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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.135 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI ADV.(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES E OUTRO(A/S) INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO AM. CURIAE. : ESTADO DE SÃO PAULO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO AM. CURIAE. : ESTADO DE MINAS GERAIS PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS - CNM ADV.(A/S) : PAULO ANTÔNIO CALIENDO VELLOSO DA SILVEIRA AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISCO - CNC ADV.(A/S) : RODRIGO REIS DE FARIA AM. CURIAE. : CONFERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO - CONSIF ADV.(A/S) : RICARDO MAGALDI MESSETTI E OUTRO(A/S) O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR): Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 9.492/1997, ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO. INCLUSÃO DAS CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA NO ROL DE TÍTULOS SUJEITOS A PROTESTO. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei nº 12.767/2012, que inclui as Certidões de Dívida Ativa - CDA no rol dos títulos sujeitos a protesto, é compatível com a Constituição Federal, tanto do ponto de vista formal quanto material. 2. Em que pese o dispositivo impugnado ter sido inserido por emenda em medida provisória com a qual não guarda pertinência temática, não há inconstitucionalidade formal. É que, muito embora o STF tenha decidido, na ADI 5.127 (Rel. Min. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, j. 15.10.2015), que a prática, consolidada no Congresso Nacional, de introduzir emendas sobre matérias estranhas às medidas provisórias constitui costume contrário à Constituição, a Corte atribuiu eficácia ex nunc à decisão. Ficaram, assim, preservadas, até a data daquele julgamento, as leis oriundas de projetos de conversão de medidas provisórias com semelhante vício, já aprovadas ou em tramitação no Congresso Nacional, incluindo o dispositivo questionado nesta ADI. 3. Tampouco há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode ser considerada “sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.135 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI

ADV.(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : ESTADO DE SÃO PAULO

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

AM. CURIAE. : ESTADO DE MINAS GERAIS

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS - CNM

ADV.(A/S) : PAULO ANTÔNIO CALIENDO VELLOSO DA SILVEIRA

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS,

SERVIÇOS E TURISCO - CNC

ADV.(A/S) : RODRIGO REIS DE FARIA

AM. CURIAE. : CONFERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO -

CONSIF

ADV.(A/S) : RICARDO MAGALDI MESSETTI E OUTRO(A/S)

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR):

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 9.492/1997, ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO.

INCLUSÃO DAS CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA NO ROL DE TÍTULOS SUJEITOS

A PROTESTO. CONSTITUCIONALIDADE.

1. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei

nº 12.767/2012, que inclui as Certidões de Dívida Ativa - CDA no rol dos

títulos sujeitos a protesto, é compatível com a Constituição Federal, tanto

do ponto de vista formal quanto material.

2. Em que pese o dispositivo impugnado ter sido inserido por emenda

em medida provisória com a qual não guarda pertinência temática, não há

inconstitucionalidade formal. É que, muito embora o STF tenha decidido,

na ADI 5.127 (Rel. Min. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin,

j. 15.10.2015), que a prática, consolidada no Congresso Nacional, de

introduzir emendas sobre matérias estranhas às medidas provisórias

constitui costume contrário à Constituição, a Corte atribuiu eficácia ex

nunc à decisão. Ficaram, assim, preservadas, até a data daquele

julgamento, as leis oriundas de projetos de conversão de medidas

provisórias com semelhante vício, já aprovadas ou em tramitação no

Congresso Nacional, incluindo o dispositivo questionado nesta ADI.

3. Tampouco há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs

no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode ser considerada

“sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a

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medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário que restrinja

direitos fundamentais dos contribuintes devedores de forma

desproporcional e irrazoável, o que não ocorre no caso do protesto de

CDAs.

3.1. Em primeiro lugar, não há efetiva restrição a direitos

fundamentais dos contribuintes. De um lado, inexiste afronta ao devido

processo legal, uma vez que (i) o fato de a execução fiscal ser o

instrumento típico para a cobrança judicial da Dívida Ativa não exclui

mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, e (ii) o protesto não

impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do

crédito. De outro lado, a publicidade que é conferida ao débito tributário

pelo protesto não representa embaraço à livre iniciativa e à liberdade

profissional, pois não compromete diretamente a organização e a condução

das atividades societárias (diferentemente das hipóteses de interdição de

estabelecimento, apreensão de mercadorias, etc). Eventual restrição à linha

de crédito comercial da empresa seria, quando muito, uma decorrência

indireta do instrumento, que, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas

aos próprios atores do mercado creditício.

3.2. Em segundo lugar, o dispositivo legal impugnado não viola o

princípio da proporcionalidade. A medida é adequada, pois confere maior

publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como

importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a

adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. A

medida é necessária, pois permite alcançar os fins pretendidos de modo

menos gravoso para o contribuinte (já que não envolve penhora, custas,

honorários, etc.) e mais eficiente para a arrecadação tributária em relação

ao executivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de

recuperação dos créditos públicos e contribui para o congestionamento do

Poder Judiciário). A medida é proporcional em sentido estrito, já que os

eventuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são

compensados largamente pelos seus benefícios, a saber: (i) a maior

eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a

garantia da livre concorrência, evitando-se que agentes possam extrair

vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos, e (iii) o alívio

da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do

processo.

4. Nada obstante considere o protesto das certidões de dívida

constitucional em abstrato, a Administração Tributária deverá se cercar de

algumas cautelas para evitar desvios e abusos no manejo do instrumento.

Primeiro, para garantir o respeito aos princípios da impessoalidade e da

isonomia, é recomendável a edição de ato infralegal que estabeleça

parâmetros claros, objetivos e compatíveis com a Constituição para

identificar os créditos que serão protestados. Segundo, deverá promover a

revisão de eventuais atos de protesto que, à luz do caso concreto, gerem

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situações de inconstitucionalidade (e.g., protesto de créditos cuja

invalidade tenha sido assentada em julgados de Cortes Superiores por meio

das sistemáticas da repercussão geral e de recursos repetitivos) ou de

ilegalidade (e.g., créditos prescritos, decaídos, em excesso, cobrados em

duplicidade).

5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Fixação

da seguinte tese: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui

mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma

desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos

contribuintes e, assim, não constituir sanção política.”

RELATÓRIO

1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,

proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), tendo por objeto o parágrafo único

do artigo 1º da Lei nº 9.492/1997, incluído pela Lei nº 12.767/2012. O dispositivo impugnado

tem a seguinte redação:

“Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as

Certidões de Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela

Lei nº 12.767, de 2012)”

2. Em síntese, a requerente alega que a inclusão das Certidões de Dívida Ativa (CDA)

no rol dos títulos sujeitos a protesto apresenta os seguintes vícios:

(i) inconstitucionalidade formal, por ofensa ao devido processo legislativo (CF,

arts. 59 e 62) e à separação de poderes (CF, art. 2º), uma vez que o dispositivo impugnado foi

inserido, por emenda, em medida provisória que versava sobre o serviço público de energia

elétrica (a MP nº 577/2012, convertida na Lei nº 12.767/2012) e, logo, sem guardar

pertinência temática; e

(ii) inconstitucionalidade material, por entender que o protesto de CDAs

constitui uma “sanção política” que implica uma restrição ilegítima a direitos fundamentais

do contribuinte para coagir o devedor ao pagamento da dívida tributária, em contrariedade às

Súmulas nº 70, 323 e 547, e em violação aos seguintes princípios: (a) devido processo legal

(CF, art. 5º, XXXV), porque não haveria justificativa jurídica para o manejo do protesto pelo

Fisco, que já dispõe de sistema de proteção e privilégio na cobrança de seu crédito; (b) livre

iniciativa e à liberdade profissional (CF, arts. 5º, XIII, 170, III e parágrafo único, e 174),

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porque o protesto provocaria restrições ao crédito comercial do devedor e, no limite, poderia

inviabilizar o desempenho de sua atividade econômica e levá-lo à falência; e

(c) proporcionalidade, porque o protesto de CDAs constituiria meio inadequado para alcançar

as finalidades do instituto, e desnecessário, uma vez que a execução fiscal seria meio de

cobrança menos gravoso para o contribuinte.

3. Submeti o feito ao rito do art. 12 da Lei nº 9.868/1999, dada a relevância da

matéria. Na sequência, em cumprimento ao art. 10 da Lei nº 9.868/99, solicitei informações

acerca do ato impugnado às autoridades das quais emanou o dispositivo.

4. A Presidência do Congresso Nacional afirmou a inexistência de qualquer

incompatibilidade do dispositivo impugnado com a Constituição. Quanto à

inconstitucionalidade formal, alegou que os artigos 59 e 62 da Lei Maior preveem

expressamente a possibilidade de o Congresso apresentar emendas às medidas provisórias

submetidas à sua apreciação, sem exigir pertinência com a matéria tratada no texto original. Já

quanto à inconstitucionalidade material, consignou que o preceito questionado confere ao ente

público a mesma prerrogativa que possuem os particulares, de modo a atender aos princípios

da isonomia, da proporcionalidade e da eficiência.

5. A Presidência da República manifestou-se no mesmo sentido, asseverando que o

protesto de CDA não representa sanção política e não viola quaisquer direitos fundamentais

garantidos aos contribuintes, harmonizando-se com os princípios da isonomia, da eficiência e

da economicidade e com o dever de cobrança e arrecadação efetiva de tributos, requisito da

responsabilidade na gestão fiscal. Segundo a Presidência, o protesto não configura uma forma

enviesada de cobrança do crédito público, mas sim uma via direta de cobrança extrajudicial,

que corresponde à exigência de que o administrador público valha-se dos meios de cobrança

mais eficientes, céleres e econômicos, evitando a sobrecarga do Poder Judiciário.

6. Também a Advocacia-Geral da União defendeu a constitucionalidade do

dispositivo. Em síntese, a AGU apontou que o protesto não consubstancia sanção política, não

inviabiliza atividade econômica lícita, não constitui óbice ao acesso ao Poder Judiciário, nem

vulnera o princípio da proporcionalidade. Destacou, ainda, que as finalidades do protesto são

disciplinadas em normas infraconstitucionais, de modo que a utilização do instituto como

meio para a arrecadação fiscal não seria incompatível com a Carta de 1988.

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7. Por fim, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento da ação

direta, por entender que o requerente não impugnou, na íntegra, o complexo normativo

aplicável. Segundo alega, a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º

da Lei nº 9.492/1997 não obstaria o protesto de CDA com fundamento no caput do mesmo

artigo. No mérito, a PGR posicionou-se pela improcedência dos pedidos formulados, por

entender que o protesto de CDA não é vedado pela Constituição – antes, constitui exigência

que decorre dos princípios da eficiência e da economicidade –, e não configura sanção

política, pois não inviabiliza a atividade econômica dos contribuintes, não impede a

apreciação do Poder Judiciário, nem possui contornos desproporcionais.

8. Foram admitidos no processo, na qualidade de amici curiae, o Estado de São Paulo,

o Estado de Minas Gerais, a Confederação Nacional dos Municípios, a Confederação

Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC, e a Confederação Nacional do

Sistema Financeiro - CONSIF. Foram inadmitidos o Município de Porto Alegre, o Município

de São Paulo, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, o Município

de Londrina, o Banco Central do Brasil, a Federação do Comércio do Rio de Janeiro, o Estado

da Bahia, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, e a Associação dos

Membros dos Tribunais de Contas do Brasil. Foram, ainda, indeferidos os pedidos de ingresso

como amici curiae formulados após a inclusão do processo em pauta por: Agência Nacional

de Telecomunicações Anatel, Distrito Federal, Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo FIESP, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação brasileira das

secretarias de finanças das capitais brasileiras – ABRASF e, em conjunto, Estados do Acre,

Alagoas, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,

Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins.

9. É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros.

VOTO

I. CABIMENTO DA AÇÃO DIRETA

1. Preliminarmente, embora a questão não pareça apta a suscitar maior controvérsia,

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analiso o cabimento da presente ação direta. Em primeiro lugar, verifico que a Confederação

Nacional da Indústria (CNI) tem legitimidade ativa ad causam, nos termos do art. 103, IX, da

Constituição. Conforme já reconhecido por esta Corte em diversas ocasiões1, trata-se de

entidade de classe de âmbito nacional. Está igualmente presente a pertinência temática. O ato

normativo impugnado versa sobre um meio de cobrança de créditos públicos, o que repercute

sobre a atividade e os interesses da indústria e se relaciona diretamente com os objetivos

institucionais da entidade, nos termos do art. 3º de seu estatuto social2. Em segundo lugar,

constato que o objeto da ação direta é idôneo para a deflagração do controle abstrato, tendo

em vista que o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.492/1997 contém enunciado

normativo, geral e abstrato, destinado a definir os títulos sujeitos a protesto.

2. Com essas considerações, conheço desta ação direta de inconstitucionalidade.

II. EXAME DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL: O “CONTRABANDO LEGISLATIVO”

EM MEDIDAS PROVISÓRIAS

3. Antes de ingressar nas impugnações materiais, é necessário analisar a alegação de

inconstitucionalidade formal do dispositivo questionado. A CNI sustenta que o parágrafo

único do artigo 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei nº 12.767/2012, violaria o devido

processo legislativo e a separação de poderes, uma vez que foi inserido por emenda na

Medida Provisória nº 577/2012, que versava sobre questões totalmente diversas, relativas ao

serviço público de energia elétrica. Para a entidade, a pertinência temática entre a matéria

objeto da emenda e aquela tratada na proposição original seria um limite ao poder de emenda

legislativa.

4. Observo que idêntica questão foi enfrentada por esta Corte no julgamento da ADI

5.127 (Rel. Min. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, j. em 15.10.2015). Na

1 Cf. ADI 4425, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux; ADI 4391, Rel. Min. Dias Toffoli,

ADI 2832, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, ADI 2588, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ Acórdão Min.

Joaquim Barbosa; ADI 2556, Rel. Min. Joaquim Barbosa. 2 Art. 3º - A CNI tem por objetivos: I - representar, defender e coordenar os interesses gerais da

indústria, contribuindo, direta ou indiretamente, para fomentar a expansão e a competitividade do

setor industrial e o desenvolvimento econômico e social do País; II - defender a livre iniciativa, a livre

concorrência, a propriedade privada e o estado democrático de direito, tendo em conta a valorização

do trabalho, a justiça social e o meio ambiente; (...) X - propor medidas judiciais na defesa dos

interesses da indústria; (...)”

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ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a prática, consolidada no Congresso

Nacional, de introduzir emendas sobre matérias estranhas às medidas provisórias constitui

costume contrário à Constituição, por violação: (i) à atribuição do Chefe do Executivo para

decidir sobre os requisitos de relevância e urgência e, portanto, sobre as matérias que devem

ser objeto de medida provisória; (ii) ao devido processo legislativo, já que, não se tratando de

questão relevante e urgente, deve-se aplicar o processo legislativo ordinário; e (iii) ao

princípio democrático, uma vez que tal expediente frustra a realização de um debate amplo

sobre a matéria e limita o exercício da função representativa dos parlamentares, que votam

sem pleno domínio do conteúdo da emenda, sem a formação de um convencimento a seu

respeito ou sem poder se opor a ela.

5. Entretanto, diante dos consideráveis efeitos adversos que adviriam da declaração de

inconstitucionalidade de todas as medidas provisórias já aprovadas, ou ainda em tramitação,

com vício semelhante, e do fato de se estar a afirmar um novo entendimento do STF sobre a

matéria, a Corte atribuiu eficácia ex nunc à decisão. Ficaram, assim, preservadas, até a data

daquele julgamento, todas as leis oriundas de projetos de conversão de medidas provisórias

com semelhante vício, já aprovadas ou em tramitação no Congresso Nacional, incluindo o

dispositivo impugnado na presente ADI.

6. Afasto, portanto, a alegação de inconstitucionalidade formal do parágrafo único do

artigo 1º da Lei nº 9.492/1997.

III. EXAME DAS ALEGADAS INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS NO PROTESTO DE CDAS

III.1. A caracterização das sanções políticas

7. No que se refere às impugnações materiais, a tese central defendida pela requerente

é a de que o protesto da Certidão de Dívida Ativa pelo Fisco constitui uma “sanção política”,

já que seria uma medida extrajudicial que restringe de forma desproporcional os direitos

fundamentais dos contribuintes ao devido processo legal, à livre iniciativa e ao livre exercício

profissional, imposta, de forma indireta, para pressioná-los a quitar seus débitos tributários3.

3 Esta é precisamente a definição de sanções políticas adotadas pela doutrina tradicional sobre

sanções políticas. Nesse sentido, v. Marciano Seabra de Godoi (Crítica à jurisprudência atual do STF

em matéria tributária. São Paulo: Dialética, 2011), Diego Ferraz Lemos Tavares e Luciano Gomes

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8. Esta Corte possui entendimento há muito consolidado no sentido da

inconstitucionalidade do emprego, pelo Poder Público, das denominadas sanções políticas,

morais ou indiretas, i.e., de meios não arrecadatórios, gravosos e desproporcionais de coerção

estatal com o objetivo de forçar o contribuinte a pagar os tributos devidos. A jurisprudência

histórica do Supremo sobre o tema foi expressa nas Súmulas nº 704, 323

5 e 547

6, editadas

anteriormente à Constituição de 1988, que julgaram inadmissíveis, como meios coercitivos

para cobrança de tributos, (i) a interdição de estabelecimento, (ii) a apreensão de mercadorias,

e (iii) a proibição de aquisição de estampilhas dos impostos e de despacho de mercadorias nas

alfândega.

9. Já durante a vigência da Constituição Federal, há inúmeros julgados que

consideraram inconstitucionais medidas oblíquas de arrecadação tributária, na linha de

referidas súmulas. A título exemplificativo, cite-se: (i) a proibição da impressão de notas

fiscais em bloco por contribuinte inadimplente, obrigando-o à expedição de nota fiscal avulsa,

negócio a negócio (RE 413.782, Rel. Min. Marco Aurélio); (ii) o condicionamento da prática

de atos da vida civil e empresarial (e.g., transferência de domicílio para o exterior e registro

de atos societários) à quitação de débitos (ADI 173, Rel. Min. Joaquim Barbosa); e (iii) a

subordinação do pagamento de precatórios à comprovação da ausência de débitos inscritos em

dívida ativa (ADI 3453, Rel. Min. Cármen Lúcia)7.

10. Analisando-se a jurisprudência deste STF sobre o tema, é possível concluir que não

basta que uma medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário restrinja direitos dos

contribuintes devedores para que ela seja considerada uma sanção política. Exige-se, além

Filippo (Sanção política: a imagem refletida da extrafiscalidade. Análise da legitimidade e estudo da

jurisprudência histórica e atual do STF. Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas, v.

34, set./out. 2012), Paulo Caliendo (Sanções políticas no direito tributário: conteúdo e vedação. In:

MANEIRA, Eduardo; TORRES, Heleno Taveira (coord.). Direito tributário e a constituição:

homenagem ao prof. Sacha Calmon Navarro Coêlho. São Paulo: Quartier Latin, 2012). 4 Súmula 70 É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de

tributo (aprovada em Sessão Plenária de 13.12.1963). 5 Súmula 323 É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de

tributos. (aprovada em Sessão Plenária de 13.12.1963) 6 Súmula 547 Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas,

despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais (aprovada em Sessão

Plenária de 03.12.1969) 7 Para mais exemplos, cf: Valeria Rocha da Costa. As sanções tributárias não pecuniárias e o

Supremo Tribunal Federal. XIX Encontro Nacional do CONPEDI, Fortaleza – CE, jun., 2010.

Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3761.pdf>.

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disso, que tais restrições sejam reprovadas no exame de proporcionalidade e razoabilidade.

Por isso, tem-se definido as sanções políticas como “restrições estatais, que, fundadas em

exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em

sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito

passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita” (RE 374.981,

Rel. Min. Celso de Mello).

11. Essa leitura é confirmada por diversos precedentes que tratam do tema. No RE

413.782, o Ministro Cezar Peluso destacou que o princípio constitucional que subjaz às

Súmulas nº 70, 323 e 547 é justamente o “princípio da proporcionalidade, porque o Estado se

está valendo de um meio desproporcional com força coercitiva, para obter o adimplemento

do tributo”. Nesse mesmo julgado, o Ministro Gilmar Mendes sustentou que a definição de

uma determinada medida como sanção política é “uma questão de proporcionalidade mais do

que uma questão tributária”. No mesmo sentido, a ementa do AgR no RE 370.212, relatado

pelo Ministro Joaquim Barbosa, enuncia que “[e]sta Corte firmou uma série de precedentes

fundados, entre outros pontos, no direito constitucional ao exercício de atividade econômica

lícita e de livre concorrência, que impedem a adoção de medidas constritivas

desproporcionais e indiretas destinadas a dar efetividade à arrecadação tributária (sanções

políticas)”. Igualmente, na ADI 173, o Ministro Joaquim Barbosa destacou que “[p]ara ser

tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser

desproporcional e não-razoável”.

12. Um caso recente e especialmente ilustrativo é o do RE 550.769, no qual o Supremo

Tribunal Federal apreciou a constitucionalidade do art. 2o do Decreto-Lei nº 1.593/1977, que

autorizava o cancelamento do registro especial para a fabricação de cigarros de empresa

tabagista, em razão de contumaz inadimplência no pagamento do Imposto sobre Produtos

Industrializados – IPI. Muito embora a medida importasse graves restrições à atividade

econômica da companhia, a Corte entendeu, por maioria de votos, que ela não constituía uma

sanção política no caso. Concluiu-se, em um juízo de ponderação, que a restrição era

proporcional à luz dos impactos negativos do reiterado inadimplemento das obrigações

tributárias sobre a livre concorrência, a saúde pública e sobre a arrecadação fiscal.

Novamente, nesse precedente, o STF consignou que as sanções políticas representam

“restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou

profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos”.

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10

13. Tal entendimento a respeito das sanções políticas amolda-se com perfeição aos

atuais princípios de interpretação constitucional8

. Como se tem afirmado, os direitos

fundamentais não são absolutos, admitindo-se eventuais restrições para a proteção de outros

bens e interesses constitucionais. A validade constitucional de tais limitações estará, porém,

condicionada à observância de determinados limites formais e materiais (os chamados limites

dos limites), dentre os quais se destacam: (i) o princípio da reserva legal, (ii) o princípio da

proporcionalidade, e (iii) a preservação do núcleo essencial dos direitos restringidos9.

14. Diante dessas considerações, entendo que a questão da constitucionalidade do

protesto de Certidões de Dívida Ativa, incluído no parágrafo único do artigo 1º da Lei

nº 9.492/1997 pela Lei nº 12.767/2012 (e, logo, previsto em lei formal), pode ser resolvida por

uma análise em duas etapas. Na primeira, deve-se aferir o nível de restrição dos direitos

fundamentais supostamente afetados pelo dispositivo legal impugnado, quais sejam o devido

processo legal, a livre iniciativa e o livre exercício profissional, verificando-se, ainda, se a

medida atinge o núcleo essencial de referidos direitos. Na segunda, deve-se aplicar o princípio

da proporcionalidade em suas três dimensões, para fins de examinar: (i) se referidas restrições

são adequadas aos fins perseguidos com a medida (adequação), (ii) se há meio alternativo

menos gravoso e igualmente idôneo à produção do resultado (necessidade/vedação do

excesso), e (iii) se os seus benefícios superam os seus ônus (proporcionalidade em sentido

estrito). Passemos a referido exame.

III.2. Violação a direitos fundamentais dos contribuintes

a) Violação ao devido processo legal

15. A CNI alega que o dispositivo impugnado afrontaria o devido processo legal (CF,

art. 5º, XXXV). Segundo seu raciocínio, não haveria justificativa jurídica para o manejo do

protesto pelo Fisco, que já disporia de meios judiciais especiais e próprios para a cobrança de

seu crédito. Como resultado, afirma que o protesto da CDA constituiria um “superprivilégio”

8 Sobre o tema, cf: PENHA, Marcos Bueno Brandão da. Sanções não pecuniárias no Direito

Tributário: análise crítica da doutrina e da jurisprudência acerca das denominadas sanções políticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. 9 A respeito, cf.: Virgílio Afonso da Silva. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e

eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009; Jane Reis Gonçalves Pereira. Interpretação Constitucional e

Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006

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para a Fazenda, cujo único propósito seria o de coagir o protestado ao pagamento da dívida

tributária.

16. Entendo, porém, que a utilização do instituto pela Fazenda Pública não viola

referido princípio. Não ignoro que, no regime jurídico atual, a execução fiscal constitui o

mecanismo próprio de cobrança judicial da Dívida Ativa. É o que se extrai do art. 38 da Lei

de Execuções Fiscais (Lei nº 6830/1980), que dispõe que “[a] discussão judicial da Dívida

Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei (...)”10

. No

entanto, como evidencia a literalidade do dispositivo, a Lei nº 6830/1980 elege o executivo

fiscal como instrumento típico para a cobrança da Dívida Ativa em sede judicial, mas não

exclui a possibilidade de instituição e manejo de mecanismos extrajudiciais de cobrança. Por

sua vez, o protesto é justamente um instrumento extrajudicial que pode ser empregado para a

cobrança de certidões de dívida, com expressa previsão legal, nos termos do parágrafo único

do artigo 1º da Lei nº 9.492/1997.

17. Não há, assim, qualquer incompatibilidade entre ambos os instrumentos. Eles são

até mesmo complementares. Frustrada a cobrança pela via do protesto, o executivo fiscal

poderá ser normalmente ajuizado pelo Fisco. E mais: em relação à cobrança de créditos de

pequeno valor, o protesto será, muitas vezes, a única via possível. Diversas Fazendas optaram

por autorizar o não ajuizamento de execuções fiscais nos casos em que o custo da cobrança

judicial seja superior ao próprio valor do crédito. Mesmo na ausência de lei sobre o tema,

alguns juízes e Tribunais locais passaram a extinguir execuções fiscais por falta de interesse

processual na hipótese.

18. Além disso, o protesto não impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para

discutir a validade do crédito tributário ou para sustar o protesto. Tampouco exclui a

possibilidade de o protestado pleitear judicialmente uma indenização, caso o protesto seja

indevido. Inexiste, assim, qualquer mácula à inafastabilidade do controle judicial. Por esses

motivos, não vislumbro fundamento constitucional (ou mesmo legal) que impeça o Poder

Público de estabelecer, por via de lei, o protesto como modalidade extrajudicial e alternativa

10

Lei nº 6830/1980, art. 38: A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível

em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição

do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório

do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais

encargos.

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de cobrança de créditos tributários. Entendo, portanto, que o protesto de certidões da dívida

ativa não importa em qualquer restrição ao devido processo legal.

b) Violação à livre iniciativa e à liberdade profissional

19. A requerente alega também que o dispositivo impugnado representaria transgressão

à livre iniciativa e à liberdade profissional (CF, arts. 5º, XIII, 170, parágrafo único e 174).

Segundo argumenta, a publicidade que é conferida ao débito tributário pelo protesto

acarretaria restrições ao crédito comercial do devedor, o que, no limite, poderia inviabilizar o

desempenho da atividade econômica e profissional e levá-lo à completa estagnação,

provocando, por via oblíqua, a sua falência.

20. Contudo, entendo que o protesto de Certidões de Dívida Ativa não representa um

efetivo embaraço ao regular exercício das atividades empresariais e ao cumprimento dos

objetos sociais dos administrados. Sua principal finalidade é dar ao mercado conhecimento a

respeito da existência de débitos fiscais e permitir a sua cobrança extrajudicial. Desse modo, a

medida não impacta diretamente a vida da empresa. Diversamente dos casos julgados por esta

Corte em que se concluiu pela violação à livre iniciativa, o protesto não compromete a

organização e a condução das atividades societárias, tal como ocorre nas hipóteses de

interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, restrições à expedição de notas

fiscais e limitações à obtenção de registros ou à prática de atos necessários ao seu

funcionamento.

21. Não ignoro que o acesso ao crédito representa uma importante ferramenta para o

desenvolvimento, o crescimento e, às vezes, para a própria sustentabilidade do negócio, em

especial em microempresas e empresas de pequeno porte. No entanto, ainda que se pudesse

admitir que o protesto de CDAs afetasse a atividade econômica, isso se daria sempre de forma

eventual e indireta11

. É que as restrições à linha de crédito comercial da empresa não

constituem uma consequência imediata da publicidade conferida ao crédito tributário pelo

protesto. Eles representam, no máximo, uma decorrência indireta do instrumento, a qual,

porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício12

.

11

V. PENHA, Marcos Bueno Brandão da. Sanções não pecuniárias no Direito Tributário: análise crítica da doutrina e da jurisprudência acerca das denominadas sanções políticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 288. 12

Id.

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13

22. A informação relativa à existência de débitos certamente poderá ser considerada

pelas instituições financeiras na análise de pedidos de crédito. No entanto, isso não implicará

necessariamente limitações creditícias. Como apontou Marcos Bueno, a depender das

circunstâncias, valores e riscos envolvidos, a informação poderá ser considerada irrelevante

para a concessão do crédito ou poderá justificar a exigência de garantias reforçadas, a

elevação dos juros praticados, e, no limite, a negativa de sua concessão13

. Porém, em todas

essas hipóteses, não se pode atribuir ao credor que se vale do protesto qualquer

responsabilidade. Tanto isso é verdade que pessoas físicas e jurídicas utilizam-se

correntemente do protesto para reaver seus créditos privados, sem que tal prática seja objeto

de questionamentos.

23. Em vista desses fundamentos, parece-me que o protesto das certidões da dívida

ativa não restringe, efetivamente, a livre iniciativa e a liberdade de exercício profissional.

Quando muito, ele pode promover uma pequena restrição a tais direitos (pela restrição

creditícia), que, justamente por ser eventual e indireta, não atinge os seus núcleos essenciais.

24. Aferido o nível de restrição aos direitos fundamentais supostamente violados pelo

dispositivo legal impugnado, cabe agora verificar se a medida atende ao princípio da

proporcionalidade. Como argumentei acima, o teste da proporcionalidade da medida possui

especial importância no caso, pois permitirá avaliar se o protesto das Certidões de Dívida

Ativa constitui ou não uma “sanção política”.

III.3. Violação ao princípio da proporcionalidade

25. A última alegação da requerente é a de que o protesto de CDAs violaria o princípio

da proporcionalidade, porque tal instrumento constituiria meio (i) inadequado para alcançar

as finalidades do instituto, e (ii) desnecessário, uma vez que o Fisco teria meios especiais e

menos gravosos para a satisfação do crédito tributário.

a) Subprincípio da adequação

26. Em relação à adequação da medida, é preciso verificar se o protesto de Certidões

13

Ibid., p. 288/289.

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de Dívida Ativa é idôneo para alcançar os fins pretendidos. Isto é, se as restrições impostas

aos direitos fundamentais dos devedores são aptas a promover os interesses contrapostos.

Nesse ponto, a CNI argumenta que o instrumento violaria o subprincípio da adequação, pois

nenhuma das finalidades típicas do protesto seria útil ou necessária ao Fisco. Para que se

possa examinar tal alegação, parece-me imprescindível expor, ainda que brevemente, o

desenvolvimento histórico do instituto.

27. É verdade que, originariamente, o protesto encontrava-se atrelado exclusivamente

aos títulos de crédito de natureza cambial. Até a edição da Lei nº 9.492/1997, o instituto

representava tão-somente uma declaração formal e solene do credor de que estaria em

desacordo com o inadimplemento da obrigação por parte do devedor, para fins de produção de

alguns efeitos legais típicos14

. Entre tais efeitos, incluíam-se: (i) conferir força executiva ao

título; (ii) traduzir meio de prova para a conservação e o exercício de direitos (e.g., direito de

regresso contra coobrigados); (iii) constituir o devedor em mora para a fluência de juros

moratórios; (iv) possibilitar o pedido de falência do devedor; e (v) interromper a prescrição.

28. Diante dessa disciplina jurídica, a doutrina e a jurisprudência tradicionais

afirmavam que o credor tributário não precisaria emprestar nenhum de tais efeitos às

Certidões de Dívida Ativa. Afinal, o seu crédito já tem força executiva e ostenta presunção de

certeza e liquidez e não há interesse na constituição em mora do devedor ou no pedido de

falência15

. Daí porque sustentavam que o protesto, além de desnecessário, representaria um

desvio de finalidade e verdadeiro abuso de direito por parte da Fazenda Pública. Esse

posicionamento encontra-se claramente refletido na petição inicial desta ação direta.

29. Ocorre, porém, que o instituto assumiu novos contornos legais. Com a edição da

Lei nº 9.492/1997, registrou-se sensível ampliação do rol de títulos sujeitos a protesto, que

passou a incluir, além de títulos cambiais, “títulos e outros documentos de dívida”16

. Hoje,

portanto, podem ser protestados quaisquer títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais, desde

que dotados de liquidez, certeza e exigibilidade, nos termos do art. 783 do Código de

14

MACHADO, Hugo de Brito. Protesto de Certidão de Dívida Ativa. Revista do Instituto dos

Magistrados do Ceará, ano 06, nº 11, jan./jun., 2002, pp. 121/157. 15

Código Tributário Nacional, art. 204. 16

Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de

obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.

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15

Processo Civil de 2015 (correspondente ao art. 586 do CPC/1973)17-18

.

30. A partir dessa alteração legislativa, o protesto passou também a desempenhar outras

funções além da meramente probatória19

. Como já afirmou o Superior Tribunal de Justiça,

trata-se hoje de instituto de natureza bifronte20

. De um lado, o protesto representa instrumento

para constituir o devedor em mora e comprovar o descumprimento da obrigação. De outro, ele

confere ampla publicidade ao inadimplemento e constitui meio alternativo e extrajudicial para

a cobrança da dívida.

31. Portanto, a remessa da Certidão da Dívida Ativa a protesto é medida plenamente

adequada às novas finalidades do instituto. Ela confere maior publicidade ao descumprimento

das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança,

contribuindo para estimular a adimplência, incrementar a arrecadação e promover a justiça

fiscal, impedindo que devedores contumazes possam extrair vantagens competitivas indevidas

da sonegação de tributos. Por evidente, a origem cambiária do instituto não pode representar

um óbice à evolução e à utilização do instituto em sua feição jurídica atual.

b) Subprincípio da necessidade

32. Em relação à necessidade da medida, é preciso verificar se há meio alternativo ao

protesto de CDAs que seja, ao mesmo tempo, menos gravoso e igualmente idôneo à produção

dos resultados desejados. Para a requerente, a medida seria reprovada nesse teste, já que as

Fazendas Públicas teriam à sua disposição o executivo fiscal, meio supostamente menos

gravoso para a satisfação do crédito público.

17

BIM, Eduardo Fortunato. A Juridicidade do Protesto Extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa (CDA).

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 157, out./2008. p. 46. 18

CPC/2015, Art. 783: A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível. 19

É certo que uma leitura literal do art. 1º da Lei 9.492/1997 poderia conduzir à conclusão de que o

protesto somente se presta à prova do inadimplemento de obrigação. No entanto, referida

interpretação não se adequa à realidade. Se assim fosse, não faria sentido a inclusão da

possibilidade de protesto de “outros documentos de dívida” que são justamente os títulos executivos

exigíveis (i.e., para os quais não há necessidade de prova do inadimplemento de obrigação).

Tampouco haveria razão de ser no protesto facultativo, cujo manejo não é necessário para o exercício

do direito de ação destinado à execução da obrigação. 20

V. Recurso Especial 1.126.615-PR (Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 03.12.2013), no qual o STJ

superou sua jurisprudência tradicional para admitir a possibilidade de protesto das certidões de

inscrição em dívida ativa.

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16

33. Em primeiro lugar, ao contrário do que alega a CNI, entendo que o protesto é, em

regra, mecanismo que causa menor sacrifício ao contribuinte do que os demais instrumentos

de cobrança disponíveis, em especial a Execução Fiscal. Por meio do protesto, exclui-se o

risco de penhora de bens, renda e faturamento e de expropriação do patrimônio do devedor,

assim como se dispensa o pagamento de diversos valores, como custas, honorários

sucumbenciais, registro da distribuição da execução fiscal e possibilita-se a redução do

encargo legal21-22

.

34. Em segundo lugar, ele é ainda mais eficiente para a consecução do fim pretendido

de recuperação e arrecadação eficaz dos créditos pela administração tributária. Tal eficiência é

especialmente destacada no atual cenário de crise da Execução Fiscal. Diversos dados

demonstram que as execuções fiscais apresentam altos custos e reduzidos índices de

recuperação dos créditos públicos, além de contribuir largamente para a lentidão e o

congestionamento do Poder Judiciário.

35. De acordo com estudo do IPEA23

, as ações de execução fiscal promovidas pela

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN junto à Justiça Federal possuem custo

unitário médio de cerca de R$ 5,6 mil, tramitam por um tempo médio de 9 anos, 9 meses e 16

dias, dos quais mais de 4 anos são levados apenas para a citação. A pesquisa também

demonstrou que apenas cerca de 3/5 dos processos promovidos pela PGFN vencem a fase de

citação, e que a probabilidade de êxito, com a recuperação integral do crédito, é de menos de

26%. Segundo o IPEA, considerando-se tais dados, somente em relação a créditos de valor

superior a R$ 21.731,45 seria economicamente justificável promover-se a cobrança judicial

por meio do executivo fiscal.

36. Já o relatório Justiça em Números 2014, do Conselho Nacional de Justiça, apontou

que as ações de execução fiscal constituíam aproximadamente 41,5% do total de processos

21

BIM, Eduardo Fortunato. A Juridicidade do Protesto Extrajudicial de Certidão de Dívida Ativa (CDA).

Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 157, out./2008, p. 59. 22

Além disso, as certidões de dívida ativa que contenham no valor consolidado do crédito encargos

legais no percentual de 20% serão levadas a protesto com redução do percentual para 10%, na forma

do artigo 3° do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, ou 5%, nos termos da Lei nº 8.844, de

20 de janeiro de 1994, conforme o caso. 23

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Custo e tempo do processo de execução fiscal

promovido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, 2011. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.pdf>

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17

pendentes na justiça brasileira naquele exercício24

. Demonstrou também a enorme taxa de

congestionamento, de mais de 90%, já que, em média, de cada 100 execuções fiscais em

tramitação em 2014, apenas 9 foram finalizadas no período. Segundo o relatório, este quadro

tende a ser mantido, uma vez que as novas execuções ajuizadas superaram em mais de meio

milhão o total de processos baixados dessa classe no ano.

37. Diante desses fatores, não há dúvida de que o protesto é medida necessária, pois

permite alcançar os fins pretendidos de modo menos gravoso e mais eficiente em relação ao

executivo fiscal e demais instrumentos judiciais de cobrança do crédito público.

c) Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito

38. Por fim, cabe avaliar se o protesto das Certidões de Dívida Ativa corresponde a

medida proporcional em sentido estrito, de modo que as eventuais restrições aos direitos

fundamentais dos contribuintes sejam compensadas pela promoção de interesses contrapostos.

Trata-se de uma análise comparativa entre custos e benefícios.

39. Em relação aos custos da medida examinada, já se demonstrou amplamente que o

protesto não produz significativa restrição a direitos fundamentais dos contribuintes

devedores. De um lado, o Poder Público não fere o devido processo legal ao estabelecer, por

via de lei, uma nova modalidade extrajudicial de cobrança de créditos tributários. De outro, o

protesto de CDA não viola a livre iniciativa e a liberdade de exercício profissional. Como se

viu, eventual restrição à linha de crédito comercial da empresa seria, no máximo, uma

decorrência indireta do instrumento, a qual, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos

próprios atores do mercado de crédito.

40. Já em relação aos benefícios decorrentes da medida em questão, é possível apontar

(i) a realização dos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade na

recuperação dos créditos tributários (arts. 37 e 70, CF), (ii) a garantia da livre concorrência,

evitando-se que alguns agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da

sonegação de tributos (art. 170, IV, CF), e (iii) a redução do congestionamento do Judiciário,

em benefício da realização do princípio da razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII,

CF).

24

Disponível em: ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf

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41. Em primeiro lugar, a cobrança eficiente dos créditos estatais não atende apenas o

interesse secundário do Estado, mas também interesses de toda a coletividade. Isso porque

permite uma maior arrecadação de valores que custearão os serviços que irão beneficiar a

todos, e evita o desperdício de tempo, recursos humanos e financeiros públicos com meios de

cobrança com remotas chances de êxito25

. Em segundo lugar, o protesto de CDAs auxilia no

combate à inadimplência, viabilizando a promoção da justiça fiscal e impedindo que a

sonegação fiscal confira aos maus pagadores uma vantagem competitiva em relação àqueles

que cumprem seus deveres tributários. Em terceiro lugar, ao permitir a cobrança extrajudicial

dos débitos, a medida tem o condão de promover a diminuição de execuções fiscais ajuizadas

e, assim, aliviar a sobrecarga de processos do Poder Judiciário, favorecendo a melhoria da

qualidade e da efetividade da prestação jurisdicional.

42. Sopesando-se os custos e benefícios da medida questionada nesta ação direta,

parece evidente que o protesto de Certidões de Dívida Ativa proporciona ganhos que

compensam largamente as leves e eventuais restrições aos direitos fundamentais dos

devedores. Daí porque, além de adequada e necessária, a medida é também proporcional em

sentido estrito.

43. Concluindo-se pela inexistência de violação ao princípio da proporcionalidade,

também é possível afirmar, à luz da jurisprudência desta Corte, que o protesto de Certidões de

Dívida Ativa não configura uma “sanção política”, já que não constitui medida coercitiva

indireta que restrinja, de modo irrazoável ou desproporcional, direitos fundamentais dos

contribuintes, com o objetivo de forçá-los a quitar seus débitos tributários. Tal instrumento de

cobrança é, portanto, constitucional.

IV. ALGUMAS CAUTELAS NECESSÁRIAS

44. Não obstante considere constitucional a possibilidade de protesto das certidões de

dívida, tal qual estabelecido pela Lei nº 12.767/2012, reconheço, contudo, que a medida deve

ser cercada de alguns cuidados, de modo a garantir que a atuação administrativa que irá

concretizar o instrumento seja igualmente conforme o Direito.

25

V. PENHA, Marcos Bueno Brandão da. Op. cit. p. 285/286.

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45. Uma primeira cautela que se deve ter é a utilização do protesto em conformidade

com os princípios da impessoalidade e da isonomia. Veja-se que há uma impossibilidade

material ou jurídica de levar todas as certidões de dívida ativa a protesto ao mesmo tempo,

seja pela necessidade de um juízo reforçado de legitimidade sobre a higidez dos créditos, seja

pelo risco de se receber uma enxurrada de ações judiciais individuais contestando a legalidade

de cada ato de protesto. Até mesmo a eventual falta de estrutura adequada da Administração

Tributária pode recomendar que a medida seja implementada de forma gradual.

46. Nesse cenário, é recomendável a edição de regulamentação, por ato infralegal e

com a maior brevidade possível, que explicite os parâmetros utilizados para a distinção que

será feita entre os administrados e as diversas situações de fato existentes. Entendo que a

adoção desse requisito de ordem procedimental é fundamental para legitimar o instituto, ao:

(i) estabelecer previamente parâmetros claros, objetivos e compatíveis com a Constituição,

que permitam a identificação dos créditos que serão protestados; (ii) conferir a esses critérios

a transparência inerente a toda atividade administrativa; e (iii) balizar o controle jurisdicional

sobre a correta utilização dos standards previamente definidos.

47. É legítimo que se adote, por exemplo, critérios relativos ao valor, protestando-se as

dívidas de valor mais baixo cujo proveito econômico não recomendaria o ajuizamento da

execução; ou, então, um parâmetro que leve em consideração o nível de participação do

administrado na constituição da dívida, fazendo uma escolha por aqueles em que houver

confissão de dívida por parte do devedor em detrimento dos demais. E, por óbvio, tanto os

critérios eleitos pelo regulamento, como a aplicação deles às diferentes hipóteses estarão

sujeitas ao controle do Poder Judiciário, em especial no que diz com a sua adequação aos

princípios da igualdade e da impessoalidade.

48. Uma segunda cautela refere-se ao controle de legalidade e de constitucionalidade, a

ser realizado pela Administração Tributária. É dizer: embora o protesto de CDA seja

constitucional em abstrato, é possível que sua aplicação em concreto gere situações de

inconstitucionalidade (e.g., protesto de créditos cuja invalidade tenha sido assentada em

julgados de Cortes Superiores por meio das sistemáticas da repercussão geral e de recursos

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20

repetitivos)26

ou de ilegalidade (e.g., créditos prescritos, decaídos, em excesso, cobrados em

duplicidade).

49. A declaração de constitucionalidade do protesto de certidões de dívida ativa pela

Administração Tributária traz como contrapartida o dever de utilizá-lo de forma responsável e

consentânea com os ditames constitucionais. Assim, nas hipóteses de má utilização do

instrumento, permanecem os juízes de primeiro grau e os demais tribunais do país com a

prerrogativa de, sempre que provocados, promoverem a revisão de eventuais atos de protesto

que, à luz do caso concreto, estejam em desacordo com a Constituição e com a legislação

tributária, sem prejuízo do arbitramento de uma indenização compatível com o dano sofrido

pelo administrado.

V. CONCLUSÃO

50. Por todo o exposto, voto no sentido de que a presente ação direta de

inconstitucionalidade seja julgada improcedente. Proponho a fixação da seguinte tese: “O

protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não

restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos

contribuintes e, assim, não constituir sanção política”.

26

Nessas hipóteses, a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito são prejudicadas de forma significativa. Por isso, é possível que a efetivação do protesto nessas situações concretas represente um grau maior de restrição aos direitos fundamentais dos devedores, e, assim, possa configurar violação ao princípio da proporcionalidade, equiparando-se a verdadeira coação ao pagamento de tributos que a Fazenda Pública já sabe indevidos ou, pelo menos, que se presumem indevidos. V. PENHA, Marcos Bueno Brandão da. Op. cit. p. 295/296.