Relampago 33 Poemas SN

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Poemas de S. N. David na Relâmpago.

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  • Srgio Nazar

    seis poemas do l ivro indito Tercetos queimados

  • 131n. 33 Outubro de 2013

    Quando um som fica no ar (onde j no estamos) ele existe. O som sozinho no o mesmo de

    quando em sua mudez o vazio ergue muros, vcuos, hiatos, intermitncias, a que chamamos

    silncio. O som sozinho na caixa por exemplo o grito do esquecimento. O som sozinho

    no corpo o remoer da vida querendo. O som sozinho do mar nunca poder chegar.

    Existe o som sem dono. Existeo som sem casa. Existe o som sem norte, sem mos que o toquem.

    Existe o som sem ouvido. como soa em ns tudo que ouvimos ontem.

    O s o m

  • 132 n. 33 Outubro de 2013

    Cresci ao lado do piano de minha irma pedir-lhe Um suspiro, de Liszt: as notas desencadeadas como o mar, querendo umavoz, uma sentena, um rastro de silncio,

    que eu, bruto e lrico, ouvia entre pedras de marfim. O medo a cobrir-me o rosto sempre que pedia... Era bom sentir a vida derretendo, se os dedos de outono vestiam-se

    de me. As cordas do tempo no Essenfelder j agora vejo a se romperem eram as do meu peito (incapazes de sofrer).

    Por mil e uma noites, dentro do teclado, segui, movendo-se distante como eu ainda hoje , o frgil corao de minha irm.

    U m s u s p i r o

  • 133n. 33 Outubro de 2013

    As primeiras saudades so de acrescentar frgeis sufixos aos radicais: de sapato papapum, de talco tapum. A madrinha assentia ao latim de tempos mortos quando

    vieram os vocbulos de Cames, pronomes mal postos (sabem a um intruso tambor), os verbos imergindo entre conchas frescas e impuras. Ao corao ainda no vinham

    as piores e necessrias perguntas nem as esquivas em pontos de fuga e exausto. Foi bem depois que tomou da lnguacomo um soldado a sua espada de fogo.

    As palavras so escudos, um incerto rosto, o mais verdadeiro que podemoster, se o quisermos. Com elas se fazemversos, nunca com os sentimentos.

    J a lngua, nunca a aprendemos. Dentro da noite sentimo-la. Ritmo, rastro, fossosem fim, sem fio; muro sem tijolo vento rota brao erguido rente ao corpo.

    A l n g u a

  • 134 n. 33 Outubro de 2013

    Entre ces e peixes um homem respira,um brao um dia rompe o fosso. Da rubralngua vem a mancha no muro de Lisboa:

    penso (no pouco) mas j no existo.Leio a sentena, um rastro de fuligemna medula. Ana Cristina inventaria

    um safri, forma e substncia de zarpars ndias nas calhas e rufos do poema.O verso o barco e o mar por que se rema.

    R e s p i r a o

  • 135n. 33 Outubro de 2013

    Pedra que escolhi para viver, de onde avisto as sombras que meus pais esculpiram, terceiro anteparo antes da queda. J no me queixo de qualquer dor, apenas constato. Pedra

    de saudade, quando corro os acontecimentos quedo e lvido como os mrtires nas caixas de plstico. Pedra do que sou, de minha pele, de meu sangue (um pouco mrbido). Pedra

    do hmus, direita do trax. Desconhecido o rgo. Pedra angular, que nos meus sonhos se adensa, neve no pelo dos ursos antrticos.

    A mesma areia branca dentro das esferas (carrego-as sem esperana mas carrego) svezes rompe ou queima a agreste concha.

    P e d r a

  • 136 n. 33 Outubro de 2013

    Os dias recordam-lhe (este o verbo exato) no mais existir. A hiptese pouco lmpida de deus: restos, pompas, batalhas por perder.

    Quando as letras do seu nome ficam brancas, queimando vrtices no corpo, uma outra vida nasce-lhe no rosto. Vemos ento

    o semblante imitando o outono em timbres imperfeitos de um tempo que ainda no passou de todo. Se lhe corta o pensamento

    o mar de sombras do passado, tal fenmeno nunca -lhe extemporneo. Ontem mesmo sentou-se mesa o velho pai e conversando

    estiveram a bordo de um navio manso fumando um Gold-Fly moda de Antnio.

    P a t r i m o r t u o