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REGIS:
UM MENINO
NO ESPAÇO
CELSO INNOCENTE
Regis: Um menino no espaço.
ISBN 978-85-914107-0-5
1ª edição
Celso Aparecido Innocente
Penápolis-SP
2012
Sumário
Prefácio ————————————————— 9
O sequestro ——————————————–— 11
Chegada à Suster ————————————— 35
Revendo o passado ——————————–— 59
Entrevista na Televisão —————————— 79
Um novo amigo ————————————–– 103
Castigo susteriano ———————————–– 125
A fuga ————————————————– 147
O retorno ———————————————– 171
Tristes Lembranças ———————————— 187
Uma grande prova de amor ————————– 205
Sobre o autor —————————————— 217
Outros trabalhos ————————————— 219
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Innocente, Celso
Regis [livro eletrônico] : um menino no espaço
/
Celso Innocente. -- Penápolis, SP : Ed. do Autor,
2012.
1235 Kb ; PDF
Bibliografia.
ISBN 978-85-914107-0-5
1. Ficção - Literatura infantojuvenil I. Título.
12-11117 CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura infantojuvenil
028.5
2. Ficção : Literatura juvenil 028.5
Esta ficção é composta por 4 volumes, a
seguir:
- Regis um menino no espaço,
- Um menino no espaço – 2ª parte,
- O retorno do menino do espaço,
- Regis um menino do planeta Terra.
Para aqueles humanos, Regis era
o mais importante e o mais belo
garoto do mundo. Acreditavam
que lhes pertencia por direito, até
que um dia, tiveram que lhes dar
uma grande prova de amor...
Prefácio
egis é um menino como tantos outros: tem
muitos amigos, principalmente de escola. Tem
nove anos de idade, gosta de brincar, estudar e embora
seja pobre, é muito feliz.
De repente ele tem seu destino completamente
modificado, ao ser é sequestrado na Terra e levado a um
planeta distante, por seres alienígenas, humanos como os
terráqueos.
Mas por que seres de outro mundo sequestraria o
menino da Terra?
Aqueles humanos vivem em um planeta muito
avançado e de certa forma, livres de doenças, guerras,
dores ou morte, podendo por isto, serem consideradas
pessoas felizes. Mas falta-lhes algo, para que essa
felicidade seja possível.
Um mundo imortal, onde as células não se
dividem e não se multiplicam, portanto, as pessoas
deixaram de serem férteis e por isto lhes falta a coisa mais
simples da vida: o sorriso e pureza das crianças.
Por isto, o menino da Terra, fora acompanhado
desde seu nascimento e então, estava na hora de ser
R
levado ao seu mundo, para lhes transmitir amor,
simplicidade, ternura e felicidade.
Mas Regis conseguiria lhes dar tudo isto, se ele
mesmo não poderia ser feliz? Não, estando distante de
seus pais, amigos e insignificante mundo chamado Terra.
Entre no pequeno mundo de Regis. Quem sabe
você também se apaixone por este garotinho simples e
com o dom de transmitir amor.
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O sequestro
eia hora antes do meio dia, do dia vinte e
cinco de Março do ano um mil novecentos e
oitenta, na Escola Estadual de Primeiro Grau Marcos
Trench, na cidade de Penápolis, estado de São Paulo,
Brasil, América do Sul, planeta Terra, sistema Solar, desta
mesma Via Láctea, soara o sinal, indicando o final das
aulas, para aquele período do dia.
Eu, nove anos de idade, recém-completado,
branco, com cabelos e olhos castanhos, cursava a terceira
série do primário. Saíra da escola, com bolsa escolar
marrom, tipo valise, na mão direita, usando um short em
tergal, azul marinho; um calçado tipo tênis da Alpargatas,
em lona, azul escuro e solado branco (quer dizer: seria
branco se não estivesse encardido de terra, devido às
artes de menino sapeca); uma camisa (não camiseta)
também em tergal, branca, com único bolso, no lado
esquerdo do peito com as letras G E M T bordada em
linha também azul marinho. Acompanhado por
Elizabeth, minha colega de classe e companhia, desde o
pré-primário. Ela, uma garota de minha idade, usava uma
saia também de tergal azul marinho, que chegava até a
M
Celso Innocente
12
metade da coxa e uma blusa idêntica à minha camisa,
salvo pelos botões, os quais, enquanto os das camisas dos
meninos ficava do lado direito o das meninas era do lado
esquerdo. Ela, morena clara, cabelos negros, lisos, longos
e muito bonita; acho que a mais bonita de toda a escola.
Seguíamos sempre juntos, de volta à nossas casas,
distante aproximadamente três quilômetros.
Subimos à Rua Jacomo Paro e ao adentrarmos à
Rua Mato Grosso, que era cheia de entulhos e sem
pavimento asfáltico, atrás da Casa Anjo da Guarda, lhe
convidei:
— Beth, vamos atravessar pelo aeroporto!
— Por quê? — Perguntou-me ela, espantada.
— Por nada! Eu só queria passar por lá! Não
precisa ter motivos!
— E você acha que isto é convite que um menino
faz a uma garota?
— Por que não?
— Quem você pensa que eu sou Regis?
— Uma menina bonita! — Afirmei rindo.
— Obrigada pelo bonita! — Insinuou ela séria. —
O que você pretende?
— Por quê? — Gesticulei sem entender nada.
— No aeroporto tem mato!
—Tem trilhas!
— Continua tendo matos!
— E o que tem isso?
— Muita coisa! — Disse-me ela brava.
— Por favor, Beth, não pense mal de mim!
— Quem você pensa que eu sou pra andar no
mato com meninos?
— Desculpe-me, não estou pensando nada!
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— Quer ir por lá, que vá você! Eu irei pelo
caminho de sempre!
— Você não se importa, se eu for por lá?
— Claro que não! Eu não mando em você!
— Então tchau! Vá direto pra casa!
— Afinal de contas, o que você vai fazer no mato?
— Apenas atravessá-lo! Tchau!
Ela seguiu o mesmo caminho de sempre e eu, por
outro, em busca de aventuras, atravessando pelo
aeroporto, que realmente era cercado por denso matagal
que até encobria meus um metro e trinta centímetros de
altura.
Ao estar aproximadamente no centro daquele
campo cerrado, percebi um forte zumbido que fazia
lembrar um tipo de motor, vindo do alto. Olhei para cima
e avistei um estranho objeto, que se aproximava muito
rápido. Quis sair correndo, mas não consegui; estava
paralisado por aquela visão, que: ou eu estava dormindo,
ou era bem real.
O objeto pousou suavemente; quer dizer: ficou
levitando a uns dois metros de altura, a uns quatro
metros de distância. Era um desses objetos que o homem
diz: óvni. Um verdadeiro disco voador. De qualquer
forma, algo muito grande e bonito, nas cores: preta e
dourada.
Uma ranhura em formato oval se formou de
repente na parte inferior do estranho objeto, formando
assim o que seria a porta, se abrindo lentamente e
deixando cair até a uns trinta centímetros do solo, uma
escada de cinco degraus, feita a principio como se fosse
estanho derretido, que se solidificou rapidamente,
permanecendo prateada. Na entrada daquele estranho
objeto apareceu um vulto humano, trajando riquíssimas
Celso Innocente
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vestes de seda azulada. Quando pensei em fugir, o ser me
chamou:
— Pare, Regis!
Parei, olhando para ele, que me ordenou, fazendo
gestos com o dedo indicador:
— Se aproxime.
Não sei por que, mas ao contrário de que mamãe
sempre me aconselhou, de não me aproximar ou falar
com estranhos, obedeci a sua ordem. Quem era aquele
estranho em forma de humano que sabia meu nome? Ao
me aproximar da escada, ele me ordenou:
— Entre, por favor!
Permaneci parado por alguns segundos, depois
lentamente, talvez hipnotizado, subi os degraus e
adentrei naquele estranho veículo. A escada subiu
rapidamente, me fazendo assustado a olhar para trás e
ver a porta se fechar também rapidamente. Agora eu me
encontrava dentro de uma grande sala. O homem,
moreno, cabelos escuros, curto e bem penteado, de uns
vinte e cinco anos de idade, me saudou:
— Bem vindo à bordo, Regis!
— Q... Quem é... o senhor? — Perguntei assustado.
— Como sabe meu nome?
— Meu nome é Tony e eu sei tudo sobre você, não
apenas seu nome!
— Como assim? De onde o senhor veio? Do
espaço?
— De um planeta chamado Suster!
— Suster!... Outro planeta?
— Isto mesmo! E é pra lá que estamos levando
você!
— Estão me levando? Em quantos são vocês?
— Aqui na nave? Ou em nosso planeta?
Regis: um menino no espaço
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— Na nave?
— Apenas dois!
— E esse troço?... Já tá voando?
— Desde que a porta se fechou!
— Não pode ser! Eu quero descer! Abra essa
porta!
— Impossível Regis! Já estamos muito longe de
sua Terra! Já estamos fora do seu sistema solar!
— Não pode ser! — Duvidei. — Acabei de entrar!
— Aqui dentro, o tempo é diferente de seu tempo
lá fora. Esta nave viaja a milhões de quilômetros por hora!
— Só tenho nove anos, mas não sou tão bobo! —
Neguei convicto. — Nada do mundo pode voar a milhões
de quilômetros por hora!
— Não soube me expressar, Regis! — Riu o
homem zombeteiro. — Milhões de quilômetros por
minuto! Aliás, por segundo.
— Por acaso, hoje li em meu livro de ciências, que
não existe nada no mundo, capaz de voar a mais do que
quatro mil quilômetros por hora.
— A luz viaja a um bilhão e oitenta milhões...
— A luz pode até ser... — Concordei gesticulando.
— Nossa nave cria um efeito que seus cientistas
dirão, dobra de espaço e tempo. É o mesmo que
esticássemos o espaço atrás de nós e o encolhêssemos à
nossa frente, deixando a nave seguir protegida por uma
imaginária bolha gigantesca.
— Não fui eu quem escrevi meu livro de geografia
e ciências!
— Seu livro não sabe nada! — Riu o homem. —
No espaço sideral não existe gravidade, portanto não
existe atrito e o tempo é bem diferente do seu!
— O que?
Celso Innocente
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— Esqueça atmosfera terrestre, ionosfera,
troposfera, estratosfera e tudo mais o que você aprendeu
sobre espaço e tempo. Como já lhe disse: estamos fora de
seu sistema solar.
— Mas... Por que vocês... estão me se...
seques...trando? Eu sou um menino pobre. Não tenho
dinheiro pra dar a vocês!
— Nós queremos você, não o seu dinheiro! Seu
dinheiro em meu mundo é lixo!
— Mas por que vocês me querem? — Senti as
lágrimas molhando meu rosto. — O que irão fazer
comigo?
— Não tenha medo! — Me abraçou o homem. —
Nada de mal vai lhe acontecer!
— Como não? Ir pra longe da minha casa, não é
mal?
— Você será um garoto feliz conosco.
— Eu não quero ir!
— Mas não tem querer! Já estamos indo! A
milhões de quilômetros por minuto!
As lágrimas aumentaram. Joguei minha bolsa
escolar no piso, virei-me ao que seria a tal porta daquela
nave e mesmo não havendo nenhum sinal dela por ali,
espanquei fortemente o local gritando:
— Não quero ir! Me deixe descer!
— Calma menino! — Pediu tal homem, tornando
me abraçar calmamente. — Tudo ficará bem!
— Nada está bem! Quero voltar pra casa!
— Imagine-se em um bonito passeio pra se
estudar ciências prática!
— Mas quem são vocês? Como falam a minha
língua?
Regis: um menino no espaço
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— Nós não falamos sua língua! Você é quem fala a
nossa!
— Mas eu falo Português!
Retirou de seu pescoço, uma correntinha azulada,
contendo uma minúscula caixa em formato oval,
dourada, dependurada, colocou-a sobre minha cabeça,
deixando-a pendurada em meu peito, dizendo:
— Use isto!
— Pra que serve?
—Com ela você entenderá qualquer linguagem
falada pelo homem, em qualquer lugar do Universo.
Acariciei aquele objeto de metal precioso, como se
fosse algo sagrado. O homem me chamou:
— Vamos conhecer o Rud, na cabine da nave.
Sem nada falar, porem ainda assustado e
cauteloso, apanhei minha bolsa e acompanhei aquele
homem. Entramos em um pequeno corredor e depois de
alguns passos, paramos diante de uma porta transparente
esverdeada, que se abriu sozinha. Entramos, Tony sentou-
se em uma poltrona transparente, feita, assim como a
porta, talvez de acrílico, enquanto eu permaneci de pé,
mesmo porque ali só existiam duas daquelas poltronas. O
tal Rud, moreno de uns vinte e cinco anos, também
trajando vestes de seda, estava diante de um painel
contendo dezenas de botões, de cores predominantes em
azul muito claro e preto; diante do Mecanismo, que fazia
aquele enorme disco se mover pelo espaço ou tal vácuo,
embora aparentava estar parado.
Ao nos ver entrar, girou a cadeira em cento e
oitenta graus, e rindo gozador, insinuou:
— Ora, vejam só, se não é o nosso garoto Regis!
— Nosso garoto Regis!— Exclamei admirado.
Celso Innocente
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— Isso mesmo! — O confirmou. — Se você
soubesse há quanto tempo estamos esperando por este
momento!
— Tempo! Nosso garoto! Esperando esse
momento! — Exclamei. — Quer me explicar melhor?
— Claro! — Interferiu Tony. — Quantos anos você
acha que eu tenho?
Rud voltou aos comandos da máquina.
— Uns vinte e cinco! — Respondi. — Por quê?
Rud riu zombeteiro e completou:
— Cinco mil anos, mais ou menos! Perdi a conta!
— Acha que acredito nisso?
— Tem que acreditar, pois é a verdade! —
Insinuou Tony.
— Cinco mil anos... é muita coisa!
— Mas é verdade! — Disse Rud, sério.
— Vocês já teriam morrido!
— Acontece que somos imortais! — Riu Rud.
— Não existe imortal! — Neguei fazendo careta.
— Só Deus!
— Talvez já vivemos no paraíso!
— No paraíso não tem disco voador!
— E essa carinha de lágrimas? Dá pra limpar?
— Como vocês sabiam que iam me encontrar,
naquele mato no aeroporto, a essa hora?
— Nós traímos você pra lá! — Explicou Tony.
— Como assim?
— Dominamos sua mente...
— Ninguém domina a mente de ninguém! —
Interferi duvidando.
— Como a cobra Naja faz com sua presa? —
Ironizou o tal Rud.
Balancei os ombros como a não compreender.
Regis: um menino no espaço
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— Fizemos você ir até aquele local! Ao pousarmos,
fizemos você ficar paralisado. A seguir, fizemos você
entrar nesta nave.
— Eu não entendo! — Insisti. — Sou apenas um
moleque! Por que vocês me querem?
— Você não é um moleque! É um menino! E é por
isto mesmo que o queremos! — Explicou Rud. — Só
queremos você! Não o trocaríamos por qualquer outro!
— Por que não?
— Porque você é o nosso menino! — Explicou
Tony. — Desde o seu nascimento, esperamos ansiosos por
este momento. Você não pertence à Terra!
— Mentira! — Neguei assustado, com novas
lágrimas. — Eu nasci na Terra! Tenho pai, mãe e cinco
irmãos!
— Você só nasceu na Terra! Mas não é de lá!
— Mentira! Me levem de volta!
— Calma! — Pediu Tony. — Visitaremos meu
planeta! Continuaremos esta aula de ciências avançada,
falaremos de astronomia, depois veremos o que fazer.
— E quando chegaremos a seu planeta?
— Em novecentas e cinquenta e sete horas de
viagem! — Explicou Tony1.
— É uma longa viagem! — Disse Rud. — Você
precisará descansar. Vá com Tony.
Acompanhei Tony, que me levou a outra parte do
disco. Entramos em um quarto diferente: as paredes eram
douradas, as duas camas azulada, feitas de um material,
que parecia acrílico e forradas por ricos tecidos de, talvez
lã. A parede enfeitada por espelhos sobrepostos.
Assim que entramos, ele me disse alegre:
1 E este tempo não era o mesmo baseado na Terra.
Celso Innocente
20
— Aqui será seu aposento durante a viagem! Não
precisa ter medo, pois nada de mal o assustará. Pode
descansar sossegado!
Abriu um armário com muitas roupas,
semelhantes às minhas e disse:
— Confeccionamos algumas roupas iguais às suas
e trouxemos, pois a viagem é muito longa e acredito que
você vai querer vestir outras.
Tomou a bolsa escolar de minhas mãos e a
acomodou na parte superior do armário, fechando-o,
depois dirigiu-se à porta para sair, mas resolvi perguntar-
lhe assustado:
— Por que vocês estão me levando pra lá? O que
farão comigo?
— Só lhe daremos amor! Pode acreditar!
— Como posso acreditar nisso? Vocês estão me
tirando de meus pais!
— Você é nosso garoto! Já disse! E é muito bonito
também!
— Êpa! Sou homem oh!
— Homem não pode ser bonito? — Brincou ele.
— Não sou garoto de vocês! Eu nasci na Terra!
— Mas nós o amamos!
— Nós quem? Quantos são vocês?
— Cerca de três bilhões e quatrocentos milhões de
habitantes. Todos falam a mesma língua e todos te amam
igualmente.
— Todos sabem meu nome?
— Naturalmente!
— Como pode ser? Onde fica seu planeta?
— Na Via Láctea mesmo! Sabe o que é Via Láctea?
— O nome de nossa galáxia!
— Muito bem!
Regis: um menino no espaço
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— Sabe o que significa Via Láctea? — Perguntei
com leve sorriso.
— Como assim?
— O significado desse nome!
— Não! Não sei! — Negou ele surpreso.
— Caminho de leite! – Insinuei com a cara de
maior inteligente do mundo. Foi bom aprender alguma
coisa na escola.
— Parabéns! – Acho que ele quis me cativar. –
Nosso planeta está a oitenta e sete anos-luz da sua Terra!
Você sabe quanto é oitenta e sete anos-luz?
— Nem imagino!
— Sabe quanto é um ano luz?
— Também não!
— Sabe o que é ano luz?
Acenei negativamente com a cabeça.
— É à distância percorrida pela luz no período de
um ano terráqueo. Pois bem: um ano luz é igual a nove
trilhões, quatrocentos e sessenta bilhões e quinhentos e
trinta e seis milhões de quilômetros. Imagine oitenta e
sete anos luz!
— É muito longe mesmo!
— Vir de nosso planeta ao seu para buscá-lo, está
nos custando o equivalente a mais de duzentos milhões
de cruzeiros! Isto se fosse calcular no seu dinheiro
brasileiro!
— Mas nosso dinheiro é lixo pra vocês! —
Exclamei com sorriso maroto.
— Estou só comparando! — Corrigiu Tony.
— Nossa! Não teria sido melhor economizar todo
esse dinheiro?
— Não! Você vale muito mais do que isso!
Celso Innocente
22
Finalmente dei um leve sorriso animado e
insinuei:
— Não sabia que era tão valioso!
— Pois pra nós você é! Boa viagem!
E se retirou me deixando sozinho. A porta se
fechou e eu, ainda muito assustado pulei sobre a cama
para talvez, pensar no que estava ocorrendo.
*
Levantei-me, após ter dormido por algumas horas.
Ao me aproximar da porta, ela se abriu sozinha. Olhei
admirado, depois saí e segui para a cabine dos...
astronautas, ou sei lá como se chamam os alienígenas
humanos.
Chegando à porta, ela se abriu; entrei e ela tornou
a se fechar. Rud manejava a máquina. Tony não se
encontrava. Assim que entrei, Rud me olhou, me
cumprimentando:
— Olá garoto! Sente-se.
Em silêncio, sentei-me na cadeira ao seu lado, a
qual seria a de Tony e fiquei admirando os muitos botões
daquele estranho disco voador. À nossa frente víamos o
espaço sideral, por um grande, digamos pára-brisa de
vidro ou acrílico transparente.
A velocidade daquela máquina era tanta, que mal
dava para distinguir o que se aproximava. Muitas vezes,
um pontinho que surgia a muito longe, aumentava tão
rápido e logo já era ultrapassado por nós.
— Você dormiu? — Perguntou-me Rud, cortando
o silêncio.
— Um pouco... — Respondi. — Que horas são?
— Depende de onde você quer saber!
— Da Terra! Onde mais?
Regis: um menino no espaço
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— No estado de São Paulo, agora são vinte e uma
horas.
— Como? — Estranhei. — Eu não dormi tanto
assim!
— Aqui dentro desta nave, devido a alta
velocidade em que estamos, parece que o tempo passa
devagar, por isso você dormiu bastante e lhe parece
pouco.
Fiquei triste e calado. Rud percebeu e me
perguntou:
— Por que você está triste?
— Papai e mamãe devem estar preocupados
comigo!
— Não se preocupe com eles!
— Como não! — Comecei a chorar. — Eu os amo e
sei que eles me amam também!
— Eles têm outros filhos! Você não fará falta!
Foi aí é que chorei mais.
— Como não farei falta? Quer dizer que sou
qualquer coisa, que não se querendo mais, se joga no lixo?
— Não quis dizer assim! Pare de chorar!
— Eu não quero ir pro seu planeta! Quero ficar na
minha casa!
— Deixe de ser bobinho! Você gostará de viver em
Suster!
A porta se abriu e entrou Tony com uma bandeja
cheia de alimentos. A porta tornou a se fechar e ele, após
colocar a bandeja em uma pequena coluna no lado
esquerdo da cabine, afirmou rindo:
— Você é muito esperto garoto! Pensei que jamais
teria coragem de sair de seus aposentos!
— Estava com medo de ficar lá sozinho!
— Medo de que? — Caçoou Rud.
Celso Innocente
24
— Sei lá! — Neguei, ainda com lágrimas. — Tenho
medo!
— Ouça Regis: — Pediu Tony. — Não precisa
temer nada! Aqui só estamos nós três! A nave é
completamente lacrada e nada entrará nela! Eu e Rud te
amamos muito! Por isto, nada de mal lhe faremos.
— Isso mesmo! — Confirmou o senhor Rud. —
Vamos comer um pouco?
— Por que você está com lágrimas? — Perguntou-
me Tony.
— Quero ir pra minha casa!
— Tudo vai ficar bem! Coma alguma coisa!
— Não quero!
— Aproveite, por que a próxima alimentação só
daqui a pelo menos cinco dias. — Insistiu Tony.
— Por quê? — Espantei.
— Na verdade! — Continuou Tony. — Em uma
viagem espacial, a gente não consome muita energia e
dorme bastante. Com isto, quase não precisa se alimentar.
Também quase não precisa ir ao banheiro!
— Na nave tem banheiro?
— Claro! — Riu o senhor Rud. — Onde você faria
xixi? Ou...
A comida eram frutos iguais à batata, só que de
sabor incomum e agradável; outros iguais a cenoura,
também com sabor diferente e um refresco azul, com
gosto de suco de amora.
Após aquela refeição, Rud se levantou, entregando
o comando da nave para Tony e se retirou, levando a
bandeja e alegando ir dormir um pouco para descansar.
Permaneci sentado, até que Tony olhasse sério
para mim. Então me levantei dizendo:
— Já sei! Não posso ficar aqui!
Regis: um menino no espaço
25
— Muito pelo contrário! — Riu ele. — Se quiser
ficar será um prazer!
— Então posso ficar?
— Se você preferir!
— A viagem até seu planeta é longa! Como o
combustível é suficiente?
— Ora! Porque nós criamos o combustível,
enquanto viajamos!
— Como assim?
— Vou lhe explicar: nossa nave não queima
gasolina! O combustível dela é formado por gás
carbônico!
— Gás carbônico?
— Isso mesmo! Em seu planeta, o homem aspira
oxigênio e expira o gás carbônico. Não é isso?
Acenei que sim com a cabeça.
— Com as plantas, acontece o contrário. Não é
mesmo?
— As plantas aspiram ao gás carbônico e
eliminam o oxigênio. O que é bom pra nós humanos!
— Aqui dentro da nave, acontece o mesmo
processo terráqueo!
— Isso quer dizer que quanto mais pessoas
viajarem aqui dentro, melhor será?
— Teoricamente sim!
— Esta nave funciona como se fosse um... Bicho?!
— É! — Riu Tony. — Parece ter vida!
— Onde ficam os pulmões?
— E o coração?... E o cérebro?... É como uma
planta! Mas realmente tem seus pulmões, coração,
cérebro, artérias...
— E como a pressão do espaço não danifica a
nave?
Celso Innocente
26
— Como assim? No espaço sideral não há atrito!
— Não sei o que é isso! — Franzi o nariz e a boca.
— Me diga como seus aviões viajam pelo seu
espaço aéreo, sem sofrer qualquer dano?
Balancei os ombros sem saber respostas de
adultos.
— Antes das suas aeronaves saírem do solo elas
passam por um processo de descompressão, sendo assim,
elas podem viajar em segurança pelo espaço.
Me olhou sério por um instante, depois
perguntou:
— Entendeu?
— Nadinha! — Neguei balançando os ombros.
Pensei um pouco e continuei:
— E em seu planeta?
— Nosso planeta é praticamente igual ao seu! É
formado por dezoito por cento de oxigênio, um de gás
carbônico, setenta e oito de nitrogênio, dois por cento de
vapor d’ água e um por cento de outros: Carbono por
exemplo.
— Se a gente ex... exp...
— Expira! Elimina...
— Se a gente elimina gás carbônico, quer dizer que
se eu soprar em um papel ele ficará preto?
— Não! — Estranhou ele. — De onde você tirou
isso?
— O carbono é preto!
— De onde você tirou isso?
— Do papel carbono!
— Nada a ver! — Riu o homem. — Papel carbono
é feito de tinta! Gás carbônico é o que seu pulmão elimina
no ar! Um gás invisível!
— Unh! — Fiz careta.
Regis: um menino no espaço
27
— Não entendeu nada! Não é?
Dei de ombros.
— Em nosso organismo o que cria o gás carbônico
é a solidificação dos alimentos que consumimos,
misturados ao oxigênio. Essas coisas são muito complexas
pra sua idade. Vou exemplificar sem que você se apegue
muito: Gás carbônico na verdade é dióxido de carbono.
Por quê? Sabe o que é CO2?
— Gás carbônico! — Dei de ombros.
— Por quê?
Dei de ombros.
— Uma partícula de Carbono e duas de...
— Oxigênio?!... — Insinuei confiante.
— É isso! Vamos parar por aqui?
— E o solo de seu planeta? Estudei essas coisas!
— É quase igual ao seu! Pode acreditar!
Voltando a olhar para o espaço sideral, que se
deslumbrava pela visão no visor daquela nave, comecei a
não entender como que aqueles homens poderiam
conhecer um caminho tão distante, o qual era a ligação
entre um planeta chamado Suster e nossa querida Terra.
Então resolvi continuar perguntando:
— Tony como você e o Rud, pode conseguir
pilotar esta nave e saber o caminho correto, que os levam
da Terra até seu planeta?
— Ótima pergunta Regis! Na verdade, esta nave
nem é muito... pilotada por nós. A gente simplesmente a
acompanha. Ela é dirigida automaticamente por um
poderoso computador de bordo e mesmo para ele, seria
muito difícil, saber o caminho exato entre nossos mundos!
— Um computador guia esta nave?
— Sim! O mais poderoso já criado por um ser
humano!
Celso Innocente
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— E mesmo ele não pode saber o caminho exato?
— Isso mesmo! Antes de nossa viagem, a rota foi
cuidadosamente calculada por cientistas, com auxílio
desse computador. Só assim, nos foi possível chegar até
você.
— É muito difícil entender como isto seja possível!
— É fácil entender Regis! Com este cálculo
complicado, é como se estendêssemos uma linha, ou
estrada invisível, ligando seu planeta ao nosso e a nave só
pode seguir por esta estrada! Imagine um trem de ferro!
Já andou num?
Acenei que sim e perguntei:
— Ela jamais desvia de sua rota? — Perguntei.
— Claro que sim! — Exclamou Tony. — Embora a
gente não perceba, a nave se desvia da rota a todo o
momento, mas já no momento seguinte, o próprio
computador de bordo, corrige esta rota! Nós, os
astronautas, como você nos chamaria, nem percebemos
que isto ocorreu.
— Por que isto ocorre? Algum defeito?
— Não! A nave e o computador são perfeitos! O
que acontece é que somos constantemente bombardeados
por meteoritos, que vagam perdidos pelo Universo!
Quando estes meteoritos são muito pequenos, não nos
causa nenhum mal, pois a nave alem de muito resistente a
estas pancadas, funciona como um repelente, tirando-os
do nosso caminho. Você já viu um imã com dois pólos
iguais?
Balancei os ombros em dúvida.
— Se a gente tentar aproximar dois imãs com os
mesmos polos, eles se afastarão.
Regis: um menino no espaço
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— Ãh! Me lembrei! — Interrompi-o com a voz
forte. — Eu já fiz isso! Ele cria uma força que não deixa
grudar!
— Assim é a nave, em relação aos meteoritos
pequenos. Mas acontece que existem meteoritos do
tamanho de sua cidade e estes destruiriam com certeza
nossa nave e aí nem mesmo seres imortais como nós
conseguiríamos sobreviver.
— Nesse caso a nave é que desvia deles?
— Com certeza! Corrigindo a rota logo em
seguida!
— Fazendo ziguezague no espaço! — Ironizei
rindo.
— Sei que você é pequeno pra entender muito
sobre essas coisas, mas sua Terra também tem um
processo semelhante à nossa nave!
— Tem!? — Me admirei. — Como assim?
— No centro de sua Terra, bem lá no meio, no
núcleo, existe algo como uma grande bola completamente
de ferro, que gira a uma velocidade incrível. Então existe
outra camada, circulando essa tal bola, em sentido oposto,
feita de ferro líquido, que cria um tal campo magnético
que protege sua Terra contra os poderosos ventos
solares...
Não estava entendendo muito, mas prestava
atenção.
— Não está entendendo nada! — Desconfiou ele.
— Não é Regis?
— Mais ou menos! — Fiz gesto com as mãos. —
Mas estou gostando.
— O campo magnético protege a atmosfera
terrestre, evitando assim que a água do planeta se
evapore. — Continuou ele.
Celso Innocente
30
— É? — Admirei.
— Se isso não existisse, a Terra acabaria sendo
como Marte, um local ermo, sem vida, como um grande
deserto.
— Marte deveria ser igual à Terra? — Perguntei-
lhe surpreso.
— Marte é igual à Terra! Mesmo tipo de solo! Só
que como os ventos solares destruíram sua atmosfera,
fazendo com que toda a água se evaporasse, acabou
morto.
— Como o senhor sabe tudo isso sobre a Terra? O
senhor mora do outro lado do... Universo!
— Primeiro: Eu sei tudo isso, porque meu planeta
é igual ao seu! E lá é assim! Depois, eu não moro do outro
lado do Universo! Sou seu vizinho!
— Vizinho!? — Admirei. — O tanto que já
viajamos e ainda falta pra chegar, você... o senhor... fala,
vizinho?
— Regis! Meu planeta fica na mesma galáxia que
sua Terra! Essa galáxia é formada por trezentos bilhões de
estrelas! O Universo possui milhões de galáxias! Só na Via
Láctea existem cem bilhões de planetas.
— Ufa! — Passei a mão na cabeça.
— Se quisermos comparar a distância entre Suster
e a Terra em relação apenas à Via Láctea, basta
imaginarmos a distância que fica sua casa e a casa de sua
namoradinha!
— Elizabeth!? — Insinuei forte. — Ela não é minha
namorada! É apenas amiga de escola!
Durante muitas horas, viajei ali, sentado ao lado
de Tony e embora muito triste e preocupado, estava
gostando muito daquela viagem. Por eles conversarem
muito, acabaram realmente me cativando e com isto, me
Regis: um menino no espaço
31
tornei amigo dos dois e sabia que eles realmente me
amavam muito. Durante a viagem, os dois me ensinavam
a pilotar aquele estranho aparelho, que, mesmo meus
singelos nove anos de idade, me deixavam acreditar, que
cortava o espaço, a uma velocidade de milhões de
quilômetros por minuto... Quer dizer... Por segundo!
Eles me falavam muito sobre a nave e seu planeta;
mas nunca tudo o que eu realmente gostaria de saber.
Eles julgavam minha pouca idade, incapaz de
compreender a complexidade do Universo, com estrelas
da morte, buracos negros, poeiras e raios cósmicos...
Durante toda aquela viagem interplanetária, eu
fôra2 muito bem tratado e já começava a me sentir muito
bem. Afinal, estava me tornando uma criança muito
mimada. Mas mesmo assim, chorava praticamente todos
os dias, principalmente quando estava sozinho, pois, sem
ter o que fazer, começava a pensar em meus pais, irmãos,
escola e amigos.
Muitas vezes, em meu leito, começava a pensar: o
que será que papai e mamãe estão pensando que
aconteceu comigo? Será que a polícia está me
procurando? Naquele dia, acho que a mamãe foi me
procurar na casa da Beth. Tadinha! Bem que ela, não
queria passar pelo aeroporto... Ela achava que eu queria
fazer alguma brincadeira errada com ela. É bobinha! Eu
gosto muito dela, como amigo! Ela é tão bonita que até
parece uma princesa! Jamais faria alguma coisa que não
devesse... Não sou doido! Chegando de tarde, mamãe
deve ter me procurado na casa do senhor Luciano! Ele é
2 Na Língua Portuguesa não se acentua o verbo ir no singular do
Pretérito Mais-Que-Perfeito, mas para que não seja confundida com o
advérbio ou preposição fóra, que também não é acentuada, neste livro,
preferi adotar o tal acento circunflexo em fora.
Celso Innocente
32
muito bom pra mim! Me quer como se eu fosse seu filho!
Mas seu filho verdadeiro vai nascer logo! Espero que ele
não deixe de gostar de mim! Nem ele e nem dona Sara!
* *
E foi assim, durante muitos dias de viagem pelo
desconhecido, onde a maior parte do tempo passava na
cabine, quase nunca ficando em meus aposentos, o qual,
considerava muito solitário.
— Senhor Tony, nos filmes que vejo dos
astronautas indo pra lua, eles flutuam dentro da nave.
Aqui dentro de sua nave nós permanecemos normais. Por
quê?
— Isso tem a ver com a força gravitacional dos
planetas. Quando os astronautas deixam a Terra, eles
acabam entrando em uma ilusão de gravidade zero. É
como se eles pesassem o mesmo que uma mecha de
algodão, por isso flutuam.
— E como com a gente... Ainda mais eu, que peso
bem menos do que um homem, não acontece igual a eles,
nesta nave?
— Você é muito observador, menino! — Riu o
senhor Tony. — Já que você é observador, você percebeu
o formato de nossa nave?
— Como formato? — Gesticulei.
— Como ela se parece? É igual seus foguetes
espaciais?
— Não! Ela se parece mais com uma bolacha
redonda!
— Pois é! Embora a gente não perceba, alem de
nossa nave se deslocar a uma grande velocidade, no
sentido curvo do espaço, durante alguns minutos por
hora, ela gira em torno de si própria, criando o tal efeito
Regis: um menino no espaço
33
de gravidade, diferente de zero. Por isso a gente não
flutua.
— Ela gira!? — Fiz careta. — Igual um ventilador!?
— Pra você ver! — Riu o homem.
— Por isso que estou mais tonto do que sempre
fui! — Exclamei com sarcasmo.
— A gente nem percebe isso! E nem fica mais
tonto do que sempre foi! Se não ficaríamos enjoados,
igual quando se está em um barco balançando no mar.
— Pra que precisa disso? — Abri os braços,
fazendo gesto de uma grande ave de rapina. — Até que
seria legal, sairmos flutuando dentro da nave!
— O objetivo de criarmos este efeito centrífugo,
não é para evitar que flutuemos. O motivo é muito mais
importante do que isto. Imagine seu corpo, ossos,
organismo, sangue, temperatura... acostumados a uma
grande força gravitacional, passar trinta dias preso a uma
gravidade zero!
— O que tem?
— Você simplesmente morreria!
E era assim, apesar de triste, muito curioso,
durante todo o tempo.
Acabava muitas vezes até dormindo ali, ao lado de
quem tivesse no comando da nave e com isto, devido o
desconforto da poltrona, ele acabava me levando para
meu quarto, onde, uma vez no conforto da cama, acabava
dormindo por mais de doze horas seguidas, embora,
aparentemente não parecia mais do que uma ou duas.
Estava me acostumando aos segredos de uma
viagem aeroespacial, que realmente é muito complexa e
teríamos que estudar durante muitos anos para poder
compreendê-lo melhor.
Celso Innocente
34
Regis: um menino no espaço
35
Chegada à Suster
ntão, fui despertado por senhor Tony:
— Estamos chegando Regis! Em poucos
minutos estaremos pousando em solo firme.
— Como assim? — Me admirei. — O senhor Rud
me disse que teríamos uma viagem de setenta dias! Ainda
não viajamos nem dez!
— Já estamos no espaço com você, por quase
setenta e um dias!
— Não faz nada disso senhor Tony! — Sentei-me
sobre a cama.
— Lembra quando lhe dissemos que aqui dentro o
tempo passa mais devagar? Você tem a impressão que se
passou apenas alguns minutos, mas na realidade já se
passaram horas!
Após quase trinta dias susterianos de viagem pelo
espaço sideral. Ou seja: Novecentos e cinquenta e sete
horas susteriana, que é igual há setenta dias, vinte e uma
horas e dezessete minutos (pouco mais de mil setecentas e
uma horas) terráqueas, dia quatro de Junho, às oito horas
E
Celso Innocente
36
e cinquenta minutos3. Seguimos juntos para a cabine da
nave, permanecendo de pé, junto aos dois astronautas.
— Como esta nave pode suportar uma viagem tão
distante? — Perguntei. — Como ela pode voar tão
rápido?
— Como assim? — Retrucou Rud.
— É praticamente impossível algum material no
mundo, ultrapassar a velocidade da luz! — Afirmei.
— Quem lhe disse que a velocidade da luz tem
que ser o limite? — Quis saber Tony.
— Li no livro de ciências, que qualquer material se
desintegraria a uma velocidade maior do que quatro mil
quilômetros por hora.
— Você já disse isso!
— Sei que já! — Balancei os ombros. — Por que os
professores fazem as crianças aprenderem isto, se não é
verdade?
— Seus cientistas ainda não compreendem sobre
uma viagem espacial. Eles lhes ensinam o que sabem!
— Tadinho de meu aprendizado de astrologia!
— O que astrologia tem a ver com nossa viagem?
— Riu o homem.
— O senhor é bobo? — Gesticulei. — É o que
estamos falando!
— Estamos falando de astronomia! Não astrologia!
— Hem!? — Não entendi mesmo.
—Astrologia tem a ver com os tais signos do
zodíaco! Tudo bem que tem a ver com o mundo dos
astros também!
— Como assim?
— Qual é seu signo?
3 Na Terra.
Regis: um menino no espaço
37
— O que é isso?
— Deixa pra lá! O que estávamos falando antes?
— A velocidade desta nave! Meu livro de ciências!
— Um exemplo bem simples pra você terráqueo,
são seus satélites girando na órbita de sua Terra. Pra
colocá-los em órbita eles tiveram que ser jogado lá a uma
velocidade de onze mil e setenta quilômetros por hora,
que é a mesma velocidade em que gira a Terra. Se o tal
satélite for de baixa órbita é pior ainda, pois a velocidade
tem que ser de pelo menos vinte e seis mil e oitocentos
quilômetros por hora e apesar do atrito e dos limites de
quatro mil quilômetros descritos em seu livro de ciência,
eles não se desintegram.
— Como o senhor sabe tantas coisas da Terra?
— Pra vir até aqui, precisei me dedicar a estudar
um pouquinho sobre vocês. Aliás, não é muito diferente
de nós.
— E como este disco voador consegue velocidades
incríveis?
— Esta nave é feita de um material desconhecido a
vocês terráqueos. — Afirmou Rud. — É como se fosse
metal líquido.
— Como? – Achei muito esquisito. – Material
líquido?
— Digamos: Espécie de mercúrio!
— De passar nos machucados?
— Não Regis! Mercúrio metal! Conseguido através
de reagentes químicos!
— E é líquido?
— Quase!
— Como eu piso nela e ela não afunda?
Celso Innocente
38
— Menininho curioso! — Riu o senhor Rud,
passando a mão sobre meus cabelos, bagunçado pelo
repouso.
— Li também, que existem cometas muito
grandes!
— Vá com calma! — Alegou o senhor Tony. —
Uma coisa de cada vez!
— Eu li isso! — Gesticulei. — Tô dizendo!
— Claro que sim! — Exclamou Tony. — Você
precisará conhecer mais sobre os mistérios do espaço
sideral. Existem cometas tão grandes, que só sua cauda
pode ter mais de cem milhões de quilômetros de
comprimento. Nós já falamos sobre isso. Lembra?
— Eu sei! — Dei de ombros. — Mas é que tenho
dúvidas!
— Claro! O Universo realmente é muito
complicado! Jamais vamos conseguir entendê-lo!
— E onde está o paraíso de Deus?
— Deus está dentro de seu coração, Regis!
— Quando eu morrer vou morar em meu coração?
— Quando você morrer, você vai morar no
coração das pessoas que te amam! Você viverá para
sempre na memória daqueles que te querem bem!
— Triste! Não? — Me preocupei.
— O que é triste?
— Deus é apenas uma memória!
— Não sei falar sobre isso, menino! — Se perdeu o
senhor Tony. — Mudemos de assunto!
Pensou um pouco e disse:
— Você sabia que nossa galáxia tem cem mil anos
luz de largura?
— O senhor já falou isso!
Regis: um menino no espaço
39
— Sabia que o Sol, e as estrelas de meu mundo...
— Colocou o indicador direito sobre meu peito. — E do
seu também, estão localizados na faixa de vinte e seis mil
anos luz do centro da galáxia?
— Isso o senhor não disse! Mas o que importa?
— Se nossos mundos estivessem mais ao centro da
galáxia, ou mais nas bordas, jamais poderia ter vidas?
— Como assim?
— A faixa onde possa haver vida nessa galáxia,
está entre vinte e trinta e seis mil anos luz do centro.
Franzi o nariz como a dizer, “o que importa?”
— Tem ideia do que vem a ser trinta e seis mil
anos luz?
Tornei a franzir o nariz.
— Nem esta nave jamais conseguiria fazer
tamanha viagem!
— Não quero mais falar sobre isso! — Insinuei
fazendo careta.
— Por quê?
— Está me deixando tonto!
Naquelas longas conversas interessantes, porem
complicada para minha idade, permanecíamos Durante
muitas horas, todos os dias. Acho que era uma forma dos
dois astronautas susterianos fugirem do stress de longa e
quase solitária viagem.
O disco aterrissou em um enorme campo de
pouso, com seu solo acinzentado escuro, feito. Saímos da
cabine e após a porta externa se abrir, descemos, pisando
em terra firme... Aliás, Suster firme... Ou sei lá o que! Mas
era solo firme! Quer dizer: parecia mais mesmo, como
algo emborrachado, pois meus pés sentia pisar em algo
como se fosse feito com amortecedores fortes.
Celso Innocente
40
Muitas pessoas, homens e mulheres, todos com
idade superior a vinte e cinco anos de aparência, pois na
verdade, deveriam ter centenas ou milhares de anos de
existência, estavam às voltas do disco voador, à nossa
espera.
O Sol, aliás, uma estrela, brilhava no azul do
infinito. A temperatura devia estar por volta dos quarenta
graus, pois estava bastante calor, embora, houvesse uma
brisa suave, mostrando que o ar era puro. Realmente era
oxigênio e parecia não ter poluição, pois fazia meu
organismo sentir de alguma forma, um bem estar, melhor
do que na Terra, com a respiração agradável.
Quando Tony percebeu que eu exilava aquele
oxigênio com certo prazer, ele passou as mãos sobre meus
ombros e rindo perguntou:
— Gostou do ar de meu mundo?
— Alivio por sair daquela prisão! — Insinuei
confiante, embora todo meu ser sentisse certo medo
daquele lugar.
— Não gostou de viajar em meu avião especial?
— Estou com medo, senhor Tony!
— Nada temas! Todos aqui te amam!
Três outros discos, semelhante àquele em que
chegamos, estavam estacionados, naquele enorme campo
de pouso e a uns duzentos metros, terminava o campo,
onde se formava uma gigante e bela residência. Um
verdadeiro palácio. Ao longe, naquela cidade susteriana,
se viam grandes, belas e brilhantes casas, refletindo os
raios de sua estrela, como se fossem construídas talvez de
aço, níquel ou metal.
— Estas pessoas que vieram nos receber gostariam
muito de falar com você, Regis. — Disse-me Rud. —
Acene pra elas.
Regis: um menino no espaço
41
Obedeci à ordem: levantei a mão direita e acenei
timidamente; em resposta, todos acenaram para mim,
sem que ninguém, nem eu, dissesse uma palavra sequer.
Dali, acompanhando os dois astronautas, segui
para a bela residência. Entramos e depois de seguirmos
por um longo corredor vitrificado em verde, paramos
diante de uma porta escura, que se abriu sozinha e
entramos. Era uma gigantesca sala, muito elegante,
possuindo como mobília, algo que seria um enorme
computador, de uns quatro metros de comprimento,
tendo bem ao centro, um aparelho semelhante a um vídeo
cassete, para reproduzir tapes. Próximo às paredes, dois
grandes armários, cheio desses que seriam tapes e livros.
Alem de quê, por traz de uma escrivaninha, tendo uns
três metros, construída ricamente em acrílico e metal
dourado, sentado em uma poltrona branca, estava um
homem alto, moreno claro, com vestes douradas,
aparentando uns trinta anos de idade; na verdade deveria
ter uns dez mil.
Assim que entramos, aquele homem me olhou
firme, dos pés à cabeça e levantando-se, disse rindo:
— Finalmente chegaram!
— Missão cumprida, senhor Frene! — Afirmou
Rud. — A viagem foi longa e de certa forma assustadora,
mas tudo correu muito bem!
— Muito agradecido! — Se aproximou, abaixando-
se à minha frente. — Vocês merecem honras de heróis!
— Que nada! — Negou Tony. — Já foi uma honra,
esta missão.
— Gostaria que saíssem agora! — Pediu o senhor
Frene, acariciando meu rosto e ombros.
Celso Innocente
42
Sem mais comentários, os dois astronautas se
retiraram e eu tentei os acompanhar. Mas o senhor Frene,
puxando-me pelo braço, impediu-me:
— Você não Regis! Você fica! Precisamos
conversar.
Parei e fiquei olhando para ele, que me disse,
apontando para outra poltrona, também branca:
— Você deve estar cansado. Sente-se!
Sem querer prolongar conversas desnecessárias,
sentei-me. Ele se aproximou, abaixando-se em minha
frente. Colocou as mãos sobre minhas pernas e
perguntou:
— O que você está achando de meu mundo?
— Seu mundo! — Exclamei admirado. — Então
este planeta pertence ao senhor?
— Não! — Riu ele. — Meu mundo, no modo de
dizer! Na verdade pertence a Deus.
— E qual é o seu Deus? — Perguntei desconfiado.
— Meu Deus é o seu Deus, garoto!
— Como sabe?... Qual é o seu Deus?
— É o Todo Poderoso! O Criador do meu e do seu
mundo! O Criador do Universo, enfim.
— E o senhor... Crê... Em Deus?
— Claro que sim! Você não crê?
— Com certeza! — Sorri. — Com meu coração... E
minha alma!
— Você é um menino muito inteligente e gentil,
mas ainda não respondeu minha pergunta: o que você
está achando de meu mundo?
— É muito bonito... — Respondi. — Mas não
posso viver aqui!
— Claro que pode! Você veio pra viver aqui!
Regis: um menino no espaço
43
— Não posso! Tenho saudades de meu pai e
mamãe! Tenho certeza que eles estão sofrendo com a
minha ausência!
— Eles se conformarão!
— Jamais! Eles me amam e nunca me esquecerão!
— Esquecerá sim! Eles têm outros filhos pra lhes
dar amor! Você nos pertence.
— Não sou objeto pra pertencer a alguém! — Já
começara a chorar. — Ninguém é dono de mim!
— Calma! Você está nervoso! Quer dizer que nem
seus pais são donos de você?
— Não! A eles eu devo amor e obediência! Quer
dizer: se eles fossem meus donos, poderiam fazer o que
quisessem comigo: me vender, trocar, ou até me matar?
— Calma! Você entenderá porque fomos buscá-lo
na Terra!
— Eu já sei! É pra ficar vivendo aqui!
— Sim, é! Desde o dia em que nasceste você foi
cuidadosamente preparado pra deixar a Terra e vir
permanentemente para o meu mundo!
— Já sei sobre isso! — Continuava com jeito
choroso. — O senhor Tony me falou tudo!
— Mas sabe por que motivo?
— Não! Isso ninguém me contou ainda!
— Assim que chegou aqui, quem esperava vocês
no campo de pouso?
— Pessoas! — Insinuei, balançando os ombros. —
Muitas pessoas!
— Que tipo de pessoas?
— Não sei! Comuns! Homens e mulheres!
— Não pareceu lhe faltar nada?
— Não! — Balancei os ombros.
— Você viu homens e mulheres... E!...
Celso Innocente
44
Dei de ombros como a não saber o que dizer.
—Você deve ter percebido que aqui existem
homens e mulheres, como na Terra. Não lhe pareceu nada
estranho?
— Não sei!
— Aqui em meu magnífico mundo, Regis, infeliz-
mente, não existe nenhum rostinho bonito de criança!
— Quer dizer que aqui não existem crianças?
— Isso mesmo! Não existem!
— Ora, essa é boa! — Exclamei rindo. — E
precisava ir tão longe? Gastar muito dinheiro e cometer
um crime, sequestrando uma pessoa, se o problema é tão
simples!
— Tão simples! — Admirou-se ele. — Nós
precisamos ter um garotinho... Ou que fosse uma
princesinha, pra dar amor e nos dar felicidades. E você
acha que é tão simples? Como deveríamos fazer?
— Fazer uma criança!
— Não é isso que queríamos! Não uma máquina!
— Eu não disse pra fazer uma máquina! Eu disse
pra fazer uma criança!
— Como? Um robô? Queremos um menino como
você: com alma, inteligência, coração... Um menino que
pensa, anda, fala... Ama...
— Então! Vocês não têm mais de três bilhões de
homens e mulheres saudáveis?
— O que você quer dizer, Regis?
— De namoro... Senhor Frene! — Exclamei um
pouco tímido com a palavra. — Não me diga que o
senhor é tão velho e não sabe como nasce uma criança!
— Me diz uma coisa: Você sabe como nasce uma
criança?
— Sei! — Baixei a cabeça.
Regis: um menino no espaço
45
— Sabe de onde vem?
— Todos sabem!
— Como? Seus pais?
— Não! Eles nunca falam dessas coisas com a
gente! Foi a professora na aula de ciências.
— Não foi a cegonha! Foi?
— Já passei dessa fase! Mas não preciso falar.
Preciso?
— Não! Acredito em você!
— Quando a professora explicou sobre, como
nascem os bebês, eu cheguei em casa e falei com minha
irmã sobre isso. Mamãe quase me bateu.
— Muito bem: — Afirmou ele. — Os bebês nascem
exatamente do jeito que você aprendeu em sua escola!
Embora eu ache que nem era hora ainda de estudar isso.
Mas tudo bem: não há porque ter vergonha, receio ou
coisa parecida por isso. É a mais bela forma de prova de
amor, que Deus deixou para a procriação das espécies. A
mulher entrega seu corpo ao esposo e dessa linda união,
nasce um belo fruto, que preencherá o vazio que existe
naquele lar sagrado.
— Se o senhor sabe sobre isso, por que não fazem
o mesmo?
— Você é tão inteligente, porém tão bobinho
também! — Riu ele.
— Bobinho! Por quê?
— Nós somos imortais! Vivemos num lugar, que
pode ser considerado o paraíso! Onde não há dor,
guerras, lágrimas e nem pecados! Porém: se continuasse a
nascer crianças, certamente não caberia mais em nosso
mundo.
— Quer dizer que não nasce mais? Mesmo que as
pessoas queiram?
Celso Innocente
46
— Isso mesmo!
— Mesmo que um homem faça... bes...teira... com
uma mulher?
— Um homem e uma mulher não faz bes...teira,
Regis! Eles, principalmente sendo casados, tem uma
união íntima sagrada, em que se entregam em linda
prova de amor.
— Tá! — Franzi a boca. — Aqui os homens não
ama as mulheres?
— Aqui os homens e as mulheres são estéreis! Não
geram mais vidas!
— O que é es...téreis?
— O que eu disse: aquilo que não é capaz de gerar
mais vidas!
— Sinto muito! — Disse-lhe triste. — Por que são
es...téreis?
— Você gosta de perguntar! Não? — Riu ele.
Balancei os ombros.
— Há aproximadamente cinco mil anos, nosso
planeta foi atingido por uma radiação, causada por uma
explosão estelar no espaço, a bilhões de quilômetros
daqui. Depois, com mais tempo falo sobre isso!
— Tenho tempo agora, senhor Frene! — Disse-lhe
triste. — Não tenho mais o que fazer!
— Você sabe que estrelas explodem! Não?
— Sei! O senhor Tony já contou!
— Muito bem: Elas tem um certo período de vida,
depois disso elas incham, engolem tudo o que está em sua
órbita, acabam provocando uma linda explosão mortal...
Ri, ao imaginar uma estrela, como se fosse um
grande monstro guloso, que nunca para de comer,
ficando cada vez mais gordo, até, por falta de espaço
dentro de seu próprio corpo, acabar se explodindo.
Regis: um menino no espaço
47
— ...e geralmente se transformam em outras, as
quais os terráqueos batizaram por supernovas.
— Viram outras estrelas? — Imaginei que o tal
monstro estrela, ao explodir, joga no espaço, centenas de
estrelas filhotinhas.
— Isso mesmo! Dois tipos delas! É muito
complexo! Quer ouvir sobre isso?
Balancei os ombros como a dizer: “Tanto faz”,
“Não tenho mesmo o que fazer”.
— Quando uma supernova explode, ela pode
liberar muito hidrogênio e criar outra estrela normal,
chamada de Anã Branca, por exemplo. Como seu Sol.
Mas também ela pode não liberar nada de hidrogênio,
com isto será criada uma nova estrela conhecida como
estrela de nêutron. A massa de uma estrela assim é tão
densa, que se você pegasse o edifício Itália, que é o maior
edifício de São Paulo e o comprimisse até o tamanho de
uma caixa de fósforos, seu peso na Terra, ainda seria de
um milhão de toneladas.
— Acha que alguém vai acreditar nisso? —
Duvidei.
— Você vai! E eu não disse um milhão de quilos...
— Sei! — Balancei os ombros. — Um milhão de
toneladas!
— Sabe o que é isso?
— Não! — Neguei junto com os ombros. — E o
que isso tem a ver com seu povo não ter filhos?
— Tudo a ver! Quando uma dessas supernovas
explodiu a pouco mais de cinco mil anos no passado, ela
lançou poderosos e radioativos raios cósmicos em nossa
direção. Esses raios tem a característica própria de alterar
os de-ene-a dos seres vivos, causando-lhes mutações ou
dizimando-os. Foi o que aconteceu conosco: Todos os
Celso Innocente
48
seres vivos de nosso mundo, com exceção de nós, seres
humanos, foram morrendo aos poucos, sem capacidade
de procriação.
— Não morreram de uma vez?
— Não! Assim como nós, eles se tornaram estéreis
e não mais procriaram. Como tinham a vida muito curta,
não tiveram tempo de se adaptarem e acabaram extintos.
— Vida curta?! — Insinuei admirado.
— Sim! — Confirmou ele. — Quanto tempo vive
uma mosca?
— Quanto tempo vive uma baleia, ou uma
tartaruga? — Retruquei, exibindo minha inteligência. —
Na Terra vivem mais de duzentos anos.
— Mas eram seres à beira da extinção!
— Não sobrou nadinha!
— Nada! Micróbios, peixes, anfíbios, répteis,
animais grandes ou pequenos... Todos acabaram
dizimados.
— Até as baratas?
— Até as baratas! — Riu ele. — Por quê?
— É que na Terra, uma vez ouvi falar, que se
houver uma guerra nuclear, toda a vida será dizi...
destruída por radiação. Menos as baratas!
— Sim! Têm lógicas! Como insetos desse tipo, tem
poder de readaptação, acaba sendo imune a
radioatividade. Mas não foi a radiação que matou minhas
baratas! Foi a falta de procriação.
Passei a mão na cabeça e fiz gestos com a boca, de
assunto complicado.
— Chega desse assunto difícil! Depois falamos
mais. Tudo bem?
Regis: um menino no espaço
49
— O senhor disse que aqui não há pecados! Acha
que ir à Terra e me roubar de meus familiares, não é
pecado?
Ele se levantou e voltou a se sentar em sua
poltrona. Também me levantei e fui até à escrivaninha; ele
me olhou firme, dizendo:
— Não roubamos você! Simplesmente o
trouxemos pra cá! Aqui será bem melhor pra você.
— Como o senhor sabe o que será melhor pra
mim?
— Eu sei tudo de sua vida, garoto! Desde a hora
em que você nasceu!
— Não sei se é verdade! Mas mesmo que seja:
Meus sentimentos o senhor não pode saber! Por acaso
sabe que faz mais de setenta dias que meu coração está
doendo?
— Aqui Regis, você será eterno: Não pecará, não
morrerá! Sempre será um garoto bonito e saudável!
Nunca irá envelhecer e ficar com a pele enrugada e feia!
— Sempre serei um menino?
— Sempre! Eu e todas as pessoas que vivem aqui
te amamos muito!
— Senhor Frene: eu entendo o senhor. Mas já que
foram até a Terra pra me buscar, por que não me
deixaram em paz e trouxeram em meu lugar, um menino
abandonado? Um que não tivesse família? Tenho certeza
que ele iria ficar muito feliz!
Ele se levantou, caminhou até a porta de saída e
me chamou:
— Venha conhecer seu aposento, depois a gente
conversa mais.
O acompanhei: saímos daquela sala e seguimos
por outro corredor, até seu centro, onde, outra porta à
Celso Innocente
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direita se abriu e nós entramos. Era um grande
dormitório, semelhante aos da Terra, com cama e armário
em acrílico, poltrona dourada e roupas em seda e lã, alem
de um banheiro com seus materiais no mesmo estilo: vaso
sanitário, chuveiro, banheira com hidromassagem,
separada dos demais, por um boxe em acrílico
transparente. Todos, com exceção do boxe, em lindas
cores azul e verde claro.
— É aqui que você ficará! — Me disse o senhor
Frene. — E já vou alertá-lo de que não haverá guardas,
nem tranca nas portas. Ou seja, elas se abrirão, quando
você quiser sair, ou alguém quiser entrar.
— O senhor não teme que eu fuja?
— Fugir pra onde? Seu planeta está invisível pra
você. Aqui não tem pra onde você ir! Aqui será sua casa
agora! Portanto poderá sair e chegar quando você quiser!
— Não há outros perigos?
— Nem um! Ninguém vai querer roubá-lo! Agora
descanse. Depois a gente conversa mais.
Ele já ia se retirando, quando ainda resolveu falar:
— Meu planeta tem uma temperatura mais quente
do que o seu. Aqui onde estamos à temperatura fica entre
trinta e cinco e quarenta graus. Você é uma criança. Se
preferir ficar só de cuecas, ninguém irá reparar.
— Por que o senhor quer que eu fique pelado?
— Imagine! — Riu ele. — Eu só quero o seu bem!
Pode ficar de short, cueca, ou até de roupa, se assim você
preferir.
— Prefiro ficar muito bem vestido!
A porta se abriu e ele já ia se retirando, então
insisti:
— Senhor Frene...
Ele me olhou, então lhe perguntei:
Regis: um menino no espaço
51
— Como o senhor sabia que na Terra existia vida
humana?
Ele tornou a entrar, segurou em meus braços e
perguntou:
— Você não está cansado?
— Nem um pouco!
— Está bem! Vou falar mais um pouco com você.
Sente-se aqui nesta poltrona.
Sentei-me. Ele sentou-se na cama e então me
perguntou:
— O que você quer mesmo saber?
— Como o senhor sabia que na Terra existia vida
humana?
— Eu e todo o meu povo somos humanos, iguais a
você; só que de uma civilização mais antiga, porém, bem
mais avançada em respeito a conhecimentos e tudo o
mais.
— Mais avançado?
— Sim! Por acaso você conhece ou já viu falar, por
exemplo: nas pirâmides do Egito?
— E como já! — Exclamei eufórico.
— Pois bem: Como acha que elas foram
construídas?
— Pela mão do homem!
— Seria impossível, homens com força comum,
levantar aquelas pedras gigantes, naquelas alturas e as
colocar com tal precisão, segurança e beleza.
— Naqueles tempos, existiam muitos escravos e
eles ajudaram a construir as pirâmides.
— Quem lhe disse isto?
— Vi em filmes! Nos livros também!
— Tanto você quanto seus filmes... e livros, estão
enganados! Você sabia que a precisão da colocação das
Celso Innocente
52
pedras é tão perfeitas, que entre os vãos delas, não se é
possível colocar uma agulha?
Nada disse e ele continuou:
— Quem construiu as pirâmides e muitas outras
coisas da Terra, fomos nós.
— Isso é verdade?
— Por que eu iria mentir?
— E como nós, os terráqueos não sabemos desta
história?
— Nós preferimos não deixar muitas provas!
— Na Terra, sempre tem gente dizendo ter visto
disco voador, mas sempre acaba tudo esquecido.
— Nós sabemos!
— Por acaso, algum disco daqui, já foi visto na
Terra?
— Só há muitos séculos passados!
— E quando foram me buscar, o disco não foi
visto na Terra?
— Não! Só você o viu chegar!
— Mas era quase meio dia!
— Sei disso! Só que estava invisível à todos, exceto
pra você!
— Caso eu volte pra lá agora e fale que viajei em
um disco voador e fui a um planeta da Via Láctea,
chamado Suster, a oitenta e sete anos-luz de distância,
certamente diriam que estou louco e me internariam em
um hospício.
— Certamente! — Riu o homem.
— O senhor disse que construiu as pirâmides do
Egito. Pra quê?
— São belas!
Regis: um menino no espaço
53
— Pra que o senhor faria uma viagem tão longa e
cara pra construir uma pirâmide em um planeta que não
é o seu? Qual a vantagem disso?
— Quando meu pai e sua tripulação chegou na
Terra e se viu perdido em um mundo semelhante ao
nosso, resolveu criar um lugar perfeito pra viver sua vida
e com isto retribuir também por sua acolhida.
— Seu pai esteve na Terra? — Me espantei.
— Ainda não contei esta passagem. Fico feliz, em
saber, que ouvir falar sobre meu planeta, lhe agrada!
Nada respondi, apenas dei um leve sorriso triste.
— Vou contar o porquê de meu pai ter chegado à
Terra. — Continuou ele. — Mas aos poucos.
— Por quê?
— Chegarei lá: — Continuou ele. — Meu planeta,
como seu povo chama, é cinco vezes maior do que o seu.
Nosso dia tem trinta e duas horas...
— Trinta e duas horas!?
— Isso mesmo!
— A Terra tem apenas vinte e quatro!
— Aqui tem trinta e duas! É iluminado por duas
estrelas gigantes...
— Dois sóis?
— Duas estrelas: Uma durante dezesseis horas,
que é a estrela Kristall. Uma estrela branca a seiscentos
milhões de quilômetros e cinco vezes maior do que o seu
Sol.
— Cinco vezes maior?
— E mais longe também! A outra estrela ilumina
as outras dezesseis horas. Chama-se Brina. É azul-clara,
fica do lado oposto da Kristall e a oitocentos e oitenta
milhões de quilômetros daqui.
— E é maior que o Sol?
Celso Innocente
54
— Muitas vezes! Ela é três vezes maior do que a
Kristall. Cerca de quinze vezes maior do que o seu Sol!
— Como que ela não torra este planeta?
— Você é bobinho! — Riu ele. — Por causa de sua
distância!
— Mas a distância é pouca!
— Pouca! Oitocentos e oitenta milhões de
quilômetros é pouco?
— É! O Sol está a cento e... cinquenta... — Tive
dúvidas.
— Cento e quarenta e nove milhões de
quilômetros da Terra. — Corrigiu ele.
— Quer dizer: sua estrela, sendo quinze vezes
maior do que ele, deveria estar quinze vezes mais longe
também, pra que a temperatura fosse a mesma. Só que
não está a mais de cinco ou seis vezes mais longe.
— Eu te entendo. — Riu ele. — Você é um garoto
muito esperto! Mas mesmo assim, ainda precisa aprender
muito! Nossas estrelas são muito mais frias do que o seu
Sol, por isso a temperatura é quase a mesma!
— Mais fria? — Fiz careta. — Quanto?
— Você vai ser cientista? Cosmólogo?
— O que é cosmólogo?
— Aquele que estuda o universo. A temperatura
de seu Sol é de pouco mais de dez mil graus fahrenheit.
— Fah... O quê? — Franzi toda a cara.
— Quase seis mil graus Celsius. — Riu ele.
— Celsius! — Ri. — Conheço um Celso!
— Não liga não! — Riu o senhor Frene. — São
nomes dados ao sistema de medidas de temperatura.
Fahrenheit, Celsius, são os nomes dos cientistas que
descobriram e criaram tais sistemas.
— E suas estrelas?
Regis: um menino no espaço
55
— É complicado falar sobre minhas estrelas. São
duas!
— O senhor sabe tudo sobre meu Sol e nada sobre
suas estrelas!
— Estudei muito sobre o sistema solar! Mas eu sei
sobre minhas estrelas. Elas ficam naquilo que os
terráqueos chamam de constelação da Ursa Maior. A
Kristall surgiu a cerca de dois bilhões de anos e deverá
viver mais uns três. Sua temperatura é de cinco mil graus
Celsius. A Brina surgiu a quase dois bilhões de anos e vai
viver mais um. Sua temperatura é de três mil graus. Você
sabe qual é a idade de seu Sol?
— O senhor sabe quantos anos eu tenho?
— Com certeza! — Riu ele. — E você vai se
espantar quando souber!
— Ãh?
— Seu Sol já viveu cerca de seis bilhões de anos.
Quando ele morrer, ou explodir, destruindo a Terra, vai
virar uma nova estrela chamada por vocês de Super
Nova.
— O Sol vai... morrer? — Me preocupei. — Vai
destruir a Terra?
— Com certeza vai! Todas as estrelas irão! Mas
não se preocupe. Nem minha longa vida verá esta
magnífica explosão.
— Como assim?
— O Sol ainda viverá pelo menos outros cinco
bilhões de anos. A terra morrerá um pouco antes.
— Se duas estrelas iluminam seu planeta, em
períodos... Diferentes... Isto indica que aqui não há noite!
Só dia!
— Realmente! Você é um geninho! Em Suster e
todo nosso sistema Estelar, não há noites. Não há trevas!
Celso Innocente
56
— E como vivem as plantas?
— Normalmente! Assim como nós, humanos, as
plantas são habituadas ao nosso clima!
— Mas... Se seu planeta foi atingido por radioa...
Radiação... Deixando todos estéreis, não podendo gerar
filhos, como as plantas se procriam?
— Você gosta de perguntar? — Riu o senhor
Frene. — Por acaso memoriza tudo o que eu falo?
— Não! — Neguei, franzindo o nariz.
— E por que gosta de perguntar?
Os ombros falaram por mim.
— O que você quis saber sobre as plantas?
— Como as plantas de seu planeta se procriam?
— Como assim?
— Ora! As plantas fazem como nós... Quer dizer...
Os adultos, à sua maneira, através do pólen... Através dos
pássaros... Sei lá!
— Elas se acasalam! Você quer dizer!
— Pode ser!
— Elas continuam sua reprodução normalmente!
Porem, como aqui não há insetos ou pássaros, para
polinizá-las, o próprio vento se responsabiliza por isso!
— Mas como elas não ficaram estéé...reis como os
homens?
— Seu ciclo de vida é diferente de nós. Por
exemplo: elas não absorvem oxigênio! Podem ser imunes
à famosa radiação!
— Aqui não há insetos e pássaros! O senhor
disse!...
— A única vida animal em nosso planeta, somos
nós, os humanos! Já falamos sobre isso!
— Não há peixes nos rios?
— Nada!
Regis: um menino no espaço
57
— Como as plantas das águas sobrevivem?
— Quem lhe disse que existem plantas dentro da
água?
— Ninguém! Mas na Terra, as plantas das águas...
— Aquáticas! — O interrompeu. — Algas
marinhas e outras mais!
— Então! Minha professora disse que elas são as
que mais produzem oxigênio!
— Aqui também! Mas nós aprendemos a
preservar a natureza, como sendo a principal fonte de
nossa vida quase eterna!
— É difícil aceitar que não existem animais ou
peixes dentro da água e mesmo assim, as... Algas se
procr...
— Procriarem! — Ajudou-me ele. — Com o passar
do tempo conosco, vamos lhe ensinar muito sobre nosso
mundo. Podes crer!
— Vocês não comem carne?
— Não existe carne animal pra se comer!
— Pelo menos não há pernilongos! — Concluí
rindo.
— É! — Riu ele. — Mas também não há cachor-
rinhos!
— Acho que basta! — Passei a mão sobre a testa.
— Senão aí é que acabo não entendendo nada!
O senhor Frene riu, se levantou e na saída da porta
que se abriu, me disse:
— Muito bem! Pode descansar agora. Em outra
oportunidade, conversaremos mais.
— Tá! Mas chega de tantos números!
— Como assim? — Riu o homem.
— Cinco bilhões de anos... Oitenta e sete anos
luz... Ufa! Meu cérebro já lotou!
Celso Innocente
58
— Engano seu! Essa maquininha dentro de sua
cabeça tem mais neurônios do que nossa galáxia tem de
estrelas!
E se retirou. Levantei-me, me despi, ficando
apenas de cueca e me deitei para descansar um pouco.
Estando sozinho, comecei a pensar em meus pais e
escola, com isto, a tristeza voltou a dominar meu coração
saudoso e as lágrimas voltaram a brotar aos poucos no
canto dos olhos.
Regis: um menino no espaço
59
Revendo o passado
pós ter dormido por algumas horas, acordei,
sendo beijado de leve no rosto. Abri os olhos
e vi uma mulher, que aparentava ter uns vinte e três anos
de idade. Branca de cabelos escuros e muito bonita. Ao
acordar assustado, lhe perguntei, puxando o lençol de
seda sobre meu corpo:
— Como você entrou aqui?
— Pela porta! — Exclamou ela. — Onde mais?
— E o que você está fazendo aqui?
— Vim lhe fazer uma visita!
— Mas você estava me beijando!
— Eu sei! Qual é o mal?
— Tenho só nove anos! Você é mais velha do que
eu!
— E o que tem isso?
— Na Terra, quem se beija são namorados!
— E o que isso tem a ver?
— Eu estou pelado e você é mulher!
— Você não está pelado! E mesmo que estivesse,
qual seria o problema?
A
Celso Innocente
60
— Qual seria o problema! — Admirei. — Eu sou
homem!
— Não! Você é um menininho! E muito bonito por
sinal!
— Quer me levar no bico!
— Nada disso! Você é bonito mesmo!
— Obrigado! Você também é muito bonita! Mas
não precisava me beijar!
— Eu te amo muito!
— Ama mesmo? — Me inibi, sentando-me sobre a
cama e cobrindo minha cintura com o fino lençol de seda.
— Você quer me namorar?
— Não é bem esse amor! — Riu ela. — Sou mais
velha!
— Então não pode me amar!
— Claro que amo! Como um filhinho talvez!
— Quem aguenta tantos pais? — Esbocei leve
sorriso desconfiado.
— Vamos mudar de assunto! Quer tomar um
banho?
— Quero sim! Está muito calor aqui!
— Você já conheceu o banheiro?
Levantei-me e a acompanhei àquele estranho
banheiro, ali mesmo, dentro do quarto. Ao adentrar, em
uma antessala, a qual na Terra se chama Closet, onde
havia um grande armário com cabides, roupas e toalhas.
Ela me ordenou:
— Pode tirar o resto da roupa!
— Com você aqui? — Admirei.
— O que tem isso?
— Muita coisa! Eu sou homem e você é mulher!
— Deixe de ser bobinho! Você não é homem e eu
preciso te ensinar a usar este chuveiro.
Regis: um menino no espaço
61
— Eu sei usá-lo!
— A sabe, é?
— Claro! Eu tomo banho todos os dias!
— Não neste banheiro! Tire a roupa logo, senão
vou tirar pra você!
— Não posso tomar banho de cueca?
— Claro que não! Pode tirar!
Acanhado, me recusei com a cabeça. Ela riu
dizendo:
— Não sei por que essa timidez toda!
Continuei calado.
— Tudo bem! — Riu ela. — Vamos pro banho!
Entramos juntos, em outra parte do banheiro: era
todo forrado e não se via nenhum chuveiro, apenas meia
dúzia de braços mecânicos sobre a parede, alem de quatro
botões junto à porta. Permaneci no centro do banheiro e
ela próxima à porta, onde, apertou um botão e começou a
jorrar água de todas as paredes em mim; apertou outro
botão e os braços mecânicos, começaram a se
movimentar, me esfregando e assim, dando banho em
mim, como mamãe fazia quando eu era pequeno.
Após alguns minutos, a mulher apertou outro
botão e as mãos pararam. A água, ainda jorrou até ela
apertar um último botão.
Assim que saí do banho e voltei ao tal closet, ela
abriu o armário, tirou uma toalha verde, grande e muito
bonita, me entregando.
— Como você se chama? — Perguntei-lhe,
enquanto me enxugava.
— Leandra!
— Eu me chamo Regis!
— Bonito nome!
— Não acho muito bonito!
Celso Innocente
62
— Mas é! E você é mais bonito ainda!
— Sabe: Na Terra, eu não gostava de uma coisa.
— Do que?
— De ficar pelado perto das pessoas.
— Por quê?
— Tenho vergonha!
— Por quê?
— Tire a roupa pra eu ver! — Pedi-lhe.
— Eu não!
— Por quê? Tem vergonha?
— Não! Eu sou muito mais velha do que você!
Você é só uma criança e isso não seria certo!
— E por que quer que eu fique pelado perto de
você?
— Porque você é só uma criança e isso não tem
nada de mal! Desde que haja respeito por minha parte.
Não vejo porque esta timidez em se despir para tomar
banho!
— Porque sou gente também! Não sou como um
boneco pra se brincar! E tenho vergonha também!
— Ainda bem!
Ela seguiu até o armário, apanhou algumas vestes,
iguais às deles e me entregou dizendo:
—São suas! Pode vestir!
Apanhei as belíssimas vestes de cor prateada e ela,
demonstrando que respeitava meus sentimentos, afastou-
e da saleta, me deixando só, para que pudesse me vestir.
Tirei minha cueca molhada e me vesti alegre:
primeiro uma linda cueca branca e a seguir, um lindo
macacão; depois uma botinha tipo sete léguas, feita de um
material tipo tecido, muito confortável.
Ainda ali no tal closet daquele banheiro, me
penteei, depois fui para o quarto, onde reencontrei
Regis: um menino no espaço
63
Leandra. Ela me entregou um pequeno aparelho, que
seria um controle remoto, me dizendo:
— Devido o calor de nosso planeta, fomos
obrigados a criar também um tal de condicionador de ar.
Você poderá ligá-lo com isto!
Quando ela ia se retirar, chamei-a:
— Muito obrigado pela ajuda. Tá!
— Foi um grande prazer!
— Desculpe-me ter sido chato!
Ela voltou; deu-me outro beijo na face, dizendo:
— Você não foi chato! Pode descansar agora!
Retirou-se, enquanto eu esfregava a mão no rosto,
como a limpar o beijo recebido; fui até a entrada do
quarto, fiquei parado, olhando-a. Quando ela
desapareceu por outro corredor, também resolvi sair, por
outra direção. Andei até a sala do computador gigante,
virei à esquerda e segui até a entrada da residência, onde
saí e fui até um belo jardim, o qual ficava no mesmo
ambiente externo. Havia algumas árvores e enorme
quantidade de flores, como margaridas, rosas, jasmim,
Hortência e outras, as quais não sabia distinguir, por
serem desconhecidas na Terra; pelo menos para mim.
Havia também, alguns bancos, construídos em acrílico em
cor rosada. A temperatura continuava em torno de trinta
e cinco graus. A Estrela Brina, já estava quase na metade
do céu, que era muito azul, quase sem nuvens. Sentei-me
em um dos bancos e fiquei pensando em mamãe, papai,
minha casa, meus cinco irmãos, amigos, colegas de
escola... Beth...
Pouco tempo depois, percebi que estava
novamente chorando: chorando de saudades; chorando
por saber que estava a bilhões e bilhões de quilômetros de
casa... Não! Trilhões. Chorando por perceber que estava
Celso Innocente
64
perdido no Universo e que talvez, jamais regressaria para
minha família.
Talvez fosse bom viver ali: passaria centenas e até
milhares de anos e eu seria sempre um garotinho,
aparentando nove anos de idade. Ali eu era amado, pelos
mais de três bilhões de habitantes susterianos. Mas de
que me adiantava àquelas vantagens, se não poderia ver a
meus pais; se não tinha nem mesmo uma garotinha de
minha idade para brincar de namorar; se não tinha um
menininho de minha idade, para me fazer companhia e
brincar...
De repente, apareceu o senhor Rud. Sentou-se a
meu lado, me perguntando:
— Quem bateu em você?
Não respondi. Só limpei os olhos com uma das
mãos e me levantei. Ele insistiu:
— Por que todas estas lágrimas?
— Quero voltar pra casa! — Disse-lhe bravo.
— Mas já? Você acabou de chegar!
— Não importa! Quero voltar pra casa!
— Nada disso! Dentro de duas horas, você vai
aparecer na televisão.
—Televisão! Aqui tem televisão?
— Claro! Tudo o que tem na Terra, nós temos
aqui! Só que em um sistema muito mais avançado!
— Tudo?
— Não! Eu minto! Há muitas coisas em seu
planeta, que aqui não tem!
— O que? — Levantei-me e segui até o arvoredo,
sendo seguido pelo senhor Rud.
— Guerras! Crimes! Exploração! Devastação e
muitas outras coisas ruins! Velhos e crianças
abandonadas!
Regis: um menino no espaço
65
— Aqui não há velhos nem crianças! — Lembrei-o.
— É verdade! — Riu ele. — Então será por isso?
— Por isso o quê?
— Que eles não ficam abandonados! — Riu Rud.
— E a televisão? Como é?
— Igual às suas: só que com um sistema que
abrange todo o planeta simultaneamente, com bom som e
boa imagem digitais, em cores.
— E eu vou aparecer em sua tevê?
— Sim! Vai! Como pode ver, já está ficando
famoso.
— Isso não me interessa!
— Outra coisa: Você está elegante com estas
roupas!
Levantei-me e sorrindo, desfilei pra ele ver.
— O senhor acha mesmo? — Perguntei-lhe.
— Claro! Até parece que ela foi feita sob medida.
Aliás, foi mesmo.
— Foi nada! Ninguém tirou medida em mim!
— Porque você não viu!
— Foi enquanto eu dormia? Há poucas horas?
— Não! Já faz muitos dias!
— Como assim? — Tornei a me sentar. — Se eu
cheguei hoje, ou ontem! Não sei bem!
— Foi quando você ainda estava na Terra! Eu nem
tinha ido te buscar ainda!
— Mas como?
— Através de um sistema que chamamos tape-
ondas.
— Fiquei na mesma! — Dei de ombros.
— É o seguinte: na sala do computador, o senhor
Frene, através de um tipo de televisão, te observava trinta
e duas horas por dia; desde a hora em que você nasceu.
Celso Innocente
66
— Me observava? — Admirei. — Me via ao vivo?
Mesmo eu estando na Terra?
— Isso mesmo!
— Mas como pode?
— Nós somos milhares de anos, avançados em
relação aos terráqueos! Nosso sistema é superior! Nós
somos imortais!
— Mas ele me via a todo o tempo?
— Trinta e duas horas por dia!
— Mesmo quando eu estava pe...lado, tomando
banho?
— Mesmo! Se você estivesse rindo, chorando,
apanhando, dormindo, estudando, pelado, vestido,
fazendo o que devia, ou o que não devia, ele te observava.
— E ele não dormia?
— Claro que sim! Suas imagens ficavam gravadas
em nossos tapes. O senhor Frene tinha outras coisas pra
fazer; inclusive dormir!
— Vou entrar agora! — Disse-lhe, me levantando.
— O senhor não vai?
— Daqui a pouco! Pode entrar! Você precisa
descansar.
Despedi-me, tornando a entrar. Só que ao passar
pela sala do computador, parei sobre a porta e como a
sala estava vazia, resolvi entrar. Lentamente me
aproximei daquela gigantesca máquina e curioso, comecei
a olhar as dezenas de botões, que ela possuía. Rud me
dissera, que através dele, em um sistema muito avançado,
o senhor Frene, me observava na Terra, então, me
sentindo curioso a, talvez ver meus pais e amigos.
Olhando botão por botão, vi um com um símbolo tipo
seta, que parecia ser “ligar”. Apertei-o e várias luzinhas se
ascenderam. Uma voz perguntou-me:
Regis: um menino no espaço
67
— O que desejas?
Assustado, olhei para todos os lados e não vendo
ninguém, retruquei:
— Quem está aí?
— A máquina! Você se assustou?
Olhei para o computador e percebi que foi ele
quem falou comigo:
— Como faço pra ver a Terra? — Perguntei-lhe.
— Primeiro você aperta o botão te sete (T-7),
depois levanta a alavanca número três até o número
Cento e dezesseis...
— O que você está fazendo aqui Regis? —
Interrompeu o senhor Frene, que acabara de chegar.
Perdendo a atenção no que o computador me
explicara, olhei assustado para o recém-chegado e após
uma pequena pausa, disse:
— Eu queria ver a Terra!
— Quem lhe disse que você conseguiria isso,
através do computador? —- Desligou-o.
— O senhor Rud! Ele me disse que o senhor me
observava na Terra, desde que nasci!
— É o Rud, é?
— Por favor, senhor Frene! Explique melhor!
— Você já comeu alguma coisa depois que chegou
aqui?
— Não!
— Então deve estar faminto! Vamos comer alguma
coisa, depois eu te explico.
— Não tenho fome! Por favor, me explique agora!
— Já que você insiste! Sente-se!
Sentei-me na poltrona. Ele se dirigiu ao armário de
tapes e começou a escolher. Após alguns segundos,
apanhou um deles, abriu sua caixa e percebi que na
Celso Innocente
68
verdade era uma minúscula caixa dourada, não maior do
que uma caixa de fósforos. Inseriu-o em um
compartimento, por baixo do computador, depois voltou-
se para mim, dizendo:
— Há uns quinze anos, por nossa televisão, surgiu
algo muito comovente: Um famoso produtor de Orington,
criou um documentário de como seria nossa vida, caso
tivéssemos uma criança para completá-la. Ele criou em
computador algumas crianças, meninos e meninas, com
imagens tão próximas da realidade, que todo mundo se
apaixonou por aquelas crianças. O programa foi muito
bonito, copiado por todos e reprisado várias vezes; mas
eram só imagens mortas... ilusão de ótica. Então
finalmente, depois de várias reuniões com mais de mil
pessoas aqui em Malderran, trouxemos para discussão
esse problema da falta de uma criança, para alegrar nosso
mundo.
— Para alegrar seu mundo?
— Sim! A criança é tudo para o ser humano: a
beleza, a esperança, a simplicidade, o carinho, o amor... o
ensinamento. Enfim, tudo! Um lugar, assim como o
nosso, sem crianças, não tem como ter felicidade!
— O senhor está enganado!
— Por quê?
— Na Terra, as pessoas vivem dizendo, que as
crianças só servem pra atrapalhar e criar problemas pros
adultos.
— Eles falam! Mas na verdade, sofreriam como
nós, caso não tivesse um rostinho infantil em suas vidas!
— Então o senhor acha que a criança é muito
importante?
— Não há dúvidas! Nós somos imortais e não
temos doenças, mas sentimos uma doença diferente: uma
Regis: um menino no espaço
69
doença aqui no peito, devido a falta do sorriso de criança,
pra nos alegrar. Por isso Regis, você é muito importante
pra nós! Um sorriso seu vale milhões de seus dólares!
Dei um leve sorriso e insinuei:
— No Brasil é Cruzeiro4!
Depois sério tornei a perguntar:
— Então por que existem milhares de crianças
abandonadas na Terra e milhares são abor... Mortas pela
mãe?
— Porque o humano terráqueo, na verdade é
desumano! Se nós pudéssemos ter todas estas crianças
abandonadas ou que pretendessem abortar, seríamos
muito felizes!
— Por que tem mãe que quer abortar o filho?
— Porque se engravidou sem querer! Entre aspas!
Diversões irresponsáveis noturnas, levando-as muitas
vezes a acordar nua e bêbada, no leito do apartamento de
um estranho, em uma falsa noite de amor!
— E por que os médicos fazem?
— Monstros! Que juraram cuidar da vida! Ao
invés disso, as tiram sem piedade! Vão todos pro inferno,
sem chance de perdão; tanto os médicos, como as
malditas mães.
— O senhor ficou nervoso! — Insinuei meio
assustado.
— Fiquei nervoso não! Revoltado!
— Mas senhor Frene: se aqui não nascem mais
crianças, é porque Deus assim quer! O senhor não acha
que está desobedecendo a Ele, me trazendo pra viver
aqui?
4 O Cruzeiro vigorou no Brasil de 15 de maio de 1970 até 27 de
fevereiro de 1986, quando foi substituído pelo Cruzado. O Real foi
criado em Julho de 1994.
Celso Innocente
70
— Você é muito esperto Regis! — Riu ele. — Mas
Deus é muito bom e naturalmente, nos concederia esta
alegria! Não é Ele quem não quer que aqui não tenha
crianças! Foi erro da natureza!
— Mas Deus controla a natureza!
— Não! — Negou ele. — A natureza controla a
natureza!
— Deus disse a Moisés, pra não adorarmos ídolos
e o senhor está me fazendo de ídolo! Não acha que está
pecando?
— Como você sabe estas coisas? Você é muito
inteligente! Sabia?
— Sobre Moisés, aprendi em minha aula de
catecismo e também vi o filme “Os dez mandamentos”.
Enquanto Moisés foi receber de Deus a pedra com Seus
mandamentos Sagrados, o povo construiu um bezerro de
ouro e passou a ido... idola...
— Idolatrá-lo! — Completou o homem. — Mas
quem disse que estou te fazendo de ídolo? Pra mim você
é como um filho!
— No caso, me sinto com bilhões de pais. Se um
dia, todos resolverem me bater... Mas deixe pra lá.
Quando o senhor resolveu arranjar uma criança há quinze
anos, o que mais aconteceu?
Criamos este aparelho, super potente: colocamos
satélites invisíveis, próximos à Terra, com poderosas
câmeras e finalmente, após um ano de trabalho,
começamos a observá-la. Foi quando você nasceu...
— Por que escolheram a mim, entre tantas
crianças que nascem todos os dias? O que tenho de
especial?
— Nada! Escolher você foi apenas um acaso!
Quando nosso sistema estava pronto, decidimos colocá-lo
Regis: um menino no espaço
71
em prática! Resumindo, você foi o primeiro bebê recém-
nascido que apareceu em nossa tela.
— Que azar o meu! — Reclamei.
Apertou um botão no computador e na tela, em
imagem bem definida, como se fosse real, apareceu um
menino recém-nascido, pelado:
— Quem é? — Perguntei-lhe.
— Você! Quando nasceu!
— Mas o senhor disse que foi há quinze anos! Eu
só tenho nove!
— Pois é! Nove anos na Terra, significa quatorze
anos aqui! Mais um ano que demoramos pra criar o
sistema, é quinze.
— Quer dizer que o ano aqui passa mais depressa?
— Sim... O ano aqui é de noventa e nove dias dos
nossos; duzentos e trinta e quatro dias e dezesseis horas
se fosse da Terra... A partir de então, ficou decidido que
você seria o nosso menino! Muitos queriam que o
buscássemos logo! Mas a maioria preferiu esperar você
crescer até a idade de hoje. Nesse tempo, passamos a te
observar na Terra, por toda parte que você andava. Com
isto, passamos a te proteger também!
— Me proteger!?
— Foi o que eu disse!
— Se o senhor me protegesse, eu nunca teria
apanhado de papai e mamãe!
— Claro que apanhava! Não podíamos interferir
na sua educação! Tínhamos que aceitar seu livre arbítrio!
— Livre o quê? — Fiz careta.
— Livre arbítrio é um modo de que Deus deixou
para que o ser humano tenha o direito de fazer o que
quiser, sem que Ele, Deus interfira em sua decisão, seja
ela boa ou má.
Celso Innocente
72
— E o senhor se acha como Deus?
— Eu não! — Negou o senhor Frene, surpreso.
— Não interferia na decisão de mamãe me bater...
— Não tinha esse direito! Alem do mais, seus pais
precisavam educar você, à maneira deles!
— Então o senhor acha justo que se maltratem
crianças?
— Não! Sou completamente contra se espancar ou
explorar uma criança indefesa! Mas seus pais eram donos
de você!
— Ninguém é dono de mim!
— Alem do mais, você nunca apanhou tanto
assim! Salvo algumas palmadinhas...
— Umas varadinhas... — Emendei.
Apertou um botão do computador, desligando-o.
Apertou outro botão e finalmente mais um.
— Veja isto! — Disse ele.
Eu, com cinco meses de vida dormia na cama de
mamãe. Lentamente, comecei a rolar sobre ela e em
seguida, caindo ao chão. Comecei a chorar e a vomitar
muito. Papai e mamãe correram a me socorrer...
— Você tinha acabado de se amamentar —
Explicou o senhor Frene. — Poderia ter batido a cabeça e
morrido. Porém, ao sentir o perigo, aqui de Suster,
através deste botão, — Me mostrou o botão ípsilon três do
computador. — Te protegi, fazendo-o cair de bruços.
— Quando criança, eu era bonitinho! — Ri.
— Quando criança você é bonitinho! — Afirmou
ele.
— Não sou mais criança! — Neguei irônico. — Já
tenho quatorze anos!
— Pois é! Adulto aqui, só depois dos dois mil
anos! — Caçoou ele.
Regis: um menino no espaço
73
— Tudo isso?
— Sem brincadeira!
— Mostre mais!
— Quando você tinha nove anos, um dia, uma
cobra quase te picou e você nem viu. Fomos nós quem te
salvamos da morte certa!
— Mas eu tenho nove anos agora!
— Nove anos pra nós! Na Terra, eram cinco, quase
seis! Vou lhe mostrar.
Apertou o botão desligar, depois o botão avance e
em seguida, ligar. Comecei a aparecer na tela: ainda
morava no sítio e fui passear com mamãe e os três irmãos
menores, na casa de uma amiga; no caminho, próximo ao
riacho todo de pedra, encontrei nossa gatinha, que estava
desaparecida há alguns dias; peguei-a, levando-a para
casa às pressas e colocando-a na tuia cheia de algodão.
Sem que tivesse visto, quase pisei e também quase bati a
mão direita, sobre uma cobra jaracuçu, que dormia. Ali,
deixei a gatinha e voltei correndo até onde mamãe me
esperava.
— Quando você quase bateu a mão na cobra: —
Contou o senhor Frene. — Empurrei sua mão, te salvando
a vida.
— Salvando a vida?!
— Claro! A cobra se assustaria e o bote seria
certeiro, te picando ferozmente! Você iria chorar, gritar,
perder a respiração, paralisar todo seu sistema
imunológico, desmaiar e morrer ali, sem que ninguém
notasse; pois em sua casa não havia ninguém: alem de sua
mãe ter saído com vocês crianças, seu pai e seus irmãos
mais velhos estavam na lavoura do algodão.
Celso Innocente
74
— É verdade! Lembro-me desse dia: a cobra picou
a gatinha e ela morreu depois. Deu trabalho pra que
papai matasse a malvada. Obrigado por me salvar!
— Lembra do dia em que você caiu do bebedouro
na escola?
— O senhor viu?
— Claro! Vamos ver!
Adiantou o tape e me mostrou algo acontecido a
menos de um ano: Eu estava com oito anos de idade na
Terra. Na escola, era hora do recreio; fui subir no
bebedouro de água, que estava a pouco mais de um
metro do chão molhado, pela própria água que corria. Ao
tentar subir, escorreguei e caí, sujando o uniforme e
ferindo o braço, de raspão. Dali, abandonando a ideia e
sem ser socorrido por ninguém, principalmente adulto,
inspetor de alunos ou não, fui à outra torneira, me lavar.
— Você poderia ter quebrado o braço! — O
alegou.
— O senhor me salvou?
— É uma grande falha da escola! Onde se viu, um
local só de crianças, as torneiras de água potável ficar a
dois metros de altura e as crianças precisarem subir numa
marquise a mais de um metro do chão! E ainda por cima,
todo molhado!
— As crianças até gostam! — Ri. — Menos eu!
Naquele dia!
— Lembra-se de quando por engano, você tentou
entrar no banheiro das meninas?
— Por favor, me mostre: eu gostei!
— Gostou é? Safado!
Mostrou-me:
Eu contava sete anos de vida na Terra e era aluno
recente no Marcos Trench. Teria acabado de me mudar
Regis: um menino no espaço
75
para a cidade. Assim que saí para o recreio escolar, com a
bexiga querendo jogar xixi pelo ladrão, corri
imediatamente para esvaziá-la; mas sem perceber, ou
talvez sem estar familiarizado com a monstruosidade da
nova escola, em se comparando com a pequenina de onde
viera, contendo apenas uma sala de aula, acabei em por
engano, adentrar ao banheiro das meninas. Quando me
dei conta, quatro ou cinco garotas me agarraram e me
arrastaram para a diretoria. Embora, implorasse para que
me deixassem em paz, elas negavam, dizendo que eu
queria vê-las sem roupas. Já atravessávamos o corredor
na entrada do prédio escolar, seguindo através das salas
de aula, quando de repente, todas ao mesmo tempo,
resolveram me deixar livre.
— Elas iriam te levar pro diretor. Ele te chamaria
de moleque sem vergonha e te bateria!
— E como bateria!
— Eu fiz com que elas te deixassem em paz!
— Elas disseram que eu queria vê-las sem roupa!
Acha! Credo!
— Não foi isso? — Ironizou o senhor Frene.
— Êpa! Tá pensando o quê?
— Estou brincando! Sei que você é um menininho
inocente.
— Já que o senhor me protegia sempre, como não
me protegeu, quando o Vinicius me beliscou e eu
nervoso, resolvi descontar!
— Daí a professora te colocou de castigo?...
— É! Vai dizer que o senhor me salvou de alguma
coisa!
— Quer ver?
Mexeu na máquina e me mostrou:
Celso Innocente
76
Tinha oito anos e cursava a segunda série; sentava
no final da sala, próximo à janela e à frente de Vinicius,
um menino moreno, de minha idade, cabelos
encaracolados, super atrasado e que me provocar era sua
atividade predileta. Naquele dia, enquanto eu trabalhava,
ele resolveu me beliscar. Na hora, com os nervos
explodindo, virei-me para trás, pronto a revidar; mas a
professora viu e só gritou:
— Regis!
Assim que olhei, ela me ordenou:
— Já de castigo, aqui no canto!
Assustado, permaneci sentado e calado por algum
tempo, esperando que ela me perdoasse. Mas isso não
aconteceu. A safada da professora só viu minha atitude
de mau menino, a safadeza do outro ela nunca via.
Acabei ficando de castigo, na frente, em exposição para
todo mundo, onde, principalmente as meninas, me
olhavam com risinho na cara; até que, para piorar minha
vergonha, entraram em nossa sala, uma moça e um rapaz,
que eram médicos imunologistas e vinham examinar
nossos braços, a respeito de uma vacina, que havíamos
tomado, dois dias antes. Após examinarem a todos meus
colegas, vieram até mim e a moça pediu educadamente:
— Deixe-me ver seu bracinho!
Triste e com a maior vergonha de minha vida,
tentei recusar; mas a professora ordenou:
— Regis deixe a moça ver seu braço!
Obedeci à mestra. Assim que a moça e o rapaz se
retiraram, ela me chamou até sua mesa e pediu:
— Deixe-me ver seu braço.
Não sei por quê! Ela não é médica!
Após me reexaminar, me mandou sentar.
Regis: um menino no espaço
77
— Foi o único castigo o qual você sofreu na escola
até hoje. Não é verdade? — Perguntou-me o senhor
Frene.
— Graças a Deus! — Aleguei. — Por que o senhor
deixou acontecer?
— Às vezes é divertido, pregar uma peça em
quem a gente gosta!
— Não foi divertido pra mim! — Neguei bravo. —
Senti muita vergonha!
— Principalmente por causa de Beth! Não é?
— Por causa de todos!
De repente, uma voz vinda de uma caixa, no alto
da parede, chamou nossa atenção:
— Senhor Frene, o carro já está à sua disposição na
portaria. A audiência ocorrerá em meia hora.
— É verdade Regis! — Afirmou ele, enquanto o
alto-falante repetia o aviso. — Você dará entrevista na
tevê, as vinte e cinco horas.
— E o que eu vou falar?
— O que te perguntarem! Vamos! No caminho a
gente conversa mais.
Celso Innocente
78
Regis: um menino no espaço
79
Entrevista na tevê
o lado do senhor Frene, segui para a entrada
da residência, onde, realmente estava um
carro à nossa disposição. E que carro! Tinha
aproximadamente quatro metros de comprimento, por
dois de largura; feito completamente de níquel; não
possuía faróis, mas sim, duas sinaleiras na frente e duas
atrás, as quais ascendiam em vermelho; conduzia
tranquilamente seis pessoas; suas duas únicas rodas eram
bem largas, feitas de uma massa dura, parecida com a
mesma borracha terráquea, porém azuis; seu controle era
feito por um painel destacável contendo dez botões, sem
ter câmbio nem volante e era mais parecido com um mini
iate da Terra, ou aqueles carros anfíbios de alguns filmes.
O homem abriu a porta do lado direito e pediu
que eu entrasse; seguiu ao outro lado, abriu a outra porta
e entrou; destacou o tal controle do painel, apertou um
botão, fazendo com que os demais se ascendessem; eram
de cores diversas. O carro começou a se movimentar
silenciosamente, como se estivesse desligado. Pelas ruas
daquela linda cidade reluzente, devido reflexo de suas
A
Celso Innocente
80
estrelas sobre os edifícios de metal, ficavam admirando as
belezas dos prédios e praças, sem manifestar qualquer
comentário. O senhor Frene dirigia com um sorriso nos
lábios, mas também, sem dizer uma única palavra.
Jamais, em toda minha infância, nem mesmo pela
televisão, ou no cinema, o qual, devido minhas precárias
condições financeiras, teria ido muito pouco, havia
apreciado tanta beleza e acredito, nem qualquer outro
terráqueo, ter visto também.
Aqueles prédios eram obras de verdadeiros
artistas e todos construídos em um material, desconhe-
cido para mim. Parecia aço, metal ou níquel; mas não
poderia ser, pois, onde eles conseguiriam tanto desse
material?... E como eles conseguiriam construir tal obra,
sem emendas? Como se fosse uma peça única! Alem de
toda a beleza física, com cores diversas, vitrificadas pelo
tipo de aço, também me encantara com a limpeza e não
parecia existir nada de poluição. Os demais veículos
pareciam saber respeitar os direitos de seus parceiros no
trânsito, pois tudo fluía rápido, sem haver nenhum
congestionamento e praticamente ninguém se preocupa-
va em ultrapassar a outro, salvo quando em sinal de
parada ou alteração de rota de tráfego.
Estava encantadíssimo e às vezes até me esquecia
que estava a trilhões de quilômetros de casa.
Vinte minutos pelo trânsito, a uma velocidade que
diria, de até cento e vinte quilômetros por hora terráquea,
o carro estacionou em um grande pátio, em frente a um
monstruoso prédio esverdeado.
O senhor Frene desligou o carro, descemos e nos
dirigimos ao tal edifício. Entramos, andamos por um
longo corredor, sempre tendo que acenar a diferentes
transeuntes, os quais, não conhecia, mas assim como
Regis: um menino no espaço
81
celebridade, era conhecido. Depois do corredor, nos
deparamos com o palco, onde havia quatro poltronas de
aço e almofadas pressurizadas em grande luxo, nas cores
dourada e vermelha; uma mesa de aço no centro, à frente
de duas das poltronas; três câmeras tipo filmadora, em
tamanho miniatura, parecendo muito mais, como uma
câmera fotográfica amadora, sem que ninguém as
controlasse manualmente; dois grandes televisores a
cores, de aproximadamente oitenta polegadas cada um,
com a espessura de uma tábua de madeirite, parecendo
mais um simples telão de cinema, em tamanho reduzido.
Esses televisores estavam ligados, apresentando incríveis
imagens de minha viagem pelo espaço sideral, na cabine
do então disco voador, acompanhado pelo senhor Rud e
Tony, em altíssima resolução em terceira dimensão e
perfeição de som, dando a impressão de que estávamos
diante de uma janela no tempo e espaço; ou seja: que tudo
aquilo estava acontecendo naquele instante e que todos
ali naquele auditório, faziam parte dessa extraordinária
viagem interplanetária.
Terminado o palco, havia o auditório, com suas
poltronas, também pressurizadas, colocadas em forma de
escada, de tal forma, que ninguém atrapalhasse o colega
de traz a assistir o que acontecia no palco.
Orientado por senhor Frene, sentei-me sobre uma
das poltronas que estava afastada da mesa; ele sentou-se
sobre uma das que estavam atrás da mesa. O auditório
estava quase lotado.
Poucos minutos de espera entrou um homem
moreno, aparentando uns trinta e cinco anos de idade.
Assim que entrou, cumprimentou-nos, dizendo:
Celso Innocente
82
— É uma pena Regis, mas estamos em cima da
hora! Não podemos planejar com você esta entrevista.
Terá que ser mesmo na base do improviso.
Sentou-se na outra poltrona, atrás da mesa. Os
televisores à nossa frente mostraram a sua imagem, tão
perfeita, que se alguém entrasse naquele momento no
auditório, com certeza, confundiria o real com o vídeo.
Ele começou a falar, mesmo sem microfone:
— Prezados amigos, despertos em toda parte de
nossa querida Suster. Aqui em Malderran são exatamente
vinte e cinco horas. Como todos já sabem, hoje às seis
horas, chegou a nosso convívio, nosso esperado filho,
Regis. Todos acompanhamos sua viagem pelo espaço e
finalmente, sua chegada aqui em Malderran. Como todos
já sabem, Regis é um menino de quatorze anos de idade,
vindo da Terra. Branco, cabelos castanhos e muito bonito.
— Riu. — Muito bem: Regis está conosco agora e vai falar
com todos nós e principalmente com os convidados que
estão presentes no auditório.
A imagem da televisão agora passou a ser do
senhor Frene, que então começou a falar:
— Pra começar a entrevista, pediria pra que Regis,
cumprimentasse o auditório e os amigos distantes.
A câmera passou a me focalizar e apareci nos
televisores. Então, bem nervoso com essa novidade, disse:
— Olá... amigos de Suster: Pra começar quero
mandar um abraço e dizer que serei sincero, mesmo
sabendo que vou falar para três bilhões de pessoas. É um
número muito grande e talvez fale algo que alguém possa
não gostar...
— Três bilhões! — Riu o apresentador. — Você
imagina o tamanho desse número?
— Não! — Neguei juntamente com os ombros.
Regis: um menino no espaço
83
— Na Terra, você se sentia um menino feliz?
— Às vezes sim! Às vezes não! Mas era mais feliz
do que sou aqui.
— Como assim?
— Lá é meu lugar! Aqui sou estranho!
— Eu digo, como assim? Às vezes deixava de ser
feliz na Terra!
— Quando brincava, estava com meus pais,
passeava na casa de meus avós e muitas outras coisas, me
sentia feliz.
— O que você está achando de nosso mundo?
— Bem... Aqui é um lugar muito bom! Embora eu
quase não conheça!
— E de Malderran?
— O que é Malderran? — Perguntei-lhe, já
imaginando a resposta.
— Malderran é o nome desta cidade! — Afirmou o
senhor Frene.
— Desculpe-me! Ninguém havia me dito!
— O que você acha de Malderran? — Tornou a
perguntar o apresentador.
— A mais bonita que já vi! Nem no cinema, jamais
vi coisa mais bela!
— Então você está gostando de nosso mundo?
— Não senhor! Nem um pouco!
— Mas como não? — Se espantou o apresentador.
— Me desculpe! Eu disse que seria sincero!
— Pode ser franco, mas explique sua franqueza!
— É que já faz mais de setenta dias que não vejo
meus pais e amigos! Estou com muitas sau...dades...
Quase não consegui acabar de falar. Estava
chorando e o pior, era que a câmera, não deixava de me
focalizar.
Celso Innocente
84
— Não precisa chorar, Regis! — Pediu o senhor
Frene.
— Desculpe-me senhor Frene, mas não posso mais
falar!
E realmente não falei. Fui tirado do palco. Os
homens e o auditório ficaram falando a meu respeito por
alguns minutos. Fui levado a outra sala e sentado em uma
cadeira qualquer, me deram um lenço para que enxugasse
o rosto, depois me deram um suco azul com sabor de
amora, o qual tomei tudo em pequenos goles.
Passado pelo menos dez minutos, estando mais
calmo, voltei. Alguém no auditório, que fôra focalizado
pela tevê, me perguntou:
— Você sabe que todos nós o amamos muito?
— Sei e me sinto muito orgulhoso por isto!
— Falando nisso: — Interrompeu o senhor Frene,
que aparecia na tela. — Regis até disse, que é o único
garoto do Universo, a ter três bilhões de pais. Não é isso
mesmo, Regis?
— É o que parece: — Aleguei, querendo rir. — Se
todos me amam!
— Mesmo sabendo que o amamos tanto, você
ainda quer voltar à seu planeta? — Perguntou-me outro
homem do auditório.
— É natural que eu queira! É lá que estão meus
pais, que são tudo pra mim!
— Você sabe que significa muito pra nós? —
Perguntou-me outra moça.
— Se você fosse levada à Terra e obrigada a
permanecer por lá. O que acharia?
— Dependeria de muitos parâmetros!
— Pois é! Não sei bem o que é parâ...metros! Mas
o meu é que amo muito meus verdadeiros pais!
Regis: um menino no espaço
85
— Sabe que precisamos de você? Não apenas
como um objeto de desejo! Mas como alguém para nos
trazer carinho e felicidade!
— Sei! Até disse ao senhor Frene, que se uma
criança é tão importante pra vocês: por que então, ao
invés de me trazer, por que não trouxeram uma das
milhões de crianças abandonadas que lá existem?
— Queríamos um menino bonito, inteligente,
educado, desinibido e de seu tamanho! — Alegou outra
moça.
— Mas eu não sou todas essas coisas que você
disse!
— Pra nós, você é tudo isso! — Afirmou o
apresentador.
— Estão me pintando de anjo! — Brinquei. —
Posso me tornar anjinho da cara suja!
— Onde aprendeu isso? — Perguntou-me o apre-
sentador, senhor Gley, rindo.
— Li em um livro infantil!
— Pra nós você é bom e educado! — Confirmou a
mesma moça anterior. — Nunca será um “anjinho da cara
suja”!
— Mesmo que não me torne! — Aleguei. — Na
Terra, existem milhares de outras crianças pobres, que
preenchem suas exigências, muito mais do que eu!
— Você sabia que foi acompanhado rigorosamente
por nós, desde em que nasceste? — Perguntou-me outro
homem do auditório.
— O senhor Frene, já me contou isso!
— Então deve ter contado também, que ele te
preparou durante esses quatorze anos, para só agora
trazermos até nós! — Alegou o mesmo homem.
— Não! — Neguei. — Isto ele não contou!
Celso Innocente
86
— Pois é, Regis! — Afirmou o senhor Gley. — Por
isso que na escola, você sempre foi o melhor aluno da
classe; com os amigos, mesmo os mais velhos, você
sempre entendia do que se tratava; no lar, sempre era
obediente e educado...
— E como que mesmo assim, às vezes eu
apanhava de meus pais?
— Nem sempre, quando uma criança é punida
pelos pais; o que geralmente acontece com
espancamentos; nem sempre os pais têm razão em fazer!
— Comentou o senhor Frene.
— E os amigos? Por que muitas vezes, ainda
zombavam de mim?
— Inveja talvez! — Afirmou o apresentador.
— Na escola, quando estava na primeira série e a
professora me chamou pra explicar questões da segunda
série. Quer dizer que foi graças a vocês que consegui?
— Na verdade, nós o ajudamos! — Afirmou o
senhor Gley. — Mas foi graças a seu talento, que você
conseguiu... Mas... Voltando ao assunto: Quer dizer que
você não está feliz em viver conosco?
— Sinto muito: mas nem um pouco! — Neguei
triste.
— Por que não, Regis? — Perguntou-me, com jeito
triste, uma moça do auditório.
— O mesmo que já falei há pouco! Faça de conta
que você tem a minha idade; ou mesmo à sua; tem pai,
mãe, amigos, escola e tudo o mais aqui em seu mundo;
um dia, é rap... roubada e levada a outro mundo estranho,
onde não conhece ninguém! Como você se sentiria?
— Sei lá! Emocionada talvez!
— Não acredito! — Neguei.
Regis: um menino no espaço
87
— Regis! — Chamou o apresentador. — Para
encerrarmos esta visita, diga agora pra nosso povo, aquilo
que você quiser.
— Por favor, se é verdade que todos me amam,
prove agora este amor, me devolvendo a meus pais.
— Que tal darmos um tempo ao tempo? —
Insinuou ainda Gley.
— Todos me têm como um pai, ou serei apenas
um ídolo?
— O que você quer dizer com isto? — Alegou
Gley.
— A grande maioria das pessoas de seu planeta,
jamais me verão ou quando ver, será apenas pela
televisão. Assim como os grandes artistas de minha Terra!
A diferença é que eu não sei fazer nada!
— Por que você acha que as pessoas jamais te
verão pessoalmente? — Insistiu o apresentador.
— Tenho só nove anos, senhor Gley! Mas sei que
muito pouco dos seus mais de três bilhões de moradores,
conseguirão se aproximar de mim! Como podem ser
considerados meus pais?
— Temos planos para que você visite cada uma de
nossas mais de nove mil grandes cidades! E antes que
duvide, também temos planos para que fique o tempo
que for necessário e abrace a cada um de seus três bilhões
de pais! — Emendou o senhor Frene.
— Haja tempo! — Sorri irônico.
— É o que mais temos!
— Como eu poderei corresponder o amor a cada
um de meus três bilhões de pais, se estarei com cada um
por apenas alguns minutos?
Celso Innocente
88
O Senhor Gley ficou sem palavras e sinal para
cortar a entrevista. Levantamos-nos e ele veio falar
comigo:
— Gostei muito em conhecê-lo!
— Engraçado, até parece que vocês nunca foram
crianças! — Insinuei.
— Claro que já! — Exclamou o senhor Frene. —
Mas foi a milhares de anos!
— O senhor gostaria de ser criança até hoje? —
Perguntei-lhe.
— E como gostaria! —Disse o senhor Gley.
— Engraçado, eu queria ser adulto!
— Por quê?— Perguntou-me ele.
— Adulto dirige, passeia sozinho, vai ao cinema
proibido, nunca apanha dos pais, viaja sozinho, namora
sem ninguém cen... reclamar...
— Agora pense: — Pediu Gley. — Um terráqueo
adulto, precisa trabalhar, às vezes arranja encrenca e
acaba preso, enche a cara e fica bêbado, se casa e arca com
as responsabilidades de uma família e uma série de
outras coisas. A criança brinca, passeia, tem um monte de
amiguinhos, paquera uma Beth na escola...
— Eu não paquero a Beth! — Neguei sério. — Ela
é minha amiga de escola!
— No mais: — Continuou o senhor Frene. — Aqui
você poderá dirigir, passear bastante, viajar muito e não
vai apanhar de ninguém! Quanto a namorar, não posso
lhe prometer nada, pois aqui não existem garotas de sua
idade!
—Mas vai dizer que na Terra, você realmente não
namorava! Nem paquerava? — Ironizou o senhor Gley.
— Apesar de ser criança!
— É claro que não! — Neguei convicto.
Regis: um menino no espaço
89
— Pra cima de mim, Regis?! — Insinuou o senhor
Frene.
— Claro que eu não namorava! Mamãe disse que
se eu falasse em namoricos com a Beth, ela me bateria!
— Taí! — Exclamou o senhor Frene. — Você não
falava, mas só a Beth, pra saber a verdade!
— Quer dizer que seu namoro com ela era segredo
pros demais? — Perguntou o senhor Gley.
— Não há segredo de nada! — Neguei bravo. —
Ela é apenas uma coleguinha de classe! Já disse!
— Só de classe? — Perguntou o senhor Frene.
— Não senhor! De ir junto à escola, também!
— Muito bem! — Insinuou o senhor Frene. —
Vamos embora?
Despedimos do senhor Gley, que ainda insinuou:
— Você é muito esperto, menino! Não será fácil
tapeá-lo!
— Como assim? — Estranhei sério.
— De onde tirou a história de ídolo?
— Já comentei isso com o senhor Frene! Aprendi
no catecismo! Não me faça de ídolo, por favor! Deus não
tolera ídolos!
— Não te faremos de ídolo, Regis! — Negou o
senhor Frene. — Você é nosso filho! E é assim que o
amamos!
— Não sou bom de contas, senhor Frene, mas se
visitar cada uma de suas nove mil cidades, uma por dia,
isso nos tomará um montão de anos.
— Em torno de cem anos susterianos... Mais ou
menos! — Emendou o senhor Gley. — Mas isso não será
problema! Nós temos milhares de anos!
— Ou seja: Cada pessoa poderá ter a pequena
chance de me encontrar uma vez a cada cem anos. Acho
Celso Innocente
90
mesmo que serei uma cele...br... um artista, sem saber
fazer nada.
Abraçado por senhor Frene, seguimos até o carro e
então, de volta à residência onde estava morando. No
caminho de retorno, o senhor Frene me explicava, como
fazer para o carro andar. Eu porem não estava muito
interessado. Na verdade, estava muito preocupado e
chateado.
Após uns dez minutos de estrada em silêncio,
resolvi perguntar:
— O senhor está chateado comigo?
— Por que haveria de estar?
— Por causa de eu ter falado tudo ao contrário do
que o senhor queria lá na televisão!
— Eu já esperava que você fosse falar daquele
jeito! Mas não se preocupe; o importante era as pessoas te
ver e saber que você está bem!
— Estar bem? Mas eu só demonstrei estar mal!
— Todos compreendem sua posição e não
estranham. Pelo contrário: estranhariam se você dissesse
que estava tudo bem. Eles sabem que não poderia estar!
Não pra quem foi tirado dos pais!
Ao ouvir falar em meus pais, comecei a chorar.
Ele, percebendo aquilo, insinuou:
— Já vai abrir as torneirinhas novamente? Nem
parece que você é homem!
— E não sou mesmo! — Neguei chorando. — O
senhor sabe que sou criança! Criança prisioneira!
— Criança é verdade! Prisioneira, não!
— O senhor concorda que eu não esteja bem?
— Claro que concordo!
— Então sabe que estou sofrendo? — Continuava
chorando.
Regis: um menino no espaço
91
— Por enquanto sim! Mas vai ficar tudo bem,
depois!
— Acho que vocês só vêem seu lado pessoal!
Pouco se importam se eu também tenho sentimentos! Se
eu tenho coração!
— Lhe garanto que você será um menino muito
feliz!
— Como disse aquela moça do auditório, me
tratam como se eu fosse um boneco!
— Sei que você não é um boneco, Regis! Sei que
você tem alma... Coração... Sentimentos... Amor próprio...
Calei-me e continuei chorando até chegar à grande
residência.
Ao chegar, as lágrimas já teriam cessado. Fomos
direto a um banheiro, onde, o senhor Frene, apertou um
botão azul e começou a jorrar água de um chuveirinho,
em uma pia. Então ele me ordenou:
— Lave as mãos e essa cara de choro! Depois
iremos ao refeitório.
Ainda calado, lavei as mãos e o rosto, apertei um
botão cor-de-rosa, desligando o chuveirinho; apanhei
uma toalha, que ele já pegara no armário e me enxuguei.
— Agora sim! — Afirmou ele, me abraçando. —
Voltou a ser bonito outra vez!
— O senhor não tem vergonha de achar homem
bonito?
— Nem um pouco! Não o homem você!
Seguimos abraçados ao refeitório, que ficava
vizinho ao banheiro, porém, com a porta do outro lado do
corredor. Ao entrar, notei que era enorme e muito bem
montado: em cada canto, havia um aparelho de tevê de
suas cinquenta polegadas; em uma das paredes, um
enorme armário; próximo ao centro, duas compridas
Celso Innocente
92
mesas de aço, rodeadas de cadeiras estofadas, em cor
branca; o centro era vago e ao fundo, havia a cozinha,
separada por paredes de acrílico azul transparente.
O senhor Frene ligou um dos televisores, que
praticamente igual ao da emissora de onde viemos, com
as mesmas qualidades de imagem e áudio; então fomos à
mesa: ele apertou um botão de um aparelhinho que
estava sobre a mesa e em seguida, entrou Leandra, que se
aproximou, cumprimentando-nos:
— Olá senhor Frene! Olá Regis! Como estão?
— Vocês já se conhecem? — Perguntou o homem.
— E como já! Não é mesmo Regis?
— Foi ela quem me ensinou a tomar banho!
— Você é fogo mesmo, garoto! — Afirmou senhor
Frene.
— Eu fogo? Fogo é ela!
— Um momento que eu vou trazer suas refeições!
— Alegou Leandra e se retirou.
— Quem é ela, senhor Frene? — Perguntei.
— Se chama Leandra!
— Eu já sei o nome! Quero saber o que ela é do
senhor?
— Mora aqui conosco e cuida de nossa cozinha.
— Conosco! Quantas pessoas vivem aqui?
— Apenas dez!
— Eu só vi quatro!
— Devagar você conhecerá a todos!
Leandra retornou com uma bandeja de aço, com
dois pratos cheios de alimentos à base de legumes e dois
copos, também em aço, com um suco roxo. Serviu-nos e o
cheiro estava bom.
— Que comida é essa? — Perguntei indiferente.
Regis: um menino no espaço
93
— À moda da casa! — Insinuou ela. — Coma, você
vai gostar.
Passamos a nos alimentar. Realmente, o sabor era
bom: tinha gosto de milho cozido, maionese caseira e
polenta. O suco tinha gosto de vinho de jabuticaba.
— Não tem carne? — Especulei.
— Não temos vítimas! — Riu o senhor Frene.
— Sorte dos animais! — Insinuei sério.
— Mas temos carne à base de vegetais. —
Insinuou Leandra. — Não hoje!
Enquanto comia, me lembrei de algo que me
deixava intrigado; então resolvi perguntar:
— Na televisão, não tinha microfones pra gente
falar, nem pessoas controlando as câmeras. Como é que
pode ser?
— Simples: os microfones são embutidos nas
poltronas e as câmeras são controladas a distância por
computador.
— E as pessoas no auditório? Elas também
falavam e nunca, dois falavam ao mesmo tempo. Como
pode ser?
— Já não te falei que nosso sistema é muito
superior ao de vocês! — Riu ele zombeteiro.
— Eu sei! Mas queria entender como se faz! O
senhor pode explicar?
— Posso não! Devo! É simples: em cada poltrona
do auditório, também possui um microfone embutido.
Possui também, uma luzinha verde e um botão. Quando
um dos convidados quer interferir falando alguma coisa,
aperta o botão, fazendo ascender uma luzinha azul, na
sala de controle. Ao chegar à vez daquele que pediu a
palavra, o computador liga o microfone e a luzinha verde
Celso Innocente
94
da poltrona. Através dessa luz, o convidado sabe que
chegou sua vez... Conseguiu entender?
— Engenhoso!
— E bem simples!
De repente, a televisão chamou nossa atenção,
mostrando um filme, tirado de diversas partes de minha
vida: era sorrindo, correndo, brincando, estudando e até
chorando. Imagens e som, tão reais, que não se pareciam
com cenas gravadas há muitos anos. Era como se
estivéssemos mesmo, diante de uma janela, vendo ao
vivo, o que acontecia comigo pelo passar de minha
existência, Enquanto um narrador ia comentando:
“Esperamos centenas de anos, por uma pessoa que
pudesse nos mostrar o poder do amor puro e a
simplicidade infantil. Esta espera valeu à pena: Há
quatorze anos, na Terra, a cento e dezesseis anos luz de
distância, foi escolhida a criança que seria o nosso
símbolo de paz e esperança, o nosso puro amor, a nossa
simplicidade de vida. Agora, três bilhões e meio de
corações, se unem no mesmo amor e mesma voz:” “Bem
vindo seja você, querido filho de coração, Regis”.
Aquele filme; aquela homenagem me deixou
muito emocionado, com algumas lágrimas diferentes da
que vinha tendo até então. Aquilo me fez confiar um
pouco mais, naqueles humanos, que são meus irmãos e
faziam papel de meus pais, em outro mundo, de tal
forma, semelhante ao meu.
Terminado o jantar, fomos juntos à sala de
computação, a qual na Terra receberia o nome de CPD
(centro de processamento armazenado). Assim que a
porta se abriu, entrei correndo, sentei na poltrona e
comecei a falar:
Regis: um menino no espaço
95
— A televisão falou coisa errada lá no refeitório.
— Insinuei.
— Como assim?
— Ela falou que a Terra está a cento e dezesseis
anos luz de distância daqui! Tony ou Rud... Não sei qual
dos dois, me disse que são oitenta e sete.
— Ambos estão corretos! — Confirmou o senhor
Frene. — Oitenta e sete anos luz terráqueos!... Se calcu-
larmos sobre nosso ano susteriano, chegaremos a cento e
dezesseis anos e sessenta dias! Aproximadamente!
— O senhor sabe tudo sobre o espaço?
— Um pouquinho! — Riu ele. — Estudo sobre isto
desde que tinha a sua idade!
— Verdade?
— Com certeza!
— Cinco mil anos?
— Pois é! Só que me dediquei realmente a isso, a
partir de quando decidimos trazer você pra cá! Nessa
época, assim que construímos nosso sistema de
comunicação com seu sistema, me dediquei de vez em
conhecer sua Terra.
— Já que é assim, é verdade que em Saturno
existem anéis?
— Saturno, ou Júpiter?
— Saturno!... — Fiz cara de certeza. — Está no
meu livro de ciências!
— Não seria Netuno? Quem sabe Urano!
— Não senhor! — Neguei convicto. — É Saturno!
— Pra falar a verdade garoto, quase todos os
planetas do Universo, possuem anéis. Os anéis de Saturno
foram descobertos pelos terráqueos a mais de trezentos
anos, formado em várias camadas, são na verdade blocos
de gelos, que viajando na órbita do tal planeta formam o
Celso Innocente
96
belíssimo anel. Mas em outra camada, é criada por nuvem
de poeira ou mesmo água congelada que é jogada na
órbita por um de seus satélites naturais, como se fosse um
grande jato de nitrogênio. Os terráqueos dizem ter sete
anéis, mas na verdade existem outros. Porém, como
brinquei, Netuno, Júpiter, Urano e até Plutão, possuem
anéis.
— Meu livro não fala nada sobre anéis em outros
planetas do Sol!
— Mas com certeza existem! Seus livros ainda irão
desvendar isto! Primeiro seus astrônomos precisam
descobrir.
— Essa conversa me deixa tonto!
— O Universo é muito complexo. Mesmo a gente
estudando sobre ele durante centenas de anos, é
impossível aprendermos muito.
— Ufa!
— Na verdade, quase todos os sistemas estelares,
galácticos, planetários... Como giram em grande
velocidade no Universo, possuem ligados a sí, anéis. Seu
Sol, por exemplo, tem pelo menos nove anéis, que são a
rota de seus planetas, que viajam graciosamente e
perfeitamente sem se deslocar de sua órbita. Caso se
deslocasse, seria um tremendo caos no sistema, que se
minimizados bilhões de vezes na tela de um televisor,
seria algo muito belo de se ver. Imagine as engrenagens
de um grande relógio cósmico.
Realmente aquela conversa me deixava confuso.
Mas eu gostava dela.
— Alem do mais, o Sol, tem outros anéis ainda
mais interessante. Já viu falar em cinturão de Kuiper...
nuvem de oort? Cinturão de asteroides?
— Vixi!
Regis: um menino no espaço
97
— O cinturão de kuiper não deixa de ser um anel,
que fica na órbita externa de seu sistema solar. Está
repleto de meteoros gigantes, circundando o Sol. É ali que
se formam os cometas. Já na órbita interna, existe o
cinturão de asteroides. É daí que saem os meteoros mais
perigosos, depois de se chocarem em espetaculares
colisões entre si. Foi daí que saiu o grande meteoro que há
sessenta e cinco milhões de anos, extinguiu seus bonitos e
vorazes dinossauros. Você já ouviu falar na bomba
atômica que devastou Hiroshima no Japão?
Acenei que sim.
— O meteoro que atingiu o México, extinguindo
os dinossauros, tinha o poder em te-ene-te (TNT),
equivalente a uma bomba de Hiroshima, se detonando a
cada dois segundos por cento e quarenta anos terráqueos.
A nuvem de poeira no espaço escureceu o planeta
durante muitos meses, extinguindo a maioria dos seres
vivos.
— Que pena! — Me entristeci.
— Que ótimo! — Riu ele. — Graças a extinção dos
dinossauros, os seres humanos puderam dominar a Terra!
Se tais répteis gigantes ainda existissem, com certeza
vocês não estariam lá!
Só balancei os ombros, como fazia quando não
tinha o que dizer.
— A Terra também tem anéis! — Insinuou ele,
rindo.
— Nunca ninguém falou isso!
— Mas tem! Suster também tem! Só que são anéis
artificiais, criado a partir das centenas de satélites
posicionados na órbita planetária. No caso da Terra, eles
estão em uma órbita chamada Geoestacionária, ou gel-
sincrônico, localizada a trinta e seis mil quilômetros no
Celso Innocente
98
espaço. A maioria deles são satélites de comunicação e
localização. Eu por exemplo, tenho três desses caras, em
posição tal, um pouco acima dos seus; cinquenta mil
quilómetros, que consigo ver todo seu planeta em tempo
real. Além deles, tenho mais um, considerado por vocês
de baixa órbita, que fica a quinhentos quilômetros de
altura e está apontado pra sua vida.
— É com ele que o senhor me observava durante
todo o tempo, por essa máquina, aqui, tão longe.
— Exatamente! — Afirmou ele.
— Diga uma coisa: O senhor me observava,
mesmo quando eu estava no banho?
— Que pergunta! Claro que sim!
— E ainda diz que me ama! — Exclamei
aborrecido.
— Está com vergonha de que? De eu ter visto você
fazendo algo que não devia?
— Não faço o que não devia! — Neguei
indiferente.
— Sei que não!
Calei-me, baixando a cabeça. Depois resolvi
perguntar:
— E tudo o que o senhor via, mostrava a todos?
— O que você acha?
— O senhor deveria me respeitar!
— Sua privacidade, você quer insinuar!
Nada disse. Ele, de pé, passou as mãos em meu
ombro e disse:
— Tudo o que está gravado aqui nesta máquina,
só é vista por outros, se eu autorizar!
— E?
— Daqui só saem imagens selecionadas! Aquelas
que você viu na tevê, por exemplo, fui eu quem
Regis: um menino no espaço
99
selecionei. Eu jamais divulgaria imagens suas, que lhe
deixasse constrangido, pode acreditar!
— Mas tem coisas que nem o senhor deveria ver!
— O que, por exemplo?
— Se o banheiro tem portas e fechadura, é pras
pessoas ficarem sozinhas! Não ligue mais isso! Eu não
quero mais ver!
— Calma! — Pediu ele. — O que vou lhe mostrar
não tem motivos pra vergonha!
E ligou a máquina: era noite e eu dormia. Na
época, ainda morava no sítio, tinha apenas sete anos e
estava doente, com muita febre. Chamei mamãe e
apareceu papai, que, usando uma lamparina, pois nossa
casa não existia luz elétrica, me descobriu e tirou minha
camisa. Ao ver meu corpo suado, ordenou que levantasse
e me despisse por completo. Embora, com muito frio,
obedeci a sua ordem; meu corpo, nem sei por que, na
virilha, estava repleto de espumas, como se tivesse
tomado banho e esquecido de me enxaguar e secar. Ou
pior! Como se tivesse usado o creme de barbear de papai,
nestas partes. Não sei o porquê, mas era algo que me
provocava tal febre. Naquela mesma tarde, estive
brincando com outros amiguinhos e meus irmãos, no rio
todo de pedra que corta o sítio e como a água era muito
gelada, talvez tivesse provocado tal situação.
— O que há comigo papai? — Perguntei
assustado.
— É apenas uma febre alta! Vai passar!
— Não vou morrer?
— Claro que não! — Riu ele. — Você ainda tem
muita arte pra fazer! Vá tomar um banho morno, pra
baixar a febre!
— Por que estas espumas?
Celso Innocente
100
— Não sei bem o que é! — Negou papai meio
confuso. — Talvez devido algum tipo de lodo ou ovos de
sapos, por vocês terem brincado no riozinho! Quando
forem lá brincar de correr, não devem ficar sem roupa.
Amanhã você estará bem!
No sítio, a gente costumava brincar ou nadar nos
rios, sem roupas mesmo. Hoje eu tenho vergonha, mas
naquele tempo achava natural.
Embora meio preguiçoso, segui ao banho morno,
preparado em uma bacia por mamãe. Porem, ao contrário
de sempre, tomei um banho bem rápido, me fazendo
inclusive me sentir melhor. Enxuguei-me, voltando ao
quarto para me vestir; porem, papai me pediu que fosse
deitar e dormir assim, pelado, já que eu era apenas um
menininho e seria melhor, para que as roupas não
atrapalhassem meu restabelecimento. Tímido como
sempre fui, obedeci contrariado e ele retornou a seu
quarto. Poucos minutos depois, tornei a me levantar e me
vestir.
— Eu estava doente! — Insinuei.
— Naquela noite, eu sofri com você! — O Alegou
— Enquanto você dormia, eu te observei a noite toda!
Consegui dar um leve sorriso, enquanto ele
adiantava a gravação.
— Engraçado é você ter ficado tímido em dormir
sem roupa debaixo da coberta, mas não ficar tímido em
correr dentro do rio sem roupa.
Dei de ombros como a dizer: “Também não sei”.
— Você se lembra da menina sua vizinha? —
Perguntou-me.
— Qual?
— Aquela com qual você tem costume de brincar
de casinha!
Regis: um menino no espaço
101
— A Regina?
— Ela mesma!
— Não acredito que fiz coisa errada! Com ela eu
brinco de casinha...
— Você o papai, ela a mamãe... — Me
Interrompeu.
— Sim! Mas nada do que não devia!
Ligou a máquina: estava há pouco tempo passado.
Já estava com nove anos e estava sozinho em casa; era
começo de noite e Regina, poucos meses mais nova do
que eu, morena e muito bonita, chegou e começamos a
conversar. Resolvi convidá-la a brincar de algo diferente:
iríamos brincar de médicos. Ela aceitou prontamente e
disse que seria a médica e teria que me examinar. Pediu
que eu tirasse a roupa, ficando apenas de cueca e deitasse
na cama de meus pais, então forçou as pálpebras de meus
olhos, examinando-os; depois, fazendo uso de uma caixa
de fósforos, como se fosse otoscópio (um aparelho de luz
concentrado e uma lente de aumento), examinou meus
dois ouvidos; pediu que abrisse bem a boca, mostrando a
língua; depois segurando meu pulso direito, olhava para
seu próprio pulso, como se acompanhasse minhas
pulsações através de um relógio imaginário...
— Desligue isso! — Pedi apressado.
— Por quê? Algo errado?
— Desligue já! — Gritei ofegante.
Ele desligou a máquina, caçoando.
— Parece que você conseguiu! Não?!
— Não fizemos nada de errado! — Neguei, com a
voz cortada.
— Lógico que não, Regis! — Disse-me ele sem
brincadeiras.
Eu estava tímido.
Celso Innocente
102
— Houve outras vezes, até pior do que isto! —
Disse ele.
— Nunca houve nada, além disso!
— Você sabe o que houve e eu sei!
— O senhor nunca mostrou estas imagens pra
outros! Mostrou?
— Claro que não! Não precisa se preocupar! Nem
se acanhar! — Riu ele. — Tudo coisa da vida dos
terráqueos! Só acho você muito jovem pra isso!
— Apague estas coisas senhor Frene, por favor!
— Fique sossegado! Ninguém verá estas imagens!
— Nem o senhor é pra ver! — Neguei bravo.
— O que há?
— É pecado o senhor fazer isso comigo!
— Vamos dormir um pouco!
Foi boa idéia. Ainda chateado, com vergonha,
segui para meu quarto.
Devido o calor e confiando que ninguém me
visitaria de surpresa, vesti apenas um shortinho de
pijama, sem camiseta e desta vez, lembrei de ligar o
condicionador de ar. Então me deitei.
Regis: um menino no espaço
103
Um novo amigo
proximadamente oito horas terráqueas
depois, acordei assustado, ouvindo uma voz
forte:
— Garoto Regis, hora de acordar!
Acordei me esticando todo, espreguiçando sobre a
cama e me surpreendendo com um verdadeiro robô à
minha frente: Não era muito diferente daqueles em que a
gente vê nos filmes. Semelhante a uma figura humana;
pouca coisa maior do que eu; dourado, feito de aço e
quando falava, com sua voz metálica, ascendia várias
luzinhas, das cores do arco Iris em seus olhos e peito.
Amedrontado, saltei da cama, perguntando forte:
— Quem é você?
— Um robô susteriano! Como pode ver!
— Um robô? E o que você está fazendo aqui?
— Como todo mundo, vim fazer amizade com o
garoto da Terra!
— Mas o garoto da Terra sou eu!
— Não disse o contrário!
— Quem fez você? — Vesti camiseta.
A
Celso Innocente
104
— Não fui gerado como você!
— Eu sei que não! Você acha que sou bobo?
— Pelo contrário: é muito inteligente! Quase igual
a mim!
— Quase igual? — Duvidei. — Sou muito mais
inteligente do que você!
— Ninguém pode ser mais inteligente do que um
robô susteriano!
— Eu posso! E posso provar!
— Como um filhote de gente, cabelo espetado,
pré-tende provar que é mais sábio do que um robô
susteriano?
— Não tenho cabelo espetado! — Retruquei,
esfregando as mãos na cabeça.
— Parece arame farpado!
— É que acabei de levantar!
— Como vai provar ser mais inteligente do que
um robô avançado?
— Tenho uma idéia: eu lhe faço uma pergunta e
você me responde! Depois você faz uma pergunta pra
mim!
— De acordo! Pode começar!
— Deixe-me ver... — Pensei um pouco. — Qual é a
minha idade?
— Em anos, dias, horas, minutos, segundos ou
décimos?
— Sei lá! Minha verdadeira idade!
— Quatorze anos, trinta e nove dias, oito horas,
quarenta e um minutos e sessenta e nove segundos.
— Mas que confusão é essa?
— Sua idade real!
— Quero minha idade, como se fosse na Terra!
Regis: um menino no espaço
105
— Nove anos, noventa dias, dez horas, vinte e
cinco minutos e treze segundos.
— Acredito em você! — Dei de ombros. — Como
posso duvidar? Agora pode fazer sua pergunta!
— Bem fácil. — Insinuou o robô. — Qual à
distância da rota criada entre nossos dois planetas?
— Fácil mesmo! — Me exibi. — Oitenta e sete
anos-luz!
— É preciso dar a resposta em quilômetros!
— Isso é impossível!
— Não para mim!
— Muito bem seu engraçadinho! Prove melhor
sua inteligência! Qual é a distância?
— Oitocentos e vinte e três trilhões, sessenta e seis
bilhões, seiscentos e trinta e dois milhões, setecentos e
oitenta mil e quatrocentos e quarenta e sete quilômetros
de distância.
— Quê! — Me espantei.
— Sabe essa magnitude numérica?
— Mag... O quê?
— Analfabeto!
— Idiota! — Retruquei.
— Magnitude! O tamanho do número! O
analfabeto garoto da Terra conseguiria escrever tal ordem
numérica?
Pensei um pouco e balançando os ombros insinuei
um tanto duvidoso:
— Posso provar!
Levantei-me, seguindo até o tal armário,
apanhando com certa dificuldade, devido a altura em que
fôra colocada, a minha bolsa escolar; joguei-a sobre a
cama, apanhei um caderno e um lápis preto, ajoelhei-me
no chão e pedi:
Celso Innocente
106
— Repita o número.
— Oitocentos e vinte e três trilhões, sessenta e seis
bilhões... Basta até aí.
Na folha do caderno, anotei:
82366000000
Mostrei a ele, franzindo o nariz.
— Burrinho! — Ironizou o robô.
823660000000
— Volte para a escola! — Insinuou cantado com a
voz eletrônica.
82366000000000
— Experimente separar com pontos.
823.66.000.000.000
— Não consigo decifrar esta grandeza!
Observei o caderno, apanhei uma borracha,
apagando, corrigindo os pontos e acrescentando novo
zero.
823.660.000.000.000
— O número apresentado não confere!
— Como não! — Reclamei.
— Leia-o, por favor!
— Oitocentos e vinte e três milh... Não! Bilhões,
Seiscentos e sessenta bilhões...
— Bilhões de bilhões?! Fugiu da escola!
— Não fugi da escola! — Neguei bravo. — Ainda
não aprendi tudo isso!
— Escreva conforme eu dito! Oito... Dois... Três...
Zero... Seis... Seis...
823066
— Acrescente a sequência de nove zeros, separado
por pontos.
Regis: um menino no espaço
107
823066.000.000.000
— Quase certo! Só faltou os pontos!
— Como você consegue ler? — Especulei-o. —
Quer dizer: Seus olhos podem enxergar minhas letras e
sua cabeça entender elas!
— Meus olhos com sistema foto acoplador, podem
ver e distinguir detalhes, melhor do que os seus e meu
cérebro com o mesmo tamanho de sua massa encefálica
processam em um segundo o que o seu levará toda sua
existência quase imortal para decifrar.
— O que significa a palavra planeta, em grego? —
Me exibi, aproveitando trecho que ouvi em um
documentário pela tevê.
— Viajante do espaço! O que é Grego? —
Emendou-me a uma pergunta complicada, para meus
nove anos de idade.
— Sei lá! — Balancei os ombros. — A linguagem
falada na Grécia antiga. Eu acho!
— Uma etnia criada a partir de vários grupos:
gregos micênicos, surgiram mil e duzentos anos antes de
seu Cristo; gregos bizantinos...
— Ei chega! — Interrompi-o. — O que menos
quero agora é uma aula de história. Ainda mais sobre
gregos!
— Quem é o mais inteligente?
— Eu! — Brinquei. — Sou o único gente aqui!
Você só pode ser intelirobô!
Pensei um pouco e perguntei-lhe:
— Como você consegue saber tudo?
— Possuo um micro processador interno!
— Assim não vale! Você é tudo máquina!
— E muito bem construído!
— Quem te criou?
Celso Innocente
108
— Essa pergunta já foi formulada!
— Mas não foi respondida corretamente!
— Fui construído em uma fábrica de
computadores, em Merlin.
— O que é Merlin?
— Uma cidade, localizada ao lado oeste de Suster.
— Qual é seu nome? Só robô?
— Ainda não fui batizado!
— Pois então vou te batizar agora! Você passa a se
chamar... — Pensei um pouco. — Luecy!
— Nome de mulher!
— Esse nome é masculino e feminino! — Insinuei.
— Te dou esse nome, que é igual ao de um amigo meu
metido a sábio, como você!
— Agradeço!
— Mas me diga uma coisa: Quem te adquiriu?
— O Senhor Frene.
— Desde quando?
— Acabei de chegar! Vim direto conhecer meu
dono!
— Seu dono! Quem?
— Você, Regis!
— Quer dizer que você é um presente do senhor
Frene... pra mim?
— Estou programado para lhe atender! Farei e
responderei tudo o que você quiser!
— Mas eu não quero ser seu dono! Quero ser seu
amigo!
— Já é!
A porta se abriu e entrou Leandra, dizendo:
— Regis, hora do banho! Vamos?
Regis: um menino no espaço
109
— Muito obrigado Leandra! Agora eu já aprendi a
tomar banho sozinho e vou usar o banheiro do quarto!
Não precisa me ajudar!
— Acontece que é minha tarefa, levá-lo ao banho!
— Insistiu ela.
— Ela pensa que você é nenê! — Alegou o robô.
— Eu sei! — Afirmei rindo. — Mas não sou!
— Ela vai insistir pra lhe dar banho!
— Cale a boca seu robô hipócrita! — Reclamou
ela.
— Leandra, pode deixar que eu tome banho
sozinho!
— Já que insiste: — Concordou ela. — Vou cuidar
de minhas obrigações!
— Vai tarde! — Caçoou Luecy.
A mulher se retirou. Comecei a rir, insinuando:
— Coitada Luecy! Ela é muito gentil!
— Gosta muito de você!
— É verdade! Ela e todos desse planeta gostam
muito de mim!
— Garoto especial!
— Vamos tomar banho?
— Robô não toma banho! — Negou ele.
— Mas pode vir comigo!
— Não sentirás vergonha de mim?
— Por que deveria sentir? — Ri. — Você é homem!
— Sou uma máquina!
— Melhor assim! Vamos!
Seguimos para o banho. Acabei de me despir e
entrei no chuveiro. Assim que começou a cair água, Luecy
se afastou alegando:
— Detesto água!
— Por quê? Ela te dá arrepio?
Celso Innocente
110
— Não! Dá ferrugens!
Ao ouvir aquilo, desliguei o chuveiro apressado,
corri pegando a toalha e enxugando apressadamente os
respingos de água que caíra sobre o robô, dizendo:
— Como sou burro, meu amigo! Não tinha
pensado nisso! Você é feito de aço!
— Sou feito de metal muito bem trabalhado!
— Então a água não te dá ferrugens!
— Danificam meus circuitos eletrônicos!
Acabei de enxugá-lo bem, coloquei a toalha sobre
o cabide e retornei ao banho.
— Você sem cascas é uma gracinha! — Caçoou ele.
— Leandra tem bom gosto!
— O que é cascas? — Não entendi a metáfora.
— Acessórios! Roupas!
Terminado o banho, fui me trocar no quarto, onde
deixara as roupas. Luecy me acompanhava sempre e
sempre fazendo suas gracinhas.
Enquanto me vestia, a porta se abriu e entrou o
senhor Frene:
— Espero que esteja se divertindo com Mark Três!
— Quem é Mark três? — Perguntei admirado. —
Luecy?
— Quem é Luecy? — Perguntou o homem.
— Luecy sou eu! — Afirmou o robô.
— Quem te deu esse nome besta?
— Nome besta, quem me chama! — Caçoou o
robô.
— Eu o batizei! — Disse-lhe.
— Esse nome que você deu a ele é de mulher!
— Mentira! Tenho um amigo que se chama Luecy!
— Acontece que ele já tem nome: Mark Três!
— Não gosto desse nome besta! — Negou o robô.
Regis: um menino no espaço
111
— Pra mim ele continua sendo Luecy!
— Já que vocês insistem: não seja por isso! Nem
vamos discutir!
— Senhor Frene: — Chamei triste. — Sei que o
senhor me ama e que todos me querem muito bem. Mas
não posso ficar aqui!
— Você se acostumará! — O alegou.
— Não me acostumarei! — Neguei. — Já estou
com muitas saudades da Terra! Estou sofrendo!
— Te ajudarei a não sentir saudades!
— Mas como? Isso vem do coração!
— Por isso que robô não sente saudades! —
Interferiu Luecy.
— Faremos uma pequena cirurgia em você.
— Cirurgia?! Por quê?
— Fazer você esquecer pra sempre da Terra!
— Esquecer da Terra? Não quero!
— Pra que você não sofra mais! E o mais
importante: Fará com que você passe a gostar daqui!
— O senhor pretende tirar meu coração? —
Perguntei trêmulo.
— Claro que não! Se um louco fizer isto, você
morrerá na hora!
— Ninguém vive sem coração! — Interferiu Luecy.
— Nem eu!
— Que cirurgia é essa?
— Em seu cérebro! Nosso sistema é muito
avançado em relação ao seu. Você não sofrerá nada! Nem
um corte! Nem uma dor e nem uma gota de sangue sairá
de você!
— Não haverá faca e nem injeção na bunda! —
Caçoou Luecy.
Celso Innocente
112
— E eu vou me esquecer da Terra? Papai, mamãe,
a escola e todos de lá?
— É pro seu bem!
— Não! Nunca vou me esquecer de lá!
— Você é quem sabe! — Afirmou o senhor Frene.
— Nós só queremos o seu bem!
— Isso não é meu bem!
Ele se retirou um pouco nervoso. Sentei-me na
poltrona e Luecy me disse:
— Você terá que fazer a cirurgia. Terás vida eterna
em Suster! Não retornarás à Terra jamais!
Ouvindo estas palavras sem sentimentos, só me
restava chorar e foi o que fiz.
O robô caçoava:
— Chorar não faz parte da vida de um homem!
— Não sou homem! E tenho saudades de casa!
— Não sabia que você era mulher!
— Sou menino! Você sabe disso!
— Menino homem, ou vira-latas?
— Cale a boca, sua peste enlatada! — Gritei
nervoso.
— Peste enlatada, mas não molho a cama com
urina!
— Não faço xixi na cama, seu enferrujado!
— Enferrujada é sua cara molhada de lágrimas!
— Chega de conversa fiada.
Fui me deitar.
— Pelo menos, se esqueceu de chorar. — Alegou
ainda ele.
* * *
Nos primeiros dias, naquele planeta, diferente da
Terra em muitas coisas, mas igual em várias outras, fui à
televisão por várias vezes e conheci a cidade inteira.
Regis: um menino no espaço
113
Porém, a saudade de casa, não me deixava em paz e
chorava praticamente todos os dias. De vez em quando,
encontrava alguma alegria e até sorria. Passeava bastante
e participava de eventos com muitas pessoas daquele
mundo, que queriam e gostavam de simplesmente estar a
meu lado, como se eu fosse uma espécie de Michael
Jackson. A diferença, era que tal astro pop, era o melhor e
mais premiado cantor e dançarino coreógrafo em toda a
Terra, enquanto eu, não cantava nem no chuveiro; muito
menos dançava, pois minha timidez não me deixava
rebolar.
Ao tomar banho, o robô Luecy, sempre me
acompanhava; mas devido às gozações que ele sempre
fazia, principalmente em relação a meu corpo nu, chegou
um dia em que resolvi proibi-lo de ir comigo ao chuveiro.
Porem, estando me enxugando antes de me vestir,
em meu quarto, ele, já que não ia mais ao banheiro,
aproveitou para a gozação:
— Fazia doze dias que não o via despido!
— E qual é a graça nisso? — Perguntei.
— Você é muito bonito!
— Robô não tem sentimentos! — Neguei.
— Você nem parece ser um menino!
— E o que eu pareço?
— Símbolo de beleza masculina com quatorze
anos de idade.
— Pare com idiotice!
— Não é ofensa! É elogio!
— Olha aqui: — Aleguei bravo. — A partir de
hoje, vou te proibir de me ver trocar de roupa, não só no
banheiro, mas aqui também!
Celso Innocente
114
— Muito bem: — Disse ele, me segurando pela
mão direita e me arrastando para fora do quarto. — Aqui
fora não me proibiste de vê-lo desnudo!
Por má sorte, o senhor Frene, Tony, Rud e
Leandra, passavam juntos pelo corredor.
Ao verem a cena, Rud me perguntou:
— O que está acontecendo?
— Desfile de bottomless! — Caçoou o robô.
Escapando do robô, retornei correndo a meu
quarto, me enrolando no cobertor. Atrás entrou os
demais.
— O que está havendo, Regis? — Perguntou-me o
senhor Frene.
— Ele me proibiu de vê-lo trocar de roupa aqui
dentro! — Insinuou o robô. — Então fomos lá fora!
— Por favor: Querem me deixar vestir roupa!
Todos se retiraram menos Luecy.
— É pra você sair também! — Ordenei.
— Que garoto chato! — Exclamou ele, saindo.
Abandonei o cobertor, vesti cueca, short e
camiseta; deitei-me e comecei a rir sozinho, pensando no
acontecido.
Eu era assim, considerado um menino muito
bonito. Na realidade eu sabia que era comum como
qualquer outro. Na Terra, sendo menino pobre,
costumava brincar na rua, com outros garotos e garotas,
descalço, maltrapilho, sujo e se mamãe não pegasse em
meu pé, iria para a cama ou para a escola, até mesmo sem
tomar banho. Tinha um amigo, adulto, senhor Luciano e
esposa, que me consideravam um príncipe e me
comparavam a um francesinho; mas eles também não
contavam, pois me amavam como a um filho e dizem que
pai não pode pintar o retrato do filho. Quem conhece a
Regis: um menino no espaço
115
estória da águia e da coruja?5 Mas ali em Suster, eu era
mimado e admirado, como disse o robô: símbolo de
beleza. O mais belo de todos os meninos do mundo. Mas
que todos? Eu era único!
Dois segundos depois, Luecy tornou a entrar como
um cachorrinho desobediente, insinuando:
— Já guardou o fazedor de xixi?
Levantei-me apressado, ameaçando espancá-lo.
— Que medo dele! — Caçoou o robô.
— Que diabo é bottom...less?
— Sem fundo! — Ironizou ele me deixando na
mesma. — Pode ser sem roupa.
* * * *
Poucas horas mais tarde, caminhava sobre o
campo de pouso, com o senhor Frene. Enquanto ele me
mostrava às belezas de seu mundo, conversávamos
assuntos geralmente de mimo.
Após longa caminhada, resolvi perguntar-lhe:
— Ainda acho impossível em acreditar que o
senhor me via na Terra, a hora que quisesse.
5 A águia e a coruja viviam em guerra: uma sempre devorava os
filhotes da outra. Certo dia se reuniram pra tentar fazer as pazes. Dona
coruja pediu: comadre águia, precisamos parar com nossas brigas,
ninguém nunca sai ganhando e nossos filhotes sempre acabam
devorados. A águia concordou dizendo: Tudo bem, a partir de agora
seremos unidas e não devoraremos mais os filhotes uma da outra, já que existe tantos outros bichos para nos servir de refeição; só tem um
pequeno problema: como reconhecerei seus filhotes. Ah, isso é fácil!
Exclamou dona coruja. Quando encontrar os mais belos filhotes do
mundo, com certeza são os meus. Um dia a águia estava caçando e
encontrou um ninho com três filhotes horrendos e devorou-os.
Quando dona coruja viu tal cena, ficou brava dizendo: Comadre águia,
como pode ser traidora? Não havíamos feito um acordo de paz? Sim
dona coruja. Disse a águia. Quando vi aqueles filhotes horríveis
pensei: não devem ser filhotes da dona coruja...
Celso Innocente
116
— Pois é! Parece impossível, mas eu via!
— É tão longe! Quando um repórter do Brasil vai
falar com outro no Japão, pela televisão, a gente vê que a
voz demora muito pra chegar. E olha que aquela distância
não é nada!
— Mistérios do universo! — Brincou ele.
— Se nossa viagem demora setenta dias, a voz e
imagem não pode chegar no momento em que se passa!
— Não acha muita coisa pra sua cabecinha
infantil?
— É! Mas se eu não entendo, fico mais confuso!
— Por que um menininho tão jovem se
preocuparia com isto?
Apenas balancei os ombros. Acho que me
preocupava, por estar envolvido nisso.
— Vou lhe explicar um pouquinho. — Concordou
ele. — O universo é muito extenso, eu sei! Nossas naves,
assim como as galáxias, conseguem atingir velocidades
muito além da que o seu povo chama de limite máximo,
ou seja: a velocidade da luz. Agora, transmitir imagens e
voz suas, através deste mesmo espaço em tempo zero,
seria impossível para qualquer um, a menos que nós,
susterianos, criássemos um pequeno atalho, fazendo um
furo nesse espaço e tempo, por onde consigamos vê-lo e
ouvi-lo, no momento em que você estivesse falando.
— O senhor criou este atalho?
— Como conseguiríamos vê-lo e ouvi-lo em tempo
zero?
— Já que é assim, por que não conseguimos fazer
também a tal viagem de setenta dias, em tempo zero?
— Porque o atalho daqui até os satélites dispostos
na Terra é apenas um caminho virtual.
— O que é um caminho virtual?
Regis: um menino no espaço
117
— Por que não se dedica a aprender dentro de seu
tempo! Seja apenas uma criança! É o que esperamos de
sua permanência conosco!
— Parece impossível até que eu esteja aqui! Parece
um longo sonho, que teima em não terminar.
— Mas é tudo verdade! Quer que eu lhe dê mais
provas, de que eu lhe via na Terra?
— Não precisa! Já vi muito! Quero que o senhor
apague aquelas coisas.
— São meras recordações de uma infância... feliz.
— Feliz?! — Admirei não acreditando na tal
infância feliz.
— Todas, ou pelo menos, a maioria das crianças
tem uma infância feliz e só vão descobrir isso, depois que
ficam adultas.
— O senhor acha que na Terra eu tinha uma
infância feliz?
— Muito feliz! Como a maioria das crianças tem e
não sabem!
Pensei um pouco, depois perguntei:
— Suster não tem luas?
— Tem! Duas!
— Nunca ví!
— Na Terra sua lua é visível devido às noites.
Aqui como não há noites, elas ficam quase invisíveis. Mas
elas estão lá, é só olhar com atenção. Sempre opostas uma
da outra a uma altura de quinhentos e cinquenta e
seiscentos e trinta mil quilômetros, girando na órbita de
Suster.
Olhei para todo lado no espaço, em busca de uma
das luas, mas não consegui encontra-la, até que o senhor
Frene me apontou uma pequena bola branca, achatada,
quase desaparecida no infinito espaço susteriano.
Celso Innocente
118
— Viu? — Sorriu ele. — Quase igual a sua.
Qualquer dia te levo lá!
— Jura?
— Por que não? Tão perto!
— Na Terra, os homens dos Estados Unidos e acho
que também Rússia, planejam dezenas de anos, pra poder
levar uma pessoa à lua. Aqui o senhor diz: Qualquer dia
te levo lá! — Falei com jeitinho caçoador, ou sarcasmo.
— Temos cinco mil anos de experiência no
assunto! Sua NASA, que você diz homens americanos,
tem apenas vinte e dois!
— É verdade que a lua interfere na vida do
planeta?
— Com certeza! Você já foi ao mar?
— O que o senhor acha? — Especulei-o, sabendo
que ele sabia. Quem me via na Terra, até na hora do
banho?
— Não mesmo! Mas um dia vou te levar!
— Aqui tem mar?
— O Universo é infestado de cloreto de sódio.
Portanto, água salgada tem em qualquer galáxia deste
pequeno mundo.
— Pequeno!?
— Mas não temos mar aqui em Malderran! Isto é
privilégio de quem está ao norte e ao sul.
Pensou um pouco:
— Do que falávamos mesmo?
— Sobre a lua!
— Se nas primeiras horas do dia de meu mundo,
ou de manhã, na sua Terra, você se acomodar, sentado a
cerca de dez metros da água, na areia da praia, vai
perceber que uma hora depois, a água terá se aproximado
alguns centímetros; algumas horas depois, a água já terá
Regis: um menino no espaço
119
avançado alguns metros. Se ficar o dia todo, com certeza,
no final do dia, a água terá lhe encobrido. Por que você
acha que isto vai acontecer? Será que a água do mar
aumentou?
— Se for na Terra, pode ser! — Dei de ombros.
— Por quê? — Insistiu ele.
— Devido o calor do dia inteiro, nos polos o gelo
derrete e aumenta a água!
— Na verdade, a água deveria diminuir. Por quê?
Devido o calor do dia inteiro, a água evapora e com isto
diminui. O que acontece é um processo chamado maré da
lua.
— O que é isso?
— A lua gira em torno da Terra, ou mesmo de
Suster, como se fosse um anel. O que acontece é que ela
tem uma força enorme sobre nossos dois planetas, como
se fosse um grande imã e por onde passa vai tentando
sugar o planeta pra si. Por isso que a água do mar parece
aumentar de quantidade no decorrer das horas. Quando a
lua sai daquele caminho, a Terra que fôra esticada, tende
a voltar ao estado normal, fazendo com que a maré baixe
novamente.
— Quer dizer que a Terra se move, mudando
constant...const... mudando de tamanho?
— Mudando de forma! — O exemplificou com as
mãos. — Na passagem da lua, sua Terra deixa de ser
redonda e se torna oval. É devido a esse efeito também
que existe grandes ondas no mar.
— As ondas não são formadas pelo vento?
— Também! A lua também ajuda na plantação de
alimentos!
— Nunca vou aprender sobre isso!
Celso Innocente
120
— Você tem cinco mil anos pra isto. — Riu ele. —
Por isso que lhe peço, queremos que seja apenas uma
criança! Mudando de assunto: Como anda seu amigo
robô?
— O Luecy? Ele está muito bem! Cada dia mais
gozador!
— Faz trinta e cinco dias que você chegou aqui! Já
está na hora de começar a conhecer o planeta. Não digo ir
pra lua! Não por enquanto! Mas daqui a dois dias iremos
fazer uma viagem até Orington. Quem sabe até o litoral.
— Orington? Imagino que seja outra cidade! —
Afirmei.
— E é! Está ao norte, a sete mil e oitocentos
quilômetros daqui.
— Vai ser divertido. — Ri. — Pois desde que
cheguei aqui, só falamos sobre mim, meu passado e quase
nada sobre vocês e seu planeta.
— Vai ser importante! Nessa viagem você
conhecerá coisas extraordinárias.
— Quero conhecer o mar! Poderei entrar na água?
Mostrou-me o disco voador. Aliás: o mesmo em
que cheguei ali, quando sequestrado na Terra. A seguir,
me mostrou a nave que usaríamos para fazer a tal viagem
a Orington. Era do formato de uma esfera gigantesca, um
pouco achatada nas partes superior e inferior. Totalmente
construída em cobre ou aço avermelhado.
Apertou um botão e a porta se abriu. Entramos e
ele me mostrou as vinte acomodações estofadas, para
passageiros. As estofadas, feitas em um luxo
interplanetário, com distância entre elas, suficiente para
se transformarem em verdadeiras camas, fazendo com
que a viagem se torne muito confortável. A cabine,
separada dos passageiros, muito luxuosa, dando vontade
Regis: um menino no espaço
121
de ficar morando lá dentro; o para-brisa, com ótima visão
em todos os ângulos; os controles, todos em teclas
transparentes que se ascendiam em cores variadas.
— Quando eu estiver sem nada pra fazer, posso
brincar aqui? — Pedi.
— Quando quiser! — Riu o homem, acreditando
ter me cativado.
Dali retornamos à grande residência, aonde eu
vivia com os demais.
Chegando ao quarto, como já se tornara hábito, me
despi, ficando apenas de cueca e me deitei. Aproveitando
a insônia e a saudade, minha mente começou a funcionar
e assim, como as engrenagens de relógios despertadores,
girando sem parar, meus neurônios passaram a planejar
uma maneira de retornar à Terra.
Após muitos planos, sempre no positivo (nunca
no negativo), encontrei um que achava ideal e resolvi
colocá-lo em prática.
Com certeza, nada daria errado, então
imediatamente, me levantei, tornei a me vestir e saí de
mansinho, seguindo ao campo de pouso.
Poucos minutos depois, estava diante do disco
voador: abri sua porta e entrei; tornei a fechá-la e me
dirigi à cabine. Sua porta se abriu automaticamente;
entrei e ela se fechou da mesma forma. Sentei-me na
poltrona do piloto e pensei:
— Espero ainda saber como se dirige este bicho.
Apertei o botão ligar e aguardei. Depois apertei o
botão acionar e logo após, o botão decolar. O disco
começou a subir lentamente e eu estava sorrindo, com o
coração batendo muito forte. “Finalmente, depois de
setenta e cinco dias susterianos, mais de cento e setenta e
sete dias terráqueos longe de casa, eu retornaria agora e
Celso Innocente
122
em mais trinta dias, perfazendo um total de duzentos e
quarenta e oito dias terráqueos, eu estaria novamente ao
lado de mamãe, papai, meus irmãos, amigos, colegas de
escolas e todos mais”.
Mas infelizmente aconteceu o inesperado: O disco
se desgovernou e balançando como um pião tonto caiu de
uma altura de aproximadamente duzentos metros,
batendo com grande impacto no solo, começando a se
incendiar rapidamente. Tentei sair, mas a porta principal
estava travada e não se abria. Meu rosto e meu tórax
estavam sangrando e o fogo se aproximava. Na porta,
muitas pessoas que chegaram correndo apressadamente,
começaram a bater para arrombá-la.
Após uns cinco minutos tentando, consegui abrir a
porta; as pessoas me retiraram e percebendo-me um tanto
intoxicado pela fumaça nociva, levaram-me a meus
aposentos, na grande residência.
O Senhor Frene e Leandra me despiram daquelas
vestes exangue e suja de fuligem, cuidaram dos
ferimentos em meu tórax e rosto, me vestiram apenas
com um pequeno short de pijama, feito de algodão, me
colocaram na cama. Tudo isto sem condenar minha
tentativa de fuga. Tudo sem mencionarem uma única
palavra.
Os dois saíram, me deixando com o robô, que se
aproximou e disse zombeteiro:
— Pensei que fosse inteligente!
— Não sabia que robô pensasse!
— Sigo a lógica a qual fui programado.
— Eu sou inteligente! O motivo do disco ter caído
foi um erro de cálculo!
— Se conseguisse fugir, se perderia no espaço
sideral!
Regis: um menino no espaço
123
— Fique sabendo que eu sei o caminho de volta
pra Terra!
— Duvido!
— Quer saber de uma coisa: Eu não quero saber
de conversa fiada!
— Robô não conversa fiado!
— Imagine se conversasse! — Caçoei.
— Tudo que menciono, é verdade!
— Por favor, Luecy, me deixe em paz!
— Você é quem manda!
E se retirou, me deixando sozinho.
Talvez devido a adrenalina causada pelo pavor
daquela queda grave, acabei dormindo rapidamente.
Celso Innocente
124
Regis: um menino no espaço
125
Castigo susteriano
pós algumas horas de sono, acordei e me
levantei. Devido o calor, com o ar
condicionado desligado, estava suado, mas não sentia
dores, nem no rosto, nem no peito. Estava a fim de tomar
um demorado banho.
Quando me dirigia ao banheiro, o senhor Frene
entrou. Estava sério e me olhou dos pés à cabeça sem
nada mencionar. Então resolvi falar:
— Me desculpe pelo que fiz a vocês!
— Você sabe que nos causou um prejuízo enorme?
— O disco se incendiou?
— O bastante pra não ter mais uso! Mas pior seria
se você conseguisse fugir: pois além de perdermos você,
perderíamos a nave inteira também!
— Me desculpe! Eu só queria voltar pros meus
pais!
— E acha que conseguiria?
— Acho que sim! Eu sei o caminho de volta!
— Ninguém sabe o caminho de volta! Pra se fazer
uma viagem dessas, é necessário traçar uma rota muito
A
Celso Innocente
126
complicada antes. E quer saber da maior: se este acidente
acontecesse em seu planeta, certamente você estaria
morto, ou no mínimo quebraria as duas pernas e os dois
braços.
— E por que aqui não?
— Aqui você é protegido! Aqui, todos somos
imortais! Não a ponto de cometermos abuso!
— O senhor disse que aqui não há dores, lágrimas
e nem morte. Então por que aconteceu comigo?
— Muito fácil: Não é porque não há dores, que a
gente pode facilitar.
— Acontece que as dores do acidente, não foi
nada! O pior são as dores que sinto todos os dias. A dor
da saudade!
— Eu queria lhe evitar essas dores, mas você não
quis!
— Aquela cirurgia? Nunca!
— A dor pior vai ser a de agora!
— Por quê?
— Em sua casa, se você fizesse tal peraltice, qual
seria sua punição? O que fariam seus pais?
— Me... bateriam?! — Insinuei assustado.
— Pois é o que eu vou fazer!
Tirou um cinturão de metal, das vestes.
— Mas o senhor disse... Que é contra o espanc... é
contra bater em crianças!
— E sou! Mas você está habituado a tal castigo! Só
ele pode te ensinar! Tire esse short!
— Por quê? O senhor já quer me ver pelado
novamente?
— Não! Quero lhe aplicar um castigo sério!
— E por que tirar o short? Estou sem cueca!
— Porque eu quero!
Regis: um menino no espaço
127
— O senhor não me ama?
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra! Tire
o short!
— E se eu recusar? — Perguntei triste.
— Eu te bato dobrado e tiro na marra!
— Se o senhor me ama, por que não me perdoa?
— Já te perdoei! Mas você tem que pagar seu erro!
— Devo me despir?
— Já devia ter feito há bastante tempo! — Afirmou
ele sério.
— Tenho vergonha!
— Mandei tirar!
— Tenho vergonha! Estou sem cueca!
— Não quero saber! — Gritou o homem bravo.
Continuava de short, desobedecendo-o. Ele
permanecia com ar muito sério, com a mesma ira que um
pai sente, em castigar um filho, que desobedeceu a suas
ordens e lhe deu um prejuízo enorme, em torno de
duzentos milhões de cruzeiros, que seria suficiente para
comprar trezentos carros modernos. Percebi que sua
ameaça era muito séria e que ele iria me surrar mesmo.
Então resolvi implorar, quase chorando:
— Por favor, senhor Frene: Não bata em mim!
— Sinto muito, mas pra nós, uma decisão, é uma
decisão!
— E o senhor terá prazer em me castigar?
— Nem um pouco!
— Pois faça o que quiser! Juro que não vou chorar,
nem tentar fugir.
— Tire o short.
— Não!
Acreditava que ele só queria me assustar e que
não ousaria me surrar, mas me enganara: não me despi e
Celso Innocente
128
ele me bateu mesmo. Quando senti as primeiras
chicotadas que eram administradas fortemente por todo
meu corpo seminu, vi que não era brincadeira. Os vergões
levantaram imediatamente por todo meu corpo infantil:
pernas, costas, peito... Porem, como prometi: Apanhei
bastante, mas não tentei fugir e nem mesmo chorei,
embora sentisse muito ódio e vontade.
Após pelo menos cinco impiedosas chicotadas, ele
parou. Luecy entrou e ele ainda me ordenou:
— Agora deite-se!
— Por quê? Já não basta a surra?
— Obedeça, sem fazer perguntas!
Deitei-me de bruços.
— Tome conta dele Mark Três! — Ordenou a
Luecy.
— Afirmativo! — Concordou o robô.
O senhor Frene se retirou, nos deixando a sós.
Mesmo de bruços, olhando de lado, resolvi descontar em
Luecy:
— Por que esse olhar de hipócrita?
— Não gosto de brincadeiras! — Afirmou ele sério
(se é que robô também fica sério).
— E quem está brincando?
— Outra gozação e eu te desintegro!
— E como fará isto?
— Te colocando em órbita, sem lenço e sem
documento!
Levantei-me, vestindo também uma camiseta de
pijama, depois tornei a me deitar de bruços.
Um minuto depois, o senhor Frene retornou com
duas correias nas mãos e me disse:
— Quem mandou se vestir?
— Não vou ficar pelado! — Neguei bravo.
Regis: um menino no espaço
129
— Tire estas roupas! — Ordenou ele nervoso.
Virei-me de barriga para cima e gritei com os
olhos faiscando de ódio:
— Nem que o senhor me matar!
Talvez, percebendo sua derrota, sem mais nada
falar, ele passou a me amarrar naquela cama. Eu, porém,
como não esperava, perguntei assustado:
— O que o senhor está fazendo?
— O que você está vendo!
— Isso também faz parte do castigo?
— O que você acha?
— Ouça senhor Frene: Nem meu pai, nem minha
mãe e nem ninguém, jamais me bateram tão forte e
também, jamais me amarraram!
— Meu castigo é mais cruel!
Falando assim, ele amarrou minhas pernas, depois
forçou-me para me sentar na cama e arrancou
bruscamente minha camiseta, depois me fez deitar e
acabou de me amarrar. Então deu sua pena:
— Você ficará aqui durante trinta e duas horas, a
partir de agora.
— Amarrado?!
— E sem comer!
— E pelado?
— Deveria ser!
— Sem sair pra nada?!
— Sem exceção!
— Isso não é amor!
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra!
— Meu corpo está cheio de marcas! — Insinuei
com vontade de chorar. — O senhor me machucou! Isso
não é amor!
— Nada que um ou dois dias não cure!
Celso Innocente
130
— Pode me colocar um lençol? Sou gente e tenho
vergonha de ficar assim!
Retirou-se sem nada fazer, me deixando com
Luecy.
Assim que ele saiu, enquanto me esforçava para
livrar meus pulsos das correias, apelei a meu amigo
mecânico:
— Me desamarre logo!
— Impossível! — O alegou.
— Por que é impossível?
— Não posso desobedecer ao senhor Frene.
— Como não? Você é meu amigo!
— Fui programado para obedecer ao senhor
Frene!
— Você foi programado pra obedecer a mim!
— Esse é o mal dos robôs! — Alegou Luecy
E se retirou me deixando sozinho, amarrado. Meu
esforço para me livrar das correias, era inútil e
machucava também meus pulsos. Elas estavam muito
bem amarradas, porém, não muito apertadas e insisti
durante muito tempo, sem que ninguém aparecesse no
quarto, até que, nervoso, revoltado, choroso e exausto,
acabei adormecendo novamente.
Somente umas três horas depois é que Luecy
tornou a entrar me acordando à base de chacoalhão e
caçoando:
— Como está o garoto interplanetário?
— Com muitas dores e muita sede! — Afirmei
com um pouco de dificuldade.
— Nada posso lhe fazer! — Negou ele.
— Pode sim! Desamarre as correias, por favor!
— Não posso! Fui orientado a não fazer!
— Não suporto mais estas correias apertadas!
Regis: um menino no espaço
131
— Elas não estão apertadas!
— Mesmo assim; não suporto ficar aqui!
— Não tenho nada com isso!
— E por que me acordou então?
— Para saber se você estava dormindo! —
Ironizou tal bicho de metal.
— Este é o mal em ter um amigo sem coração! —
Aleguei. — Pelo menos, me diga: Quanto tempo faz que
estou aqui?
— Quatro horas, treze minutos e vinte e cinco
segundos!
— Só! Se eu ficar cumprindo a punição completa,
não suportarei e morrerei!
— Não se aflija! O tempo que lhe resta de castigo,
não lhe matará!
— Morrerei de sede!
— O senhor Frene, sabe o que faz!
— Puxa saco!
— Mais uma gracinha e eu te desintegro!
— Me tire daqui! Meu corpo está todo suado e
doendo.
— Nada feito!
— Ligue o ar condicionado.
— Negativo!
— Já que não posso sair daqui, não posso ter ar
condicionado, tenho que sofrer, pelo menos, me traga um
copo de água!
— Não insista!
— Então suma daqui!
Pelo menos em uma coisa, ele ainda me obedeceu:
Foi eu mandá-lo embora e ele foi na mesma hora.
Celso Innocente
132
Novamente, ficara sozinho. Então comecei a
chorar, de sede, dor e raiva. Quando a gente mais precisa
não aparece ninguém.
As horas não passavam e meu corpo amarrado,
além de muito dolorido, estava realmente molhado de
suor.
Cerca de duas horas depois entrou Tony. A me ver
daquele jeito, se espantou e perguntou:
— O que é isto?
Nada respondi. Só chorei sentido.
— Por que você está assim, Regis? — Insistiu ele.
Continuei chorando calado.
— Foi o senhor Frene quem fez isso?
Acenei que sim.
— Por quê? Ele tá ficando louco?
— Castigo susteriano!
— Devido à tentativa de fuga?
— Sim senhor!
— Bobagem! Isso é ilegal em nosso mundo!
— Já que o senhor está com pena de mim, poderia
me desamarrar?
Sem responder, ele se aproximou me
desamarrando e percebendo os vergões me perguntou:
— Ele... lhe bateu?
Chorando sentido, me levantei e abracei aquele
bom samaritano:
— Obrigado senhor Tony! O senhor é muito bom!
— Deixe disso! — Pediu ele
Nesse momento, entrou o senhor Frene, que,
vendo aquilo, retrucou:
— O que você veio fazer aqui, Tony?
— Visitar nosso menino! — Afirmou Tony, desa-
fiador. — Mas o encontrei pior do que esperava!
Regis: um menino no espaço
133
— Como assim?
— O Encontrei quase nu, ferido e amarrado!
— E quem lhe deu ordem pra desamarrá-lo?
— Desfiz apenas o que não deveria ter sido feito!
— Pois saiba que ele está de castigo e voltará ao
castigo! — Virou-se para mim. — Pode tornar a se deitar,
Regis!
— Não senhor! — Neguei.
— Eu não estou pedindo! Estou ordenando!
— Por favor, senhor Frene! Estou morrendo de
sede!
— Pois que morra! Mas antes, você cumprirá o
castigo que determinei!
— Estou pedindo pelo amor de Deus! — Implorei.
— O garoto quer tomar água, Frene! — Alegou
Tony. — Nós o trouxemos aqui, pra nos dar felicidades!
Não pra maltratá-lo!
— Acontece que ele é ingrato e precisa ser
castigado, pra que obedeça aos mais velhos! Deite-se na
cama, Regis!
— Isso é tortura sexual! — Afirmei.
— Tortura sexual se eu estivesse tocando em você!
— Negou o senhor Frene. — Por acaso pus as mãos em
seu corpo?
— É pecado o senhor fazer isto comigo! — Insisti
chorando.
— Não é pecado um pai educar seu filho! —
Afirmou o senhor Frene, zangado.
— E você não sabe perdoar? — Perguntou-lhe
Tony. — Depois, Regis não é seu filho!
— Agora é!
— Não sou! — Neguei bravo. — Não quero ter
como pai, um homem que vive me maltratando!
Celso Innocente
134
— É pro seu bem!
— Ninguém tem o direito de me bater com cinto!
— Já disse que é pro seu bem!
— Me espancar e me amarrar, sem me dar chance
de defesa, não é pro meu bem! Não vou perdoá-lo por ter
me machucado!
— Está bem! Você ganhou! Vá tomar sua água!
Vesti camiseta e saí imediatamente, indo para a
cozinha tomar água. Assim que entrei, fui servido por
Leandra, que me mandou sentar e me preparou um
delicioso suco, com um fruto de mesmo sabor de laranja,
porém, de cor esverdeada. Enquanto tomava o suco, ela
me perguntara:
— O senhor Frene resolveu te soltar?
— Não senhora! Foi Tony.
— Mas ele tinha ordem para soltá-lo?
— Não se preocupe o senhor Frene já me perdoou!
— Eu não fui visitá-lo, porque sabia que você
estava sem roupas e sei que você não gosta!
— Eu não estava sem roupas! Estava com estas
roupas!
Levantei-me, coloquei as mãos sobre a cintura e
disse:
— Sabe, eu gosto muito da senhora!
Ela sorriu afirmando:
— E eu te adoro!
Abraçamo-nos.
— A senhora pode até me amar muito! Mas adorar
não pode!
— Por que não?
— A gente só pode adorar a Deus!
Regis: um menino no espaço
135
— Tem razão! — Riu ela. — Você é muito
inteligente!
— Agora eu preciso ir! Tchau!
Retornei a meu quarto, onde encontrei Luecy.
— Olá menino Regis! — Cumprimentou-me ele
com sua voz metálica.
— O que você quer seu enlatado?
— Dizer-lhe que não gosto que me chamem de
enlatado!
— Pois já disse! Pode sair agora!
— Não irei à parte alguma! Fui reprogramado!
— Já sei disso! Você foi reprogramado pra atender
apenas ao senhor Frene!
— Não! Fui reprogramado para atender a você!
— Que amigo eu tenho Luecy! — Exclamei
desconfiado. — A hora em que eu mais precisava, não
podia contar com você, agora que já não preciso mais, é
meu amigo.
— Robô é assim mesmo!
— Sei! — Esbocei leve sorriso. — Não tem
sentimentos, nem coração.
— Só programa armazenado.
* * * * *
Aproximadamente três horas depois, ainda
continuava em meus aposentos, quando os alto-falantes,
chamou:
— Atenção garoto Regis: favor se apresentar à sala
de computação e falar com o senhor Frene.
Fiz de conta que aquele aviso que era repetido
algumas vezes nem era comigo, permanecendo sozinho.
Em dois minutos a porta se abriu e entrou Luecy,
dizendo:
— Regis, está surdo?!
Celso Innocente
136
— Não to surdo coisa nenhuma!
Pegou em minha mão direita e saiu me arrastando
pelo corredor, até chegarmos à sala do senhor Frene.
— “O que será que ele quer agora?” — Pensei
comigo mesmo.
A porta se abriu e entrei. Ele, que estava sentado,
me olhou sério, me ordenando:
— Sente-se!
Obedeci-o calado. Ele se levantou e se aproximou.
Baixou diante de mim, olhou em meus olhos, me
perguntando:
— Você ainda está com raiva de mim?
Só fiz pequeno gesto com o lado esquerdo dos
lábios, sem nada responder. Então ele insistiu:
— Pode falar: Você continua com raiva de mim?
Acenei afirmativamente com a cabeça.
— Sei que fui muito cruel com você. — Alegou. —
Mas foi pro seu bem!
— Apanhar e até ficar amarrado, não me
importava muito! O pior foi... querer que eu ficasse
pelado!
— Me desculpe! Eu amo você!
— Será que o que o senhor fez é mesmo amor?
— Acho que não! Eu fui um cretino e só Tony, me
mostrou: àquela hora, em seu quarto, depois de você ter
saído, ele me chamou a atenção, por muito tempo.
— Não há tortura pior, do que a explor...
— Exploração! — Ajudou-me ele com a palavra.
— Explo...ração da vítima! Mesmo que seja apenas
um menino de nove anos.
— Você é um garoto inteligente! Certamente
saberá dar valor ao perdão!
Regis: um menino no espaço
137
— Eu tenho vergonha! E me sentia como uma
mosca indefesa no ferrão da aranha...
Ele, apenas acenou com a cabeça, dando um leve
sorriso de meu jeito infantil de falar.
— Tenho saudade de meus pais, meus irmãos e
todos da Terra. — Continuei. — Eles me amam também!
— Claro que sim! Quem não amaria um menino
como você?
— Estou com muita raiva do senhor! Quando
conseguir, vou fugir novamente!
— Nunca mais tente isso! Você viu o que
aconteceu!
— Errei! Da próxima vez não errarei mais!
— Ouça menino! Ninguém consegue ir daqui até a
Terra sem ajuda! Nem você, nem o senhor Rud, ou o
senhor Tony! Ninguém! Pra se fazer esta viagem, a gente
traça toda a rota em um computador muito avançado,
criando assim um mapa estelar, como se fosse um mapa
do tesouro, porem bem mais complexo, depois coloca isso
em um chip que os terráqueos chamam de epron. Só
depois, isso vai pro cérebro da nave.
— Do jeito que o senhor está me tratando, nunca
conseguirá meu amor! Vai acabar conseguindo meu ódio!
Ele sorriu me abraçou contente e então, disse:
— Pra provar meu amor a você, amanhã te levarei
a um parque de diversões, alegre como os da Terra,
porém, moderno, como os de Suster.
— Não quero nada! Só quero voltar pra casa!
— Menino! Quanto tenho que insistir, que a gente
precisa de você!
— Mesmo que eu seja infeliz pro resto da vida?
— Eu lhe recompensarei com tudo o que você
quiser! Vou mandar inventar e lhe construir brinquedos
Celso Innocente
138
incríveis! Lhe darei um quarto especial, cheio de coisas
muito interessantes!
— Mesmo que o senhor me der um palácio de
ouro, não vai curar minha dor!
— Quando uma pessoa morre na Terra, vai para o
tal Paraíso de Deus; mas ela continua consciente. Quando
uma criança, digamos de sua idade, ou menor, morre, ela
sente saudades, mas sabe que não poderá voltar.
— Eu não morri!
— Meu povo te ama tanto!
— Será que é o povo, ou é apenas o senhor, que
pensa que é dono de mim!
— Não sou seu dono, Regis! Quero apenas ter e
lhe dar nosso carinho! Como a um filho!
— Me batendo e me fazendo sofrer?!
— Você fez uma arte grave! Precisava de punição!
— O senhor fez uma arte mais grave! Na Terra, o
senhor seria preso!
— Que arte eu fiz? — Se espantou ele.
— O senhor tem cinco mil anos e não parece tão
inteligente. Eu tenho só nove e estou aprendendo
depressa com vocês!
— Que arte eu fiz?
— Quem rouba um rádio na Terra, vai pra cadeia!
Será que roubar uma criança, não é mais grave?
— Vamos comigo a um passeio, no belo parque
que construímos pra você? Quem sabe ele Ajuda a
acalmar seu coraçãozinho!
— Será?
— Faremos um teste! Iremos amanhã! Tudo bem?
— E não pode ser hoje? Agora? — Perguntei sério.
— Hoje e agora!? — Exclamou ele.
— Não pode?
Regis: um menino no espaço
139
— Dá pra esperar até amanhã?
— Acho que sim!
— Mudando de assunto: Você gostaria de saber
mais alguma coisa?
— Aqui em seu planeta, todos amam a Deus e só
existe uma religião. Por que é que na Terra, precisa existir
várias religiões?
— Nem sempre todas têm o mesmo objetivo! —
Negou ele. — Na Terra, existem certas religiões, que só
sabem fazer aquilo que pedem os terráqueos; onde,
muitas vezes fazem o mal ao próprio irmão.
— E por que existe isso? O senhor sabe me dizer?
— Mais ou menos: — Insinuou ele. — Há dois mil
anos na Terra, um profeta que seu povo diz ser o filho de
Deus, fundou apenas uma religião! Essa religião durou
mais de mil e quinhentos anos; depois começou haver
certas rixas entre seus seguidores e alguns foram se
afastando e criando outras. Algumas foram chamadas de
seitas religiosas. Mas o fato, é que todas se tornaram
protestantes, devido, não concordar com a religião dita
oficial.
— E qual é a verdadeira? Qual delas nos leva a
Deus?
— Todas aquelas que estudam “A Palavra de
Deus”, nos levam a Deus. Todas são verdadeiras! Porém o
tal profeta Jesus Cristo, que foi chamado Filho de Deus,
criou apenas uma! E nem deu um nome!
— Qual eu devo seguir?
— Regis: Religião não se discute! A história já diz:
protestantes! Você segue a que seus pais lhe indicaram,
com fé e amor e deixe que cada um siga a sua! Elas
também são caminhos que levam a Deus!
— Acha que a Católica é a melhor?
Celso Innocente
140
— Não acho nada! Todas têm suas coisas boas e
ruins! Padres ou pastores... Todos são humanos e
cometem coisas boas e erradas também! Na época da
inquisição, religiosos condenavam pessoas a morrerem
queimadas em nome de Deus! Será que esses religiosos
tinham mesmo autoridade de Deus para tais crimes
horríveis?
— Ninguém tem o direito de matar outra pessoa!
Eu acho!
— Chega de falarmos sobre isso!
— Existe mesmo um Deus?
— Que isso menino! Você não crê em Deus?
— Por que ninguém o vê?
Senhor Frene apertou o dedo indicador sobre meu
peito e disse:
— Deus está aqui, menino, dentro de seu coração!
— Por que ele permite tantas doenças... Tanta
crueldade! Por que ele deixou o senhor me buscar na
Terra?
— Deus não permite nada! Você se esquece que
também existe o diabo!
— É o diabo que provoca as mortes... As doenças...
Os bandidos?...
— Não! — Negou o senhor Frene, convicto. — Isto
quem faz é o próprio homem! E eu não sou bandido!
— Mas e as doenças? — Perguntei sério.
— Até elas! Durante períodos de guerras, em
países da Ásia, seres humanos de sua Terra, criaram
insetos infectados para atacar e matar seus opressores,
com doenças cruéis.
— Verdade?
Regis: um menino no espaço
141
— Não só verdade, como cruel! O resultado disso
foi que a guerra se acabou, mas os insetos infectados
ficaram e se alastraram pelo mundo!
— Deus não faz nada?
— Sua Terra e Suster também, estão posicionados
de tal forma no espaço sideral, fazendo com que ambos
sejam propícios a vida animal, mineral e vegetal. Se seu
planeta estivesse mais próximo do Sol, seria com certeza
torrado por ele, ou no mínimo, fazendo com que a água
se evaporasse, transformando-o em um grande deserto...
— Esse fato, Tony me disse que quem protege é
um efeito de eletr... Imã!
— Efeito eletromagnético provocado pelo núcleo
do planeta! Muito bem! Isso é verdadeiro. Mas estando
mais próximo do Sol, esse efeito seria neutralizado!
— Esse negócio de espaço me confunde! —
Insinuei confuso.
— Vou parar de falar sobre isso! Só queria lhe
mostrar que se sua Terra estivesse mais próxima do Sol,
ela torraria e se estivesse mais longe, ela congelaria. As
estações do ano... O clima... A atmosfera... Tudo perfeito!
Você acha que isso é apenas obra de um acaso, provocada
pelo tal grande big-bem... Poeira cósmica... Ou sei lá mais
o que!
— Não sei! Não sei estas coisas!
— Eu sei, Regis! Deus é um Ser tão poderoso, que
colocou cada planeta em seu devido lugar, com seus
movimentos perfeitos em rotação e translação... Mas isso
é tão complexo, que realmente é bom pararmos de falar
sobre isso, para respeitarmos sua inteligência de apenas
quinze anos de idade!
— Nove! — Consertei.
— Quinze em meu mundo! Paramos com isso?
Celso Innocente
142
— Acho melhor mesmo! Pois este assunto está me
deixando cada vez mais confuso!
— Lembre-se apenas que, todas as religiões, que
seguem os mandamentos e a Palavra de Deus, são dignas
de confiança. Tenha cuidado apenas, com as quais, usam
o nome religião pra prejudicar seus semelhantes. E como
já disse antes: tenha cuidado também com falsos padres
ou pastores.
— Em minha aula de religião, aprendi uma
história que não consigo me esquecer! Que está gravada
em minha mente.
— O que é?
— Diz que na época de Moisés, o faraó do Egito
não queria libertar o povo de Deus... Não entendo! O
povo do Egito também não é de Deus?
— Naquela época, eles adoravam deuses pagão!
— Tentou explicar-me o senhor Frene. — Por isso, não
eram considerados povo de Deus!
— Mas tinham alma! Vida!
— Tudo bem Regis! Moisés só queria tirar seu
povo de lá! Livrá-los da escravidão!
— Mas era o faraó quem não permitia! Não era o
povo!
— Tudo bem! Moisés brigava com o faraó; não
com seu povo!
—Deus, por Moisés, pediu que seu povo, sujasse
as portas de suas casas com o sangue de cordeiros e
durante à noite, mandou que seus anjos da morte,
visitasse todas as casas do Egito, aquelas que não tinham
sangue na porta, os anjos matavam o sino...gênico...
— O quê? — Riu o homem.
— O que é sino...gênico? — Balancei os ombros.
— Primogênito! É o filho mais velho!
Regis: um menino no espaço
143
— Pois então! Acha justo, que anjos matem o filho
mais velho de cada casa, de pessoas que não são faraós?
— Era um jeito de forçar o faraó!
— Matando outros inocentes?
— Os caminhos de Deus, tem significados compli-
cados.
— Cruel! — Insinuei triste. — Mesmo o filho do
faraó, era só uma criança e não tinha culpa do que o pai
fazia!
— Era um jeito de pressioná-lo!
— E se o menino fosse eu? Ou o senhor!
— O que que tinha?
— Eu não estaria aqui! Teria perdido minha vida,
sem ter culpa de nada!
—Por recompensa, estaria em uma eternidade no
Céu, ao lado de Deus.
Levantei-me, seguindo para a porta de saída.
Antes de me retirar virei-me ao senhor Frene e lhe cobrei
com leve sorriso nos lábios:
— Amanhã, nós iremos ao parque!
Retirei-me, indo para o quintal, passear um pouco.
********
Vinte e cinco horas depois, me vesti em roupas
terrestres: uma bermuda cinza, uma camiseta sem cavas
verde clara e um par de tênis azul e branco e novamente
no carro, acompanhados por Luecy, seguimos ao parque
de diversões.
— Não compreendo! — Neguei.
— Não compreende o quê? — Perguntou-me o
senhor Frene.
— Se aqui não existem crianças, por que existem
parques de diversões? Dizem que os parques foram feito
pras crianças!
Celso Innocente
144
— Você é criança! — Afirmou Luecy.
— Está certo! Mas e quando eu não estava aqui?
— Não existiam parques! — Negou o robô.
— Não?!
— Isso mesmo Regis! — Interferiu o senhor Frene.
— Em todo nosso planeta, só existe um parque de
diversões e ele está localizado aqui em Malderran. Este
parque foi planejado a cerca de um ano. Foi neste
período, que começamos a preparar sua vinda.
— Já entendi! — Afirmei orgulhoso. — É um
parque feito só pra mim!
— É um presente ao nosso menino! — Insinuou o
robô.
— Nosso menino, vírgula! — Neguei. — Não sou
seu menino! Aliás: não sou menino de ninguém!
— Calma! — Pediu o senhor Frene. — Tem
menino pra todo mundo!
— Se o parque é aqui mesmo em Malderran, por
que só agora o senhor está me levando?
— Acabamos de construir! Hoje é sua
inauguração!
— Que privilégio!
Dois minutos depois, o senhor Frene anunciou:
— Estamos chegando!
O parque, realmente, já estava ao alcance de
nossos olhos. Era grande, muito colorido e muito bonito.
Porém, não muito diferente dos parques vistos na Terra,
com exceção de que era totalmente coberto por um
grande galpão sem paredes: Havia uma roda-gigante, que
sim, ultrapassava a fronteira do telhado daquele enorme
galpão, toda colorida e com assentos almofadados, sem
nenhuma lâmpada, o que era comum naquele planeta, já
que não existiam noites; uma montanha russa (que nada
Regis: um menino no espaço
145
tinha da Rússia) super elegante, que se iniciava dentro do
tal galpão e seguia a céu aberto, com um trenzinho de três
vagões, feito de aço ou níquel; uma quadra de patinação
no gelo; uma quadra de carrinhos tipo bate-bate, porém
espaciais, onde a gente realmente o dirigia e ele flutuava
mesmo; uma banca de tiro ao alvo, onde a gente teria que
acertar pequenos alvos coloridos, onde os prêmios eram
belas surpresas: patins, botinhas, roupas, relógios,
aparelhos eletrônicos...
Além dos aparelhos para diversão, havia muita
gente, visitando o parque e se divertindo junto comigo,
pois, é lógico que ninguém construiria um parque só para
mim. O que, além do mais, não teria graça nenhuma. O
problema, era que as pessoas preferiam conversar comigo
a brincar nas atrações do parque, atrapalhando de certa
maneira, minha pretendida diversão. Era o preço a se
pagar por me tornar um menino famoso. Só não sei
famoso porque, se não fazia nada de especial! Salvo o fato
de ser apenas criança!
— Senhor Frene: — Chamei sua atenção. — Acho
que o senhor resolveu copiar o parque da Terra. Mas por
que o senhor resolveu cobri-lo? Na Terra os parques
ficam expostos.
— Na Terra você vai aos parques, geralmente à
noite. Como aqui não há noites, imagine quem
conseguiria sentar nestas peças metálicas, expostas a uma
temperatura de quarenta graus!
Apesar então, do carinho de meus admiradores,
que de certa forma atrapalhava mesmo, me diverti muito,
em todos os brinquedos. Alguns deles, por mais de uma
vez e ganhei uma botinha e um relógio, que gostei muito,
pois então, poderia entender mais, como funcionavam as
horas naquele planeta diferente, onde, o dia era formado
Celso Innocente
146
por trinta e duas horas, cada hora, oitenta minutos e cada
minuto, oitenta segundos.
Diverti-me também, na quadra de patinação.
Embora, não soubesse andar de patins e com isto, apesar
de estar sempre segurando em divisórias do campo, ou
sendo guiado por pessoas experientes, que me ajudavam
com satisfação, acabei caindo por diversas vezes;
felizmente, apesar das dores na bunda, sem sofrer
nenhum arranhão.
Após mais de três horas susterianas, de muita
diversão e sem gastar nenhum centavo, o qual eu
realmente não tinha e nem mesmo conhecia, retornamos à
nossa casa.
— Como é? — Perguntou-me o senhor Frene, no
caminho de volta. — Gostou do passeio?
— E como gostei!
— Então a gente vai retornar sempre aqui! Sempre
que você queira!
— Já faz tempo que cheguei à Suster, por que só
agora o senhor me falou desse parque?
— Porque só agora você me deu a chance pra
falar! Depois: Como ainda estava em construção, preferi
que fosse uma surpresa!
Naquele instante, lembrei-me de casa e me calei.
Toda a alegria passou e uma sombra de tristeza, passou
pelo meu rosto.
— Amanhã, iremos passear em outro local! —
Alegou o senhor Frene. Iremos a Orington.
Nada respondi, permanecendo calado, durante
todo o caminho de volta.
Regis: um menino no espaço
147
A fuga
pós dormir por mais de oito horas, acordei,
me levantei e fui direto ao banheiro, aonde
tomei um ótimo e demorado banho, vesti meu bonito
macacão susteriano, apanhei algumas peças de roupas
tipo terrestre e lentamente, receoso, me dirigi ao campo
de pouso, entrei em um dos três discos, que ali estavam
pousados, fui até a cabine de controle, sentei-me e fiquei
por uns cinco minutos indeciso, depois, acabei por decidir
o que deveria fazer: acionei os botões correspondentes e
em poucos segundos, o disco já estava flutuando.
Um minuto depois, aquele enorme disco, já
ganhava boa altitude, criando estabilidade e praticamente
pronto para qualquer viagem longínqua. Lá embaixo,
muita gente, inclusive Leandra e o senhor Frene, faziam
sinal para que eu descesse. Só que eu não estava disposto
a obedecer. Se voltasse atrás, tornaria a apanhar, ficaria
amarrado e sabe-se lá o que mais, já que com certeza, o
castigo seria pior do que o anterior. Desta vez, não cometi
nenhum erro e iria voar direto à minha Terra.
A
Celso Innocente
148
De repente, por um pequeno monitor, localizado
ao lado esquerdo da cabine, apareceu o senhor Frene, que
já me dizia:
— Por favor, Regis, não faça esta loucura! Volte
pra cá imediatamente!
Ele, percebendo que eu não atenderia seus sinais e
que a nave ganhava muita altitude, havia corrido até a
sala de controle, para tentar me convencer a abandonar
àquela maravilhosa idéia. Eu, porém, não estava disposto
a obedecer a ele ou quem quer que fosse. A saudade de
minha Terra era imensa e eu iria voltar para lá, doesse a
quem doesse!
— Regis! — Continuou ele pelo monitor. — Nós o
amamos muito! Não queremos que você se vá! Volte
imediatamente! É uma ordem...
Quem era ele pra me dar ordens? Era o que eu
pensava. Se eles me amassem mesmo, aceitariam minha
volta para casa, para minha felicidade!
— Você está louco menino! — Continuou ele. —
Não vai encontrar seu planeta! Vai se perder no Universo
e então morrerá! Volte, por favor!
Sem dar atenção a ele, eu continuava minha
viagem, já, a uma velocidade incalculável, fora da órbita
daquele planeta, em rumo de casa, com toda certeza!
O Senhor Frene, não desistia em tentar me fazer
voltar atrás:
— Ouça Regis: Pra se fazer esta viagem complica-
da, é necessário que engenheiros experientes, façam antes,
um estudo completo de toda a rota. É preciso analisar os
perigos e uma grande série de outras coisas.
Não me importava com o que ele dizia. Já havia
colocado a nave, para viajar no automático e sabia que ela
Regis: um menino no espaço
149
só pousaria, no mesmo ponto, onde há muito tempo, fui
sequestrado.
— Regis: responda! — Insistia ele. — Sei que está
me vendo e ouvindo!
Realmente, o estava vendo e ouvindo. Mas era
porque não sabia desligar aquele monitor. Caso contrário,
já o teria feito.
— Mesmo eu, com cinco mil anos de experiência,
não saberia ir à sua Terra, sem ajuda. — Insistia o senhor
Frene. — Volte, antes que seja tarde demais e nem eu
possa mais te ajudar.
Meu coração batia forte sim e até assustado. Mas
tinha plena convicção, de que a rota para casa estava
certa.
— Imagine Regis, que se esta nave saísse apenas
um milímetro de sua rota correta, ela jamais chegaria à
Terra. Como espera que sem rota nenhuma programada,
ela chegue onde você deseja?
Não entendia muito de rota, mas como estava
seguindo esse negócio em piloto automático, não haveria
porque me perder.
— Volte Regis! Prometo que não lhe punirei!
Vamos conversar e criarmos uma solução pra sua
felicidade.
Minha felicidade estava na Terra, junto a meus
pais e amigos, inclusive, retornando a minha escola. Era
engraçado como que a gente não quer ir à escola, mas
agora, como em meu caso, a gente longe dela, sente
muitas saudades; sente falta dos amigos, professores,
recreio e até mesmo das matérias mais difíceis, como
matemática e estudos sociais.
Celso Innocente
150
— Você nem tem alimentos pra essa longa viagem!
Como acha que vai sobreviver? Fale comigo, por favor!
Daqui a pouco a gente perde o contato e aí será o seu fim!
Alimentos! Ele pensa que não aprendi que em
uma viagem entre planetas a gente quase não precisa de
alimentos! O tempo passa tão devagar dentro da nave que
a gente nem sente fome.
Ele continuou falando durante muitas horas
comigo. Nem sei quando foi que parou de falar, pois,
após umas nove horas seguidas, que para mim se
pareceram apenas alguns minutos, sem me levantar
daquela poltrona, ouvindo-o e viajando sozinho, por um
espaço perdido, acabei adormecendo na cabine da nave.
Durante o sono, sonhava com aquela viagem pelo
complicado espaço sideral. Não era nada diferente do que
via na realidade: pontos de luz observados ao longe
através do para-brisa daquela estranha nave. Pontos estes,
que cresciam muito rápido e logo desapareciam, ao lado
da nave, pois, como já havia visto, era ultrapassado
imediatamente, devido à enorme velocidade, atingida.
Quando acordei, sem saber quantas horas teria
dormido, estava realmente sozinho. O monitor, por onde
o senhor Frene, falava comigo, estava ligado, mas
nenhuma imagem me mostrava.
Continuei aquela perigosa viagem, sozinho e só
então, sem ouvir o senhor Frene, começava a sentir o
coração ainda mais assustado, pois ele talvez viesse a ter
razão: eu poderia estar em uma rota diferente, da qual
realmente queria.
Depois de mais algumas horas de viagem,
sozinho, sem sequer me levantar da poltrona do piloto,
sem ter o que fazer, meus olhos foram ficando pesados e
sem perceber, acabei dormindo novamente.
Regis: um menino no espaço
151
Durante o sono, a nave cortava o espaço, a uma
velocidade incalculável e inacreditável para nós
terráqueos e eu voltei a ter, não sonhos, mas sim,
pesadelos; inclusive, com a nave se chocando a um
enorme planeta, habitado por monstros.
Foi aí que acordei e pude ouvir, pelo televisor
(monitor), o senhor Frene, gritando:
— Cuidado garoto! Atrás de você existem três
naves assassinas! Elas irão te destruir!
Embora, assustado, não dei bolas para o que ele
falava. Nem sequer, me preocupei. Só estava me
restabelecendo do pesadelo que tivera. Quanto ao que ele
dizia: só achava que estava tentando me assustar, para
que eu voltasse.
Poucos minutos depois, senti que, realmente
estava sendo seguido e pouco depois, vi que, realmente
três naves afuniladas e compridas me seguiam. Só assim,
fiquei realmente assustado e o senhor Frene, deve ter
percebido, pois me ordenou:
— Ligue o automático e deixe a nave correr
sozinha.
É claro que a nave já estava no automático. Mas
ainda existia um problema: eu queria lhe fazer algumas
perguntas, mas não sabia como, pois embora eu o visse e
ouvia, ele não me ouvia. Mas tive sorte, pois ele insinuou:
— Se você quiser falar comigo, aperte erre cinco
(R-5).
Atendi seu conselho imediatamente e lhe
perguntei:
— Como faço pra me proteger?
— Nada! — O alegou. — Deixe comigo.
Confiei nele e nada fiz. Não saberia mesmo o que
fazer. Mas o medo continuava.
Celso Innocente
152
Pouco depois, ele me disse com ar de vencedor:
— Regis, se você quiser ver um espetáculo
explosivo, olhe para o monitor a sua direita.
Olhando para o local indicado e aguardando
poucos segundos, vi uma daquelas naves, em minha
retaguarda e a seguir, uma explosão. Alguns segundos
depois, a mesma cena se repetiu por mais duas vezes
consecutivas. Então perguntei assustado:
— O que foi isto?
— Apertei o botão ípsilon dois (Y-2). Lembra dele?
— Pra me proteger na Terra!
— Não! O botão pra lhe proteger na Terra é o
ípsilon três (Y-3). O que eu apertei, é pra lhe proteger no
espaço.
— Mas como ele fez o disco assassino explodir?
— O automático de sua nave cuidou dos
assassinos. Digamos que ela possui um repelente de
insetos. — Ironizou o homem. — Eu, simplesmente lhe
protegi um pouco. Foi uma ajuda e tanto! Não acha?
— Sim! Obrigado!
— Agora eu quero que você volte pra cá,
imediatamente!
— Sinto muito, mas eu não posso! — Reassumi o
comando da nave, convicto. — Preciso voltar pra casa!
— Deixe de ser bobo garoto! Você vai se perder no
espaço!
— Não vou não senhor!
— Pra começar, você já está indo na direção
errada!
— É mentira! Estou vendo o Sol, bem à minha
frente.
— Engano seu! Essa estrela que você está vendo à
sua frente é uma gigante vermelha, a qual seu povo
Regis: um menino no espaço
153
chama de “Betelgeuse”. Ela é quase mil vezes maior do
que o seu Sol e sua temperatura é de três mil graus.
— Mentira do senhor!
— Infelizmente não é! Essa estrela é duzentas
vezes maior que a nossa Kristall e quase oitenta vezes
maior que a nossa Brina!
Desliguei o botão erre cinco e resolvi não dar mais
atenção àquele homem, continuando minha viagem
solitária pelo espaço Sideral, onde não há gravidade. Não
há vácuo.
— Regis: — Insistiu ele. — Essa estrela, ainda está
a uns quinhentos anos-luz de você! Parece próxima
porque ela é muito grande!
Durante muitas horas, ele continuou tentando me
fazer retornar.
— Menino, você vai morrer no Universo. As naves
inimigas que você viu, não são nada em comparando com
os grandes perigos do espaço cósmico...
Que perigos poderiam haver em um espaço vazio?
— ... Você já viu falar em campo minado? Você
está dentro de um! Estrelas da morte, buracos negros... Se
você passar a um milhão de quilômetros próximo a um
buraco negro estelar, sua nave entrará em um tipo de
redemoinho, sem chance de sair e será sugada por ele e
vocês se transformarão em pó...
Redemoinho! No espaço! Acho que ele pensa que
sou bebê!
— ...Regis, nestes caminhos que você está
passando, sem rota criada, com certeza você cruzará por
um deles. Menino, não estou apenas querendo assustá-lo.
Só em nossa galáxia, existem milhões de buracos negros
capazes de engolir até grandes estrelas... Volte por favor.
Eu não vou te punir.
Celso Innocente
154
Cansado, voltei à nave para o automático e acabei
adormecendo, ouvindo as insistências do senhor Frene.
— Meu filho: Você é inteligente o bastante, pra
saber que estou falando a verdade. Volte enquanto não
perdemos a comunicação e eu consiga te orientar.
* * * * * * * * *
Depois de outras tantas horas dormindo, tornei a
acordar. Estava com o corpo dolorido, por estar de mau
jeito, na poltrona da cabine da nave, nem sabia mais a
quantas horas, pois, desde que saí de Malderran, sequer
me levantara dali, nem mesmo pra me alimentar.
O senhor Frene continuava insistindo para que eu
mudasse meus planos e voltasse à seu mundo; mas eu
não estava disposto a obedecê-lo e seguia em direção à
grande estrela vermelha à minha frente, com certeza
absoluta de que se tratasse de meu querido e saudoso Sol.
— Regis: — Insistia o homem. — Você sabe que o
Sol não é grande e brilhante o suficiente pra poder estar
visível para nós. Seu Sol só estaria visível quando você
estivesse a menos de dez anos luz de distância dele. Volte
antes que você se perda pra sempre e aí com certeza vai
morrer, sem que possamos fazer mais nada.
Durante pelo menos outras cinquenta horas de
viagem, o senhor Frene insistia que eu abandonasse a
minha ideia. Nesse período, não saia da cabine pra nada.
Tinha medo do resto da nave e com isto, às vezes me
levantava da poltrona e ali mesmo fazia diversos
exercícios sozinho, aproveitando o que aprendera em
aulas de educação física da escola: fricções, polichinelo,
braços, pescoço, pernas... acabando adormecendo e
acordando por lá, hora na poltrona, hora no chão mesmo,
sempre ouvindo as insistências dele.
Regis: um menino no espaço
155
De repente, o senhor Frene resolveu desistir de me
fazer voltar. Só então, comecei a me preocupar. Mas não
queria falar com ele, pois, apesar do medo, o importante
era voltar para casa. Criei coragem, levantei-me da
poltrona, fui até a cozinha e faminto, percebi aquilo que
ele já havia me dito: na pressa em fugir, me esqueci de
que na viagem precisaria me alimentar, não carregando
nenhum alimento, restando apenas às cápsulas de
nutrientes, que com certeza, ajudaria um pouco a saciar,
não meu paladar, mas minhas necessidades orgânicas e
reposições de energia.
Após dormir por mais de cinco horas, no chão da
cabine, um sono muito nervoso e descontrolado, variando
todo o tempo acordei assustado, me levantei, espreguicei
e então, me sentindo solitário, resolvi apertar o botão erre
cinco, para voltar a falar com o senhor Frene, já que ele,
não tentara mais falar comigo e foi então que percebi que
havíamos perdido o contato.
Para mim, dentro da nave, como já disse, o tempo
corria muito devagar. Parecia que eu teria saído de minha
origem a menos de dez horas terráqueas, quando na
verdade, já teriam se passado mais de duzentas horas
susterianas.
Se eu acordara assustado, agora já estava ficando
desesperado. Sentei-me na poltrona esquerda. Se eu
estivesse realmente indo em direção a Terra, como
imaginava, jamais perderia o contato com Suster.
Com isto, cheguei a seguinte conclusão:
“O senhor Frene, tinha toda razão: aquela estrela à
minha frente, não é o Sol e eu estou perdido no espaço”.
Não sei o que iria adiantar, mas comecei a chorar e
depois, me julgando culpado, resolvi me acalmar, mas
Celso Innocente
156
não consegui e chorei igual bebezinho bobo, até acabarem
as lágrimas acumuladas, desde há muitos dias.
Voltei à nave em posição manual, diminui
drasticamente sua velocidade, fiz com que ela desse um
giro de cento e oitenta graus e tornando a colocá-la em
modo automático, resolvi retornar à Suster, onde pediria
desculpas ao senhor Frene e aceitaria o castigo que ele
viesse a me impor. Provavelmente cortando meu símbolo,
o qual diz que sou um machinho.
Durante a viagem de volta; a cada um minuto,
voltava a acionar o botão erre cinco e falar alguma coisa,
na tentativa de entrar em contato com Suster; mas sempre
era em vão.
Estava cada vez mais desesperado, pois, embora
tivesse virado a nave, exatos cento e oitenta graus, ela
poderia estar indo em direção completamente distante do
planeta Suster e aí sim, estaria perdido para sempre, no
Universo de meu Deus, com suas sei lá o que de
septiliões6 de estrelas conhecidas. Será que eu conseguiria
escrever a este número, em disputa com o genial Luecy?
Poucas horas mais tarde, estava de passagem por
um planeta, onde os mostradores da nave acusavam no
solo: quinze por cento de oxigênio, sete por cento de gás-
carbônico, setenta e sete por cento de nitrogênio, um por
cento de vapor d’água e uma temperatura de trinta e três
graus centígrados.
Observando aqueles parâmetros, percebi que o
planeta tinha as mesmas características de Suster. Então
resolvi pousar para espionar, ou explorar.
Menos de dez minutos depois, com o aparelhinho
tradutor nas mãos, pisava em solo firme. Desci da nave e
6 A unidade seguida por 42 zeros ou 1042.
Regis: um menino no espaço
157
comecei a olhar à minha volta. Até então, estava bastante
assustado e sentindo muita solidão, mas ali, parecia um
alívio, como se tivesse saído de uma prisão de passarinho
e recebido um mundo inteiro para poder respirar
aliviado. Mas ainda sentia medo, pois aquele planeta era
muito estranho: Suas plantas, não eram verdes e nem
mesmo do tamanho das nossas, mas sim, enormes de um
verde puxando para azul quase acinzentado; não deveria
ter oceanos e caso tivesse, suas águas não deveriam ser
azuis; pois em vista do alto, o planeta era amarelo e sem
luz própria; “claro! Não era estrela”!
Agora do solo, olhando para os céus, ele se
mostrava acinzentado, com tonalidade quase escura,
como se fosse por volta das vinte horas, em período de
horário de verão, na Terra.
Após vasculhar a área por alguns minutos, achei
que era um planeta anecúmeno7 (não que eu soubesse o
que significava esta palavra. Não sabia), pois não existiam
sinais de vida humana ou de qualquer outra espécie. O
clima era saudável e com muito oxigênio.
Retornei ao disco, mas não entrei.
De repente, provando-me que não tinha nada de
tal palavra difícil, apareceu um ser, digamos humano,
adulto, porem monstruoso no tamanho. Teria ele, cerca
de oito vezes o meu tamanho, usando normalmente
roupas de tecido, moreno escuro e muito forte. Será que
eu teria pousado no planeta fictício da série de televisão
“Terra de gigantes”?
Ao perceber que ele já notara minha nave, saí
correndo. Mas foi inútil: ele me percebeu e começou a me
perseguir. Caí duas ou três vezes, mas me levantava
7 Lugar inabitado por vida animal.
Celso Innocente
158
rapidamente e voltava a correr, tentando encontrar local
seguro para me esconder. Com isto, acabei perdendo meu
aparelho tradutor.
E foi assim, correndo, olhando para trás,
enroscando em algumas espécies de cipós grossos ou
outro tipo de ramagens e matos, que acabei prisioneiro
em uma gigantesca teia pegajosa. Meu coração batia
muito forte, descompassado e o horror estava presente
nas lágrimas de meus olhos. Mais horrorizado ainda
fiquei, ao perceber que o monstruoso animal, dono da
teia, se aproximava rapidamente. Então sim, eu poderia
me lembrar da frase que um dia dissera a meus
opressores de Suster: Eu era uma indefesa mosca, diante
da gigantesca aranha.
Quando extremamente apavorado, senti que seus
poderosos ferrões iam cravar em meu corpo frágil,
paralisado pelo horror, percebi que um enorme punhal,
atirado por aquele homem gigante, tirou a vida daquele
super inseto e então desmaiei.
Ao recobrar os sentidos, estava deitado em uma
enorme cama, de uma monstruosa casa, com telhado
semelhante aos da Terra, porem sem forro e de cor cinza.
Meu aparelhinho tradutor estava em meu pescoço. Com
certeza o gigante teria o encontrado. Sentada à beira da
cama, estava uma menina, que não teria mais do que a
minha idade; porém, era pelo menos quatro vezes maior:
morena, cabelos negros, lisos e compridos, olhos também
bem escuros, usando roupa tipo vestido, rosa. Era tão
bonita quanto a uma jovem princesa.
— Oh, oh!... — Balbuciei espantado.
Ela me olhou com jeito tímido. Levantei-me sobre
a cama e fiquei olhando-a, admirado, devido seu
Regis: um menino no espaço
159
tamanho. Percebi que minha nave espacial estava sobre
um armário tipo cômoda.
— Quem é você? — Perguntei a ela.
Ela nada me respondeu e ficou me olhando,
talvez, admirada também, devido meu minúsculo
tamanho.
— Como é seu nome? — Tornei a lhe perguntar.
Ela continuou calada.
— Por que você não me responde? — Insisti. — Sei
que você me entende!
— Me chamo Mira! — Disse ela em tom baixo. —
E você?
— Regis Fernando de Araújo! Pode me chamar só
de Regis!
— Por que você é tão pequeno? E por que você
fala tão baixo?
— Eu poderia lhe perguntar: — Aumentei um
pouco o timbre da voz, para que ela pudesse me ouvir
melhor. — Por que você é tão grande?
Devido meu tamanho pequeno, a amplificação de
minha voz era baixa perante ela, que, ao contrário, falava
em tom baixo, para não estourar meus tímpanos.
— Não sou grande! — Negou ela. — Você é que é
muito pequeno! Você não é um menino?
— Claro que sou! Só que de outro planeta!
— Como assim?
— De outro lugar! Perdido no espaço... — Fiquei
ainda mais triste. — Perdido mesmo...
— Você veio do espaço? Nesse objeto estranho!
— Isso mesmo! Vim de um planeta chamado
Terra. Você já ouviu falar?
— Nunca! Onde fica?
— No sistema Solar! Sabe onde é?
Celso Innocente
160
— Nunca ouvi falar! Onde é?
— Na Via Láctea! Agora você sabe!
— Não! Não sei! —- Negou ela.
— Como é o nome de sua galáxia?
— O que é galáxia?
— Deixa pra lá! — Insinuei desconsolado. — Já vi
que você não poderá me dizer o que eu preciso saber!
— Por que você é pequenino?
— Acho que essa é a principal diferença entre
nossos mundos! Quem é aquele homem gigante, que me
salvou da aranha gigante?
— Meu pai! — Afirmou ela rindo. — Você
também tem pai?
— Sim! Um pai e uma mãe!
— Você não gosta deles?
— Claro que gosto! Eu os amo muito!
— Então por que fugiu de lá?
— Eu não fugi! — Neguei convicto. — Fui
sequestrado.
— Como assim?
— Por acaso você sabe onde fica um planeta
chamado Suster?
— Não! Nunca ouvi falar nele também!
— Sabe onde fica uma estrela chamada Kristall?
— Nem sei o que é estrela!
— Estrelas são aquelas coisas brilhantes, que a
gente vê no Céu. No espaço!
— Aquilo não é estrela! — Negou ela. — Aquilo é
marcante!
— Entendo. O nome deve ser diferente por aqui!
Então você sabe onde fica uma marcante chamada
Kristall?
— Mesmo assim, eu não sei!
Regis: um menino no espaço
161
— Deixe pra lá! Onde está o seu pai?
— Por quê?
— Quero agradecê-lo por ter me salvado a vida!
— Espere aqui que eu vou chamá-lo!
E se retirou correndo.
Espere aqui! Acho que ela estava gozando de
mim! O que eu poderia fazer mesmo era só esperar; pois
estava a pelo menos dois metros de altura, sem chances
de descer.
Pouco depois, o mesmo gigante que me salvara,
entrou no quarto, sentou naquela enorme cama e me
perguntou com voz de trovão:
— Então você entende o que eu falo?
— Sim senhor! — Afirmei quase gritando,
acariciando o aparelho tradutor, por entre a mão direita.
— Mas você não é um garoto espacial?
— Sou sim! Sou de um planeta chamado Terra! O
senhor conhece?
— Infelizmente não!
— Mas deve saber, qual é a estrela, ou marcante,
chamada Sol!
— Também não sei! — Negou ele.
— Pelo menos, eu devo estar na Via Láctea!
— Não sei o que é isso!
— Via Láctea, é o nome de minha galáxia. Eu
acredito que ainda estou nela.
— Deu na mesma! — O alegou. — O que é
galáxia?
— Galáxia é o nome dado ao conjunto de estr...
Marcantes!
— Até nisso, se dá nome em seu planeta?
— Claro que sim! — Exclamei surpreso. — Tudo
tem que ter nome!
Celso Innocente
162
— Pois pra nós, isto não tem tanta importância!
Estava muito preocupado. Mas não tão assustado.
Afinal de contas, apesar de perdido, estava vivo e em
segurança. Sabia que estava em um mundo de gigantes;
mas também, um mundo bem mais atrasado do que
minha Terra e aparentemente, com pessoas que não me
ofereciam nenhum perigo.
— E Suster? Sabe onde fica?
— O que é Suster? — Perguntou o gigante.
— Outro planeta!
— Nunca fui ao espaço, garoto! Como poderia
saber?
— Ora! Eu também nunca tinha ido ao espaço e já
sabia um monte de coisas sobre ele!
— Você deve ser de um mundo super adiantado!
— E a Marcante Kristall? Ou Brina? Sabe qual é?
— Não sei nome de marcantes!
— Já vi que estou perdido mesmo! — Afirmei
desanimado, em tom normal.
— Você me fez muitas perguntas, porém, não me
disse como é que consegue entender o que eu falo.
— É fácil. — Afirmei, mostrando-lhe o aparelho
tradutor, pendurado em meu peito. — Com este aparelho,
eu consigo entender a linguagem de qualquer pessoa, em
qualquer parte do Universo.
— Você é muito bonitinho. — Insinuou Mira.
— Obrigado! — Agradeci. — Você é muito bonita
também. Só que é bonitona, pois é muito grande!
Ali, em conversa fiada com os dois, permaneci
durante muito tempo; mas de nada adiantava, pois eles
não sabiam nada do que eu precisava saber e sendo
assim, acabei ficando na mesma.
Regis: um menino no espaço
163
Algum tempo depois, eles me deixaram sozinho e
então, apesar de preocupado e com medo de jamais
retornar à Terra, ou mesmo Suster, cansado, acabei por
adormecer.
Enquanto dormia, tive pesadelos com aquela
enorme aranha, que quase me engolira inteiro, há
algumas horas antes.
Após, algumas horas mal dormidas, acordei
sentindo estar sendo carregado. Era Mira, que me levava,
me colocando em seu peito, sobre seu coração.
Da porta de saída, se via uma enorme cidade. Não
muito diferente das cidades terráqueas, apesar de suas
construções gigantescas, feitas toda em pedras.
Deixou-me sobre uma pedra, em um local muito
bonito, que seria seu jardim, inclusive, com pequeno lago
sobre as pedras. Não tão pequeno para mim, mas com
certeza, sim para os gigantes. Após me colocar no chão,
Mira começou a se despir, ficando completamente nua,
como se fosse a coisa mais natural daquele mundo.
Tornou a me apanhar carregando-me com ela, até
chegarmos a uma enorme piscina, que mais parecia um
oceano de cor esverdeada, contendo pelo menos uns
quatrocentos metros de comprimento por uns trezentos
de largura. Colocou-me novamente no chão e chamou:
— Vamos Regis; tire a roupa e venha se divertir
um pouco.
— Não sou nenhum louco, em entrar nesta água
toda! — Neguei.
— Por que não?
— Eu quase nem sei nadar em piscinas de
crianças. Imagine em um oceano desses!
Celso Innocente
164
— Deixe de bobagem! — A alegou, me apanhando
em seus braços e me despindo, como se eu fosse um
mísero boneco em miniatura.
A primeira coisa que ela me tirou, foi meu
aparelho tradutor, colocando-o junto à suas roupas, nos
deixando assim, sem podermos nos comunicar. A seguir,
me tirou o macacão susteriano, porem, ao tentar tirar
minha cueca, a impedi, o que ela entendeu minha
timidez. Depois, dizendo algo que não entendi, encheu
algo, que devia ser uma bacia, de água e me fez entender,
que era para eu nadar ali dentro, enquanto ela
mergulhava na gigantesca piscina.
Durante pelo menos duas horas, apesar de
seminu, diante de uma menina nua, me senti criança e
como na época de menino do sítio, não via nada de
errado naquilo; então me diverti muito, a princípio,
naquela bacia de água, que me encobria inteiro, depois,
me sentindo o mestre da natação, apesar de que,
acompanhado por ela, que me segurava constantemente,
passei a nadar também na piscina real.
Às vezes ela me levava em suas mãos até o meio
da piscina e me soltava para retornar à margem nadando,
o que eu fazia com muito esforço, enquanto ela
mergulhava e por baixo da água, me seguia, até perceber
que eu já não conseguiria mais, então surgia a meu lado,
como se fosse um grande monstro marinho e rindo me
segurava, na maior das algazarras, falando uma
linguagem atrapalhada...
Outras vezes, sem perguntar se eu queria ou não,
me segurava firme e mergulhava comigo até o fundo
daquela enorme piscina, me fazendo sofrer, pois devido a
grande profundidade (em torno de oito metros), a pressão
da água, quase arrebentava meus tímpanos. Apesar de ela
Regis: um menino no espaço
165
ir até o fundo e retornar à tona rapidamente, para mim,
parecia uma eternidade. E o pior era que, apesar de meus
gestos para não fazer, ela parecia não entender e se
divertia, repetindo à façanha por diversas vezes...
Outras vezes, me jogava pro alto, me fazendo cair
meio desajeitado sobre as águas, me deixando tentar
nadar sozinho, até perceber que meus bracinhos em
miniatura, já não aguentavam mais, então me segurava e
ria como uma madrasta severa.
Depois, seguimos para dentro da casa, onde ela
me embrulhou em um pedaço de tecido e me devolveu o
aparelho tradutor. Então, já podendo nos entender,
aproveitei para lhe dizer:
— Na Terra, meninos e meninas não se despem
juntos!
— Como assim? — Perguntou inocentemente ela.
— Você é burrinha mesmo! Eu disse, que de onde
eu venho garotos não ficam pelados, junto com garotas!
— Por que não?
— Porque somos de sexo diferente!
— E o que tem isso?
— Muita coisa! Mas deixe pra lá!
— Gostou da piscina? — Perguntou-me ela se
vestindo.
— Gostei! Mas você foi malvada!
— Por quê? — Riu ela.
— Me fazendo ir até o fundo! Quase morri!
— Eu não te deixaria morrer!
— Meus ouvidos ainda estão doendo!
— Desculpe-me! — Insinuou tentando me ajudar a
vestir roupa.
— Eu me visto sozinho!
Celso Innocente
166
Enquanto vestia minhas roupas, me despindo
timidamente da cueca molhada e vestindo o macacão, em
menos de um segundo, resolvi perguntar-lhe, triste:
— Quando vocês vão me deixar ir embora?
— Você quer ir embora?
— É claro que quero! O que vou ficar fazendo aqui
em seu mundo?
— Vivendo conosco!
— Muito obrigado! Mas eu prefiro ir pra casa!
— Não! Você não vai poder ir embora nunca mais!
— Por que não?
— Porque eu gosto muito de você!
— Eu também estou gostando muito de vocês!
Mas não sou bichinho de estimação!
— Não quero que você vá! — Choramingou ela.
— Acontece que eu preciso retornar a meu
planeta!
— Fazer o que lá?
— Meus pais esperam por mim! Eles me amam!
— Por que eles deixaram você sair de lá?
— Eles não deixaram! Eu fui sequestrado! Eles
nem sabem por onde eu ando!
— Não sabem que você está perdido no espaço?
— Nem imaginam! — Deixei rolar algumas
lágrimas. — Não imaginam mesmo!
— Vou te confessar algo: — Disse ela séria. — Meu
pai disse que não vai te deixar mais ir embora!
— Ele não manda em mim! — Insinuei muito
triste.
— Manda sim! Foi ele quem te encontrou!
— Encontrar é uma coisa! Mandar é outra!
— Ele te salvou do inseto venenoso.
Regis: um menino no espaço
167
— Sei disso! E sou muito grato, por ele ter me
salvado a vida! Mas isto não lhe dá o direito de mandar
em mim!
— Será que você consegue ir até seu disco voador,
sozinho? — Perguntou-me ela, apontando para a nave.
Olhei para a nave, que continuava sobre a cômoda
e percebi que jamais conseguiria ir até ela, sem ajuda.
— Por favor, Mira, se for verdade que você gosta
de mim, me ajude ir até ele! Ajude-me a voltar pra casa!
— Não posso! — Negou ela, também triste. — Não
posso desobedecer a meu pai!
— Por que ele me quer aqui com vocês?
— Porque gostamos de você e alem do mais, meu
pai disse, que vai te levar ao laboratório, pra estudar você.
— Me estudar!? — Fiz tremenda careta.
Isso mesmo: após algumas horas, aquele homem
gigante, me colocou em uma caixa de papel, assim como
fazíamos com filhotes na Terra e me levou a seu
laboratório, que ficava perdido no centro daquela
gigantesca cidade.
Lá, fui apresentado a três outros gigantes: um
homem, aparentando trinta anos de idade, outro,
quarenta e uma mulher, aparentando pelo menos vinte.
Todos, moreno-escuros e muito bem vestidos.
Fui colocado em uma gigantesca mesa cirúrgica,
me fazendo parecer realmente como um filhote, de talvez
mico leão dourado e começaram uma longa entrevista,
onde quisera saber tudo sobre nós, os terráqueos... Nosso
planeta, modo de vida, costumes, alimentação...
A seguir, me despiram, quase por completo. Salvo
que, quando foram tirar minha cueca, segurei-a, o que, a
moça com um sorriso irônico, me compreendeu, me
deixando com ela. Sorte que antes de seguir para tal local,
Celso Innocente
168
teria me vestido decentemente, pois tal acessório íntimo,
já estava seco.
Ainda deitado sobre a mesa, usando meu adorno
tradutor, examinaram todo meu corpo: Contaram as
batidas de meu coração, mediram minha pressão
sanguínea, analisaram a cor de meus olhos, de meus
cabelos; verificaram meus dentes, onde muitos ainda
eram de leite; mediram minha altura, com seus padrões e
medidas, com certeza diferente das nossas. Puseram-me
em algo que deveria ser balança, depois me retornaram
para a mesa cirúrgica, me deixando assustado; só
esperando que não resolvessem me dissecar, iguais
alunos fazem com sapos, em escolas de medicina. A
mulher pediu licença, baixando um pouco minha cueca, o
que, com certeza detestei. Pior ainda: apesar de eu ter
lutado contra, com braços e pernas, mas fui segurando e
ela continuou sua investigação idiota, apalpando meus
pequenos testículos e verificando minha uretra, protegida
por um pênis sem circuncisão ou que seja, cirurgia de
fimose, depois tornou a subir minha cueca, expressando
pequeno sorriso irônico, como a dizer, “não foi tão mal”.
Então, fazendo uso de um pequeno aparelho, semelhante
à seringa de injeção terráquea, salvo o material que
deveria ser metal transparente e mesmo sem esterilizar,
sob meus protestos, e certo choro, principalmente devido
o tamanho, que, talvez fosse a menor que eles teriam, mas
em relação à meu tamanho... Tirara um pouco de sangue
de uma veia quase invisível, de meu frágil bracinho
esquerdo; analisaram minha voz verde de criança e
minha pronúncia, sem embaraços e raros erros, que lhes
dava o que pensar.
Finalmente, a mulher se convenceu a afirmar:
Regis: um menino no espaço
169
— É um garoto como os nossos! Só que minúsculo,
como um inseto!
— Não sou inseto! — Neguei bravo, quase
gritando.
— E nem parece! — A alegou
— E nem precisa falar tão alto! Não sou surdo!
— É um garoto muito inteligente e de um planeta,
com certeza, centenas de anos, avançado em relação ao
nosso!
— Se a Terra é centenas de anos, adiantado ao seu;
imagine então, Suster!
— Afinal de contas: O que você foi fazer neste
outro planeta? — Perguntou um dos homens.
— Fui raptado por Tony e Rud!
— Pra que eles te queriam lá?
— Porque eles me amam muito e lá não existem
crianças!
— E nesse planeta, eles são pequenos como você?
— Perguntou-me outro homem.
— Já lhe disse que nós não somos pequenos! Vocês
é que são grandes!
— Está bem! — Exclamou a mulher. — Pode se
vestir! Por hoje, vamos parar aqui!
Os homens se retiraram. A mulher, ainda
continuou ali, enquanto eu vestia meu já surrado
macacão, de um tipo astronauta.
— Você disse, por hoje? — Perguntei-lhe. — Quer
dizer que ainda vai continuar?
— Claro! Ainda falta estudarmos muita coisa em
você!
— O que, por exemplo?
— Muita coisa! Modo de vida, educação, reprodu-
ção...
Celso Innocente
170
— Re...produção? — Perguntei surpreso.
— Por que não? É o fator mais importante na
evolução e continuação de nossa espécie.
— Isso você não poderá estudar em mim!
— Posso saber por quê?
— Pode: Eu sou criança e reprodução na Terra, só
entre adultos!
— Como sabe disso?
— Sou criança! Mas não tolo!
— Muito esperto! Não, Regis!
— Sabe: O que eu quero, é voltar logo pros meus
pais! A senhora não pode me ajudar?
— Quem sabe! Primeiro eu quero examinar seu
disco voador!
Dito e feito: ela foi comigo e com o homem que me
salvou para a casa dele. Quero dizer: ela me levou na
palma de sua mão. Chegando à casa do homem, ela
colocou minha nave sobre a cama, examinando-a e me
autorizando a entrar em seu interior para que trocasse de
roupas, já que meu tal macacão já estava até cheirando
mal, devido o tempo em que estava em meu corpo. Vesti
apenas um pequeno short vermelho e uma camiseta
branca, sem cavas, depois retornei a entrada da nave com
jeitinho de “me deixem ir embora”, que de nada adiantou.
Em poucos minutos, a mulher foi embora,
alegando, deixar-me ir também, assim que terminasse de
me estudar.
Naturalmente, eu não queria perder tanto tempo
assim, naquele local estranho, onde, me vestir, me
abrigar, me alimentar, me dar banho e tudo o mais, não
era nada difícil, pois, com muito pouca coisa, me deixava
bem servido. Só que o principal, que era acalmar meu
coração ferido, triste e saudoso, era bem complicado.
Regis: um menino no espaço
171
O retorno
urante muitos dias, permaneci praticamente
preso ali, onde era estudado entre uma e
duas horas por dia e em todos estes estudos, me
deixavam geralmente de short, sem camiseta e me
perguntavam uma série de coisas, as quais eu nem havia
pensado antes.
Eles queriam entender como podia eu, minúsculo
como era, pelo menos pra eles, conseguir viajar entre as
que se referiam Marcantes, sabendo que elas estavam a
distâncias inimagináveis, daquele mundo, um tanto
atrasado e que, inclusive não adiantava alguém calcular
uma certa rota, já que tudo no Universo se movimenta a
milhares de quilômetros por hora, nunca permanecendo
em uma rota viável.
Acho que já fazia dez dias que estava ali, quando,
apenas de short, agora azul marinho, estava em minha
gigantesca cama, coberto por lençol fino. Mira apareceu,
me apanhou em sua mão, sentou no sofá da sala, me
colocando deitado em seu colo e me perguntou triste:
— O que está havendo com você?
D
Celso Innocente
172
— Muita coisa Mira! Se você estivesse em meu
lugar, como estaria se sentindo?
— Entendi Regis! Acho que você está com muita
saudade de seu pai e sua mãe!
— Depois de tudo que lhe contei: Você só acha?
— E o que você quer de mim?
— Me ajude a ir embora!
— Não posso!
— Por favor, Mira! Eu não suporto mais ser
subm... Servir de cobaia em exames diversos, ficar pelado
diante de gigantes...
— Está bem! — Insinuou ela. — Sei que não devia,
mas vou ajudar você a ir embora!
Levantou-se daquele sofá, pegou minha camiseta
preta em cima da cama e me jogou dizendo:
— Vista sua camiseta.
Ao ouvir aquilo, sorri feliz e me vesti
rapidamente. Ela me levou para o quintal de sua casa, me
deixando ao lado da gigantesca piscina e retornou para
seu interior. Poucos segundos depois voltou, com meu
disco em suas mãos, como se fosse um simples brinquedo
e o colocou no chão.
Sorrindo, abri sua porta, depois, lhe agradeci:
— Você pode não acreditar, mas jamais vou me
esquecer de você!
— Acredito! — Riu ela. — Mas agora vá logo,
antes que eu mude de idéia!
— Posso lhe pedir algo?
— Rápido! — Ironizou ela. — Posso mudar de
idéia!
— Pode me arrumar algum alimento pra viagem?
Na nave não existe nada!
Regis: um menino no espaço
173
Ela correu dentro de sua casa, retornando em
segundos com espécimes frutíferas estranhas na Terra,
mas, como já teria conhecido, com sabor muito bom e
produtos salgados, tipo de pães com formato retangular.
Para ela era pouca coisa, mas que foi suficiente para
suprir toda minha necessidade de armazenamento para
uma longa e imprevisível viagem.
Após lhe dar tchau, entrei na nave, fechei sua
porta, segui para sua cabine e em poucos segundos,
estava novamente, através do cosmos, cortando tal espaço
sideral, em busca da Terra, ou mesmo de Suster.
Após umas dez horas, cortando o espaço, a uma
velocidade incalculável, tentando a todo tempo, entrar em
contato com o senhor Frene, sempre assustado e
percebendo que não estava conseguindo, comecei a
chorar. Estava estressado, apavorado e sem saber, se
realmente, estava seguindo o caminho certo, de volta à
Suster.
Qualquer pequeno ruído, dentro de minha cabine,
me dava arrepio. Mesmo sabendo que não existia nada
em nenhum dos compartimentos daquela gigantesca
espaçonave, imaginava um filhote de monstruosa aranha
alienígena.
A estrela, Betelgeuse, que servia como minha
principal guia, estava ficando cada vez mais distante, já
que eu estava voando, em seu sentido oposto.
Após dormir e acordar por várias vezes, ali na
cabine, em sonos assustados, que me faziam sonhar e
acordar em poucos minutos, algumas vezes em uma das
poltronas, outras vezes, no assoalho ou que seja, piso ou
chão, sabia que já se passara aproximadamente três dias
susterianos (para eu porem, não representava mais do
que cinco ou seis horas), que eu estava novamente
Celso Innocente
174
cortando o espaço, quando mais uma vez, apertara o
botão erre cinco e pedi chorando:
— Por favor, senhor Frene! Por favor, qualquer
pessoa do Universo: mostre-me o caminho pra Suster.
Finalmente, na tela de meu monitor, apareceu em
meio a milhões de chuviscos, o rosto do senhor Frene, que
começou a falar animado:
— Regis, meu garoto! Você está bem?
— É o senhor mesmo senhor Frene? — Perguntei
indignado.
— Sim! Sou eu! Como você está passando?
— Estou muito mal, senhor Frene! Quer dizer:
Agora estou melhor!...
Estava chorando, com o coração batendo forte.
Mas acho que era de alegria, ou certo alivio. Acho que era
como se tivesse conquistado um grande prêmio. Afinal,
estava perdido no espaço e parecia ter me reencontrado.
— ...Principalmente agora que o senhor me
atendeu! — Completei.
— Nós havíamos perdido o contato com você!
Estávamos muito preocupados, pois já fazem mais de dez
dias!8
— Me ajude, por favor! Estou muito assustado!
— Calma menino! — Pediu-me ele, muito
animado. — Agora está tudo bem!
— Por favor! Eu quero voltar pra Suster! Como eu
faço?
— Não se preocupe! Nós o ajudaremos a Chegar
até aqui, são e salvo!
— Em quanto tempo?
8 Quase vinte e quatro dias terráqueos.
Regis: um menino no espaço
175
— Ainda não sei! Preciso saber ao certo, sua
localização!
— Acha que estou muito longe?
—Nem tanto! Você deve estar a umas cem horas
de nós! Cerca de dez anos-luz!
— Tudo isso?
— Só isso! Em vista da distância em que você
esteve! Como você está passando?
— Muito mal! Mal mesmo!
— Você tem dormido?
— Quase nunca! Quando durmo tenho pesadelos
horríveis!
— E como você está fazendo, sem se alimentar?
— Estou me alimentando! Pouco, mas estou!
— Não tem alimentos na nave! — Negou ele.
— Eu consegui alimentos em um local que parei!
— Você pousou esta nave?
— Sim! Em um planeta ideal!
— Agora eu quero que você vá pro quarto e
durma! Não se preocupe com nada! Pode deixar que eu e
os engenheiros de Merlin, vamos trazê-lo pra cá!
— Como assim?
— Procure no painel, um botão escrito ípsilon sete
e acione-o.
Encontrei a tecla, pressionando-a.
— Pronto! Pra que serve isto?
— Vá dormir! Se eu precisar de você, acionarei um
alarme muito barulhento dentro da nave, que irá acordá-
lo! Mas não vou precisar de você! Durma bastante!
— Me leve de volta, senhor Frene! Depois o senhor
pode me castigar!
— Está bem, Regis! — Disse ele animado. — Irei
mesmo puni-lo! Mas eu te amo!
Celso Innocente
176
— Me castigue sem me bater! —Pedi com jeito
singelo.
Levantei-me da poltrona e pela primeira vez,
desde que saí de Suster a muitos dias, fui até o que seria
meu quarto, onde deitei para descansar...
Depois de dormir por mais de vinte horas
terráqueas seguidas (como se não chegasse a nenhuma
hora, dentro da nave), sem sonhar ou ter pesadelos,
acordei sentindo ainda cansado e permaneci na cama por
mais alguns minutos, pensando naquilo que seria meu
retorno. Levantei-me e caminhando devagar, tornei a
entrar na cabine de comando, sentando-me na poltrona,
onde passei a observar o espaço e o painel.
— Oi Regis! — Chamou-me o senhor Rud, que
estava com o senhor Tony e senhor Frene na sala do
computador, em Suster. — Conseguiu dormir?
— Oi senhor Rud! Já estou quase chegando?
— Ainda estamos tentando colocá-lo na rota pra
cá! — Insinuou ele. — Mas não precisa temer porque
vamos conseguir!
Por muito tempo, continuamos nossa conversa. O
senhor Frene chamou dois engenheiros de navegação,
para nos ajudar, diretamente de Merlin e assim, após
conseguirem minha localização, comemoraram muito, até
parecendo cinco crianças, quando ganham um brinquedo
novo. Quer dizer, seis comigo, que também, apesar de
estar a trilhões de quilômetros separados, pulava dentro
daquela cabine, em um pouco de felicidade perdida.
Depois de alguns minutos, pararam de comemorar
e falando sério, passaram a me ensinar à voltar, alegando
que toda a viagem, deveria ser feita com piloto manual,
pois não havia nenhuma rota criada para que a nave
seguisse em comando automático.
Regis: um menino no espaço
177
Mas como eu, um frágil menino pequeno,
conseguiria pilotar complicada nave, por quase cem horas
susterianas, sem poder dormir? Jamais! Mas esse
problema foi resolvido rapidamente, com a ajuda de uma
grande equipe de Suster, que conseguia pilotar a nave
remotamente, como se ela fosse um simples vídeo game
do futuro.
Com isto, eu passava algum tempo na cabine,
onde às vezes acabava dormindo, como vinha fazendo
quando estava perdido. Outras vezes, resolvia seguir para
o quarto, sempre pedindo autorização à eles.
A viagem de volta, não foi de cem, mas sim,
setenta e quatro horas susterianas; equivalente a quase
cinco dias e meio da Terra. Para mim, não mais do que
cinco horas.
Ao final desse tempo, eu, auxiliado por eles,
pousara o disco, naquele enorme campo de Malderran,
onde, satisfeito por estar em local conhecido e seguro,
mas ao mesmo tempo, envergonhado por saber que fui
um fracasso, desci cercado por dezenas de pessoas,
inclusive da televisão. Entre elas, Leandra e Luecy.
Timidamente acenei para todos, abracei os dois amigos
mais chegados. Leandra chorava emocionada e feliz. Não
era à Terra, mas pelo menos, estava no que seria: minha
casa ou meu mundo número dois.
—Estou feliz por ter voltado! — Insinuou o robô.
— Eu estou com muita vergonha! — Aleguei.
— Com vergonha de que, Regis? — Perguntou-me
Leandra.
— Por ter fugido e agora retornado...
— Não se preocupe! — Pediu ela, ainda com
lágrimas. — O mais importante é que esteja bem e tenha
voltado.
Celso Innocente
178
— Como se fosse um cachorrinho sem dono, com
o rabinho debaixo das pernas.
— Cadê o rabinho? — Ironizou Lucecy.
Dali fui levado à presença do senhor Frene, que,
ao me ver, sorriu alegre, depois ordenou a Leandra e
Luecy:
— Agora vocês se retirem e nos deixem a sós.
— Por favor, senhor Frene! — Pediu Leandra. —
Não o maltrate.
— Eu sei o que tenho que fazer! — Insinuou ele,
secamente.
— Ele já sofreu muito com esta fuga Não precisa
de mais castigo.
— Por favor! Quer nos deixar a sós?
Leandra e Luecy se retiraram, nos deixando a sós.
Eu, segurando minhas roupas reserva, a maioria, já
usadas, continuava de pé, muito assustado, sabendo que
seria severamente punido. Ele se levantou, se aproximou
e muito sério, ordenou bravo:
— Tire essa roupa!
— Aqui mesmo? Não vai me castigar em meu
quarto?
— Eu mandei você tirar a roupa!
— Acho que o senhor gosta que eu faça arte, só
pra me ver pelado e me castigar!
— Não discuta comigo, seu moleque!
— Castigar a mim é divertido pro senhor?
— Castigá-lo, dói mais em mim, do que em você!
— Pode me bater, senhor Frene! Não vou mais
ficar com raiva! Só que não precisa me deixar sem roupa!
— Eu mandei tirar a roupa!
Regis: um menino no espaço
179
Amedrontado, me despi, ficando apenas de cueca,
aguardando a punição. Como ele continuava me olhando
sério sem qualquer atitude, resolvi apressá-lo:
— O senhor não vai me bater logo?
Ele continuou calado.
Assustado, já iria acabar de me despir, quando ele
pediu:
— Não! Nunca mais baterei em você! Sou contra
espancar crianças! Mesmo que façam artes terríveis e
imperdoáveis.
— Então o que vai fazer?
— Vá logo tomar banho, seu moleque
irresponsável! — O retrucou. — Você está fedendo!
— Quem o senhor acha que eu sou, pra andar por
aí pelado?
— Um moleque sem vergonha e mal Educado!
— Por que eu sou sem vergonha e mal Educado?
— Não interessa! Vá tomar banho! Você está
fedendo!
— Senhor Frene, o senhor pode até me bater se
quiser! Já disse que aceito! Mas não aceito que me xingue
assim!
— Você está fedendo mesmo! Quanto tempo faz
que não toma banho? Há quanto tempo não escova os
dentes? Vá logo tomar banho!
— Não vou! Não assim, sem roupa!
— Está bem! Põe a roupa e vá!
Me vesti rapidamente e fui direto a meu quarto,
onde tornei a me despir, desta feita por completo e entrei
no banho. O que, aliás, por mais de metade de uma hora,
fôra um ótimo banho, igual há muito tempo, não tomava.
Ali mesmo, enrolado na toalha, outros dez
minutos, foram necessários, para escovar muito bem
Celso Innocente
180
meus dentes, que estavam até grossos de tantas bactérias,
trazida por restos de alimentação estragada e que, por
sorte, seriam totalmente dizimadas, em questão de
segundos, naquele tal planeta imortal.
Ao sair do banheiro, em meu quarto, encontrei
Luecy, que começou a falar sem parar. Porém, pensei em
não lhe dar muita atenção:
— O bom filho à casa torna! — Disse ele, gozador.
— Essa não é nada original, Luecy! — Retruquei
enquanto me enxugava.
— Como não?
— Plágio de alguém da Terra!
— O menino de Suster, voltou pro seu recanto!
Essa é original! — Caçoou ele.
Enquanto vestia apenas uma confortável cueca,
tipo samba canção, de seda, azul escuro, próprio de
pijama, fiz micagem e insinuei:
— Só que eu não sou nenhum menino de Suster!
— Já está condenado a uma vida quase imortal,
sem outros guris, para brincar!
— Touche! — Fiz gesto de revólver disparando
com os dois indicadores. — Machuca mesmo! Fura meu
peito e sangra meu coração!
Pulei na cama, na intenção de descasar um pouco.
— Tchau Luecy! Me deixe em paz que eu quero
dormir!
— Não estou com seus olhos! Durma com as
pulgas!
— Hoje você tirou o dia pra plagiar terráqueos! —
caçoei. — Feche sua torneirinha de despejar asneira!
— Isso é plágio!
— Claro que é! Da Emília, do Sítio! Vá embora!
— Daqui não saio, daqui ninguém me tira!
Regis: um menino no espaço
181
— Já ouvi isso antes!
O robô continuou despejado suas asneiras e, como
eu não conseguiria mesmo vencê-lo, resolvi me calar. Não
demorou mais do que cinco minutos e eu já estava
dormindo; depois de muitos dias, sem poder descansar
assim, sem preocupação.
**********
Aproveitando o sono acumulado, só acordei após
seis horas susterianas, bem dormidas, sem pesadelos,
sonhos ou preocupações.
Assim que me levantei e fui me vestir, percebi que,
apesar de dormir bastante, ainda continuava com o corpo
bem cansado, de certa forma, até dolorido.
— O senhor Frene, quer falar com você! — Alegou
Luecy, que continuava no quarto.
— O que ele quer comigo? — Perguntei-lhe,
enquanto me vestia.
— Não sou adivinhão!
— Luecy: Já que você é uma máquina e é muito
inteligente, será que você sabe o caminho da Terra?
— Não há coisa existente no Universo, que eu não
saiba!
— Verdade? — fiquei contente.
— Já me viste mentir?
— Você é meu amigo?
— Tens dúvidas?
— Amigo de verdade?
— O que você está tramando? — Desconfiou ele.
— Preciso voltar pra minha casa! Você aceitaria ir
comigo?
— Jamais deixarei meu mundo!
— Por favor: Me ajude a voltar!
Celso Innocente
182
— Você nem acabou de fazer uma peraltice, já
quer fazer outra?
— Não é peraltice! Quero voltar pra casa!
— Roubar nossa espaçonave e ainda me levar
junto? Acha que sou traidor?
— Se é verdade que você é meu amigo, então por
obrigação, você deve me ajudar!
— Acontece que sou susteriano também!
— Apenas uma máquina! Um robô!
— Não insista menino Regis! O senhor Frene está
lhe esperando!
— Acha que ele vai me bater?
— Já lhe disse que não sou adivinhão!
— Está bem! Seu amigo da onça!
— Não sou amigo de nenhuma onça! Nem a
conheço!
Calei-me e saí indo direto à minha punição. Entrei
na sala de computação e encontrei o senhor Frene,
assistindo uma gravação de minha vida na Terra. Assim
que entrei, ele desligou a máquina e me disse sério:
— Sente-se! Preciso muito falar com você!
Obedeci em silêncio. Ele deu a volta e sentou-se
em sua poltrona.
— Por que você resolveu fugir de novo? —
Perguntou-me ele.
— Só queria voltar pra Terra! Lá está minha vida!
Lá é o meu lugar!
— Regis me diz uma coisa: Se alguém te
abandonasse em São Paulo, será que você conseguiria
voltar pra sua casa?
— Não sei! Acho que não!
— Pois bem: de lá até sua casa, tem aproxima-
damente quinhentos quilômetros e você não sabe voltar.
Regis: um menino no espaço
183
Imagine daqui até lá, que tem mais de Oitocentos trilhões.
Como você poderia saber voltar?
— Me parecia ser tão fácil!
— Não é fácil! Pensei que você fosse muito
inteligente! Mas já vi que não é... Quando a gente vai
fazer uma viagem interplanetária, nossos engenheiros
passam dias, planejando e traçando as rotas da viagem e
assim mesmo, muitas vezes, acontecem alguns
imprevistos.
— O senhor vai me bater novamente?
Ele se levantou, se aproximou e me abraçou por
traz, dizendo:
— Não! Nunca mais! Já lhe disse isso! Espancar
não educa! Alem do mais: O que lhe aconteceu, acho que
já serviu de lição.
— Pelo menos é um alívio, saber que não vou
sentir mais dores! Pelo menos, não em surras!
— Espero que jamais aconteça isto. Senti muito
medo e acreditava tê-lo perdido pra sempre! Sabia que
você estava perdido no espaço, longe de Suster e da Terra
também!
— Senhor Frene: — Insinuei me levantando. —
Por que o senhor não me deixa voltar pra minha casa?
— Ora Regis: — Riu ele. — Porque você pertence a
nosso mundo! Nós te amamos! Você sabe disso!
— Eu não gosto de ser bandido, ladrão, mal
Educado e nem sem vergonha!
— E quem disse que aqui você vai ser isso?
— O senhor mesmo disse, que sou mal educado e
sem vergonha!
— Que isso garotão! Eu só estava nervoso!
Celso Innocente
184
— Eu não sou sem vergonha! Nem gosto que me
vejam pelado e nem falo besteiras! O senhor já me viu
falando bobagens?
— Não! — Riu ele. — Mas se falar alguma, não
tem problema! Todo menino fala bobagens às vezes.
—Não gosto! Minha mãe é muito brava neste
sentido!
— Sei disso! Conheço a varinha verde e a cinta de
couro de sua mãe!
— Mas sei que estou sendo mal criado e ladrão.
— Eu te proíbo de falar assim!
— Mas é verdade! Muitas vezes, eu respondo mal
aos mais velhos e o que é pior: já roubei dois discos-
voadores de vocês!
— Nossos discos estão conosco! Você não roubou
nada!
— Destruí um deles! O outro, só devolvi, porque
não consegui achar o caminho de casa!
— Não quero que você fale mais nisso!
— Por favor, eu... Tenho muita saudade de casa!
— Prometo lhe compensar! Vamos ao parque
todos os dias! Vamos conhecer Merlin, onde foi fabricado
o Mark Três, a espaçonave que te trouxe... Nossos
satélites, este computador... Aqui existe uma bela piscina!
Você nunca a usou! Ela é pra você! Vamos conhecer
Orington e tantas outras coisas.
— Acho que o senhor é igual os governantes da
Terra!
— Como assim? — Riu ele.
— Pediu apoio da população, pra me buscar na
Terra, todos concordaram, ou talvez nem tanto! Mas de
algum jeito, ajudaram nas enormes despesas que isto
proporcionou ao planeta inteiro. Divulga na tevê que sou
Regis: um menino no espaço
185
um filho pra todos, porem, poucos me verão e menos
ainda, falarão comigo. A grande maioria, só me
conhecerão mesmo pela tevê.
— O que você quer insinuar? — Falou ele
duvidoso.
— Que sou, ou fui um gasto desnecessário, senhor
Frene! Pertenço a esta casa! Convivo apenas com o senhor
e a Leandra! Um pouco com Tony e Rud e mais ninguém!
— É que a gente não teve chance ainda de planejar
nada! Mas começaremos a levá-lo pra conhecer toda a
população! E garanto que eles lhe darão muito amparo e
carinho!
— E o que vou fazer pra ser este ídolo que Deus
não tolera? Não sei fazer nada de especial!
— Você não precisa fazer nada!
— Serei como um bichinho em um zoológico?
Pagarão ingresso pra me ver?
— Você às vezes realmente é bem malcriado! —
Criticou-me ele.
— Sei que sou! Mas apesar de pequeno, creio que
só estou falando a verdade!
— Nada do que você falou até agora procede! —
Negou ele sério. — Ninguém fará de você um ídolo!
Muito menos um animalzinho em zoológico!
— Sei que o senhor me acha um filho! Mas não
posso retribuir! Não consigo!
— Sei que você Regis, não é meu filho! Eu te amo
como tal mas sei que jamais poderei ter um.
— Sinto muito! — Insinuei realmente comovido.
— Lembre-se, aqui todos te amam e desejam
passar algum tempo com você!
— Isso é praticamente impossível!
— Nada é impossível pra mim!
Celso Innocente
186
— Se eu passar apenas um segundo, com cada
habitante de seu planeta, precisarei de mais de três
bilhões de segundos de tempo!
— E daí? Você tem esse tempo!
— Tenho só nove anos de idade, senhor Frene!
Acho que já fiz dez! Perdi a conta! O senhor tem cinco
mil! Não abuse de minha pouca inteligência!
— Aonde você quer chegar? — Insistiu ele.
— Me leve de volta pra casa! Devolva minha
felicidade!
— Já lhe disse que farei de tudo pra que você seja
feliz, aqui conosco.
— Meu coração dói muito! Ele bate doído! Uma
dor muito estranha, que eu não sei explicar!
— Quer que eu lhe conte mais, sobre sua vida na
Terra?
— Faça de conta que o senhor é eu! Só por um
pouquinho!
— Vamos falar sobre você na Terra!
Sentei-me indignado e insinuei:
— Que remédio! Já que não posso voltar, então
pode até me confortar, rever o que já passou.
Regis: um menino no espaço
187
Tristes lembranças.
le já estava ligando o tape, quando ainda,
aleguei:
— Desde que não sejam besteiras!
— Vou lhe mostrar algo muito triste! Algo que
você jamais se esquecerá!
— Mais triste do que a minha saudade de casa, é
impossível!
— Só pra deixá-lo por dentro, você ainda não
completou dez anos da Terra!
O aparelho foi ligado e eu, apenas de short, sem
camisa estava brigando de socos e rolar no chão, com
Toninho, um menino branco de cabelos pretos, de minha
idade. Nós éramos assim, sem querer plagiar, um tipo de
inimigos inseparáveis; brigávamos sempre e em pouco
tempo, estávamos juntos novamente. Na luta, algumas
vezes eu apanhava, outras batia; dependia da sorte no
momento. Naquele dia, ele me acertou um forte murro no
nariz, fazendo com que o sangue quase negro, escorresse
por minha boca e camisa. Ao sentir aquele gosto doce de
meu próprio sangue entre os lábios, o que sobrou dele,
ferveu dentro das veias, me deixando tão bravo e
E
Celso Innocente
188
nervoso, que me fez criar uma força descomunal, fazendo
com que eu conseguisse dominá-lo, derrubando-o ao solo
e me sentando sobre sua barriga, segurando com a mão
esquerda em sua garganta e chegando a esfregar meu
punho direito fechado, sobre seu nariz, ameaçando dar-
lhe um grande e avassalador soco, que o deixaria
bonzinho para o resto de sua bendita vida de moleque
provocador. Só que não fiz.
Mamãe apareceu com sua costumeira varinha de
guanxuma verde entre as mãos e puxando-me pelos
braços, tentou me surrar, acertando-me algumas varadas;
escapei-me de suas garras e corri para dentro do quintal,
onde algo me disse que deveria parar e esperar. Ela me
surrou, com mais algumas varadas sobre minhas pernas
nuas. A dor das varadas, o sangue escorrendo pelo nariz e
o nervosismo, me fizeram reagir e tomar-lhe a vara, me
virando contra ela, ameaçando lhe dar também, algumas
daquelas varadas em sua face; porem, nessa hora, meu
coração doeu e eu arrependido, parei, devolvendo-lhe a
varinha. Foi então, que sem perdão, apanhei pra valer:
Mamãe, nervosa, desferiu dezenas de varadas por todo
meu corpo, sem pensar aonde acertava: pernas, braços,
rosto, nádegas... Apanhei tanto, que minha bexiga lotada,
se esqueceu que ali não era a hora e lugar e se abriu,
fazendo com que a urina acumulada, se escorresse pelas
pernas abaixo. A urina que vazou, acho que foi até bom,
pois foi o alerta que precisou para que a surra findasse e
então, cumprida cruel punição, acabei, do jeito que
estava, deitando-me de bruços em minha cama. Poucos
minutos depois, meu irmão mais velho, ainda surgiu para
caçoar de minhas dores, físicas e emocionais, dizendo que
eu iria direto, sem escalas, para o inferno ser espetado
Regis: um menino no espaço
189
pelo tridente do capeta, por ter ameaçado nossa própria
mãe.
— O senhor sempre fala que me protegia na Terra.
— Disse ao senhor Frene. — Então por que não me
protegeu naquele dia? Daquele erro?
— Claro que eu lhe protegi! — Exclamou ele.
— Apanhei do cretino Toninho! Apanhei de
mamãe e o pior: cometi o maior pecado de minha vida,
tentando bater nela e o senhor diz que me protegeu!
— Quando você foi revidar sobre ela, seu
coraçãozinho pediu em dores, pra que não o fizesse!
Quem você acha que fez isso?
— Se o senhor sempre me protegeu. Quer dizer
que Deus, nunca fez nada?
— O Universo é muito grande, pra que Deus se
envolva em tudo o que se passa! Deus, jamais se interfere
no livre arbítrio das pessoas, mesmo sendo crianças! Deus
não faz nada daquilo que está ao alcance do ser humano,
resolver por si próprio! É por isso que todos nós
precisamos de certo anjo da guarda!
— O pior é que isto aconteceu um dia antes do
senhor me sequestrar na Terra! O que será que mamãe
ficou pensando?
— Está tudo bem, menino!
— Acho que ela pensa que fugi de casa!
— Ela não pensa assim!
— O que mais o senhor vai me mostrar?
— Lembra da noite em que você teve que dormir
pelado?
— Claro! Essa o senhor já me mostrou.
— Sei que já! Mas você se lembra, no outro dia, na
farmácia, quando você tomou uma injeção no traseiro?
Celso Innocente
190
— Isso é normal! — Mostrei-lhe meu braço direito.
— Veja a grossura de meu bracinho raqu... raquít...
Magrinho! E depois, qual a criança que toma injeção no
braço?
— E do dia em que você se perdeu na cidade?
— É que eu morava no sítio! Estava na casa de
vovó e fui passear no centro da cidade, com minha prima.
Na metade do caminho, resolvi voltar e me perdi!
— Então você começou a chorar, duas meninas,
que entregavam leite, te apanhou e te levou na rádio...
— No caminho, encontramos meus pais e meus
irmãos mais velhos! Então fiquei com eles!
— E depois quer fugir pra Terra? Justo você que se
perdeu dentro de sua própria cidade! — Caçoou ele.
— Acontece que eu só tinha cinco anos e ainda
morava no sítio!
— Entendo! Você se lembra das representações na
escola? Os teatros de alunos?
— Acho que minha professora gostava muito de
mim, pois sempre me convidava pra representar.
— Todos gostam muito de você, Regis! Todos tem
carinho especial por crianças educadas! E depois, acho
que você já nasceu com um talento nato pela arte. — Riu
ele.
— No ano passado, na festa do dia da árvore, cada
classe usou quatro alunos pra plantar uma árvore! Neste
dia eu plantei minha primeira árvore!
— Agora só falta escrever um livro e ter um filho!
— Ironizou.
— Quê!?
— É um dos ditados populares da sua Terra! O
homem será completo quando plantar uma árvore,
escrever um livro e for pai de um filho.
Regis: um menino no espaço
191
— Vai demorar hem! — Insinuei fazendo careta.
— Pra ter o filho, eu concordo, mas escrever um
livro, não precisa tanto.
— Não vou ser escritor! — Neguei convicto.
— História pra contar, você tem! — Riu ele.
— Triste minha história! Não?
— Não vejo assim! — Protestou ele. — Uma vida
de aventuras!
— Troque comigo!
— Você também representou sua classe, no teatro
do dia da Pátria, entre outras cinco crianças: meninos e
meninas.
— Será que quando crescer posso ser artista? —
Pensei um pouco. — Ator! Não escritor!
— Quer ser um artista em meu mundo? Consigo
lhe conceder este desejo!
— Obrigado senhor Frene, mas eu prefiro voltar
pra minha casa.
— Na Terra, você também jogava bola...
— Brinquei muito de bola, com meus amigos,
irmãos e primos. Só que eu não sou muito bom de bola,
por isso eles sempre me colocavam pra jogar de goleiro.
— E de goleiro, você é bom?
— Mais ou menos! — Fiz gestos simultâneos com
as mãos e boca. — Consigo segurar as bolas.
— Lembra-se de sua primeira cartilha escolar?
— Claro! Como não? “Caminho Suave”.
Sem nada dizer, ele ligou o aparelho e me
mostrou: Era nada mais do que um dos primeiros dias de
aula, do primeiro ano escolar de um inocente menino de
sitio. Levava o caderno para a professora dona Jacira
corrigir a tarefa e ela riu, alegando meu trabalho estar
todo errado, por estar perfeito demais. Era para que
Celso Innocente
192
fizéssemos uma cópia dos famosos be-a-bás da lição da
“barriga” e eu teria feito toda a cópia, em letras de forma
minúscula; quase idêntica a que estava na cartilha.
— Às vezes o erro se torna divertido! — Afirmou
senhor Frene, rindo. — Mas às vezes pode se tornar muito
chato!
E me mostrou quando, novamente levava o
caderno para ela corrigir a tarefa. Quando ela tomou o
caderno em suas mãos, atirou-o longe, gritando brava:
— Que letra horrível!
O senhor Frene estava rindo e eu, acanhado, só lhe
disse:
— Tem certas palavras que dói mais do que uma
surra!
— O que a professora disse, é um exemplo! Não é
verdade?
— Realmente!
Ele, sério, desligou a máquina e me perguntou:
— Quem morava próximo da escolinha, Regis?
— Meu tio... — Respondi triste, já sabendo o que
ele iria me mostrar.
— Aquele homem alegre... brincalhão! Aquele
homem, que sempre dava carrerão em todos vocês,
ameaçando castrá-los... Veja isto:
Tornou a ligar a máquina e na tela apareceu meu
tio Cilmar, tentando arar a terra, com Bainho, o cavalo
baio de meu pai; mas aquele cavalo manhoso, não
habituado a trabalhos agrícolas, não aceitava as rédeas e
levantava as patas dianteiras, bravo, dando coices no ar,
se parecendo mais com Silver, o famoso cavalo branco de
Zorro. Eu contava apenas seis anos de idade, recém-
completado; assistia tal espetáculo, grudado na cerca de
arame farpado e só sabia rir.
Regis: um menino no espaço
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— Coisa errada é com você! Não, Regis?
— Foi divertido!
O riso sapeca de uma infância feliz, gravada em
certo tape da existência, se fazia presente também naquela
hora, em ainda uma infância, distorcida pelo destino
fabricado.
— Mas a cena daquele homem bom, se tornou
triste, poucos dias depois.
— Certa noite, ele se aproximou de casa, mas não
chegou... — Insinuei triste.
— Como você sabe?
Dei de ombros e completei:
— Me contaram!
Novamente o aparelho foi ligado e eu, ainda aos
seis anos, fui tirado da cama por mamãe, pela manhã,
antes do horário habitual. Ainda se fazia escuro e mamãe,
enquanto preparava meus irmãos menores, inclusive
Paulinho com apenas um ano de idade, mandou a mim e
meus irmãos maiores, nos vestirmos com roupas de
passeio.
Vesti uma calça de tergal, cinza, comprida e
camisa de algodão, branca, também de mangas
compridas; calcei sapatos pretos; meu irmão Leandro me
ajudou a prender meu suspensório de tecido marrom,
com fivelas douradas, me transformando em um
principezinho. Perguntei se íamos passear. No caminho,
ela nos informou sobre o ocorrido, me deixando curioso,
pois jamais teria visto tal cena. Quando chegamos à casa
da irmã de papai, encontramos meu tio Cilmar, com
pequeno ferimento na testa, que soube depois, que se
dera devido um tombo sobre as pedras próximo ao Rio
Lajeado; Meu tio dormia um sono profundo, dentro de
um caixão de madeira, revestido por tecido roxo. Nunca
Celso Innocente
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tinha visto alguém morto e ali descobri o quão era cruel.
A princípio era igual dormir um sono profundo, onde,
apesar do cheiro forte das flores e velas queimando e o
som das pessoas falando, não conseguia acordar. Mas o
rosto triste e olhos vermelhos dos visitantes,
principalmente adultos, mostravam a gravidade do
ocorrido. Retirei-me e na porta dos fundos, de cócoras,
encontrei papai, que me perguntou em lágrimas
silenciosas, se eu já havia visto titio Cilmar e eu, acenando
que sim, perguntei-lhe se ele teria que ir embora para
sempre...
— Foi o adeus daquele homem tão bom! —
Insinuei.
— Que você jamais se esquecerá. — Afirmou o
senhor Frene.
— Se é verdade que o senhor me protegia na
Terra, por que então não salvou meu tio?
— Sinto muito! — Se lamentou o homem, tão triste
quanto eu. — Não sou Deus!
— Ainda há muita coisa pro senhor me mostrar?
— Se for lhe mostrar tudo, gastarei quatorze anos!
— Mesmo assim, gostaria que me mostrasse! Pelo
menos o mais importante!
— Por exemplo: quando nasceu seu irmão caçula!
— O Paulinho? Eu tinha cinco anos! Mamãe sofreu
muito no parto!
— É verdade! Seu irmão nasceu em casa, pois
vocês moravam no sítio e não conseguiram carro, pra
levarem sua mãe ao hospital!
— Eu nem sabia que teria mais um irmão; de
repente, mamãe estava mal, sofrendo muito e nos
fazendo, sem entender os segredos da vida, sofrer
Regis: um menino no espaço
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também e então, algum tempo depois, apareceu tal
atrevido.
— Que isso Regis? Seu irmão gosta muito de você!
— Eu sei! — Concordei rindo. — Eu também o
amo muito! Ele é meu mais fiel companheiro.
— É tal anjinho que chegou sem avisar.
— Acho que na minha família, todos nós
nascemos em casa!
Após regular a máquina, o senhor Frene, disse:
— Veja isto:
Eu, ainda aos cinco anos morava no sítio. Estava
na cozinha de casa ao lado de mamãe e vovô, seu pai.
Homem magro, alto, com lá seus cinquenta anos de
idade, muito bom e gentil. Lá fora chovia muito granizo.
Eram mais ou menos duas horas da tarde e vovô pediu,
acho até que foi de brincadeira, para que eu fosse lá fora,
apanhar algumas pedrinhas de gelo. Sem sequer pensar
ou pedir permissão à mamãe, saí correndo para o quintal,
me escorregando no lodo verde acumulado, caindo e me
sujando todo de barro.
Enquanto revia a cena, ao lado do senhor Frene,
eu ria exageradamente, de tal divertida tragédia, pela
qual passara.
A seguir, revi, quando, ainda aos cinco anos, junto
com Sandra, uma amiguinha de sitio vizinho, brincáva-
mos de pular sobre uma gigantesca árvore caída, em
nossas terras, no sítio.
Revi também, quando, ainda aos cinco anos, à
tardinha, estava com meus irmãos mais velhos, Leandro e
Carlos Henrique, que faziam seus deveres escolares em
nosso quarto e vi pela janela, uma cobra, que passeava
por ali toda garbosa. Avisei meus irmãos e fomos segui-
la, que encontrando um buraco na parede, no quarto de
Celso Innocente
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meus pais, aproveitou para fazer uma visita; subiu no
berço e se atreveu a passar por cima do corpo do caçula
Paulinho, que recém-nascido, por sorte dormia tranquilo,
caso contrário, poderia querer brincar, pegando
inocentemente tal bicho. Dali, ela desceu ao chão, subiu
na bicicleta de papai, que estava na sala, embaixo do
periquito, que gritava sem parar. Carlos Henrique correu
a apanhar sua avezinha, temendo que a cobra o
apanhasse. Enfim, um valente adulto vizinho chegou a
nossa casa e acabou com a festa, quer dizer, passeio,
daquele infeliz réptil verde, despedaçando sua cabeça a
poder de pauladas.
— Como será que aquela cobra não fez nenhum
mal a Paulinho? O senhor o protegeu?
— Não! Era um réptil inofensivo! — Alegou o
senhor Frene.
— Réptil inofensivo?! — Duvidei. — Uma cobra
venenosa?
— Depois que Deus amaldiçoou a serpente do
paraíso, pobrezinha de qualquer cobrinha boba! São
sempre recebidas a golpes imperdoáveis de pauladas!
— Quem o ajudou a não apertar tal cobra,
pensando que fosse brinquedo?
— Primeiro, porque ele estava dormindo! Depois,
porque realmente a cobra verde é muito inofensiva e
também, Deus é poderoso e não permitiu!
— Não foi mesmo o senhor?
— Não! Foi Deus mesmo!
— Gosto muito dele!
— De quem? De Deus, ou do Paulinho?
— Dos dois!
— Você sabia que as cobras, mesmo as venenosas,
só atacam quando são perturbadas?
Regis: um menino no espaço
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— Já ouvi falar por aí! Como o senhor sabe tanto
sobre elas? Aqui não existem!
— Quando nos falta alguma coisa, a gente se
diverte estudando sobre aquilo.
— O senhor tem sorte em não ter cobras em seu
mundo. Por que perder tempo estudando?
— Vocês tem sorte em não ter dinossauros na
Terra. Por que perdem tempo estudando-os?
— Entendi sua comparação. — Dei leve sorriso.
— O que mais você se lembra de sua vidinha,
Regis?
— Muita coisa!
— Por exemplo!
— Do sítio: quando me levantava cedo e ia correr
pelos campos orvalhados, em busca das milhares de bolas
coloridas, que caiam do céu. Elas eram de todas as cores e
estavam sempre fugindo de mim, nem sei por quê!
— Mas eu sei!
— Sabe?
— Sei! Aquelas lindas bolas coloridas, só existiam
em sua mente, em sua visão! Quanto mais você as
tentasse pegar, mais longe elas ficavam!
— Parecia ser tão real! — Insinuei triste.
— Pois é! O mundo da criança é colorido e cheio
de imaginação! As lindas bolas coloridas eram nada mais
do que os raios do Sol, que surgia no horizonte, refletindo
sobre o orvalho da manhã, impregnado nas folhas de
todas as plantas.
— Como o orvalho consegue ser colorido?
— As cores vinham das diversas tonalidades, na
pigmentação das folhas e flores das diferentes plantas.
Algumas mais verdes, outras mais secas... Algumas
amareladas, outras roxas, ou vinho, ou escura...
Celso Innocente
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— Era tão real, que, quando já morava na cidade,
ao dormir à noite, as imaginava tão bem, quanto as que
viam pela manhã no sítio.
— E as via?
Acenei que sim.
— Neste caso, elas realmente só existiam em sua
imaginação fértil.
Agora, a máquina me mostrava, quando, aos sete
anos de idade, no rio Lajeado (o rio que cortava nosso
sítio), estávamos em um bando de garotos, entre eles,
meus dois irmãos mais velhos, meus dois primos, filhos
do falecido titio Cilmar e dois vizinhos de sítio, todos nus,
na maior naturalidade, nadando. De repente, alguém
começou a nos jogar pedras e gritar que iria nos capar a
todos. Todos, inclusive eu, saímos rapidamente da água,
nos vestimos e fomos atravessar o rio andando para
fugirmos. Todos os demais conseguiram menos eu, que
sendo o menorzinho, a água molharia minha tal calça
curta e como eu era um machado dentro d’água, “se
jogado vai direto ao fundo”, retornei à margem e tornei a
me despir. O terrível castrador de meninos aventureiros
se aproximou e era nada menos do que o senhor
Sebastião, primo de papai.
— Ao ver que era ele, tive um alívio! — Aleguei.
— Teve medo de ter a mesma sina dos infelizes
leitõezinhos?
— Afinal de contas, por que os adultos gostam de
assustar as crianças, com brincadeiras idiotas?
— Dizendo que vai castrá-las?
— É!
— Não sei! Devem achar divertidos! Os adultos, às
vezes querem se aproximar das crianças, mas como não
Regis: um menino no espaço
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têm argumentos apropriados, inventam brincadeiras
desse tipo!
— Tem hora que dá raiva deles! Criança é gente e
não é boba!
— E por que você não ficou com vergonha de que
eu tenha visto estas imagens? Você estava nu e não gosta
de ser visto assim.
— Sei lá! — Balancei os ombros.
— Porque a cena mostra uma ação natural da
infância, Regis! Nada de mais!
— No sítio, estava acostumado a viver assim!
Minha madrinha disse que eu, até aos quatro anos, só
vivia pelado pelos terreiros, junto às galinhas.
— Posso lhe mostrar, se você quiser!
— Não é necessário! — Neguei balançando as
mãos. — Já me conheço, obrigado!
—Você se lembra do dia em que seu pai lhe deu
um tapa no rosto e você ficou com raiva dele, pro resto da
vida? Depois, você foi erguer um pedaço de pau e tinha
uma cobra embaixo?
— Quando papai me bateu, na frente de um
monte de seus empregados, eu disse pra mim mesmo,
que ele era um homem cretino e que eu jamais falaria com
ele!
— É! Mas muiiiito tempo depois, quando a cobra
apareceu à raiva acabou na hora! Não foi?
— Chamei papai na hora e me esqueci da raiva.
Ele matou a cobra e me abraçou! Mas não foi muiiiito
tempo depois!
— Eu sei! Era metáfora. Não se passara nem cinco
minutos.
— Metá...fora! O que é isso?
Celso Innocente
200
— Alguma coisa sem sentido! Igual ironia ou
sarcasmo.
— Cada palavra! Eu nunca vou aprender!
Sar...cas-mo! Metá...fora!
Ligou sua máquina de reprisar lembranças e disse:
— E por falar em matar, veja isto!
Junto com papai e o senhor José, padrinho de
minha irmã Letícia, estávamos no chiqueiro de porcos,
onde eles apanharam um dos condenados, arrastaram-no
para fora e o derrubaram ao chão. O senhor José, apanhou
uma peixeira com dois de meus palmos, só de lâmina e
me entregou. A seguir, seguraram o porco, abriram suas
patas dianteiras e o senhor José me mandou sangrá-lo,
dizendo que fizesse com muita força e sem piedade. Fiz
cara de malvado, acunhei a lâmina sobre o peito da
vítima e depois, descobrindo que só a cara era de
impiedoso assassino, devolvi aquela arma e corri para
dentro de casa.
— Acha que eu teria coragem de matar um porco?
— Perguntei ao senhor Frene.
— Acho que jamais! — Afirmou ele. — Logo um
menino com o enorme coração que você tem!
— Falando em porcos: um dia, eu e meus irmãos
mais velhos, estávamos consertando o chiqueiro. Carlos
Henrique, após dar boas marretadas sobre uma estaca,
colocou o dedo sobre ela e alegou estar super quente.
Leandro fez o mesmo e quando fui fazer o mesmo,
Carlos, sem perceber, deu uma marretada e eu saí
chorando, com o dedo indicador da mão esquerda,
exangue.
— Imagino o quanto doeu! — Afirmou o senhor
Frene.
— O senhor viu?
Regis: um menino no espaço
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— Como não?
— Por que não me protegeu?
— Quem disse que não?
— Se tivesse me protegido, não teria me
machucado!
— A pancada da marretinha teria esmagado seu
dedo inteiro; porém, na hora “agá”, segurei a marreta e
ela bateu com pouca força, lhe machucando sim e lhe
deixando cicatrizes eternas. Mas, apesar de tudo, seu
dedinho ficou inteirinho e sadio.
— Sadio!? — Mostrei-lhe a cicatriz. —
Espedaçado! Me conte coisas mais importantes.
— Não vou contar! Vou mostrar.
Estava com seis anos de idade e voltava de um
passeio que fizemos a uma fazenda à beira do Rio Tietê,
com meus irmãos mais velhos, dois primos e um amigo.
Ao atravessarmos defronte a uma velha casinha
abandonada, construída à beira da estrada, meu irmão
Leandro, perguntou indiferente, o porquê daquela
casinha velha, ali na beira do mato. Naquele instante,
soou um assovio estridente, que se fazia parecer, com
alguém correndo por três vezes, em volta da casinha... ou
igrejinha e depois entrou. Todos nós, corremos assustados
e só paramos a mais de cem metros de distância, onde um
de meus primos nos disse que ali era um local que
marcava, onde havia morrido uma pessoa.
— Isso foi verdade! — Exclamei sério.
— Eu sei que foi verdade!
— E por que alguém que já morreu vai à Terra,
assustar as pessoas?
— Foi vocês quem abusou! Depois, ela não queria
assustá-los! Só queria fazer um pedido. Mas ninguém
esperou!
Celso Innocente
202
— O senhor disse, ela! Como sabe que era mulher?
— Não sei! Eu disse, ela, a pessoa!
— E que pedido ela queria fazer?
— Não sei! Oração, talvez!
— Por quê?
— Algumas almas se perdem e ficam vagando em
busca de ajuda. Essa ajuda é difícil, pois quando tal alma
perdida consegue contatar alguém, acontece o que
aconteceu a vocês crianças. Medo!
— Nos sítio, acontecia cada uma conosco!
— Claro! Vocês eram arteiros! Lembra quando
vocês castravam os ratinhos? Os pobrezinhos condenados
grita-vam na mais cruel das dores, até morrer
agonizando!
— São nocivos!
— Mas não são culpados por serem nocivos! Até
concordo que devemos exterminá-los! Mas não com
tamanha crueldade.
— Apesar de estar com eles, eu jamais fiz esta
maldade!
— O senhor só se lembra das coisas ruins! E as
coisas boas?
— Me lembro também! Exemplo: Seu primeiro
beijo...
— Eca! Nunca fiz isso!
A máquina nos mostrava que nós, crianças,
meninos e meninas, brincávamos de namoro no escuro.
Era minha vez de escolher: Quer? Não! Quer? Não! Quer?
Sim! Uva, maçã, pera, melão, abacaxi! Preferi uva, que
era... beijo na boca. Porém, só disse uva, pois não sabia o
que era. Não tinha me familiarizado com o nome da fruta
e a ação; se tivesse, sempre escolheria a que fosse aperto
de mão, ou no máximo uma voltinha até a esquina. Pelo
Regis: um menino no espaço
203
menos, percebi que a escolhida fôra a menina de onze
anos, Maria Lúcia. Eu tinha oito! Naquele momento,
apareceu mamãe e eu fiquei ainda mais tímido. Jamais
beijaria uma menina... na boca, na presença de mamãe. Os
colegas insistiam que eu era obrigado a beijá-la,
cumprindo o que eu mesmo desejara. Neguei, sem chance
de acordo e assim sendo, a própria condenada, concordou
com um beijo no rosto.
— Tímido! Não? — Caçoou o senhor Frene.
— Natural! — Aleguei. — Mamãe estava olhando!
— E o que tinha isso a ver?
— Muita coisa! Ela me bateria!
— E se a menina fosse a Beth?
— Mamãe me bateria do mesmo jeito!
— E se fosse a Regina?
— Cinta na bunda do Regis! — Ri, fazendo gestos.
— Acho que por elas a surra valeria a pena!
Mostrei um largo sorriso de concordância. De
repente, os alto-falantes da residência, nos interrompeu,
dizendo:
— Senhor Frene, favor comparecer à portaria, com
a máxima urgência.
— É com o senhor! — Avisei-o.
— Quer ir comigo?
— Não! Vou tomar banho e depois comer!
— Boa idéia! Tome seu banho, depois me espere
pra irmos juntos ao refeitório.
Celso Innocente
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Regis: um menino no espaço
205
Uma grande prova de amor
á se passara uns vinte dias, após ter retornado à
Suster, quando, junto com Luecy, resolvi ir à sala
de computação, para conversar com o senhor Frene.
Porém, encontramos a sala vazia.
— Luecy, por acaso você sabe mexer com esta
máquina? — Perguntei ao robô.
— Não há coisa que eu não saiba fazer! —
Insinuou ele.
— Duvido! Você sabe ligar esta máquina com a
Terra?
— Isto é grupo!
— Grupo uma ova! Eu só não acredito!
— Quer provas? — Desafiou-me ele.
— Só acredito vendo!
Provando que ele realmente sabia lidar com
aquela máquina, ligou-a, me mostrado a Terra, ao vivo e
provando que era mesmo inteligente (ou intelirobô) de
verdade, mostrou-me minha casa:
Não foi em pior hora. Mamãe estava sentada em
minha cama, segurando uma moldura de meus oito anos.
J
Celso Innocente
206
Na foto, eu sorria e na realidade, mamãe chorava em
silêncio, talvez de dor e saudade. De repente, entrou
minha irmãzinha Letícia de oito anos e ao ver mamãe
chorar, perguntou:
— Por que você está chorando?
— Não estou chorando, filhinha! — Negou ela. —
Só estou resfriada!
— Ta chorando sim! Ainda é por causa do Regis!
Não é verdade?
— É sim, filhinha! Acho que sim!
— Onde ele está? Por que ele abandonou a gente?
— Ele não abandonou a gente!
— É verdade que ele foi morar com Deus?
— Quem disse isso a você?
— Foi papai!
Ela se calou por alguns segundos, depois,
chorando mais, desconsolada, abraçou minha irmãzinha,
dizendo:
— É filhinha! Acho que é verdade!
— Não é verdade mamãe! — Neguei chorando, na
sala onde estava, a trilhões de quilômetros de distância
dela. — Eu estou vivo!
Naquele instante entrou o senhor Frene, que
gritou furioso:
— Quem lhe deu ordens pra mexer aí?
Virei-me a ele chorando e gritei:
— Quero voltar pra casa!
— Calma! — Pediu ele. — Vamos conversar!
— Não quero conversar! — Continuei chorando.
— Quero voltar pra minha mãe!
— Mamãe! Ele quer mamar! — Caçoou Luecy.
O senhor Frene desligou o computador e se
aproximou dizendo:
Regis: um menino no espaço
207
— Sente-se um pouco, garotão! Vamos conversar
como dois amigos!
— Não quero conversar! Isso em nada me ajuda!
— Gritei chorando.
— Ouça Regis: eu só quero o seu bem! Ainda por
estes dias, vou te levar à passeio a Merlin e Orington; as
cidades mais avançadas do planeta.
— Mais avançadas do Universo! — Emendou o
robô.
— Não quero conhecer nada! Só quero voltar pra
casa!
— Deixe de ser ingrato garoto!
— Que gratidão o senhor quer de mim?
— Nós amamos você!
— Mentira! — Gritei. — Quem me ama não me faz
sofrer!
Ao me ouvir gritar assim, ele se calou por alguns
segundos, se aproximou mais e me pediu:
— Regis, meu filho! Olhe pra mim.
Olhei. Porem neguei:
— Não sou seu filho! O senhor sabe muito bem!
— Mas eu o amo, como se fosse! E você sabe disso!
— Senhor Frene, minha mãe pensa que eu morri e
está sofrendo muito por isso. Se o senhor realmente me
ama como a um filho, então deve saber que ela e papai
me amam como a um filho também e sofrem muito com
minha ausência e o mais importante, eles têm todo o
direito sobre mim. O mais importante ainda, é que eu os
amo também!
— E pelo que estou fazendo, me odeia?
— Não! — Neguei sinceramente. — Eu o amo
também! Jamais quero odiar o senhor e nem outra pessoa
qualquer, aqui de Suster.
Celso Innocente
208
— Robô não odeia ninguém! — Negou Luecy.
— Pense bem Regis: você sofre com a ausência de
seus pais e eles com a sua. Se por acaso você for embora,
quem irá sofrer serei eu e todos daqui.
— Por que o senhor não cria uma forma, de na
Terra eu falar com o senhor e o senhor comigo? Falarmos
e nos vermos!
— Excelente idéia! — Concordou o robô.
— Você é duro de roer! — Riu o senhor Frene.
— Se poe no meu lugar... Só um pouquinho...
Procure sentir o que estou sentindo! Sinto muitas dores! O
coração está sempre apertado! Chorando mesmo!
— Regis... Eu... — Ele também tinha lágrimas.
— Por favor... — Pedi carente, com o rosto
molhado.
— Está bem! Vou lhe dar uma grande prova de
amor! — Disse ele muito triste. — Vou mandá-lo de volta
pra sua casa!
— Verdade! — Exclamei contente, porem ainda
com lágrimas.
— Infelizmente!
— Ficou todo mundo maluco! — Insinuou o robô.
— Lembre-se meu querido filhinho: na Terra você
terá que trabalhar, estará exposto a sofrimentos,
angústias, vai se envelhecer e o que é pior, um dia vai
morrer. São coisas que aqui jamais aconteceria.
— Não se preocupe com isto! — Pedi.
— Seu corpo bonito de criança, um dia ficará
velho, enrugado e feio. — Afirmou Luecy, novamente em
plágio.
— Não sou burro Luecy! — Neguei com o peito
aliviado. — Sei o que vai acontecer comigo!
Regis: um menino no espaço
209
— Pode se preparar. — Ordenou o senhor Frene.
— Tony e Rud irão levá-lo de volta à sua Terra!
— Quando? — Perguntei animado.
— O mais depressa possível!
Saí da sala de computação, rindo de tanta
felicidade e segui direto para meu quarto; tirei aquelas
roupas esquisitas, porem confortáveis e o mais rápido que
pude, após muito tempo, tornei a vestir meu uniforme
escolar. Quando fui me retirar, entrou Luecy, dizendo:
— Pensei que éramos amigos!
— Mas eu sou seu amigo! Podes crer!
— Amigo traidor!
— Não sou traidor! Olhe, tenho uma idéia: por
que você não vem comigo pra Terra? Tenho certeza de
que o senhor Frene autoriza!
— Jamais abandonarei meu mundo!
— Muito bem! — Aleguei. — Você não quer
abandonar seu mundo e me julga traidor, por não querer
abandonar o meu! Eu é que pergunto: Que amigo é você?
— Desta vez você venceu! — Aceitou ele. —
Adeus!
E se retirou.
Fiquei ali parado por alguns minutos e então, me
retirei também, seguindo até a sala de computação, onde
entrei sem chamar e sem nenhuma surpresa, encontrei o
senhor Frene, sentado, assistindo um tape de minha
chegada à Suster, seu mundo. Ele estava chorando.
A me ver chegar, desligou a máquina, se levantou,
limpou os olhos e me perguntou:
— Já está pronto?
— Sim senhor! — Afirmei sério.
— O Tony e o Rud, já estão se preparando! Basta
você esperar umas duas horas e eles o levarão de volta.
Celso Innocente
210
Resolvi me retirar, mas na porta, parei e chamei:
— Senhor Frene...
— O que é? — Perguntou-me ele secamente.
— Obrigado!
Como ele nada respondeu, completei:
— De coração...
Retirei-me, indo de encontro a Tony, que sem
fazer perguntas, disse que me levaria pra casa, dentro de
poucas horas.
Estava muito ansioso, feliz e confesso, um pouco
triste também. Embora sentisse muita falta e precisasse
voltar para meu mundo, existia ali um mundo que me
amava de todo coração e alma, o qual, com certeza, me
traria muita saudade.
Após quase quatro horas de espera, fui chamado e
já, na entrada do grande disco voador, Luecy me disse:
— Desculpe as brigas. Jamais o esquecerei!
Abracei aquele amigo de metal, sabendo que ele
seria reprogramado e acabaria sim, me esquecendo; então
me dirigi ao senhor Frene, que estava muito triste.
Percebendo que ele não queria muita conversa, lhe pedi:
— Posso lhe dizer... pelo menos tchau?
— Não! — Negou ele.
Baixei a cabeça e segui lentamente para a nave,
mas ele se voltou e me abraçou chorando. Depois me
disse:
— Aqui também existem dores! Esta é uma delas!
— O senhor poderá me ver quando quiser! É só
ligar o computador!
— Lembre-se garotão: Se algum dia, você desistir
de lá, basta dizer que quer voltar, que eu mandarei te
buscar novamente. Seja o dia que for! Mesmo que neste
dia, você já tenha cinquenta anos de idade! Ou setenta!
Regis: um menino no espaço
211
— Nunca irei me esquecer do senhor!
— Daqui estarei acompanhando sua vida, em
todos os momentos que ela existir!
— Fico feliz em saber, que o senhor continuará
gostando de mim! Mesmo eu querendo ir embora!
— Eu te amo! E tenho orgulho de seu jeito firme
de querer as coisas! Não te condeno nunca!
— Se nossos mundos fosse mais perto, eu até que
poderia vir visitar vocês.
— Não é perto! Só o milagre da tecnologia, me fez
poder ir até você. Mesmo assim, foi muito complicado.
— O senhor e toda sua tec... tecno...
— Tecnologia! — Ajudou-me com a palavra difícil.
— O senhor poderia criar a máquina de transporte
e assim ficaria mais fácil de eu vir.
— Teletransporte, você quer dizer? Escaneamento
quântico!
— Não sei o nome! — Dei de ombros. — São
aquelas máquinas usadas em filmes de guerra no espaço.
— Aí eu desintegraria você em bilhões de
partículas atômicas em meu mundo e o reconstruiria em
seu quarto, lá na Terra?
— Seria legal! Eu poderia visitar o senhor e seu
mundo.
— E se alguns milhares dessas partículas se
extravias-sem no caminho? Você poderia, por exemplo,
sair daqui menino e chegar a seu mundo menina.
— Sai de mim!
— Ou faltando um dedo... uma perna talvez!
— É?
— Teletransporte, só é mesmo possível, na mente
de escritores criativos, nas estórias de ficção científica.
— Será?
Celso Innocente
212
— Se eu quisesse criar uma máquina de
escaneamento quântico, que o levaria à seu mundo, além
do perigo em você chegar lá deformado, a energia que eu
teria que empregar, seria grande o suficiente para destruir
meu querido mundo imortal.
— É?
— Além do mais, para que nada desse errado no
momento do escaneamento, você teria que ficar completa-
mente imóvel, para não haver nenhuma falha na
reconstituição de sua matéria. Um simples pulsar de seu
coração teria consequências drásticas.
— Posso pedir outra coisa?
— Claro!
— O senhor vai continuar me observando na
Terra. Certo?
— Sempre!
— Poderia me dar privacidade, quando eu estiver
no banheiro? Ou trocando de roupa?
— Vou ver o que posso fazer! — Riu ele. — Não
tenho interesse em vê-lo no banheiro! Não em seus
momentos de necessidades fisiológicas!
— Hem!
— Vou respeitar sua lua de mel com a Beth! — Riu
ele.
Dei-lhe um beijo na face.
— Uma coisa é certa: faz um ano terrestre que
você está conosco e agora, ao voltar, se você falar que
esteve aqui, ninguém acreditará... Ou melhor, apenas um
amigo acreditará e fará deste fato, um relato pra
prosperidade. Ou quem sabe, você mesmo faça tal relato!
Pouco depois, estava dentro daquela nave ultra
veloz, cortando a barreira do espaço sideral e só, trinta
dias susterianos depois, dia dezessete de Fevereiro, do
Regis: um menino no espaço
213
ano de um mil novecentos e oitenta e um, pouco depois
das dez horas da noite (dia e horário de Brasília), estava
na cabine com os dois susterianos.
— Estamos na fronteira da órbita terrestre. —
Insinuou Tony. — A cento e noventa mil metros de
altitude. Vamos lhe conceder um presente, antes de
entrega-lo à sua família.
— Que presente? — Especulei-o
— Vamos fazer com você, uma viagem de apenas
uma volta e meia, na órbita da Terra.
— Pra quê? — Admirei.
— O que você vê agora? Olhando para o espaço
sideral?
— Muito bonito! — Confirmei.
E era. Apesar de ser dia, naquela região da Terra
em que estávamos (a Ásia), acima da atmosfera, o espaço
sideral se fazia negro impenetrável, com a visão de
milhões de estrelas; abaixo, a mais bela paisagem da
Terra, jamais vista para a grande maioria dos seres
humanos. Uma Terra totalmente azul clara, com alguns
pontos de brancos e raros pontos marrons ou verde.
— Vamos lhe mostrar as geleiras nos polos. Uma
terra totalmente branca. Vamos lhe mostrar o nascer e o
por do Sol.
— Não quero! — Neguei convicto.
— Nenhum ser do seu mundo, jamais fez esta
viagem, Regis.
— Não importa. Quero ver meus pais!
— Serão apenas cento e trinta e cinco minutos dos
seus, em uma viagem inesquecível.
— Já fiz uma viagem inesquecível!
— Neste momento estamos do lado oposto do
Brasil, na região que vocês chamam de países asiáticos.
Celso Innocente
214
— Por quê?
— Pra que você se deslumbre com o nascer do Sol.
Já que tem pressa, em quarenta e cinco minutos te
deixaremos em casa.
— Por que perto da Terra, a viagem demora tanto?
— É um passeio!
E assim, viajando em sentido oposto ao da órbita
da Terra, era como se viajássemos com o relógio em anti-
horário, podendo aos poucos perceber uma faixa de terra
mais escura e outra mais clara, indicando que neste
trecho, estaríamos nos escondendo do Sol que nascia
naquela região, por volta de cinco horas da manhã.
Mais alguns minutos e já podíamos perceber a
Terra totalmente escura, ao que seriam quatro horas.
Se continuássemos viajando assim, a cada
quarenta e cinco minutos, nos depararíamos com uma
fase diferente do Sol, alternando entre Sol nascente e Sol
poente, fazendo nos vislumbrar com esta grande
maravilha da natureza, trinta e duas vezes ao dia.
A beleza de tal espetáculo era tanta, que faria
quaisquer dos mais incrédulos ateus do mundo, levantar
seus olhos aos céus e bendizer: “Obrigado meu Deus, por
me conceder um mundo maravilhoso, onde eu possa
existir”.
Já que eu recusei uma viagem completa, sem
assistir a outra parte desse espetáculo (o por do Sol),
quase onze horas da noite, descia em um campo de
futebol infantil, tamanho quase oficial, construído por
mim mesmo, meus irmãos e amigos de aventuras em
terreno baldio, praticamente em frente minha casa,
centenas de metros do local onde, há quase um ano atrás,
fôra sequestrado.
Regis: um menino no espaço
215
Após desembarcar, a porta do tal disco se fechou
rapidamente e ele desapareceu em poucos segundos,
talvez, para sempre.
Dali, em passos rápidos, ainda assustado e sem
acreditar, segui para casa. Meu coração batia forte,
ansioso e feliz.
Um minuto depois, bati na porta de casa.
Demorou um pouco, pois todos já dormiam, mas ela se
abriu...
...Pensando ser um sonho bonito, MAMÃE ME
ABRAÇOU, CHORANDO DE FELICIDADE.
FIM
Celso Innocente
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Regis: um menino no espaço
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O autor:
Eu, Celso Aparecido Innocente, nasci aos 25 de
junho de 1958, no Bairro do Degredo, município de
Penápolis, estado de São Paulo. Desde muito jovem, gosto
de escrever diferentes tipos de histórias ou estórias, nunca
soube diferenciar uma da outra. Após mais de trinta delas
já escritas, resolvi pular para uma de ficção no espaço,
mesmo sabendo da real complicação que seria uma longa
viagem interplanetária, devido muitos fatores, tais como,
a longa distância, a qual nos custaria centenas de anos
para conseguir chegar, mesmo em um planeta do sistema
Solar, pois, mesmo que conseguíssemos uma nave
supersônica, capaz de atingir velocidades incríveis, o
material a qual ela fosse construída, não suportaria esta
velocidade, vindo a se desintegrar. Alem do mais, o
tempo no espaço, devido tal velocidade, passaria tão
Celso Innocente
218
rápido, que uma pessoa, saindo da Terra, deixando aqui
um bebê, com certeza, ao retornar, ele ainda estaria
jovem, mas o bebê, já estaria idoso.
Muitos outros fatores deixam uma viagem desta,
muito complicada: a falta de um combustível suficiente, a
alimentação de seus tripulantes, água potável, banho,
rota, colisão com outros materiais no espaço. Etc.
Mesmo assim, sentindo o quanto é divertido uma
viagem espacial, resolvi contar um pouco de uma
aventura de um garoto de nove anos de idade, sendo
levado a um mundo imortal e belo, protegido pelo
mesmo Deus, Criador do Céu e da Terra. Mas é natural
que ele não se sentia feliz neste lugar, pois todos os que
ele tanto ama, ficara aqui entre nós.
Finalizando, espero que gostem desta pequena
passagem de meu amigo Regis, por um mundo lindo e
imortal.
Para referências acessem:
www.innocent3.wix.com/celso
www.hino100t.jimdo.com
www.facebook.com/hino100t
www.Celsoinnocente.blogspot.com.br
Regis: um menino no espaço
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O u t r o s t r a b a l h o s
Alma inocente 1980
Os três Patotas em: O seqüestro 1980
Um menino chamado “Innocente” 1980
Adolescentes sexuais 1982
O grande palco da vida 1982
Mensagens de esperança 1983
Simplesmente um artista 1983
Teatral: triste fatalidade 1983
Caso verdade: Leucemia 1985
Pensamentos de parede 1988
Regis, um menino no espaço 2012
Um menino no espaço, 2ª parte 2012
O retorno do menino do espaço 2012
Menino anjo 2012
Anjo da cara suja 2013
Regis um menino do planeta Terra 2013
Sanguinário imortal 2014