Rei Rato

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Algo se mexe na escuridão de Londres, marcando seu território com terra e sangue. Algo assassinou o pai de Saul Garamond e o deixou pagar pelo crime. Mas uma sombra dos despojos urbanos invade a cela de Saul e lhe dá a liberdade. Uma sombra chamada Rei Rato. Liberdade e um novo destino: o Rei Rato revela a ascendência real de Saul, uma herança que lhe abre um novo mundo, o mundo debaixo das ruas de Londres. Uma herança que também aprisiona Saul no plano de vingança do Rei Rato contra o seu mais antigo inimigo, que anda pelo mundo mais uma vez e quer terminar o que começou longos séculos atrás. Com o drum ‘n’ bass chacoalhando os becos, Saul deve confrontar as forças que querem usá-lo, as forças que poderiam destruí-lo e as forças que moldaram sua própria identidade bizarra.

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NÃO PUBLICAÇÃO (CIF)

Rei Rato / China Miéville. -- São Paulo : Tarja Editorial, 2011. ISBN 978-85-61541-29-3 1. Romance: Literatura estrangeira - I.Miéville, China. - II.Tradução: Mandarino, Alexandre. III. New Weird Fiction CDD-810

ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:1. Romance : Literatura estrangeiraCatalogar em: New Weird Fiction

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EDITORES:

TRADUÇÃO:REVISÃO:

PROJETO GRÁFICO:ILUSTRAÇÃO CAPA:

ILUSTRAÇÃO MIOLO:DIAGRAMAÇÃO CAPA:

DIAGRAMAÇÃO MIOLO:

TARJA EDITORIAL LTDA.Rua Silvio Rodini, 399 - cj. 34Parada Inglesa - São PauloCEP 02241-000 / [email protected]: @tarjaeditorialwww.tarjaeditorial.com.brwww.tarjalivros.com.br

Copyright © 2011 Tarja Editorial

Todos os direitos desta edição reser-vados à Tarja Editorial. Nenhuma par-te deste livro poderá ser reproduzida,de forma alguma, sem a permissãoformal, por escrito da editora e doautor, exceto para citações incorpora-das em artigos de crítica ou resenhas.

1ª edição em abril de 2011Impresso no Brasil

Gianpaolo CelliRichard DieguesAlexandre MandarinoCamila FernandesRichard DieguesPhil & IcoRichard DieguesVerena PeresRichard Diegues

Todas as citações e nomes incidentes neste livro são fruto do inconsciente de seu autor. As citações não são intencionaise servem apenas para embasar as histórias e dar mais prazer ao leitor, não chegando nem mesmo perto da idéia deofender os vivos ou mortos. Mas ainda assim, caso sinta-se ofendido com algo nestas páginas, basta fechar a obra.Todavia, se resolver insistir, compreenda que o mundo não gira ao seu redor e coincidências ocorrem. Todas as opiniõesexpressas nessa obra pertencem ao seu autor, mas os editores concordaram em publicá-las, portanto, partilhar delas.Os animais que porventura foram feridos, molestados e traumatizados durante a produção da obra (exceto as aranhas eratos que tenham sido efetivamente esmagados) receberam tratamento e passam bem, incluindo os pássaros exauridos. Acola usada na lombada pode conter glúten. Sim, exercício provoca enfarto e TV causa retardamento mental. Vá ler!

Todas as notas de rodapéreferenciadas ao longo dotexto foram escr itas porAlexandre Mandarino duranteo processo de tradução da obra.

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É 1995 e uma amiga recém-chegada da Inglaterrame convence a comprar um CD chamado Jungle Renegades,coletânea de música eletrônica com o então recém-surgidogênero britânico que depois viria a ser conhecido comodrum and bass. Nunca havia escutado nada semelhante: bai-xos que cortavam o estômago como navalha, baterias irre-mediavelmente quebradas. Considerado o primeiro gêneroda música pop criado na Inglaterra (e não apenas recriado),o jungle era estranha e ciberneticamente negro. É 1982 efecho as páginas de Histórias Extraordinárias, de Edgar AllanPoe. Meu cérebro de doze anos de idade tenta fazer senti-do dos delírios de Roderick Usher e das inúmeras maravi-lhas e aberrações daqueles contos. Poe foi meu primeirocontato com a literatura fantástica. Durante anos estes as-pectos da minha experiência estética correram em separa-do. Mas é 1998 e China Miéville mescla a música eletrônicaunderground e a fantasia em seu romance de estreia, Rei Rato.

O livro que você tem em mãos guarda diversos as-pectos importantes para com a literatura especulativa. Éa primeira publicação de um dos autores mais celebradosdeste início de século XXI. Sucesso de vendas e de críti-ca, China Miéville é um dos responsáveis por injetarcriatividade, subversão e elementos literários em umsubgênero que havia perdido muito terreno para territó-rios vizinhos, como o da literatura cyberpunk dos anos 80.

Apresentação

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Se autores como William Gibson, John Shirley e NealStephenson fizeram um necessário upgrade na ficção cientí-fica, Miéville e figuras como Jeff VanderMeer (que teveseu A Situação também publicado pela Tarja Editorial) eKelly Link têm injetado na fantasia elementos de horror,policial e mistério, gerando uma nova estética chamada poralguns de new weird.

O termo deve sua existência em parte à revista WeirdTales, veterano veículo de contos pulp, e também a uma de-claração do próprio Miéville, que disse que escrevia sobretais temas porque simplesmente gostava de “weird shit”. Éexatamente essa mixagem entre o pop subterrâneo urbano ea estilística literária de nomes como Jorge Luís Borges quecaracteriza o new weird. Uma festa onde Raymond Chandlere Lovecraft conversam com Bioy Casares e M. John Harrison.

Em Rei Rato, Miéville já mostra os elementos quedois anos depois viriam a consagrá-lo com Perdido StreetStation, sua obra-prima (publicada em 2000). Estão nestelivro o ambiente urbano ao mesmo tempo familiar e estra-nho, espaços que normalmente só vemos das janelas dostrens e ônibus e que aqui são esfregados em nossos nari-zes. Uma fantasia (sub)urbana da melhor estirpe, Rei Ratotem uma narrativa permeada pelo ritmo do jungle: frasesquebradas, pontuação em loop, uso de pontos, uma vírgula!

Essa tentativa de aplicar ao papel o ritmo dosbreakbeats torna a tarefa de traduzir King Rat ao mesmo tem-po fascinante e árdua. A língua inglesa é pontual por exce-lência, presta-se ao papel de marcar a batida de cada break,de cada linha de baixo. A língua portuguesa é excelente

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para descrever; descrições são sempre mais longas do querepresentações diretas. O ritmo da narrativa de Miéville étão marcado que se locomove como um bom álbum demúsica eletrônica, assume a forma de uma constanteonomatopéia pop.

Além do ritmo quebrado e rápido, Rei Rato – o livroe o personagem – se caracteriza pelo uso radical do cockney,dialeto das ruas de Londres utilizado pelas classes traba-lhadoras do East End, com gírias e jargões rimados quemuitas vezes chegam a remontar a centenas de anos. Umaespécie de Charles Dickens freestyle, o cockney é quase im-possível de ser vertido sem perdas e danos para o portugu-ês. O uso constante de citações à música pop alternativa e adialetos como o cockney e o inglês jamaicano dos rastas eMCs me fez optar por escrever notas explicativas, coloca-das ao final de cada capítulo para que não atrapalhassem o– magistral – fluxo de palavras de Miéville.

O negócio do China é ao mesmo tempo maravilhare assombrar, provocar ansiedade e asco, vontade de se apro-ximar para ver melhor e de sair correndo. Neste Rei Ratosão perceptíveis influências de autores como M. JohnHarrison, Michael Moorcock, Dashiell Hammett, CliveBarker, Alan Moore e Frank Miller, em um compêndioestilístico do que de melhor o pop literário produziu nasúltimas décadas. Quem pensa que o new weird é apenas umarecauchutagem de velhos elementos fantásticos se engana.Olhando para baixo, para os esgotos, subterrâneos, becose pátios ferroviários de Londres, China mira no alto, nasambições literárias de maior escopo. E acerta em cheio.

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Repleto de personagens e cenários fascinantes, ReiRato oferece diversas leituras. É uma história de príncipeperdido que nos apresenta o tipo de reinos fantásticos quenossos avós evitavam nos mostrar. Sem nenhuma pontade moralidade maniqueísta, Miéville nos faz visitar um sen-sacional habitat de celas de prisão, túneis, telhados e galpõescom luzes estroboscópicas e som em loops. Poucos livroscapturaram tão bem o espírito do final dos anos 90 e saí-ram ilesos para continuar contando a história de forma atual.

Com a publicação de Rei Rato e de A Situação, deJeff VanderMeer, a Tarja preenche uma lacuna editorial efaz a ponte entre a fantasia tradicional e os experimentoscontemporâneos mais interessantes. A fantasia urbanaatual tem apreço por reutilizar contos de fadas tradicio-nais e Miéville subverte isso de maneira brilhante. Partin-do de elementos de contos de fadas, demonstra audácia etalento raramente vistos em autores estreantes. Dono deuma prosa cinética e ágil, mas nunca rasa, Miéville povoasua Londres com tipos fascinantes, sedutores e irritantes,muitas vezes ao mesmo tempo. As tendências socialistasde Miéville (que é filiado ao Socialist Workers Party britâ-nico) surgem aqui e ali, nunca de forma panfletária, mascomo pano de fundo psicológico e sociológico para al-guns de seus personagens.

Abaixe-se bem devagar, levante a tampa de metal dobueiro e sinta o bafo quente roçar seu rosto.

Alexandre Mandarinoescritor e tradutor

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Obrigado a todos que leram isto em suas etapas iniciais. Todomeu amor e gratidão vão para minha mãe, Claudia, por todoo seu apoio, sempre; e para minha irmã, Jemima, por seusconselhos e opiniões. Amor profundo e agradecimentos paraEmma, é claro, por tudo. Meus sinceros agradecimentos aMax Schaefer, que me proporcionou críticas inestimáveis,horas de ajuda com o processador de texto e grande amizadedurante um ano, em sua maior parte, terrível. Não tenho comoagradecer o bastante a Mic Cheetham. Sou incrivelmentesortudo por tê-la ao meu lado. Há muitos escritores e artistasque devo mencionar, mas devo respeito principalmente a TwoFingers e James The. Kirk por seu romance Junglist1. Elesabriram uma trilha. Muito obrigado também a Iain Sinclairpor generosamente ter me deixado manter a metáfora queroubei dele acidentalmente. Jake Pilikian me apresentou odrum and bass2 e mudou minha vida. Grande alô para todosDJs e crews3 que forneceram trilhas sonoras. Admiração e gra-tidão especiais para A Guy Called Gerald4 pela sublime Gloc:agora já velha, mas ainda o mais aterrador bloco de guerrilhabass já cometido em vinil. Rewind 5. A London Sometin' 6…

1O criador de jungle music ou drum and bass.2Estilo músical criado na Inglaterra no início dos anos 90, consistindo de batidas que-bradas e baixos sintetizados graves. Originalmente chamado jungle.3Equipes de som ou grupos de grafiteiros.4Músico inglês de jungle, ex-membro do grupo de techno 808 State.5Ato de reproduzir em rotação contrária uma fita ou disco de vinil. É tambémjargão recorrente nos vocais dos MCs de jungle.6Documentário/manifesto sobre a cena jungle londrina de 94. Escrito sem o “h” desomething replicando o sotaque dos MCs.

Agradecimentos

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Posso me espremer entre os prédios através deespaços que você sequer consegue ver. Posso seguirvocê tão de perto que minha respiração provoca arre-pios na sua nuca e você nem vai me ouvir. Posso escu-tar os músculos em seus olhos se contraindo quandosuas pupilas se dilatam. Posso me alimentar da suaimundície e viver na sua casa e dormir debaixo da suacama e você só ficará sabendo se assim eu quiser.

Eu subo acima das ruas. Todas as dimensõesda cidade estão abertas para mim. Suas paredes sãominhas paredes e meu teto e meu chão.

O vento chicoteia meu sobretudo e o som écomo o de roupa secando no varal. Mil arranhões tin-gem meus braços de eletricidade enquanto escalotelhados e ando entre densos bosques de chaminés.Tenho coisas a tratar esta noite.

Derramo-me como mercúrio pela beirada deum edifício e deslizo pelas calhas até o beco quinzemetros abaixo. Escorrego silenciosamente por mon-tes de lixo sob a luz sépia dos postes e quebro o lacredos esgotos, arrancando o tampo de metal do asfaltosem um ruído.

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Agora estou na escuridão, mas ainda posso ver.Posso ouvir o rugir da água através dos túneis. Es-tou até a cintura em sua merda, posso senti-la repu-xando, posso cheirá-la. Conheço muito bem estescaminhos.

Estou indo para o norte, submerso na corren-te; patinhando, me agarrando às paredes e tetos.Coisas vivas silvam e saltam para sair do meu cami-nho. Teço meu caminho pelos corredores úmidos semhesitar. A chuva tem sido irregular e incerta, mas todaa água de Londres parece ansiosa para chegar ao seudestino esta noite. Os rios de tijolos do subterrâneoestão inchados. Eu mergulho sob a superfície e nadono escuro nauseante até que chega o momento deemergir e surgir das profundezas, pingando. Semruído, retorno às ruas.

Elevando-se sobre mim estão os tijolos verme-lhos do meu destino. Uma grande massa escura in-terrompida por quadrados de uma luz irrelevante. Umbrilho fraco na sombra dos beirais chama a minhaatenção. Equilibro-me na esquina do edifício parafacilitar a minha subida. Mais lento agora. O som datelevisão e o cheiro de comida escoam pela janela; amesma janela da qual me aproximo agora, que ago-ra estou arranhando com minhas longas unhas, ras-pando; um som como o de um pombo ou um galho,um som intrigante, uma isca.

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OS TRENS QUE ENTRAM EM LONDRES chegam como navi-os que singram os telhados. Passam entre torres esticadaspara o céu como animais marinhos de pescoços compri-dos, os grandes cilindros de gás chafurdando pelo matosujo como baleias. Nas profundezas abaixo estão fileirasde pequenas lojas e franquias obscuras, cafés com a pin-tura descascando e comércios curvados no interior dosarcos que sustentam a passagem dos trens. As cores ecurvas dos grafites marcam todas as paredes. Janelas dosandares superiores passam tão perto que os passageirospodem espreitar o interior de pequenos escritórios vaziose as prateleiras das lojas. Podem imaginar os contornosdas pin-ups nas paredes, nos calendários.

É aqui que tocam os ritmos de Londres, na planícieque se alastra entre os subúrbios e o centro.

Aos poucos as ruas ficam mais largas e os nomesdas lojas e cafés tornam-se mais familiares; as estradas prin-cipais são mais salubres; o tráfego é mais denso; e a cidadese levanta para encontrar os trilhos.

No final de um dia de outubro um trem fez esta via-gem rumo a King’s Cross. Tendo ao lado apenas o ar, ele

Capítulo Um

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avançou ao longo dos ermos do norte de Londres, a cidadecrescendo debaixo dele na medida em que se aproximavada Holloway Road. As pessoas lá embaixo ignoravam suapassagem. Apenas as crianças olhavam para cima na dire-ção do ruído e alguns dos muito jovens apontavam. Quan-do o trem se aproximou da estação, desceu abaixo do níveldos telhados.

Havia poucas pessoas no vagão para ver os tijolosemergirem ao seu redor. O céu desapareceu acima das ja-nelas. Uma nuvem de pombos levantou-se de um esconde-rijo ao lado dos trilhos e zarpou para o leste.

O turbilhão de asas e corpos chamou a atenção deum jovem atarracado na parte traseira do compartimento.Ele vinha tentando não olhar abertamente para a mulhersentada à sua frente. Grossos por causa do alisante, seuscabelos tinham sido esticados a partir de seus caracóis ori-ginais e se apertavam como cobras em sua cabeça. O ho-mem interrompeu sua furtiva observação quando perce-beu os pássaros e passou as mãos pelo seu próprio cabelo,cortado bem curto.

O trem estava agora abaixo das casas. Provocou umaferida através de um sulco profundo na cidade, como se osanos de passagem por ali tivessem desgastado o concretosob os trilhos. Saul Garamond relanceou mais uma vez paraa mulher sentada à sua frente e voltou sua atenção para asjanelas. A luz no vagão as havia transformado em espelhose ele fitou a si mesmo, o rosto pesado. Além de seu rostoestava uma camada de tijolos, vagamente visíveis, e depoisdisso os porões das casas que se erguiam como penhascosdos dois lados.

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Fazia dias que Saul tinha estado na cidade. Cadachacoalhar dos trilhos o levava para mais perto de casa.Fechou os olhos.

Lá fora, o talho por onde os trilhos passavam ficoumais largo à medida em que a estação se aproximava. Asparedes de cada lado eram pontuadas por alcovas escuras,pequenas cavernas cheias de lixo a poucos metros dos tri-lhos. Silhuetas de guindastes arqueavam sobre a linha dohorizonte. As paredes em torno do trem se abriram. Tri-lhos serpenteavam para os dois lados enquanto o tremdesacelerava e cortava seu caminho para King’s Cross.

Os passageiros se levantaram. Saul jogou sua bolsapor cima do ombro e se arrastou para fora do vagão. O argelado se estendia até os limites da grande abóbada no teto.O frio o sobressaltou. Saul se apressou através dos edifíci-os, em meio às multidões, desfiando seu caminho entrenós de pessoas. Ainda tinha um longo caminho a percor-rer. Dirigiu-se para o metrô.

Podia sentir a presença da população ao seu redor.Depois de dias em uma barraca na costa de Suffolk, o pesode dez milhões de pessoas tão próximas a ele parecia fazero ar vibrar. O metrô estava cheio de cores berrantes e car-ne nua, enquanto as pessoas iam para clubs1 e festas.

Seu pai provavelmente estaria esperando por ele. Ele sa-bia que Saul estava voltando e iria certamente fazer um esforçopara ser acolhedor, dispensando sua habitual noite no pub paracumprimentar o filho. Saul já se ressentia por isso. Sentiu-sesem tato e cruel, mas desprezava as tentativas vacilantes deseu pai em se comunicar. Ele era mais feliz quando os doisevitavam-se. Ser grosseiro era fácil e soava mais honesto.

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No momento em que o trem do metrô explodiu parafora dos túneis da Linha Jubilee já estava escuro. Saul co-nhecia o percurso. A escuridão transformava os escom-bros atrás da Finchley Road em uma mal vislumbrada terrade ninguém, mas foi capaz de preencher os detalhes quenão podia ver, até mesmo as pichações e grafites. Burner.Nax. Coma. Já conhecia os nomes dos intrépidosrebeldezinhos que ali portavam seus marcadores mágicos;e sabia onde eles haviam estado.

A grandiosa torre do cinema de Gaumont State seprojetava para o céu à sua esquerda, um monumento tota-litário bizarro entre as quitandas baratas e outdoors da KilburnHigh Road. Saul podia sentir o frio através das janelas e seembrulhou em seu casaco enquanto o trem se aproximavada estação Willesden. Os passageiros já escasseavam. Sauldeixou apenas uns poucos para trás quando saiu do vagão.

Fora da estação ele se juntou à multidão para enfren-tar o frio. O ar cheirava levemente a fumaça de algumafogueira próxima, alguém limpando seu quintal. Saul par-tiu ladeira abaixo rumo à biblioteca.

Parou em uma lanchonete e comeu enquanto caminha-va, movendo-se lentamente para evitar derramar o molho desoja ou os legumes sobre si mesmo. Saul estava triste pelosol já ter se posto. Willesden se presta a pores-do-sol espe-taculares. Em um dia como hoje, com poucas nuvens, seuhorizonte baixo deixava a luz inundar as ruas, encharcandoas mais estranhas fendas; janelas que, posicionadas frente afrente, refletiam os raios infinitamente entre si mesmas eos enviavam em direções imprevisíveis; fileiras e fileiras detijolos brilhavam como se iluminadas por dentro.

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Saul chegou às ruas mais transversais. Cambaleoupelo frio até que a casa de seu pai surgisse diante dele.Terragon Mansions era um feio quadrado vitoriano, baixoe de aparência intimidadora para o seu tamanho. Erafronteado por um jardim: uma faixa de vegetação suja fre-quentada apenas por cães. Seu pai morava no andar de cima.Saul olhou para o alto e viu que as luzes estavam acesas.Subiu as escadas e deixou-se entrar, olhando para a escuri-dão dos arbustos e matos dos dois lados.

Ignorou o enorme elevador de grades de aço, nãoquerendo que seus gemidos o anunciassem. Em vez dissorastejou lances de escada acima e suavemente destrancou aporta de seu pai.

O apartamento estava congelando.Saul estacou no hall e escutou. Podia ouvir o som da

televisão por trás da porta da sala de estar. Ele esperou,mas seu pai ficou em silêncio. Saul estremeceu e olhou emvolta.

Ele sabia que deveria entrar, deveria despertar seupai do sono; e chegou mesmo a alcançar a porta. Mas pa-rou e olhou para seu próprio quarto.

Zombou de si mesmo, aborrecido; mas, de qualquerforma, rastejou para lá.

Podia pedir desculpas pela manhã. Eu pensei que vocêestava dormindo, papai. Ouvi você roncando. Cheguei bê-bado e caí na cama. Estava tão exausto que não teria sidouma boa companhia de qualquer maneira. Ele apurou osouvidos e escutou somente as vozes de um dos progra-mas noturnos de debates que seu pai tanto amava, abafa-das e pomposas. Saul virou-se e deslizou para seu quarto.

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O sono veio facilmente. Saul sonhou que estava frioe acordou uma vez no meio da noite para puxar seu edre-dom para mais perto. Sonhou com pancadas, um forte ba-rulho de batidas, tão alto que o tirou do sono e então elepercebeu que era real, o som estava lá. A adrenalina correuatravés dele, fazendo-o tremer. Seu coração chacoalhou eele cambaleou para fora da cama.

Estava gelado no apartamento. Alguém estava ba-tendo na porta da frente.

O barulho não parava e o estava assustando. Ele tre-mia, desorientado. Ainda não estava claro. Saul olhou derelance para seu relógio. Passava um pouco das seis. Avan-çou às cegas pelo hall. O horrível bang bang bang era in-cessante e agora ele também podia ouvir gritos, distorcidose ininteligíveis.

Ele lutou para se controlar e gritou:– Quem é?A batida não parou. Gritou novamente e desta vez

uma voz se levantou acima do barulho.– Polícia!Saul lutou para limpar os pensamentos. Com um

pânico súbito, pensou no pequeno punhado de maconhaescondido em sua gaveta, mas aquilo era absurdo. Não eranenhum chefão das drogas, ninguém iria desperdiçar umabatida no meio da madrugada com ele. Estava se aproxi-mando para abrir a porta, seu coração ainda em lágrimas,quando de repente lembrou-se de verificar se aquelas pes-soas eram o que afirmavam, mas era tarde demais; a portavoou para trás e o jogou ao chão enquanto uma torrentede corpos vertia para o apartamento.

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Calças azuis e sapatos grandes tomavam tudo à suavolta. Saul foi puxado para que ficasse de pé. Ele começoua atacar os intrusos. A raiva aumentou com o medo. Ten-tou gritar, mas alguém deu-lhe um soco no estômago e elese dobrou. Vozes reverberavam em todos os lugares aoredor dele, sem fazer sentido.

– ... frio pra cacete...– ... babaquinha arrogante...– ... merda de vidro, cuidado aí...– ... filho dele ou o quê? Ele deve estar doidão...E acima de todas essas vozes ele podia ouvir a previ-

são do tempo, os tons alegres de uma apresentadora mati-nal de televisão. Saul lutou para virar-se e encarar os ho-mens que o seguravam tão apertado.

– Que merda tá acontecendo? – ele engasgou. Semfalar, os homens o empurraram para a sala de estar.

A sala estava cheia de policiais, mas Saul olhou direta-mente através deles. Primeiro viu a televisão: a mulher de ter-no claro o avisava de que hoje iria fazer frio novamente. Sobreo sofá havia um prato de massa congelada e um copo de cer-veja cheio até a metade estava no chão. Rajadas de ar frio oatingiram e ele olhou para a janela, para além das casas. Ascortinas ondulavam dramaticamente. Viu que cacos de vidrose espalhavam pelo chão. Quase não restava vidro na moldurada janela, apenas alguns fragmentos em torno das bordas.

Saul curvou-se com terror e tentou se forçar a ir atéa janela.

Um homem magro vestido à paisana se virou e o viu.– Para a delegacia agora – ele gritou para os captores

de Saul.

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Saul foi girado em seus calcanhares. O cômodo ro-dopiou ao redor dele como se estivesse em um brinquedode parque de diversões; as fileiras de livros e pequenasfotos de seu pai correndo diante de si. Esforçou-se parase virar.

– Papai! – gritou. – Papai!Foi puxado sem esforço para fora do apartamento.

A escuridão do corredor foi ferida por estilhaços de luzque se derramavam para fora das portas. Saul viu rostoscheios de incompreensão e mãos segurando roupões en-quanto era transportado para o elevador. Vizinhos de pija-ma olhavam para ele. Berrou para eles quando passou.

Ele ainda não conseguia ver os homens que o segu-ravam. Gritou com eles, implorando para saber o que esta-va acontecendo, pedindo, ameaçando e reclamando.

– Onde está meu pai? O que está acontecendo?– Cala a boca.– O que está acontecendo?Algo bateu em seus rins, de leve, mas com a ameaça

de uma força maior. “Cala a boca.” A porta do elevador sefechou atrás deles.

– O que aconteceu com meu pai, porra?!No instante em que tinha visto a janela quebrada,

uma voz dentro de Saul havia falado calmamente. Ele nãotinha sido capaz de ouvi-la com clareza até agora. Dentrodo apartamento, o arrastar brutal das botas e os palavrõesa haviam sufocado. Mas aqui, para onde tinha sido arrasta-do, no relativo silêncio do elevador, ele podia ouvi-la sus-surrando.

Morto, ela disse. Papai está morto.

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Seus joelhos fraquejaram. Os homens atrás dele oseguraram na posição vertical, mas estava completamentefraco. Ele gemeu.

– Onde está meu pai? – pediu.A luz do lado de fora era da cor das nuvens. Estrobos

azuis giravam sobre uma massa de carros de polícia, man-chando os edifícios monótonos. O ar congelado clareou ospensamentos de Saul. Ele puxou desesperadamente os bra-ços que o seguravam enquanto lutava para ver sobre ascercas que rodeavam Terragon Mansions. Viu rostos olhan-do para baixo pelo buraco que tinha sido a janela de seupai. Viu o brilho de um milhão de cacos de vidro que co-briam a grama moribunda. Viu uma massa de policiais uni-formizados congelados em um diorama ameaçador. Seusrostos se voltavam para ele. Um deles segurava um rolo defita coberta de avisos de cena do crime, uma fita que eledesenrolava ao redor de estacas fincadas no solo, circuns-crevendo um pedaço da terra. Dentro da área escolhida,viu um homem ajoelhado diante de uma forma escura nogramado. O homem olhava para ele, como todos os ou-tros. Seu corpo obscurecia a coisa desmazelada. Saul foilevado embora antes que pudesse ver mais.

Foi empurrado para um dos carros, agora tonto,pouco capaz de sentir qualquer coisa. Sua respiração eramuito rápida. Em algum ponto do trajeto algemas foramencaixadas em seus pulsos. Gritou outra vez para os ho-mens à frente, mas o ignoraram.

As ruas passaram por eles.Puseram-no numa cela, deram-lhe uma xícara de chá

e roupas mais quentes: um cardigã cinza e calças de veludo

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cotelê que fediam a álcool. Saul sentou-se, encolhido nasroupas de um desconhecido. Esperou por um longo tempo.

Deitou-se na cama, enrolado dentro do fino cobertor.Às vezes ouvia a voz dentro dele. Suicídio, ela dizia.

Papai cometeu suicídio.Às vezes argumentava com ela. Era uma idéia ridí-

cula, algo que seu pai nunca faria. Em seguida, ela o con-vencia e ele começava a hiperventilar e entrar em pânico.Fechou os ouvidos para a voz. Manteve-a calada.

Não iria escutar os boatos, mesmo se viessem dedentro dele.

Ninguém tinha dito por que estava lá. Sempre queouvia passos do lado de fora, gritava, às vezes xingando,exigindo saber o que estava acontecendo. Algumas vezesos passos paravam e a grade da porta era levantada. “Pedi-mos desculpas pelo atraso”, uma voz dizia. “Falaremos comvocê assim que for possível” ou “Cala a porra da boca.”

– Vocês não podem me manter aqui – gritou emdado momento. – O que está acontecendo? – Sua voz ecooupor corredores vazios.

Saul sentou-se na cama e fitou o teto.Uma fina rede de fendas se espalhava a partir de um

dos cantos. Saul as seguiu com os olhos, deixando-se fascinar.Por que você está aqui?, a voz lá dentro sussurrou

nervosamente. Por que eles querem você? Por que não fa-lam com você?

Saul sentou-se e olhou para as rachaduras e ignoroua voz.

Depois de um longo tempo, ouviu a chave na fecha-dura. Dois policiais uniformizados entraram, seguidos pelo

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homem magro que Saul tinha visto no apartamento de seupai. O homem vestia o mesmo terno marrom e a mesmacapa feia de couro curtido. Ele encarou Saul, que devolveuseu olhar por debaixo do cobertor sujo, abandonado e pa-tético e agressivo. Quando o homem magro falou, sua vozera muito mais suave do que Saul teria imaginado.

– Sr. Garamond – disse ele. – Sinto muito ter que lhecontar que seu pai está morto.

Saul olhou fixamente para ele. Até aí, isso era óbvio,claro; ele teve vontade de gritar, mas as lágrimas o impedi-ram. Tentou falar através da torrente que saía de seus olhose nariz, mas não pôde emitir nada além de um soluço. Cho-rou ruidosamente por um minuto; em seguida, lutou parase controlar. Ele aspirou as lágrimas de volta como umbebê e limpou o nariz ranhoso em sua manga. Os três po-liciais o observaram impassíveis até que conseguisse se con-trolar um pouco mais.

– O que está acontecendo? – ele resmungou.– Eu esperava que você pudesse nos contar, Saul–

disse o homem magro. Sua voz permanecia quase impassí-vel. – Sou o detetive-inspetor Crowley, Saul. Agora, voulhe fazer algumas perguntas...

– O que aconteceu com meu pai? – Saul interrom-peu. Houve uma pausa.

– Ele caiu da janela, Saul – disse Crowley. – É bemalto. Não acho que ele tenha sofrido. – Houve uma pau-sa. – Você não percebeu o que tinha acontecido com seupai, Saul?

– Eu pensei que alguma coisa... eu vi no jardim... Porque estou aqui? – Saul tremia.

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Crowley apertou os lábios e chegou um pouco maisperto.

– Bem, Saul, primeiro, me desculpe por tê-lo feitoesperar tanto tempo. Tem estado muito agitado aqui. Ima-ginei que alguém fosse vir aqui e cuidar de você, mas pare-ce que ninguém fez isso. Sinto muito por isso. Vou ter umapalavra com eles.

“Quanto ao porquê de você estar aqui, bem, estavatudo muito confuso por lá. Recebemos um telefonema deum vizinho dizendo que havia alguém caído na frente doprédio; entramos, lá estava você; não sabíamos quem vocêera... fácil ver como tudo fugiu ao controle. Enfim, paraencurtar a história, você está aqui porque esperamos quepossa nos contar a sua versão.”

Saul olhou para Crowley.– Minha versão? – gritou. – Minha versão do quê?

Eu cheguei em casa e meu pai...Crowley o acalmou, as mãos para cima, aplacando,

assentindo.– Eu sei, eu sei, Saul. Mas acontece que temos que

entender o que aconteceu. Quero que você venha comigo.– Deu um sorriso triste quando disse isso. Olhou para Saulsentado na cama; sujo, fedorento, em roupas de um estra-nho, confuso, belicoso, choroso e órfão. O rosto de Crowleyvincou-se com o que parecia ser preocupação.

– Quero lhe fazer algumas perguntas.

1 Nightclubs; locais com pistas de dança.

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CERTA VEZ, QUANDO TINHA TRÊS ANOS, Saul estava sentadonos ombros de seu pai, voltando do parque para casa. Pas-saram por um grupo de trabalhadores que consertavamuma estrada e Saul enrolou as mãos nos cabelos de seu paie inclinou-se e fitou a panela de alcatrão borbulhante paraa qual o pai apontava: o pote fervilhante no furgão e ogrande bastão de metal que eles usavam para misturar tudo.Seu nariz se encheu com o espesso cheiro de alcatrão eassim que Saul olhou para a gosma fervilhante ele se lem-brou do caldeirão da bruxa em João e Maria e foi agarradopelo súbito terror de cair no alcatrão e ser cozinhado vivo.E Saul se contorceu para trás e seu pai parou e perguntou aele qual era o problema. Quando compreendeu, ele tirouSaul de seus ombros e andou com ele até os operários, quese apoiaram em suas pás e sorriram zombeteiros para acriança ansiosa. O pai de Saul inclinou-se e sussurrou umencorajamento em seu ouvido e Saul perguntou aos ho-mens o que era o alcatrão. Os homens contaram que iriamespalhar aquilo em uma camada fina e colocar na estrada emexeram o alcatrão enquanto seu pai o segurou. Ele nãocaiu lá dentro. Ainda estava com medo, mas não tanto como

Capítulo Dois

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antes, e entendeu por que seu pai o tinha feito descobrirmais sobre o alcatrão – e ele tinha sido corajoso.

Uma caneca de chá com leite coagulava devagar nafrente dele. Um policial de ar entediado estava junto à por-ta da sala vazia. Um resfolegar rítmico e metálico era emi-tido pelo gravador em cima da mesa. Crowley sentava-se àsua frente, de braços cruzados, o rosto impassível.

– Fale-me sobre seu pai.O pai de Saul era atormentado por um desesperado

embaraço sempre que seu filho chegava em casa com ga-rotas. Era muito importante para ele não parecer distanteou antiquado e, em um erro de cálculo terrível, tentavacolocar à vontade as convidadas de Saul. Ficava aterroriza-do por achar que iria dizer a coisa errada. A luta para nãoescapulir para seu quarto o enrijecia. Permanecia de pé naentrada, constrangido, um sorriso amargo preso ao seurosto, a voz firme e séria enquanto perguntava às apavora-das meninas de quinze anos como estavam indo na escolae se gostavam de lá. Saul olhava de soslaio para seu pai ementalizava para que ele saísse. Ficava olhando furiosamentepara o chão enquanto o pai, impassível, discutia sobre otempo e aulas de Inglês de secundaristas.

– Ouvi dizer que vocês discutiram algumas vezes. Éverdade, Saul? Conte-me sobre isso.

Quando Saul tinha dez anos, a hora de que ele maisgostava eram as manhãs. Seu pai saía cedo para trabalharnas ferrovias e Saul tinha meia hora para si mesmo no apar-tamento. Ele costumava passear observando os títulos doslivros que seu pai deixava jogados por todas as superfícies:livros sobre dinheiro e política e história. Seu pai sempre

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prestava muita atenção a como Saul estava indo em Histó-ria na escola, perguntando o que os professores haviamdito. Inclinava-se sobre sua cadeira, encorajando Saul a nãoacreditar em tudo o que seu professor de História lhe con-tasse. Costumava empurrar livros para o filho, olhar paraeles, se perder em devaneios, pegá-los de volta, folhear aspáginas, murmurar que Saul talvez fosse jovem demais.Perguntava ao filho o que pensava sobre os temas aborda-dos. Levava as opiniões de Saul muito a sério. Algumasvezes essas discussões entediavam Saul. Mais frequente-mente o faziam se sentir incomodado com a súbita confu-são de ideias, mas inspirado.

– Seu pai alguma vez o fez sentir-se culpado, Saul?Alguma coisa se envenenou entre os dois quando

Saul tinha uns dezesseis anos. Tinha certeza de que isso eraum embaraço que iria passar, mas uma vez que criou raízesa amargura não foi embora. O pai de Saul se esqueceu decomo conversar com ele. Não tinha nada mais a ensinar enada mais a dizer. Saul teve raiva da decepção do pai. Seupai ficou desapontado com sua preguiça e sua falta de fer-vor político. Saul não conseguia fazer seu pai se sentir àvontade – e seu pai se decepcionava com isso. Saul paroude ir às passeatas e manifestações e seu pai parou de pedirque fosse. De vez em quando havia uma discussão. Portasbatiam. Mas em geral, não havia nada.

O pai de Saul era péssimo em aceitar presentes. Nun-ca levou mulheres para o apartamento quando o filho estavalá. Quando um Saul de doze anos foi ameaçado na escola, opai entrou lá sem aviso prévio e pregou um longo sermãopara os professores, para profundo constrangimento de Saul.

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– Você sente falta de sua mãe, Saul? É triste por nãotê-la conhecido?

O pai de Saul era um homem baixo, com ombrospoderosos e o corpo como uma grossa pilastra. Tinha ra-los cabelos grisalhos e olhos cinzentos.

No Natal anterior, ele havia dado a Saul um livro deLênin. Os amigos de Saul riram de quão pouco aquele ho-mem que envelhecia conhecia seu filho, mas Saul não sen-tiu nenhum escárnio – apenas perda. Entendeu o que seupai tentava lhe oferecer.

Seu pai queria resolver um paradoxo. Tentava extrairsentido do fato de seu brilhante e bem-educado filho dei-xar que a vida viesse até ele, ao invés de arrancar dela o quequeria. Entendeu somente que seu filho estava insatisfeito.Isso lá era verdade. Na adolescência, Saul tinha sido umclichê vivo, mal-humorado e à deriva no tédio. Para seupai, isso só podia significar que Saul estava paralisado pe-rante um futuro apavorante e enorme, o todo de sua vida,o todo do mundo. Saul tinha emergido, passara ileso dosvinte, mas seu pai e ele nunca mais seriam capazes de con-versar de verdade.

Naquele Natal, Saul sentou-se na cama e brincou como pequeno livro em suas mãos. Era uma edição com enca-dernação de couro ilustrada com austeras xilogravuras detrabalhadores em suas labutas, uma peça bem bonita. QueFazer?, exigia o título. Que fazer com você, Saul?

Ele leu o livro. Leu as exortações de Lênin de que ofuturo deve ser agarrado, obtido com luta, moldado – e elesabia que seu pai estava tentando explicar o mundo paraele, tentando ajudá-lo. Seu pai queria ser sua vanguarda. O

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que paralisa é o medo, seu pai acreditava, e o que gera omedo é a ignorância. Quando aprendemos, não temos maismedo. Isto é alcatrão e isto é o que ele faz; e este é o mundoe isto é o que ele faz, e isto é o que podemos fazer para ele.

Houve um longo período de perguntas suaves e res-postas monossilábicas. Quase imperceptivelmente, o rit-mo do interrogatório cresceu. Eu estava fora de Londres,Saul tentou explicar, eu estava acampando. Cheguei tarde,por volta das onze, fui direto para a cama, não vi meu pai.

Crowley foi insistente. Ignorou os queixosos subter-fúgios de Saul. Ficou gradualmente mais agressivo. Per-guntou a Saul sobre a noite anterior.

Crowley incansavelmente reconstruía a rota de Saulpara casa. Saul sentia-se como se tivesse levado um tapa. Foiconciso, lutando para controlar a adrenalina que corria porele. Crowley empilhava carne sobre as esqueléticas respostasque Saul lhe oferecia, vagando por Willesden com tal deta-lhe que Saul mais uma vez espreitava suas ruas escuras.

– O que você fez quando viu seu pai? – Crowleyperguntou.

Eu não vi meu pai, Saul queria dizer, ele morreu semque eu o visse, mas ao invés disso escutou a si mesmo alamentar algo inaudível, como uma criança petulante.

– Ele o deixou irritado quando você o encontrou àsua espera? – Crowley disse, e Saul sentiu o medo se espa-lhar por ele a partir da virilha. Ele balançou a cabeça.

– Ele o deixou irritado, Saul? Vocês discutiram?– Eu não o vi!– Vocês brigaram, Saul? – uma sacudida de cabeça,

não. – Vocês brigaram? – Não. – Brigaram?

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Crowley esperou muito tempo por uma resposta. Emdado momento, apertou os lábios e rabiscou algo em umbloco. Olhou para cima e encontrou os olhos de Saul, de-safiando-o a falar.

– Eu não o vi! Eu não sei o que você quer... Eu nãoestava lá! – Saul estava com medo. Quando, implorou parasaber, eles iriam deixá-lo ir? Mas Crowley não disse.

Crowley e o policial o levaram de volta para a cela. Ha-veria outros interrogatórios, eles o avisaram. Ofereceram-lhecomida, que, em um ataque de petulância honrada, ele recu-sou. Não sabia se estava com fome. Sentiu como se tivesseesquecido de como perceber isso. – Quero dar um telefone-ma! – Saul gritou enquanto os passos dos homens morriamao longe, mas não retornaram e ele não gritou novamente.

Saul deitou-se no banco e cobriu os olhos.Estava com uma aguda consciência de todos os sons.

Podia ouvir a tatuagem de pés no corredor muito antes depassarem pela sua porta. Conversas abafadas de homens emulheres brotaram e morreram enquanto caminhavam porali; uma gargalhada soou repentinamente de outra parte doedifício; carros estavam em movimento mais ao longe, seusmurmúrios filtrados por árvores e muros.

Por muito tempo Saul ficou escutando. Iriam deixá-lo dar um telefonema?, ele se perguntou. Para quem irialigar? Estaria preso? Mas esses pensamentos pareciam ocu-par muito pouco de sua mente. Na maior parte do tempo,apenas se deitou e escutou.

Muito tempo se passou.Saul abriu os olhos com um sobressalto. Por um

momento não esteve bem certo do que tinha acontecido.

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Os sons estavam mudando.A profundidade parecia estar sangrando para fora

de todos os ruídos do mundo.Saul ainda podia reconhecer o que tinha ouvido an-

tes, mas tudo estava vazando para apenas duas dimensões.A mudança foi rápida e inexorável. Como os curiosos ecosde guinchos que preenchem as piscinas, os sons estavamclaros e audíveis, mas vazios.

Saul sentou-se na cama. Um ruído alto de arranhõeso assustou: o barulho de seu peito contra o cobertor áspe-ro. Ele podia ouvir a batida de seu coração. Os sons de seucorpo estavam cheios como sempre, não afetados pelo es-tranho vampirismo sônico. Pareciam artificialmente níti-dos. Saul sentiu-se como uma colagem inepta afixada so-bre o mundo. Moveu a cabeça lentamente de um lado parao outro, tocou as orelhas.

Um débil tamborilar de botas soou no corredor, lívi-do e ineficaz. Um policial passou pela cela, com passosnão convincentes. Saul ficou de pé timidamente e olhoupara o teto. A rede de fendas e linhas na pintura parecia sealterar, inquieta, as sombras em um movimento imperceptí-vel, como se uma luz tênue estivesse sendo movida pela sala.

A respiração de Saul era rápida e rasa. O ar pareciaelástico e esticado e tinha gosto de poeira.

Saul se moveu, cambaleou, tonto pela cacofonia deseu próprio corpo.

Acima dos murmúrios esmaecidos, passos lentos setornaram audíveis. Como os sons que Saul fez, estes pas-sos cortavam através do sussurro ambiente sem esforço,deliberadamente. Outros passos soaram apressadamente

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nas duas direções, mas o ritmo daqueles pés não se alterou.Moviam-se firmemente em direção à sua porta. Saul podiasentir as vibrações no ar ressecado.

Sem pensar, ele recuou para um canto da sala e fitou aporta. Os pés haviam parado. Não ouviu nenhuma chave nafechadura, mas a maçaneta se dobrou e a porta foi aberta.

O movimento parecia ter durado muito, muito tem-po, a porta lutando caminho adentro pelo ar subitamenteglutinoso. As queixas das dobradiças, emagrecidas peladoença, se propagaram muito depois da porta ter paradode se mover.

A luz do corredor era brilhante. Saul não podia iden-tificar a figura que pisou em sua cela e gentilmente fechoua porta.

A figura ficou imóvel, até onde Saul podia perceber.A luz da cela realizava apenas um trabalho rudimen-

tar sobre o homem.Como o luar ela esboçou nada mais que um contor-

no. Dois olhos cheios de escuridão, um nariz afilado e umaboca apertada.

Sombras caíam sobre o rosto como teias de aranha.Ele era alto, mas não muito alto; os ombros estavam com-primidos como se enfrentassem o vento, uma postura de-fensiva. O rosto vago era magro e marcado; os longos ca-belos negros eram lisos e despenteados, caindo sobre osombros tensos em coágulos desarrumados. Um casaco dis-forme de um cinza indiscriminado caía sobre roupas escu-ras. O homem enfiou as mãos nos bolsos. Seu rosto estavaligeiramente voltado para baixo. Olhava para Saul debaixode suas sobrancelhas.

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Um cheiro de lixo e animais molhados enchia a sala.O homem permaneceu imóvel, observando Saul do outrolado da sala.

– Você está seguro.Saul teve medo. Mal tinha visto a boca do homem se

mexer, mas o áspero sussurro ecoou em sua cabeça comose aqueles lábios estivessem a um centímetro de seu ouvi-do. Demorou um pouco para que entendesse o que tinhasido dito.

– O que você quer dizer? – ele disse. – Quem é você?– Você está seguro agora. Ninguém pode alcançá-lo

agora. – Um forte sotaque londrino, um ranger agressivo edissimulado sussurrou bem no ouvido de Saul. – Eu queroque você saiba por que está aqui.

Saul sentiu-se tonto, engoliu a saliva espessa pelocatarro criado pela atmosfera. Ele não, ele não entendia oque estava acontecendo.

– Quem é você? – Saul assobiou. – É da polícia?Onde está Crowley?

O homem jogou a cabeça no que poderia ter sidouma negativa, um choque ou uma risada.

– Como você entrou? – exigiu Saul.– Passei me arrastando por todos os menininhos de

azul na ponta do pé, escorreguei na maciota na maior e meesquivei pelo caminho até esse seu cafofo esquisito. Vocêsabe por que está aqui?

Saul assentiu pateticamente.– Eles acham...– Os policiais acham que você matou seu papai, mas

você não fez isso, eu sei. Claro, você vai gastar um bom

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tempo pra fazer com que acreditem nessa historinha...1 maseu sei que não fez.

Saul estava tremendo. Afundou na cama. O fedorque tinha entrado com o homem era avassalador. A vozcontinuou, implacável.

– Estive observando você com cuidado, sabe. Che-cando coisas. A gente tem muita coisa pra falar, sabe. Euposso... fazer um favor.

Saul estava absolutamente desnorteado. Seria esse ummaluco vindo das ruas? Alguém doente da cabeça, muitocheio de álcool ou vozes para fazer algum sentido? O arcontinuava tenso como a corda de um arco. O que essehomem sabia sobre seu pai?

– Eu não sei que porra é você – disse ele lentamente.– E eu não sei como você entrou nesse...

– Você não entende. – O sussurro ficou um poucomais rude. – Escuta, camarada. Nós estamos fora daquelemundo agora. Mais duas pessoas e nada mais de coisas depessoas, entendeu? Olha pra você – a voz enrouqueceucom nojo. – Sentado aí nesses trapos emprestados que nemum idiota, esperando pacientemente pra ser levado até osboiolas2. Acha que eles vão ser gentis com as suas encheçõesde saco? Vão enjaular você até que apodreça, menino idio-ta. – Houve uma longa pausa. – E então eu apareço, quenem um maldito anjo da guarda. Solto sua carcaça, semproblema. Aqui é onde eu moro, entendeu? Esta é a cidadeonde eu moro. Ela compartilha todos os pontos da sua edeles, mas nenhuma das suas propriedades. Eu vou aondequero. E tô aqui para explicar umas coisas pra você. Bem-vindo à minha casa.

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A voz preencheu a pequena sala, sem dar a Saul es-paço ou tempo para pensar.

O rosto sombrio se inclinou sobre Saul. O homemestava chegando mais perto. Movia-se em pequenas arran-cadas, o peito e os ombros ainda tensos, aproximou-se pe-los lados, ziguezagueou um pouco, chegou um pouco maisperto vindo de outra direção, sua postura ao mesmo tem-po furtiva e agressiva.

Saul engoliu em seco. Sua cabeça estava leve, a bocaressecada. Lutou para cuspir. O ar estava árido e tão cheiode tensão que quase podia ouvi-lo, um lamento fraco comose o som da dobradiça da porta nunca tivesse se extingui-do. Não conseguia pensar, apenas escutar.

A fedorenta aparição moveu-se um pouco para foradas sombras. O sobretudo sujo estava aberto e Saul teveum relance de uma camisa cinza mais leve por baixo, deco-rado com linhas de flechas pretas apontando para cima,condenado chic.

O ângulo da cabeça do homem era orgulhoso, osombros esquivos.

– Não há nada que eu não saiba sobre Romeville, en-tende. Nem sobre Gay Parrí3, nem Cairo, nem Berlim, nemnenhuma cidade, mas Londres é especial pra mim, tem sidopor muito tempo. Para de olhar pra mim e viajar, menino.Você não vai entender. Eu tenho rastejado por esses tijolosdesde quando eram celeiros, depois moinhos, depois fábri-cas e bancos. Você não está olhando para uma pessoa, rapaz.Você deveria se considerar sortudo por eu estar interessa-do em você. Porque estou te fazendo um grande favor. –O monólogo rabugento do homem pausou teatralmente.

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Aquilo era loucura, sabia Saul. Sua cabeça girava.Nada daquilo significava coisa alguma; eram palavras semsentido, ridículas, ele deveria rir, mas algo no ar coalhadosegurou sua língua. Ele não podia falar, não podia zombar.Percebeu que estava chorando, ou talvez seus olhos estives-sem apenas umedecidos pela atmosfera estagnada da sala.

Suas lágrimas pareciam perturbar o intruso.– Para de se lamentar sobre o seu pai gordo – ele

cuspiu. – Acabou tudo, e você tem coisas mais importan-tes pra se preocupar.

Ele fez mais uma pausa.– Podemos ir?Saul olhou para cima com severidade. Finalmente

alcançara sua voz.– Do que você está falando? O que você quer dizer?

– Ele estava sussurrando.– Podemos ir? Eu disse. É hora de cair fora, é hora

de se mandar, de vazar, de escapulir. – O homem olhou emvolta conspiratório e escondeu a boca por trás das costasda mão em um melodramático sussurrar de palco. – Estoulibertando você. – Endireitou-se um pouco e balançou acabeça, aquele rosto indistinto balançando com entusias-mo. – Basta dizer que seu caminho e o meu se cruzamneste momento. Já tá o maior breu lá fora, dá pra sentir ocheiro, e parece que eles se esqueceram de você. SemTommy Tucker pra você4, ao que parece, por isso vamosdar adeus a esse moquifo graciosamente. Você e eu temosnegócios a tratar, e esse não é o lugar para a sua realização.E se esperarmos muito mais tempo eles já terão engaioladovocê como um bom membro do clube dos patricidas e

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comido a chave. Não há justiça aqui, eu sei. Então, deixaeu te perguntar mais uma vez... podemos ir?

Ele poderia fazer isso, percebeu Saul. Com uma ad-miração aterrorizada, percebeu que estava indo embora comessa criatura, que iria seguir esse homem, cujo rosto nãopodia ver, para dentro da delegacia, e os dois escapariam.

– Quem... o que... é você?– Já te digo isso.A voz tomou Saul e o fez perder as forças. O rosto

magro estava a centímetros do seu, recortado pela lâmpa-da. Tentou enxergar através da escuridão ofuscante ediscernir características mais claras, mas as sombras eramteimosas e sutis. As palavras o mesmerizaram como umfeitiço, hipnóticas como dance music.

– Você tá na presença da realeza, camarada. Eu voupra onde vão os meus súditos – e os meus súditos estão emtoda parte. E aqui nas cidades existe um milhão de fendaspara o reino deles. Eu preencho todos os espaços entre elas.

“Deixa eu te falar de mim.“Eu posso ouvir as coisas não ditas.“Eu conheço a vida secreta das casas e a vida social

das coisas. Leio nas entrelinhas das paredes.“Eu moro na velha cidade de Londres.“Deixa eu te dizer quem eu sou.“Eu sou o chefão do crime. Sou aquele que fede.

Sou o chefe dos fuçadores de lixo, eu vivo onde você nãome quer. Sou o intruso. Eu matei o usurpador, eu te levosob minha custódia. Matei metade do seu continente umavez. Eu sei quando seus navios estão afundando. Possoquebrar suas armadilhas em meu joelho e comer o queijo

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na sua cara e te deixar cego com o meu mijo. Eu sou o quetem os dentes mais duros do mundo, sou o menino queusa suíças. Sou o Duce dos esgotos, eu controlo o subsolo.Eu sou o rei.”

Em um movimento súbito, virou-se para a porta ederrubou o casaco dos ombros, revelando o nome grossei-ramente gravado em estêncil preto na parte de trás da ca-misa, entre as fileiras de flechas.

– Eu sou o Rei Rato.

1 No original, “you’ll have a fine time getting them to Adam and Eve that”.Adam and Eve é uma expressão do dialeto urbano cockney, falado por ingle-ses das classes proletárias, que muitas vezes rimam com o seu sentido origi-nal. No caso de “Adam and Eve”, “believe”: “acreditar”.2 No original, “waiting patiently to get took before the Barnaby”. Na gíriacockney, Barnaby pode significar alguém “flagrantemente homossexual”.3 Romeville e Gay Paree: versão cockney dos nomes das cidades de Londres eParis. Londres é chamada de Romeville por ter se iniciado como uma cidaderomana, Londinium.4 “No Tommy Tucker for you, it seems”. Tommy Tucker é um personagemdas velhas cantigas infantis, como em “little tommy tucker sang for hissupper” (“pequeno Tommy Tucker cantou para ganhar sua ceia”), represen-tando alguém que ganha aquilo que merece. O personagem ultrapassou oâmbito das cantigas e virou uma figura retratada por grafiteiros e grupos deurban art, como um símbolo do artista e do revolucionário. Essa ambiguidademescla bem os temas de fantasia e urbanidade de Miéville.

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Esta é uma amostra para divulgação dolivro Rei Rato, da Tarja Editorial.

Contém apenas 40 páginas, de um totalde 400 contidas na obra final.

As imagens e ilustrações encontram-se embaixa resolução para que o arquivo finaltenha seu tamanho reduzido, mas a obraimpressa possui imagens em alta definição.

Esta cópia pode ser distribuida livremente.

Para maiores informações sobre o livro,acesse www.tarjaeditorial.com.br, ouescreva para [email protected]

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