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221 Regime jurídico do combate ao terrorismo: os quadros normativos internacional, comunitário e português Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Mestre em Direito. Membro do Conselho Superior do Ministério Público Miguel Lopes Romão Secretário de Estado da Justiça João Tiago Silveira O presente texto visa fornecer alguma informação básica sobre os textos normativos fundamentais em matéria de luta contra o terrorismo no plano do direito internacional, do direito da União Europeia e do direito português, neste último campo quanto à recente legislação adoptada nesta matéria, em sede de adaptação do direito interno à Decisão-Quadro 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junho de 2002. Assim, percorre-se sucintamente o conteúdo das várias convenções internacionais que, no quadro das Nações Unidas e organizações internacionais da sua esfera, foram elaboradas em matéria relacionada com o terrorismo, aludindo-se ainda a eventuais convenções futuras que nesta sede têm vindo a ser preparadas. Em seguida referem-se brevemente convenções internacionais que, nos vários quadros regionais, foram sendo adoptadas em matéria de luta contra o terrorismo. Segue-se uma referência ao regime da luta contra o terrorismo na União Europeia, mencionando especialmente o papel da Decisão-Quadro 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junho de 2002 e a Posição Comum 2001/ /931/PESC, do Conselho da União Europeia, de 27 de Dezembro de 2001. É depois referido o tratamento que o nosso direito deu àquela decisão-quadro, dando conta da legislação nacional aprovada para efeito da sua adaptação ao quadro nacional, bem como algumas questões que a esse propósito se podem colocar. Termina-se com uma breve nota sobre o que possam vir a ser os futuros desenvolvimentos do regime internacional da luta contra o terrorismo.

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Regime jurídico docombate ao terrorismo:os quadros normativosinternacional, comunitárioe português

Assistente da Faculdade deDireito da Universidade deLisboa e Mestre em Direito.Membro do Conselho Superiordo Ministério Público

Miguel Lopes Romão

Secretário de Estado da Justiça

João Tiago Silveira

O presente texto visa fornecer alguma informação básica sobre os textos normativos fundamentais em matériade luta contra o terrorismo no plano do direito internacional, do direito da União Europeia e do direitoportuguês, neste último campo quanto à recente legislação adoptada nesta matéria, em sede de adaptação dodireito interno à Decisão-Quadro 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junho de 2002.

Assim, percorre-se sucintamente o conteúdo das várias convenções internacionais que, no quadro das NaçõesUnidas e organizações internacionais da sua esfera, foram elaboradas em matéria relacionada com o terrorismo,aludindo-se ainda a eventuais convenções futuras que nesta sede têm vindo a ser preparadas.

Em seguida referem-se brevemente convenções internacionais que, nos vários quadros regionais, foram sendoadoptadas em matéria de luta contra o terrorismo.

Segue-se uma referência ao regime da luta contra o terrorismo na União Europeia, mencionando especialmenteo papel da Decisão-Quadro 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junho de 2002 e a Posição Comum 2001//931/PESC, do Conselho da União Europeia, de 27 de Dezembro de 2001.

É depois referido o tratamento que o nosso direito deu àquela decisão-quadro, dando conta da legislação nacionalaprovada para efeito da sua adaptação ao quadro nacional, bem como algumas questões que a esse propósito sepodem colocar.

Termina-se com uma breve nota sobre o que possam vir a ser os futuros desenvolvimentos do regime internacionalda luta contra o terrorismo.

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This text will supply some basic information on fundamental legislation relating to the fight against terrorismwithin the area of international law, European Union law and Portuguese law. As regards the latter, thisincludes recent legislation adopted in this area, by adapting Council Framework Decision 2002/475/JHA of13 June 2002 to Portuguese law.

A brief overview is made of the content of several international conventions drawn up within the frameworkof the United Nations and of the international organisations under its aegis on matters concerning terrorism,whilst reference is also made to future conventions that are being prepared in this area.

We then take a look at international conventions concerning the fight against terrorism that have been adoptedin the various regional frameworks.

This is followed by reference to the law on the fight against terrorism in the European Union, with particularreference to Council Framework Decision 2002/475/JHA of 13 June 2002 and Council Common Position2001/931/CFSP of 27 December 2001.

We then refer to the treatment that Portuguese law has given to the Framework Decision, giving informationon the national legislation approved to adapt it to our national framework, and on certain issues that are raisedin this respect.

We end with a short note on what may be the future developments in international law concerning the fightagainst terrorism.

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I. Introdução

O terrorismo está, hoje em dia, entre as preo-cupações mais relevantes nas políticas de defesae segurança dos Estados e na agenda das organi-zações internacionais, na sequência dos atenta-dos de 11 de Setembro de 2001 nos EstadosUnidos da América e das guerras no Afeganis-tão e no Iraque, que, de um modo mais ou me-nos directo e independentemente dos seus re-sultados, acabaram por resultar também comoesforços de prevenção e repressão do terrorismointernacional. A preocupação com o terrorismoreentrou na Europa Ocidental, onde, sem pre-juízo das situações específicas da Irlanda doNorte e do País Basco (e, em menor dimensão,da Córsega, da Grécia e da Itália), os cidadãosnão se sentiam confrontados directamente como receio de atentados, vistos quase como fenó-meno típico do Médio Oriente, pelos menosdesde as décadas de 60 e 70 do século passado.

O terrorismo de feição internacional volta aestar na agenda dos Governos e, passado ummomento em que a defesa e a segurança dosEstados funcionaram como primeira resposta,é agora tempo de procurar que a justiça possaconfigurar-se como efectiva e adequada repres-são do fenómeno, mas também como pilar deprevenção.

Assim, acaba-se por assistir hoje à necessi-dade de uma releitura do terrorismo pelo Di-reito que por vezes resulta em injustiça peloscânones tradicionais do Estado de Direito(como no caso dos prisioneiros de Guantana-mo), mas que tem obrigado, nomeadamente,a uma avaliação do modo como o terrorismodeve ser encarado pelos sistemas jurídico-pe-nais dos Estados1.

Esta passagem para o prisma da justiça e dodireito implica a alteração do elemento essen-cial no problema – para o direito, e em especialpara o direito penal, já não existe de certo modoum “terrorismo” difuso, mas subsiste o “terro-rista”, com a sua intenção e a sua conduta con-creta, individuais e mensuráveis2.

Neste quadro, o presente texto visa, sem pre-tensões de exaustividade ou de apurada pro-blematização, oferecer ao leitor o acesso aos tex-tos legislativos básicos em matéria de lutacontra o terrorismo em sede de direito interna-

cional, direito da União Europeia e, particular-mente, quanto a recentes desenvolvimentos donosso direito nacional visando a concretizaçãode parte destes instrumentos.

II. O direito internacional

1. O regime convencional multilateralgeral

a) Convenção Referente às Infracções e aCertos Outros Actos Cometidos a Bordo deAeronaves, assinada em Tóquio, a 14 de Se-tembro de 1963 (Convenção de Tóquio)

A Convenção Referente às Infracções e a Cer-tos Outros Actos Cometidos a Bordo de Ae-ronaves foi elaborada no âmbito da Organiza-ção da Aviação Civil Internacional (ICAO),tendo sido aprovada no nosso direito atravésdo Decreto-Lei n.º 45904, publicado na I Sériedo Diário do Governo de 5 de Setembro de 1964.O instrumento de ratificação foi depositado a25 de Novembro de 1964 (aviso publicado naI Série do Diário do Governo n.º 297, de 21 deDezembro de 1964).

Estamos perante a mais antiga convençãomultilateral geral em vigor que aborda matériarelativa ao terrorismo do ponto de vista do di-reito internacional.

Quais são os seus aspectos mais relevantes?Desde logo, é de referir o facto de a Conven-

ção não mencionar directamente actos que pos-sam ser qualificados como actos “terroristas”ou praticados por “terroristas”, mas antes ac-tos que classifica como “infracções”. Ou seja,estamos perante um texto convencional que,apesar de, materialmente, regular actos e maté-ria relativos à repressão do terrorismo, não re-fere directamente que é essa a matéria versada.

O principal propósito da convenção é regularos ilícitos cometidos a bordo de aeronaves,quando as mesmas não se encontrem no Esta-do de onde são originárias. O objectivo é, pois,regular as infracções às lei penais dos Estadossignatários cometidas a bordo de aeronaves,bem como outras infracções que, não constitu-indo infracções de acordo com o direito desseEstado, “possam pôr ou ponham em perigo asegurança da aeronave, ou das pessoas ou bens,

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ou que ponham em perigo a boa ordem e adisciplina a bordo” (n.os 1 e 2 do artigo 1.º).

Portanto, a convenção é aplicável quando umaaeronave originária de um Estado não se en-contre nesse Estado. No texto convencional, opropósito é disciplinar as infracções cometidasquando a aeronave se encontre “em voo, querà superfície do alto-mar ou à de outra zona si-tuada fora do território de qualquer Estado”.

Qual o conteúdo específico da convenção e,em concreto, que aspectos são abordados noâmbito dessa “regulação” dos ilícitos cometi-dos a bordo de aeronaves?

Em matéria de jurisdição, são adoptadas dis-posições de relevância indiscutível, desde logoporque se refere que compete ao Estado onde aaeronave se encontra registada conhecer as in-fracções cometidas a bordo (n.º 1 do artigo 3.º).Note-se que, contudo, há vários casos em queum Estado terceiro, que não seja o do registo daaeronave, pode perturbar o voo da aeronave como fito de exercer a acção penal por um acto pratica-do a bordo. Essas situações encontram-se descri-tas no artigo 4.º, destacando-se a possibilidadede tal suceder quando isso seja necessário por ainfracção afectar a segurança do Estado promotordessa acção e quando a infracção tenha sido come-tida por ou contra um nacional desse Estado.

Além disto, acolhe-se um conjunto de dis-posições importantes quanto aos poderes docomandante da aeronave, sendo de salientar apossibilidade de adoptar medidas coercivas ede desembarque de infractores ou eventuaisinfractores em qualquer Estado onde a aerona-ve aterre, para efeitos de garantia da segurança abordo da aeronave (artigos 6.º, 8.º e 9.º).

O artigo 11.º adopta uma providência quetem muito directamente a ver com o exercíciode actos terroristas contra aeronaves civis, refe-rindo-se à apropriação ilícita de aeronaves. Aquise dispõe que os Estados signatários se com-prometem a tomar todas as providências quese considerem necessárias para restabelecer ocontrolo da aeronave pelo seu comandante,quando uma pessoa perturbar esse controlo.

A convenção contém ainda um conjunto dedisposições sobre o destino a dar a alguém de-sembarcado pelo comandante de uma aerona-ve, nas situações em que este esteja legitimadopara o fazer (artigos 12.º e ss.).

b) Convenção para a Repressão da Captu-ra Ilícita de Aeronaves, assinada em Haia, a16 de Dezembro de 1970 (Convenção da Haia)

Esta convenção, também elaborada no âm-bito da ICAO, foi aprovada pelo nosso direitointerno através do Decreto n.º 386/72, publica-do na I série do Diário do Governo de 12 de Ou-tubro de 1972, e o instrumento de ratificaçãodo Estado português foi depositado a 27 deNovembro de 1972 (aviso publicado na I Sériedo Diário do Governo (suplemento) n.º 299, de27 de Dezembro de 1972).

O âmbito material desta convenção é seme-lhante ao da Convenção de Tóquio anterior-mente analisada, pois também se refere aocombate a infracções cometidas através deum acto de aprisionamento de uma aeronave.A principal diferença reside na circunstância deeste texto ser essencialmente dirigido à repres-são penal contra esses actos, ao passo que aConvenção de Tóquio se centra mais nas for-mas de fazer cessar, no imediato, um qualqueracto ilícito (e não apenas a captura ilícita) deuma aeronave.

Assim, e como aspecto central, determina-seque os Estados-partes se comprometem a pu-nir com severas penas o acto de captura ilícitade aeronaves (artigo 2.º), assumindo todos elesque se procederá à detenção do presumível au-tor desses actos e à notificação desse facto aosEstados da nacionalidade da pessoa detida, damatrícula da aeronave e a outros Estados inte-ressados (artigo 6.º).

Igualmente, acolhe-se um dispositivo de en-treajuda judicial entre Estados contratantes (ar-tigo 10.º), bem como uma obrigação de desen-volvimento de todos os esforços apropriadospara restabelecer o controlo de uma aeronavepelo respectivo comandante, quando esse co-mando tenha sido posto em causa (artigo 9.º).

c) Convenção para a Supressão de ActosIlícitos contra a Segurança da Aviação Ci-vil, assinada em Montreal, a 23 de Setem-bro de 1971 (Convenção de Montreal)

A Convenção para a Supressão de Actos Ilíci-tos contra a Segurança da Aviação Civil, igual-mente preparada no âmbito da ICAO, foi apro-vada pelo Decreto n.º 451/72, publicado noDiário do Governo de 14 de Novembro de 1972.

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O instrumento de ratificação a ela respeitantefoi depositado a 15 de Janeiro de 1973 (Avisopublicado na I Série do Diário do Governon.º 100, de 28 de Abril de 1973).

O âmbito material desta convenção é, umavez mais, semelhante ao das duas anteriores,embora a mesma se refira a um conjunto deilícitos bem mais amplo do que a mera “captu-ra de aeronaves” abordada na Convenção daHaia de 1970.

Também aqui se encontram disposições quan-to à definição de infracção penal (artigo 1.º), àobrigação de punir severamente o infractor, àdetenção de presumíveis infractores (artigo 6.º)e ao seu julgamento ou extradição (artigos 7.º e8.º) e à assistência entre Estados em matéria deinvestigação criminal para perseguir este tipode infracções.

d) Convenção sobre Prevenção e Repres-são de Crimes contra Pessoas gozando deProtecção Internacional, incluindo os Agen-tes Diplomáticos, adoptada em Nova Ior-que, a 14 de Dezembro de 1973

Esta convenção foi aprovada pela Assembleiada República através da Resolução n.º 20/94,publicada na I Série-A do Diário da República, de5 de Maio.

No acto de aprovação, foi formulada a se-guinte reserva pelo Estado português (artigo2.º): “Portugal não extradita por facto punívelcom pena de morte ou com pena de prisão per-pétua segundo a lei do Estado requerente nempor infracção a que corresponda medida de se-gurança com carácter perpétuo”.

A presente convenção foi ratificada pelo Pre-sidente da República através do Decreto n.º 22//94, publicado na I Série-A do Diário da Repú-blica, de 5 de Maio e o instrumento de adesãofoi depositado a 11 de Setembro de 1995 (Avi-so n.º 268/97, publicado na I Série-A do Diárioda República, de 20 de Setembro de 1997).

Esta convenção tem dois propósitos princi-pais: por um lado, criar um sistema de coopera-ção e troca de informações visando prevenir eevitar homicídios, raptos ou atentados contrapessoas que gozem de protecção internacionale, por outro, adoptar disposições de naturezarepressiva que imponham aos Estados a adop-ção de disposições sancionatórias nessa maté-

ria, bem como mecanismos que garantam aaplicação dessas penas.

Assim, em primeiro lugar, define-se quais sãoos actos abrangidos pelo texto convencional empresença (artigo 2.º). Em síntese, pode-se dizerque a convenção versa sobre homicídios, tenta-tiva de homicídios, raptos e outros atentadoscontra Chefes de Estado, chefes de Governo,ministros de Negócios Estrangeiros e outrosoficiais de um Estado-parte (artigos 1.º e 2.º).

Depois, em segundo lugar, a convenção con-tém normas destinadas a prevenir a prática des-ses actos. Veja-se, por exemplo, a adopção deregras relativas à troca de informações e coorde-nação de medidas administrativas destinadas aprevenir a prática desses actos (artigo 4.º).

Finalmente, a larga maioria dos artigos da con-venção versa sobre a repressão penal contra aprática de actos desta natureza e a forma de aefectivar quando exista uma conexão entre ele-mentos de vários Estados. Desta forma, consa-gra-se uma obrigação de adopção de “penas apro-priadas que tomem em consideração a suagravidade” (n.º 2 do artigo 2.º), obrigações decomunicação entre Estados quanto à presençade presumíveis autores no seu território (artigo5.º), obrigações de proceder judicialmente contraos autores desses actos que se encontrem no seuterritório (artigos 6.º e 7.º) ou de os extraditar(artigos 7.º e 8.º) e, finalmente, obrigações decooperação e entreajuda judiciária no desenvol-vimento do processo judicial (artigo 10.º).

e) Convenção Internacional contra a To-mada de Reféns, adoptada em Nova Iorque,a 17 de Dezembro de 1979

Trata-se de uma convenção aprovada pela As-sembleia da República através da Resoluçãon.º 3/84, publicada na I Série do Diário da Repú-blica, de 8 de Fevereiro. O aviso que dá nota dodepósito do instrumento de ratificação foi pu-blicado na I Série do Diário da República, de 17de Setembro de 1984.

A estrutura deste texto convencional é seme-lhante à da Convenção sobre Prevenção e Repres-são de Crimes contra Pessoas Gozando de Pro-tecção Internacional, incluindo os Agentes Di-plomáticos. Também aqui se adoptam provisõesdestinadas a prevenir a tomada de reféns e dispo-sições relativas à repressão penal desses actos.

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Assim, a convenção começa por definir o seuâmbito, esclarecendo o que se entende por uma“infracção de tomada de reféns” (artigo 1.º).Está aqui incluído o acto através do qual al-guém se “apodere de uma pessoa […], ou adetenha e ameace matá-la, feri-la ou mantê-ladetida com o fim de coagir um terceiro […] acometer uma acção ou dela se abster, como con-dição […] para a libertação do refém”.

Além disso, e como acima se refere, acolhem--se normas no sentido de prevenir a tomada dereféns que se traduzem, fundamentalmente,numa obrigação geral de adopção de medidaspara impedir esses actos e em obrigações detroca de informações e coordenação de medi-das administrativas (artigo 4.º).

Finalmente, aprovam-se regras sobre a repres-são da tomada de reféns. Em concreto, estabe-lece-se uma obrigação de estabelecer penas ade-quadas e normas sobre a competência paraconhecimento de infracções relacionadas coma tomada de reféns nos respectivos direitosinternos (artigos 2.º e 5.º), obrigações relacio-nadas com a detenção de infractores que seencontrem num determinado Estado-parte erespectivas comunicações a outros Estados (ar-tigo 6.º), obrigação de exercer a acção penal ouextraditar os autores de tomadas de reféns (ar-tigos 8.º, 9.º e 10.º) e, por fim, obrigações decooperação e auxílio judiciário entre Estados--partes (artigo 11.º).

Refira-se, por último, que desta convençãoconsta um artigo especificamente dedicado àprotecção de reféns e à melhoria da sua situação(artigo 3.º).

f) Convenção sobre a Protecção Física deMateriais Nucleares, assinada em Viena eNova Iorque, a 26 de Março de 1980

A presente convenção foi aprovada pela As-sembleia da República através da Resoluçãon.º 7/90, publicada na I Série do Diário da Re-pública, de 15 de Março. Foi ratificada pelo Pre-sidente da República através do Decreton.º 14/90, publicada na I Série do Diário daRepública, de 15 de Março, verificando-se, peloAviso n.º 163/91, ter sido depositado o ins-trumento de ratificação a 6 de Setembro de1991, publicado na I Série do Diário da Repúbli-ca, de 9 de Novembro de 1991.

A convenção em apreço não versa directamen-te sobre matérias relativas a terrorismo ou ac-tos terroristas. Com efeito, se podemos encon-trar na convenção anteriormente analisada sobretomada de reféns ou na Convenção sobre Pre-venção e Repressão de Crimes contra Pessoasgozando de Protecção Internacional, incluindoos Agentes Diplomáticos referências directas aactos que, materialmente, se podem caracteri-zar como actos de terrorismo, aqui o aspectocentral é a segurança na utilização, na importa-ção, na exportação e no transporte de materiaisnucleares (artigos 3.º, 4.º e 5.º).

Apesar disso, a convenção em apreço contémdisposições com relevância evidente na luta con-tra o terrorismo. De facto, são aqui adoptadasdisposições que visam evitar a utilização inde-vida de materiais nucleares e, particularmente,o furto ou roubo dos mesmos e a forma dereagir contra esse tipo de actos.

Assim, encontramos nesta convenção regrassobre formas de reacção contra desvio, roubo,furto de materiais nucleares e, especificamente,obrigações relacionadas com a sua recuperação(artigo 5.º). Além disto, prevê-se a obrigação deadopção de sanções penais para a prática de umconjunto de actos relacionados, como, por exem-plo, furto, roubo, desvio, dispersão, alienação,recepção de materiais nucleares (artigo 7.º).E também neste texto, à semelhança do referi-do quanto aos anteriores, existem normas so-bre a detenção de possíveis infractores, exercí-cio da acção penal ou extradição deles (artigos8.º, 9.º, 10.º e 11.º) e cooperação judiciária noprocesso penal respectivo (artigo 13.º).

g) Protocolo para a Repressão de Actos Ilí-citos de Violência nos Aeroportos ao Servi-ço da Aviação Civil Internacional, comple-mentar em relação à Convenção de Montreal,feito em Montreal, a 24 de Fevereiro de 1988

Este protocolo, concluído sob a égide daICAO, foi aprovado pela Assembleia da Repú-blica através da Resolução n.º 32/98, e ratificadopelo Presidente da República pelo Decreton.º 22/98, ambos publicados na I Série-A doDiário da República, de 17 de Junho, tendo o ins-trumento de ratificação sido depositado a 19 deDezembro de 2001 (Aviso n.º 32/2002, publicadona I série-A do Diário da República, de 6 de Abril).

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Estamos perante um texto convencional quetem como propósito complementar a Conven-ção para a Repressão de Actos Ilícitos contra aSegurança da Aviação Civil, feita em Montreal, a23 de Setembro de 1971, tratando-se esta deoutra convenção elaborada no âmbito da ICAO.

As principais alterações que lhe introduz res-peitam ao aperfeiçoamento da noção de infrac-ção penal, determinando que aqui se incluemas agressões contra pessoas ou instalações e ae-ronaves em aeroportos (artigo II) e à obrigaçãode perseguir criminalmente os infractores, oude extraditá-los.

h) Convenção para a Supressão de CertosActos Ilícitos contra a Segurança da Nave-gação Marítima, feita em Roma, a 10 deMarço de 1988

Esta convenção, realizada no âmbito da Or-ganização Marítima Internacional, foi aprova-da pela Assembleia da República através da Re-solução n.º 51/94, e ratificada pelo Presidenteda República através do Decreto n.º 66/94,ambos publicados na I Série-A do Diário da Re-pública, de 12 de Agosto. O depósito do instru-mento de ratificação ocorreu a 5 de Janeiro de1996 (Aviso n.º 117/98, publicado na I Série-Ado Diário da República, de 3 de Junho).

Foi formulada a seguinte declaração pelo Es-tado português: “Portugal considera, face aoseu ordenamento jurídico interno, que a entre-ga do suspeito a que se refere o artigo 8.º daConvenção só pode ter por fundamento a exis-tência de fortes suspeitas de aquele ter pratica-do algumas das infracções penais previstas noartigo 3.º e dependerá sempre de decisão judi-cial, não sendo admitida se ao crime imputadocorresponder a pena de morte”.

Mais uma vez, estamos face a uma convençãoque não diz directamente respeito a actos deterrorismo mas que acaba por incluí-los mate-rialmente, tendo em conta os comportamen-tos que aqui se pretende sancionar pela via pe-nal. De facto, basta ler o artigo 3.º para constatarque muitas das acções que aqui se visa proibirreconduzem-se a situações frequentemente re-lacionadas com o terrorismo. Veja-se, por exem-plo, que se pretende punir criminalmente quem“se aproprie ou exerça o controlo de um naviopela força ou ameace fazê-lo pela força ou por

outra forma de intimidação”, ou quem “des-trua um navio, ou cause avaria ao mesmo” (ar-tigos 3.º e 5.º).

À semelhança de outras convenções, aqui seconsagra uma obrigação de exercer a acção penalou extraditar infractores (artigos 7.º ss.) e decooperação e auxílio judiciário (artigo 12.º).Igualmente se encontra uma disposição relati-va à prevenção deste tipo de agressões (artigo13.º) e normas sobre troca de informações en-tre Estados (artigos 14.º e 15.º).

i) Protocolo Adicional para a Supressãode Actos Ilícitos contra a Segurança dasPlataformas Fixas Localizadas na Platafor-ma Continental, feito em Roma, a 10 deMarço de 1988

Este protocolo foi, em Portugal, aprovado,ratificado e depositado através dos mesmosactos e nas mesmas datas que a Convenção paraa Supressão de Certos Actos Ilícitos contra aSegurança da Navegação Marítima acima referi-da. À semelhança da convenção anteriormentereferida, o protocolo foi realizado no âmbitoda Organização Marítima Internacional.

A convenção estende disposições da Conven-ção para a Supressão de Certos Actos Ilícitoscontra a Segurança da Navegação Marítima àsinfracções previstas neste instrumento pratica-das contra plataformas fixas que se encontramdescritas no artigo 2.º.

É considerada plataforma fixa “toda a ilhaartificial, instalação ou estrutura ligada de for-ma permanente ao fundo do mar, com o ob-jectivo de exploração ou pesquisa de recursosou com outros fins de natureza económica”(n.º 3 do artigo 1.º).

j) Convenção sobre a Marcação dos Explo-sivos de Plástico para Efeitos de Detecção,assinada em Montreal, a 1 de Março de 1991

Esta convenção, preparada pela ICAO, foi apro-vada pela Assembleia da República através daResolução n.º 52/2002 e ratificada pelo Presiden-te da República através do Decreto n.º 32/2002,ambos publicados na I Série-A do Diário da Re-pública, de 2 de Agosto. O depósito do instru-mento de ratificação ocorreu a 9 de Outubro de2002 (Aviso n.º 102/2002, publicado na I Série--A do Diário da República, de 25 de Novembro).

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Uma vez mais se regula matéria que apenasindirectamente abrange actos em matéria de ter-rorismo. De facto, o principal propósito da con-venção é proibir o fabrico de explosivos nãomarcados (artigo II), o que abrange um con-junto de comportamentos que não tem apenasa ver com a prática de actos terroristas.

De qualquer forma, a convenção abrange com-portamentos materiais que envolvem a práticade actos de terrorismo e, nessa medida, interes-sa considerá-la para este efeito.

Já se disse que o principal propósito é proibiro fabrico e a entrada de explosivos não marcadosnos Estados-partes (artigo II e III). Igualmentese prevê a necessidade de adopção de controlosrigorosos sobre posse e transferência da possede explosivos não marcados e destruição outransferência dos mesmos para fins não incom-patíveis com os fins da convenção (artigo IV).

Além disto, cria-se uma Comissão TécnicaInternacional de Explosivos destinada a acom-panhar os avanços técnicos que se realizem emmatéria de fabrico, marcação e detecção de ex-plosivos (artigos V e ss.).

k) Convenção Internacional para a Re-pressão de Atentados Terroristas à Bomba,adoptada em Nova Iorque, a 15 de Dezem-bro de 1997

Esta convenção, adoptada pela AssembleiaGeral da ONU a 15 de Dezembro de 1997 eaberta para assinatura a 12 de Janeiro de 1998,foi aprovada no quadro interno pela Assem-bleia da República através da Resolução n.º 40//2001, publicada na I Série-A do Diário da Repú-blica, de 25 de Junho e ratificada pelo Presiden-te da República através do Decreto n.º 31/2001,publicado no mesmo Diário da República. O ins-trumento de ratificação foi depositado a 10 No-vembro de 2001 (Aviso n.º 31/2002, publicadona I Série-A do Diário da República, de 6 de Abril).

Estamos perante uma convenção que, ao con-trário de várias das anteriormente mencionadas,se refere directamente a actos terroristas. Simples-mente, não se visa regular em geral atentadosterroristas, mas antes um particular tipo de agres-sões desta natureza – as realizadas com bombas.

Também aqui se constata uma dupla preo-cupação de prevenção e repressão de condutase actos abrangidos no texto convencional.

Começa-se, no artigo 2.º, por estabelecer oâmbito de aplicação da convenção e os tipos deactos que ela pretende configurar como crime.Assim, aqui se incluem os actos de “qualquerpessoa que […] distribuir, colocar, descarregarou fizer detonar um explosivo […] dentro oucontra um local público, uma instalação do Es-tado ou pública, um sistema de transporte pú-blico ou uma infra-estrutura com o propósitode causar a morte ou danos físicos graves ou[…] obter elevados níveis de destruição […],sempre que dessa destruição resultar uma sig-nificativa perda económica ou fortes probabi-lidades de a causar […]”. Note-se que, alémdisto, os n.os 2 e 3 alargam a criminalização àtentativa e a outras situações e comportamen-tos que, de certa forma, contribuam para a rea-lização de atentados terroristas à bomba.

Depois, determina-se que os Estados devemadoptar as providências necessárias para quali-ficar tais condutas como crime e reprimi-las (ar-tigos 5.º e 6.º), exercer a respectiva acção penalou extraditar quem tenha praticado tais actos(artigos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e, bem assim, cooperarnas investigações e nos procedimentos crimi-nais e de extradição (artigo 10.º).

Além disto, prevê-se a possibilidade de trans-ferir quem se encontre detido ou a cumprir umapena num Estado para outro, se tal presençafor solicitada para prestação de depoimento,identificação ou realização de diligências proba-tórias, desde que se observem determinadascondições (artigo 13.º).

A convenção contém ainda um conjunto degarantias no exercício da acção penal e em sedede extradição. Assim, estabelece-se que, no exer-cício da acção penal, serão assegurados ao ar-guido todos os direitos de defesa (artigo 14.º).Igualmente, determina-se que não existirá obri-gação de extraditar ou conceder cooperação ju-diciária se o Estado em causa tiver razões paraentender que o pedido visa punir alguém combase em raça, religião, nacionalidade, origemétnica ou opinião política (artigo 12.º).

Finalmente, adopta-se um conjunto de pro-vidências em sede de prevenção de atentadosterroristas à bomba, como a proibição, por vialegislativa, de actuações e organizações que pos-sam encorajar, financiar, instigar ou organizaratentados desta natureza, a troca de informa-

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ções e coordenação de medidas administrativase de conhecimentos de natureza técnica e tecno-lógica (artigo 15.º).

l) Convenção Internacional para a Elimi-nação do Financiamento do Terrorismo,adoptada em Nova Iorque, a 9 de Dezem-bro de 1999

A presente convenção foi adoptada pela As-sembleia Geral da ONU a 9 de Dezembro de 1999.

A Assembleia da República aprovou esta con-venção através da Resolução n.º 51/2002 e oPresidente da República ratificou-a pelo Decre-to n.º 31/2002, ambos publicados na I Série-Ado Diário da República de 2 de Agosto, tendo orespectivo instrumento de ratificação sido de-positado a 18 de Outubro de 20023.

Também aqui se nos depara um texto con-vencional que versa directamente sobre o com-bate ao terrorismo, embora vise regular apenasuma parcela dessa matéria – o financiamentode organizações terroristas.

O artigo 2.º determina que constitui uma in-fracção a esta convenção a obtenção de financia-mento em duas situações: para a prossecuçãode um fim ou acto que constitua um acto ilícitonos termos de uma das convenções referidasno anexo à presente convenção4, ou para a prá-tica de um acto através do qual se cause a morteou uma ofensa corporal grave a um civil ou auma pessoa que não tome parte num conflitoarmado, com o propósito de intimidar a popu-lação ou coagir um Estado ou organização in-ternacional a praticar um acto. Note-se, contu-do, que a infracção aqui proibida é a obtençãode financiamento para uma organização quedesenvolva essas actividades, independente-mente do financiamento em concreto em causaser utilizado directamente para a prossecuçãodesses fins ilícitos (n.º 3 do artigo 2.º).

Os n.os 4 e 5 alargam o âmbito da actuaçãoilícita prevista no artigo 2.º a outras situações.Ficam assim contempladas a tentativa, compor-tamentos que contribuam para a obtenção dosfinanciamentos, a cumplicidade na obtenção dosfinanciamentos e a organização ou a induçãode terceiros à prática das infracções previstas(n.º 5 do artigo 2.º).

Os Estados-partes ficam assim obrigados aadoptar normas sancionatórias penais que con-

templem estas infracções (artigo 4.º) e a exercera acção penal respectiva ou a extraditar os in-fractores (artigos 9.º, 10.º e 11.º).

Prevê-se ainda que os Estados-partes devemcooperar no exercício dessa acção penal e nodesenvolvimento de procedimentos para a ex-tradição (artigo 12.º), mas veja-se que tambémaqui se dispõe que não existirá obrigação deextraditar ou conceder cooperação judiciária seo Estado em causa tiver razões para entenderque o pedido visa punir alguém com base emraça, religião, nacionalidade, origem étnica ouopinião política (artigo 15.º).

Além disto, criam-se regras para a identificaçãoe a apreensão de fundos utilizados para os pro-pósitos vedados por este texto convencional,podendo tais fundos e meios financeiros serutilizados para a compensação de danos sofri-dos por vítimas de actos terroristas (artigo 8.º).

Também nesta convenção se regula a transfe-rência de quem se encontre detido ou a cumpriruma pena num Estado para outro, se tal pre-sença for solicitada para prestação de depoimen-to, identificação ou realização de diligências pro-batórias, desde que se cumpram os requisitosaí referidos (artigo 16.º).

Finalmente, e à semelhança do disposto nou-tras convenções referidas, adoptam-se provisõesespecíficas sobre a prevenção das infracções aquiprevistas. As regras previstas são bem maisdesenvolvidas do que as constantes das con-venções anteriormente analisadas.

Em primeiro lugar, determina-se a obrigatorie-dade de proibir no território dos Estados-partesa actividade de organizações ou pessoas que en-corajem, instiguem ou organizem actos configu-ráveis como infracções à luz da convenção.

Em segundo lugar, consagra-se a adopção demedidas que obriguem à utilização de mecanis-mos para a detecção de contas bancárias ou tran-sacções suspeitas por instituições financeiras,podendo essas medidas consistir na proibiçãode abertura de contas a quem não seja identifi-cável ou não possa ser identificado e na criaçãode obrigações para as instituições financeiras,como seja o dever de verificação, por diversasvias, da identificação e da existência legal de en-tidades que pretendam utilizar os seus servi-ços. No mesmo sentido, prevê-se a possibili-dade de estabelecer a obrigatoriedade de

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comunicação às autoridades de determinadastransacções que, pela sua complexidade, pos-sam configurar infracções para os efeitos destaconvenção; e adopta-se ainda a hipótese de obri-gar as instituições financeiras a manterem osregistos das transacções realizadas por um perío-do de cinco anos (artigo 18.º).

m) Convenção Internacional Global emMatéria de Terrorismo e Convenção para aSupressão de Actos de Terrorismo Nuclear(Resolução n.º 51/210, da Assembleia Ge-ral, de 17 de Dezembro de 1996)

Do anteriormente exposto resulta que exis-tem convenções que abordam aspectos especí-ficos do tema, como os atentados à bomba ouo financiamento de entidades dedicadas ao ter-rorismo, e existem convenções que, não ver-sando directamente sobre o tema, acabam porenglobar actuações configuráveis como terro-ristas, como a Convenção para a Supressão deCertos Actos Ilícitos contra a Segurança da Na-vegação Marítima. Mas não existe um quadroconvencional global em matéria de terrorismo.

Na ausência de uma convenção geral sobre amatéria, a Resolução do Conselho de Seguran-ça da ONU n.º 1373 (2001), de 28 de Setembro,surge como um instrumento importante noquadro desta organização internacional, estabe-lecendo um conjunto de princípios na luta con-tra o terrorismo em matéria de financiamento,controlo de armas, troca de informações, crimi-nalização de actos terroristas, cooperação judi-ciária e controlo policial5.

Sentindo a falta desse quadro convencionalgeral, a Organização das Nações Unidas temenvidado esforços para a sua criação e igual-mente afirmado a necessidade de preparar o tex-to de uma convenção para a supressão de actosde terrorismo nuclear. Ambas as tarefas têmsido desenvolvidas por um comité ad hoc cria-do para o efeito (Resolução da Assembleia Ge-ral n.º 52/210, de 17 de Dezembro de 1996)6.

O processo de elaboração dessa convençãogeral em matéria de terrorismo recebeu recente-mente um contributo assinalável, além das ses-sões e dos trabalhos do comité ad hoc: foi apre-sentado à Assembleia Geral das Nações Unidaso relatório de uma comissão de alto nível criadapara o estudo e a formulação de recomenda-

ções sobre um vasto conjunto de questões etemas em sede de ameaça à paz e à segurançainternacionais7.

Este relatório debruça-se especificamente so-bre a regulamentação convencional do tema doterrorismo. Embora reconhecendo a relevânciadas convenções adoptadas no âmbito do siste-ma das Nações Unidas, alude-se ao facto demuitos Estados não as terem ratificado e mui-tos outros não terem ainda adoptado as medi-das internas complementares que elas impli-cam ou sugerem. Afirma-se ainda que os meiosde luta contra o financiamento de organizaçõesterroristas não foram os adequados.

Conclui-se sugerindo que os Estados-mem-bros da ONU ratifiquem as convenções actual-mente adoptadas que envolvem medidas deluta contra o terrorismo e as oito recomenda-ções da OCDE em matéria de financiamentode organizações terroristas.

No referido relatório aborda-se a elaboraçãode um texto convencional geral em matéria deterrorismo. E é referido um dos problemas cen-trais desse texto: a dificuldade em chegar a umanoção de terrorismo que permita o acordo dosvários Estados, afirmando-se que é imperiosoque tal acordo seja obtido.

Em concreto, formulam-se as seguintes re-comendações quanto à obtenção de uma noçãode terrorismo:

– Em primeiro lugar, sugere-se que se reco-nheça, no preâmbulo do texto convencio-nal, que o uso da força por um Estadocontra civis é regulado pela Convenção deGenebra e outros instrumentos internacio-nais e pode constituir um crime de guerraou um crime contra a humanidade;

– Em segundo lugar, recomenda-se a reafir-mação de que os actos previstos nas 12 con-venções referidas constituem actos terro-ristas e crimes, de acordo com o direitointernacional. E que o terrorismo duranteum período de guerra é igualmente proi-bido pela Convenção de Genebra e os seusprotocolos;

– Em terceiro lugar, deve ser feita uma refe-rência às definições constantes da Conven-ção Internacional para a Eliminação do Fi-nanciamento do Terrorismo e da Resoluçãodo Conselho de Segurança n.º 1566 (2004);

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– E, finalmente, em quarto lugar, que o ter-rorismo deve ser definido da seguinte for-ma: “Qualquer acção, além das já especifi-cadas nas Convenções actualmenteexistentes e na Resolução 1566 (2004) doConselho de Segurança, levada a cabo como propósito de causar a morte ou sériasofensas corporais a civis ou não comba-tentes, quando o objectivo dessa acção, pelasua natureza ou contexto, seja o de intimi-dar a população ou coagir um Estado ouorganização internacional a praticar ou abs-ter-se de praticar um acto”.

2. O quadro regional8

a) A Organização para a Segurança e Co-operação na Europa (OSCE)

Particularmente relevante nesta sede é a Cartada OSCE sobre Prevenção e Combate ao Ter-rorismo, adoptada na décima reunião do Con-selho de Ministros, no Porto, a 6 e 7 de De-zembro de 2002.

Trata-se de uma declaração, e não de um textoconvencional, mas que se reveste de particularimportância por constituir uma reacção óbvia deum conjunto vasto de Estados europeus ao de-senvolvimento do terrorismo internacional nasequência dos atentados de 11 de Setembro.

Assim, os Estados da OSCE afirmaram de-signadamente:

– a condenação de todos os tipos de terro-rismo;

– que rejeitam a identificação do terrorismocom qualquer tipo de nacionalidade ou re-ligião;

– a necessidade de concertação e cooperaçãoentre os Estados;

– que o terrorismo, a assistência ao terroris-mo e os respectivos financiamento, planea-mento ou incitamento são contrários aodireito internacional;

– a necessidade de proteger os direitos fun-damentais e, em particular, o direito à vidadaqueles que possam sofrer com actos ter-roristas;

– que serão dados passos adequados para queo asilo político não seja concedido a quemtenha participado, planeado ou financiadoactos qualificáveis como terrorismo;

– que as convenções das Nações Unidas e asresoluções do Conselho Geral e, em parti-cular, a Resolução 1373 (2001) constituemos instrumentos legais fundamentais, anível internacional, em sede de luta contrao terrorismo;

– que envidarão esforços conjuntos para pre-venir, suprimir, investigar e perseguir ac-tos terroristas; e,

– que o controlo das armas, o desarmamen-to e a sua não-proliferação são aspectos in-dispensáveis na redução do risco de activi-dades terroristas.

Também merecedores de referência são a De-cisão sobre o Combate ao Terrorismo e o Pla-no de Acção de Bucareste para o Combate aoTerrorismo, adoptados durante a nona reuniãodo Conselho de Ministros da OSCE, em Buca-reste, a 3 e 4 de Dezembro de 2001.

b) O Conselho da Europa – A ConvençãoEuropeia para a Supressão do Terrorismo,concluída em Estrasburgo, a 27 de Janeirode 1977

Esta convenção foi aprovada pela Assembleiada República através da Lei n.º 19/81, publica-da na I Série do Diário da República de 18 deAgosto de 1981, tendo o depósito do instru-mento de ratificação ocorrido a 14 de Outubrode 1981 (Aviso publicado na I Série do Diárioda República, de 12 de Março de 1982).

Na ocasião da aprovação, a Assembleia da Re-pública formulou uma reserva pela qual se afir-mou que Portugal não aceitará a extradição comoEstado requisitado quando as infracções sejampunidas com a pena de morte ou com penas oumedidas de segurança privativas da liberdade comcarácter perpétuo no Estado requisitante.

Este texto convencional segue de perto a ló-gica de várias das convenções elaboradas sob aégide do sistema das Nações Unidas e abstém--se de definir o que seja um acto de terrorismo.

Determina-se que os Estados-partes reconhe-cem que as infracções previstas no seu artigo 1.ºnão são infracções de natureza “política”, parao efeito de extradição de quem tenha cometidotal acto. Na lista deste artigo 1.º incluem-se re-ferências aos actos e infracções previstos em vá-rias convenções anteriormente referidas e, ain-da, um conjunto de outras infracções, como

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sejam “um ataque contra a vida, a integridadefísica ou a liberdade das pessoas que gozem deprotecção internacional, inclusive os agentes di-plomáticos”, “as infracções comportando orapto, a detenção de reféns ou o sequestro arbi-trário”, “as infracções comportando a utiliza-ção de bombas, granadas, foguetões, armas defogo automáticas ou cartas ou embrulhos ar-madilhados, na medida em que essa utilizaçãoapresente perigo para quaisquer pessoas”, bemcomo a tentativa ou a participação, como co--autor ou cúmplice nessas infracções.

A convenção preocupa-se ainda com a extra-dição e a reacção penal contra as infracções aquiprevistas, acolhendo disposições semelhantesàs ultimadas no âmbito do sistema das NaçõesUnidas.

Assim, um Estado estará obrigado a exercera acção penal ou extraditar quem tenha pratica-do alguma das ofensas contempladas nesta con-venção (artigo 7.º). E, ainda em sede de regimeda extradição, estabelece-se que um Estado nãoestará obrigado a fazê-lo se tiver razões paracrer que o pedido de extradição foi apresentadocom o propósito de perseguir alguém devido àsua raça, religião, nacionalidade ou opiniõespolíticas (artigo 5.º).

Além disto, também aqui se adoptam provi-sões em sede de cooperação e entreajuda judiciá-ria para o exercício da acção penal (artigo 8.º).

c) A Convenção da Organização da Con-ferência Islâmica sobre o Combate ao Ter-rorismo Internacional, adoptada em Oua-gadougou, a 1 de Julho de 1999

Este instrumento internacional elenca umconjunto de medidas preventivas e repressivasna luta contra o terrorismo (artigo 3.º), especi-ficando regras para troca de informações (artigo4.º), cooperação em matéria de investigação (ar-tigo 4.º), extradição (artigos 5.º ss.), prática deactos judiciais em Estados contratantes (arti-gos 9.º ss.), cooperação judiciária (artigos 14.ºss.) e procedimentos para a operacionalizaçãodos vários tipos de medidas aqui previstas (ar-tigos 22.º ss.).

d) A Convenção da Organização dos Esta-dos Americanos para a Prevenção e a Puni-ção de Actos de Terrorismo sob a Forma de

Crimes contra as Pessoas e Extorsão que Se-jam de Relevância Internacional, concluídaem Washington, D.C., a 2 de Fevereiro de 1971

Trata-se de uma convenção assinada na ter-ceira sessão especial da assembleia geral destaorganização internacional, em Washington,D.C., a 2 de Fevereiro de 1971.

Refira-se ainda, no quadro da Organizaçãodos Estados Americanos, a Declaração de Limapara Prevenção, Combate e Eliminação do Ter-rorismo, adoptada na segunda sessão plenáriada reunião de Lima da Conferência Inter-Ame-ricana Especializada sobre Terrorismo, a 26 deAbril de 1996, e o Compromisso de Mar delPlata, adoptado na reunião de 23 e 24 de No-vembro de 1998 da II Conferência Inter-Ame-ricana Especializada sobre Terrorismo.

A presente convenção visa estabelecer umaobrigação genérica de cooperação entre os Esta-dos-partes, por forma a que estes previnam epunam actos de terrorismo, como raptos, as-sassínios e outros atentados à vida ou à inte-gridade pessoal de pessoas a quem um Estadodeva conferir especial protecção de acordo como direito internacional, bem como a extorsãoem conexão com os actos anteriormente referi-dos (artigo 1.º). Trata-se, portanto, de uma con-venção especificamente dedicada a actos terro-ristas, mas apenas quando levados a cabo contrapessoas que mereçam um especial grau de pro-tecção nos termos da lei internacional.

A convenção contém disposições sobre a ex-tradição de quem tenha praticado tais crimesou a obrigação de exercer a acção penal (artigos3.º, 5.º, 7.º), garantindo-se os direitos de defesade quem seja arguido num processo desta na-tureza (artigos 4.º e 8.º).

O artigo 8.º contém um conjunto de dispo-sições em sede de prevenção dos crimes previs-tos na convenção e de troca de informações.

e) A Convenção da Organização dos Es-tados Africanos sobre a Prevenção e o Com-bate ao Terrorismo, adoptada em Argel, a14 de Julho de 1999

Esta convenção contém uma definição de ter-rorismo (n.º 3 do artigo 1.º), prevê a criminali-zação dos actos terroristas pelos Estados-par-tes (artigo 2.º), estabelece normas sobrecooperação neste domínio (artigos 4.º ss.), com-

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petência para o julgamento de actos terroristas(artigo 6.º), extradição (artigos 8.º ss.) e práticade actos de investigação criminal fora do terri-tório do Estado onde essa investigação se rea-liza (artigos 14.º ss.).

f) A Convenção da Associação do Sul daÁsia para a Cooperação Regional (SAARC)sobre a Supressão do Terrorismo, assinadaem Kathmandu, a 4 de Novembro de 1987

A presente convenção visa regular os termosdos pedidos de extradição entre Estados con-tratantes quando esteja em causa a prática dealguma das infracções às convenções referidasno seu artigo I ou de actos aí previstos.

Trata-se, pois, de um texto visando essencial-mente operacionalizar outros instrumentosinternacionais e facilitar a cooperação judiciáriaregional através da adopção de regras sobre oque seja uma infracção que possa originar a ex-tradição e em que casos pode ela ocorrer (arti-go I, artigo II, n.os 2, 3, 4 e 5 do artigo III,artigo VII), obrigação de realização de procedi-mento criminal em caso de impossibilidade deextradição (artigos IV e VI) e cooperação e tro-ca de informações (artigo VIII).

g) O Tratado para Cooperação entre osEstados-Membros da CEI no Combate aoTerrorismo, concluído em Minsk, a 4 deJunho de 1999

Este tratado contém uma definição de terro-rismo (artigo 1.º), estabelece um conjunto dedisposições em matéria de cooperação e trocade informações na luta contra o terrorismo (ar-tigos 2.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 11.º) e, com algumaoriginalidade face ao restante quadro convencio-nal analisado, adopta um regime especial para atransposição de fronteiras por forças antiterro-ristas entre os Estados-membros (artigos 12.º,13.º, 14.º e 15.º).

III. O Direito da União Europeia(UE)

O actual instrumento fundamental do direi-to da União Europeia em sede de luta contra oterrorismo é a Decisão-Quadro 2002/475/JAI,do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa

à luta contra o terrorismo, publicada no JornalOficial L 164, de 22 de Junho de 20029.

Adopta-se no artigo 1.º uma noção de terro-rismo, por forma a que tais comportamentospossam configurar ilícitos penais (artigos 1.ºss. e 5.º).

Assim, um acto terrorista é aquele que “[…]pela sua natureza ou pelo contexto em que fo-rem cometidos, sejam susceptíveis de afectar gra-vemente um país ou uma organização interna-cional, quando o seu autor os pratique com oobjectivo de intimidar gravemente uma popu-lação” ou “constranger indevidamente os po-deres públicos, ou uma organização internacio-nal, a praticar ou a abster-se de praticar qualqueracto, ou destabilizar gravemente ou destruir asestruturas fundamentais políticas, constitucio-nais, económicas ou sociais de um país, ou deuma organização internacional”. As várias alí-neas deste artigo 1.º aludem, depois, aos várioscomportamentos materiais que, enquadradoscom a definição referida, configuram actos ter-roristas. Desta forma, configuram acções terro-ristas, quando verificados os requisitos acimareferidos, as ofensas contra a vida de uma pes-soa, as ofensas à integridade física, o rapto ou atomada de reféns, as destruições maciças eminstalações governamentais ou públicas, em sis-temas de transportes, nas infra-estruturas, noslocais públicos ou em propriedades privadassusceptíveis de pôr em perigo vidas humanasou de provocar prejuízos económicos relevan-tes, a captura de aeronaves, navios e outros meiosde transporte, o fabrico, a posse, a aquisição e autilização de armas, bem como a investigação eo desenvolvimento de armas biológicas ou quí-micas, a libertação de substâncias perigosas e aprovocação de incêndios, explosões, incêndiose a perturbação do fornecimento de um recursonatural fundamental que tenham por efeitos pôrem perigo vidas humanas.

A decisão-quadro contém ainda disposiçõesque alargam o conceito de acto de terrorismo àtentativa e a outras infracções relacionadas comactividades terroristas (artigos 1.º, 3.º e 4.º).

Como foi dito, o principal propósito da deci-são-quadro é criminalizar as condutas aqui pre-vistas (artigo 5.º). Prevê-se, nesta sede, que exis-tam circunstâncias que permitam reduzir aspenas adoptadas, o que poderá suceder em si-

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tuações de renúncia à actividade terrorista oude colaboração com as autoridades administra-tivas e judiciárias. Os artigos 7.º e 8.º adoptamdisposições que permitem a responsabilizaçãocriminal quando as acções tenham sido pratica-das por pessoas colectivas.

O artigo 9.º consagra a adopção de regras paradeterminar o Estado-membro competente parao exercício da acção penal.

O artigo 10.º refere-se às vítimas, ao seu pa-pel no processo penal respectivo e à sua protec-ção. Assim, por um lado, determina que os cri-mes que a decisão-quadro implica devem serconsiderados públicos e que, portanto, as in-vestigações e a instauração de procedimentospenais (do inquérito) não depende de queixado lesado (n.º 1). Por outro lado, prevê-se queos Estados adoptem as medidas de protecçãopossíveis às vítimas de actos terroristas.

Um outro importante instrumento comu-nitário é a Posição Comum 2001/931/PESC,do Conselho da União Europeia, de 27 de De-zembro de 2001, relativa à aplicação de medi-das específicas de combate ao terrorismo, pu-blicada no Jornal Oficial L 344, de 28 deDezembro de 200110.

Esta posição comum pretende concretizar asmedidas previstas na Resolução do Conselhode Segurança da Organização das Nações Uni-das 1373 (2001), através da criação de uma listade pessoas, grupos e entidades implicados emactos terroristas, para efeito de aplicação de umamedida de congelamento de fundos e activosfinanceiros no âmbito da luta contra o finan-ciamento do terrorismo (artigos 1.º, 2.º e 3.º).A lista contendo os nomes é revista regular-mente, devendo tal revisão ocorrer, no míni-mo, de seis em seis meses (n.º 6 do artigo 1.º).

IV. Reflexos legislativosno direito interno português

No plano específico da prevenção e do com-bate ao terrorismo, do ponto de vista da evolu-ção legislativa em Portugal, é apenas em 2003que se encontra um aperfeiçoamento dos nor-mativos nacionais relativos a esta prática crimi-nosa, surgido na decorrência dos ditames co-munitários11.

A referida aprovação da Decisão-Quadro2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junhode 2002, relativa à luta contra o terrorismo, noâmbito da União Europeia, vinculou os Esta-dos-membros à adaptação do seu direito inter-no, nos termos aí previstos, até 31 de Dezem-bro de 2002. No caso português, apesar de jáem incumprimento do prazo prescrito peladecisão-quadro, esta adaptação acabou por to-mar forma através da aprovação da Lei n.º 52//2003, de 22 de Agosto, designada elucidativa-mente por “Lei de combate ao terrorismo”12.

A regulação em causa teve a sua origem maisdirecta na Proposta de Lei n.º 43/IX, apresenta-da pelo XV Governo Constitucional à Assem-bleia da República, a 21 de Fevereiro de 2003.Antes da recepção da proposta do Governo, jáo Partido Socialista tomara também a iniciativade apresentar à Assembleia da República o Pro-jecto de Lei n.º 206/IX, que alterava o CódigoPenal na parte respeitante às organizações terro-ristas e ao terrorismo, pelo que a discussão des-tes projectos foi conjunta; a ela se aditou, aliás,a discussão sobre o mandado de detenção euro-peu, tema suscitado também por um normati-vo da União Europeia, a Decisão-Quadro 2002//584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho13.

Relativamente ao diploma em causa, em ter-mos formais, desde já se pode avançar que setrata de um esforço, efectivamente conseguido,de descodificação, sem que qualquer vantagem daíadvenha, crê-se. A sede tradicional dos crimesrelativos ao “terrorismo” era, até à sua entradaem vigor, o Código Penal, o que parecia ser pací-fico. O legislador entendeu que, nesta matéria,era de revogar a consagração dos crimes em causano Código e passá-la para uma lei avulsa. Emtermos legísticos, só se pode duvidar da bonda-de desta solução, tanto mais que a própria lei, noseu artigo 7.º, manda aplicar subsidiariamente asdisposições do Código Penal “e respectiva legis-lação complementar” – esta última, fórmulasempre vaga e de evitar, para além de eventual-mente a própria lei em causa ser ela mesma “le-gislação complementar” do próprio Código…

Se o esforço ia no sentido de procurar deixar omais possível inalterado o Código Penal, este aca-bou por ser invalidado pela alteração introduzi-da ao seu artigo 5.º, bem como pela própria revo-gação dos preceitos relativos ao terrorismo já

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constantes do mesmo (os artigos 300.º e 301.ºdo Código Penal), operada pelo artigo 11.º da lei.

Corre-se igualmente o risco de, ao ser publi-cada legislação avulsa especificamente sobre oterrorismo, se poder julgar que o legislador pre-tende operar uma dignificação, mesmo que me-ramente simbólica, deste crime face a outros, oque, não obstante a mediatização, justificada,em torno das actividades terroristas, não cor-responde à realidade portuguesa actual; poroutro lado, não deverá retratar certamente umaopção de política criminal baseada apenas na“transnacionalidade”, em especial quando o“simbolismo” é perigosamente erigido em jus-tificação autónoma de normativos penais14.

Assim, a Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto,constituída por 11 artigos, decompõe a previ-são e a punição do terrorismo em quatro con-ceitos, correspondentes às epígrafes dos arti-gos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º – a saber, “organizaçõesterroristas”, “outras organizações terroristas”,“terrorismo” e “terrorismo internacional”.Note-se que a previsão-base do regime em cau-sa é a prevista pelo artigo 2.º. As derivaçõespunitivas seguintes são construídas essencial-mente com base num jogo de sucessivas re-missões internas.

No artigo 6.º da lei encontra-se a extensão daresponsabilidade penal, pelos actos típicos neladescritos, a “pessoas colectivas, sociedades emeras associações de facto”, responsabilidadecumulativa com a responsabilidade individualdos agentes.

O artigo 7.º do diploma prevê a disciplinasubsidiária através do recurso ao Código Penal“e respectiva legislação complementar”, normaprovavelmente dispensável. Adiante, encontra--se, no artigo 8.º, uma regra de aplicação noespaço da lei interna, em caso de acto cometidofora do território nacional.

O diploma conclui-se com a adequação, noCódigo de Processo Penal, do seu n.º 2 do artigo1.º, alínea a), que passa a remeter para a Lein.º 52/2003, de 22 de Agosto (mas, curiosamente,apenas para os seus artigos 2.º e 3.º, e não tam-bém para a previsão dos artigos 4.º e 5.º) a actualsede da punição do terrorismo, extinguindo-sea remissão para os preceitos do próprio Código– os artigos 300.º e 301.º, agora revogados (peloartigo 11.º da lei). Está em causa a manutenção

da garantia de uma estrita tipificação legal do ter-rorismo. Assim, apenas estas condutas previs-tas na lei podem ser classificadas e tratadas comocondutas terroristas, aplicando-se-lhes tambéma epígrafe de “criminalidade violenta ou altamenteorganizada”, com as consequências nomeada-mente ao nível das possibilidades de investiga-ção criminal que daí advêm15.

A última alteração promovida pelo diplomaencontra-se no artigo 5.º do Código Penal [naalínea a) do seu n.º 1]. Sendo regulada a aplica-ção no espaço da lei pelo seu artigo 8.º, é retira-da a menção aos artigos 300.º e 301.º do Códi-go Penal do elenco de ilícitos que, mesmocometidos fora do território nacional, estão su-jeitos ao direito penal nacional.

Em termos substanciais, que novidades en-tão se introduziram no regime penal do terro-rismo? Não sendo objectivo deste texto umaanálise detalhada do regime jurídico do com-bate ao terrorismo, devem contudo ser aponta-das algumas das principais alterações introdu-zidas em 2003 pelo legislador nacional.

Verdadeiramente, as alterações de relevo en-contram-se a dois níveis: ao nível dos factosincriminados, através nomeadamente de umdesdobramento entre terrorismo com um âm-bito exclusivamente nacional e terrorismo in-ternacional, e da complexificação das previsõesanteriores; e ao nível dos agentes passíveis deserem responsabilizados penalmente, com acriação de uma norma especial de responsabili-dade penal das pessoas colectivas.

Note-se o texto do artigo 2.º da lei, que co-meça por definir o que sejam “organizações ter-roristas”. Não há novidade neste ponto, já queo n.º 1 do artigo 2.º acaba por reproduzir, noseu texto inicial, aquela que já era a definiçãopresente no proémio do n.º 2 do artigo 300.ºdo Código Penal16 . As alterações surgem aonível dos crimes e actos que vão permitir a tipi-ficação da conduta como própria de uma orga-nização terrorista. Assim, a par da manutençãodo essencial das anteriores alíneas a) a c) don.º 2 do artigo 300.º17 [agora presentes comoalíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 2.º da lei],alteram-se as previsões seguintes.

O crime de “sabotagem” desaparece comoprevisão penal associada à organização terroris-ta, sendo mantida a sua configuração penal au-

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tónoma, e é substituído pela referência a “actosque destruam ou que impossibilitem o funcio-namento ou desviem dos seus fins normais,definitiva ou temporariamente, total ou par-cialmente, meios ou vias de comunicação, ins-talações de serviços públicos ou destinadas aoabastecimento e satisfação das necessidades vi-tais da população” [alínea d)].

A anterior alínea e), referente a crimes queenvolvam o uso de energia nuclear, armas defogo, substâncias ou engenhos explosivos,meios incendiários de qualquer natureza, enco-mendas ou cartas armadilhadas, é agora objec-to directo da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º dalei, que completa a relação de situações previs-tas com o acrescento da referência a “armas bio-lógicas ou químicas”.

Uma outra referência a “armamento” biológi-co ou químico surge também autonomizada daprática de qualquer ilícito, através da previsão daalínea e) do n.º 2 do referido preceito18. Assim, amera “investigação e desenvolvimento de armasbiológicas ou químicas” torna-se um pressupos-to autónomo da existência de uma organizaçãoterrorista, mesmo podendo, no entanto, ser di-fícil, em concreto, determinar quando uma subs-tância deixa de ser meramente biológica ou quí-mica para se tornar uma “arma biológica ouquímica”. Como é próprio deste ilícito, a puni-bilidade do facto terá de ser encontrada quaseexclusivamente na intencionalidade dos agentes– o que se concretiza pela existência de um doloespecífico, que caracteriza a existência de uma or-ganização terrorista e que atenta não apenas con-tra uma ou mais pessoas em concreto, mas con-tra, verdadeiramente, a “paz pública” enquantobem jurídico19.

Note-se ainda a inclusão de um último seg-mento no corpo do preceito, densificando o pe-rigo abstracto presente na prática dos crimes elen-cados, pela exigência de que estes sejam apenasconsiderados como caracterizadores da organi-zação terrorista “[…] sempre que, pela sua natu-reza ou pelo contexto em que são cometidos,[…] sejam susceptíveis de afectar gravemente oEstado ou a população que se visa intimidar” –o que funciona como um aperfeiçoamento faceao texto anterior da lei.

As punições previstas na lei revelam um au-mento das molduras penais em causa. A fun-

dação ou a promoção da organização terrorista,tal como a adesão ou o apoio que lhe são con-cedidos através da disponibilização de meiosfinanceiros, materiais ou do fornecimento deinformações, são punidas com pena de prisãode oito a 15 anos (antes, de cinco a 15 anos).A chefia ou direcção da organização terroristaé punida com pena de prisão de 15 a 20 anos(anteriormente, a punição prevista era a de penade prisão de 10 a 15 anos)20. A prática de actospreparatórios da constituição da organizaçãoterrorista vê, contudo, ser consagrada a mesmamoldura penal constante do Código com penade prisão de um a oito anos.

Continua prevista no regime legal do terro-rismo a possibilidade de não-aplicação ou ate-nuação da pena em casos específicos – os casosde abandono voluntário da actividade, afasta-mento ou diminuição do perigo, auxílio na re-colha de “provas decisivas para a identificaçãoou a captura” de outros agentes – agora expres-samente consagrados de modo mais claro e emfunção de resultados concretos no n.º 5 do arti-go 2.º da lei, em lugar da remissão para normasemelhante, prevista para o crime de associaçãocriminosa, que o artigo 300.º do Código Penalconsagrava no seu n.º 621.

Os preceitos seguintes do diploma, confinan-do as previsões de “outras organizações terroris-tas”, “terrorismo” e “terrorismo internacional”,são pensados em função da tipificação já operada.

Deste modo, ao prever a existência de “ou-tras organizações terroristas”, no artigo 3.º dodiploma, de modo praticamente idêntico à pre-visão já estabelecida e com as mesmas puni-ções, o legislador apenas procura abarcar pelatipificação penal uma organização terrorista quetenha como alvo a “integridade ou indepen-dência” de um Estado que não o português,bem como “impedir, alterar ou subverter ofuncionamento” das instituições deste ou asinstituições de “uma organização pública inter-nacional” – decorrência, aliás, do previsto noproémio do n.º 1 do artigo 1.º da decisão-qua-dro do Conselho de 13 de Junho de 2002 rela-tiva à luta contra o terrorismo.

Aliás, esta intenção é clarificada pela leiturado artigo 5.º da lei, referente aí, de forma ex-pressa, ao “terrorismo internacional”, em quese contempla o agente dos factos descritos no

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n.º 1 do artigo 2.º com a “intenção referida non.º 1 do artigo 3.º”, ou seja, tendo como alvoum Estado que não o Estado português ouuma organização internacional. Como tal, as“outras organizações terroristas” serão sempreaquelas que actuem no plano internacional, sejacontra um outro Estado e as suas instituições,seja contra uma organização internacional.

Finalmente, no artigo 4.º do diploma, en-contra-se a punição prevista para o agente que,tendo praticado os factos previstos no n.º 1 doartigo 2.º, os mesmos que servem como pres-supostos da existência de uma organização ter-rorista, não pode ser considerado seu funda-dor, dirigente, promotor ou mero apoiante ouaderente. O agente será punido com pena deprisão de dois a 10 anos ou, em alternativa,com a pena que caberia ao crime em causa prati-cado, agravada em um terço nos seus limitesmínimo e máximo, se for igual ou superioràquela medida (n.º 1)22.

Prevê igualmente o preceito, no seu n.º 2, umapunição agravada, também em um terço noslimites da medida da pena, para um conjuntode ilícitos autónomos, desde que enquadráveisna “intencionalidade terrorista” – casos dos cri-mes de furto qualificado, roubo, extorsão oufalsificação de documento administrativo23.

Uma regra semelhante de atenuação ou dis-pensa da pena relativamente àquela que se encon-trava prevista para a organização terrorista estáaqui igualmente consagrada, no n.º 3 do preceito.

Atendendo ao exposto, verifica-se que o le-gislador pretendeu consagrar, efectivamente demodo mais completo, um regime de combateao terrorismo que contemple quer a sua verten-te meramente interna, quer uma vertente inter-nacional (defendendo bens jurídicos necessaria-mente supranacionais), sem alterar a estruturatípica originária do Código Penal, ou seja, ouso do modelo punitivo dicotómico entre a“organização terrorista”, assente na ideia de gru-po organizado e dirigido, com uma intenciona-lidade criminosa específica aferível pela sua prá-tica criminosa ou pelos instrumentos à suadisposição; e o “terrorismo”, traduzido pelamaterialidade ilícita que preenche o próprio actoterrorista, quando este não for enquadrável epunido mais eficazmente pela tipificação espe-cífica do crime em concreto praticado.

Um outro aspecto inovador da nova regula-ção do terrorismo diz respeito à responsabiliza-ção de “pessoas colectivas, sociedades e merasassociações de facto”, aquilo que eventualmenteserão “pessoas colectivas e equiparadas”24. Nãoé este o lugar adequado para tratar em pormenora questão terminológica aqui presente, que nãoé, contudo, um mero preciosismo.

Apesar de não existir ainda entre nós umaregra geral de responsabilidade penal das pes-soas colectivas e ser indubitavelmente o direitopenal ainda construído em função de uma res-ponsabilidade que se presume individual e in-dissociável da actuação ou da omissão de umapessoa singular (basta ver o artigo 11.º do Có-digo Penal), existem diversas regras especiaisem que se encontra uma previsão de responsa-bilidade penal de pessoas colectivas, nomeada-mente a sede legal das infracções contra a eco-nomia e a saúde pública, o Decreto-Lei n.º 28//84, de 20 de Janeiro. Aquela é a terminologiausada por este diploma, mas pode verificar-seque, ainda recentemente, em proposta de leiaprovada pelo Governo já em 2004, visandoprecisamente estabelecer um regime de respon-sabilidade penal das pessoas colectivas, se usa-va uma terminologia distinta25. Em vez de pon-tuar o ordenamento com normas dispersas deresponsabilidade penal das pessoas colectivas,que não perdem um certo carácter de provisorie-dade, melhor faria eventualmente o legisladorse consagrasse um verdadeiro regime geral so-bre o tema, com normas claras e uniformes paraos diversos tipos em que esta extensão se de-vesse operar, a ser incluído no Código Penal.

A responsabilidade penal da pessoa colecti-va, pelos crimes previstos nos artigos 2.º a 5.ºda Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, é desco-berta necessariamente em virtude da actuaçãodo agente pessoa física. Assim, a pessoa colec-tiva apenas será responsabilizada quando o fac-to tenha sido cometido “em seu nome e nointeresse colectivo pelos seus órgãos ou repre-sentantes, ou por uma pessoa sob a autoridadedestes quando o cometimento do crime se te-nha tornado possível em virtude de uma viola-ção dolosa dos deveres de vigilância e controloque lhes incumbam” (n.º 1 do artigo 6.º).

Esta responsabilidade é cumulativa com a res-ponsabilidade individual dos agentes em causa

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e a pessoa colectiva ou equiparada pode ver-lheaplicada como pena uma multa (de um mínimode 500 euros a um máximo de 5 000 000 euros)ou a sua própria dissolução, no caso de umapessoa colectiva erigida com a finalidade de pros-seguir actividades terroristas ou cuja prática cri-minosa reiterada demonstre que essa é a sua fi-nalidade exclusiva ou predominante. Pode-se,certamente, discutir a eficácia destas punições.Dificilmente se entende, por exemplo, comopode prever o legislador a condenação de umapessoa colectiva, pelo crime de organização ter-rorista, a uma pena de multa de 500 euros…

A lei prevê ainda a existência de penas acessó-rias, importadas do referido regime das infrac-ções contra a economia e a saúde pública, comosejam a aplicação de uma injunção judiciária, ainterdição temporária do exercício de uma acti-vidade, a privação do direito a subsídios ousubvenções outorgados por entidades ou ser-viços públicos ou a publicidade da decisão con-denatória (n.º 8 do artigo 6.º), cuja previsão,neste domínio, não pode deixar de ser conside-rada, no mínimo, relativamente aleatória26.

E uma dúvida entre muitas pode ser aponta-da: deverão ser consideradas como “pessoascolectivas ou equiparadas” as pessoas colectivasde direito público? Ou, nomeadamente, o pró-prio Estado? Alguns ordenamentos resolvemexpressamente a questão, como o direito fran-cês, que as exclui liminarmente da responsabili-dade criminal. A questão não é do domíniomeramente onírico. Basta imaginar-se um la-boratório público ou uma empresa públicaonde, existindo uma violação dos deveres devigilância e de controlo da administração, aca-bem por ser produzidas armas biológicas ouquímicas…

V. Conclusão

Do exposto resulta que, apesar de já existirum quadro legislativo relativamente desenvol-vido em sede de luta contra o terrorismo, conti-nuam a colocar-se, tanto no plano internacionalcomo no nacional, relevantes desafios nesta sede.

Particularmente no direito internacional, é deesperar que se venha a assistir a futuros desen-volvimentos.

Sem preocupações de exaustividade quanto apossíveis evoluções, é de prever que venha a sur-gir um texto convencional de carácter geral sobreterrorismo que consagre finalmente uma noçãoa nível geral. Por um lado, ainda não existe umtexto convencional que enquadre as convençõesque, especificamente, regulam vários tipos deactos terroristas. Por outro lado, apesar de emsede regional já existirem definições do que sejaum acto terrorista (como, por exemplo, na deci-são-quadro da UE ou na Convenção da Organi-zação dos Estados Africanos sobre a Prevençãoe o Combate ao Terrorismo anteriormente ana-lisadas), continua a faltar uma noção no âmbitodo direito internacional convencional geral.

Outra das novidades que, com elevado graude probabilidade, poderá surgir, é a adopção deum texto convencional em matéria de supres-são de actos de terrorismo nuclear, dado o tra-balho já realizado pelo comité ad hoc criado pelaResolução da Assembleia Geral n.º 52/210, de17 de Dezembro de 1996.

Além disto, um outro desafio que parece cen-trar as atenções é o do financiamento das organi-zações terroristas. São conhecidas as dificulda-des que aqui se verificam e, particularmente, odesenvolvimento de mecanismos de protecçãocontra actividades financeiras de entidades que,sob uma forma camuflada, contribuem para ofinanciamento destas actividades. É outra dasáreas em que se podem esperar desenvolvimen-tos, dada a constante necessidade de adaptaçãode instrumentos a novas realidades e alguns pas-sos que, em sede de Direito Internacional Con-vencional Regional já foram sendo dados.

Finalmente, a terceira área onde se podem re-gistar as evoluções mais relevantes é a da troca deinformação preventiva e da cooperação judiciária.Particularmente quanto ao primeiro aspecto, é deesperar que cada vez mais se venham a estabelecere acolher regras em matéria de cooperação, visan-do um mais evidente e específico vínculo jurídiconeste domínio, nomeadamente entre os váriosserviços de informação dos Estados.

Em suma, há ainda caminho a percorrer e,sobretudo, constantes actualizações a realizar,para que o legislador internacional possa andara par da constante evolução dos mecanismoscada vez mais surpreendentes que vão sendoutilizados pelas organizações terroristas.

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1 V. o texto recente de Maria Fernanda Palma, “Cri-mes de Terrorismo e Culpa Penal”, in Liber Disci-pulorum para Jorge de Figueiredo Dias (org. de Manuelda Costa Andrade, José de Faria Costa, Anabela Mi-randa Rodrigues e Maria João Antunes), CoimbraEditora, Coimbra, 2003, p. 235 ss.

2 Sobre a personalidade do “terrorista”, vd. v. g. osestudos nacionais de João Paulo Ventura e José Mi-guel Nascimento, “Violência, Terrorismo e Psicolo-gia: Uma Abordagem Exploratória”, in Revista Portu-guesa de Ciência Criminal, ano 11, Fascículo 4.º, Outu-bro-Dezembro de 2001, Coimbra Editora, Coimbra,2001, p. 633 ss. E, de José Martins Barra da Costa, “SerTerrorista: Estrutura Social e Saúde Mental”, in Revis-ta Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13, n.º 4, Outu-bro-Dezembro de 2003, Coimbra Editora, Coimbra,2003, p. 553 ss.

3 De acordo com informação disponibilizada nossítios web da Organização das Nações Unidas dedica-do a este tema (http://untreaty.un.org) e do Gabi-nete de Documentação e Dire i to Comparado(http://www.gddc.pt).

4 As convenções constantes do anexo são as refe-ridas neste artigo nas alíneas b), c), d), e), f), g), h), i) ek) anteriores.

5 A recente Resolução do Conselho de Segurançan.º 1566 (2004), de 8 de Outubro, recorda a necessi-dade de implementar a Resolução do Conselho deSegurança n.º 1373 (2001), de 28 de Setembro. Alémdisso, esta resolução cria um grupo de trabalho paraapresentar recomendações ao Conselho de Seguran-ça em matéria de perseguição judicial de terroristas,extradição, congelamento de contas bancárias, restri-ção do direito de deslocação, controlo de armas ecriação de um fundo internacional para compensa-ção às vítimas e famílias de vítimas de terroristas,parcialmente composto por activos financeiros apreen-didos a terroristas.

6 Para analisar as últimas novidades em sede depreparação dessas convenções, veja-se os relatóriosdo comité ad hoc, e particularmente o último, onde serefere a importância da obtenção de um acordo quan-to à noção de terrorismo (Report of the Ad Hoc Commi-tee Established by General Assembly Resolution 51/210 of17 December 1996, Eight Session (28 June-2 July 2004).Disponível em http://untreaty.un.org.

7 A/59/565, de 2 de Dezembro de 2004.8 Veja-se, além dos textos referidos, a Convenção

Árabe sobre a Supressão do Terrorismo, assinada noCairo a 22 de Abril de 1988.

9 Além de outros actos de carácter mais específi-co, veja-se ainda, por exemplo, a proposta de Direc-tiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa àprevenção da utilização do sistema financeiro paraefeitos de branqueamento de capitais, incluindo ofinanciamento do terrorismo, remetida ao Parlamen-to Europeu e ao Conselho a 11 de Outubro de 2004;o Regulamento (CE) n.° 871/2004, do Conselho, de29 de Abril de 2004, relativo à introdução de novasfunções no Sistema de Informação de Schengen, in-cluindo o combate ao terrorismo (Jornal Oficial L 162,de 30 de Abri l de 2004) ; o Regulamento (CE)n.° 745/2003 da Comissão, de 28 de Abril de 2003, quealtera o Regulamento (CE) n.° 2580/2001, do Conse-

lho, relativo a medidas específicas de combate aoterrorismo dirigidas contra determinadas pessoas eentidades (Jornal Oficial L 106 de 29 de Abril de 2003);a Decisão 2003/48/JAI, do Conselho, de 19 de De-zembro de 2002, relativa à aplicação de medidas espe-cíficas de cooperação policial e judiciária na luta con-tra o terrorismo, nos termos do artigo 4.° da PosiçãoComum 2001/931/PESC (Jornal Oficial L 16 de 22 deJaneiro de 2003); a Decisão 2002/996/JAI, do Conse-lho, de 28 de Novembro de 2002, que estabelece ummecanismo de avaliação dos regimes jurídicos e dasua aplicação ao nível nacional na luta contra o terro-rismo (Jornal Oficial L 349 de 24 de Dezembro de 2002).

10 Este acto foi actualizado por diversas posiçõescomuns subsequentes: a Posição Comum 2002/340//PESC, de 2 de Maio de 2002 (Jornal Oficial L 116, de3 de Maio de 2002), a Posição Comum 2002/462//PESC, de 17 de Junho de 2002 (Jornal Oficial L 160,de 18 de Junho de 2002), a Posição Comum 2002//847/PESC, de 28 de Outubro de 2002 (Jornal OficialL 295, de 30 de Outubro de 2002), a Posição Comum2002/976/PESC, de 12 de Dezembro de 2002 (JornalOficial L 337, de 13 de Dezembro de 2002), a PosiçãoComum 2003/402/PESC, de 5 de Junho de 2003 (Jor-nal Oficial L 139, de 6 de Junho de 2002), a PosiçãoComum 2003/482/PESC, de 27 de Junho de 2003(Jornal Oficial L 160, de 28 de Junho de 2003), a Posi-ção Comum 2003/651/PESC, de 12 de Setembro (Jor-nal Oficial L 229, de 13 de Setembro de 2003), a Posi-ção Comum 2003/906/PESC, de 22 de Dezembro(Jornal Oficial L 340 de 24 de Dezembro de 2003), aPosição Comum 2004/309/PESC, de 2 de Abril (Jor-nal Oficial L 99, de 3 de Abril de 2004) e a PosiçãoComum 2004/500/PESC, de 17 de Maio (Jornal Ofi-cial L 196, de 3 de Junho de 2004).

11 Sem prejuízo de, em anos recentes, o legisladorter tratado matérias conexas ou que acabam efectiva-mente por abarcar também o crime de terrorismo,como a própria lei de organização da investigaçãocriminal, o regime das investigações encobertas, aalteração ao regime jurídico das armas, a alteração àlei da cooperação internacional em matéria penal,medidas específicas de prevenção e combate à cri-minalidade organizada e de perda de bens a favor doEstado, entre outras.

12 No seu título “Lei de combate ao terrorismo(em cumprimento da Decisão-Quadro 2002/475/JAI,do Conselho, de 13 de Junho) – Décima-segundaalteração ao Código de Processo Penal e décima--quarta alteração ao Código Penal”. Este diploma aca-baria por ser objecto da Declaração de Rectificaçãon.º 16/2003, de 16 de Outubro, que fixaria o textodefinitivo da lei, publicada no Diário da Repúblican.º 251, I Série-A, de 29 de Outubro de 2003.

13 Que veio a ser objecto da Lei n.º 65/2003, de23 de Agosto (a qual aprova o regime jurídico do man-dado de detenção europeu – em cumprimento da De-cisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 deJunho), entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2004, a qualprevê a aplicação do mandado de detenção europeu ea consequente extradição, no âmbito da União Euro-peia, relativamente ao crime de terrorismo, entre ou-tros [cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 65//2003, de 23 de Agosto]. Sobre a regulação nacional

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do mandado de detenção europeu, vd. Luís Silva Pe-reira, “Alguns Aspectos da Implementação do RegimeRelativo ao Mandado de Detenção Europeu”, in Revis-ta do Ministério Público, n.º 96, Outubro/Dezembro de2003, Lisboa, 2003, p. 39 ss., bem como o texto, anteriorà vigência da lei nacional, de Anabela Miranda Rodri-gues, “O Mandado de Detenção Europeu – Na Via daConstrução de Um Sistema Penal Europeu: Um Passoou Um Salto?”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal,Ano 13, n.º 1, Janeiro-Março de 2003, Coimbra Edito-ra, Coimbra, 2003, p. 27 ss.

14 A exposição de motivos que acompanhou a pro-posta de lei, publicada no Diário da Assembleia da Repú-blica, II série-A, n.º 72/IX/1, de 27 de Fevereiro de2003, afirma: “A opção por uma lei autónoma e conse-quente revogação das normas correspondentes doCódigo Penal resulta da percepção que o Estado por-tuguês tem da absoluta transnacionalidade das infrac-ções em apreço. Nesse sentido, justifica-se, do pontode vista simbólico, no contexto da função preventivado Direito Penal, criar um diploma que dê um sinalclaro à comunidade portuguesa e internacional enfati-zando o facto de se considerar, com crescente con-vicção, que os crimes de terrorismo e organizaçãoterrorista violam bens jurídicos supranacionais, à se-melhança dos crimes contra a Humanidade, merece-dores de uma tutela clara, severa e tranquilizadora.[…] um diploma autónomo permite uma mais eficazadequação à decisão-quadro, em especial no que dizrespeito à responsabilização penal das pessoas colec-tivas, sem introduzir elementos perturbadores da har-monia do actual Código Penal. Seguindo esta metodo-logia, mantém-se a filosofia até agora vigente na tradi-ção legislativa portuguesa no que à responsabilidadedas pessoas colectivas diz respeito. Em suma, reforça--se, com a entrada em vigor de um diploma autóno-mo, o carácter simbólico e preventivo que o Governoquer assegurar relativamente à luta contra o terroris-mo, reflectindo as especiais e justificadas preocupa-ções que a comunidade nacional e internacional temvindo a manifestar nesta matéria”.

Em momento posterior, pode ler-se tambémno relatório da Comissão de Assuntos Constitucio-nais, Direitos, Liberdades e Garantias (publicado noDAR, II Série-A, n.º 75/IX/1, de 8 de Março de 2003):“Embora o Governo reconheça que o actual CódigoPenal já tipifica os crimes de terrorismo e de organi-zação terrorista, a verdade é que considera que a de-cisão-quadro apresenta aspectos inovadores que obri-gam a uma intervenção legislativa. Assim sendo, oGoverno propõe-se criar, em diploma autónomo,uma Lei do Terrorismo, que reflicta as preocupa-ções, nacionais e internacionais, quanto à ameaça glo-bal que tais actos representam e que considere oscrimes de terrorismo e de organização terroristacomo uma das mais graves violações dos valoresuniversais da dignidade humana, da liberdade, daigualdade e da solidariedade, do respeito dos direi-tos humanos e das liberdades fundamentais. Conse-quentemente, a iniciativa legislativa em apreço pro-cede à revogação das normas correspondentes doCódigo Penal. O Governo justifica a opção por umalei autónoma, por um lado, no simbolismo que, nocontexto da função preventiva do direito penal, issorepresenta – é um sinal claro à comunidade portu-

guesa e internacional de que os crimes de terroris-mo e de organização terrorista violam bens jurídicossupranacionais, merecedores de uma tutela clara, se-vera e tranquilizadora – e, por outro, na maior eficá-cia na adaptação da legislação nacional à Decisão-Quadro, em especial no que diz respeito à responsa-bilização penal das pessoas colectivas, mantendo-se,relativamente a este aspecto, a filosofia até agora se-guida pela tradição legislativa portuguesa.”

15 A associação estreita estabelecida entre o “terro-rismo” e o “crime organizado” está, aliás, tambémpatente no domínio do direito comunitário – veja--se, v. g., os considerandos 3 a 5 da decisão-quadro doConselho de 13 de Junho de 2002 relativa à luta con-tra o terrorismo, em que se enuncia um conjunto demedidas normativas no plano europeu relevantesneste domínio. Vd. Rui Pereira, “Terrorismo e Inse-gurança – A Resposta Portuguesa”, in Revista do Mi-nistério Público, n.º 98, Abril/Junho de 2004, Lisboa,2004, p. 99 ss. Figueiredo Dias chama mesmo à “orga-nização terrorista” uma “associação criminosa muitoespecialmente perigosa” (Jorge de Figueiredo Dias,em anotação ao artigo 300.º do Código Penal, in Co-mentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coim-bra Editora, Coimbra, 1999, p. 1177.

16 “Considera-se grupo, organização ou associaçãoterrorista, todo o agrupamento de duas ou mais pes-soas que, actuando concertadamente, visem prejudi-car a integridade e a independência nacionais, impe-dir, alterar ou subverter o funcionamento das insti-tuições do Estado previstas na Constituição, forçar aautoridade pública a praticar um acto, a abster-se deo praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda inti-midar certas pessoas, grupo de pessoas ou a popula-ção em geral […]”.

17 Apenas se insere a referência à segurança nas“comunicações informáticas”, na alínea b) do n.º 1do artigo 2.º da lei, referência ausente na redacçãodo artigo 300.º do Código Penal.

18 Rui Pereira escreve: “A única alteração significa-tiva introduzida em 2003 nesta definição [o n.º 1 doartigo 2.º] resulta da previsão da investigação e dodesenvolvimento das armas biológicas ou químicascomo actividade terrorista. É inexplicável, porém,que o legislador se não refira também à investigaçãoou ao desenvolvimento de armas nucleares” (RuiPereira, op. cit., p. 95). Esta referência, note-se, estavaincluída no texto constante do Projecto de Lein.º 206/IX, que foi objecto de discussão conjuntacom a proposta de lei.

19 Figueiredo Dias acentuava, em anotação ao textodo agora revogado artigo 300.º do Código Penal, que“[…] é ainda indispensável a verificação de uma […]finalidade referida na norma e que, de certo modo,transcende a própria actividade criminosa […]; emtermos de bem pode-se dizer que a actividade crimi-nosa constitui um simples meio face ao alvo princi-pal, ao verdadeiro escopo (ao escopo terrorista) daassociação: que esta vise prejudicar a integridade oua independência nacionais, obstruir o funcionamen-to das instituições do Estado, coagir a autoridade,intimidar pessoas, grupos de pessoas ou a populaçãoem geral” (op. cit., p. 1177 e 1178).

20 A medida da pena decorre directamente do pre-visto no n.º 3 do artigo 5.º da decisão-quadro, que

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obriga os Estados-membros a punirem com penaprivativa da liberdade não inferior a 15 anos a chefiade organização terrorista e não inferior a oito anos aparticipação nas suas actividades.

21 De acordo com o artigo 6.º da decisão-quadro, queoferece aos Estados-membros a liberdade de preve-rem uma redução da pena num conjunto de circuns-tâncias. Todavia, o preceito interno vai mesmo maislonge, dispondo a possibilidade de “não ter lugar apunição”, o que não é consagrado na decisão-quadro,que apenas permite a possibilidade de redução da pena,pecando assim o legislador nacional por excesso de“benevolência” para com os “arrependidos”.

22 Esta é a lógica punitiva que decorre do dispostono n.º 2 do artigo 5.º da decisão-quadro citada, emque se prevê que a pena para o crime praticado noâmbito de uma actividade terrorista seja necessaria-mente mais severa do que a prevista no direito inter-no para esse crime quando praticado sem aquela in-tenção – e que Rui Pereira apelida de “subsidiarieda-de agravada” – op. cit., p. 97. O mesmo, aliás, constavajá dos normativos presentes no Código Penal.

23 Como Rui Pereira designa, “crimes de terroris-mo de ‘segundo grau’ (instrumentais)” – idem, ibidem.

24 A decisão-quadro citada refere, na sua versãoportuguesa, “pessoas colectivas” (artigo 7.º). O di-ploma nacional, não obstante ter uma epígrafe em

que se pode ler a expressão “pessoas colectivas eequiparadas”, no texto normativo do preceito refereaquela que deverá ser a sua equiparação, enunciandoassim as “pessoas colectivas, sociedades e meras as-sociações de facto” (n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 52//2003, de 22 de Agosto).

25 Trata-se da Proposta de Lei n.º 134/IX, aprovadano Conselho de Ministros de 24 de Junho de 2004 eapresentada à Assembleia da República (e, entretan-to, caducada pela demissão do Governo), que visavaestabelecer um regime de responsabilidade penal das“entidades colectivas e equiparadas”, aplicável a umconjunto de ilícitos previstos no Código Penal, sen-do que, segundo o texto da proposta, “entidades co-lectivas são, para além das pessoas colectivas, as socie-dades civis, as meras associações de facto, as empre-sas e quaisquer entidades a estas equiparadas” (cfr.n.º 3 do artigo 2.º). Como comentário legístico, mas quepode obviamente ter consequências materiais maisgraves, só se pode lamentar que o mesmo proponen-te, estabelecendo com meses de intervalo regimesque pretendem abranger os mesmos sujeitos, os de-signe e enuncie de modo tão diverso. A propostaencontra-se publicada no DAR, II Série A, n.º 72/IX/2,de 3 de Julho de 2004.

26 Apesar de previstas no elenco exemplificativodo artigo 7.º da decisão-quadro.