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I SEMINÁRIO NACIONAL: Família e Políticas Sociais no Brasil - UFV I SEMINÁRIO NACIONAL: FAMÍLIA E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL (GT 5 – FAMÍLIA, GERAÇÃO E TRABALHO) Relações trabalho-saúde do servidor público: saúde ocupacional ou saúde do trabalhador? Uma apreciação à luz da análise institucional Áurea Maria Resende de Freitas 1 Amélia Carla Sobrinho Bifano 2 Resumo: Este artigo tem como objetivo, tomando como base a Análise Institucional de Baremblitt (2002), abordar as relações trabalho-saúde no âmbito da gestão da saúde no serviço público, especificamente propor algumas inferências que possam auxiliar profissionais acadêmicos interessados no tema abordado, situar historicamente relação trabalho-saúde, no Brasil e caracterizar suas implicações na vida cotidiana de uma unidade de serviço do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). A análise institucional possui instrumentos que podem ampliar a autonomia tanto dos servidores, quanto dos profissionais da área e melhorar a qualidade dos serviços prestados. Palavras-chave: Análise Institucional; Atenção à saúde do servidor; Políticas Governamentais; Relação Trabalho-Saúde Abstract: The purpose of this article is, based on the Institutional Analysis of Baremblitt (2002), to address labor-health relationships in the context of health management in the public service, specifically propose some inferences that may help academic professionals interested in this topic, historically situate labor-health relationship in Brazil and characterize its implications in the daily life of a service unit of the Integrated Subsystem of Health Care of the Public Servant (SIASS). The institutional analysis has instruments that can increase the autonomy of both public servant and professionals of the area, and improve the quality of the services provided. Keywords: Institutional Analysis; Health Care of the Public Servant; Government Policies; Labor-Health Relationship 1. INTRODUÇÃO A área gestão de pessoas, no serviço público, assume um papel cartorial de registros funcionais e de atendimento às exigências legais dos órgãos auditores e reguladores. Embora haja esforço para mudar essa situação percebe-se que essa área da gestão ainda não ocupa lugar estratégico nas instituições. Dentre as atividades de gestão de pessoas no serviço público, encontra-se a 1 Doutoranda em Economia Doméstica. Mestre em Administração. Administradora. Servidora Ténica-Administrativa da Universidade Federal de Viçosa. Brasil; [email protected] 2 Doutora em Engenharia de Produção, Mestre em Engenharia de Produção. Economista Doméstivo. Professora do Departamento de Economia Doméstica, Universidade Federal de Viçosa. Brasil; [email protected]

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I SEMINÁRIO NACIONAL: FAMÍLIA E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL

(GT 5 – FAMÍLIA, GERAÇÃO E TRABALHO)

Relações trabalho-saúde do servidor público: saúde ocupacional ou

saúde do trabalhador? Uma apreciação à luz da análise institucional

Áurea Maria Resende de Freitas1

Amélia Carla Sobrinho Bifano2

Resumo: Este artigo tem como objetivo, tomando como base a Análise Institucional de

Baremblitt (2002), abordar as relações trabalho-saúde no âmbito da gestão da saúde no

serviço público, especificamente propor algumas inferências que possam auxiliar profissionais

acadêmicos interessados no tema abordado, situar historicamente relação trabalho-saúde, no

Brasil e caracterizar suas implicações na vida cotidiana de uma unidade de serviço do

Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). A análise institucional possui

instrumentos que podem ampliar a autonomia tanto dos servidores, quanto dos profissionais

da área e melhorar a qualidade dos serviços prestados.

Palavras-chave: Análise Institucional; Atenção à saúde do servidor; Políticas

Governamentais; Relação Trabalho-Saúde

Abstract: The purpose of this article is, based on the Institutional Analysis of Baremblitt (2002),

to address labor-health relationships in the context of health management in the public service,

specifically propose some inferences that may help academic professionals interested in this

topic, historically situate labor-health relationship in Brazil and characterize its implications

in the daily life of a service unit of the Integrated Subsystem of Health Care of the Public

Servant (SIASS). The institutional analysis has instruments that can increase the autonomy of

both public servant and professionals of the area, and improve the quality of the services

provided.

Keywords: Institutional Analysis; Health Care of the Public Servant; Government Policies;

Labor-Health Relationship

1. INTRODUÇÃO

A área gestão de pessoas, no serviço público, assume um papel cartorial de registros funcionais

e de atendimento às exigências legais dos órgãos auditores e reguladores. Embora haja esforço

para mudar essa situação percebe-se que essa área da gestão ainda não ocupa lugar estratégico

nas instituições. Dentre as atividades de gestão de pessoas no serviço público, encontra-se a

1 Doutoranda em Economia Doméstica. Mestre em Administração. Administradora. Servidora

Ténica-Administrativa da Universidade Federal de Viçosa. Brasil; [email protected]

2Doutora em Engenharia de Produção, Mestre em Engenharia de Produção. Economista

Doméstivo. Professora do Departamento de Economia Doméstica, Universidade Federal de

Viçosa. Brasil; [email protected]

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atenção à saúde do servidor que somente foi implementada efetivamente na última década

(FREITAS et al. 2017).

As políticas públicas que ensejam proteção da saúde dos trabalhadores consideram os

trabalhadores como agentes passivos e entendem a preservação da saúde como exigência

contratual e não como direito pleno da cidadania, transferindo aos setores técnicos hegemônicos

a decisão do que é melhor para a saúde do trabalhador, sem ouvi-los, cabendo ao empregador a

decisão do que fazer em relação aos riscos à saúde no trabalho, sem considerar o trabalhador

(OLIVIEIRA E VASCONCELOS, 2000).

Lacaz (2013), destaca em seus estudos que a abordagem das relações trabalho-saúde, passa por

um retrocesso, no que se refere à produção de conhecimento e à perda dos pressupostos

programáticos observados na proposta vigente do Ministério da Saúde. Além disso, aponta a

fragilidade do movimento sindical, um dos principais pilares de sustentação dessa abordagem.

No cenário atual da saúde no Brasil em especial a da nova atribuição para a área de gestão de

pessoas, em relação a atenção à saúde do servidor, o objetivo desse artigo, tomando como base

a Análise Institucional de Baremblitt (2002), é abordar as relações trabalho-saúde no âmbito da

gestão da saúde no serviço público, em uma unidade de serviço do Subsistema Integrado de

Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). Especificamente, pretende-se situar historicamente a

relação trabalho-saúde, no Brasil, estabelecer uma abreviada distinção entre saúde ocupacional,

saúde do trabalhador e propor algumas inferências que possam auxiliar profissionais

interessados no tema abordado.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES TRABALHO-SAÚDE DO

SERVIDOR PÚBLICO

Este item busca contextualizar, a relação trabalho-saúde no serviço público, no Brasil, onde os

movimentos e ações relacionados à regulação do trabalho e à saúde-trabalho, podem ser

verificados na legislação. Destaca-se para o serviço público, antes da promulgação da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) instituída em 1943, em 1938, a criação do

Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), com o propósito de profissionalizar

o setor público federal e criar uma carreira na administração pública; em 1939, a criação do

primeiro Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União; em 1940, a criação do Instituto de

Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE). Posteriormente, em 1952, foi

instituído o regime jurídico dos funcionários civis da União e dos Territórios por meio do

Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União.

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Nos anos 1970, institucionaliza-se nacionalmente a base da atuação do Estado, por meio do

setor de trabalho, mediante política adotada pelo regime militar que obriga a criação dos

Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, cujas medidas

visavam aumentar a produtividade. Assim, põe a saúde num caráter de razão instrumental para

a produção e permite às empresas a tutela da saúde dos trabalhadores com o discurso da técnica

articulando às relações de poder e o disciplinamento do trabalhador (LACAZ, 2013).

Até a Constituição Federal (CF) de 1988, os mecanismos de proteção à saúde do trabalhador

estavam limitados às normas reguladoras da CLT, pautados pelo conceito de saúde ocupacional,

com foco na preservação da força de trabalho, restrito às atividades de assistência e fiscalização.

As conquistas sociais alcançadas por meio da CF de 1988, universalizou o direito à saúde

estabelecido na Lei 8080/1990, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). E para o serviço

público estabeleceu a Lei 8112/91, que criou o Regime Jurídico Único (RJU). O RJU, trouxe

regulação restritas às licenças médicas e aposentadorias por invalidez, no qual as questões da

promoção e da manutenção da saúde do servidor não foram regulamentadas.

Em 2006, o Governo Federal, instituiu o Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor

Público Federal (SISOSP). Que em 2009, foi substituído pelo Subsistema Integrado de Atenção

à Saúde do Servidor Federal (SIASS), cujo objetivo é coordenar e integrar ações e programas

nas áreas de assistência à saúde, perícia oficial, acompanhamento, promoção e prevenção da

saúde dos servidores da administração pública (BRASIL, 2009).

Para Martins et al. (2017), o SIASS propunha avançar de uma concepção restrita à saúde

ocupacional para o conceito de Saúde do Trabalhador pressupondo interdisciplinaridade e

participação dos trabalhadores como sujeitos ativos e centrais no planejamento e

implementação das ações de transformação dos processos de trabalho.

Em 2013, a Secretaria de Gestão Pública (SEGEP) do MPOG institui diretrizes gerais de

promoção da saúde do servidor público federal, com orientações para os órgãos e entidades do

da Administração Federal a ser implantadas de forma descentralizada e transversal, por meio

das áreas de gestão de pessoas. As diretrizes apontam para priorizar a educação em saúde, a

prevenção dos riscos, agravos e danos à saúde do servidor, melhorar os ambientes, a

organização e o processo de trabalho, de modo a ampliar a conscientização, a responsabilidade

e a autonomia dos servidores para a construção de uma cultura de valorização da saúde por

meio de hábitos saudáveis de vida e de trabalho (BRASIL, 2013).

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Para tanto, as áreas de gestão de pessoas, deveriam atuar estrategicamente em nível de formação

de agenda, de planejamento, de formulação, de implementação e de avaliação das ações com

vistas a acolher às respectivas peculiaridades organizacionais e a consecução das ações

(FREITAS et al., 2017).

Em 2016, foram aprovadas as Emendas Constitucionais (EC) 93 e 95, a primeira altera o Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias para prorrogar a desvinculação de receitas da

União e estabelecer a desvinculação de receitas dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Já

a segunda, altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo

Regime Fiscal (BRASIL, 2016).

Conforme apontado por Vieira e Benevides (2017), a desvinculação de receitas e o ajuste Fiscal

impactarão sobre o gasto com saúde, evidenciando que o congelamento reduz sua participação

como proporção do PIB, da RCL e em termos per capita. Para os autores as novas regras

implicam que quanto maior for a força da retomada do crescimento econômico, maiores serão

as perdas para o SUS. A regra da EC 95 corrige o limite mínimo apenas pela inflação,

desconsiderando a incorporação das taxas de crescimento da economia ao gasto com saúde, e

reduzindo, consequentemente, sua participação no PIB.

Na Figura 1 está demonstrado a trajetória política, legislações e estrutura administrativas

criadas relacionados da saúde do servidor público no Brasil, com inflexão nas Constituições de

1934 e 1988.

Figura 1. Linha do Tempo da Relações Trabalho-Saúde do Servidor Público

Fonte: Adaptado de MARTINS et al., 2017 e atualizado pela autora, 2017.

2.1 Relações trabalho-saúde: saúde ocupacional e saúde do trabalhador

Cavalcanti (2008), ao destacar as diferenças entre saúde ocupacional e saúde do trabalhador.

Explica que a doença constitui objeto de ação na primeira, cujo objetivo é preveni-la. Já na

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saúde do trabalhador o objeto central é a promoção da saúde, cujo caráter é técnico-político,

onde o trabalhador deixa o lugar de objeto e emerge como sujeito das ações de saúde numa

troca efetiva de conhecimentos entre sujeitos.

Lacaz (2013), enfatiza que a Saúde Ocupacional busca estrategicamente adequar o ambiente de

trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho. Assim a importância dos exames

admissionais e periódicos, para selecionar os mais salutares, excluindo aqueles que apresentem

algum “desvio” da normalidade. Já o campo da Saúde do Trabalhador se propõe

interdisciplinar, multiprofissional, aberto à participação dos trabalhadores inclusive do ponto

de vista metodológico.

No Brasil, se observa um processo de transição desses modelos que historicamente têm

orientado as práticas voltadas para as relações de saúde-trabalho. Ambos estão presentes e se

alternam em termos hegemônicos em função das relações de trabalho predominantes, do nível

de organização dos trabalhadores e das políticas institucionais (ANDRADE, 2009).

3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Este ensaio destina-se à luz da análise institucional nos termos da vertente utilizada por

Gregório Baremblitt (2002), propor uma reflexão sobre as relações entre os atores sociais

envolvidos na atenção à saúde do servidor público. A escolha da abordagem justifica-se, pois,

apresenta uma maneira inovadora de repensar a realidade social e métodos de intervenção nessa

realidade e suas principais aplicações práticas no cotidiano.

3.1. Conceitos básicos e ferramentas da Análise Institucional

Para compreensão dessa proposição cabe apresentar alguns conceitos e noções que norteiam a

proposta do Movimento Institucionalista, definido por Baremblitt (2002 p. 11) como:

Um conjunto heterogêneo, heterológico e polimorfo de orientações,

entre as quais é possível se encontrar pelo menos uma característica

comum: sua aspiração por deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos

auto analíticos e autogestivos dos coletivos sociais. (BAREMBLITT,

2002, p. 11)

A autoanálise e a autogestão representam os objetivos basilares da Análise Institucional.

Baremblitt (2002), aponta a autoanálise e autogestão como possibilidade do coletivo recuperar

o saber que ficou alienado sob as forças dominantes, recuperar seus reais desejos, suas

necessidades e de organizar-se para resolver seus problemas. A autoanálise implica a

compreensão pelas “comunidades como protagonistas de seus problemas, necessidades e

interesses” para “adquirir ou readquirir um pensamento e um vocabulário próprio que lhes

permita saber acerca de sua vida" (p.17). O processo de autoanálise deve acontecer de forma

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simultânea, concomitante e articulada com a autogestão que é o processo em que a “comunidade

se articula, se institucionaliza, se organiza para construir dispositivos necessários para produzir

ela mesma” (p. 17) melhorias para sua vida e possa “operar as forças destinadas a transformar

suas condições de existência e resolver seus problemas” (p. 19). Acontece que quando o

coletivo revitaliza e revaloriza seu saber espontâneo esse saber é “desqualificado pelo saber

acadêmico, que atua predominantemente a serviço de interesses estatais, nacionais e

multinacionais dominantes” (p.21).

No caso da saúde os problemas dos coletivos ficam submetidos às decisões dos experts, que

supõe que saiba e conheça sobre o assunto, a decisão prevalente será de acordo com os

interesses das classes e grupos dominantes (BAREMBLITT, 2002).

A análise institucional trabalha conceitos que tem importante significado para a compreensão

das questões do poder no interior dos coletivos que desejam passar de objetos a sujeitos das

relações nas quais estão inseridos e recuperar sua autonomia, seus saberes e conhecimentos.

Tais como instituição, organização, estabelecimento e equipamento, agente e práticas, instituído

e instituinte, organizado e organizante, função e funcionamento.

Baremblitt (2002), aponta que as "instituições são árvores de composição lógicas” (p.25) que

podem ser leis, hábitos ou regularidades de comportamento que regulam as atividades humanas.

Essa composição lógica valorativa e discriminativa, é que vai “esclarecendo o que deve ser, o

que está prescrito, e o que não deve ser” (p. 26). Exemplifica como instituições a educação, a

justiça, a administração da força, dentre outras. As instituições para cumprir a função de

regulação da vida humana se materializam em dispositivos concretos que são as organizações,

definidas como “formas materiais” que concretizam as opções que as instituições distribuem e

enunciam (p. 27).

Uma organização pode ser composta de vários tipos de estabelecimentos com características

diferentes. Os estabelecimentos normalmente abarcam dispositivos técnicos como, por

exemplo, maquinaria, instalações, arquivos, aparelhos diversos que recebe o nome de

equipamento. Os agentes, ou seja, as pessoas que operam e dão dinamismo à instituição,

organização, estabelecimento e equipamento. Nenhum deles se mobiliza ou opera senão por

meio dos agentes. Por sua vez, são “os agentes que protagonizam práticas que podem ser

verbais, não-verbais, discursivas ou não, práticas teóricas, práticas técnicas, práticas cotidianas

ou inespecíficas” (BAREMBLITT, 2002, p. 11).

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O autor assinala que existem duas vertentes que se contrapõe dialeticamente: o instituinte e o

instituído. O instituinte aparece como um processo e o instituído como um resultado. O

instituinte é sempre informado pelo instituído que o gera e que é regenerado por ele. Quanto

mais revolucionária for uma prática, mais elementos instituintes ela agrega. O autor recomenda

evitar uma interpretação do tipo maniqueísta, onde se coloca o instituinte como bom e o

instituído como ruim, ainda que seja fato que o instituído apresente uma disposição à

resistência, ou seja, “a não mudar, que quando se exacerba, se exagera, se conhece politicamente

pelo nome de conservadorismo, reacionarismo” (BAREMBLITT, 2002, p.30).

No nível organizacional, trabalha com as figuras do organizante e do organizado. A atividade

crítica, transformadora e otimizadora das organizações é representada pelo organizante,

enquanto o organizado tem uma tendência a cristalizar-se e a adotar uma série de vícios, entre

os quais o mais conhecido é a burocracia. Além disso, distinguiu função e funcionamento,

produção e reprodução, onde as instituições, organizações, estabelecimentos, agentes, práticas

desempenham uma função e:

as exprimem de tal maneira que as fazem parecer e se apresenta aos

olhos não atentos como "naturais", desejáveis e eternas e invariável ao

passo que o instituinte e o organizante são sempre inspirados pela utopia

[..] o funcionamento é sempre instituinte, é sempre transformador, é

justiceiro e tende à utopia (BAREMBLITT, 2002, p. 32).

Explica a divisão entre função e funcionamento, aperfeiçoamento e utopia da seguinte forma

“a função é predominantemente reacionária, conservadora”, está a serviço das três situações

viciosas que se apresentam como característica histórica “a exploração, a dominação e a

mistificação”. A exploração é representada pela expropriação da potência e do resultado

produtivo de uns por parte de outros; a dominação é a imposição da vontade de uns sobre os

outros e de desrespeito à vontade coletiva; e a mistificação uma administração arbitrária ou

deformada do que se considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas formas

de mentira, engano, ilusão, sonegação de informação etc. E aponta que isso “ não significa que

as utopias sejam sempre inocentes e acabem traídas, mas em geral elas são mesmo traídas”

(BAREMBLITT, 2002, p. 32.).

Os homens só entram nesses processos de dominação, exploração, mistificação em ou

processos revolucionários, por mais que estejam submetidos às leis econômicas e políticas, se

estes, de algum modo, coincidem com suas crenças, representações, expectativas, vontades,

desejos e convicções acerca da vida social. Entretanto, os desejos mais pujantes que conduzem

a comportamento ou a vida dos homens, “são inconscientes, isto é, não fazem parte de seu saber,

de seu querer deliberado” (BAREMBLITT, 2002, p.43.).

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Baremblitt (2002) entende que a vida social deve propiciar a todos os membros maior

felicidade, realização, saúde e criatividade e isso se torna:

possível quando ela é regulada por instituições e organizações e quando

nessas instituições e organizações a relação e a dialética existentes entre

o instituinte e o instituído, entre o organizante e o organizado se mantêm

permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas” (BAREMBLITT,

2002, p. 32).

São os instituintes-instituídos, organizantes-organizados que compõem a rede social e atuam

em conjunto. O entrelaçamento, a interpenetração que existe entre os instituintes e instituídos,

entre os organizantes e organizados acontece ao nível da função e ao nível do funcionamento;

ao nível da produção e ao nível da reprodução. A interpenetração ao nível da função, do

conservador, do reprodutivo, chama-se atravessamento e ao nível do instituinte, do produtivo,

do revolucionário, do criativo chama-se transversalidade. Para Baremblitt (2002) em geral o

Institucionalismo acredita em analisar o lugar do instituinte e entendê-lo, busca com as

estratégias de intervenção nos espaços de atuação propiciar as mudanças locais, ou seja, criar

campos de compreensão, de intervenção para que cada processo produtivo desejante,

revolucionário, seja capaz de gerar os sujeitos de que precisa, acolher que os novos homens se

fazem a cada momento, em cada circunstância.

4. DISCUSSÃO DA ANÁLISE INSTITUCIONAL DA ATENÇÃO À SAUDE DO SERVIDOR

No arcabouço teórico da análise institucional a instituição, seria a saúde. Conforme assinalado

por Merhy e Onocko (1997, p. 16) alguns cientistas tem trabalhado com a temática saúde com

uma abordagem marxista sobre o trabalho humano. Os autores utilizaram a ideia de

intercessores de Deleuze e Guattari , ou seja, “a interseção formada pelo produtor e pelo

consumidor, e como ela se apresenta distinta para os processos nos quais os produtos são

consumidos em movimentos separados dos da produção”.

A organização seria numa instância onde se encontram os agentes pertencentes aos órgãos que

elaboram os regimentos e diretrizes, no caso da Saúde, podemos elencar a Presidência da

República, que sanciona as legislações que regem o serviço público, o Ministério da Saúde e o

do Planejamento e Orçamento que estabelecem as diretrizes, os órgãos fiscalizadores com

Secretaria Geral da União e Tribunal de Contas da União, dentre outros, ou seja, todos os

agentes desses órgãos que são responsáveis pelo aparato legal a que está submetido o serviço

público.

Os estabelecimentos seriam todas as estruturas tradicionais existentes relacionados aos órgãos

que irão executar as atividades fins da saúde, tais como os hospitais. Neste caso específico, as

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suas unidades que cuidam a área de gestão de pessoas, que por consequência responde pela

saúde e bem-estar dos servidores daquele estabelecimento, nosso objeto de interesse nesse

ensaio.

Os equipamentos seriam os dispositivos técnicos, cuja finalidade consiste em facilitar a

consecução dos objetivos específicos ou genéricos propostos pela instituição e pela organização

(regras, regimento interno, normas, técnicas, procedimentos etc.) ou equipamentos de realidade

material (SIASS, instalações, maquinários etc.). Todos esses arranjos envolvidos pelo

dinamismo dos agentes (pessoas, servidores, equipe multiprofissional, etc.) e suas práticas e

seus saberes. Representados pelos responsáveis pelas atividades de segurança, higiene, saúde,

qualidade de vida e bem-estar dos servidores.

O campo de análise prioriza os agentes materializados na equipe que cuida da atenção à saúde

dos servidores. Ora esta equipe pode ser os instituídos que representa a lei, a ordem e o

conhecido quando no cumprimento de sua atividade profissional, na utilização de regras,

regulamentos e sistemas. Podem atuar de forma alienada e submissa, sem se preocupar com o

bem-estar do servidor atendido. Pode atuar cumprindo o estabelecido sem priorizar a dignidade

e a vida humana. Pode representar o instituído que nas inter-relações evidenciam as relações de

poder em sua ação. Quer seja pela hierarquia de saberes hegemonicamente constituída como,

por exemplo, a relação entre médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Quer seja

pela prática da atividade em relação ao usuário do sistema.

Entretanto, por outro lado a equipe de atenção à saúde pode agir como instituintes mostrando

seu lado transformador, criativo, revolucionário dando contribuições para que haja mudanças

na relação social e, por conseguinte, transformações. Como assinala Baremblitt (1996, pg. 32)

“é nas ações que toda essa parafernália que acaba por operar transformações na realidade”. É

por meio desse aparato que os institucionalistas conseguem compartilhar uma terminologia, que

permite sua comunicação e operacionalização de práticas inspiradas na autogestão e na

autoanálise.

A relação agente/práticas se estabelece quando as diretrizes elaboradas por um grupo de experts

institucionais, no caso, vinculados às organizações, produzem um discurso com possibilidades

de se pensar, no caso em questão, as relações trabalho-saúde/doença, discurso este que assume

duplo caráter: é estruturado e estruturante. Estruturado porque é um determinado grupo que o

formula, definindo um leque de respostas possíveis. Estruturante porque limita a eventualidade

de se discutir, por exemplo, a eficácia e os limites da saúde do trabalhador.

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Os profissionais da equipe multiprofissional da área de atenção à saúde do servidor púbico

podem ser considerados experts. São os que informam aos servidores quais são as suas

necessidades e que, em geral coincidem com os serviços que eles querem ou podem oferecer.

Assim, em dado momento de sua atuação profissional podem ser instituintes e em outros podem

ser instituídos.

A figura 1 delineia o entendimento da análise institucional sobre da saúde do servidor público,

como explicado acima.

Figura 3 – Análise Institucional da Atenção à Saúde do Servidor.

Fonte: Elaboração própria, adaptado de Bastos e Bifano, (2016).

Lacaz (2013), aponta que o processo transformador de investigação em Saúde do Trabalhador

se dá ao adotar instrumentos e contribuições da Saúde Coletiva, da Clínica, da Epidemiologia,

e da Sociologia, agregando ferramentas do planejamento, política, economia, visando à

prevenção e mantendo os determinantes da saúde sob o controle dos trabalhadores.

Merhy e Onocko (1997) enfatizar a relação produção/consumo em saúde consideram que tanto

os produtores como os consumidores são instituintes de necessidades e atuam como forças no

espaço intercessor produção/consumo, expondo distintamente suas intencionalidades, anseios,

necessidades, etc. Assim, satisfazer necessidades e realizar finalidades é uma discussão no

campo da subjetividade humana.

Ao pensar em atenção à saúde do servidor significa compreender que existem distintas

decorrências relacionadas os gestores, tanto em nível micro (governo local) quanto em nível

macro (governo central dos órgãos legisladores), que operam no sistema. Pensar em mudanças

na gestão do trabalho em saúde significa: enfrentar situações de alta complexidade, em termos

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qualitativos e ter a capacidade de problematizar cabeças e interesses, em um processo

institucional que atua sobre a permanente ação dos autogovernos dos trabalhadores; gerar

mudanças em processos cristalizados nos meios de produção e no processo já institucionalizado

do modo de trabalhar, conforme determinados saberes e interesses. Além disso, conforme

abordado por Baremplit (2002) a criatividade permanente do trabalhador em ação, pode ser

“explorada” para inventar novos processos de trabalho, e mesmo para abri-lo em outras direções

não pensadas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Análise Institucional, pode contribuir, por meio das práticas, para transformar a realidade,

visto que o institucionalismo possui uma estrutura teórica, instrumentos e ferramentas que

possibilitam contrapor considerações que tratam da reprodução da lógica de dominação pelos

dominados. Assim como, as ideias de exploração (expropriação da potência e do resultado

produtivo de uns por parte de outros), de dominação (imposição da vontade de uns sobre os

outros e desrespeito à vontade coletiva), de mistificação (administração arbitrária ou deformada

do que se considera saber e verdade histórica), de submissão, de alienação, de conformismo

consentido, dentre outras.

Ao explicitar a Análise Institucional da atenção à saúde do servidor, pode-se observar que trata

de um movimento dinâmico onde os agentes tenham possibilidades de reedição de suas práticas

institucionais. A atenção à saúde do servidor se materializa pela força de trabalho dos experts

(legisladores e equipe multidisciplinar) que buscam por meio da instituição, organização,

estabelecimento e equipamentos novas formas de se organizarem num processo instituinte ou

instituidor.

A gestão de ações voltada para a atenção da saúde do servidor ainda é um desafio a ser vencido,

no contexto da gestão da pública, seja em que instância for, tanto no âmbito local das unidades

de referência, quanto na esfera federal. Alguns obstáculos e aspectos podem ser observados e

devem ser considerados, dentre eles: a gestão se constitui como um espaço de relações de poder;

definição e compreensão sobre que tipo de atenção à saúde se deseja para o contexto do serviço

público; falta de espaços participativos para a comunidade (gestores e servidores); falta de

autonomia da equipe gestora na promoção à saúde; práticas autoritárias.

A gestão da atenção à saúde em nível local, nem sempre consegue usufruir de autonomia,

restringe-se a executar as deliberações vigentes de registros no sistema e no cadastro dos

servidores.

Page 12: Relações trabalho-saúde do servidor público: saúde ... · estabelecido na Lei 8080/1990, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). E para o serviço público estabeleceu a

I SEMINÁRIO NACIONAL: Família e Políticas Sociais no Brasil - UFV

Espera se que uma reflexão na tentativa de compreender melhor a dinâmica do trabalho em

atenção à saúde do servidor público, permita pensar sobre como é o cotidiano da saúde do

trabalhador, o que lhe é próprio, quem trabalha e como o faz, para que, por que, a quem e como

serve, dentre outros.

Os trabalhadores das áreas de atenção à saúde e os usuários dos serviços produzem-se

mutuamente, subjetividades, de modos de sentir, de representar e de vivenciar necessidades, na

busca de atenção à saúde. A equipe multiprofissional e multidisciplinar pode desencadear

objetivando desencadear um processo de autoanálise e de autogestão que possibilite sair do

patamar hoje instaurado no serviço público?

6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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