais elevado grau de amadurecimento doutrinário, a dis-t inção entre a personalidade e a capacidade no capítulo primeiro do título Pessoas Naturais. Adoutrina contemporânea considera a personalidade distinta da capacidade de direito. A persona-lidade é um valor, enquanto que a capacidade é a medida ou a projeção desse valor. A personali-dade não é mais uma concessão da ordem jurídica, não é o direito que torna o ser humano umapessoa. Nós nascemos como pessoa, o que o direito regula é a nossa capacidade, particularmentea capacidade de fato. Esta distinção não existia no Código Civil de Beviláqua, no qual se consi-deravam sinônimos personalidade e capacidade de direito.

Dispõe o Código de 2002, no artigo 1º, que toda pessoa é capaz de direitos e deveres daordem civil. E dispõe, no artigo 2º, que a personalidade começa do nascimento com vida, pondo alei a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Mantém-se a mesma disposição doCódigo de 1916, negando-se o atual a reconhecer a personalidade jurídica do nascituro. Recorde-se que Teixeira de Freitas e Beviláqua entendiam que a personalidade humana começa desde aconcepção. A polêmica que se instaura em torno do problema da personalidade jurídica do nasci-turo é, todavia, meramente acadêmica, pois o Código reconhece ao nascituro a titularidade dedireitos, o que é bastante para a sua proteção. Independentemente do reconhecimento da per-sonalidade jurídica do nascituro, este, como qualquer pessoa já nascida, é titular de direitos mate-riais e processuais que o seu representante legal poderá exercitar se e quando conveniente.

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Uma outra inovação na parte geral do novo Código diz respeito à capacidade de fato, aaptidão para o exercício dos direitos ou a prática de atos jurídicos, aptidão essa que sofre influên-cia da idade e da saúde. O Código Civil de 2002 reduz a maioridade para os 18 anos, dispondoque são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento paraa prática desses atos e aqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir a suavontade. São relativamente incapazes, ou melhor, incapazes relativamente a certos atos, ou àmaneira de os exercer, os maiores de 16 e menores de 18 anos, os ébrios habituais, os viciadosem tóxicos, e os que, por deficiência mental tenham o discernimento reduzido, os excepcionais,sem desenvolvimento mental completo, e os pródigos. A emancipação, que é o instituto pelo qualse permite a aquisição da plena capacidade de fato antes da idade legal, pode obter-se aos 16anos completos, pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumen-to público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz ouvido o tutor, seo menor tiver 16 anos completos, e ainda pelo casamento, pelo exercício de emprego público efe-tivo, pela colação de grau em curso de ensino superior, pelo estabelecimento civil ou comercial oupela existência de relação de emprego, desde que o menor tenha 16 anos e economia própria.Nesta matéria, da personalidade, inovação interessante é a contida no artigo 7º, segundo o qualpode ser declarada a morte presumida sem decretação de ausência, se for extremamente prová-vel a morte de quem estava em perigo de vida ou desaparecido em campanha ou feito prisioneiro.A declaração da morte presumida somente pode ser requerida depois de esgotadas as buscas eaveriguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

DIREITOS DA PERSONALIDADE

Outra novidade do Código de 2002, na sua parte geral, é o capítulo dos Direitos daPersonalidade. Esta espécie de direitos subjetivos tem por objeto os bens e os valores essenciaisda pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual. Como direitos subjetivos, conferem ao seutitular o poder de agir na defesa dos bens ou dos valores essenciais da personalidade, que com-preende, no seu aspecto físico, o direito à vida e ao próprio corpo; no aspecto intelectual, o direi-to à liberdade de pensamento, o direito de autor e de inventor; e, no aspecto moral, o direito àliberdade, à honra, ao recato, ao segredo, à imagem, à identidade e, ainda, o direito de exigir deterceiros o respeito a esses direitos. A tutela jurídica dos direitos da personalidade é de naturezaconstitucional civil e penal, mas é agora no corpo do direito civil que se localiza a sedes materiaeda sua disciplina jurídica, embora essa proteção esteja prevista em diversos dispositivos do TextoConstitucional. A base desta matéria é o artigo 1º, item 3, da Constituição da República, que con-sagra o princípio da dignidade da pessoa humana. Significa esse que a pessoa humana é o funda-mento e o fim da sociedade, do Estado e do direito. Os direitos da personalidade classificam-seconforme os aspectos fundamentais da personalidade, objeto da tutela jurídica, a saber: o físico,o intelectual e o moral. Tem-se, assim, o direito à integridade física, o direito à integridade inte-lectual e o direito à integridade moral. Os direitos da personalidade são direitos subjetivos essen-ciais, natos e permanentes, no sentido de que nascem com a pessoa, acompanhando-a por toda aexistência. São inerentes à pessoa, intransmissíveis, personalíssimos, absolutos, indisponíveis,irrenunciáveis, imprescritíveis e extrapatrimoniais. O Código Civil, no artigo 11, iniciando a

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matéria, dispõe que, “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade sãointransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitações voluntárias”.Quanto à integridade física, dispõe o artigo 13 que, salvo por exigência médica, é proibido o atode disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física oucontrariar os bons costumes. É de admitir-se, porém, ato de disposição do próprio corpo para finsde transplante, o que é regulado em lei especial (Lei nº 9.434, de 4.2.97). Segundo o artigo 14, éválida, com objetivo científico ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou emparte, para depois da morte. O ato de disposição pode, todavia, ser livremente revogado a qual-quer tempo. O artigo 15 estatui que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco devida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Quanto à integridade moral, dispõe o arti-go 16 que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Onome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que aexponham ao desprezo público, ainda quando não haja a intenção difamatória. Sem autorização,não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial (art. 18). Quanto à integridade moral,a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, são protegidos pelo artigo 20, segundo o qual poderãoser proibidos a divulgação de escritos, transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou uti-lização da imagem de uma pessoa, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber.Quanto à legitimidade para defender os direitos da personalidade de uma pessoa, são legitimadospara fazê-lo o próprio titular e, em se tratando de morto ou ausente, o cônjuge e qualquer parenteem linha reta, os ascendentes, os descendentes e os colaterais até o quarto grau.

AS ASSOCIAÇÕES

Outra inovação, na parte geral do Código de 2002, é o destaque que se dá, no campo daspessoas jurídicas, às associações, aumentando-se em muito as respectivas disposições legais, secomparado com o Código de 1916. Considerou o legislador o papel destacado que as associaçõesvêm tendo na sociedade contemporânea, principalmente no campo da defesa dos interessesgerais ou públicos por pessoas jurídicas de direito privado, do que importante exemplo é a atuaçãodas chamadas organizações não governamentais. O artigo 53 refere-se à principal característicadesta espécie de pessoa jurídica, dispondo que se constituem as associações pela união de pes-soas que se organizam para fins não econômicos, não havendo entre os associados direitos e obri-gações recíprocos. As associações são pessoas jurídicas de direito privado, formadas para a rea-lização de fins não lucrativos. Caracterizam-se pelo seu aspecto eminentemente pessoal, nãohavendo fins lucrativos e também intenção de dividir resultados, sendo os seus objetivos geral-mente de natureza científica, artística, beneficente, religiosa, educativa, cultural, política, esporti-va ou recreativa.

OS BENS

Na matéria de bens, inovação a assinalar são as diversas espécies de bens móveis. O arti-go 83 considera móveis para os efeitos legais, e aqui está uma inovação, as energias que tenhamvalor econômico, além dos direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes e osdireitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações, o que já era previsto no Código de

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Beviláqua. Nos bens reciprocamente considerados, o artigo 93 define as pertenças, os bens que,não constituindo parte integrante, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao afor-moseamento de outro. E, no artigo 94, os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principalnão abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, oudas circunstâncias do caso. Resolve-se, assim, eventual controvérsia sobre a aquisição de um bemimóvel com seus acessórios, por exemplo, a compra e venda de uma fazenda, porteira fechada,contrato que suscitava de dúvidas quanto aos bens abrangidos.

O NEGÓCIO JURÍDICO

Outra importante novidade, no Código Civil de 2002, é a substituição da categoria do atojurídico pela do negócio jurídico. O Código de Beviláqua dispõe, no artigo 81, que todo o ato líci-to que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos sedenomina ato jurídico. Na verdade, esta definição já corresponde à figura do negócio jurídico, queBeviláqua preferia não adotar, fiel à concepção unitária do ato. Figura da ciência jurídica alemã, achamada pandectística, o negócio jurídico é uma subespécie do ato jurídico e significa a decla-ração de vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente pretende e o direito reco-nhece. O negócio jurídico seria, assim, a expressão da autonomia privada, o poder reconhecido aosparticulares de produzir com os seus atos determinados efeitos jurídicos, de modo obrigatório paraas partes intervenientes. Diversamente do Código de 1916, o Código de 2002 não definiu o atoou o negócio jurídico, começando o capítulo referente aos fatos jurídicos com a indicação dos re-quisitos do negócio jurídico no artigo 104. Significa esta opção do legislador a preferência pela ca-tegoria do negócio jurídico, que, não obstante as controvérsias em sede doutrinária, sobre a suaconveniência foi considerada ainda útil pelo legislador. Neste capítulo do negócio jurídico, é tam-bém de salientar a inclusão do princípio da boa-fé como regra interpretativa, dispondo o artigo 113que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e o usos do lugar de sua ce-lebração. Este artigo conjuga-se com artigo 422, que, pertencendo às disposições gerais dos con-tratos, considera o princípio da boa-fé como orientador das partes, no sentido de agirem com leal-dade na execução dos deveres contratuais. Enquanto que no artigo 113 a boa-fé se apresentacomo regra jurídica auxiliadora do intérprete, princípio, portanto, de interpretação, o artigo 432anuncia a boa-fé já como regra que impõe a honestidade, a correção e a lealdade na execução deum contrato.

Cabe ainda chamar a atenção para o disposto no artigo 112, segundo o qual, nas decla-rações de vontade, se deve atender mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido li-teral da linguagem. Esse artigo corresponde ao 85 do Código de Beviláqua, onde também se dis-punha que, nas declarações de vontade, se devia atender mais à sua intenção que ao sentido li-teral da linguagem. É claro, para o intérprete, que Beviláqua seguiu a concepção subjetiva da inter-pretação do ato jurídico. No novo Código parece-nos que foi dado um largo passo para a con-cepção objetiva, pois a referência a uma intenção consubstanciada na declaração de vontade levaa que a eficácia dependa exclusivamente da declaração, independentemente de esta não corres-ponder à vontade do agente. O que se interpreta não é o pretendido pelo agente, mas aquilo quese percebe pela declaração. Protege-se, desse modo, mais o destinatário e terceiros de boa-fé doque o próprio sujeito de outros. Aliada à teoria objetiva e temperando-a, a teoria da confiança

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defende que a declaração deve prevalecer sobre a vontade do agente quando tenha suscitado legí-t ima expectativa do destinatário conforme as circunstâncias do caso. Significa isso dizer que,havendo boa-fé do destinatário, a declaração é válida conforme a confiança que nele tenha des-pertado. Parece-nos, assim, que o legislador de 2002 se inclinou para as teorias da declaração eda confiança, concentrando-se mais na declaração, no comportamento objetivo do agente, do quepropriamente na sua intenção expressa no sentido literal da linguagem.

A REPRESENTAÇÃO

Ainda em matéria de negócio jurídico, outra novidade é, no capítulo II, a disciplina da repre-sentação, inexistente no Código de Beviláqua. Representação é a atuação jurídica em nome deoutrem. Concretiza o poder que uma pessoa tem de praticar atos jurídicos em nome e geralmenteno interesse de outrem, de modo que os efeitos do ato se verifiquem na esfera deste. É uma ver-dadeira legitimação para agir por conta de outrem. Esse poder nasce da lei, no caso de represen-tação legal, que é a dos pais, tutores, curadores, síndicos, administradores, ou decorre de negó-cio jurídico específico, que é a procuração. Nesse sentido, dispõe o artigo 115, do novo Código,que os poderes de representação se conferem por lei ou pelo interessado. A matéria está contidanos artigos 115 a 120 e tem o mérito de separar a representação do contrato de mandato, diver-samente do que ocorre no Código de Beviláqua, onde a representação não é tratada em capítuloautônomo, mas sim em disposições dispersas, no direito de família, no direito das sucessões, nodireito das pessoas naturais ou jurídicas.

ESTADO DE PERIGO E LESÃO

Quanto aos defeitos do negócio jurídico, o Código de 2002 inclui, além do erro, do dolo, dacoação e da fraude contra credores, o estado de perigo (art. 156) e a lesão (art. 157). O estadode perigo é, para muitos, sinônimo de estado de necessidade. É a situação de receio ou temor queleva o necessitado à prática de um ato que em outras condições não faria. É, por exemplo, o atoque alguém pratica para salvar-se a si ou a sua família de um grave dano pessoal, assumindo even-tualmente obrigação excessivamente onerosa. Segundo o artigo 156 do novo Código, configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se ou a pessoa de suafamília de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. E,no respectivo parágrafo único, dispõe que, tratando-se de pessoa não pertencente à família dodeclarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. O estado de perigo pode nascer de fatohumano ou natural. Se decorrente de fato humano, distingue-se da coação, sempre que o estadode perigo não tenha sido criado com o fim de se exigir da vít ima a conclusão do negócio jurídico.Se deriva de fato natural, não tem qualquer ponto de contato com a coação. Os negócios jurídicoscelebrados em estado de perigo são anuláveis.

O artigo 157 dispõe, por sua vez, que ocorre a lesão quando uma pessoa, sob prementenecessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valorda prestação oposta. A lesão é, portanto, o prejuízo econômico que resulta da desproporção entreas prestações de um contrato, recebendo uma das partes menos do que dá. Sua razão de ser está

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na necessidade de se proteger a parte contratual mais fraca, em situação de inferioridade. A lesãoverifica-se no momento da celebração de contrato oneroso e comutativo, incidindo sobre o objetoprincipal do contrato, e não sobre suas cláusulas acessórias. Considerada defeito de negócio jurídi-co, a lesão implica a anulação do ato, a qual não será porém decretada se for oferecido suplemen-to suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito (art. 157, parágrafo 2º).

A CONVERSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

A conversão é o processo pelo qual o negócio jurídico nulo ou anulável pode produzir efeitosde um negócio diverso. Baseia-se no princípio da conservação dos atos jurídicos, segundo o qual,em caso de dúvida, deve interpretar-se o ato no sentido de produzir algum efeito, e não no senti-do contrário, de não produzir nada. Essa figura é produto da doutrina alemã da segunda metadedo século XIX, que criou a figura da conversão, concretizado no parágrafo 140 do Código Civilalemão. A conversão é, assim, a transformação do ato que não reúne os elementos necessáriospara o fim a que se destina, em outro para o qual seja suficiente, desde que tenha os requisitosde substância e de forma previstos para este ato, e seja querido pelas partes, cientes da validadedo primeiro. Nesse sentido, dispõe o artigo 170 do novo Código que, se o negócio jurídico nulocontiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir suporque o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. Por exemplo, a escritura pública de com-pra e venda sem formalidades essenciais é nula, mas poderá admitir-se a sua conversão em atode compra e venda por escrito particular.

OS ATOS JURÍDICOS LÍCITOS

O livro terceiro da parte geral do novo Código contém a matéria dos fatos jurídicos, dividi-do esse livro em cinco títulos. O primeiro é dedicado ao negócio jurídico; o segundo, aos atos jurídi-cos lícitos; o terceiro aos atos ilícitos; o quarto, à prescrição e à decadência, e o quinto, à prova.O reconhecimento dos atos jurídicos lícitos está no artigo 185, no qual se dispõe que aos atosjurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições donegócio jurídico. A doutrina considera que, no ato, os respectivos efeitos são determinados em lei,enquanto que no negócio esses efeitos são determinados pelas próprias partes. Logo a seguir, noartigo 186, dedicado aos atos ilícitos, dispõe-se que aquele que, por ação ou omissão voluntária,negligência ou imprudência, violar direito e causar dano outrem, ainda que exclusivamente moral,comete um ato ilícito. É definição semelhante à do artigo 159 do Código de 1916, que, diversa-mente, não contemplava expressamente a hipótese de dano moral, como se verifica no novo códi-go. Outra inovação está no artigo 187, que considera ato ilícito o abuso de direito, dispondo quetambém comete um ato ilícito o titular do direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os li-mites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boa fé ou pelos bons costumes.

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PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

No título dedicado à prescrição e à decadência, a primeira inovação é o conceito de pre-scrição, que se deduz de modo indireto. Tomando por base a pretensão, poder que o credor temde exigir do determinado comportamento, o que traduz legitimidade material para se exigir umaprestação, o novo Código dispõe, no artigo 189, que, violado o direito, nasce para o titular a pre-tensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206. Combase neste critério, pode dizer-se que a prescrição é a perda da pretensão, que decorre do des-cumprimento do dever correspondente ao direito subjetivo, enquanto que a decadência tem porobjeto os direitos potestativos. Na prescrição, o prazo para o exercício da pretensão corre da lesãodo direito subjetivo, na decadência o prazo corre do nascimento do direito. Além disso, tambémcomo critério diferenciador, os prazos prescricionais estão, no novo Código, na Parte Geral,enquanto que os prazos decadenciais estão na parte especial, das relações jurídicas específicas.

A PROVA

Finalmente, em matéria de prova, novidade a destacar é o efeito da recusa a perícia médi-ca. Dispõe o últ imo artigo da Parte Geral, o artigo 232, que a recusa à perícia médica ordenadapelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Este artigo complementa oanterior, o artigo 231, segundo o qual aquele que se nega a submeter-se a exame médiconecessário não poderá aproveitar-se da sua recusa.

São estas, de modo breve e conciso, algumas das principais inovações do Código Civil de2002, na sua Parte Geral. Representam o interesse do legislador e a contribuição da ciência jurídi-ca e da jurisprudência brasileira das últ imas décadas, confluindo esses fatores na tarefa constantede se procurar a realização da justiça e da segurança nas relações jurídicas privadas.

FRANCISCO AMARALProfessor Titular da Faculdade de Direito da UFRJ

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En u n c i ad o s

VI Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil

13 a 15/ 09/ 2002 - Belo Horizonte/ MG

TEMA: Parte Geral - 450 participantes

Do Erro e Do Dolo - arts. 138 a 150

Orientador: Des. Tibagy Salles

Relatora: Juíza Lilian Maciel Santos

Enunciado:

1- Na apreciação do erro ou ignorância e do dolo há de ser levado em consideração o aspecto socialdo negócio jurídico, especialmente no que diz respeito aos efeitos extensivos ao terceiro de boa-fé.

Da lesão e da fraude contra credores - arts. 157 a 165

Orientador: Des. Geraldo Augusto de Almeida

Relator: Juiz Eduardo Marinê da Cunha

Enunciado:

1- Na interpretação do disposto no art. 158, deverá ser observado o aproveitamento do ato em seusefeitos, com a declaração da sua ineficácia entre os participantes, e não de sua anulação, atingin-do a terceiros de boa-fé.

Da Invalidade: Anulabilidade- arts 171 a 184

Orientador: Des. Caetano Levi Lopes

Relatora: Juíza Maria Aparecida de Oliveira Grossi Andrade

Enunciado:

1- O princípio da eticidade não tolera o enriquecimento sem causa. Referido princípio impõe a resti-tuição do proveito obtido no caso de anulação do negócio jurídico, em razão do estado de perigo(art. 171, II, c/ c o art. 885). Na impossibilidade de se restituir, caberá indenização.

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Da Prescrição I - Disposições gerais - arts. 189 a 196

Orientador: Juiz José Nepomuceno da Silva

Relator: Juiz Marcelo Guimarães Rodrigues

Enunciado:

1- O conceito de “execução” contido no art. 190, tal como ocorre na pretensão, pertine ao exercí-cio do direito material.

Atos não formais - Arts. 212 a 214

Orientadora: Juíza Teresa Cristina da Cunha Peixoto

Relator: Juiz Alexandre Quintino Santiago

Enunciado:

1- A enumeração do art. 212 não é exaustiva, podendo o julgador, na busca da verdade real, admi-tir a prova atípica, observados os princípios gerais de direito.

2- O erro de fato, ensejador da anulabilidade da confissão, é aquele erro a que se refere o art. 139,incisos I e II (art. 214).

Escritura pública e certidões - arts. 215 a 218

Orientador: Juiz Alberto Aluízio Pacheco de Andrade

Relator: Juiz Fernando Caldeira Brant

Enunciado:

1- O tabelião, ao lavrar a escritura, deverá certificar que o ato foi levado ao conhecimento dospartícipes, de maneira inequívoca, aferindo a capacidade e a compreensão de todos quanto àextensão do negócio jurídico (inteligência do artigo 215, II, IV, V e VI).

Documentos particulares e eletrônicos - arts. 219 a 225

Orientadora: Juíza Selma Maria Marques de Souza

Relatora: Juíza Evangelina Castilho Duarte

Enunciado:

1- A redação do artigo 225 dispensa a apresentação dos negativos de fotografias juntadas comoprova, afastando a exigência da norma processual.

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Término da Personalidade, Atos Registrais e Ausência- arts. 6º a 10

Orientador: Des. Isalino Romualdo da Silva Lisbôa

Relator: Juiz Walter Pinto da Rocha

Enunciado:

1- A conclusão do inquérito policial é um dos meios que autorizam a interpretação de que foramesgotadas as buscas e averiguações, servindo, também, como parâmetro para fixar-se a dataprovável da morte.

Pessoas Jurídicas de Direito Privado - Regras Gerais - arts. 44 a 49

Orientadora: Desª. Jane Ribeiro Silva

Relator: Juiz Eduardo Mariné da Cunha

Enunciado:

1- A teoria da aparência aproveita ao terceiro de boa-fé que contratar com pessoa jurídica, quan-do o administrador ultrapassa os limites permitidos no seu ato constitutivo.

Pessoas Jurídicas de Direito Privado - Desconsideração e Dissolução - arts. 50 e 51

Orientador: Des. Armando Pinheiro Lago

Relator: Juiz Michel Curi e Silva

Enunciado:

1- Na análise da responsabilidade dos administradores e/ ou sócios, o juiz levará em conta a par-ticipação daqueles no ato abusivo e a vantagem dele auferida (art. 50).

Associações I - arts. 53 a 56

Orientador: Juiz José Nepomuceno da Silva

Relatora: Juíza Maria Aparecida de Oliveira Grossi Andrade

Enunciado:

1- Em decorrência do princípio da socialidade, consagrado no ideário do Código Civil de 2002, odireito de propriedade não se sobrepõe aos fins da associação (art. 56 e seu parágrafo único).