Regionalismo e literatura em MT
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REVISTA DE LETRAS NORTE@MENTOS ISSN 19838018
A POESIA EM MATO GROSSO: A CRÍTICA DE CARLOS GOMES DE CARVALHO
Gisleny Antonia de Jesus Rondon1
Rosana Rodrigues da Silva2
Na intenção de fornecer um amplo e variado painel da história da poesia de Mato Grosso, o
poeta e crítico Carlos Gomes de Carvalho selecionou formas e estilos de mais de uma centena de
poetas mato-grossenses no período de duzentos anos.
Vencendo as barreiras de acesso às publicações do século passado, o crítico recolheu dos
antigos números das revistas do Centro Mato-grossense de Letras e da Academia Mato-grossense de
Letras poemas ainda inéditos e pôde realizar um trabalho de garimpagem, incluindo o primeiro
poema produzido no Estado; redescobrindo poemas de autores desconhecidos do grande público ou
pouco conhecidos na atividade de poeta. O leitor pode visualizar um percurso histórico das
principais representações do gênero poético que marcaram a atividade literária do escritor mato-
grossense.
O crítico considera mato-grossense não apenas os natos, mas igualmente aqueles que aqui
produziram literatura, o que lhe possibilitou incluir nomes como o do poeta catalão Dom Pedro
Casaldáliga, poeta de inegável identidade amazônida e que compõe o quadro das poéticas mato-
grossenses.
A questão polêmica sobre a adjetivação mato-grossense não é ignorada pelo crítico que opta
por manter o termo, diante das particularidades da produção literária do Estado. Analisando essa
questão, Antonio Candido (2000) observou que se não existe literatura paulista, gaúcha ou
pernambucana, há sem dúvida uma literatura brasileira manifestando-se de forma diferenciada em
diferentes Estados.
_______________________________________________________
1 Acadêmica do curso de Letras. Bolsista PROBIC/CNPq, com o projeto A poesia publicada em periódicos mato-grossenses, O Pharol e A cruz (1910 a 1930): a cultura regional no meio jornalístico.2Orientadora; professora do Departamento de Letras da UNEMAT, Campus de Sinop. Pesquisadora do Projeto Identidade e Literatura; a importância de periódicos em regiões periféricas do Brasil.
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A crítica de Carlos Gomes expressa essa diferenciação no tratamento da literatura de Mato
Grosso, revelando nos poetas estudados particularidades de uma poética que nasce em um contexto
periférico e que tem na expressão literária o empenho que move as culturas emergentes.
Se entendermos a literatura como parte de uma expressão mais ampla da cultura, conforme
nota Carlos Gomes, os documentos informativos, entre os quais a Ata de Fundação do Arraial de
Bom Jesus do Cuiabá (1719), constituem já o nascimento de uma literatura regional.
O empenho historicista do crítico decorre de sua preocupação com a relação entre literatura
e sociedade, movido pela consciência de que toda contextualização necessita de uma abordagem das
obras em sua relação com marcos culturais e históricos, como por exemplo, a imprensa e os meios
de circulação jornalística. Desse modo, o autor volta-se para o estudo da influência social e política
no meio cultural, recuperando nomes de jornais e autores, influentes na política.
A partir de meados do século XIX, surgem no Estado periódicos que, além das informações
locais e políticas, apresentam espaço dedicado à publicação de poemas. No século XX, com as
transformações na sociedade e o conseqüente aumento da população, a imprensa demonstra maior
preocupação com as produções literárias e culturais da região.
Grande parte dos escritores que contribuíram com essas produções tinha uma vida política
ativa. Inevitavelmente, os temas abordados nos textos poéticos eram em maior parte políticos. Há
ainda que se considerar as influências clericais que foram responsáveis pelos periódicos de
iniciativa da Igreja. Em oposição a esses jornais surge A Reação, um periódico combativo e
anticlerical. Na contra reação, foi lançado o jornal A Cruz, que contrapôs a pregação laica, por
iniciativa do órgão da Liga Católica, criada por frei Ambrósio Daydé.
Surge como expressão do Grêmio Literário Julia Lopes, fundado em 1916, a revista A
Violeta, publicação exclusivamente cultural. Outra revista que merece ser lembrada é A
Civilização, fundada por Perci Alves, em 1934. Todos esses periódicos deram importante
contribuição para a formação de um público leitor de poesia e para o desenvolvimento de nossa
literatura.
As agitações políticas, religiosas e sociais, precursoras da Abolição e da República,
influenciaram um período que, segundo o escritor cuiabano José de Mesquita, constituiu notável
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incremento intelectual. No ano de 1919, contamos com a Fundação do Instituto Histórico de Mato
Grosso. Dois anos depois, seus criadores fundaram o Centro Matogrossense de Letras que
possibilitou uma organização da vida intelectual e literária dos adeptos das Letras da região,
tornando-se, mais tarde, na Academia de Letras.
A abordagem histórica é de extrema importância para o crítico que considera a influência
dos fatores sociais no aumento e na valorização das produções literárias, como também a resposta
que as obra dão ao seu público, interferindo em sua formação. A crítica de Antonio Candido (2000)
ensina observar não apenas a influência da sociedade na literatura, mas o inverso: ver como a
literatura influi no meio social. O estudo sociológico da literatura auxilia na compreensão da
formação e do destino das obras e, conseqüentemente, no sentido da própria criação.
Carlos Gomes atenta para o contexto de formação da literatura mato-grossense, em
diferentes momentos, extraindo desse contexto justificativas da essência da obra e do destino dessa
produção.
No segundo capítulo, o autor dedica-se à análise dos “personagens e o seu tempo”,
referindo-se ao século XIX como o período dos românticos, ou de “como a poesia percorre as vielas
cuiabanas”. Apresenta-nos José Zeferino de Mendonça, português que viveu em Mato Grosso e aqui
produziu alguns poucos versos, o que dificulta determinar com exatidão a escola literária a que
pertenceu. O crítico aproxima o poeta da etapa final do Arcadismo ou mesmo do Pré-Romantismo.
Essa classificação elástica e pouco demarcada da periodização da literatura em Mato Grosso é
justificada pelo crítico que vê com naturalidade o sincretismo de correntes estéticas no contexto
regional. Conforme o autor, se o entrecruzamento existiu em âmbito nacional, jamais poderia ter
sido diferente na província.
A contextualização do Romantismo é feita diante das expressões da nova ordem social
existente, confirmando que a escola romântica no Brasil ganhou contornos próprios, diferenciados
de suas fontes inspiradoras européias. Sobre o Romantismo no Estado, Carlos Gomes afirma que a
escola se fez presente predominantemente no gênero poético, relatando que o Romantismo reinou
de forma soberana sobre todos os demais gêneros literários, tanto em quantidade como em
qualidade.
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Considerado como introdutor do Romantismo e como o primeiro importante poeta do
Estado, está Antônio Cláudio Soído, oficial da Marinha que chegou ao Mato Grosso em 1857,
mostrando grande apego pela terra que o acolheu. Depois desse poeta, surgiram outros cultores da
poesia, como Antônio Augusto Ramiro de Carvalho, o primeiro poeta nascido em Mato Grosso.
Com uma poesia satírica e mordaz, o poeta destacou-se como um atuante propagandista
republicano.
Carlos Gomes apresenta, de forma sucinta, a produção de importantes nomes da poesia
mato-grossense neste período de formação. Entre os poetas comentados, o crítico destaca a
participação do carioca Antônio Gonçalves de Carvalho que veio muito jovem para Cuiabá; exerceu
a função de jornalista e tornou-se político de grande influência. O cuiabano Amâncio Pulquério de
França comerciante, jornalista e advogado publicou crônicas e poesias em jornais, sob pseudônimo
de Palmiro. Também o cuiabano José Thomaz de Almeida Serra, falecido ainda jovem com 23 anos,
destacou-se pela freqüente expressão audaciosa e com a divulgação do soneto Câmara Virgem. Foi
considerado, pelo também poeta José de Mesquita, como “aquele que, melhor que nenhum outro,
encarna o Romantismo em Mato Grosso”.
Sobre as primeiras décadas do século XX, Carlos Gomes descreve a situação nacional dos
estilos parnasianos. A tentativa de descrever de forma objetiva a natureza, as evocações da história e
de teorias filosóficas passam a compor as características do estilo. As liberdades técnicas são
proibidas e o ritmo adquire maior importância. Os simbolistas surgiram, assim como os românticos,
como reação aos parnasianos, procurando instalar uma estética baseada na subjetividade, no
mistério e na fluidez dos sentidos. Contudo, o crítico chama a atenção para a persistência do estilo
romântico que perdura entre os modernos, identificando singularidades da poética mato-grossense.
Sabemos, como ensina Candido (2000), que os valores e ideologias contribuem
principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma.
Em momento de transformações políticas importantes, a poética matogrossense não poderia deixar
de tematizar conteúdos dessa natureza.
Com o surgimento da República, o Estado passa por um momento de efervescência cultural.
Os assuntos políticos influenciam a sátira que passa a constituir um gênero bastante presente nas
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produções poéticas. Surgem jornais e revistas ligados às facções partidárias. A ironia, a chalaça e a
sátira contra os governantes destacam-se como características marcantes dos literatos do período.
Muitos dos poetas destacados tinham um público cativo e faziam das sátiras armas de combate
político. Os poemas publicados em jornais destinavam-se à sociedade cuiabana, interessada nos
fatos políticos e assuntos cotidianos. Justifica-se, desse modo, a presença de datas e referências ao
momento histórico nos poemas dos periódicos. A influência decisiva do jornal sobre a literatura
despertou novos gêneros, como a crônica, ou mesmo modificando outros, como o romance.
Poetas como o Frederico Prado de Oliveira, que mais usualmente assinava o pseudônimo Zé
Capilé, combatiam o governo de forma contumaz, com versos satíricos. Entretanto, influenciados
pelo clima romântico, a poética do momento não poderia deixar de revelar traços da sensibilidade
romântica. É grande a leva de poetas do Parnasianismo citados pelo crítico, o que confirma a
preferência dos autores pelo trabalho formal com o poema. Dos parnasianos citados, o crítico
enfatiza a trajetória literária de Francisco de Aquino Corrêa e José Barnabé de Mesquita, tanto pelo
maior volume de obras quanto pela qualidade.
Alguns poetas classificados como parnasianos também foram estudados como simbolistas e
modernistas. O Sincretismo não foi um movimento literário, porém propiciou o advento da
modernidade em nossa literatura. Vários profissionais destacaram-se na poesia e participam
ativamente da vida cultural do Estado, atravessando as fronteiras de uma escola literária para outra.
Em Mato Grosso, o Modernismo chegou com atraso, buscando superar a resistência da
poética romântica, parnasiana e simbolista. Entre os escritores atuantes na modernização, está o
escritor Rubens de Mendonça, participante ativo na imprensa e divulgador do ideário do futurismo e
das propostas de renovação trazidas na Semana de Arte Moderna. Influenciados pelos modernistas
de São Paulo, os jovens intelectuais mato-grossenses formaram o jornal Pindorama, lançado em
1939.
Em 1949, são lançadas no mesmo ano as revistas Ganga e O Arauto da Juvenília, periódicos
que, depois de Pindorama, deram valorosa contribuição ao Modernismo mato-grossense. O
movimento teve a participação de autores conhecidos no meio cultural e político do Estado, tais
como Rubens de Mendonça, Rubens de Castro, Agenor Ferreira Leão, João Antônio Neto, Gervásio
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Leite, Newton Alfredo e Manoel de Barros. Contudo, muitos desses autores não se firmaram como
poetas, em sentido estrito. De todos, Manoel de Barros foi o autor que mais se destacou, não apenas
na literatura de Mato Grosso, mas em todo o contexto nacional.
Na análise de Carlos Gomes, Lobivar Matos foi o primeiro poeta de Mato Grosso integrado
no espírito de liberdade poética do Modernismo. Embora não tenha permanecido no Estado, soube
incorporar os elementos regionais, da paisagem e do ser humano, revelando uma poesia autêntica e
talentosa de alguém que soube dar expressão a um sentimento local.
Sobre a produção contemporânea, na condição de crítico e poeta, Carlos Gomes observa que
ainda que os meios de comunicações tenham aumentado, não houve facilitação ou maior estímulo
para a produção literária. Na análise desse período, o crítico atenta para o fato dos autores ainda
estarem em fase de formação de estilo e que, por essa razão, a crítica atual pode cometer equívocos.
Entre os nomes que se tornaram expressivos a partir dos anos 60, o autor destaca: Silva Freire,
Wladimir Dias Pino, Ricardo Guilherme Dick, Marilza Ribeiro, Newton Alfredo, Ivens Scaff,
Lucinda Persona, Pedro Casaldáliga, Geraldo Dias da Cruz, Weller Marcos, Odoni Grös e Carlos
Gomes de Carvalho.
O crítico encerra a apresentação da antologia, reconhecendo na força telúrica a linha
condutora que liga e amarra fortemente os poemas apresentados. Com isso, visualiza o que deve ser
a tendência das novas poéticas mato-grossenses e percebe que o liame temático possui raízes
antigas e está veiculado a uma tradição literária em Mato Grosso. A estética formatada nessas
circunstâncias livra o escritor da mera cópia, abrindo-lhe um horizonte de novas expressões, ainda
que enraizadas em uma tradição cultural. O crítico vê na sensibilidade e na razão, no saber e na
intuição as forças vivas a serviço do ser humano e de seu ambiente forças que poderão mostrar ao
artista os caminhos da criação.
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Referencias Bibiográficas:
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Estudos de Teoria e História literária. São Paulo: T. A. Queiroz editor, 2000.
CARVALHO, Carlos Gomes de. A poesia em Mato Grosso. Um percurso histórico de dois séculos. Cuiabá: Verdepantanal, 2003.
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