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I SEMINÁRIO NACIONAL: Família e Políticas Sociais no Brasil - UFV
I SEMINÁRIO NACIONAL: FAMÍLIA E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL
(GT 5 – FAMÍLIA, GERAÇÃO E TRABALHO)
Relações trabalho-saúde do servidor público: saúde ocupacional ou
saúde do trabalhador? Uma apreciação à luz da análise institucional
Áurea Maria Resende de Freitas1
Amélia Carla Sobrinho Bifano2
Resumo: Este artigo tem como objetivo, tomando como base a Análise Institucional de
Baremblitt (2002), abordar as relações trabalho-saúde no âmbito da gestão da saúde no
serviço público, especificamente propor algumas inferências que possam auxiliar profissionais
acadêmicos interessados no tema abordado, situar historicamente relação trabalho-saúde, no
Brasil e caracterizar suas implicações na vida cotidiana de uma unidade de serviço do
Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). A análise institucional possui
instrumentos que podem ampliar a autonomia tanto dos servidores, quanto dos profissionais
da área e melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Palavras-chave: Análise Institucional; Atenção à saúde do servidor; Políticas
Governamentais; Relação Trabalho-Saúde
Abstract: The purpose of this article is, based on the Institutional Analysis of Baremblitt (2002),
to address labor-health relationships in the context of health management in the public service,
specifically propose some inferences that may help academic professionals interested in this
topic, historically situate labor-health relationship in Brazil and characterize its implications
in the daily life of a service unit of the Integrated Subsystem of Health Care of the Public
Servant (SIASS). The institutional analysis has instruments that can increase the autonomy of
both public servant and professionals of the area, and improve the quality of the services
provided.
Keywords: Institutional Analysis; Health Care of the Public Servant; Government Policies;
Labor-Health Relationship
1. INTRODUÇÃO
A área gestão de pessoas, no serviço público, assume um papel cartorial de registros funcionais
e de atendimento às exigências legais dos órgãos auditores e reguladores. Embora haja esforço
para mudar essa situação percebe-se que essa área da gestão ainda não ocupa lugar estratégico
nas instituições. Dentre as atividades de gestão de pessoas no serviço público, encontra-se a
1 Doutoranda em Economia Doméstica. Mestre em Administração. Administradora. Servidora
Ténica-Administrativa da Universidade Federal de Viçosa. Brasil; [email protected]
2Doutora em Engenharia de Produção, Mestre em Engenharia de Produção. Economista
Doméstivo. Professora do Departamento de Economia Doméstica, Universidade Federal de
Viçosa. Brasil; [email protected]
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atenção à saúde do servidor que somente foi implementada efetivamente na última década
(FREITAS et al. 2017).
As políticas públicas que ensejam proteção da saúde dos trabalhadores consideram os
trabalhadores como agentes passivos e entendem a preservação da saúde como exigência
contratual e não como direito pleno da cidadania, transferindo aos setores técnicos hegemônicos
a decisão do que é melhor para a saúde do trabalhador, sem ouvi-los, cabendo ao empregador a
decisão do que fazer em relação aos riscos à saúde no trabalho, sem considerar o trabalhador
(OLIVIEIRA E VASCONCELOS, 2000).
Lacaz (2013), destaca em seus estudos que a abordagem das relações trabalho-saúde, passa por
um retrocesso, no que se refere à produção de conhecimento e à perda dos pressupostos
programáticos observados na proposta vigente do Ministério da Saúde. Além disso, aponta a
fragilidade do movimento sindical, um dos principais pilares de sustentação dessa abordagem.
No cenário atual da saúde no Brasil em especial a da nova atribuição para a área de gestão de
pessoas, em relação a atenção à saúde do servidor, o objetivo desse artigo, tomando como base
a Análise Institucional de Baremblitt (2002), é abordar as relações trabalho-saúde no âmbito da
gestão da saúde no serviço público, em uma unidade de serviço do Subsistema Integrado de
Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). Especificamente, pretende-se situar historicamente a
relação trabalho-saúde, no Brasil, estabelecer uma abreviada distinção entre saúde ocupacional,
saúde do trabalhador e propor algumas inferências que possam auxiliar profissionais
interessados no tema abordado.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES TRABALHO-SAÚDE DO
SERVIDOR PÚBLICO
Este item busca contextualizar, a relação trabalho-saúde no serviço público, no Brasil, onde os
movimentos e ações relacionados à regulação do trabalho e à saúde-trabalho, podem ser
verificados na legislação. Destaca-se para o serviço público, antes da promulgação da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) instituída em 1943, em 1938, a criação do
Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), com o propósito de profissionalizar
o setor público federal e criar uma carreira na administração pública; em 1939, a criação do
primeiro Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União; em 1940, a criação do Instituto de
Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE). Posteriormente, em 1952, foi
instituído o regime jurídico dos funcionários civis da União e dos Territórios por meio do
Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União.
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Nos anos 1970, institucionaliza-se nacionalmente a base da atuação do Estado, por meio do
setor de trabalho, mediante política adotada pelo regime militar que obriga a criação dos
Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, cujas medidas
visavam aumentar a produtividade. Assim, põe a saúde num caráter de razão instrumental para
a produção e permite às empresas a tutela da saúde dos trabalhadores com o discurso da técnica
articulando às relações de poder e o disciplinamento do trabalhador (LACAZ, 2013).
Até a Constituição Federal (CF) de 1988, os mecanismos de proteção à saúde do trabalhador
estavam limitados às normas reguladoras da CLT, pautados pelo conceito de saúde ocupacional,
com foco na preservação da força de trabalho, restrito às atividades de assistência e fiscalização.
As conquistas sociais alcançadas por meio da CF de 1988, universalizou o direito à saúde
estabelecido na Lei 8080/1990, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). E para o serviço
público estabeleceu a Lei 8112/91, que criou o Regime Jurídico Único (RJU). O RJU, trouxe
regulação restritas às licenças médicas e aposentadorias por invalidez, no qual as questões da
promoção e da manutenção da saúde do servidor não foram regulamentadas.
Em 2006, o Governo Federal, instituiu o Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor
Público Federal (SISOSP). Que em 2009, foi substituído pelo Subsistema Integrado de Atenção
à Saúde do Servidor Federal (SIASS), cujo objetivo é coordenar e integrar ações e programas
nas áreas de assistência à saúde, perícia oficial, acompanhamento, promoção e prevenção da
saúde dos servidores da administração pública (BRASIL, 2009).
Para Martins et al. (2017), o SIASS propunha avançar de uma concepção restrita à saúde
ocupacional para o conceito de Saúde do Trabalhador pressupondo interdisciplinaridade e
participação dos trabalhadores como sujeitos ativos e centrais no planejamento e
implementação das ações de transformação dos processos de trabalho.
Em 2013, a Secretaria de Gestão Pública (SEGEP) do MPOG institui diretrizes gerais de
promoção da saúde do servidor público federal, com orientações para os órgãos e entidades do
da Administração Federal a ser implantadas de forma descentralizada e transversal, por meio
das áreas de gestão de pessoas. As diretrizes apontam para priorizar a educação em saúde, a
prevenção dos riscos, agravos e danos à saúde do servidor, melhorar os ambientes, a
organização e o processo de trabalho, de modo a ampliar a conscientização, a responsabilidade
e a autonomia dos servidores para a construção de uma cultura de valorização da saúde por
meio de hábitos saudáveis de vida e de trabalho (BRASIL, 2013).
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Para tanto, as áreas de gestão de pessoas, deveriam atuar estrategicamente em nível de formação
de agenda, de planejamento, de formulação, de implementação e de avaliação das ações com
vistas a acolher às respectivas peculiaridades organizacionais e a consecução das ações
(FREITAS et al., 2017).
Em 2016, foram aprovadas as Emendas Constitucionais (EC) 93 e 95, a primeira altera o Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias para prorrogar a desvinculação de receitas da
União e estabelecer a desvinculação de receitas dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Já
a segunda, altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo
Regime Fiscal (BRASIL, 2016).
Conforme apontado por Vieira e Benevides (2017), a desvinculação de receitas e o ajuste Fiscal
impactarão sobre o gasto com saúde, evidenciando que o congelamento reduz sua participação
como proporção do PIB, da RCL e em termos per capita. Para os autores as novas regras
implicam que quanto maior for a força da retomada do crescimento econômico, maiores serão
as perdas para o SUS. A regra da EC 95 corrige o limite mínimo apenas pela inflação,
desconsiderando a incorporação das taxas de crescimento da economia ao gasto com saúde, e
reduzindo, consequentemente, sua participação no PIB.
Na Figura 1 está demonstrado a trajetória política, legislações e estrutura administrativas
criadas relacionados da saúde do servidor público no Brasil, com inflexão nas Constituições de
1934 e 1988.
Figura 1. Linha do Tempo da Relações Trabalho-Saúde do Servidor Público
Fonte: Adaptado de MARTINS et al., 2017 e atualizado pela autora, 2017.
2.1 Relações trabalho-saúde: saúde ocupacional e saúde do trabalhador
Cavalcanti (2008), ao destacar as diferenças entre saúde ocupacional e saúde do trabalhador.
Explica que a doença constitui objeto de ação na primeira, cujo objetivo é preveni-la. Já na
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saúde do trabalhador o objeto central é a promoção da saúde, cujo caráter é técnico-político,
onde o trabalhador deixa o lugar de objeto e emerge como sujeito das ações de saúde numa
troca efetiva de conhecimentos entre sujeitos.
Lacaz (2013), enfatiza que a Saúde Ocupacional busca estrategicamente adequar o ambiente de
trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho. Assim a importância dos exames
admissionais e periódicos, para selecionar os mais salutares, excluindo aqueles que apresentem
algum “desvio” da normalidade. Já o campo da Saúde do Trabalhador se propõe
interdisciplinar, multiprofissional, aberto à participação dos trabalhadores inclusive do ponto
de vista metodológico.
No Brasil, se observa um processo de transição desses modelos que historicamente têm
orientado as práticas voltadas para as relações de saúde-trabalho. Ambos estão presentes e se
alternam em termos hegemônicos em função das relações de trabalho predominantes, do nível
de organização dos trabalhadores e das políticas institucionais (ANDRADE, 2009).
3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Este ensaio destina-se à luz da análise institucional nos termos da vertente utilizada por
Gregório Baremblitt (2002), propor uma reflexão sobre as relações entre os atores sociais
envolvidos na atenção à saúde do servidor público. A escolha da abordagem justifica-se, pois,
apresenta uma maneira inovadora de repensar a realidade social e métodos de intervenção nessa
realidade e suas principais aplicações práticas no cotidiano.
3.1. Conceitos básicos e ferramentas da Análise Institucional
Para compreensão dessa proposição cabe apresentar alguns conceitos e noções que norteiam a
proposta do Movimento Institucionalista, definido por Baremblitt (2002 p. 11) como:
Um conjunto heterogêneo, heterológico e polimorfo de orientações,
entre as quais é possível se encontrar pelo menos uma característica
comum: sua aspiração por deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos
auto analíticos e autogestivos dos coletivos sociais. (BAREMBLITT,
2002, p. 11)
A autoanálise e a autogestão representam os objetivos basilares da Análise Institucional.
Baremblitt (2002), aponta a autoanálise e autogestão como possibilidade do coletivo recuperar
o saber que ficou alienado sob as forças dominantes, recuperar seus reais desejos, suas
necessidades e de organizar-se para resolver seus problemas. A autoanálise implica a
compreensão pelas “comunidades como protagonistas de seus problemas, necessidades e
interesses” para “adquirir ou readquirir um pensamento e um vocabulário próprio que lhes
permita saber acerca de sua vida" (p.17). O processo de autoanálise deve acontecer de forma
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simultânea, concomitante e articulada com a autogestão que é o processo em que a “comunidade
se articula, se institucionaliza, se organiza para construir dispositivos necessários para produzir
ela mesma” (p. 17) melhorias para sua vida e possa “operar as forças destinadas a transformar
suas condições de existência e resolver seus problemas” (p. 19). Acontece que quando o
coletivo revitaliza e revaloriza seu saber espontâneo esse saber é “desqualificado pelo saber
acadêmico, que atua predominantemente a serviço de interesses estatais, nacionais e
multinacionais dominantes” (p.21).
No caso da saúde os problemas dos coletivos ficam submetidos às decisões dos experts, que
supõe que saiba e conheça sobre o assunto, a decisão prevalente será de acordo com os
interesses das classes e grupos dominantes (BAREMBLITT, 2002).
A análise institucional trabalha conceitos que tem importante significado para a compreensão
das questões do poder no interior dos coletivos que desejam passar de objetos a sujeitos das
relações nas quais estão inseridos e recuperar sua autonomia, seus saberes e conhecimentos.
Tais como instituição, organização, estabelecimento e equipamento, agente e práticas, instituído
e instituinte, organizado e organizante, função e funcionamento.
Baremblitt (2002), aponta que as "instituições são árvores de composição lógicas” (p.25) que
podem ser leis, hábitos ou regularidades de comportamento que regulam as atividades humanas.
Essa composição lógica valorativa e discriminativa, é que vai “esclarecendo o que deve ser, o
que está prescrito, e o que não deve ser” (p. 26). Exemplifica como instituições a educação, a
justiça, a administração da força, dentre outras. As instituições para cumprir a função de
regulação da vida humana se materializam em dispositivos concretos que são as organizações,
definidas como “formas materiais” que concretizam as opções que as instituições distribuem e
enunciam (p. 27).
Uma organização pode ser composta de vários tipos de estabelecimentos com características
diferentes. Os estabelecimentos normalmente abarcam dispositivos técnicos como, por
exemplo, maquinaria, instalações, arquivos, aparelhos diversos que recebe o nome de
equipamento. Os agentes, ou seja, as pessoas que operam e dão dinamismo à instituição,
organização, estabelecimento e equipamento. Nenhum deles se mobiliza ou opera senão por
meio dos agentes. Por sua vez, são “os agentes que protagonizam práticas que podem ser
verbais, não-verbais, discursivas ou não, práticas teóricas, práticas técnicas, práticas cotidianas
ou inespecíficas” (BAREMBLITT, 2002, p. 11).
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O autor assinala que existem duas vertentes que se contrapõe dialeticamente: o instituinte e o
instituído. O instituinte aparece como um processo e o instituído como um resultado. O
instituinte é sempre informado pelo instituído que o gera e que é regenerado por ele. Quanto
mais revolucionária for uma prática, mais elementos instituintes ela agrega. O autor recomenda
evitar uma interpretação do tipo maniqueísta, onde se coloca o instituinte como bom e o
instituído como ruim, ainda que seja fato que o instituído apresente uma disposição à
resistência, ou seja, “a não mudar, que quando se exacerba, se exagera, se conhece politicamente
pelo nome de conservadorismo, reacionarismo” (BAREMBLITT, 2002, p.30).
No nível organizacional, trabalha com as figuras do organizante e do organizado. A atividade
crítica, transformadora e otimizadora das organizações é representada pelo organizante,
enquanto o organizado tem uma tendência a cristalizar-se e a adotar uma série de vícios, entre
os quais o mais conhecido é a burocracia. Além disso, distinguiu função e funcionamento,
produção e reprodução, onde as instituições, organizações, estabelecimentos, agentes, práticas
desempenham uma função e:
as exprimem de tal maneira que as fazem parecer e se apresenta aos
olhos não atentos como "naturais", desejáveis e eternas e invariável ao
passo que o instituinte e o organizante são sempre inspirados pela utopia
[..] o funcionamento é sempre instituinte, é sempre transformador, é
justiceiro e tende à utopia (BAREMBLITT, 2002, p. 32).
Explica a divisão entre função e funcionamento, aperfeiçoamento e utopia da seguinte forma
“a função é predominantemente reacionária, conservadora”, está a serviço das três situações
viciosas que se apresentam como característica histórica “a exploração, a dominação e a
mistificação”. A exploração é representada pela expropriação da potência e do resultado
produtivo de uns por parte de outros; a dominação é a imposição da vontade de uns sobre os
outros e de desrespeito à vontade coletiva; e a mistificação uma administração arbitrária ou
deformada do que se considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas formas
de mentira, engano, ilusão, sonegação de informação etc. E aponta que isso “ não significa que
as utopias sejam sempre inocentes e acabem traídas, mas em geral elas são mesmo traídas”
(BAREMBLITT, 2002, p. 32.).
Os homens só entram nesses processos de dominação, exploração, mistificação em ou
processos revolucionários, por mais que estejam submetidos às leis econômicas e políticas, se
estes, de algum modo, coincidem com suas crenças, representações, expectativas, vontades,
desejos e convicções acerca da vida social. Entretanto, os desejos mais pujantes que conduzem
a comportamento ou a vida dos homens, “são inconscientes, isto é, não fazem parte de seu saber,
de seu querer deliberado” (BAREMBLITT, 2002, p.43.).
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Baremblitt (2002) entende que a vida social deve propiciar a todos os membros maior
felicidade, realização, saúde e criatividade e isso se torna:
possível quando ela é regulada por instituições e organizações e quando
nessas instituições e organizações a relação e a dialética existentes entre
o instituinte e o instituído, entre o organizante e o organizado se mantêm
permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas” (BAREMBLITT,
2002, p. 32).
São os instituintes-instituídos, organizantes-organizados que compõem a rede social e atuam
em conjunto. O entrelaçamento, a interpenetração que existe entre os instituintes e instituídos,
entre os organizantes e organizados acontece ao nível da função e ao nível do funcionamento;
ao nível da produção e ao nível da reprodução. A interpenetração ao nível da função, do
conservador, do reprodutivo, chama-se atravessamento e ao nível do instituinte, do produtivo,
do revolucionário, do criativo chama-se transversalidade. Para Baremblitt (2002) em geral o
Institucionalismo acredita em analisar o lugar do instituinte e entendê-lo, busca com as
estratégias de intervenção nos espaços de atuação propiciar as mudanças locais, ou seja, criar
campos de compreensão, de intervenção para que cada processo produtivo desejante,
revolucionário, seja capaz de gerar os sujeitos de que precisa, acolher que os novos homens se
fazem a cada momento, em cada circunstância.
4. DISCUSSÃO DA ANÁLISE INSTITUCIONAL DA ATENÇÃO À SAUDE DO SERVIDOR
No arcabouço teórico da análise institucional a instituição, seria a saúde. Conforme assinalado
por Merhy e Onocko (1997, p. 16) alguns cientistas tem trabalhado com a temática saúde com
uma abordagem marxista sobre o trabalho humano. Os autores utilizaram a ideia de
intercessores de Deleuze e Guattari , ou seja, “a interseção formada pelo produtor e pelo
consumidor, e como ela se apresenta distinta para os processos nos quais os produtos são
consumidos em movimentos separados dos da produção”.
A organização seria numa instância onde se encontram os agentes pertencentes aos órgãos que
elaboram os regimentos e diretrizes, no caso da Saúde, podemos elencar a Presidência da
República, que sanciona as legislações que regem o serviço público, o Ministério da Saúde e o
do Planejamento e Orçamento que estabelecem as diretrizes, os órgãos fiscalizadores com
Secretaria Geral da União e Tribunal de Contas da União, dentre outros, ou seja, todos os
agentes desses órgãos que são responsáveis pelo aparato legal a que está submetido o serviço
público.
Os estabelecimentos seriam todas as estruturas tradicionais existentes relacionados aos órgãos
que irão executar as atividades fins da saúde, tais como os hospitais. Neste caso específico, as
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suas unidades que cuidam a área de gestão de pessoas, que por consequência responde pela
saúde e bem-estar dos servidores daquele estabelecimento, nosso objeto de interesse nesse
ensaio.
Os equipamentos seriam os dispositivos técnicos, cuja finalidade consiste em facilitar a
consecução dos objetivos específicos ou genéricos propostos pela instituição e pela organização
(regras, regimento interno, normas, técnicas, procedimentos etc.) ou equipamentos de realidade
material (SIASS, instalações, maquinários etc.). Todos esses arranjos envolvidos pelo
dinamismo dos agentes (pessoas, servidores, equipe multiprofissional, etc.) e suas práticas e
seus saberes. Representados pelos responsáveis pelas atividades de segurança, higiene, saúde,
qualidade de vida e bem-estar dos servidores.
O campo de análise prioriza os agentes materializados na equipe que cuida da atenção à saúde
dos servidores. Ora esta equipe pode ser os instituídos que representa a lei, a ordem e o
conhecido quando no cumprimento de sua atividade profissional, na utilização de regras,
regulamentos e sistemas. Podem atuar de forma alienada e submissa, sem se preocupar com o
bem-estar do servidor atendido. Pode atuar cumprindo o estabelecido sem priorizar a dignidade
e a vida humana. Pode representar o instituído que nas inter-relações evidenciam as relações de
poder em sua ação. Quer seja pela hierarquia de saberes hegemonicamente constituída como,
por exemplo, a relação entre médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Quer seja
pela prática da atividade em relação ao usuário do sistema.
Entretanto, por outro lado a equipe de atenção à saúde pode agir como instituintes mostrando
seu lado transformador, criativo, revolucionário dando contribuições para que haja mudanças
na relação social e, por conseguinte, transformações. Como assinala Baremblitt (1996, pg. 32)
“é nas ações que toda essa parafernália que acaba por operar transformações na realidade”. É
por meio desse aparato que os institucionalistas conseguem compartilhar uma terminologia, que
permite sua comunicação e operacionalização de práticas inspiradas na autogestão e na
autoanálise.
A relação agente/práticas se estabelece quando as diretrizes elaboradas por um grupo de experts
institucionais, no caso, vinculados às organizações, produzem um discurso com possibilidades
de se pensar, no caso em questão, as relações trabalho-saúde/doença, discurso este que assume
duplo caráter: é estruturado e estruturante. Estruturado porque é um determinado grupo que o
formula, definindo um leque de respostas possíveis. Estruturante porque limita a eventualidade
de se discutir, por exemplo, a eficácia e os limites da saúde do trabalhador.
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Os profissionais da equipe multiprofissional da área de atenção à saúde do servidor púbico
podem ser considerados experts. São os que informam aos servidores quais são as suas
necessidades e que, em geral coincidem com os serviços que eles querem ou podem oferecer.
Assim, em dado momento de sua atuação profissional podem ser instituintes e em outros podem
ser instituídos.
A figura 1 delineia o entendimento da análise institucional sobre da saúde do servidor público,
como explicado acima.
Figura 3 – Análise Institucional da Atenção à Saúde do Servidor.
Fonte: Elaboração própria, adaptado de Bastos e Bifano, (2016).
Lacaz (2013), aponta que o processo transformador de investigação em Saúde do Trabalhador
se dá ao adotar instrumentos e contribuições da Saúde Coletiva, da Clínica, da Epidemiologia,
e da Sociologia, agregando ferramentas do planejamento, política, economia, visando à
prevenção e mantendo os determinantes da saúde sob o controle dos trabalhadores.
Merhy e Onocko (1997) enfatizar a relação produção/consumo em saúde consideram que tanto
os produtores como os consumidores são instituintes de necessidades e atuam como forças no
espaço intercessor produção/consumo, expondo distintamente suas intencionalidades, anseios,
necessidades, etc. Assim, satisfazer necessidades e realizar finalidades é uma discussão no
campo da subjetividade humana.
Ao pensar em atenção à saúde do servidor significa compreender que existem distintas
decorrências relacionadas os gestores, tanto em nível micro (governo local) quanto em nível
macro (governo central dos órgãos legisladores), que operam no sistema. Pensar em mudanças
na gestão do trabalho em saúde significa: enfrentar situações de alta complexidade, em termos
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qualitativos e ter a capacidade de problematizar cabeças e interesses, em um processo
institucional que atua sobre a permanente ação dos autogovernos dos trabalhadores; gerar
mudanças em processos cristalizados nos meios de produção e no processo já institucionalizado
do modo de trabalhar, conforme determinados saberes e interesses. Além disso, conforme
abordado por Baremplit (2002) a criatividade permanente do trabalhador em ação, pode ser
“explorada” para inventar novos processos de trabalho, e mesmo para abri-lo em outras direções
não pensadas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Análise Institucional, pode contribuir, por meio das práticas, para transformar a realidade,
visto que o institucionalismo possui uma estrutura teórica, instrumentos e ferramentas que
possibilitam contrapor considerações que tratam da reprodução da lógica de dominação pelos
dominados. Assim como, as ideias de exploração (expropriação da potência e do resultado
produtivo de uns por parte de outros), de dominação (imposição da vontade de uns sobre os
outros e desrespeito à vontade coletiva), de mistificação (administração arbitrária ou deformada
do que se considera saber e verdade histórica), de submissão, de alienação, de conformismo
consentido, dentre outras.
Ao explicitar a Análise Institucional da atenção à saúde do servidor, pode-se observar que trata
de um movimento dinâmico onde os agentes tenham possibilidades de reedição de suas práticas
institucionais. A atenção à saúde do servidor se materializa pela força de trabalho dos experts
(legisladores e equipe multidisciplinar) que buscam por meio da instituição, organização,
estabelecimento e equipamentos novas formas de se organizarem num processo instituinte ou
instituidor.
A gestão de ações voltada para a atenção da saúde do servidor ainda é um desafio a ser vencido,
no contexto da gestão da pública, seja em que instância for, tanto no âmbito local das unidades
de referência, quanto na esfera federal. Alguns obstáculos e aspectos podem ser observados e
devem ser considerados, dentre eles: a gestão se constitui como um espaço de relações de poder;
definição e compreensão sobre que tipo de atenção à saúde se deseja para o contexto do serviço
público; falta de espaços participativos para a comunidade (gestores e servidores); falta de
autonomia da equipe gestora na promoção à saúde; práticas autoritárias.
A gestão da atenção à saúde em nível local, nem sempre consegue usufruir de autonomia,
restringe-se a executar as deliberações vigentes de registros no sistema e no cadastro dos
servidores.
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Espera se que uma reflexão na tentativa de compreender melhor a dinâmica do trabalho em
atenção à saúde do servidor público, permita pensar sobre como é o cotidiano da saúde do
trabalhador, o que lhe é próprio, quem trabalha e como o faz, para que, por que, a quem e como
serve, dentre outros.
Os trabalhadores das áreas de atenção à saúde e os usuários dos serviços produzem-se
mutuamente, subjetividades, de modos de sentir, de representar e de vivenciar necessidades, na
busca de atenção à saúde. A equipe multiprofissional e multidisciplinar pode desencadear
objetivando desencadear um processo de autoanálise e de autogestão que possibilite sair do
patamar hoje instaurado no serviço público?
6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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