Régis Schneider Ardenghi: DIREITO À VIDA PRIVADA E DIREITO À INFORMAÇÃO: COLISÃO DE DIREITOS...

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| 227 REVISTA DA ESMESC, v. 19, n. 25, 2012 DIREITO À VIDA PRIVADA E DIREITO À INFORMAÇÃO: COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 1 Régis Schneider Ardenghi 2 Resumo: Este artigo aborda a problemática do direito à vida privada e do direito à informação. Seu objetivo é examinar esses direitos à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, buscando um consenso para as discussões que cercam esses dois princípios fundamentais tutelados no mesmo nível constitucional. O texto construído com base no estudo sobre o “Direito à vida privada e informação jornalística”, 2 utilizando pesquisa bibliográfica, procurou mostrar o direito à vida e à informação como direitos fundamentais e o conflito entre esses direitos. Os resultados do estudo indicaram que a solução para o conflito entre o direito à vida privada e o direito à infor- mação deve ser buscada no ordenamento jurídico brasileiro e na interpretação das normas constitu- cionais. Palavras-chave: Colisão de direitos. Vida privada. Informação. 1 INTRODUÇÃO O tema direito à vida privada e direito à informação tem como foco o conflito existente entre esses dois princípios 1 ARDENGHI, Régis Schneider. Direito à vida privada e informação jornalística. [dissertação], Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – Mes- trado. Universidade do Vale do Itajaí, SC. Itajaí, 2002. 2 Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre – RS – PUCRS. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Advo- gado e Professor de Direito Civil na Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC e na Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. E-mail: [email protected].

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Colisão e tratamento dos direitos à informação e à privacidade

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    DIREITO VIDA PRIVADA E DIREITO INFORMAO:

    COLISO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS1

    Rgis Schneider Ardenghi2

    Resumo: Este artigo aborda a problemtica do direito vida privada e do direito informao. Seu objetivo examinar esses direitos luz da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, buscando um consenso para as discusses que cercam esses dois princpios fundamentais tutelados no mesmo nvel constitucional. O texto construdo com base no estudo sobre o Direito vida privada e informao jornalstica,2 utilizando pesquisa bibliogrfica, procurou mostrar o direito vida e informao como direitos fundamentais e o conflito entre esses direitos. Os resultados do estudo indicaram que a soluo para o conflito entre o direito vida privada e o direito infor-mao deve ser buscada no ordenamento jurdico brasileiro e na interpretao das normas constitu-cionais.

    Palavras-chave: Coliso de direitos. Vida privada. Informao.

    1 INTRODUO

    O tema direito vida privada e direito informao tem como foco o conflito existente entre esses dois princpios

    1 ARDENGHI, Rgis Schneider. Direito vida privada e informao jornalstica. [dissertao], Curso de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincia Jurdica Mes-trado. Universidade do Vale do Itaja, SC. Itaja, 2002.

    2 Graduado pela Pontifcia Universidade Catlica de Porto Alegre RS PUCRS. Mestre em Cincia Jurdica pela Universidade do Vale do Itaja UNIVALI. Advo-gado e Professor de Direito Civil na Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina ESMESC e na Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. E-mail: [email protected].

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    constitucionais, e objetiva esclarecer a questo da coliso entre esses direitos. A liberdade de imprensa, consubstanciada na informao jornalstica como apangio dos Estados democr-ticos, enseja a verificao de como o Estado pode contornar o problema do acelerado desenvolvimento dos meios de infor-mao e a invaso da privacidade, servindo de instrumento para o desrespeito a Direitos Humanos fundamentais. Nesse contexto, pretende-se identificar qual desses direitos deve preponderar: o direito vida privada ou liberdade de imprensa?

    Diante da latente tenso entre o direito vida privada e liberdade de imprensa, cuja complexidade do tema, na socie-dade contempornea, traz como marca o pluralismo de valores, a informao como um bem transacionvel e a transformao na atuao dos jornalistas. Percebe-se que o contedo do direito vida privada s pode ser estabelecido a partir dos valores sociais vigentes, que determinam o que cada pessoa tem para guardar para si mesma, o que interessa manter sob reserva. Somente uma anlise mais ampla do direito vida privada pode indicar quando a imprensa comete invaso de privacidade e quando a proteo da vida privada deve ser acolhida ou no.

    No Brasil, a Carta Constitucional, os Cdigos, as leis e altas autoridades so vocacionadas para arbitrar conflitos. Mas, diante dos paradoxos existentes, um enfoque sociolgico-jur-dico abre caminho para as questes controversas. No plano tcnico, utiliza-se a abordagem indutiva, com apoio na pesquisa bibliogrfica. Os tpicos principais focalizam o direito vida privada e informao como direitos fundamentais e o conflito entre esses direitos.

    2 DIREITO VIDA PRIVADA E INFORMAO COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Contra o individualismo extremo existente no sculo XIX, no sculo XX foram sendo reconhecidos direitos em favor dos grupos sociais e do indivduo, como o direito de associao como garantia da prpria liberdade individual.

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    As manifestaes dessa nova concepo ocorreram nas primeiras constituies republicanas, sendo a mais famosa delas a de Weimar, de 1919. Por essa poca, os direitos individuais j extrapolavam os limites de cada Estado, sendo proclamados direitos transnacionais.

    Do ponto de vista histrico, na dimenso emprica, os direitos fundamentais so, originalmente, direitos humanos (GUERRA FILHO, 2003). No esteio da melhor doutrina, os direitos fundamentais resultam em posies jurdicas das pessoas enquanto tais, com eficcia no mbito das relaes com o Estado ou entre particulares, consubstanciadas ou no na Constituio.

    Alexandre Moraes (2009, p.39) define os direitos humanos fundamentais como [...] o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidades bsicas o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteo contra o arbtrio do poder estatal e o estabelecimento de condi-es mnimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana [...].

    Jos Castan Tobeas, por sua vez, define direitos humanos como aqueles direitos fundamentais da pessoa humana tanto individual como comunitrios que correspondam a essa em razo de sua prpria natureza (essncia espiritual, corprea e social) e que devem ser reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as normas jurdicas positivas, cedendo, no entanto, em seu exerccio, ante as exigncias do bem comum (apud MORAES, 2000).

    Os direitos humanos relacionam-se diretamente com a garantia de no ingerncia do Estado na esfera individual e a consagrao da dignidade humana.

    A existncia de inmeros e diferenciados conceitos de direitos fundamentais, definidos como direitos humanos funda-mentais, torna difcil estabelecer-lhes um conceito que envolva toda sua significao. Para Jos Afonso da Silva (2011, p. 175):

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    [...] a ampliao e transformao dos direitos funda-mentais do homem no envolver histrico difi-culta definir-lhes um conceito sinttico e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstncia de se empregarem vrias expresses para design-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos pblicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades pblicas e direitos fundamentais.

    Pela abrangncia, esses direitos colocam-se em elevada posio hermenutica em relao aos demais direitos previstos no ordenamento jurdico e apresentam um feixe de caracters-ticas: imprescritibilidade; inalienabilidade; irrenunciabilidade; inviolabilidade; universalidade; efetividade; interdependncia; e complementaridade.

    Vrias classificaes dos direitos fundamentais tm sido erigidas pelos doutrinadores. Deixando de lado a anlise das dimenses e o aprofundamento conceitual delas, estuda-se a classificao que os categoriza em geraes, como o faz Bobbio (2004).

    Segundo o mesmo autor, sem os direitos do homem reco-nhecidos e protegidos, no h democracia; sem essa, no existem as condies mnimas para a soluo pacfica dos conflitos. Basta examinar os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos. Hobbes conhecia apenas um deles, o direito vida. Hoje so conhecidos vrios direitos e j se caminha para a quinta gerao.

    A declarao contida na Constituio Brasileira de 1988 a mais abrangente de todas as anteriores e, alm de consagrar os direitos e deveres individuais e coletivos, abre um captulo para definir os direitos sociais. No enumera os direitos funda-mentais, admite existir outros decorrentes do regime e dos prin-cpios por ela adotados.

    Uma breve anlise da classificao que adota a expresso gerao de direitos aponta que os direitos civis (primeira gerao) surgiram com as declaraes de direitos de 1776 e de

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    1789, sendo integrados pelos direitos negativos, estabelecidos contra o Estado. Esses direitos determinam a diviso entre a esfera pblica (Estado) e a esfera privada (sociedade civil). A diferena entre essas esferas uma das caractersticas fundamen-tais da sociedade moderna. a partir dessa distino que se estrutura o pensamento liberal e o pensamento democrtico.

    Tendo como titular o indivduo, os direitos de primeira gerao so oponveis ao Estado e traduzidos como atributos da pessoa humana, ostentando uma subjetividade que seu trao marcante. So os direitos de resistncia face ao Estado, e entram na categoria do status negativus da classificao de Jellinek (BONAVIDES, 2004). Entre esses direitos situam-se: as liberdades fsicas, as liberdades de expresso, as liberdades de conscincia, as liberdades de propriedade privada, os direitos da pessoa acusada, e as garantias dos direitos.

    Os direitos polticos (segunda gerao) surgiram no decorrer do sculo XIX. So positivos, ensejam os direitos de participar no Estado e mostram o surgimento de uma nova pers-pectiva da liberdade, como autonomia; com liberdade de parti-cipar da formao do poder poltico. Os principais direitos pol-ticos so: o direito ao sufrgio universal, de construir partidos polticos, e de plebiscito, de referendo e de iniciativa popular.

    No incio do sculo XX, surgiram os direitos econmicos e sociais (terceira gerao) e abrangem os denominados direitos de crditos, que tornam o Estado devedor dos indivduos. Referem-se obrigao do Estado de realizar aes concretas, visando a garantir-lhes um mnimo de igualdade e de bem-estar social, fazendo ressurgir o princpio da igualdade.

    Celso Lafer (1988) v na convergncia entre as liberdades clssicas e os direitos de crditos a viabilidade da democracia no mundo contemporneo. Por sua vez, Silva (2011) apresenta os direitos econmicos e sociais divididos como direitos relativos ao homem trabalhador e os direitos relativos ao homem consu-midor.

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    Diante de um quadro realista, os direitos de terceira gerao so identificados como o direito ao desenvolvimento, o direito paz, o direito ao meio ambiente, o direito de proprie-dade sobre o patrimnio comum da humanidade e o direito de comunicao (BONAVIDES, 2004).

    Os sujeitos desses direitos so os grupos de indivduos, como a famlia, o povo, a nao e a prpria humanidade (BOBBIO, 2004).

    Para tornar possvel e vivel o desenvolvimento desses direitos, h um cenrio reservado quarta gerao de direitos (direito democracia, direito informao e direito ao plura-lismo), que correspondem derradeira fase de institucionali-zao do Estado social.

    Os direitos de solidariedade (quarta gerao) tm como grande marco o ano de 1948 e compreendem os direitos do homem no mbito internacional, como direitos sobre o Estado. Opera-se novo deslocamento do lugar dos direitos diante do Estado, de por meio do Estado para sobre o Estado, apon-tando uma mudana no conceito de soberania. A soberania no mais compreendida na forma absoluta, como no incio da Idade Moderna, passa a ser pensada de forma integrada e coordenada por um sistema de jurisdio internacional.

    Os Estados particulares passam a realizar aes articuladas e orientadas, formando os grandes blocos econmicos, sociais e polticos. Os indivduos singulares e os grupos sociais se desna-cionalizam, surgem as declaraes, as cartas e os pactos inter-nacionais de proteo dos indivduos, grupos sociais e huma-nidade fora do mbito dos Estados, no marco da Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948.

    Entre os direitos de solidariedade colocam-se as seguintes prerrogativas: direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, paz, autodeterminao dos povos. Deles depende a materializao da sociedade aberta do futuro, em sua dimenso de mxima universalidade, para a qual parece o mundo quedar--se no plano de todas as afinidades e relaes de coexistncia.

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    Enquanto direito de quarta gerao, a democracia positi-vada deve caminhar para uma democracia direta, possibilitada pelos avanos tecnolgicos dos meios de comunicao, e susten-tada legitimamente pela informao correta e aberturas plura-listas do sistema (BONAVIDES, 2004). Uma democracia isenta das contaminaes e manipulao da mdia, pois essa gerao de direitos no somente culmina a objetividade dos direitos das duas geraes antecedentes, como absorve a subjetividade dos direitos individuais, de primeira gerao.

    Para alm dessas classificaes, Schmitt (1996) estuda os direitos fundamentais estabelecendo dois critrios formais e um critrio material de caracterizao. Dessa perspectiva, pelo primeiro critrio formal, indica como direitos fundamen-tais todos os direitos e garantias explicitados e alcunhados no documento constitucional; e pelo segundo critrio formal, os direitos fundamentais so aqueles que recebem da constituio um grau mais elevado de proteo, ou segurana, ou pelo menos de alterao dificultada.

    Do ponto de vista material, os direitos fundamentais variam de Estado para Estado, dependendo de sua ideologia, de sua forma, ou seja, cada Estado com sua especificidade de direitos. Percebe-se em Schmitt (1996), que o autntico direito fundamental do indivduo sempre absoluto e corresponde ao princpio de distribuio do Estado de Direito, segundo o qual a liberdade do indivduo ilimitada em princpio, e a faculdade do Estado limitada em princpio. Dessas condies de abso-luto e de ilimitado em princpio, no se segue impossibili-dade absoluta de ingerncia e limitaes, porm, elas aparecem como exceo, calculadas, mensurveis e controlveis, por isso s podem ter lugar base de leis, no conceito prprio do Estado de Direito, como uma norma geral. O direito fundamental e de liberdade se encontra, pois, sob a salvaguarda da lei.

    A Constituio brasileira reconhece e assegura direitos fundamentais explicitamente no art. 5, direitos cujo objeto imediato a liberdade: de locomoo, de pensamento, de

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    reunio, de associao, de profisso, de ao, liberdade sindical, direito de greve, direitos cujo objeto imediato a segurana: dos direitos subjetivos em geral, em matria penal (presuno de inocncia), do domiclio; direitos cujo objeto imediato a propriedade: propriedade em geral, artstica, literria e cient-fica.

    Aparentemente, no h problemas na evoluo dos direitos. Ao redor do ncleo essencial dos direitos liberais se d uma contnua agregao de direitos que, sem ferir os prin-cpios inspiradores fundamentais, vem ampliando o leque dos direitos possveis, acompanhando o crescimento da conscincia mundial da humanidade. Mas, a realidade mostra comple-xidades, porque atrs da lista crescente de direitos existem concepes diferentes de homem e de sociedade, que no so facilmente compatveis.

    A moderna doutrina constitucional, ressalvadas excees, vem rechaando a utilizao de termos como liberdades pblicas, liberdades fundamentais, direitos individuais e direitos pblicos subjetivos, direitos naturais e direitos civis, assim como as suas variaes, porque esto, de certa forma, divorciados do estgio atual da evoluo dos direitos fundamentais no mbito de um Estado (democrtico e social) de Direito3. At mesmo em nvel internacional, esses direitos revelam insuficincia quanto sua abrangncia, por estarem atrelados a categorias especficas do gnero direitos fundamentais (SILVA apud SARLET, 2011).

    A busca do direito que deve preponderar, se o direito vida privada ou o direito informao quando surgem conflitos entre eles, exige uma explicao sobre esses direitos fundamen-tais.

    3 Deve-se atentar para o fato de que algumas Constituies do segundo ps-guerra passaram a utilizar a expresso genrica direitos fundamentais, tais como a Lei Fundamental da Alemanha (1949) e a Constituio Portuguesa (1976), bem como as Constituies da Espanha (1978), da Turquia (1982) e da Holanda (1983), assevera Sarlet (2011).

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    2.1 Direito vida privada

    A vida privada, como direito, decorre da personalidade, e faz parte do direito vida, constituindo-se em tema de impor-tncia atual, dada a preocupao em se buscar maior proteo e efetividade aos direitos individuais. Como todos os direitos gravitam em torno do direito vida, importante ter presente que a Carta Magna lhe atribui especial relevo jurdico, procla-mando-o imperativo fundamental da convivncia social.

    Segundo Silva (2011, p. 198), [...] a vida humana, que o objeto do direito assegurado no art. 5, caput, da Consti-tuio Federal de 1988, integra-se de elementos materiais (fsicos e psquicos) e imateriais (espirituais). Isso faz com que a vida tenha intimidade conosco mesmo (caracterizado no dar-se conta de si mesma, no assistir a si mesma e no tomar posio sobre si mesma). Por isso, a vida humana constitui a fonte primria de todos os outros bens jurdicos. No contedo do seu conceito encontra-se o direito existncia, dignidade da pessoa humana, ao respeito, integridade fsico-corporal e moral, e privacidade.

    Silva usa a expresso direito privacidade em sentido genrico amplo, englobando todas as manifestaes da esfera ntima, privada e da personalidade (ARAJO, 1998, p. 44). A privacidade definida como um [...] conjunto de informaes acerca do indivduo que ele pode decidir manter sob seu exclu-sivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condies, sem a isso poder ser legalmente sujeito. Esse seria o trao caracterstico da tutela privacidade das pessoas, em seu sentido lato. Na lio de Bittar (2004), cuida-se de garantir a [...] eliso de qualquer atentado a aspectos parti-culares ou ntimos da pessoa, em sua conscincia, ou em seu circuito prprio, compreendendo-se o seu lar, a sua famlia e a sua correspondncia, e em alguns casos at o patrimnio.

    O direito vida privada, como espcie dos direitos da personalidade, requer a compreenso do que se expressa por direitos da personalidade.

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    Em sentido jurdico, a personalidade tem sido concebida como aptido para ser sujeito de direitos e obrigaes no mundo jurdico. Toda pessoa humana tem essa aptido, de acordo com todos os sistemas jurdicos, no estgio atual da civilizao. De acordo com Daniel Coelho (apud, FERREIRA DA SILVA, 2003, p. 6):

    [...] os chamados direitos personalssimos ou direitos de personalidade so esses direitos que integram a prpria noo de pessoa, como a vida, a honra, a integridade fsica, a imagem, a privacidade etc. Menciona ser a ordem jurdica que confere aos entes a qualidade de pessoa, dotando-os de perso-nalidade jurdica, ou seja, da virtualidade de ser sujeito de direitos e de obrigaes, e que isso de nada valeria se ao mesmo tempo no lhes assegu-rasse um mnimo de direitos como condio indis-pensvel aquisio de todos os demais direitos.

    O homem ao adquirir direitos e assumir obrigaes passa a responsabilizar-se por todos os atos e fatos que envolvem sua vida. A personalidade como conjunto de caracteres prprios da pessoa fsica e jurdica no se reveste de direito, mas de objeto do direito, atributos da pessoa, como nome, honra, liberdade, intimidade (AMORIM, 1998).

    Os direitos da personalidade so direitos personalssimos, essenciais pessoa humana, e garantidores de toda a esfera indi-vidual. Segundo definio de Bittar (2004), so aqueles direitos essenciais, vitalcios e intransmissveis, em regra, necessrios e oponveis erga omnes4, que tm posio singular no mbito dos direitos privados, por protegerem valores inatos, ou originrios, da pessoa humana e, tambm, da pessoa jurdica, como a vida, a honra, a identidade, o segredo e a liberdade.

    4 Nos direitos da personalidade, a pessoa, , a um s tempo, sujeito e objeto de direitos, remanescendo a coletividade, em sua generalidade, como sujeito passivo; da, dizer-se que esses direitos so oponveis erga omnes (e, portanto, devem ser respeitados por todos os integrantes da coletividade). Trata-se, pois, de relao de excluso, que impe a todos a observncia e o respeito a cada pessoa, em seus componentes (atributos fsicos, psquicos e morais, projees sociais), sob pena de sancionamento do ordenamento jurdico (BITTAR, 2004).

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    O autor no inclui nesta classificao o direito vida privada, certamente por consider-lo como direito intimidade. Todavia, no exame atento dessas figuras jurdicas, nota-se que cada uma delas demonstra particularidades prprias, esse o entendimento da Constituio Federal de 1988, ao separar a intimidade de outras manifestaes da privacidade (vida privada), honra e imagem das pessoas (art. 5, inc. X).5

    Ingo Wolfrang Sarlet (2011), apreciando a extenso do conceito de privacidade, feita pela Corte Europia de Direitos Humanos, no caso Niemitz v. Germany, em 1992, entende que:

    [...] seria muito restritivo limitar a noo [de vida privada] a um crculo interior no qual o indi-vduo possa viver sua vida pessoal como ele quiser e excluir inteiramente da o mundo exterior no includo neste crculo. O respeito pela vida privada deve compreender em certo grau o direito de esta-belecer e desenvolver relacionamentos com outros seres humanos.6

    Quanto ao conceito de intimidade, de carter mais restri-tivo que da vida privada, seria a essncia dessa, enquanto o direito intimidade, como decorrncia do direito vida privada, seria o direito de estar s, de ter direito ao segredo (em situaes cons-trangedoras ou embaraosas que possam denegrir a imagem), reserva e tranquilidade interiores (ARAJO, 1998).

    Invoca-se o respeito devido individualidade, em virtude da clusula constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1, inc. III, CF). A dignidade da pessoa humana elemento central na sociabilidade que caracteriza o conceito de Estado Democrtico de Direito, que promete aos indivduos muito mais que absteno de invases ilegtimas de suas esferas pessoais, a promoo positiva de suas liberdades.

    5 Art. 5, inc. X So inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito indenizao pelo dano material ou moral de-corrente de sua violao.

    6 Apreciao feita pela Corte Europia de Direitos Humanos, do caso Niemitz v. Germany (1992). Traduo de Roger Raupp Rios (SARLET,2011).

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    O direito da personalidade tem como objetivo primordial assegurar a integridade das pessoas em qualquer campo da vida e do relacionamento humano. Representam, esses direitos, verda-deiras muralhas antepostas pelo direito como defesa da pessoa frente a invases de qualquer outro componente da coletividade (AMORIM, 1998).

    Os direitos do homem so direitos pblicos, assim como os direitos da personalidade so direitos privados. Esse parece ser um posicionamento unnime da doutrina, que faz tal distino entre os chamados direitos humanos (aspecto pblico) e os da personalidade (aspecto privado). O que marca os direitos de personalidade como uma categoria jurdica autnoma a sua trplice configurao como direitos privados, no patrimoniais e absolutos (FERREIRA DA SILVA, 2003).

    Como direito de personalidade, o direito intimidade geral porque assiste a todas as pessoas; vitalcio porque acom-panha a pessoa durante toda a sua existncia; intransmissvel, imprescritvel, impenhorvel e no sujeito desapropriao porque no pode ser desvinculado de cada pessoa, dada sua condio de direito fundamental. direito subjetivo privado porque confere s pessoas um poder em face dos seus seme-lhantes de se resguardar de intromisses e de publicidade na esfera mais reservada da existncia, como tambm a faculdade de fazer concesses nesse terreno. Vale, ento, destacar que uma certa dose de reserva e de recolhimento de importncia funda-mental para o desenvolvimento saudvel da personalidade, pois o desenvolvimento do sentimento de famlia e de infncia s se desenvolveu nos sculos XVI e XVII, quando a famlia buscou, no restrito crculo familiar, motivos de vida em comum, e no cotidiano do lar, criou espaos privados de convivncia, adqui-rindo conscincia de espao privado e pblico, e gosto pela vida isolada.

    O direito intimidade se destina a resguardar a privaci-dade em seus mltiplos aspectos: pessoais, familiares e negociais (BITTAR, 2004). Esse direito tem recebido diferentes denomi-

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    naes: direito de estar s; direito privacidade e direito ao resguardo, e consubstancia-se em mecanismo de defesa da personalidade humana contra injunes, indiscries ou intro-misses alheias. Embora tenha encontrado na doutrina dimen-sionamentos diversos, tornando difcil definir seu contedo, nele divisa-se a proteo privacidade, na medida exata da eliso de qualquer atentado a aspectos particulares ou ntimos da vida da pessoa, em sua conscincia ou em seu circuito prprio, compreendendo-se o seu lar, a sua famlia e a sua correspon-dncia.

    Vem ganhando relevo, com a contnua expanso das tcnicas de comunicao, como defesa natural do homem contra as investidas tecnolgicas e a ampliao, com a necessidade de locomoo do circuito relacional do homem, obrigando-o exposio permanente perante pblicos os mais distintos, em seus diferentes trajetos sociais, negociais ou de lazer. Limita-se, com o direito intimidade, o quanto possvel, a insero de estranho na esfera privada ou ntima da pessoa.

    Inmeros acontecimentos demonstram como pode ser preservada essa relao entre a vida pblica e a privada e as dificuldades de se estabelecer os limites de uma e de outra, principalmente quando esto em questo pessoas com atuao pblica relevante.

    A imprensa vem interferindo arbitrariamente na vida privada, expondo as pessoas notrias, principalmente, nos aspectos familiares e pessoais, mesmo contra o desejo de que certos aspectos no cheguem ao conhecimento de terceiros. Todavia, no demais lembrar que os famosos, to prdigos em reclamar das invases de privacidade de imprensa, tambm tm sua parcela de culpa na curiosidade mrbida da grande massa, estimulando a especulao sobre sua vida, tambm quando no querem.

    A discusso vai mais alm, engloba a contradio entre essncia de funo pblica e poltica do servio jornalstico e sua forma de organizao na sociedade capitalista contempo-

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    rnea. Mas, lembra-se, que no campo do direito intimidade so protegidos, entre outros bens, confidncias, informes de ordem pessoal (dados pessoais), recordaes pessoais, mem-rias, dirios, relaes familiares, lembranas de famlia, sepul-tura, vida amorosa ou conjugal, sade (fsica e mental), afeies, entretenimentos, costumes domsticos e atividades negociais, reservados pela pessoa para si e para seus familiares (ou pequeno crculo de amizade) e, portanto, afastados da curiosidade pblica (BITTAR, 2004).

    Na esfera privada propriamente dita, tem-se a pessoa em seu interior ou em sua intimidade (esfera da confidencialidade ou do segredo, reservada ao intelecto prprio) e, portanto, inatingvel por ao arbitrria de terceiro. Sendo esses valores mutveis no tempo e diferenciados em cada cultura e em cada lugar, o direito vida privada e intimidade ter, igualmente, um contedo mltiplo e varivel, muitas vezes, um interpene-trando no plano do outro.

    Ferreira da Silva (2003) entende que o direito intimi-dade deve compreender o poder jurdico de subtrair ao conhe-cimento alheio e de impedir qualquer forma de divulgao de aspectos da vida privada, que segundo um sentimento comum detectvel em cada poca e lugar, interessa manter sob reserva.

    A Constituio de 1988, ao resguardar a vida privada e a intimidade, assegurando a sua inviolabilidade (art. 5, inc. X), est reconhecendo que o homem tem direito fundamental a um lugar em que, s ou com sua famlia, gozar de liberdade nas relaes familiares (a liberdade de viver junto sob o mesmo teto), as relaes entre pais e seus filhos menores, as relaes entre os dois sexos (a intimidade sexual). No h dvida que essa uma esfera privada (note-se, no dir-se-ia ntima), pois a pessoa humana, no recesso do lar, tem protegida a liberdade de domiclio, o sigilo da correspondncia, o segredo profissional, todavia, as anlises pecam por amplitude.

    O direito intimidade o direito de algum poder reco-lher-se solido e ter seu universo ntimo preservado, porque

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    nada mais , segundo Pontes de Miranda, que [...] um efeito do exerccio da prpria liberdade, consistindo em fazer, ou deixar de fazer, o que melhor lhe aprouver (apud AIETA, 1999, p. 90).

    Num Estado Democrtico de Direito, onde h a preocu-pao em que as liberdades, o pluralismo e os direitos fundamen-tais sejam atendidos e efetivamente protegidos, a construo e a abertura de valiosas perspectivas de definio constitucional da privacy desenvolvem-se numa ambincia favorvel. Nessa direo caminhou o legislador na elaborao do Cdigo Civil Brasileiro de 2002, destinando os dois captulos iniciais do Ttulo I para tratar da personalidade.

    Nessa construo, subjacente que a intimidade est situada como um crculo mais restrito do direito vida privada, mas nem por isso menos importante, como na anlise da legis-lao infraconstitucional.

    O direito intimidade e vida privada se apresentam como direito liberdade (SAMPAIO, 1998). A liberdade gera responsabilidade e leva os transgressores dos direitos da personalidade, de pessoas notrias ou no, a arcarem com os danos morais e patrimoniais causados, alm das sanes penais previstas. No uso do direito de liberdade, a pessoa vale-se de seu duplo sentido filosfico: de no intromisso e de autonomia (direito de escolha).

    A limitao ao direito intimidade nasce quando os interesses do indivduo so superados, em grau de prioridade, pelos interesses da coletividade (AIETA, 1999, p. 165). Esse argumento encontra alicerce no princpio da supremacia do inte-resse pblico, da ser freqente, na atualidade, autorizaes da Justia sobre a divulgao de detalhes da vida ntima de pessoas pblicas (polticos, artistas, delinqentes), na defesa do interesse pblico. O universo de interseo entre as liberdades pblicas e a tutela constitucional da intimidade limitado pela finalidade primeira da Administrao Pblica.

    O interesse pblico, no entanto, difere da chamada curio-sidade coletiva. Hannah Arendt (apud AIETA, 1999, p. 166)

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    adverte: [...] um dos mais srios problemas do direito contem-porneo, o fenmeno, [...], da publicizao do Direito Privado e da privatizao do Direito Pblico [...] leva a identificar e a no diferenciar o que esfera pblica ou privada.

    Entre as inmeras causas excludentes do delito de indis-crio, o caso que melhor anula a violao ocorre com o consen-timento do interessado, a vontade do indivduo soberana no universo da legalidade.

    2.2 Direito informao

    O direito informao tem suas origens na liberdade de imprensa, elevada condio de norma constitucional pela Franca, em 1789, e pelos Estados Unidos, em 1791, na primeira emenda Constituio americana (SERRANO, 1997).

    O termo liberdade de imprensa foi cunhado em razo de, quela poca, somente existir o meio de comunicao impresso para divulgao pblica da informao. Durante a era liberal, a imprensa era um prolongamento do direito de opinio, atuando como sntese das liberdades bsicas e como instrumento de defesa contra o poder ilimitado do Estado. Com o surgimento de novas vertentes do pensamento moderno, a liberdade de expresso foi erigida a direito fundamental da pessoa humana. Entretanto, o exerccio dessa liberdade pelos meios de comuni-cao, passou a sofrer restries decorrentes do interesse indivi-dual, a par dos objetivos sociais da comunidade (DOTTI, 1990).

    No Brasil, desde o tempo do Imprio, a liberdade de imprensa ultrapassou, com frequncia, os limites relativos aos direitos da personalidade, mas foi a partir de 1950 que aumen-taram os casos de invaso da intimidade das pessoas.

    A liberdade de informao compreende tanto o direito informao, que se confunde com a liberdade de manifestao do pensamento, tutelada pela Constituio Brasileira em seu art. 5, IV, como o direito de ser informado, que corresponde ao direito coletivo de receber a informao (CALDAS, 1997). A

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    liberdade de pensamento, realada como direito fundamental, nunca foi a tnica da histria, tampouco a liberdade de infor-mao, a sua contraface, o foi. Assim, embora seja um direito consagrado nos regimes democrticos e a prpria histria tenha se encarregado de revelar que a interveno estatal sobre os meios de comunicao conduz a um abuso de poder que coloca em risco os direitos fundamentais do homem, no pode ser agente de perturbao ou destruio social.

    Tal direito tambm comporta limitaes, pois nenhum direito absoluto em todos os sentidos. Nesse caminho, o magistrado no poder se pronunciar sobre matria submetida sua considerao, salvo via deciso nos prprios autos, as limi-taes quanto a manifestaes polticas no mbito das reparti-es pblicas, a proibio do anonimato e outras (CALDAS, 1997).

    Inquietao proveniente das novas tecnologias, que permitem devassar a intimidade do homem, cabe ao Direito responder, determinando o que lcito ou no na utilizao dos novos recursos.

    A liberdade de expresso e informao, consagrada em textos constitucionais sem nenhuma forma de censura prvia, constitui uma das caractersticas das atuais sociedades demo-crticas e, num Estado Democrtico de Direito, onde as liber-dades pblicas so reconhecidas, desempenha um duplo papel: informadora e formadora de opinies.

    O direito informao, como alicerce fundamental, para a preservao da verdade factual, indispensvel e requer a infor-mao exata e honesta.

    inegvel que a liberdade de expresso e informao tem desempenhado um papel de orientadora da opinio pblica, o que faz dessas liberdades uma necessidade preliminar ao exer-ccio de outros direitos fundamentais. Os tribunais constitucio-nais tm dado uma posio de primazia ao direito informao, quando esse confrontado com outros direitos fundamentais, muito embora esse destaque suscite controvrsias doutrinrias,

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    pois, como todo e qualquer direito, o direito informao possui seus limites. A veracidade da informao se estabelece como uma imposio jurdica e moral (AIETA, 1999, p. 183).

    A compatibilizao do direito informao com outros direitos fundamentais de extrema importncia. A necessidade de frear o direito informao, diz a autora, surge concomi-tante aos abusos cometidos por certos organismos de comuni-cao, violadores da privacidade alheia. Mas h de se analisar com extremo rigor os freios censores, pois serviram, inmeras vezes, como instrumentos para o cerceamento de liberdades, por meio de censuras vis e exacerbadas, violadoras dos direitos humanos fundamentais.

    No caminho do direito informao se encontra o direito vida privada e intimidade como um limite extremo e vice--versa, pois ambos os casos atuam como limitadores, enquanto direitos fundamentais autnomos. A ordem jurdica ora probe, ora restringe, ora protege, ora incentiva, quer os comporta-mentos dos homens, quer as prticas de suas organizaes, em nome de valores como a justia, o bem-estar e o progresso social, interpretados luz das concepes que a seu respeito preva-lecem em cada espao, em cada tempo. Mas, como a informao no constitui um bem de produo material, objeto tpico do direito de propriedade, nem uma coisa incorprea no sentido do direito da propriedade intelectual, tem-se a necessidade de definir qual a sua natureza e ter uma definio clara das regras do jogo do mercado da informao (GONALVES, 1994).

    Tambm, a informao jornalstica defronta-se com crticas objetividade da mdia, dado que o limite interno da veraci-dade, aplicado ao direito informao, verdade subjetiva (FARIAS, 2000, p. 165).

    3 CONFLITO ENTRE O DIREITO VIDA PRIVADA E O DIREITO INFORMAO

    A dificuldade de controle tico sobre a informao jorna-lstica, frequentemente produz a coliso entre os direitos funda-

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    mentais da intimidade e da liberdade de expresso e informao. Segundo Farias, essa coliso pode ocorrer de duas maneiras: com a coliso entre os prprios direitos fundamentais e por meio do exerccio de um direito fundamental em coliso com a necessidade de preservao de outros valores constitucionais (AIETA, 1999, p. 183).

    Na hiptese de choque de direitos fundamentais, como o caso em exame, a soluo pode ser encontrada em alguns critrios, tais como: o cronolgico, o hierrquico e o da espe-cialidade.7 Entre os juristas, predomina a ideia de que, em caso de conflito entre o direito intimidade e informao, deve-se adotar o critrio hierrquico, dando prevalncia ao direito informao. Se o direito informao no for exercido mediante fins nobres, o exerccio arbitrrio do direito informao no considerado aceitvel.

    O mais usual que [...] a coliso dos direitos fundamen-tais da intimidade e da liberdade de expresso e informao encontre soluo, a partir da anlise da importncia dos prin-cpios concorrentes no caso concreto, avaliando se o critrio da razoabilidade da proporcionalidade est mais para um direito, ou para o outro (AIETA, 1999, p. 183). Se os direitos funda-mentais, no estiverem sujeitos reserva da lei, a soluo para eventual coliso [...] fica para os juzes ou tribunais (PEREIRA, 1996, p. 5). Nesse caso, importa observar se os direitos esto consagrados em regras e princpios, hiptese em que a soluo dever ter presente a distino apresentada (entre princpios e regras jurdicas)8, alm de submeter-se a outras regras, tais como

    7 O critrio cronolgico utilizado para a soluo do conflito de regras em casos em que uma sucede a outra cronologicamente; o hierrquico, quando um direito con-siderado superior ao outro; e o da especialidade, invocado para dirimir direitos incompatveis (AIETA, 1999, p. 184).

    8 Na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais, desenvolvida por Robert Alexy, em Teoria de los derechos fundamentales (1997, p. 82-86), as normas de direitos fundamentais distinguem-se em normas do tipo princpio e normas do tipo regra. A Teoria de los derechos fundamentales evidencia que o ponto decisivo para a dis-tino entre regras e princpios que os princpios so mandados de otimizao enquanto que as regras tm o carter de mandados definitivos. Enquanto manda-dos de otimizao, os princpios so normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possvel, de acordo com as possibilidades jurdicas e fticas. Isto

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    a inadmissibilidade processual das provas ilcitas e o princpio alemo da proporcionalidade, que nasce a partir dos julgados dos tribunais alemes que, em casos excepcionais, admitem a prova ilcita, alegando o princpio do equilbrio entre valores fundamentais em coliso.

    Esse princpio, no direito norte-americano, encontra simi-laridade com o critrio da razoabilidade. Aieta (1999) destaca que, no obstante o carter subjetivo desse princpio e os riscos que podem ocorrer com sua aplicao, a doutrina tem admitido a sua utilizao como mecanismo de [...] salvaguarda e manuteno de valores conflitantes, embora de sua aplicao possa acar-retar resultados desproporcionais, desusuais e repugnantes, se inadimitida a prova ilcita colhida. Assim, no tocante s provas ilcitas que favoream o acusado, a doutrina unnime em reco-nhecer a aplicao do princpio alemo da proporcionalidade, baseando-se no princpio constitucional do direito de defesa. No direito brasileiro, h uma tendncia evolutiva no tocante s provas ilcitas, na aplicao do princpio da proporcionalidade.

    Importa ainda observar que os problemas jurdicos suscitados pela utilizao da informtica e pela emergncia do mercado da informao so relativamente recentes e nem sempre encontram respostas claras nos quadros jurdicos exis-tentes.

    No direito informao, em se tratando de um campo no estabilizado, vicejam observaes interpretativas de tendn-cias, algumas das quais aproveitadas neste trabalho, que oferece uma reflexo em torno de matrias fortemente dinmicas, e por se ajustarem evoluo da tecnologia, das necessidades

    significa que podem ser satisfeitos em graus diferentes e que a satisfao da medi-da ordenada depende no s das possibilidades fticas seno jurdicas, que esto determinadas no s por regras, mas, tambm, essencialmente, pelos princpios opostos. Esse ltimo implica que os princpios so suscetveis de ponderao e, ademais, a necessitam. A ponderao a forma de aplicao do direito que carac-teriza os princpios. Ao contrrio, as regras so normas que sempre ou bem so satisfeitas ou no o so. Se uma regra vale e aplicvel, ento, est ordenado fazer exatamente o que ela exige; nada mais e nada menos. [...]. A subsuno para elas a forma caracterstica de aplicao do direito (N. T., texto em espanhol, apud RIOS, 2001, p. 65).

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    econmicas e da conscincia social e poltica. Nessa perspec-tiva, notrio que o exerccio da liberdade de expresso no pode ser confundido com o mrito das opinies e informaes divulgadas. Portanto, no h de se confundir a liberdade de expresso e informao jornalstica com a ideia de violao vida privada e intimidade.

    Um ponto decisivo nessa questo que a determinao de mbitos de liberdade sempre um juzo de ponderao entre normas fundamentais. Nesse caso, para alguns, esse juzo terminar dando prioridade a um individualismo extremo; para outros, o mesmo juzo produzir a maior gravitao dos bens coletivos.

    O problema da vida privada e a liberdade de expresso uma coliso entre princpios contraditrios, de maneira que o tratamento no discriminatrio exclui a liberdade de expresso, da mesma forma que o faz a intimidade privada. A liberdade de informar, igualmente reconhecida constitucionalmente, tambm pode colidir frontalmente com a vida privada. Na busca de um ponto de equilbrio, os tribunais tm afirmado que a liberdade de imprensa um direito absoluto somente em um aspecto: o de no estar submetida censura prvia. Mas seu exerccio pode implicar certas responsabilidades, principal-mente quando se abusa do direito de informar.

    4 CONCLUSO

    O desafio para a concretizao de princpios contradit-rios, como o direito vida privada e liberdade de imprensa, reside no poder de argumentao dos intrpretes da lei. Em tais casos, parece mister analisar o mbito de alcance de cada um dos princpios envolvidos, determinando-lhes a proporcionali-dade, pela funo que desempenham no ordenamento e serem interpretados implcita e explicitamente, colhendo seu signifi-cado em confronto com a realidade.

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    A interpretao das leis no deve ser formal, mas antes de tudo real, humana e socialmente til. Agindo assim, estar-se- contribuindo para a efetividade dos direitos humanos funda-mentais, enquanto princpios constitucionais, pois se estar caminhando para a concretizao dos mesmos.

    Os direitos fundamentais so estudados enquanto direitos jurdico-positivos, uma vez vigentes numa determinada ordem constitucional, razo pela qual so coisas desejveis, fins que merecem ser perseguidos, contudo, apesar de toda essa desejabi-lidade, ainda no foram totalmente reconhecidos. importante ressaltar a sua qualidade de direitos fundamentais colocados no mais alto degrau das fontes dos direitos: as normas consti-tucionais. E na medida em que encontram o reconhecimento nas instituies, deles deriva consequncias jurdicas. Nesse sentido, o sistema dos direitos fundamentais, constitucional-mente consagrado, concebido como um complexo normativo hierrquico no conjunto do sistema jurdico em geral.

    Na anlise dos direitos do homem, o problema mais grave, contemporaneamente, em relao a esses direitos, consiste no mais apenas em fundament-los, mas proteg-los; de modo que, o problema no filosfico, mas, sim, poltico.

    Se a vida privada consiste na excluso do conhecimento alheio de ideias e fatos respeitantes prpria pessoa (essncia da intimidade), pela sua tutela que se deve limitar a penetrao externa no mbito que cada um quer manter exclusivamente para si. A partir da, entende-se que a vida privada o direito de excluir razoavelmente da informao alheia, fatos e danos pertinentes ao sujeito.

    Presente a predominncia do interesse coletivo sobre o particular, cabe verificar em cada caso, o alcance respectivo. Na legislao brasileira, a vida privada inviolvel, e o juiz, a reque-rimento do interessado, deve tomar as providncias necessrias ou fazer cessar o ato contrrio norma do artigo 21 do Cdigo Civil Brasileiro de 2002.

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    imperativo que se busque a soluo para a coliso entre o direito vida privada e informao, por meio do princpio da finalidade, que traz no seu bojo a aclamao do interesse pblico. Mas, para tanto, faz-se necessrio que o intrprete compreenda o contedo dessa norma de direito fundamental violada, situado no contexto histrico concreto, sem ignorar a reali-dade dos fatos, a intensidade da leso e o estgio de conhecimento relativo realidade problematizada juridicamente.

    Este esforo, por parte do intrprete, o desafio que se coloca para solucionar o conflito entre o direito vida privada e o da informao, os dois princpios fundamentais em choque na tela deste estudo. Ambos so normas constitucionais do tipo princpios, tambm so normas do tipo regra constitucional, e exigem o cumprimento exato de seu contedo. Analisada desse ngulo, portanto, a regra do art. 220, 1, verifica-se que o exerccio da liberdade de informao limitado, tanto no mbito constitucional como no infraconstitucional, mas, neste milnio, faz-se necessrio uma tica que concilie as exigncias da vida social com a proteo do direito intimidade.

    Abstract: This article addresses the issue of the right to privacy and the right to information. Your goal is to examine these rights under the Consti-tution of the Federative Republic of Brazil in 1988, seeking a consensus for the discussions surroun-ding these two fundamental principles protected in the same constitutional level. The text builds on the study on the Right to privacy and journalistic information, using literature, sought to show the right to life and to information as fundamental rights and conflict between these rights. The study results indicated that the solution to the conflict between the right to privacy and the right to infor-mation must be sought in the Brazilian legal system and interpretation of constitutional norms.

    Keywords: Collision rights. Privacy. Information.

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