Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

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REFUGIADOS E DESLOCADOS AMBIENTAIS: O LADO HUMANO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS. ACTAS www.pedrojr.com.br

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REFUGIADOS E DESLOCADOS AMBIENTAIS: O LADO HUMANO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS.

ACTAS

www.pedrojr.com.br

Page 2: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

Recepção e entrega de pastasSESSÃO SOLENE DE ABERTURA DO CONGRESSO+ Ministro da Administração Interna, Rui Pereira+ Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Emílio Rui Vilar;+ Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Laurens Jolles;+ Presidente da Assembleia-geral do CPR, Pe. Agostinho Jardim Gonçalves;

Pausa

I PAINEL "Os impactos das alterações climáticas nas populações"Moderador: António Agostinho Homem, Vice-Presidente da Direcção do CPR + Alterações climáticas: cenários futuros em Portugal e no Mundo Filipe Duarte Santos, Professor Catedrático na Faculdade de Ciências da Universidade de

Lisboa

+ As alterações climáticas, o acesso à água e o contributo dos direitos humanos Catarina Albuquerque, Relatora Especial da ONU sobre Direitos Humanos, Água e

Saneamento

+ Do combate às alterações climáticas à transição para a sustentabilidade Nuno Lacasta, Coordenador do Comité Executivo da Comissão para as Alterações

Climáticas (CECAC) e Gestor do Fundo Português de Carbono

+ Debate Relator: Ricardo Garcia, Jornalista de ambiente do jornal Público

Almoço Livre

II PAINEL “Respondendo às vulnerabilidades dos refugiados e deslocados ambientais"Moderador: Lénia Godinho Lopes, membro da Direcção do CPR

+ A segurança ambiental e a construção da paz Viriato Soromenho Marques, Universidade de Lisboa e Programa Gulbenkian Ambiente

+ Alterações climáticas: desastres naturais e deslocações forçadas Maria Stavropoulou, ACNUR

+ O papel das agências humanitárias no apoio aos refugiados e deslocados ambientais Nuno Nunes, Departamento de Crise, Mitigação e Recuperação, Organização Internacional

para as Migrações

+ Debate Relator: Virgílio Azevedo, Jornalista de ambiente do semanário Expresso

III PAINEL Desenvolvimento de estratégias de mitigação das alterações climáticasModerador: Luís Silveira, Vice-presidente da Assembleia Geral do CPR + Reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos humanos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas Cátia Silva, Amnistia Internacional

+ Respostas às consequências humanitárias das alterações climáticas: migrações, deslocações forçadas e apatridia (instrumentos jurídicos, protecção e soluções duradouras) José Manuel Pureza, Professor Universitário e Investigador do Centro de Estudos Sociais

+ Debate

Encerramento:Teresa Tito de Morais, Presidente da Direcção do CPR

RefugiActo - Grupo de Teatro Amador

09H00 - 10H00

10H00 - 10H45

10H45 - 11H00

13H00 - 14H30

11H00 - 13H00

14H30 -16h00

16H00 -17h00

17H00 -18h00

INTRODUÇÃO SESSÃO SOLENE DE ABERTURA DO CONGRESSO

OS IMPACTOS DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NAS POPULAÇÕES”

RESPONDENDO ÀS VULNERABILIDADES DOS REFUGIADOS E DESLOCADOS AMBIENTAIS

DESENVOLVIMENTO DE ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Ministro da Administração Interna | Rui PereiraPresidente da Fundação Calouste Gulbenkian | Emílio Rui Vilar;Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) | Laurens Jolles;Presidente da Assembleia-geral do CPR | Pe. Agostinho Jardim Gonçalves;

Alterações climáticas: cenários futuros em Portugal e no Mundo | Filipe Duarte Santos, Professor Catedrático na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

As alterações climáticas, o acesso à água e o contributo dos direitos humanos | Catarina Albuquerque, Relatora Especial da ONU sobre Direitos Humanos, Água e Saneamento

Do combate às alterações climáticas à transição para a sustentabilidade | Nuno Lacasta, Coordenador do Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas (CECAC) e gestor do Fundo Português de Carbono

Relato de Ricardo Garcia | Jornalista de ambiente do jornal Público

A segurança ambiental e a construção da paz | Viriato Soromenho Marques, Universidade de Lisboa e Programa Gulbenkian Ambiente

Alterações climáticas: desastres naturais e deslocações forçadas | Maria Stavropoulou, ACNUR

O papel das agências humanitárias no apoio aos refugiados e deslocados ambientais | Nuno Nunes, Departamento de Crise, Mitigação e Recuperação, Organização Internacional para as Migrações

Relato de Virgílio Azevedo |Jornalista de ambiente do Semanário Expresso

Reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos humanos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas | Cátia Silva, Amnistia Internacional

Respostas às consequências humanitárias das alterações climáticas: migrações, deslocações forçadas e apatridia (instrumentos jurídicos, protecção e soluções duradouras) | José Manuel Pureza, Professor Universitário e Investigador do Centro de Estudos Sociais

Presidente da Direcção do CPR | Teresa Tito de Morais

NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES

GLOSSÁRIO

PAINEL I

PAINEL II

SESSÃO DEENCERRAMENTO

INDICE TERÇA-FEIRA 16 DE NOVEMBRO DE 2010

PAINEL III

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PROGRAMA

Page 3: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

Recepção e entrega de pastasSESSÃO SOLENE DE ABERTURA DO CONGRESSO+ Ministro da Administração Interna, Rui Pereira+ Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Emílio Rui Vilar;+ Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Laurens Jolles;+ Presidente da Assembleia-geral do CPR, Pe. Agostinho Jardim Gonçalves;

Pausa

I PAINEL "Os impactos das alterações climáticas nas populações"Moderador: António Agostinho Homem, Vice-Presidente da Direcção do CPR + Alterações climáticas: cenários futuros em Portugal e no Mundo Filipe Duarte Santos, Professor Catedrático na Faculdade de Ciências da Universidade de

Lisboa

+ As alterações climáticas, o acesso à água e o contributo dos direitos humanos Catarina Albuquerque, Relatora Especial da ONU sobre Direitos Humanos, Água e

Saneamento

+ Do combate às alterações climáticas à transição para a sustentabilidade Nuno Lacasta, Coordenador do Comité Executivo da Comissão para as Alterações

Climáticas (CECAC) e Gestor do Fundo Português de Carbono

+ Debate Relator: Ricardo Garcia, Jornalista de ambiente do jornal Público

Almoço Livre

II PAINEL “Respondendo às vulnerabilidades dos refugiados e deslocados ambientais"Moderador: Lénia Godinho Lopes, membro da Direcção do CPR

+ A segurança ambiental e a construção da paz Viriato Soromenho Marques, Universidade de Lisboa e Programa Gulbenkian Ambiente

+ Alterações climáticas: desastres naturais e deslocações forçadas Maria Stavropoulou, ACNUR

+ O papel das agências humanitárias no apoio aos refugiados e deslocados ambientais Nuno Nunes, Departamento de Crise, Mitigação e Recuperação, Organização Internacional

para as Migrações

+ Debate Relator: Virgílio Azevedo, Jornalista de ambiente do semanário Expresso

III PAINEL Desenvolvimento de estratégias de mitigação das alterações climáticasModerador: Luís Silveira, Vice-presidente da Assembleia Geral do CPR + Reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos humanos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas Cátia Silva, Amnistia Internacional

+ Respostas às consequências humanitárias das alterações climáticas: migrações, deslocações forçadas e apatridia (instrumentos jurídicos, protecção e soluções duradouras) José Manuel Pureza, Professor Universitário e Investigador do Centro de Estudos Sociais

+ Debate

Encerramento:Teresa Tito de Morais, Presidente da Direcção do CPR

RefugiActo - Grupo de Teatro Amador

09H00 - 10H00

10H00 - 10H45

10H45 - 11H00

13H00 - 14H30

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INTRODUÇÃO SESSÃO SOLENE DE ABERTURA DO CONGRESSO

OS IMPACTOS DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NAS POPULAÇÕES”

RESPONDENDO ÀS VULNERABILIDADES DOS REFUGIADOS E DESLOCADOS AMBIENTAIS

DESENVOLVIMENTO DE ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

Ministro da Administração Interna | Rui PereiraPresidente da Fundação Calouste Gulbenkian | Emílio Rui Vilar;Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) | Laurens Jolles;Presidente da Assembleia-geral do CPR | Pe. Agostinho Jardim Gonçalves;

Alterações climáticas: cenários futuros em Portugal e no Mundo | Filipe Duarte Santos, Professor Catedrático na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

As alterações climáticas, o acesso à água e o contributo dos direitos humanos | Catarina Albuquerque, Relatora Especial da ONU sobre Direitos Humanos, Água e Saneamento

Do combate às alterações climáticas à transição para a sustentabilidade | Nuno Lacasta, Coordenador do Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas (CECAC) e gestor do Fundo Português de Carbono

Relato de Ricardo Garcia | Jornalista de ambiente do jornal Público

A segurança ambiental e a construção da paz | Viriato Soromenho Marques, Universidade de Lisboa e Programa Gulbenkian Ambiente

Alterações climáticas: desastres naturais e deslocações forçadas | Maria Stavropoulou, ACNUR

O papel das agências humanitárias no apoio aos refugiados e deslocados ambientais | Nuno Nunes, Departamento de Crise, Mitigação e Recuperação, Organização Internacional para as Migrações

Relato de Virgílio Azevedo |Jornalista de ambiente do Semanário Expresso

Reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos humanos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas | Cátia Silva, Amnistia Internacional

Respostas às consequências humanitárias das alterações climáticas: migrações, deslocações forçadas e apatridia (instrumentos jurídicos, protecção e soluções duradouras) | José Manuel Pureza, Professor Universitário e Investigador do Centro de Estudos Sociais

Presidente da Direcção do CPR | Teresa Tito de Morais

NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES

GLOSSÁRIO

PAINEL I

PAINEL II

SESSÃO DEENCERRAMENTO

INDICE TERÇA-FEIRA 16 DE NOVEMBRO DE 2010

PAINEL III

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PROGRAMA

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INTRODUÇÃO SESSÃO SOLENE DE ABERTURA DO CONGRESSO

O Conselho Português para os Refugiados (CPR), em estreita colaboração com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), realiza, desde 1994, de dois em dois anos, Congressos Internacionais, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, dedicados ao tema dos Direitos Humanos, dos Refugiados e Deslocados Internos.

“Refugiados e deslocados ambientais: o lado humano das alterações climáticas” foi o tema do IX Congresso Internacional do CPR. Este foi um espaço privilegiado para o intercâmbio de ideias e experiências entre os vários actores ligados às questões do asilo, refugiados, deslocados internos e alterações climáticas. Teve lugar no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, a 16 de Novembro de 2010.

“Embora haja uma crescente consciencialização dos perigos das alterações climáticas, o seu impacto sobre as deslocações e a mobilidade humana tem recebido pouca atenção” António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

O processo das alterações climáticas e as múltiplas catástrofes naturais, como as secas ou as cheias e, a longo prazo, a desertificação ou a subida do nível médio da água do mar, forçam milhões de pessoas a deslocarem-se. Verifica-se, igualmente, que estes desastres naturais são cada vez mais intensos e os impactos humanos cada vez mais destruidores. As alterações climáticas têm vindo a ser identificadas como uma das maiores ameaças ambientais, sociais e económicas que o planeta e a humanidade enfrentam na actualidade. As alterações verificadas nos padrões climáticos são já bastante marcadas, tendo a maioria dessas alterações ocorrido durante a segunda metade do último século.

Se as causas das alterações climáticas estão a ser analisadas e as suas consequências projectadas, é igualmente fundamental antecipar cenários de mobilidade e fortalecer as respostas para as suas consequências humanitárias. A necessidade de uma acção global e coesa urge, pois todas as evidências apontam que, até 2050, haverão cerca 200 milhões de pessoas deslocadas por força das alterações climáticas.

No IX Congresso Internacional do CPR, analisaram-se os impactos das alterações climáticas nas populações, designadamente a degradação ambiental, a desertificação e a progressiva escassez de recursos naturais como potenciais geradores de conflitos; Procuraram-se respostas às vulnerabilidades dos refugiados e deslocados ambientais, reflectindo sobre o papel das agências humanitárias; Debateu-se a necessidade do desenvolvimento de estratégias de mitigação das alterações climáticas, como o reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas.

SESSÃO DE ABERTURA Presidente da Assembleia-geral do CPR |Pe. Agostinho Jardim Gonçalves

Muito bom dia,

No início deste IX Congresso Internacional, que o Conselho Português para os Refugiados (CPR) promove, cabe-me, em primeiro lugar, saudar o Senhor Ministro da Administração Interna pela honra que nos dá de presidir a esta sessão de abertura.

É um gesto que se vem juntar a muitos outros a que já nos habituámos quanto ao apoio que o Senhor Dr. Rui Pereira, nosso Ministro da Administração Interna, tem prodigalizado ao CPR.

Cumprimento e saúdo também o Dr. Rui Vilar, Presidente do Conselho de Administração desta casa, a Fundação Calouste Gulbenkian, que desde sempre, relativamente às actividades do CPR, tem acolhido com simpatia, e mesmo com amizade, as nossas iniciativas.

Cumprimento o Representante do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), que dispensa qualquer referência de relevância porque é o nosso parceiro continuado. O ACNUR representa aquele que está mais perto de nós neste compromisso internacional em que se inscreve o CPR na acção que desenvolve junto daqueles que deixaram a sua terra por razões múltiplas e diferentes e que encontraram aqui, em Portugal, o acolhimento justo que lhes é dispensado.

Gostaria de, no início deste Congresso, dizer duas coisas muito breves. O Congresso Internacional é de dois em dois anos um ponto alto na acção programática do CPR.

De dois em dois anos o Conselho acha que é tempo para oferecer um espaço alargado de reflexão, sempre sobre uma temática fundamental e de importância própria do momento, para que possa comparar com outro público que acorre

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INTRODUÇÃO SESSÃO SOLENE DE ABERTURA DO CONGRESSO

O Conselho Português para os Refugiados (CPR), em estreita colaboração com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), realiza, desde 1994, de dois em dois anos, Congressos Internacionais, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, dedicados ao tema dos Direitos Humanos, dos Refugiados e Deslocados Internos.

“Refugiados e deslocados ambientais: o lado humano das alterações climáticas” foi o tema do IX Congresso Internacional do CPR. Este foi um espaço privilegiado para o intercâmbio de ideias e experiências entre os vários actores ligados às questões do asilo, refugiados, deslocados internos e alterações climáticas. Teve lugar no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, a 16 de Novembro de 2010.

“Embora haja uma crescente consciencialização dos perigos das alterações climáticas, o seu impacto sobre as deslocações e a mobilidade humana tem recebido pouca atenção” António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

O processo das alterações climáticas e as múltiplas catástrofes naturais, como as secas ou as cheias e, a longo prazo, a desertificação ou a subida do nível médio da água do mar, forçam milhões de pessoas a deslocarem-se. Verifica-se, igualmente, que estes desastres naturais são cada vez mais intensos e os impactos humanos cada vez mais destruidores. As alterações climáticas têm vindo a ser identificadas como uma das maiores ameaças ambientais, sociais e económicas que o planeta e a humanidade enfrentam na actualidade. As alterações verificadas nos padrões climáticos são já bastante marcadas, tendo a maioria dessas alterações ocorrido durante a segunda metade do último século.

Se as causas das alterações climáticas estão a ser analisadas e as suas consequências projectadas, é igualmente fundamental antecipar cenários de mobilidade e fortalecer as respostas para as suas consequências humanitárias. A necessidade de uma acção global e coesa urge, pois todas as evidências apontam que, até 2050, haverão cerca 200 milhões de pessoas deslocadas por força das alterações climáticas.

No IX Congresso Internacional do CPR, analisaram-se os impactos das alterações climáticas nas populações, designadamente a degradação ambiental, a desertificação e a progressiva escassez de recursos naturais como potenciais geradores de conflitos; Procuraram-se respostas às vulnerabilidades dos refugiados e deslocados ambientais, reflectindo sobre o papel das agências humanitárias; Debateu-se a necessidade do desenvolvimento de estratégias de mitigação das alterações climáticas, como o reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas.

SESSÃO DE ABERTURA Presidente da Assembleia-geral do CPR |Pe. Agostinho Jardim Gonçalves

Muito bom dia,

No início deste IX Congresso Internacional, que o Conselho Português para os Refugiados (CPR) promove, cabe-me, em primeiro lugar, saudar o Senhor Ministro da Administração Interna pela honra que nos dá de presidir a esta sessão de abertura.

É um gesto que se vem juntar a muitos outros a que já nos habituámos quanto ao apoio que o Senhor Dr. Rui Pereira, nosso Ministro da Administração Interna, tem prodigalizado ao CPR.

Cumprimento e saúdo também o Dr. Rui Vilar, Presidente do Conselho de Administração desta casa, a Fundação Calouste Gulbenkian, que desde sempre, relativamente às actividades do CPR, tem acolhido com simpatia, e mesmo com amizade, as nossas iniciativas.

Cumprimento o Representante do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), que dispensa qualquer referência de relevância porque é o nosso parceiro continuado. O ACNUR representa aquele que está mais perto de nós neste compromisso internacional em que se inscreve o CPR na acção que desenvolve junto daqueles que deixaram a sua terra por razões múltiplas e diferentes e que encontraram aqui, em Portugal, o acolhimento justo que lhes é dispensado.

Gostaria de, no início deste Congresso, dizer duas coisas muito breves. O Congresso Internacional é de dois em dois anos um ponto alto na acção programática do CPR.

De dois em dois anos o Conselho acha que é tempo para oferecer um espaço alargado de reflexão, sempre sobre uma temática fundamental e de importância própria do momento, para que possa comparar com outro público que acorre

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populacionais, as consequências e desafios daí resultantes.

Este é um tópico importante, que no passado não foi discutido eficientemente, mas agora está, crescentemente, e felizmente, no debate público. Com foi mencionado, o processo de alterações climáticas e os múltiplos desastres naturais delas resultantes vão, indubitavelmente, aumentar a escala e a complexidade da mobilidade da população.

Ainda estamos concentrados principalmente nos aspectos científicos das alterações climáticas, procurando entender os processos em causa, no entanto tem sido cada vez mais claro que abordar os resultados das alterações climáticas pode, provavelmente, colocar problemas humanitários e desafios enormes.

Todas as evidências apontam para que as migrações climáticas e ambientais induzidas/provocadas se tornem um dos maiores desafios políticos deste século e a comunidade internacional está a reconhecer crescentemente que as alterações climáticas e a degradação ambiental têm o potencial de resultar em deslocações populacionais numa escala que, neste momento, não estamos bem preparados para prevenir ou para resolver de forma eficaz.

É, portanto, de interesse directo para as agências humanitárias, incluindo a agência para a qual trabalho, ACNUR, envolver-se neste debate concentrando-se na abordagem das deslocações ambientais como resultado das alterações climáticas. Prever e antecipar movimentos, cenários, e fortalecer respostas às consequências humanitárias vai ser da maior importância.

É bom ver a organização deste tipo de eventos, onde são discutidas amplamente as questões relacionadas com os aspectos humanitários das alterações climáticas.

As alterações climáticas já estão a minar os meios de vida e a segurança de muitas pessoas, exacerbando diferenças nos rendimentos, aumentando a discriminação e o aprofundando das desigualdades. De acordo com alguns peritos, nas últimas duas décadas o número de desastres naturais registados duplicou de 200 para mais de 400 por ano. De acordo com os mesmos peritos, 9 em cada 10 desastres naturais, hoje, estão, provavelmente, relacionados com o clima. Embora seja difícil compilar estatísticas, alguns acreditam que milhões de pessoas podem ter sido deslocadas por desastres naturais provocados repentinamente pelo clima.

À medida que as temperaturas sobem e a terra se torna menos produtiva, a presença da urbanização vai acelerar, gerando competição adicional por recursos escassos, serviços públicos e cidades em todo o globo. A incidência das doenças vai, certamente, aumentar como resultado das alterações climáticas, tal como o preço da comida e da energia.

O aumento da tensão social e conflitos políticos podem, muito provavelmente, ocorrer, embora seja difícil, muitas vezes, localizar a origem destas tensões em associação directa às alterações climáticas. Nas regiões afectadas pelas consequências de longo prazo das alterações climáticas as pessoas vão deslocar-se, por vezes em grande número, para áreas mais acolhedoras nos seus próprios países, enquanto noutras situações as pessoas vão procurar oportunidades deixando os seus próprios países indo para outros. Alguns destes movimentos, provocados pelas alterações climáticas, poderiam incluir-se no enquadramento tradicional de Refugiado, envolvendo instrumentos originais de refugiados, tal como dentro do mandato do ACNUR.

O ACNUR é frequentemente chamado a socorrer as vítimas de alterações climáticas. Para dar alguns exemplos (mais tarde haverá uma análise muito mais detalhada por parte do meu colega), há, por vezes, movimentos de refugiados provocados por conflitos armados com raízes em factores ambientais.

Há muitas pessoas que acreditam, por exemplo, que na região do Darfur, no Sudão, a escassez dos recursos, a competição por água potável e solo arável, e a desertificação crescente, contribuíram significativamente para o conflito armado que deu origem a centenas de milhares de refugiados e deslocados internos, tanto no Darfur como no Chade.

Para dar outro exemplo, pode haver vítimas de desastres naturais a fugir das suas casas porque o governo, para castigar ou isolar grupos particulares ou parte da população, retirou ou obstruiu deliberadamente a assistência. Este é também, claramente, um caso em que as vítimas podem justificadamente ser consideradas refugiadas no conceito tradicional. Outro exemplo onde há implicações de preocupação directa para o ACNUR é o dos Estados-Ilhas. Ainda não aconteceu, mas os pequenos Estados-Ilhas podem vir a sentir as consequências das alterações climáticas.

A subida dos níveis do mar e as cheias podem compelir os habitantes a fugir. Em caso de desaparecimento do território, imaginamos que a apatridia se torne um problema.

É esperado que no futuro as questões das alterações climáticas se tornem uma fonte ainda maior de conflitos e de deslocações, eventualmente. Será assim? Vamos ver que a procura de protecção e de assistência no quadro das Nações Unidas vai crescer e vai ser necessária uma abordagem bem estruturada e uma cooperação eficaz entre

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06 ao Congresso aquilo que realmente é o desenvolvimento da sua acção. Este ano o tema fundamental que escolheu é o do ambiente.

E não o faz - e disso posso testemunhá-lo muito por dentro da casa - por razões de fait divers ou porque está na moda falar do ambiente. Fá-lo porque, realmente, a questão do ambiente na sua relação com o mundo atroz dos refugiados é qualquer coisa de constatável na sua leitura sociológica e sociopolítica, mas é também um apelo, um desafio constante, àqueles que têm uma sensibilidade para a acção humanitária que é a prioridade da acção do Conselho Português para os Refugiados.

Eu deixo apenas aqui um flash rápido: é que, podendo abordar a questão das alterações climáticas e a relação do Homem com a natureza, o CPR encontrou e tem, de facto, uma forma própria de encarar e perspectivar esta temática, como nós iremos ver no decorrer do programa estabelecido para este Congresso.

Aquilo que é, no conjunto da definição das questões climáticas e ecológicas, aquilo que na realidade é perspectiva de preocupação, de interesse e de proposta do CPR é o que nós poderemos chamar a ecologia humana. A ecologia humana em que o Homem é entendido como o maior Bem e o maior Dom da Natureza.

E isso é o trabalho e a acção constantes da parte do CPR que, ao preocupar-se com essa área imensa de uma realidade que transcende as nossas fronteiras e se espalha por todo o mundo, tem sobretudo a preocupação de fazer ver que a qualidade de vida neste universo em que nós vivemos passa, em primeiro lugar, por esta atenção ao próprio Homem, desde as crianças aos idosos, passando por aqueles que na vida adulta se vêem amargurados pela situação atroz em que se encontram.

O CPR oferece a modéstia da sua acção mas com vontade imensa e grande de que o Homem tenha uma qualidade de vida em que os seus direitos sejam respeitados, em que receba as condições e os meios para um desenvolvimento que hoje se diz sustentável - e com razão - e possa na realidade associar-se àquilo que de melhor a natureza lhe oferece.

Isto que estou aqui a enunciar brevemente vamos ver no decorrer deste Congresso que tem duas partes fundamentais e é de uma metodologia que eu considero feliz e que me parece uma proposta que facilita a nossa reflexão.

Vamos, num primeiro tempo, olhar a realidade: as alterações climáticas com as consequências que isso tem nas diversas vertentes da vida humana e das sociedades. Depois, num segundo tempo, vamos ver a acção, não apenas no sentido humanitário e jurídico mas inclusivamente no sentido institucional e civilizacional, apelando para a responsabilidade das diferentes instituições de que o CPR se considera também parte activa, embora com o contributo próprio, humilde e modesto será, mas rico para todos aqueles como eu que vivem por dentro e no conhecimento directo a acção que se desenvolve.

Não gostaria de terminar estas minhas palavras sem referir que a Câmara Municipal, que nós gostaríamos que estivesse aqui e só não pode porque o Senhor Presidente teve que sair para o estrangeiro, consideramo-la, de facto, um parceiro muito próximo de todos nós. E o sinal mais gratificante e querido é que no próximo dia 22 aqui em Lisboa vamos lançar a primeira pedra deste projecto, mercê do contributo da Câmara, e não só, mas de uma forma muito vincada, o centro para crianças refugiadas, uma coisa bonita da parte do Conselho.

É uma coisa bonita ver a parceria entre a autarquia e uma organização da natureza do CPR, e daqui deixo publicamente o nosso reconhecimento.

Está, digamos, aberto este nosso Congresso. Começo por dar a palavra ao Senhor Laurens Jolles, holandês e representante do ACNUR a nível regional.

Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

(ACNUR) | Laurens Jolles

Estou muito satisfeito por estar aqui hoje e agradeço ao CPR por nos convidar. No meu lugar deveria estar o Senhor António Guterres, Alto-Comissário para os Refugiados. Infelizmente teve outro compromisso ao qual não podia faltar, mas a sua inspiração está cá.

É um prazer estar entre tantos convidados distintos que se reuniram aqui hoje para discutir aquilo a que chamaria o lado humano das alterações climáticas. Será um dia interessante com um bom diálogo sobre muitos e diferentes aspectos das alterações climáticas, em particular sobre as alterações climáticas e a sua ligação com as deslocações

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populacionais, as consequências e desafios daí resultantes.

Este é um tópico importante, que no passado não foi discutido eficientemente, mas agora está, crescentemente, e felizmente, no debate público. Com foi mencionado, o processo de alterações climáticas e os múltiplos desastres naturais delas resultantes vão, indubitavelmente, aumentar a escala e a complexidade da mobilidade da população.

Ainda estamos concentrados principalmente nos aspectos científicos das alterações climáticas, procurando entender os processos em causa, no entanto tem sido cada vez mais claro que abordar os resultados das alterações climáticas pode, provavelmente, colocar problemas humanitários e desafios enormes.

Todas as evidências apontam para que as migrações climáticas e ambientais induzidas/provocadas se tornem um dos maiores desafios políticos deste século e a comunidade internacional está a reconhecer crescentemente que as alterações climáticas e a degradação ambiental têm o potencial de resultar em deslocações populacionais numa escala que, neste momento, não estamos bem preparados para prevenir ou para resolver de forma eficaz.

É, portanto, de interesse directo para as agências humanitárias, incluindo a agência para a qual trabalho, ACNUR, envolver-se neste debate concentrando-se na abordagem das deslocações ambientais como resultado das alterações climáticas. Prever e antecipar movimentos, cenários, e fortalecer respostas às consequências humanitárias vai ser da maior importância.

É bom ver a organização deste tipo de eventos, onde são discutidas amplamente as questões relacionadas com os aspectos humanitários das alterações climáticas.

As alterações climáticas já estão a minar os meios de vida e a segurança de muitas pessoas, exacerbando diferenças nos rendimentos, aumentando a discriminação e o aprofundando das desigualdades. De acordo com alguns peritos, nas últimas duas décadas o número de desastres naturais registados duplicou de 200 para mais de 400 por ano. De acordo com os mesmos peritos, 9 em cada 10 desastres naturais, hoje, estão, provavelmente, relacionados com o clima. Embora seja difícil compilar estatísticas, alguns acreditam que milhões de pessoas podem ter sido deslocadas por desastres naturais provocados repentinamente pelo clima.

À medida que as temperaturas sobem e a terra se torna menos produtiva, a presença da urbanização vai acelerar, gerando competição adicional por recursos escassos, serviços públicos e cidades em todo o globo. A incidência das doenças vai, certamente, aumentar como resultado das alterações climáticas, tal como o preço da comida e da energia.

O aumento da tensão social e conflitos políticos podem, muito provavelmente, ocorrer, embora seja difícil, muitas vezes, localizar a origem destas tensões em associação directa às alterações climáticas. Nas regiões afectadas pelas consequências de longo prazo das alterações climáticas as pessoas vão deslocar-se, por vezes em grande número, para áreas mais acolhedoras nos seus próprios países, enquanto noutras situações as pessoas vão procurar oportunidades deixando os seus próprios países indo para outros. Alguns destes movimentos, provocados pelas alterações climáticas, poderiam incluir-se no enquadramento tradicional de Refugiado, envolvendo instrumentos originais de refugiados, tal como dentro do mandato do ACNUR.

O ACNUR é frequentemente chamado a socorrer as vítimas de alterações climáticas. Para dar alguns exemplos (mais tarde haverá uma análise muito mais detalhada por parte do meu colega), há, por vezes, movimentos de refugiados provocados por conflitos armados com raízes em factores ambientais.

Há muitas pessoas que acreditam, por exemplo, que na região do Darfur, no Sudão, a escassez dos recursos, a competição por água potável e solo arável, e a desertificação crescente, contribuíram significativamente para o conflito armado que deu origem a centenas de milhares de refugiados e deslocados internos, tanto no Darfur como no Chade.

Para dar outro exemplo, pode haver vítimas de desastres naturais a fugir das suas casas porque o governo, para castigar ou isolar grupos particulares ou parte da população, retirou ou obstruiu deliberadamente a assistência. Este é também, claramente, um caso em que as vítimas podem justificadamente ser consideradas refugiadas no conceito tradicional. Outro exemplo onde há implicações de preocupação directa para o ACNUR é o dos Estados-Ilhas. Ainda não aconteceu, mas os pequenos Estados-Ilhas podem vir a sentir as consequências das alterações climáticas.

A subida dos níveis do mar e as cheias podem compelir os habitantes a fugir. Em caso de desaparecimento do território, imaginamos que a apatridia se torne um problema.

É esperado que no futuro as questões das alterações climáticas se tornem uma fonte ainda maior de conflitos e de deslocações, eventualmente. Será assim? Vamos ver que a procura de protecção e de assistência no quadro das Nações Unidas vai crescer e vai ser necessária uma abordagem bem estruturada e uma cooperação eficaz entre

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06 ao Congresso aquilo que realmente é o desenvolvimento da sua acção. Este ano o tema fundamental que escolheu é o do ambiente.

E não o faz - e disso posso testemunhá-lo muito por dentro da casa - por razões de fait divers ou porque está na moda falar do ambiente. Fá-lo porque, realmente, a questão do ambiente na sua relação com o mundo atroz dos refugiados é qualquer coisa de constatável na sua leitura sociológica e sociopolítica, mas é também um apelo, um desafio constante, àqueles que têm uma sensibilidade para a acção humanitária que é a prioridade da acção do Conselho Português para os Refugiados.

Eu deixo apenas aqui um flash rápido: é que, podendo abordar a questão das alterações climáticas e a relação do Homem com a natureza, o CPR encontrou e tem, de facto, uma forma própria de encarar e perspectivar esta temática, como nós iremos ver no decorrer do programa estabelecido para este Congresso.

Aquilo que é, no conjunto da definição das questões climáticas e ecológicas, aquilo que na realidade é perspectiva de preocupação, de interesse e de proposta do CPR é o que nós poderemos chamar a ecologia humana. A ecologia humana em que o Homem é entendido como o maior Bem e o maior Dom da Natureza.

E isso é o trabalho e a acção constantes da parte do CPR que, ao preocupar-se com essa área imensa de uma realidade que transcende as nossas fronteiras e se espalha por todo o mundo, tem sobretudo a preocupação de fazer ver que a qualidade de vida neste universo em que nós vivemos passa, em primeiro lugar, por esta atenção ao próprio Homem, desde as crianças aos idosos, passando por aqueles que na vida adulta se vêem amargurados pela situação atroz em que se encontram.

O CPR oferece a modéstia da sua acção mas com vontade imensa e grande de que o Homem tenha uma qualidade de vida em que os seus direitos sejam respeitados, em que receba as condições e os meios para um desenvolvimento que hoje se diz sustentável - e com razão - e possa na realidade associar-se àquilo que de melhor a natureza lhe oferece.

Isto que estou aqui a enunciar brevemente vamos ver no decorrer deste Congresso que tem duas partes fundamentais e é de uma metodologia que eu considero feliz e que me parece uma proposta que facilita a nossa reflexão.

Vamos, num primeiro tempo, olhar a realidade: as alterações climáticas com as consequências que isso tem nas diversas vertentes da vida humana e das sociedades. Depois, num segundo tempo, vamos ver a acção, não apenas no sentido humanitário e jurídico mas inclusivamente no sentido institucional e civilizacional, apelando para a responsabilidade das diferentes instituições de que o CPR se considera também parte activa, embora com o contributo próprio, humilde e modesto será, mas rico para todos aqueles como eu que vivem por dentro e no conhecimento directo a acção que se desenvolve.

Não gostaria de terminar estas minhas palavras sem referir que a Câmara Municipal, que nós gostaríamos que estivesse aqui e só não pode porque o Senhor Presidente teve que sair para o estrangeiro, consideramo-la, de facto, um parceiro muito próximo de todos nós. E o sinal mais gratificante e querido é que no próximo dia 22 aqui em Lisboa vamos lançar a primeira pedra deste projecto, mercê do contributo da Câmara, e não só, mas de uma forma muito vincada, o centro para crianças refugiadas, uma coisa bonita da parte do Conselho.

É uma coisa bonita ver a parceria entre a autarquia e uma organização da natureza do CPR, e daqui deixo publicamente o nosso reconhecimento.

Está, digamos, aberto este nosso Congresso. Começo por dar a palavra ao Senhor Laurens Jolles, holandês e representante do ACNUR a nível regional.

Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

(ACNUR) | Laurens Jolles

Estou muito satisfeito por estar aqui hoje e agradeço ao CPR por nos convidar. No meu lugar deveria estar o Senhor António Guterres, Alto-Comissário para os Refugiados. Infelizmente teve outro compromisso ao qual não podia faltar, mas a sua inspiração está cá.

É um prazer estar entre tantos convidados distintos que se reuniram aqui hoje para discutir aquilo a que chamaria o lado humano das alterações climáticas. Será um dia interessante com um bom diálogo sobre muitos e diferentes aspectos das alterações climáticas, em particular sobre as alterações climáticas e a sua ligação com as deslocações

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08 agências que aumente a capacidade de enfrentar os desafios, aliviar o sofrimento e que ajude a restaurar uma medida de protecção, esperança e humanidade a um mundo que precisa dela desesperadamente.

Passo, por conseguinte, a palavra aos outros oradores, aos outros peritos que reflectem e lidam directamente com estas questões, desejando a todos um diálogo muito construtivo sobre este assunto tão importante

Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian | Emílio Rui Vilar

Senhor Ministro da Administração Interna,

Senhor Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados,

Senhor Presidente da Assembleia-geral do Conselho Português para os Refugiados,

Senhora Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Gostaria de vos dar a boas vindas à Fundação Calouste Gulbenkian, de saudar o Senhor Ministro da Administração Interna e de felicitar o Conselho Português para os Refugiados, nas pessoas dos seus presidentes da Assembleia-Geral e da Direcção, pela organização deste oportuno seminário Internacional dedicado à relação entre os movimentos humanos forçados e a questão das alterações climáticas.

Perante tão ilustre audiência e perante os reconhecidos especialistas que irão participar no seminário ao longo do dia, o meu contributo seria sempre modesto. Parece-me útil, no entanto, partilhar convosco a nossa experiência sobre o papel que as organizações da sociedade civil e, em particular, as fundações, podem desempenhar neste domínio.

A questão dos refugiados enquadra-se, em geral, na mobilidade das pessoas, que continua a ser um fenómeno global incontornável neste início de século. Para além da situação extrema dos refugiados e deslocados no seu próprio país, as migrações voluntárias ou forçadas não param de aumentar, em número e em diversidade e evoluem muito rapidamente, exercendo uma pressão constante sobre as sociedades de destino e as políticas de imigração e integração que vão sendo ensaiadas pelos respectivos países de acolhimento.

Estas políticas são sobretudo nacionais quando careceriam seguramente de uma abordagem mais global. Ora, as migrações traduzem uma realidade internacional mais complexa que não se compadece com regras ou políticas alicerçadas apenas nas soberanias dos Estados, ou seja, derivadas dos limites estreitos de uma geografia de fronteiras ou de interesses puramente nacionais.

No caso dos refugiados por razões ambientais e por catástrofes naturais, ou no caso do impacto no ambiente provocado pelos refugiados ou deslocados internos, a questão torna-se ainda mais complexa e delicada. A degradação das condições ambientais e a consequente escassez de recursos (água, terra arável, lenha para queimar …) é geralmente origem de conflitos onde as populações mais vulneráveis se tornam alvo de deslocações forçadas. Estas situações colocam em evidência a necessidade de articulação quer entre políticas públicas quer entre os diferentes actores responsáveis pela sua implementação no terreno. Com efeito, as organizações da sociedade civil, os Estados e as instituições internacionais devem articular-se para que os valores em causa – os direitos humanos, a paz, a segurança, o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental - sejam salvaguardados da forma mais eficaz e equilibrada. Se os refugiados ambientais traduzem uma realidade crescente, sinal visível das alterações climáticas na origem, a própria movimentação forçada de pessoas exerce uma pressão ambiental desproporcionada nos locais de destino ou de fixação temporária, para além da pressão económica, social e política intrínseca ao próprio fenómeno.

Devemos, por isso, procurar as melhores políticas públicas que permitam não só responder ao diagnóstico plural da crise ambiental e dos seus efeitos nas movimentações humanas contemporâneas, mas mais ainda avançar nas estratégias do seu combate e superação. Fácil de enunciar. Difícil de resolver:

Como modificar os modelos, mecanismos e processos de governação aos níveis local, regional e nacional?

Como aumentar a cooperação internacional, de modo efectivo, reconstruindo, ou criando novas instituições de governança global que, ao garantir a transição para o desenvolvimento sustentável, permitam, igualmente aumentar as possibilidades de paz duradoura sem o que nenhum futuro digno desse nome será possível?

As fundações, pelas suas características de proximidade, de independência e de capacidade de intermediação entre os diferentes sectores, podem desempenhar um papel útil na advocacia sobre a questão ambiental e o número crescente de refugiados por razões ambientais. No espaço europeu, a European Climate Foundation, por exemplo, constitui uma

plataforma interessante a este nível, envolvendo diferentes fundações, quer da Europa quer dos Estados Unidos, que procura promover políticas públicas que reduzam a emissão de gases nocivos e construir uma liderança europeia de mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

No caso da Fundação Calouste Gulbenkian, o Programa Gulbenkian Ambiente, entre outros, lançado em 2007, procura contribuir para uma fundamentada sensibilização dos cidadãos para as questões ambientais e os respectivos efeitos nos mais variados aspectos da vida humana; para aumentar a investigação, fomentando a transferência do conhecimento para tecnologias de menor impacto ambiental e uso mais eficiente da energia e dos recursos; para permitir a demonstração de “boas práticas” do ponto de vista ambiental, ao nível da melhor gestão de processos e organizações; e, por último, para fortalecer a cooperação e diálogo entre os diferentes actores – públicos, privados e sociedade civil – na formulação de políticas públicas.

Para além deste Programa, a Fundação tem colaborado activamente com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, nomeadamente através da Rede Helpin – Rede Portuguesa para a ajuda internacional aos refugiados -, um projecto do qual a Fundação é um dos parceiros fundadores. No quadro desta rede, é conhecido o projecto da Fundação EDP no campo de refugiados de Kakuma, no Quénia, uma iniciativa inédita na área das energias renováveis, que visa criar uma abordagem padrão de soluções de energia renovável que possa vir a ser replicada noutros campos de refugiados e ainda em comunidades carenciadas.

Serão pequenos contributos. Mas perante problemas complexos, os pequenos passos podem ajudar a abrir o caminho para as grandes soluções.

Muito obrigado.

Ministro da Administração Interna | Rui Pereira

Senhor Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian,

Senhor Presidente da Assembleia Geral do CPR,

Senhor Representante do ACNUR,

Senhora Presidente da Direcção do CPR,

Senhores Dirigentes,

Senhores Dirigentes do SEF,

Ilustres Convidados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A minha primeira palavra é para felicitar o CPR pelo acerto e manifesta utilidade do tema que escolheu para este debate. O cruzamento da questão dos refugiados com a questão das alterações climáticas é, na realidade, um tema da maior utilidade para todos. Permitam-me que diga que, como Ministro da Administração Interna, quer no plano estritamente nacional, quer no âmbito da União Europeia, estou familiarizado por dever de cargo com ambos os temas.

Na realidade, nós debatemos frequentemente a questão dos refugiados, a questão do asilo, muitas vezes em conjunto com a questão mais ampla das migrações, como seria de esperar. Debatemos, também, questões relacionadas com as alterações climáticas a propósito da protecção civil. Mas o que não é frequente é associar estes dois temas e essa associação é de uma grande felicidade. Não podemos dizer, naturalmente, que haja uma relação de causa e efeito entre alterações climáticas e refugiados. Não existe. Porém, é evidente a existência de mais do que uma mera relação contingente ou acidental entre os dois temas. Essa relação é muito mais profunda e situa-se a diversos níveis.

Em primeiro lugar, podemos reconhecer que as alterações climáticas, elas próprias, acentuam o fenómeno dos refugiados, implicam a escolha de determinadas rotas e atingem de sobremaneira os refugiados porque eles são pessoas especialmente vulneráveis. Por isso, tratar da questão das alterações climáticas, especificamente na perspectiva dos refugiados e mais amplamente na perspectiva das migrações, é algo de extraordinariamente meritório. E deixem que diga qualquer coisa, se me permitem, sobre a relação entre o fenómeno das migrações e o fenómeno dos refugiados. Naturalmente, trata-se de realidades diversas e já ouvi o próprio Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, o Eng.º António Guterres, falar dessa distinção obrigatória. É obrigatório estabelecer essa distinção para poder haver uma política assumida em matéria de refugiados e de asilo.

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08 agências que aumente a capacidade de enfrentar os desafios, aliviar o sofrimento e que ajude a restaurar uma medida de protecção, esperança e humanidade a um mundo que precisa dela desesperadamente.

Passo, por conseguinte, a palavra aos outros oradores, aos outros peritos que reflectem e lidam directamente com estas questões, desejando a todos um diálogo muito construtivo sobre este assunto tão importante

Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian | Emílio Rui Vilar

Senhor Ministro da Administração Interna,

Senhor Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados,

Senhor Presidente da Assembleia-geral do Conselho Português para os Refugiados,

Senhora Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Gostaria de vos dar a boas vindas à Fundação Calouste Gulbenkian, de saudar o Senhor Ministro da Administração Interna e de felicitar o Conselho Português para os Refugiados, nas pessoas dos seus presidentes da Assembleia-Geral e da Direcção, pela organização deste oportuno seminário Internacional dedicado à relação entre os movimentos humanos forçados e a questão das alterações climáticas.

Perante tão ilustre audiência e perante os reconhecidos especialistas que irão participar no seminário ao longo do dia, o meu contributo seria sempre modesto. Parece-me útil, no entanto, partilhar convosco a nossa experiência sobre o papel que as organizações da sociedade civil e, em particular, as fundações, podem desempenhar neste domínio.

A questão dos refugiados enquadra-se, em geral, na mobilidade das pessoas, que continua a ser um fenómeno global incontornável neste início de século. Para além da situação extrema dos refugiados e deslocados no seu próprio país, as migrações voluntárias ou forçadas não param de aumentar, em número e em diversidade e evoluem muito rapidamente, exercendo uma pressão constante sobre as sociedades de destino e as políticas de imigração e integração que vão sendo ensaiadas pelos respectivos países de acolhimento.

Estas políticas são sobretudo nacionais quando careceriam seguramente de uma abordagem mais global. Ora, as migrações traduzem uma realidade internacional mais complexa que não se compadece com regras ou políticas alicerçadas apenas nas soberanias dos Estados, ou seja, derivadas dos limites estreitos de uma geografia de fronteiras ou de interesses puramente nacionais.

No caso dos refugiados por razões ambientais e por catástrofes naturais, ou no caso do impacto no ambiente provocado pelos refugiados ou deslocados internos, a questão torna-se ainda mais complexa e delicada. A degradação das condições ambientais e a consequente escassez de recursos (água, terra arável, lenha para queimar …) é geralmente origem de conflitos onde as populações mais vulneráveis se tornam alvo de deslocações forçadas. Estas situações colocam em evidência a necessidade de articulação quer entre políticas públicas quer entre os diferentes actores responsáveis pela sua implementação no terreno. Com efeito, as organizações da sociedade civil, os Estados e as instituições internacionais devem articular-se para que os valores em causa – os direitos humanos, a paz, a segurança, o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental - sejam salvaguardados da forma mais eficaz e equilibrada. Se os refugiados ambientais traduzem uma realidade crescente, sinal visível das alterações climáticas na origem, a própria movimentação forçada de pessoas exerce uma pressão ambiental desproporcionada nos locais de destino ou de fixação temporária, para além da pressão económica, social e política intrínseca ao próprio fenómeno.

Devemos, por isso, procurar as melhores políticas públicas que permitam não só responder ao diagnóstico plural da crise ambiental e dos seus efeitos nas movimentações humanas contemporâneas, mas mais ainda avançar nas estratégias do seu combate e superação. Fácil de enunciar. Difícil de resolver:

Como modificar os modelos, mecanismos e processos de governação aos níveis local, regional e nacional?

Como aumentar a cooperação internacional, de modo efectivo, reconstruindo, ou criando novas instituições de governança global que, ao garantir a transição para o desenvolvimento sustentável, permitam, igualmente aumentar as possibilidades de paz duradoura sem o que nenhum futuro digno desse nome será possível?

As fundações, pelas suas características de proximidade, de independência e de capacidade de intermediação entre os diferentes sectores, podem desempenhar um papel útil na advocacia sobre a questão ambiental e o número crescente de refugiados por razões ambientais. No espaço europeu, a European Climate Foundation, por exemplo, constitui uma

plataforma interessante a este nível, envolvendo diferentes fundações, quer da Europa quer dos Estados Unidos, que procura promover políticas públicas que reduzam a emissão de gases nocivos e construir uma liderança europeia de mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

No caso da Fundação Calouste Gulbenkian, o Programa Gulbenkian Ambiente, entre outros, lançado em 2007, procura contribuir para uma fundamentada sensibilização dos cidadãos para as questões ambientais e os respectivos efeitos nos mais variados aspectos da vida humana; para aumentar a investigação, fomentando a transferência do conhecimento para tecnologias de menor impacto ambiental e uso mais eficiente da energia e dos recursos; para permitir a demonstração de “boas práticas” do ponto de vista ambiental, ao nível da melhor gestão de processos e organizações; e, por último, para fortalecer a cooperação e diálogo entre os diferentes actores – públicos, privados e sociedade civil – na formulação de políticas públicas.

Para além deste Programa, a Fundação tem colaborado activamente com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, nomeadamente através da Rede Helpin – Rede Portuguesa para a ajuda internacional aos refugiados -, um projecto do qual a Fundação é um dos parceiros fundadores. No quadro desta rede, é conhecido o projecto da Fundação EDP no campo de refugiados de Kakuma, no Quénia, uma iniciativa inédita na área das energias renováveis, que visa criar uma abordagem padrão de soluções de energia renovável que possa vir a ser replicada noutros campos de refugiados e ainda em comunidades carenciadas.

Serão pequenos contributos. Mas perante problemas complexos, os pequenos passos podem ajudar a abrir o caminho para as grandes soluções.

Muito obrigado.

Ministro da Administração Interna | Rui Pereira

Senhor Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian,

Senhor Presidente da Assembleia Geral do CPR,

Senhor Representante do ACNUR,

Senhora Presidente da Direcção do CPR,

Senhores Dirigentes,

Senhores Dirigentes do SEF,

Ilustres Convidados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A minha primeira palavra é para felicitar o CPR pelo acerto e manifesta utilidade do tema que escolheu para este debate. O cruzamento da questão dos refugiados com a questão das alterações climáticas é, na realidade, um tema da maior utilidade para todos. Permitam-me que diga que, como Ministro da Administração Interna, quer no plano estritamente nacional, quer no âmbito da União Europeia, estou familiarizado por dever de cargo com ambos os temas.

Na realidade, nós debatemos frequentemente a questão dos refugiados, a questão do asilo, muitas vezes em conjunto com a questão mais ampla das migrações, como seria de esperar. Debatemos, também, questões relacionadas com as alterações climáticas a propósito da protecção civil. Mas o que não é frequente é associar estes dois temas e essa associação é de uma grande felicidade. Não podemos dizer, naturalmente, que haja uma relação de causa e efeito entre alterações climáticas e refugiados. Não existe. Porém, é evidente a existência de mais do que uma mera relação contingente ou acidental entre os dois temas. Essa relação é muito mais profunda e situa-se a diversos níveis.

Em primeiro lugar, podemos reconhecer que as alterações climáticas, elas próprias, acentuam o fenómeno dos refugiados, implicam a escolha de determinadas rotas e atingem de sobremaneira os refugiados porque eles são pessoas especialmente vulneráveis. Por isso, tratar da questão das alterações climáticas, especificamente na perspectiva dos refugiados e mais amplamente na perspectiva das migrações, é algo de extraordinariamente meritório. E deixem que diga qualquer coisa, se me permitem, sobre a relação entre o fenómeno das migrações e o fenómeno dos refugiados. Naturalmente, trata-se de realidades diversas e já ouvi o próprio Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, o Eng.º António Guterres, falar dessa distinção obrigatória. É obrigatório estabelecer essa distinção para poder haver uma política assumida em matéria de refugiados e de asilo.

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No entanto, é igualmente verdade que nós só podemos pensar a política de refugiados e de asilo num contexto mais amplo da política de migrações. Também aqui se impõe a velha máxima ambiental: pensar global, agir local. Na realidade há uma interpenetração de fenómenos que obriga a considerar a questão dos refugiados e do asilo uma questão situada num universo mais amplo das migrações, que são um dos fenómenos mais importantes deste século, como disse o Dr. Rui Vilar, e que transportamos já, naturalmente, do século passado.

Queria aqui sublinhar, ainda, a relação muito estreita que existe entre o Ministério da Administração Interna e o Conselho Português para os Refugiados. Tem havido uma parceria muito estreita, muito leal, diria, sem exagero, muito profícua, entre o Ministério e o CPR. Essa parceria tem dado frutos concretos. Deu frutos, nomeadamente, no âmbito dos programas de reinstalação de refugiados mas de forma ampla permite-nos abordar a questão de uma forma muito mais produtiva. Queremos continuar a ter essa parceria bem activa para desenvolvermos a nossa política.

Política que, também eu queria repetir aqui, é uma política humanista, global e integradora. Em matéria de migrações, em alturas de dificuldades, é bom recordar quais são os eixos fundamentais da nossa política.

A nossa política de migrações tem-se sempre orientado sempre por quatro vectores essenciais. Em primeiro lugar, favorecendo a imigração legal, o que fazemos nomeadamente através de mecanismos que a nossa Lei de Estrangeiros contempla, como o da regularização da situação de imigrantes que entraram legalmente no nosso país, possuem contratos de trabalhos válidos e fazem os descontos previstos pela lei portuguesa. Em segundo lugar, o combate sem desfalecimento ao auxílio à imigração ilegal e ao tráfico de pessoas, fenómenos muitíssimo graves e que estão na origem de dramas humanitários gravíssimos. Em terceiro lugar, a integração de imigrantes que temos prosseguido através de vários programas incluindo o Programa “SEF vai à escola”, pelo qual temos conseguido promover a regularização sistemática de crianças e adolescentes que estão em situação ilegal em Portugal.

E, finalmente, a gestão das fronteiras, porque hoje as fronteiras convocam-nos para uma nova responsabilidade. É de excluir a ideia de que por haver fronteiras comuns no espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia, nós hoje temos menores responsabilidades em matéria de fronteiras. As nossas fronteiras são comuns, Portugal tem uma responsabilidade de gestão de uma fronteira que é a fronteira de 27 Estados, a fronteira atlântica, e compartilha responsabilidades com os outros Estados na gestão das demais fronteiras comuns.

E uma última palavra, se me permitem, vai precisamente para as nossas responsabilidades europeias. Também já foi dito, com inteiro acerto, que estas políticas têm de ser desenvolvidas de forma integrada à escala europeia, e mesmo à escala planetária. É impensável que num espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas se pense em fenómenos como o dos refugiados ou o das migrações, de uma forma estritamente unilateral. Quem entra em Portugal, entra na Europa. Quem entra em qualquer outro país que pertença ao Espaço Schengen, faz parte, passa a fazer parte desse espaço de liberdade, segurança e justiça. Por isso, as nossas políticas são necessariamente articuladas com as da União Europeia e têm de ser políticas também articuladas em matéria de migrações e em matéria de refugiados, com países de origem, com países de passagem e com países de destino.

É, portanto, neste clima cooperativo que nós continuaremos a desenvolver a nossa política, uma política que nos orgulhamos de considerar exemplar a vários títulos e que está à altura da nossa História, uma História de migrações desde há muitos séculos, uma História de migrações num passado mais recente. Nessa política, repito, continuamos a contar com os nossos parceiros, com as fundações que desenvolvem nesta matéria uma actividade essencial, com todas as associações da sociedade civil, aqui a começar pelo Conselho Português para os Refugiados.

Muito Obrigado.

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No entanto, é igualmente verdade que nós só podemos pensar a política de refugiados e de asilo num contexto mais amplo da política de migrações. Também aqui se impõe a velha máxima ambiental: pensar global, agir local. Na realidade há uma interpenetração de fenómenos que obriga a considerar a questão dos refugiados e do asilo uma questão situada num universo mais amplo das migrações, que são um dos fenómenos mais importantes deste século, como disse o Dr. Rui Vilar, e que transportamos já, naturalmente, do século passado.

Queria aqui sublinhar, ainda, a relação muito estreita que existe entre o Ministério da Administração Interna e o Conselho Português para os Refugiados. Tem havido uma parceria muito estreita, muito leal, diria, sem exagero, muito profícua, entre o Ministério e o CPR. Essa parceria tem dado frutos concretos. Deu frutos, nomeadamente, no âmbito dos programas de reinstalação de refugiados mas de forma ampla permite-nos abordar a questão de uma forma muito mais produtiva. Queremos continuar a ter essa parceria bem activa para desenvolvermos a nossa política.

Política que, também eu queria repetir aqui, é uma política humanista, global e integradora. Em matéria de migrações, em alturas de dificuldades, é bom recordar quais são os eixos fundamentais da nossa política.

A nossa política de migrações tem-se sempre orientado sempre por quatro vectores essenciais. Em primeiro lugar, favorecendo a imigração legal, o que fazemos nomeadamente através de mecanismos que a nossa Lei de Estrangeiros contempla, como o da regularização da situação de imigrantes que entraram legalmente no nosso país, possuem contratos de trabalhos válidos e fazem os descontos previstos pela lei portuguesa. Em segundo lugar, o combate sem desfalecimento ao auxílio à imigração ilegal e ao tráfico de pessoas, fenómenos muitíssimo graves e que estão na origem de dramas humanitários gravíssimos. Em terceiro lugar, a integração de imigrantes que temos prosseguido através de vários programas incluindo o Programa “SEF vai à escola”, pelo qual temos conseguido promover a regularização sistemática de crianças e adolescentes que estão em situação ilegal em Portugal.

E, finalmente, a gestão das fronteiras, porque hoje as fronteiras convocam-nos para uma nova responsabilidade. É de excluir a ideia de que por haver fronteiras comuns no espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia, nós hoje temos menores responsabilidades em matéria de fronteiras. As nossas fronteiras são comuns, Portugal tem uma responsabilidade de gestão de uma fronteira que é a fronteira de 27 Estados, a fronteira atlântica, e compartilha responsabilidades com os outros Estados na gestão das demais fronteiras comuns.

E uma última palavra, se me permitem, vai precisamente para as nossas responsabilidades europeias. Também já foi dito, com inteiro acerto, que estas políticas têm de ser desenvolvidas de forma integrada à escala europeia, e mesmo à escala planetária. É impensável que num espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas se pense em fenómenos como o dos refugiados ou o das migrações, de uma forma estritamente unilateral. Quem entra em Portugal, entra na Europa. Quem entra em qualquer outro país que pertença ao Espaço Schengen, faz parte, passa a fazer parte desse espaço de liberdade, segurança e justiça. Por isso, as nossas políticas são necessariamente articuladas com as da União Europeia e têm de ser políticas também articuladas em matéria de migrações e em matéria de refugiados, com países de origem, com países de passagem e com países de destino.

É, portanto, neste clima cooperativo que nós continuaremos a desenvolver a nossa política, uma política que nos orgulhamos de considerar exemplar a vários títulos e que está à altura da nossa História, uma História de migrações desde há muitos séculos, uma História de migrações num passado mais recente. Nessa política, repito, continuamos a contar com os nossos parceiros, com as fundações que desenvolvem nesta matéria uma actividade essencial, com todas as associações da sociedade civil, aqui a começar pelo Conselho Português para os Refugiados.

Muito Obrigado.

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PAINEL IOS IMPACTOS DASALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NAS POPULAÇÕES

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Fonte NOAA

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12 China e da América Central, especialmente do México. Portanto há, efectivamente, fluxos migratórios muito elevados actualmente. Um filme sobre os refugiados climáticos que vos aconselho é o Climate Refugees realizado por Michael Nash e lançado em 2010.

Antes de prosseguir gostava de vos referir que temos actualmente vários sinais de insustentabilidade. Falamos muito de desenvolvimento sustentável mas é importante termos presente que estamos confrontados com vários sinais de insustentabilidade e esses sinais podem agrupar-se em quatro sectores: as desigualdades de desenvolvimento, a pobreza extrema e severa - eu diria que este é o sector mais importante porque condiciona todos os outros, estamos num mundo cada vez mais extremado e com desigualdades crescentes – o segundo é a sustentabilidade dos sistemas de energia - e aqui tínhamos que falar do preço da energia, da acessibilidade e da compatibilidade ambiental – o terceiro inclui a segurança alimentar, a escassez de água e a perda de biodiversidade, e finalmente as alterações climáticas. O que é importante salientar é que estes quatro sectores estão relacionados uns com os outros, são interdependentes, e temos que abordar as respectivas problemáticas, estes focos de insustentabilidade, de uma forma integrada. Não nos podemos limitar a considerar apenas um deles mas temos que os abordar de uma forma conjunta e coerente.

O clima variou ao longo da história da Terra, mas agora estamos a provocar uma alteração climática devido às emissões de gases com efeito estufa, especialmente dióxido de carbono cuja concentração atmosférica aumentou de 280ppmv (partes por milhão em volume), antes da Revolução Industrial, para 390ppmv no final de 2010.

Temos aqui uma imagem de medições da concentração do CO2 atmosférico e reparem que há um crescimento contínuo do seu valor médio anual. Estas oscilações são sazonais e são bem conhecidas do ponto de vista científico. Dados muito recentes, do terceiro trimestre de 2010, mostram que a concentração medida no Havai, em Mauna Loa, está já nos 390ppmv. Não é só o CO2, há outros gases com efeito de estufa com emissões antropogénicas: o óxido nitroso, o metano e outros gases.

Não vou falar sobre isso mas gostaria de salientar que 57% do forçamento radiactivo resulta das emissões de CO2 provenientes da queima dos combustíveis fósseis, 20% das alterações no uso do solo, essencialmente da desflorestação e 23% dos outros gases com efeito de estufa, como referi há pouco: o metano e o óxido nitroso, principalmente. Reparem que se conseguíssemos travar a desflorestação a nível mundial isso era uma contribuição já muito importante para resolver o problema das alterações climáticas. Isso era uma situação win-win, uma situação em que ganharíamos em vários aspectos: travando a desflorestação combatem-se as alterações climáticas e contribui-se para a preservação da biodiversidade.

A situação actual é que as emissões continuam a crescer. Presentemente as emissões globais de carbono sob forma de CO2 são mais de 8 mil milhões de toneladas por ano, o que significa que per capita, é mais de uma tonelada de carbono sob a forma de CO2 por ano, embora haja grandes diferenças entre países. Em 2009 as emissões decresceram, devido à crise económica, cerca de 1,1%; um decrescimento pequeno. O objectivo é que elas decresçam sem crise económica, através de políticas e medidas de mitigação, portanto, de uma menor utilização dos

Estão aqui indicados os principais fluxos migratórios. Reparem que a Europa é um ponto de chegada muito significativo, sobretudo do Norte de África, mas também da Índia, da China e do Médio Oriente; é um ponto de confluência. Há também migrações para o Médio Oriente a partir das Filipinas e os fluxos para os EUA provenientes da

Alterações climáticas: cenários futuros em Portugal e no Mundo |Filipe Duarte Santos, Professor Catedrático na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Muito bom dia. Muito bom dia a todos.

Gostaria de começar por agradecer o convite que me foi feito para estar aqui presente nesta reunião, que é de grande interesse e muito oportuna, para dar o meu contributo em relação a esta problemática das alterações climáticas e das migrações, dos refugiados ambientais e dos refugiados climáticos.

Uma primeira questão que gostava de referir é que não existe uma definição consensual, uma definição adoptada pelas Nações Unidas, sobre aquilo que é um refugiado ambiental. A Organização Internacional das Migrações adopta a seguinte definição de refugiados ambientais: «pessoas ou grupo de pessoas que devido a alterações repentinas ou progressivas no meio ambiente que afectam adversamente as suas vidas e as suas condições de vida, decidem ou são obrigadas a deixar as suas casas, temporariamente ou permanentemente, deslocando-se para outros locais do seu país ou para o estrangeiro».

No que respeita aos refugiados climáticos, ainda estamos, um pouco mais longe de ter uma definição operacional e consensual. O Global Governance Project define os refugiados climáticos como, essencialmente, aquilo que referi, mas agora caracterizando quais são as causas das deslocações, indicando quatro: a subida do nível médio do mar, os eventos meteorológicos extremos, a seca e a escassez de água.

O facto de não haver uma definição implica que os refugiados ambientais e climáticos não são reconhecidos pela Convenção de Genebra. Consequentemente, não têm a protecção das organizações internacionais do âmbito das Nações Unidas, embora as Nações Unidas estejam conscientes do problema, tenham debatido o problema e se tenham referido a este tema com grande frequência. Não existem, pois, estatísticas oficiais das Nações Unidas sobre o número de refugiados ambientais e climáticos.

Contudo, há várias organizações que fazem estimativas sobre esse número, que actualmente será provavelmente próximo de 25 milhões de refugiados ambientais e que poderá duplicar nos próximos 5 anos e atingir 150 a 1000 milhões em 2050. Há uma incerteza muito grande mas são números muito elevados. Em quatro décadas poderemos ter 150 a 1000 milhões de pessoas deslocadas devido a razões ambientais, sobretudo devido aos impactos negativos das alterações climáticas.

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Fonte NOAA

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12 China e da América Central, especialmente do México. Portanto há, efectivamente, fluxos migratórios muito elevados actualmente. Um filme sobre os refugiados climáticos que vos aconselho é o Climate Refugees realizado por Michael Nash e lançado em 2010.

Antes de prosseguir gostava de vos referir que temos actualmente vários sinais de insustentabilidade. Falamos muito de desenvolvimento sustentável mas é importante termos presente que estamos confrontados com vários sinais de insustentabilidade e esses sinais podem agrupar-se em quatro sectores: as desigualdades de desenvolvimento, a pobreza extrema e severa - eu diria que este é o sector mais importante porque condiciona todos os outros, estamos num mundo cada vez mais extremado e com desigualdades crescentes – o segundo é a sustentabilidade dos sistemas de energia - e aqui tínhamos que falar do preço da energia, da acessibilidade e da compatibilidade ambiental – o terceiro inclui a segurança alimentar, a escassez de água e a perda de biodiversidade, e finalmente as alterações climáticas. O que é importante salientar é que estes quatro sectores estão relacionados uns com os outros, são interdependentes, e temos que abordar as respectivas problemáticas, estes focos de insustentabilidade, de uma forma integrada. Não nos podemos limitar a considerar apenas um deles mas temos que os abordar de uma forma conjunta e coerente.

O clima variou ao longo da história da Terra, mas agora estamos a provocar uma alteração climática devido às emissões de gases com efeito estufa, especialmente dióxido de carbono cuja concentração atmosférica aumentou de 280ppmv (partes por milhão em volume), antes da Revolução Industrial, para 390ppmv no final de 2010.

Temos aqui uma imagem de medições da concentração do CO2 atmosférico e reparem que há um crescimento contínuo do seu valor médio anual. Estas oscilações são sazonais e são bem conhecidas do ponto de vista científico. Dados muito recentes, do terceiro trimestre de 2010, mostram que a concentração medida no Havai, em Mauna Loa, está já nos 390ppmv. Não é só o CO2, há outros gases com efeito de estufa com emissões antropogénicas: o óxido nitroso, o metano e outros gases.

Não vou falar sobre isso mas gostaria de salientar que 57% do forçamento radiactivo resulta das emissões de CO2 provenientes da queima dos combustíveis fósseis, 20% das alterações no uso do solo, essencialmente da desflorestação e 23% dos outros gases com efeito de estufa, como referi há pouco: o metano e o óxido nitroso, principalmente. Reparem que se conseguíssemos travar a desflorestação a nível mundial isso era uma contribuição já muito importante para resolver o problema das alterações climáticas. Isso era uma situação win-win, uma situação em que ganharíamos em vários aspectos: travando a desflorestação combatem-se as alterações climáticas e contribui-se para a preservação da biodiversidade.

A situação actual é que as emissões continuam a crescer. Presentemente as emissões globais de carbono sob forma de CO2 são mais de 8 mil milhões de toneladas por ano, o que significa que per capita, é mais de uma tonelada de carbono sob a forma de CO2 por ano, embora haja grandes diferenças entre países. Em 2009 as emissões decresceram, devido à crise económica, cerca de 1,1%; um decrescimento pequeno. O objectivo é que elas decresçam sem crise económica, através de políticas e medidas de mitigação, portanto, de uma menor utilização dos

Estão aqui indicados os principais fluxos migratórios. Reparem que a Europa é um ponto de chegada muito significativo, sobretudo do Norte de África, mas também da Índia, da China e do Médio Oriente; é um ponto de confluência. Há também migrações para o Médio Oriente a partir das Filipinas e os fluxos para os EUA provenientes da

Alterações climáticas: cenários futuros em Portugal e no Mundo |Filipe Duarte Santos, Professor Catedrático na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Muito bom dia. Muito bom dia a todos.

Gostaria de começar por agradecer o convite que me foi feito para estar aqui presente nesta reunião, que é de grande interesse e muito oportuna, para dar o meu contributo em relação a esta problemática das alterações climáticas e das migrações, dos refugiados ambientais e dos refugiados climáticos.

Uma primeira questão que gostava de referir é que não existe uma definição consensual, uma definição adoptada pelas Nações Unidas, sobre aquilo que é um refugiado ambiental. A Organização Internacional das Migrações adopta a seguinte definição de refugiados ambientais: «pessoas ou grupo de pessoas que devido a alterações repentinas ou progressivas no meio ambiente que afectam adversamente as suas vidas e as suas condições de vida, decidem ou são obrigadas a deixar as suas casas, temporariamente ou permanentemente, deslocando-se para outros locais do seu país ou para o estrangeiro».

No que respeita aos refugiados climáticos, ainda estamos, um pouco mais longe de ter uma definição operacional e consensual. O Global Governance Project define os refugiados climáticos como, essencialmente, aquilo que referi, mas agora caracterizando quais são as causas das deslocações, indicando quatro: a subida do nível médio do mar, os eventos meteorológicos extremos, a seca e a escassez de água.

O facto de não haver uma definição implica que os refugiados ambientais e climáticos não são reconhecidos pela Convenção de Genebra. Consequentemente, não têm a protecção das organizações internacionais do âmbito das Nações Unidas, embora as Nações Unidas estejam conscientes do problema, tenham debatido o problema e se tenham referido a este tema com grande frequência. Não existem, pois, estatísticas oficiais das Nações Unidas sobre o número de refugiados ambientais e climáticos.

Contudo, há várias organizações que fazem estimativas sobre esse número, que actualmente será provavelmente próximo de 25 milhões de refugiados ambientais e que poderá duplicar nos próximos 5 anos e atingir 150 a 1000 milhões em 2050. Há uma incerteza muito grande mas são números muito elevados. Em quatro décadas poderemos ter 150 a 1000 milhões de pessoas deslocadas devido a razões ambientais, sobretudo devido aos impactos negativos das alterações climáticas.

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14 combustíveis fósseis, de maior eficiência energética, de maior penetração das energias renováveis e do combate a desflorestação.

A nível da temperatura média global da atmosfera à superfície, há uma tendência de subida, sobretudo a partir dos anos 70, que é muito clara neste gráfico. Há uma aceleração desse crescimento, como é visível nos intervalos de tempo em que se fez uma aproximação linear ao comportamento da temperatura média global à superfície.

1979 2005

Fonte NOAA

marítima entre o Pacífico e o Atlântico. Aliás esta rota já está a ser utilizada por navios mercantes. A maioria dos glaciares das montanhas está a recuar.

A imagem seguinte compara a extensão do glaciar de Pasterze na Áustria entre 1875 e 2004

Um aspecto que é muito importante, e que gostaria de referir a seguir, é a questão da subida do nível médio do mar. Essa é uma questão de longo prazo.

O nível médio do mar subiu nos últimos 100 anos cerca de 15cm, o que significa uma taxa média de 1,5 mm por ano. Esta taxa está aumentar, actualmente já é de mais de 3 mm por ano, o que significa 30 cm no período de um século.

Tudo aquilo que os cientistas têm estudado, e os modelos que utilizam, indicam que esta taxa de aumento do nível médio do mar, esta taxa anual, vai continuar a aumentar no futuro. E porquê? Qual é a razão de termos bastante segurança a fazer esta afirmação? É porque o oceano responde de uma forma muito lenta a um estímulo climático na atmosfera. Aquilo que estamos a fazer é lançar para a atmosfera grandes quantidades de gases com efeitos de estufa, em particular o CO2. Esse CO2 intensifica o efeito de estufa, e a principal consequência é um aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície. O oceano vai aquecendo devido a esse aumento da temperatura da atmosfera mas aquece primeiro a camada superficial dessa grande massa que é o oceano.

O oceano é muito profundo, a profundidade média do oceano é cerca de 4km. Esse aumento da temperatura da parte superficial do oceano vai-se propagando em profundidade, muito lentamente, e por isso a resposta do oceano é muito lenta. As últimas estimativas são de um aumento do nível médio do mar da ordem de 1 metro até ao fim do século. Há ainda uma grande incerteza neste número, dito de outra forma, a incerteza corresponde a um intervalo entre 60 cm e 1,40 m mas, de qualquer forma, o valor mais provável, é de cerca de 1 metro. Mas as notícias mais preocupantes são que com aquilo que já foi emitido para a atmosfera é provável que no fim do próximo século iremos ter cerca de 2 metros de subida do nível médio do mar, ou seja, 1 metro por século.

A imagem da esquerda representa uma das ilhas de Tuvalu um arquipélago com ilhas de muito baixa altitude que é muito vulnerável à subida do nível médio do mar. A imagem da direita representa uma das ilhas de Carteret constituídas por um conjunto de atóis na Papua Nova Guiné, regiões onde vivia uma população de 2700 pessoas. Estas pessoas tiveram que ser realojadas em outras ilhas devido à subida do nível médio do mar e são consideradas um dos primeiros exemplos de refugiados climáticos.

Este aquecimento não é uniforme em todo o planeta, sendo mais pronunciado nas regiões que estão aqui a vermelho e castanho, que são regiões continentais, e sobretudo no Norte, nas regiões de latitude elevada, na região do Árctico e também no interior da Eurásia, em particular na Sibéria.

Dos sítios do mundo em que as alterações climáticas são mais evidentes é no Árctico. Se queremos, de facto, convencer-nos de que há alterações climáticas, devemos analisar o que se está a passar actualmente no Árctico.

Isto é uma imagem de satélite tirada no fim do Verão, Setembro, de 1979. A extensão mínima anual do gelo oceânico no Árctico apresenta uma redução muito significativa de 1979 a 2005, uma redução ainda maior em 2007 e nos anos seguintes a tendência de redução mantém-se.

Os cientistas não sabiam como se comportaria a grande massa de gelo que está sobre a Gronelândia e que tem cerca de 2 quilómetros de altura, sob o efeito das alterações climáticas. Não sabíamos porque é uma grande massa de gelo. Será que ela resiste bem a um aumento da temperatura média da atmosfera da ordem de 1º a 3ºC? Agora sabe-se que ela não resiste tão bem como inicialmente se pensava, é mais vulnerável do que se supunha. À superfície do gelo formam-se lagos cuja água corre em ribeiras e acaba por se infiltrar na massa de gelo constituindo canais verticais até à base do gelo que os anglo-saxónicos designam por moulins. Esta água no estado líquido chega à base da camada de gelo, lubrifica o contacto com a rocha e acelera o processo de fusão.

Aqui uma imagem da situação actual da extensão dos gelos oceânicos em 2005. Desde então a extensão de área de gelo oceânico no final do verão tem vindo a reduzir-se. No futuro, provavelmente já em 2040, o gelo oceânico no Árctico deixará praticamente de existir e o mar Árctico tornar-se-á inteiramente navegável abrindo uma nova rota

Fonte IPCC Fonte GISS

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14 combustíveis fósseis, de maior eficiência energética, de maior penetração das energias renováveis e do combate a desflorestação.

A nível da temperatura média global da atmosfera à superfície, há uma tendência de subida, sobretudo a partir dos anos 70, que é muito clara neste gráfico. Há uma aceleração desse crescimento, como é visível nos intervalos de tempo em que se fez uma aproximação linear ao comportamento da temperatura média global à superfície.

1979 2005

Fonte NOAA

marítima entre o Pacífico e o Atlântico. Aliás esta rota já está a ser utilizada por navios mercantes. A maioria dos glaciares das montanhas está a recuar.

A imagem seguinte compara a extensão do glaciar de Pasterze na Áustria entre 1875 e 2004

Um aspecto que é muito importante, e que gostaria de referir a seguir, é a questão da subida do nível médio do mar. Essa é uma questão de longo prazo.

O nível médio do mar subiu nos últimos 100 anos cerca de 15cm, o que significa uma taxa média de 1,5 mm por ano. Esta taxa está aumentar, actualmente já é de mais de 3 mm por ano, o que significa 30 cm no período de um século.

Tudo aquilo que os cientistas têm estudado, e os modelos que utilizam, indicam que esta taxa de aumento do nível médio do mar, esta taxa anual, vai continuar a aumentar no futuro. E porquê? Qual é a razão de termos bastante segurança a fazer esta afirmação? É porque o oceano responde de uma forma muito lenta a um estímulo climático na atmosfera. Aquilo que estamos a fazer é lançar para a atmosfera grandes quantidades de gases com efeitos de estufa, em particular o CO2. Esse CO2 intensifica o efeito de estufa, e a principal consequência é um aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície. O oceano vai aquecendo devido a esse aumento da temperatura da atmosfera mas aquece primeiro a camada superficial dessa grande massa que é o oceano.

O oceano é muito profundo, a profundidade média do oceano é cerca de 4km. Esse aumento da temperatura da parte superficial do oceano vai-se propagando em profundidade, muito lentamente, e por isso a resposta do oceano é muito lenta. As últimas estimativas são de um aumento do nível médio do mar da ordem de 1 metro até ao fim do século. Há ainda uma grande incerteza neste número, dito de outra forma, a incerteza corresponde a um intervalo entre 60 cm e 1,40 m mas, de qualquer forma, o valor mais provável, é de cerca de 1 metro. Mas as notícias mais preocupantes são que com aquilo que já foi emitido para a atmosfera é provável que no fim do próximo século iremos ter cerca de 2 metros de subida do nível médio do mar, ou seja, 1 metro por século.

A imagem da esquerda representa uma das ilhas de Tuvalu um arquipélago com ilhas de muito baixa altitude que é muito vulnerável à subida do nível médio do mar. A imagem da direita representa uma das ilhas de Carteret constituídas por um conjunto de atóis na Papua Nova Guiné, regiões onde vivia uma população de 2700 pessoas. Estas pessoas tiveram que ser realojadas em outras ilhas devido à subida do nível médio do mar e são consideradas um dos primeiros exemplos de refugiados climáticos.

Este aquecimento não é uniforme em todo o planeta, sendo mais pronunciado nas regiões que estão aqui a vermelho e castanho, que são regiões continentais, e sobretudo no Norte, nas regiões de latitude elevada, na região do Árctico e também no interior da Eurásia, em particular na Sibéria.

Dos sítios do mundo em que as alterações climáticas são mais evidentes é no Árctico. Se queremos, de facto, convencer-nos de que há alterações climáticas, devemos analisar o que se está a passar actualmente no Árctico.

Isto é uma imagem de satélite tirada no fim do Verão, Setembro, de 1979. A extensão mínima anual do gelo oceânico no Árctico apresenta uma redução muito significativa de 1979 a 2005, uma redução ainda maior em 2007 e nos anos seguintes a tendência de redução mantém-se.

Os cientistas não sabiam como se comportaria a grande massa de gelo que está sobre a Gronelândia e que tem cerca de 2 quilómetros de altura, sob o efeito das alterações climáticas. Não sabíamos porque é uma grande massa de gelo. Será que ela resiste bem a um aumento da temperatura média da atmosfera da ordem de 1º a 3ºC? Agora sabe-se que ela não resiste tão bem como inicialmente se pensava, é mais vulnerável do que se supunha. À superfície do gelo formam-se lagos cuja água corre em ribeiras e acaba por se infiltrar na massa de gelo constituindo canais verticais até à base do gelo que os anglo-saxónicos designam por moulins. Esta água no estado líquido chega à base da camada de gelo, lubrifica o contacto com a rocha e acelera o processo de fusão.

Aqui uma imagem da situação actual da extensão dos gelos oceânicos em 2005. Desde então a extensão de área de gelo oceânico no final do verão tem vindo a reduzir-se. No futuro, provavelmente já em 2040, o gelo oceânico no Árctico deixará praticamente de existir e o mar Árctico tornar-se-á inteiramente navegável abrindo uma nova rota

Fonte IPCC Fonte GISS

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Rahmstorf, Cazenave, Church, Hansen, Keeling, Parker and Somerville (Science, 2008)

Aqui temos imagens de inundações no Bangladesh. As suas zonas costeiras constituem em local extremamente problemático em relação aos refugiados ambientais. Na Conferência de Copenhaga avançou-se um pouco de uma forma que não permite ter ainda um acordo global, internacional, de redução das emissões.

Antes da Conferência, o Presidente das Maldivas, Mohamed Nasheed, fez uma reunião do Conselho de Ministros, a primeira, provavelmente a nível mundial, debaixo de água, para chamar a atenção para a realidade do seu país. Mas não é só a questão das inundações e da subida do nível do mar, é também a questão das secas. As secas são outro problema muito complexo. A crise do Darfur no Sudão, onde começaram as hostilidades no dia 3 de Fevereiro de

2003, foi muito provavelmente provocada, pela acentuada diminuição da precipitação naquela região do mundo associada às alterações climáticas. E há razões para dizer isso. Essa diminuição da precipitação tornou insustentável a coexistência das comunidades que se dedicavam à pastorícia com as comunidades que se dedicavam à agricultura e isso provocou conflitos étnicos muito violentos.

PROJECÇÕES PARA O FUTURO:Até 2100 projecta-se um aumento da temperatura média global, na ordem de 2 a 4 graus centígrados; quanto maior for o aumento da temperatura maior será a adversidade dos efeitos nos recursos hídricos, na agricultura, na biodiversidade, na saúde humana, nas zonas costeiras, no turismo, nos seguros e em muitos outros sectores;

Diminuição da precipitação, sobretudo em algumas regiões das latitudes médias, como, por exemplo na região do Sul da Europa, na região do Mediterrâneo. Na figura, que representa a variação da precipitação projectada para os últimos 30 anos deste século nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro (à esquerda) e nos meses de Junho, Julho e Agosto (à direita) as regiões com diminuição da precipitação estão representadas a castanho. A última figura na página anterior mostra que os impactos das alterações climáticas nos diversos sectores sócio-economicos será tanto mais gravosa quanto maior o aumento da temperatura média global.

A subida do nível médio do mar, que referi ante-riormente é, talvez, a longo prazo a questão mais grave. Na figura, os dados do nível médio do mar mais recentes são obtidos por meio de satélite. Os anteriores eram obtidos por meio de marégrafos. As projecções do IPCC indicadas foram feitas anteriormente e mostram que estão de acordo com aquilo que foi observado, mas o que foi observado está no limite superior das projecções.

As projecções foram feitas no início da década de 1990 e o que se mediu está dentro do intervalo de incerteza das projecções. Isto significa que os modelos que utilizamos começam a poder ser validados com as observações. As projecções obtidas com os modelos já têm tempo suficiente para podermos validar, ou não validar, os modelos que foram utilizados.

Conselho de Ministros do Governo das Maldivas em 17 de Outubro de 2009. Presidente: Mohamed Nasheed

Estão a ser evacuados para Bougainville que fica a cerca de 80 km a sul. E porque tiveram que abandonar as ilhas onde viviam? Sobretudo por causa dos recursos hídricos, porque com a subida do nível médio do mar, com tempestades frequentes e com a chamada sobrelevação do mar que lhe está associada, havia intrusão salina nos poucos recursos hídricos que tinham nessas ilhas, e também porque as culturas da banana e do taro, que eram as suas principais fontes de alimentação, tornaram-se inviáveis. Mas isto é algo que se vai passar em muitas outras ilhas que têm uma altitude muito baixa, tanto no Pacífico como também no Índico, onde as inundações se estão a tornar mais frequentes.

Os fenómenos climáticos e meteorológicos extremos são outro aspecto importante das alterações climáticas que era, aliás, referido na definição de refugiados climáticos. Aqui uma imagem de cheias na Alemanha, e uma imagem de Portugal, da enxurrada de 20 de Fevereiro de 2010 no Funchal.

Houve muitas enxurradas no passado, a questão é que há uma tendência para que se tornem mais intensas e com um menor período de retorno.

FONTE: IPCC

FONTE: IPCC

FONTE: IPCC

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Rahmstorf, Cazenave, Church, Hansen, Keeling, Parker and Somerville (Science, 2008)

Aqui temos imagens de inundações no Bangladesh. As suas zonas costeiras constituem em local extremamente problemático em relação aos refugiados ambientais. Na Conferência de Copenhaga avançou-se um pouco de uma forma que não permite ter ainda um acordo global, internacional, de redução das emissões.

Antes da Conferência, o Presidente das Maldivas, Mohamed Nasheed, fez uma reunião do Conselho de Ministros, a primeira, provavelmente a nível mundial, debaixo de água, para chamar a atenção para a realidade do seu país. Mas não é só a questão das inundações e da subida do nível do mar, é também a questão das secas. As secas são outro problema muito complexo. A crise do Darfur no Sudão, onde começaram as hostilidades no dia 3 de Fevereiro de

2003, foi muito provavelmente provocada, pela acentuada diminuição da precipitação naquela região do mundo associada às alterações climáticas. E há razões para dizer isso. Essa diminuição da precipitação tornou insustentável a coexistência das comunidades que se dedicavam à pastorícia com as comunidades que se dedicavam à agricultura e isso provocou conflitos étnicos muito violentos.

PROJECÇÕES PARA O FUTURO:Até 2100 projecta-se um aumento da temperatura média global, na ordem de 2 a 4 graus centígrados; quanto maior for o aumento da temperatura maior será a adversidade dos efeitos nos recursos hídricos, na agricultura, na biodiversidade, na saúde humana, nas zonas costeiras, no turismo, nos seguros e em muitos outros sectores;

Diminuição da precipitação, sobretudo em algumas regiões das latitudes médias, como, por exemplo na região do Sul da Europa, na região do Mediterrâneo. Na figura, que representa a variação da precipitação projectada para os últimos 30 anos deste século nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro (à esquerda) e nos meses de Junho, Julho e Agosto (à direita) as regiões com diminuição da precipitação estão representadas a castanho. A última figura na página anterior mostra que os impactos das alterações climáticas nos diversos sectores sócio-economicos será tanto mais gravosa quanto maior o aumento da temperatura média global.

A subida do nível médio do mar, que referi ante-riormente é, talvez, a longo prazo a questão mais grave. Na figura, os dados do nível médio do mar mais recentes são obtidos por meio de satélite. Os anteriores eram obtidos por meio de marégrafos. As projecções do IPCC indicadas foram feitas anteriormente e mostram que estão de acordo com aquilo que foi observado, mas o que foi observado está no limite superior das projecções.

As projecções foram feitas no início da década de 1990 e o que se mediu está dentro do intervalo de incerteza das projecções. Isto significa que os modelos que utilizamos começam a poder ser validados com as observações. As projecções obtidas com os modelos já têm tempo suficiente para podermos validar, ou não validar, os modelos que foram utilizados.

Conselho de Ministros do Governo das Maldivas em 17 de Outubro de 2009. Presidente: Mohamed Nasheed

Estão a ser evacuados para Bougainville que fica a cerca de 80 km a sul. E porque tiveram que abandonar as ilhas onde viviam? Sobretudo por causa dos recursos hídricos, porque com a subida do nível médio do mar, com tempestades frequentes e com a chamada sobrelevação do mar que lhe está associada, havia intrusão salina nos poucos recursos hídricos que tinham nessas ilhas, e também porque as culturas da banana e do taro, que eram as suas principais fontes de alimentação, tornaram-se inviáveis. Mas isto é algo que se vai passar em muitas outras ilhas que têm uma altitude muito baixa, tanto no Pacífico como também no Índico, onde as inundações se estão a tornar mais frequentes.

Os fenómenos climáticos e meteorológicos extremos são outro aspecto importante das alterações climáticas que era, aliás, referido na definição de refugiados climáticos. Aqui uma imagem de cheias na Alemanha, e uma imagem de Portugal, da enxurrada de 20 de Fevereiro de 2010 no Funchal.

Houve muitas enxurradas no passado, a questão é que há uma tendência para que se tornem mais intensas e com um menor período de retorno.

FONTE: IPCC

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FONTE: IPCC

Portugal. A figura à esquerda representa os dados de nível do mar obtidos com o marégrafo de Cascais e a tendência que se observa é semelhante à global: um aumento médio da subida do nível médio do mar de 2,1mm por ano desde os anos 1980 até 2009. Portanto, um valor superior à média do século passado que foi de 1,5mm correspondente a 15cm.

A figura à direita mostra a variação do nível médio do mar desde 1880 e a correspondente variação da taxa anual. Por que é que o nível médio do mar aumenta? A razão principal é a dilatação da camada superficial provocada pelo aumento da temperatura. Um corpo que aquece dilata-se. Há ainda a considerar a contribuição do degelo das glaciares das montanhas e dos campos de gelo das calotes polares. A incerteza relativa a esta última contribuição ainda é grande.Na figura à esquerda mostra-se a correlação entre o

aumento da temperatura média global e a subida do nível médio do mar. A figura em baixo à esquerda mostra as projecções da subida do nível médio do mar até 2100. Note-se que o valor mais provável é cerca de 1m. Mas os valores mais elevados ultrapassam 1,5m. Se fizermos infra-estruturas pesadas nas nossas costas, nas nossas zonas costeiras, temos que ter presente que é muito provável que até ao fim do século haja uma subida do nível médio do mar de 1m. Na figura em baixo a direita as projecções vão até 2300. Eu bem sei que se pode dizer: "mas 2300, é daqui a tanto tempo, já não estamos cá, a incerteza é tão grande." A ciência, de facto, é neutra e aquilo que a ciência nos dá são projecções que são escrutinadas, criticadas,

analisadas longamente e muito detalhadamente. Não estaremos nós, mas estarão as gerações vindouras. Uma subida do nível médio do mar de 2 a 3m irá alterar profundamente a geografia da Terra e provocar migrações em larga escala das zonas costeiras e das ilhas para o interior dos continentes.

Quais são as regiões actualmente mais vulneráveis à subida do nível médio do mar?

Os deltas são especialmente vulneráveis. É o caso do Delta do Nilo, do Ganges, do Brahmaputra e do Mekong, assinalados na figura com pontos vermelhos. Mas há muitas outras regiões do mundo que são vulneráveis. As cidades costeiras são também muito vulneráveis às alterações climáticas, em especial devido à subida do nível médio do mar. Na figura em baixo estão representados os valores que correspondem à inundação de várias cidades costeiras importantes : Veneza 1m; Los Angeles, Amsterdam, Hamburgo, São Petesburgo, São Francisco e Manhattan, Nova York 2m.

Como foi já referido, as subidas de 2 ou mais metros só poderão ocorrer a prazo de centenas de anos. Para travar esta tendência de subida é necessário reduzir as emissões globais o mais rapidamente possível. A fusão integral dos campos de gelo do leste da Antárctida corresponde a um aumento do nível médio do mar de 6 metros, da Gronelândia, 7 metros, e a fusão de toda a Antárctida, uma coisa que levaria muitos séculos, corresponderia a 61 metros, total 74 metros. Portanto, estamos a falar de um mundo muito diferente do actual. Temos tempo para evitar a concretização deste cenário, mas é necessário agir.

FONTE: RAHMSTORF 2010

FONTE: RAHMSTORF 2010

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FONTE: IPCC

Portugal. A figura à esquerda representa os dados de nível do mar obtidos com o marégrafo de Cascais e a tendência que se observa é semelhante à global: um aumento médio da subida do nível médio do mar de 2,1mm por ano desde os anos 1980 até 2009. Portanto, um valor superior à média do século passado que foi de 1,5mm correspondente a 15cm.

A figura à direita mostra a variação do nível médio do mar desde 1880 e a correspondente variação da taxa anual. Por que é que o nível médio do mar aumenta? A razão principal é a dilatação da camada superficial provocada pelo aumento da temperatura. Um corpo que aquece dilata-se. Há ainda a considerar a contribuição do degelo das glaciares das montanhas e dos campos de gelo das calotes polares. A incerteza relativa a esta última contribuição ainda é grande.Na figura à esquerda mostra-se a correlação entre o

aumento da temperatura média global e a subida do nível médio do mar. A figura em baixo à esquerda mostra as projecções da subida do nível médio do mar até 2100. Note-se que o valor mais provável é cerca de 1m. Mas os valores mais elevados ultrapassam 1,5m. Se fizermos infra-estruturas pesadas nas nossas costas, nas nossas zonas costeiras, temos que ter presente que é muito provável que até ao fim do século haja uma subida do nível médio do mar de 1m. Na figura em baixo a direita as projecções vão até 2300. Eu bem sei que se pode dizer: "mas 2300, é daqui a tanto tempo, já não estamos cá, a incerteza é tão grande." A ciência, de facto, é neutra e aquilo que a ciência nos dá são projecções que são escrutinadas, criticadas,

analisadas longamente e muito detalhadamente. Não estaremos nós, mas estarão as gerações vindouras. Uma subida do nível médio do mar de 2 a 3m irá alterar profundamente a geografia da Terra e provocar migrações em larga escala das zonas costeiras e das ilhas para o interior dos continentes.

Quais são as regiões actualmente mais vulneráveis à subida do nível médio do mar?

Os deltas são especialmente vulneráveis. É o caso do Delta do Nilo, do Ganges, do Brahmaputra e do Mekong, assinalados na figura com pontos vermelhos. Mas há muitas outras regiões do mundo que são vulneráveis. As cidades costeiras são também muito vulneráveis às alterações climáticas, em especial devido à subida do nível médio do mar. Na figura em baixo estão representados os valores que correspondem à inundação de várias cidades costeiras importantes : Veneza 1m; Los Angeles, Amsterdam, Hamburgo, São Petesburgo, São Francisco e Manhattan, Nova York 2m.

Como foi já referido, as subidas de 2 ou mais metros só poderão ocorrer a prazo de centenas de anos. Para travar esta tendência de subida é necessário reduzir as emissões globais o mais rapidamente possível. A fusão integral dos campos de gelo do leste da Antárctida corresponde a um aumento do nível médio do mar de 6 metros, da Gronelândia, 7 metros, e a fusão de toda a Antárctida, uma coisa que levaria muitos séculos, corresponderia a 61 metros, total 74 metros. Portanto, estamos a falar de um mundo muito diferente do actual. Temos tempo para evitar a concretização deste cenário, mas é necessário agir.

FONTE: RAHMSTORF 2010

FONTE: RAHMSTORF 2010

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mill

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peop

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Latin America &Carribean

South Asia

East Asia

Near East & North Africa

Sub-Saharan Africa

More than 1.02 billion hungry people

Developed countries

15*Near East and North Africa

42Latin America andthe Cabbean

53

263

Sub.Saharan Africa

642

Asia and the Pacific* Millions of people

Outro aspecto que é importante ter presente no que diz respeito à agricultura, à produtividade agrícola, às migrações e aos refugiados, é que a dieta alimentar dos países em desenvolvimento está a mudar. Nos países em desenvolvimento come-se cada vez mais carne, ovos e leite conforme se verifica na figura seguinte. Estas tendências são semelhantes às que se observavam anteriormente nos actuais países desenvolvidos. O maior consumo de carne, ovos e leite implica também um maior consumo de água na agricultura.

Per capita consumption of major food items in developing countries, 1961-2005

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61 63 65 67 69 71 73 75 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95 97 99 01 03 05

Index (1961=100)

Eggs

Meat

Milk

Cereals

Roots and tubers

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FONTE: WBGU

Na figura estão representados os percursos dos ciclones tropicais, sendo os mais vermelhos aqueles que têm ventos mais intensos, ou seja, os de categoria 5. A percentagem destes no conjunto das cinco categorias está a aumentar e esse é também um aspecto preocupante. Em Portugal não temos, ciclones tropicais mas apenas depressões por vezes muito cavadas.

Na figura estão representados os percursos dos ciclones tropicais, sendo os mais vermelhos aqueles que têm ventos mais intensos, ou seja, os de categoria 5. A percentagem destes no conjunto das cinco categorias está a aumentar e esse é também um aspecto preocupante. Em Portugal não temos, ciclones tropicais mas apenas depressões por vezes muito cavadas.

Voltando à questão da seca as observações feitas à escala global indicam que os episódios de seca estão a tornar-se mais frequentes. Este será um dos problemas mais graves no futuro porque põe em causa a segurança alimentar no mundo.Um artigo recente (A. Day, 2010) revela uma tendência crescente para a seca desde 1960 até ao fim do século XXI.

FONTE: IPCC FONTE: A.DAY, 2010

Drought severity index is increasing

Na figura anterior, os seis gráficos correspondem aos seguintes seis períodos: 1950-1959; 1975-1984; 2000-2009; 2030-2039; 2060-2069; 2090 a 2099 e as regiões vermelhas às mais afectadas pela seca. À medida que se avança no tempo há menor humidade no solo, menor precipitação, menor produtividade agrícola e maior insegurança alimentar. Esta tendência poderá ter consequências muito graves no futuro.

Temos um mundo em que há, neste momento, cerca de mil milhões de pessoas com fome. Este número decresceu até ao princípio deste século, depois voltou a subir e atingiu o valor de 1,02 biliões. Agora está novamente a descer, o que é uma muito boa notícia, mas a situação continua a ser intolerável.

World Food Summits

1974, 1996, 2002, 2008

Fonte: MDGs 2000

36 anos sem conseguir resolver o problema

The debilitating pain of hunger: Not Just Numbers but real Faces and Voices

FONTE: FAO

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South Asia

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Near East & North Africa

Sub-Saharan Africa

More than 1.02 billion hungry people

Developed countries

15*Near East and North Africa

42Latin America andthe Cabbean

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263

Sub.Saharan Africa

642

Asia and the Pacific* Millions of people

Outro aspecto que é importante ter presente no que diz respeito à agricultura, à produtividade agrícola, às migrações e aos refugiados, é que a dieta alimentar dos países em desenvolvimento está a mudar. Nos países em desenvolvimento come-se cada vez mais carne, ovos e leite conforme se verifica na figura seguinte. Estas tendências são semelhantes às que se observavam anteriormente nos actuais países desenvolvidos. O maior consumo de carne, ovos e leite implica também um maior consumo de água na agricultura.

Per capita consumption of major food items in developing countries, 1961-2005

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61 63 65 67 69 71 73 75 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95 97 99 01 03 05

Index (1961=100)

Eggs

Meat

Milk

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FONTE: WBGU

Na figura estão representados os percursos dos ciclones tropicais, sendo os mais vermelhos aqueles que têm ventos mais intensos, ou seja, os de categoria 5. A percentagem destes no conjunto das cinco categorias está a aumentar e esse é também um aspecto preocupante. Em Portugal não temos, ciclones tropicais mas apenas depressões por vezes muito cavadas.

Na figura estão representados os percursos dos ciclones tropicais, sendo os mais vermelhos aqueles que têm ventos mais intensos, ou seja, os de categoria 5. A percentagem destes no conjunto das cinco categorias está a aumentar e esse é também um aspecto preocupante. Em Portugal não temos, ciclones tropicais mas apenas depressões por vezes muito cavadas.

Voltando à questão da seca as observações feitas à escala global indicam que os episódios de seca estão a tornar-se mais frequentes. Este será um dos problemas mais graves no futuro porque põe em causa a segurança alimentar no mundo.Um artigo recente (A. Day, 2010) revela uma tendência crescente para a seca desde 1960 até ao fim do século XXI.

FONTE: IPCC FONTE: A.DAY, 2010

Drought severity index is increasing

Na figura anterior, os seis gráficos correspondem aos seguintes seis períodos: 1950-1959; 1975-1984; 2000-2009; 2030-2039; 2060-2069; 2090 a 2099 e as regiões vermelhas às mais afectadas pela seca. À medida que se avança no tempo há menor humidade no solo, menor precipitação, menor produtividade agrícola e maior insegurança alimentar. Esta tendência poderá ter consequências muito graves no futuro.

Temos um mundo em que há, neste momento, cerca de mil milhões de pessoas com fome. Este número decresceu até ao princípio deste século, depois voltou a subir e atingiu o valor de 1,02 biliões. Agora está novamente a descer, o que é uma muito boa notícia, mas a situação continua a ser intolerável.

World Food Summits

1974, 1996, 2002, 2008

Fonte: MDGs 2000

36 anos sem conseguir resolver o problema

The debilitating pain of hunger: Not Just Numbers but real Faces and Voices

FONTE: FAO

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22 As alterações climáticas, o acesso à água e o contributo dos direitos humanos | Catarina Albuquerque, Relatora Especial da ONU sobre Direitos Humanos, Água e Saneamento

Muito bom dia.

Quero agradecer, em primeiro lugar, o convite que me foi dirigido pelo CPR para fazer esta intervenção. Hesitei um bocado mas até acho que a minha diferença de perspectiva possa ser um contributo interessante para as discussões. Por isso, aquilo que pretendo fazer é olhar para as alterações climáticas e tentar perceber qual é o impacto das mesmas para os direitos humanos e qual a resposta, por outro lado, que os direitos humanos podem dar a soluções que estejam a ser negociadas, por exemplo em Cancun, nesta matéria.

Como foi dito, eu sou a Relatora Especial das NU sobre Direitos Humanos, Água e Saneamento, o que quer dizer que vou prestar uma atenção especial a questões relativas ao acesso à água e ao saneamento. Olhando para esta questão de uma perspectiva de direitos humanos, vou examinar o impacto das alterações climáticas principalmente nas pessoas que são mais vulneráveis dentro de cada país. Nesta apresentação vou abordar quatro pontos diferentes. Em primeiro lugar, queria-vos falar da crise mundial que o nosso planeta atravessa em termos de acesso à água potável e ao saneamento, crise essa que está a ser agravada pelas alterações climáticas. Queria-vos explicar a seguir o que é o direito humano à água e ao saneamento e o que ele significa, para depois conseguirmos perceber como é que ele está a ser afectado pelas alterações climáticas. E finalmente, queria terminar numa nota positiva, partilhando convosco algumas respostas que os direitos humanos nos podem trazer para lidar com estas situações.

Alguns de nós, pelo menos uma parte da audiência aqui, vive, provavelmente trabalha, na capital de um Estado-membro da União Europeia, e vivendo e trabalhando aqui é-nos difícil imaginar os problemas com que se defronta uma enorme percentagem da população mundial em matéria de acesso à água e ao saneamento. É-nos difícil imaginar que, presentemente, entre 2 a 3 mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável e 2,6 mil milhões não têm acesso ao saneamento, o que representa em cada um dos casos cerca de 40% da população mundial.

É-nos difícil também conceber que mais de mil milhões de pessoas, isto é, duas vezes a população da EU, ou então a soma das populações da América Latina, dos EUA e da Rússia, não têm outra opção senão fazer as suas necessidades fisiológicas mais elementares a céu aberto, tentando - na medida do possível - esconder-se atrás de um arbusto ou num local distante com o objectivo de protegerem a sua privacidade e dignidade. Não conseguimos conceber que nestas deslocações, principalmente mulheres e raparigas sejam vítimas de violações e de outro tipo de violência, pelo simples facto de se afastarem das suas aldeias para poderem fazer as suas necessidades longe dos olhares indiscretos dos vizinhos.

É-nos complicado imaginar que muitas raparigas deixam de ir à escola a partir da adolescência, do momento em que começam a ser menstruadas, simplesmente porque as suas escolas não dispõem de casas de banho separadas para rapazes e raparigas e, elas têm, legitimamente, vergonha de partilhar casas de banho com rapazes. Parece-nos impossível imaginar que no ano de 2010 haja mulheres e raparigas que passem 12 a 14 horas por dia a buscar água a uma fonte segura para elas e para as suas famílias, afastando-as da escola e/ou do exercício de uma actividade remunerada. Mas, infelizmente, é esta a triste a realidade que, como disse acima, quase metade da população do globo vive diariamente.

É claro que esta crise em termos do acesso à água potável e ao saneamento não afecta todos por igual. Sabemos que ela tem um maior impacto nos mais pobres, nas pessoas com deficiência, nas mulheres e nas raparigas, nos migrantes, nos indígenas, nos refugiados e noutros deslocados. Afecta-os porque a falta de água e saneamento é responsável por 1,5 milhões de mortos por ano, matando uma criança a cada 20 segundos.

Afecta-os porque a falta de água e saneamento impede mulheres e raparigas de ir à escola e de trabalhar. São elas, como já disse, as principais responsáveis por ir buscar água e são elas quem fica em casa no caso de um familiar, por exemplo do sexo masculino, ficar doente, nomeadamente devido a doenças relacionadas com a falta de água e saneamento. Afecta-os por ser responsável pela perda anual de 443 milhões de dias de aulas devido a doenças relacionadas com as consequências da falta de água e saneamento. E afecta-os também porque metade das camas de hospital na África Subsariana estão ocupadas com pessoas sofrendo de doenças relacionadas com a falta de água e saneamento seguros. Aliás, a falta de água e saneamento mata mais crianças do que o conjunto das mortes causadas pela tuberculose, pela malária e pela SIDA.

As alterações climáticas afectam a produtividade agrícola. As duas figuras seguintes representam os condicionalismos actuais e futuros (a segunda figura corresponde aos últimos 30 anos do século XXI) de produtividade agrícola no mundo. Devido às alterações climáticas há regiões onde a produtividade poderá aumentar especialmente no Norte da Eurásia e no Norte da América do Norte. Na região mediterrânica, no Nordeste do Brasil e também na China há uma forte tendência de diminuição de produtividade agrícola.

FONTE: IIASA

Os países que emitem mais gases com efeitos de estufa não são em geral os mais vulneráveis às alterações climáticas. Pelo contrário, são menos vulneráveis do que os países em vias em desenvolvimento. Na figura os países mais vulneráveis estão representados a vermelho e os países com maiores emissões per capita a cinzento. Repare-se na separação entre estes dois grupos de países. Há aqui uma dicotomia que acentua a diferença Norte-Sul e, portanto, contribui para o fenómeno das migrações.

À medida que a temperatura média global da atmosfera à superfície aumenta vamos ter, no que respeita à alimentação e à água, impactos cada vez mais gravosos. A União Europeia tem procurado que o aumento não seja superior a 2 graus centígrados. É muito pouco provável que se consiga evitar um aumento da temperatura média global, superior a 2ºC. Nas duas últimas conferências das Nações Unidas sobre o clima, realizadas em Copenhaga (2009) e Cancún (2010) não foi possível chegar a acordo sobre um regime climático Pós-Quioto que estabeleça metas quantificadas e calendarizadas de redução das emissões à escala global.

A figura representa uma previsão dos impactos nos sectores da agricultura e dos recursos hídricos correspondentes a valores crescentes do aumento da temperatura média global. Se o aumento for superior a 2ºC o decrescimento da produtividade agrícola e a maior escassez de água irá muito provavelmente provocar a desestabilização das sociedades, instabilidade social, insegurança e conflitualidade. Nestas circunstâncias haverá certamente um crescimento acentuado do número de refugiados climáticos.

As regiões onde as migrações se irão tornar mais prováveis são Bangladesh, Índia, China, Africa Sub-Sahariana, Norte de África e América Central.

Muito obrigado pela vossa atenção.

Page 23: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

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22 As alterações climáticas, o acesso à água e o contributo dos direitos humanos | Catarina Albuquerque, Relatora Especial da ONU sobre Direitos Humanos, Água e Saneamento

Muito bom dia.

Quero agradecer, em primeiro lugar, o convite que me foi dirigido pelo CPR para fazer esta intervenção. Hesitei um bocado mas até acho que a minha diferença de perspectiva possa ser um contributo interessante para as discussões. Por isso, aquilo que pretendo fazer é olhar para as alterações climáticas e tentar perceber qual é o impacto das mesmas para os direitos humanos e qual a resposta, por outro lado, que os direitos humanos podem dar a soluções que estejam a ser negociadas, por exemplo em Cancun, nesta matéria.

Como foi dito, eu sou a Relatora Especial das NU sobre Direitos Humanos, Água e Saneamento, o que quer dizer que vou prestar uma atenção especial a questões relativas ao acesso à água e ao saneamento. Olhando para esta questão de uma perspectiva de direitos humanos, vou examinar o impacto das alterações climáticas principalmente nas pessoas que são mais vulneráveis dentro de cada país. Nesta apresentação vou abordar quatro pontos diferentes. Em primeiro lugar, queria-vos falar da crise mundial que o nosso planeta atravessa em termos de acesso à água potável e ao saneamento, crise essa que está a ser agravada pelas alterações climáticas. Queria-vos explicar a seguir o que é o direito humano à água e ao saneamento e o que ele significa, para depois conseguirmos perceber como é que ele está a ser afectado pelas alterações climáticas. E finalmente, queria terminar numa nota positiva, partilhando convosco algumas respostas que os direitos humanos nos podem trazer para lidar com estas situações.

Alguns de nós, pelo menos uma parte da audiência aqui, vive, provavelmente trabalha, na capital de um Estado-membro da União Europeia, e vivendo e trabalhando aqui é-nos difícil imaginar os problemas com que se defronta uma enorme percentagem da população mundial em matéria de acesso à água e ao saneamento. É-nos difícil imaginar que, presentemente, entre 2 a 3 mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável e 2,6 mil milhões não têm acesso ao saneamento, o que representa em cada um dos casos cerca de 40% da população mundial.

É-nos difícil também conceber que mais de mil milhões de pessoas, isto é, duas vezes a população da EU, ou então a soma das populações da América Latina, dos EUA e da Rússia, não têm outra opção senão fazer as suas necessidades fisiológicas mais elementares a céu aberto, tentando - na medida do possível - esconder-se atrás de um arbusto ou num local distante com o objectivo de protegerem a sua privacidade e dignidade. Não conseguimos conceber que nestas deslocações, principalmente mulheres e raparigas sejam vítimas de violações e de outro tipo de violência, pelo simples facto de se afastarem das suas aldeias para poderem fazer as suas necessidades longe dos olhares indiscretos dos vizinhos.

É-nos complicado imaginar que muitas raparigas deixam de ir à escola a partir da adolescência, do momento em que começam a ser menstruadas, simplesmente porque as suas escolas não dispõem de casas de banho separadas para rapazes e raparigas e, elas têm, legitimamente, vergonha de partilhar casas de banho com rapazes. Parece-nos impossível imaginar que no ano de 2010 haja mulheres e raparigas que passem 12 a 14 horas por dia a buscar água a uma fonte segura para elas e para as suas famílias, afastando-as da escola e/ou do exercício de uma actividade remunerada. Mas, infelizmente, é esta a triste a realidade que, como disse acima, quase metade da população do globo vive diariamente.

É claro que esta crise em termos do acesso à água potável e ao saneamento não afecta todos por igual. Sabemos que ela tem um maior impacto nos mais pobres, nas pessoas com deficiência, nas mulheres e nas raparigas, nos migrantes, nos indígenas, nos refugiados e noutros deslocados. Afecta-os porque a falta de água e saneamento é responsável por 1,5 milhões de mortos por ano, matando uma criança a cada 20 segundos.

Afecta-os porque a falta de água e saneamento impede mulheres e raparigas de ir à escola e de trabalhar. São elas, como já disse, as principais responsáveis por ir buscar água e são elas quem fica em casa no caso de um familiar, por exemplo do sexo masculino, ficar doente, nomeadamente devido a doenças relacionadas com a falta de água e saneamento. Afecta-os por ser responsável pela perda anual de 443 milhões de dias de aulas devido a doenças relacionadas com as consequências da falta de água e saneamento. E afecta-os também porque metade das camas de hospital na África Subsariana estão ocupadas com pessoas sofrendo de doenças relacionadas com a falta de água e saneamento seguros. Aliás, a falta de água e saneamento mata mais crianças do que o conjunto das mortes causadas pela tuberculose, pela malária e pela SIDA.

As alterações climáticas afectam a produtividade agrícola. As duas figuras seguintes representam os condicionalismos actuais e futuros (a segunda figura corresponde aos últimos 30 anos do século XXI) de produtividade agrícola no mundo. Devido às alterações climáticas há regiões onde a produtividade poderá aumentar especialmente no Norte da Eurásia e no Norte da América do Norte. Na região mediterrânica, no Nordeste do Brasil e também na China há uma forte tendência de diminuição de produtividade agrícola.

FONTE: IIASA

Os países que emitem mais gases com efeitos de estufa não são em geral os mais vulneráveis às alterações climáticas. Pelo contrário, são menos vulneráveis do que os países em vias em desenvolvimento. Na figura os países mais vulneráveis estão representados a vermelho e os países com maiores emissões per capita a cinzento. Repare-se na separação entre estes dois grupos de países. Há aqui uma dicotomia que acentua a diferença Norte-Sul e, portanto, contribui para o fenómeno das migrações.

À medida que a temperatura média global da atmosfera à superfície aumenta vamos ter, no que respeita à alimentação e à água, impactos cada vez mais gravosos. A União Europeia tem procurado que o aumento não seja superior a 2 graus centígrados. É muito pouco provável que se consiga evitar um aumento da temperatura média global, superior a 2ºC. Nas duas últimas conferências das Nações Unidas sobre o clima, realizadas em Copenhaga (2009) e Cancún (2010) não foi possível chegar a acordo sobre um regime climático Pós-Quioto que estabeleça metas quantificadas e calendarizadas de redução das emissões à escala global.

A figura representa uma previsão dos impactos nos sectores da agricultura e dos recursos hídricos correspondentes a valores crescentes do aumento da temperatura média global. Se o aumento for superior a 2ºC o decrescimento da produtividade agrícola e a maior escassez de água irá muito provavelmente provocar a desestabilização das sociedades, instabilidade social, insegurança e conflitualidade. Nestas circunstâncias haverá certamente um crescimento acentuado do número de refugiados climáticos.

As regiões onde as migrações se irão tornar mais prováveis são Bangladesh, Índia, China, Africa Sub-Sahariana, Norte de África e América Central.

Muito obrigado pela vossa atenção.

Page 24: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

Se quiserem saber a minha opinião quanto às razões pelas quais esta situação persiste, a minha resposta é muito clara: falta de vontade política, falta de visibilidade e de voz das vítimas destas violações diárias de direitos humanos.

Nas missões que tenho empreendido ao terreno enquanto Relatora Especial das NU tenho visto como muitas vezes, os pobres, os migrantes, os refugiados que frequentemente vivem em bairros informais ou ilegais nem sequer fazem parte das estatísticas nacionais oficiais, o que tem por decorrência a falta de afectação de verbas para a resolução dos seus problemas e a falta de prioridade política concedida aos mesmos.

Quando uma vez manifestei a um Ministro de um país africano o meu espanto relativamente ao facto de os milhões de pessoas que vivem nos bairros de lata, pessoas pobres, não terem acesso nem à água potável nem ao saneamento e de, não obstante essa circunstância, o país declarar publicamente que fornece água e saneamento à totalidade da população, indo facilmente atingir os Objectivos do Milénio, a resposta que tive desse Ministro foi simplesmente: «Ah, mas esses não contam porque são ilegais».

Contudo, e como se aquilo que acabei de mencionar não bastasse, as alterações climáticas vêm ainda apresentar obstáculos adicionais à realização não só destes direitos, como de outros também. Mas a verdade é que a relação entre alterações climáticas e direitos humanos é tudo menos óbvia. Enquanto que, por um lado, é claro que as alterações climáticas já estão actualmente a produzir efeitos negativos nas vidas das populações, bem como, e como já foi hoje aqui referido, na disponibilidade dos serviços de água potável e saneamento, estes impactos não se traduzem, em termos jurídicos, necessariamente, em violações dos deveres existentes por parte do Estados ao abrigo do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

As alterações climáticas constituem um problema global que envolve projecções científicas complexas, podendo ser difícil determinar relações de causa-efeito, bem como a atribuição de responsabilidades por danos causadas.

Há cerca de um ano estive no Bangladesh com a Relatora Especial das NU sobre Pobreza Extrema, e uma das razões pelas quais escolhemos este país para fazer a visita, foi precisamente por se tratar de um dos países do mundo mais afectado pelas alterações climáticas e para analisarmos as ligações entre o acesso à água e ao saneamento, a pobreza extrema e as alterações climáticas.

Quando se atravessa a capital do Bangladesh (Daca) durante a noite de carro, vemos uma fila interminável de pessoas deitadas nos passeios umas ao lado das outras, a dormir, perpendiculares à rua, tapadas com uns panos.

Explicaram-me que se tratam de deslocados internos que foram obrigados a deixar as zonas costeiras, pura e simplesmente porque as suas casas tinham sido destruídas devido às consequências das alterações climáticas, por exemplo devido ao deslizamento de terras nas áreas costeiras ou nas margens dos rios. Vieram para a capital porque perderam a casa, perderam o emprego, e vieram trabalhar na indústria têxtil que fabrica roupas que muitos de nós usamos e que se vendem bem baratas aqui no “nosso mundo”. Quando eu lá estive ganhavam um euro por dia e esse euro por dia que ganhavam não lhes permitia pagar a renda de casa e por isso vivam na rua, sendo que tinham deixado parte das famílias, das mulheres e filhos nas aldeias e ainda tinham que contribuir de alguma forma para o seu sustento. Também visitei um campo de refugiados em Daca - já deixou entretanto de ser um campo de refugiados. Aquele suposto campo de refugiados era agora um “bairro de lata”, com pessoas de origem paquistanesa agora apátridas. Os residentes tinham que abandonar este bairro durante a época das chuvas já que, devido às consequências das alterações climáticas, a água subia até ao nível dos ombros deixando as casas, mas também os esgotos a céu aberto, completamente inundados e impróprios para a habitação. É verdade, como disse há pouco, que nem sempre as alterações climáticas constituem uma violação dos direitos humanos mas, a triste realidade é que as alterações já estão a pôr em causa o gozo de uma série de direitos incluindo à água e ao saneamento por causarem inundações, secas, alterações na precipitação, temperaturas extremas, falta de água, uma maior disputa pelos recursos de água existentes, a destruição dos sistemas de saneamento básico (pelo menos daqueles que funcionam com água) e também um impacto no aumento preço do fornecimento de serviços de água e saneamento.

Muito bem, agora vou tentar explicar o que é o direito à água e ao saneamento. Como talvez saibam, a Assembleia Geral das NU e o Conselho de DH das NU este ano aprovaram duas resoluções. A primeira foi aprovada sem votos contra, mas mesmo assim votada, enquanto que a segunda foi adoptada por consenso.

Estas resoluções vieram reconhecer o saneamento e a água como direitos humanos. Quer isto dizer que, desde o dia 28 de Julho de 2010 existe uma vontade política, a nível internacional, a nível global, em reconhecer que a água e o saneamento devem ser física e economicamente acessíveis a todos, devem ser de qualidade, devem ser cultural e socialmente aceitáveis e devem estar disponíveis para todas as pessoas, sem discriminação e em todas as esferas das suas vidas. Estamos a falar de um clássico direito económico, social e cultural. Quer dizer que se trata de um direito de realização progressiva e que os Estados têm de tomar medidas, progressivas também, com vista à sua plena realização.

A definição do direito à água por parte das NU limita a quantidade de água necessária à realização deste direito. A água necessária para satisfazer o direito humano à água consiste na quantidade de água utilizada para usos pessoais e domésticos: para comer, para cozinhar, para beber, para a higiene pessoal, e, por vezes, para o saneamento quando este utiliza água.

Estamos a falar de uma quantidade relativamente pequena de água, 3 a 5% do total consumido. O direito humano à água não inclui a água utilizada para encher piscinas, para lavar carros, para regar campos de golfe ou para regar plantações agrícolas, entre outras. O direito ao saneamento é definido como o sistema para a recolha, transporte, tratamento, evacuação ou reutilização de excrementos de origem humana, bem como os dispositivos de higiene a eles associados.

Vamos agora passar para o próximo ponto que é o impacto das alterações climáticas nestes direitos humanos. O direito humano à água (e ao saneamento) tem um determinado conteúdo normativo, o qual determina que a água e o saneamento devem ser acessíveis fisicamente, acessíveis economicamente, de qualidade, culturalmente aceitáveis e que estejam disponíveis para todos sem discriminação.

Como é que as alterações climáticas têm um impacto sobre todas estas componentes do conteúdo normativo do direito à água? Por exemplo como é que as alterações climáticas influem na disponibilidade de água e saneamento? Vimos que a quantidade de água necessária para realizar o direito humano à água é relativamente pequena. Se compararmos a água necessária para consumo humano, esta corresponde a cerca de 10% do total da água utilizada, sendo que, na minha opinião, destes 10% só 3 a 5% é que são necessários para a realização do direito humano.

Temos 70% da água consumida utilizada para a agricultura mas também estes 70% não servem todos para realizar o direito à alimentação de que falávamos há pouco, porque grande parte desses 70% de água servem para aquilo que se chama em inglês “luxury food”, isto é, os nossos bifes que vêm da Argentina e do Brasil, as mangas que vêm do Equador, os ananases que vêm da Costa Rica, os tomates de Marrocos, entre outros. Portanto, a grande percentagem, 70% desses 70%, são para alimentação de luxo sendo que 30% serão para a realização do direito à alimentação. Os direitos humanos evitam quaisquer estipulações categóricas sobre qual é a quantidade de água suficiente para a realização do direito.

A Organização Mundial de Saúde refere 20 litros por dia por pessoa em situações de emergência, mas observa também que este nível de disponibilidade implica um risco a médio prazo para a saúde. Por outro lado, também sabemos que, nos casos em que a fonte de água está localizada a uma distância superior a 100 metros de casa, ou em que o tempo da recolha é entre 5 a 30 minutos, incluindo o tempo que as pessoas gastam estando na fila à espera, é pouco provável que a recolha de água seja superior a 20 litros por pessoa por dia. Contudo, e já vimos, a disponibilidade global da água vai ser seriamente afectada pelas alterações climáticas seca, declínios no abastecimento de água armazenada nos glaciares e vai haver obviamente um aumento de concorrência entre os diversos sectores. A disponibilidade vai diminuir também devido a uma pioria da sua qualidade por causa da poluição, por causa da sua salinização.

No entanto, é importante ressaltar que um aumento da escassez de água ou uma redução do total de água disponível para a agricultura, uso industrial e doméstico não precisa de se traduzir automaticamente numa redução de água para o uso pessoal ou doméstico. Nós estamos a falar de 100 litros per capita de água por dia para a plena realização do direito à água, o que representa uma pequeníssima fracção da água doce disponível. De acordo com o PNUD, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a falta de acesso suficiente à água para uso doméstico é mais uma questão de poder, de pobreza e de desigualdade e um fracasso dos governos em dar prioridade à alocação de água para necessidades básicas. Há água suficiente no mundo para o uso doméstico, para a agricultura e mesmo para a indústria. O problema é que algumas pessoas, especialmente os pobres, são sistematicamente excluídas do seu acesso devido à pobreza, por terem direitos limitados, ou devido a políticas públicas que se limitem a construir infra-estruturas que fornecem água a determinadas camadas da população. A escassez de água é fabricada, em grande medida, através de políticas, de processos e instituições que prejudicam os mais pobres. Além disso, os pobres, além de receberem água de pior qualidade, pagam mais pela sua água. Um pobre num bairro de lata em África ou na Ásia paga entre 10 a 100 vezes mais do nós pagamos aqui em Lisboa, por água de pior qualidade que compram a vendedores informais. É verdade, no entanto, que, se já existe esta tensão entre diferentes usos de água, as alterações climáticas vão tornar estas tensões ainda mais agudas.

Vou passar à análise dos outros elementos do conteúdo normativo do direito à água, nomeadamente o impacto das alterações climáticas na qualidade da água. Já referi em parte que o aumento da temperatura da água, os maiores ou menores níveis das águas subterrâneas, as inundações e as secas, vão aumentar, ou já estão a aumentar, os microorganismos, as substâncias químicas e os riscos radiológicos para a água potável. As zonas costeiras são mais vulneráveis.

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Se quiserem saber a minha opinião quanto às razões pelas quais esta situação persiste, a minha resposta é muito clara: falta de vontade política, falta de visibilidade e de voz das vítimas destas violações diárias de direitos humanos.

Nas missões que tenho empreendido ao terreno enquanto Relatora Especial das NU tenho visto como muitas vezes, os pobres, os migrantes, os refugiados que frequentemente vivem em bairros informais ou ilegais nem sequer fazem parte das estatísticas nacionais oficiais, o que tem por decorrência a falta de afectação de verbas para a resolução dos seus problemas e a falta de prioridade política concedida aos mesmos.

Quando uma vez manifestei a um Ministro de um país africano o meu espanto relativamente ao facto de os milhões de pessoas que vivem nos bairros de lata, pessoas pobres, não terem acesso nem à água potável nem ao saneamento e de, não obstante essa circunstância, o país declarar publicamente que fornece água e saneamento à totalidade da população, indo facilmente atingir os Objectivos do Milénio, a resposta que tive desse Ministro foi simplesmente: «Ah, mas esses não contam porque são ilegais».

Contudo, e como se aquilo que acabei de mencionar não bastasse, as alterações climáticas vêm ainda apresentar obstáculos adicionais à realização não só destes direitos, como de outros também. Mas a verdade é que a relação entre alterações climáticas e direitos humanos é tudo menos óbvia. Enquanto que, por um lado, é claro que as alterações climáticas já estão actualmente a produzir efeitos negativos nas vidas das populações, bem como, e como já foi hoje aqui referido, na disponibilidade dos serviços de água potável e saneamento, estes impactos não se traduzem, em termos jurídicos, necessariamente, em violações dos deveres existentes por parte do Estados ao abrigo do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

As alterações climáticas constituem um problema global que envolve projecções científicas complexas, podendo ser difícil determinar relações de causa-efeito, bem como a atribuição de responsabilidades por danos causadas.

Há cerca de um ano estive no Bangladesh com a Relatora Especial das NU sobre Pobreza Extrema, e uma das razões pelas quais escolhemos este país para fazer a visita, foi precisamente por se tratar de um dos países do mundo mais afectado pelas alterações climáticas e para analisarmos as ligações entre o acesso à água e ao saneamento, a pobreza extrema e as alterações climáticas.

Quando se atravessa a capital do Bangladesh (Daca) durante a noite de carro, vemos uma fila interminável de pessoas deitadas nos passeios umas ao lado das outras, a dormir, perpendiculares à rua, tapadas com uns panos.

Explicaram-me que se tratam de deslocados internos que foram obrigados a deixar as zonas costeiras, pura e simplesmente porque as suas casas tinham sido destruídas devido às consequências das alterações climáticas, por exemplo devido ao deslizamento de terras nas áreas costeiras ou nas margens dos rios. Vieram para a capital porque perderam a casa, perderam o emprego, e vieram trabalhar na indústria têxtil que fabrica roupas que muitos de nós usamos e que se vendem bem baratas aqui no “nosso mundo”. Quando eu lá estive ganhavam um euro por dia e esse euro por dia que ganhavam não lhes permitia pagar a renda de casa e por isso vivam na rua, sendo que tinham deixado parte das famílias, das mulheres e filhos nas aldeias e ainda tinham que contribuir de alguma forma para o seu sustento. Também visitei um campo de refugiados em Daca - já deixou entretanto de ser um campo de refugiados. Aquele suposto campo de refugiados era agora um “bairro de lata”, com pessoas de origem paquistanesa agora apátridas. Os residentes tinham que abandonar este bairro durante a época das chuvas já que, devido às consequências das alterações climáticas, a água subia até ao nível dos ombros deixando as casas, mas também os esgotos a céu aberto, completamente inundados e impróprios para a habitação. É verdade, como disse há pouco, que nem sempre as alterações climáticas constituem uma violação dos direitos humanos mas, a triste realidade é que as alterações já estão a pôr em causa o gozo de uma série de direitos incluindo à água e ao saneamento por causarem inundações, secas, alterações na precipitação, temperaturas extremas, falta de água, uma maior disputa pelos recursos de água existentes, a destruição dos sistemas de saneamento básico (pelo menos daqueles que funcionam com água) e também um impacto no aumento preço do fornecimento de serviços de água e saneamento.

Muito bem, agora vou tentar explicar o que é o direito à água e ao saneamento. Como talvez saibam, a Assembleia Geral das NU e o Conselho de DH das NU este ano aprovaram duas resoluções. A primeira foi aprovada sem votos contra, mas mesmo assim votada, enquanto que a segunda foi adoptada por consenso.

Estas resoluções vieram reconhecer o saneamento e a água como direitos humanos. Quer isto dizer que, desde o dia 28 de Julho de 2010 existe uma vontade política, a nível internacional, a nível global, em reconhecer que a água e o saneamento devem ser física e economicamente acessíveis a todos, devem ser de qualidade, devem ser cultural e socialmente aceitáveis e devem estar disponíveis para todas as pessoas, sem discriminação e em todas as esferas das suas vidas. Estamos a falar de um clássico direito económico, social e cultural. Quer dizer que se trata de um direito de realização progressiva e que os Estados têm de tomar medidas, progressivas também, com vista à sua plena realização.

A definição do direito à água por parte das NU limita a quantidade de água necessária à realização deste direito. A água necessária para satisfazer o direito humano à água consiste na quantidade de água utilizada para usos pessoais e domésticos: para comer, para cozinhar, para beber, para a higiene pessoal, e, por vezes, para o saneamento quando este utiliza água.

Estamos a falar de uma quantidade relativamente pequena de água, 3 a 5% do total consumido. O direito humano à água não inclui a água utilizada para encher piscinas, para lavar carros, para regar campos de golfe ou para regar plantações agrícolas, entre outras. O direito ao saneamento é definido como o sistema para a recolha, transporte, tratamento, evacuação ou reutilização de excrementos de origem humana, bem como os dispositivos de higiene a eles associados.

Vamos agora passar para o próximo ponto que é o impacto das alterações climáticas nestes direitos humanos. O direito humano à água (e ao saneamento) tem um determinado conteúdo normativo, o qual determina que a água e o saneamento devem ser acessíveis fisicamente, acessíveis economicamente, de qualidade, culturalmente aceitáveis e que estejam disponíveis para todos sem discriminação.

Como é que as alterações climáticas têm um impacto sobre todas estas componentes do conteúdo normativo do direito à água? Por exemplo como é que as alterações climáticas influem na disponibilidade de água e saneamento? Vimos que a quantidade de água necessária para realizar o direito humano à água é relativamente pequena. Se compararmos a água necessária para consumo humano, esta corresponde a cerca de 10% do total da água utilizada, sendo que, na minha opinião, destes 10% só 3 a 5% é que são necessários para a realização do direito humano.

Temos 70% da água consumida utilizada para a agricultura mas também estes 70% não servem todos para realizar o direito à alimentação de que falávamos há pouco, porque grande parte desses 70% de água servem para aquilo que se chama em inglês “luxury food”, isto é, os nossos bifes que vêm da Argentina e do Brasil, as mangas que vêm do Equador, os ananases que vêm da Costa Rica, os tomates de Marrocos, entre outros. Portanto, a grande percentagem, 70% desses 70%, são para alimentação de luxo sendo que 30% serão para a realização do direito à alimentação. Os direitos humanos evitam quaisquer estipulações categóricas sobre qual é a quantidade de água suficiente para a realização do direito.

A Organização Mundial de Saúde refere 20 litros por dia por pessoa em situações de emergência, mas observa também que este nível de disponibilidade implica um risco a médio prazo para a saúde. Por outro lado, também sabemos que, nos casos em que a fonte de água está localizada a uma distância superior a 100 metros de casa, ou em que o tempo da recolha é entre 5 a 30 minutos, incluindo o tempo que as pessoas gastam estando na fila à espera, é pouco provável que a recolha de água seja superior a 20 litros por pessoa por dia. Contudo, e já vimos, a disponibilidade global da água vai ser seriamente afectada pelas alterações climáticas seca, declínios no abastecimento de água armazenada nos glaciares e vai haver obviamente um aumento de concorrência entre os diversos sectores. A disponibilidade vai diminuir também devido a uma pioria da sua qualidade por causa da poluição, por causa da sua salinização.

No entanto, é importante ressaltar que um aumento da escassez de água ou uma redução do total de água disponível para a agricultura, uso industrial e doméstico não precisa de se traduzir automaticamente numa redução de água para o uso pessoal ou doméstico. Nós estamos a falar de 100 litros per capita de água por dia para a plena realização do direito à água, o que representa uma pequeníssima fracção da água doce disponível. De acordo com o PNUD, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a falta de acesso suficiente à água para uso doméstico é mais uma questão de poder, de pobreza e de desigualdade e um fracasso dos governos em dar prioridade à alocação de água para necessidades básicas. Há água suficiente no mundo para o uso doméstico, para a agricultura e mesmo para a indústria. O problema é que algumas pessoas, especialmente os pobres, são sistematicamente excluídas do seu acesso devido à pobreza, por terem direitos limitados, ou devido a políticas públicas que se limitem a construir infra-estruturas que fornecem água a determinadas camadas da população. A escassez de água é fabricada, em grande medida, através de políticas, de processos e instituições que prejudicam os mais pobres. Além disso, os pobres, além de receberem água de pior qualidade, pagam mais pela sua água. Um pobre num bairro de lata em África ou na Ásia paga entre 10 a 100 vezes mais do nós pagamos aqui em Lisboa, por água de pior qualidade que compram a vendedores informais. É verdade, no entanto, que, se já existe esta tensão entre diferentes usos de água, as alterações climáticas vão tornar estas tensões ainda mais agudas.

Vou passar à análise dos outros elementos do conteúdo normativo do direito à água, nomeadamente o impacto das alterações climáticas na qualidade da água. Já referi em parte que o aumento da temperatura da água, os maiores ou menores níveis das águas subterrâneas, as inundações e as secas, vão aumentar, ou já estão a aumentar, os microorganismos, as substâncias químicas e os riscos radiológicos para a água potável. As zonas costeiras são mais vulneráveis.

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Uma das coisas que vi, por exemplo, no Bangladesh foi a salinização dos lençóis de água que afectam obviamente a qualidade da água, obrigando as pessoas a migrar dentro do país. Outro elemento é a acessibilidade económica – o preço da água. Escusado será de dizer que, se a água se torna de pior qualidade, precisa de ser mais tratada e o seu preço aumenta. Se existem inundações que vão danificar os sistemas de saneamento e os sistemas de abastecimento de água, todos eles vão ter que ser reconstruídos, reparados – o que tem óbvias implicações financeiras que se repercutirão no preço da água.

Relativamente ao último ponto da minha intervenção, gostava de abordar agora a questão de saber como é que os direitos humanos podem influenciar as políticas em matéria de alterações climáticas. O respeito pelas obrigações de direitos humanos no contexto das alterações climáticas é uma obrigação jurídica de todos os Estados e tem a vantagem, na minha opinião, de colocar uma face humana no problema das alterações climáticas.

Todos os Estados do mundo subscreveram tanto a Convenção Quadro das NU sobre Alterações Climáticas como tratados de direitos humanos adoptados sob a égide das Nações Unidas. Já que estamos a falar dos mesmos Estados, estes têm que realizar e cumprir as suas obrigações de forma coerente. Os Estados são os mesmos e não podem chegar a Cancun e esquecer-se daquilo que aprovaram em Nova Iorque ou Genebra na área dos direitos humanos. Mas a verdade é que ainda não foi dada, na minha opinião, a importância devida à água e ao saneamento tanto nas negociações internacionais em matéria de alterações climáticas, como nas políticas de mitigação ou nos planos nacionais de adaptação.

Os direitos humanos foram, infelizmente, deixados de fora, ao frio, em todos estes contextos. Na minha opinião, os direitos humanos chamam a atenção para os impactos sobre as pessoas e o quadro jurídico dos direitos humanos contem um conjunto importante de referências, bem como de critérios, tanto substantivos como processuais, que podem guiar os decisores políticos. Os direitos humanos promovem, por exemplo, processos inclusivos e equitativos, bem como resultados sustentáveis. Os Estados têm obrigações negativas e positivas com vista a garantir os direitos económicos, sociais e culturais em geral, e o direito à água e ao saneamento em particular. E, ao tomar medidas de adaptação, por exemplo, os Estados devem assegurar que as mesmas não impactam negativamente sobre os direitos humanos, incluindo no direito à água e ao saneamento. Os Estados devem adoptar medidas de adaptação adequadas para assegurar, por exemplo, que as infra-estruturas de água e saneamento são resistentes a eventos climáticos. Os Estados devem adoptar medidas com vista a consciencializar as populações sobre higiene, conservação de água e outras questões relevantes. Devem evitar retrocessos arbitrários na realização destes direitos e, nos casos em que a melhor das boas vontades não seja suficiente, devem recorrer à ajuda e à cooperação internacional. Os direitos humanos determinam a obrigação dos Estados garantirem o acesso à informação.

Por exemplo, os mecanismos de alerta precoce- early warning mechanisms- devem conter informação transmitida de forma acessível a todos os sectores da sociedade. O acesso à informação também é, por sua vez, um direito humano. É um princípio, uma obrigação nos termos da Convenção Quadro da ONU sobre Alterações Climáticas mas também é um direito humano que decorre, por exemplo, do art. 25.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

Para terminar, parece-me que o mais importante é sublinhar que as soluções para os problemas de disponibilidade, de acessibilidade, de custos e de qualidade de água no contexto das alterações climáticas sejam concebidas com a participação das comunidades em questão, devendo ser prestada especial atenção às necessidades dos grupos alvo de discriminação num determinado contexto. Os Estados devem, por exemplo, realizar avaliações, estudos de impactos das políticas de mitigação sobre os direitos humanos. Por exemplo, os projectos de biocombustível e de carvão limpo são destinados, como sabem, a gerar alternativas de energia mais limpas que os combustíveis fósseis, no entanto, eles também podem usar uma grande quantidade de água e podem, entretanto, gerar stress hídrico e escassez adicional de água em caso de ausência de um quadro regulamentar adequado claro que conceda uma clara prioridade ao direito à água para consumo humano.

Uma situação deste género pode, de facto, comprometer o acesso à água para uso pessoal e doméstico.

É interessante ver que, por exemplo, no que diz respeito à participação e à auscultação das populações e outras obrigações que os Estados têm em matéria de direitos humanos, uma delas tem que ver com a proibição das expulsões forçadas de pessoas. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já dá algumas indicações quanto às formas como a ausência de medidas contras riscos climáticos previsíveis pode consistir numa violação dos direitos humanos e determinou, por exemplo, existir uma violação no direito à vida num caso em que as autoridades da Rússia não implementaram um plano de ordenamento do território, nem políticas de socorro em caso de emergência, apesar de estarem ao corrente de um risco acrescido de derrocada em larga escala de lamas.

Por isso, e agora é que é mesmo para terminar, quero frisar que os Estados que negoceiam acordos na área das

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26 alterações climáticas e na área dos direitos humanos são os mesmos e têm obrigações jurídicas decorrentes de princípios de direitos humanos. Uma delas é o princípio da não discriminação. Uma outra é o de realizar, pelo menos, imediatamente, um núcleo duro de todos os direitos económicos, sociais e culturais. Apesar de as alterações climáticas irem criar stress, ou estarem já a criar stress adicional no acesso a determinados direitos (água, saneamento mas também à alimentação ou habitação), as alterações climáticas não têm de tornar impossível o acesso aos direitos humanos.

Os governos têm de fazer a sua parte e têm de adoptar políticas e regulamentos com vista a assegurar prioridade à realização dos direitos e uma atenção especial às pessoas mais pobres, mais vulneráveis e com menos voz.

Muito obrigada.

Muito obrigado. Bom dia.

Agradeço o convite também em nome do Secretário de Estado do Ambiente, que tinha sido convidado e infelizmente não pode estar aqui hoje presente.

Gostaria de referir antes de mais que a perspectiva que aqui trago é a de alguém que, no âmbito das funções públicas de tentar lidar com a temática das alterações climáticas, está por razões históricas preocupado em primeira linha com o cumprimento de metas nacionais e comunitárias em matéria de redução de emissões. Só mais recentemente também preocupado com o outro lado da moeda deste desafio que é o da adaptação aos impactos da mudança do clima.

A perspectiva que aqui tento trazer é, no fundo, a seguinte: em que medida é que temáticas como a das alterações climáticas no interface com de refugiados - que eu, aliás, colocaria num contexto daquilo a que poderemos chamar de segurança ambiental, segurança de alterações climáticas – começam a estar na ordem do dia por parte das autoridades públicas governamentais?

Change in annual runoff by 2041-60 relative to 1900-70, in percent, under the SRES A1B emissions scenario and based on an ensemble of 12 climate models.

IPCC AR4: Working Group II: Impacts, Adaption and Vulnerability

Na ilustração acima, falamos evidentemente de acesso à água, ou seja, neste caso, de alterações de escoamento global. Isto apenas para realçar uma coisa muito óbvia e que um dos grandes paradoxos do tema alterações climáticas: são aqueles que têm menos recursos, que são mais pobres, que são mais afectados pela mudança do clima. São precisamente em algumas zonas do globo onde há mais escassez de água onde está localizada a maior parte da população mundial.

Do combate às alterações climáticas à transição para a sustentabilidade |Nuno Lacasta, Coordenador do Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas (CECAC) e gestor do Fundo Português de Carbono

Page 27: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

Uma das coisas que vi, por exemplo, no Bangladesh foi a salinização dos lençóis de água que afectam obviamente a qualidade da água, obrigando as pessoas a migrar dentro do país. Outro elemento é a acessibilidade económica – o preço da água. Escusado será de dizer que, se a água se torna de pior qualidade, precisa de ser mais tratada e o seu preço aumenta. Se existem inundações que vão danificar os sistemas de saneamento e os sistemas de abastecimento de água, todos eles vão ter que ser reconstruídos, reparados – o que tem óbvias implicações financeiras que se repercutirão no preço da água.

Relativamente ao último ponto da minha intervenção, gostava de abordar agora a questão de saber como é que os direitos humanos podem influenciar as políticas em matéria de alterações climáticas. O respeito pelas obrigações de direitos humanos no contexto das alterações climáticas é uma obrigação jurídica de todos os Estados e tem a vantagem, na minha opinião, de colocar uma face humana no problema das alterações climáticas.

Todos os Estados do mundo subscreveram tanto a Convenção Quadro das NU sobre Alterações Climáticas como tratados de direitos humanos adoptados sob a égide das Nações Unidas. Já que estamos a falar dos mesmos Estados, estes têm que realizar e cumprir as suas obrigações de forma coerente. Os Estados são os mesmos e não podem chegar a Cancun e esquecer-se daquilo que aprovaram em Nova Iorque ou Genebra na área dos direitos humanos. Mas a verdade é que ainda não foi dada, na minha opinião, a importância devida à água e ao saneamento tanto nas negociações internacionais em matéria de alterações climáticas, como nas políticas de mitigação ou nos planos nacionais de adaptação.

Os direitos humanos foram, infelizmente, deixados de fora, ao frio, em todos estes contextos. Na minha opinião, os direitos humanos chamam a atenção para os impactos sobre as pessoas e o quadro jurídico dos direitos humanos contem um conjunto importante de referências, bem como de critérios, tanto substantivos como processuais, que podem guiar os decisores políticos. Os direitos humanos promovem, por exemplo, processos inclusivos e equitativos, bem como resultados sustentáveis. Os Estados têm obrigações negativas e positivas com vista a garantir os direitos económicos, sociais e culturais em geral, e o direito à água e ao saneamento em particular. E, ao tomar medidas de adaptação, por exemplo, os Estados devem assegurar que as mesmas não impactam negativamente sobre os direitos humanos, incluindo no direito à água e ao saneamento. Os Estados devem adoptar medidas de adaptação adequadas para assegurar, por exemplo, que as infra-estruturas de água e saneamento são resistentes a eventos climáticos. Os Estados devem adoptar medidas com vista a consciencializar as populações sobre higiene, conservação de água e outras questões relevantes. Devem evitar retrocessos arbitrários na realização destes direitos e, nos casos em que a melhor das boas vontades não seja suficiente, devem recorrer à ajuda e à cooperação internacional. Os direitos humanos determinam a obrigação dos Estados garantirem o acesso à informação.

Por exemplo, os mecanismos de alerta precoce- early warning mechanisms- devem conter informação transmitida de forma acessível a todos os sectores da sociedade. O acesso à informação também é, por sua vez, um direito humano. É um princípio, uma obrigação nos termos da Convenção Quadro da ONU sobre Alterações Climáticas mas também é um direito humano que decorre, por exemplo, do art. 25.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

Para terminar, parece-me que o mais importante é sublinhar que as soluções para os problemas de disponibilidade, de acessibilidade, de custos e de qualidade de água no contexto das alterações climáticas sejam concebidas com a participação das comunidades em questão, devendo ser prestada especial atenção às necessidades dos grupos alvo de discriminação num determinado contexto. Os Estados devem, por exemplo, realizar avaliações, estudos de impactos das políticas de mitigação sobre os direitos humanos. Por exemplo, os projectos de biocombustível e de carvão limpo são destinados, como sabem, a gerar alternativas de energia mais limpas que os combustíveis fósseis, no entanto, eles também podem usar uma grande quantidade de água e podem, entretanto, gerar stress hídrico e escassez adicional de água em caso de ausência de um quadro regulamentar adequado claro que conceda uma clara prioridade ao direito à água para consumo humano.

Uma situação deste género pode, de facto, comprometer o acesso à água para uso pessoal e doméstico.

É interessante ver que, por exemplo, no que diz respeito à participação e à auscultação das populações e outras obrigações que os Estados têm em matéria de direitos humanos, uma delas tem que ver com a proibição das expulsões forçadas de pessoas. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já dá algumas indicações quanto às formas como a ausência de medidas contras riscos climáticos previsíveis pode consistir numa violação dos direitos humanos e determinou, por exemplo, existir uma violação no direito à vida num caso em que as autoridades da Rússia não implementaram um plano de ordenamento do território, nem políticas de socorro em caso de emergência, apesar de estarem ao corrente de um risco acrescido de derrocada em larga escala de lamas.

Por isso, e agora é que é mesmo para terminar, quero frisar que os Estados que negoceiam acordos na área das

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26 alterações climáticas e na área dos direitos humanos são os mesmos e têm obrigações jurídicas decorrentes de princípios de direitos humanos. Uma delas é o princípio da não discriminação. Uma outra é o de realizar, pelo menos, imediatamente, um núcleo duro de todos os direitos económicos, sociais e culturais. Apesar de as alterações climáticas irem criar stress, ou estarem já a criar stress adicional no acesso a determinados direitos (água, saneamento mas também à alimentação ou habitação), as alterações climáticas não têm de tornar impossível o acesso aos direitos humanos.

Os governos têm de fazer a sua parte e têm de adoptar políticas e regulamentos com vista a assegurar prioridade à realização dos direitos e uma atenção especial às pessoas mais pobres, mais vulneráveis e com menos voz.

Muito obrigada.

Muito obrigado. Bom dia.

Agradeço o convite também em nome do Secretário de Estado do Ambiente, que tinha sido convidado e infelizmente não pode estar aqui hoje presente.

Gostaria de referir antes de mais que a perspectiva que aqui trago é a de alguém que, no âmbito das funções públicas de tentar lidar com a temática das alterações climáticas, está por razões históricas preocupado em primeira linha com o cumprimento de metas nacionais e comunitárias em matéria de redução de emissões. Só mais recentemente também preocupado com o outro lado da moeda deste desafio que é o da adaptação aos impactos da mudança do clima.

A perspectiva que aqui tento trazer é, no fundo, a seguinte: em que medida é que temáticas como a das alterações climáticas no interface com de refugiados - que eu, aliás, colocaria num contexto daquilo a que poderemos chamar de segurança ambiental, segurança de alterações climáticas – começam a estar na ordem do dia por parte das autoridades públicas governamentais?

Change in annual runoff by 2041-60 relative to 1900-70, in percent, under the SRES A1B emissions scenario and based on an ensemble of 12 climate models.

IPCC AR4: Working Group II: Impacts, Adaption and Vulnerability

Na ilustração acima, falamos evidentemente de acesso à água, ou seja, neste caso, de alterações de escoamento global. Isto apenas para realçar uma coisa muito óbvia e que um dos grandes paradoxos do tema alterações climáticas: são aqueles que têm menos recursos, que são mais pobres, que são mais afectados pela mudança do clima. São precisamente em algumas zonas do globo onde há mais escassez de água onde está localizada a maior parte da população mundial.

Do combate às alterações climáticas à transição para a sustentabilidade |Nuno Lacasta, Coordenador do Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas (CECAC) e gestor do Fundo Português de Carbono

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28 E esta é uma dimensão ética, que está aliás subjacente às diferentes intervenções deste painel. Se é verdade que as alterações climáticas são, hoje, um dos mais prementes desafios da humanidade, creio que existe neste desafio uma dimensão ética muito importante que não pode, obviamente, estar alheia às políticas públicas. Temos aqui um problema que não pode de maneira nenhuma ser desvalorizado, não pode ser descontado em qualquer dimensão. E

que tem justamente implicações em termos de segurança (ambiental), como há pouco referia.

A imagem ao lado, relativa aos chamados flash points e hotspots, foi construída numa óptica de segurança ambiental. Com efeito, o tema da segurança das alterações climáticas, incluindo a componente refugiados, começa hoje a ser analisado por departamentos de planeamento de Negócios Estrangeiros um pouco pelo mundo inteiro, por Ministérios da Defesa. Não é por acaso, também, que na Cimeira da NATO em Lisboa, a reformulação do conceito estratégico da Aliança Atlântica inclui entre os seus diferentes elementos a escassez de recursos. Faz de facto sentido que olhemos, hoje, para a segurança global

tendo em conta a escassez de recursos – nomeadamente de água. Referiria mesmo aquela que é, provavelmente, a maior das preocupações nesta temática que é o derretimento dos calotes polares e dos glaciares, por exemplo nos Himalaias. Reparem, nem é tanto a questão das inundações que obviamente vão ser de proporções, eu quase que arriscaria dizer, épicas. Aqueles biliões de pessoas a juzante dos Himalaias dependem daquela água que verte lenta, mas seguramente, para a sua subsistência e mesmo sobrevivência. Nessa medida, já começa a existir reflexão sobre esta questão, mais uma vez, numa dimensão de segurança.

Vejamos agora o caso do Bangladesh (imagem abaixo), agora numa perspectiva de subida no nível médio das águas do mar. É com efeito impressionante o impacto que tal fenómeno terá num país já hoje sobre-povoado e onde a maioria da população se encontra em risco.

Vamos ter vários exemplos, evidentemente, que o do Bangladesh é aquele que é mais saliente.

E vejamos então o dado população. Somos actualmente cerca de 6 biliões seres humanos. As projecções em meados deste século apontam para cerca de 9 biliões. Se pensarmos que no início do século XX a população mundial não chegava ou estava muito próxima dos 2 biliões, temos aqui uma questão que não pode deixar de ser tida em conta. Isto para dizer que no caso de países como o Bangladesh, por exemplo, as projecções de população para meados deste século são na casa da sua duplicação. Este exemplo é, ao mesmo tempo, humanitário, mas que poderá ser muito mais perene por questões de deslocados e de refugiados. Mas, mais uma vez, pode ser também uma questão de segurança.

Com efeito, um responsável militar indiano, terá sido citado relativamente ao problema potencial de refugiados no Bangladesh que ele o veria com um problema de segurança nacional. O que é fundamental é termos consciência deste risco. No famoso filme “ A Verdade Inconveniente”, fala-se de cerca de 200 milhões de refugiados.

Contudo, creio que precisamos de olhar para este problema no interface entre conflitos, muitos deles que não associamos imediatamente a questões ambientais e de alterações climáticas, mas que, se olharmos mais profundamente, têm esse fio-condutor. O lago Chade, um dos casos mais documentados, é um caso de clara escassez, de exaustão do recurso água, e de migração de populações com consequências uma vez mais épicas. Um outro caso também conhecido é o do Ruanda. Está documentado hoje que se tratou de uma guerra que teve como causa, entre outras, a escassez de recursos, incluindo água.

Mas a questão das alterações climáticas e segurança é, ainda assim, relativamente nova do ponto de vista das análises

dos poderes públicos. Basta por exemplo pensar no pronunciamento da União Europeia, através de um Relatório do então Representante Especial da UE para a Política Externa, Javier Solana.

No tsunami da Indonésia uma das questões que foi colocada a seguir foi precisamente a questão de perceber se a comunidade internacional era capaz de lançar mão de um mecanismo de alerta rápido e de informação? Como em todas as situações de emergência são os momentos iniciais que são decisivos para salvar pessoas. Como é evidente um mecanismo desta natureza levanta questões de governação. Conseguir-se-ía estabelecer um sistema de alerta rápido numa zona que abrange mais de uma dezena de países?

Vejamos de seguida o caso do Delta do Nilo, fonte de sustento agrícola de centenas de milhões de pessoas. Eu tento sempre chamar a atenção para aquela que é, talvez, a principal marca da subida do nível do mar, que não será abrupta como se escutou, será lenta e gradual: a intrusão salina, que poderá por em risco a agricultura em vastas zonas, muito a montante dos estuários ou deltas.

No caso português, por exemplo, não sei se têm consciência até onde chega hoje a intrusão salina. Chega a 30/40 km, se não mais.

A terminar esta lista de exemplos, os pequenos Estados-Ilha. Não há tema mais central para a temática das alterações climáticas do que os pequenos Estados-Ilha.

Basicamente, estão em risco de desaparecer. São comunidades pequenas, é verdade, mas a verdade é como é que nós construimos diques, seja o que for, para uma localização tão vulnerável? E, mais uma vez, surge aqui a dimensão ética associada ao desaparecimento de comunidades inteiras.

FONTE: National Security and the Threat of Climate Change – CNA Corporation

Adaptado de: Lloyds Climate Change and Security - Risks andOpportunities for Business

Slide “Locais de Stress Climático – Bangladesh”

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28 E esta é uma dimensão ética, que está aliás subjacente às diferentes intervenções deste painel. Se é verdade que as alterações climáticas são, hoje, um dos mais prementes desafios da humanidade, creio que existe neste desafio uma dimensão ética muito importante que não pode, obviamente, estar alheia às políticas públicas. Temos aqui um problema que não pode de maneira nenhuma ser desvalorizado, não pode ser descontado em qualquer dimensão. E

que tem justamente implicações em termos de segurança (ambiental), como há pouco referia.

A imagem ao lado, relativa aos chamados flash points e hotspots, foi construída numa óptica de segurança ambiental. Com efeito, o tema da segurança das alterações climáticas, incluindo a componente refugiados, começa hoje a ser analisado por departamentos de planeamento de Negócios Estrangeiros um pouco pelo mundo inteiro, por Ministérios da Defesa. Não é por acaso, também, que na Cimeira da NATO em Lisboa, a reformulação do conceito estratégico da Aliança Atlântica inclui entre os seus diferentes elementos a escassez de recursos. Faz de facto sentido que olhemos, hoje, para a segurança global

tendo em conta a escassez de recursos – nomeadamente de água. Referiria mesmo aquela que é, provavelmente, a maior das preocupações nesta temática que é o derretimento dos calotes polares e dos glaciares, por exemplo nos Himalaias. Reparem, nem é tanto a questão das inundações que obviamente vão ser de proporções, eu quase que arriscaria dizer, épicas. Aqueles biliões de pessoas a juzante dos Himalaias dependem daquela água que verte lenta, mas seguramente, para a sua subsistência e mesmo sobrevivência. Nessa medida, já começa a existir reflexão sobre esta questão, mais uma vez, numa dimensão de segurança.

Vejamos agora o caso do Bangladesh (imagem abaixo), agora numa perspectiva de subida no nível médio das águas do mar. É com efeito impressionante o impacto que tal fenómeno terá num país já hoje sobre-povoado e onde a maioria da população se encontra em risco.

Vamos ter vários exemplos, evidentemente, que o do Bangladesh é aquele que é mais saliente.

E vejamos então o dado população. Somos actualmente cerca de 6 biliões seres humanos. As projecções em meados deste século apontam para cerca de 9 biliões. Se pensarmos que no início do século XX a população mundial não chegava ou estava muito próxima dos 2 biliões, temos aqui uma questão que não pode deixar de ser tida em conta. Isto para dizer que no caso de países como o Bangladesh, por exemplo, as projecções de população para meados deste século são na casa da sua duplicação. Este exemplo é, ao mesmo tempo, humanitário, mas que poderá ser muito mais perene por questões de deslocados e de refugiados. Mas, mais uma vez, pode ser também uma questão de segurança.

Com efeito, um responsável militar indiano, terá sido citado relativamente ao problema potencial de refugiados no Bangladesh que ele o veria com um problema de segurança nacional. O que é fundamental é termos consciência deste risco. No famoso filme “ A Verdade Inconveniente”, fala-se de cerca de 200 milhões de refugiados.

Contudo, creio que precisamos de olhar para este problema no interface entre conflitos, muitos deles que não associamos imediatamente a questões ambientais e de alterações climáticas, mas que, se olharmos mais profundamente, têm esse fio-condutor. O lago Chade, um dos casos mais documentados, é um caso de clara escassez, de exaustão do recurso água, e de migração de populações com consequências uma vez mais épicas. Um outro caso também conhecido é o do Ruanda. Está documentado hoje que se tratou de uma guerra que teve como causa, entre outras, a escassez de recursos, incluindo água.

Mas a questão das alterações climáticas e segurança é, ainda assim, relativamente nova do ponto de vista das análises

dos poderes públicos. Basta por exemplo pensar no pronunciamento da União Europeia, através de um Relatório do então Representante Especial da UE para a Política Externa, Javier Solana.

No tsunami da Indonésia uma das questões que foi colocada a seguir foi precisamente a questão de perceber se a comunidade internacional era capaz de lançar mão de um mecanismo de alerta rápido e de informação? Como em todas as situações de emergência são os momentos iniciais que são decisivos para salvar pessoas. Como é evidente um mecanismo desta natureza levanta questões de governação. Conseguir-se-ía estabelecer um sistema de alerta rápido numa zona que abrange mais de uma dezena de países?

Vejamos de seguida o caso do Delta do Nilo, fonte de sustento agrícola de centenas de milhões de pessoas. Eu tento sempre chamar a atenção para aquela que é, talvez, a principal marca da subida do nível do mar, que não será abrupta como se escutou, será lenta e gradual: a intrusão salina, que poderá por em risco a agricultura em vastas zonas, muito a montante dos estuários ou deltas.

No caso português, por exemplo, não sei se têm consciência até onde chega hoje a intrusão salina. Chega a 30/40 km, se não mais.

A terminar esta lista de exemplos, os pequenos Estados-Ilha. Não há tema mais central para a temática das alterações climáticas do que os pequenos Estados-Ilha.

Basicamente, estão em risco de desaparecer. São comunidades pequenas, é verdade, mas a verdade é como é que nós construimos diques, seja o que for, para uma localização tão vulnerável? E, mais uma vez, surge aqui a dimensão ética associada ao desaparecimento de comunidades inteiras.

FONTE: National Security and the Threat of Climate Change – CNA Corporation

Adaptado de: Lloyds Climate Change and Security - Risks andOpportunities for Business

Slide “Locais de Stress Climático – Bangladesh”

Page 30: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

Gostaria ainda de fazer referência à questão da adaptação à mudança do clima versus mitigação ou redução de emissões. Em suma, a atenção da comunidade internacional dos governos tem sido, sobretudo, na redução de emissões dos países desenvolvidos e, mesmo assim, sabemos das diferentes velocidades em que isso está a acontecer. Mitigar as emissões de gases com efeito de estufa tem sido a prioridade da comunidade internacional, e assim deve ser. Creio que não é muito claro mas, de facto, para evitar impactes, alguns deles irreversíveis e sem precedente, temos que olhar para isto certamente como risco, mas como uma espécie de seguro. O melhor seguro para evitar impactes e consequentes medidas de adaptação é evitar que as emissões ocorram. A mitigação é o melhor seguro, a primeira barreira de resposta aos impactes da mudança do clima e às medidas de adaptação.

Contudo, como foi referido há pouco pelo Professor Filipe Duarte Santos, a verdade é que nós temos hoje claro que vamos ter impactes a médio/longo prazo, em resultado das concentrações actuais de gases com efeitos de estufa na atmosfera e nos oceanos. Vamos, portanto, ter que nos adaptar. É inevitável.

Esta temática da adaptação é muito mais recente. Nos países desenvolvidos tem, eu diria, cinco anos. Ironicamente, nalguns casos, planos de adaptação de países em desenvolvimento até são anteriores. Mas é difícil perceber o que é a adaptação. Porquê? Porque é dificil distinguir adaptação de desenvolvimento. E este traz-nos a um outro debate, a que chamaria de “Bono contra Al Gore”. Ou seja, o debate de alterações climáticas e desenvolvimento não pode ser um debate em que a dimensão desenvolvimento, acesso a água e saneamento que daí resulta, entra em conflito com a dimensão mudança do clima. Se assim acontecer, o resultado será que nós estamos a desviar as atenções e não estamos a fazer aquilo que é central na temática de alterações climáticas: a integração.

Ou seja, é garantir que as políticas de desenvolvimento têm em conta, por exemplo, potenciais impactos de alterações climáticas no planeamento, nas infra-estruturas. O debate está ao ponto, isto é um caso concreto, de se debater em que medida a ajuda orçamental que é dada a nível de ajuda pública ao desenvolvimento a países em desenvolvimento, pode ter, deve ter ou não, marcadores associados à adaptação à mudança do clima. É um debate complexo mas que importa travar porque só de forma integrada e potenciando sinergias entre políticas e medidas podermos resolver os problemas de desenvolvimento e de mitigação/adaptação às alterações climáticas.

“Opções Bilaterais – Fast start”

Para concluir, gostaria de dar nota que Portugal aprovou no início de 2009 uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), a qual tem uma componente de cooperação para o desenvolvimento. No fundo, é a responsabilidade portuguesa na cena internacional para o problema da adaptação. Na Cimeira de Copenhaga, que não foi só más notícias, foi aprovado um envelope financeiro chamado fast start, ajuda imediata, e nesse âmbito, Portugal, apesar da crise financeira que todos conhecemos, tem um compromisso que corresponde a cerca de 12 milhões de euros por ano de apoio a projectos em países em vias de desenvolvimento. Como seria de esperar, os países-alvo nesta linha de financiamento são os países de língua portuguesa, em particular África e Timor. Hoje temos alguns projectos já em cima da mesa que tentam, justamente, conciliar a dimensão desenvolvimento com a dimensão mudança do clima. Temos um projecto em Moçambique; certos equipamentos comunitários de pequenas vilas e aldeias estão situados em leito de cheia, próximos dos rios que são sujeitos a inundações.

O projecto consiste na instalação de painéis solares nestes edifícios comunitários, e retirá-los ao mesmo tempo da zona sujeita a inundações. Em suma, diria que a temática das alterações climáticas é, hoje, reconhecida como uma das mais importantes para o futuro da humanidade. No seu âmago, é uma temática transversal e que requer por isso uma abordagem integrada em termos de desenvolvimento. A subida das águas do mar, a seca e escassez de recursos hídricos, são só alguns dos mais importantes desafios à localização de milhões de pessoas em determinadas regiões do globo, já hoje propensas a tensão e escassez. Estou por isso convicto que a dimensão segurança será de crescente importância no debate das alterações climátcas. Nesse contexto, creio, a temática dos refugiados terá também certamente de ser tida em conta.

Muito obrigado.

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30 Relato de Ricardo Garcia | Jornalista de ambiente do jornal Público

Cabe-me a mim, a difícil tarefa de fazer uma síntese. Como o nosso moderador referiu, foram três apresentações muito boas e eu tenho que fingir que estou a fazer uma apresentação própria, mas usurpando, digamos, as ideias dos oradores.

Eu gostaria de salientar algumas questões que, parece-me, emergiram das três apresentações. Essencialmente, as três tocaram num ponto central que é um triângulo. Nós viemos aqui para falar de refugiados mas, na verdade, ao falar de refugiados climáticos estamos a falar de um triângulo: alterações climáticas, pobreza e refugiados.

Um triângulo que é difícil deslindar, separar uma coisa da outra. O Professor Filipe Duarte Santos chamou a atenção logo no princípio da sua apresentação para a dificuldade em até definir-se o que é um refugiado climático. E depois há diferentes números que foram aqui citados. O Professor Filipe Duarte Santos falou em 25 milhões, Nuno Lacasta citou 200 milhões…

Por um lado, há uma dificuldade de definição, por outro lado um dos principais sintomas da insustentabilidade e das causas da insustentabilidade, como disse o Professor Filipe Duarte Santos, é a pobreza extrema e severa.

E isso leva-me a questionar: afinal os refugiados são refugiados climáticos ou económicos? Eles fogem da pobreza ou fogem das condições adversas causadas pelas alterações climáticas? Isso leva a uma outra questão difícil de resolver: como é possível combater isso?

Evidentemente, combater a pobreza seria um dos principais caminhos. Mas, combater a pobreza traz em si até um resultado indesejado. Como também já foi dito aqui, 57% das causas das alterações climáticas tem a ver com a queima dos combustíveis fósseis e 20% tem a ver com as alterações do uso do solo.

Resolver a pobreza significa elevar o nível de vida de vastas áreas do mundo hoje miseráveis e isso pode trazer mais problemas, pode trazer mais factores que contribuam para as alterações climáticas. Nós sabemos hoje que a maior parte do aumento do consumo de energia - e isto são dados que saíram na semana passada no último relatório World Energy Outlook da Agência Internacional de Energia - mais de 90% do consumo de energia até 2035 vai ocorrer nos países em desenvolvimento, 36% só na China.

E este aumento do consumo de energia não vai ser feito com renováveis, com solar, eólica, vai ser sobretudo com combustíveis fósseis, muito gás, muito carvão. Ou seja, retirar essas populações da pobreza, elevar o seu nível, vai implicar certamente mais factores que contribuem para as alterações climáticas. Por isso, aquilo que o Nuno Lacasta disse é muito importante. Resolver a sério o problema significa integrar as alterações climáticas em todas as políticas de desenvolvimento, seja dos países já desenvolvidos e, sobretudo, nos países em desenvolvimento.

Eu achei muito interessante, também, a apresentação da Catarina Albuquerque que falou que é difícil para nós, aqui nesta sala, neste conforto todo, imaginar as dificuldades no acesso à água em muitos países. E eu penso nisso quase todos os dias. Nós vivemos quotidianamente um pequeno milagre: abrir uma torneira e sair água. Isso é espectacular. E poder beber essa água, uma água de qualidade.

Nós não pensamos muito nisso todos os dias. Falamos da crise, mas isto é um pequeno milagre. Não me recordo da cifra, mas suponho que devam ser 2 a 3 mil milhões de pessoas que não têm acesso à água. Relativamente à falta de acesso à água, a Catarina citou aqueles exemplos das mulheres que demoram 12 a 14 horas por dia para ir até um determinado sítio, enfrentar uma fila, carregar os baldes, voltar, etc.

Se pensarmos que as mulheres, por terem essa tarefa, não têm acesso a uma actividade económica de mais valor isso tem impacto na fertilidade.

A transição demográfica mostra que quanto mais as mulheres trabalham, quanto mais inseridas no regime económico global, mais a taxa de fertilidade tende a cair, e com isso o aumento populacional tende a cair. A escassez de água, de certa forma, contribuiria, assim, para o aumento populacional. Mas isso também é contraditório com a falta de acesso ao saneamento que provoca milhares de mortes por simples diarreias, ou seja, mais mortalidade infantil. É interessante ver que, de um problema que parece básico, há um conjunto de impactos a jusante sobre os quais vale a pena reflectir.

Mais uma vez a questão das alterações climáticas e da pobreza. Mencionou (Catarina Albuquerque) o caso dos refugiados em Daca, das pessoas que saem das zonas costeiras e dormem ali no chão para trabalhar em determinados actividades. São refugiados climáticos ou são refugiados da pobreza? São pessoas que pela pobreza foram obrigados a

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Gostaria ainda de fazer referência à questão da adaptação à mudança do clima versus mitigação ou redução de emissões. Em suma, a atenção da comunidade internacional dos governos tem sido, sobretudo, na redução de emissões dos países desenvolvidos e, mesmo assim, sabemos das diferentes velocidades em que isso está a acontecer. Mitigar as emissões de gases com efeito de estufa tem sido a prioridade da comunidade internacional, e assim deve ser. Creio que não é muito claro mas, de facto, para evitar impactes, alguns deles irreversíveis e sem precedente, temos que olhar para isto certamente como risco, mas como uma espécie de seguro. O melhor seguro para evitar impactes e consequentes medidas de adaptação é evitar que as emissões ocorram. A mitigação é o melhor seguro, a primeira barreira de resposta aos impactes da mudança do clima e às medidas de adaptação.

Contudo, como foi referido há pouco pelo Professor Filipe Duarte Santos, a verdade é que nós temos hoje claro que vamos ter impactes a médio/longo prazo, em resultado das concentrações actuais de gases com efeitos de estufa na atmosfera e nos oceanos. Vamos, portanto, ter que nos adaptar. É inevitável.

Esta temática da adaptação é muito mais recente. Nos países desenvolvidos tem, eu diria, cinco anos. Ironicamente, nalguns casos, planos de adaptação de países em desenvolvimento até são anteriores. Mas é difícil perceber o que é a adaptação. Porquê? Porque é dificil distinguir adaptação de desenvolvimento. E este traz-nos a um outro debate, a que chamaria de “Bono contra Al Gore”. Ou seja, o debate de alterações climáticas e desenvolvimento não pode ser um debate em que a dimensão desenvolvimento, acesso a água e saneamento que daí resulta, entra em conflito com a dimensão mudança do clima. Se assim acontecer, o resultado será que nós estamos a desviar as atenções e não estamos a fazer aquilo que é central na temática de alterações climáticas: a integração.

Ou seja, é garantir que as políticas de desenvolvimento têm em conta, por exemplo, potenciais impactos de alterações climáticas no planeamento, nas infra-estruturas. O debate está ao ponto, isto é um caso concreto, de se debater em que medida a ajuda orçamental que é dada a nível de ajuda pública ao desenvolvimento a países em desenvolvimento, pode ter, deve ter ou não, marcadores associados à adaptação à mudança do clima. É um debate complexo mas que importa travar porque só de forma integrada e potenciando sinergias entre políticas e medidas podermos resolver os problemas de desenvolvimento e de mitigação/adaptação às alterações climáticas.

“Opções Bilaterais – Fast start”

Para concluir, gostaria de dar nota que Portugal aprovou no início de 2009 uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), a qual tem uma componente de cooperação para o desenvolvimento. No fundo, é a responsabilidade portuguesa na cena internacional para o problema da adaptação. Na Cimeira de Copenhaga, que não foi só más notícias, foi aprovado um envelope financeiro chamado fast start, ajuda imediata, e nesse âmbito, Portugal, apesar da crise financeira que todos conhecemos, tem um compromisso que corresponde a cerca de 12 milhões de euros por ano de apoio a projectos em países em vias de desenvolvimento. Como seria de esperar, os países-alvo nesta linha de financiamento são os países de língua portuguesa, em particular África e Timor. Hoje temos alguns projectos já em cima da mesa que tentam, justamente, conciliar a dimensão desenvolvimento com a dimensão mudança do clima. Temos um projecto em Moçambique; certos equipamentos comunitários de pequenas vilas e aldeias estão situados em leito de cheia, próximos dos rios que são sujeitos a inundações.

O projecto consiste na instalação de painéis solares nestes edifícios comunitários, e retirá-los ao mesmo tempo da zona sujeita a inundações. Em suma, diria que a temática das alterações climáticas é, hoje, reconhecida como uma das mais importantes para o futuro da humanidade. No seu âmago, é uma temática transversal e que requer por isso uma abordagem integrada em termos de desenvolvimento. A subida das águas do mar, a seca e escassez de recursos hídricos, são só alguns dos mais importantes desafios à localização de milhões de pessoas em determinadas regiões do globo, já hoje propensas a tensão e escassez. Estou por isso convicto que a dimensão segurança será de crescente importância no debate das alterações climátcas. Nesse contexto, creio, a temática dos refugiados terá também certamente de ser tida em conta.

Muito obrigado.

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Cabe-me a mim, a difícil tarefa de fazer uma síntese. Como o nosso moderador referiu, foram três apresentações muito boas e eu tenho que fingir que estou a fazer uma apresentação própria, mas usurpando, digamos, as ideias dos oradores.

Eu gostaria de salientar algumas questões que, parece-me, emergiram das três apresentações. Essencialmente, as três tocaram num ponto central que é um triângulo. Nós viemos aqui para falar de refugiados mas, na verdade, ao falar de refugiados climáticos estamos a falar de um triângulo: alterações climáticas, pobreza e refugiados.

Um triângulo que é difícil deslindar, separar uma coisa da outra. O Professor Filipe Duarte Santos chamou a atenção logo no princípio da sua apresentação para a dificuldade em até definir-se o que é um refugiado climático. E depois há diferentes números que foram aqui citados. O Professor Filipe Duarte Santos falou em 25 milhões, Nuno Lacasta citou 200 milhões…

Por um lado, há uma dificuldade de definição, por outro lado um dos principais sintomas da insustentabilidade e das causas da insustentabilidade, como disse o Professor Filipe Duarte Santos, é a pobreza extrema e severa.

E isso leva-me a questionar: afinal os refugiados são refugiados climáticos ou económicos? Eles fogem da pobreza ou fogem das condições adversas causadas pelas alterações climáticas? Isso leva a uma outra questão difícil de resolver: como é possível combater isso?

Evidentemente, combater a pobreza seria um dos principais caminhos. Mas, combater a pobreza traz em si até um resultado indesejado. Como também já foi dito aqui, 57% das causas das alterações climáticas tem a ver com a queima dos combustíveis fósseis e 20% tem a ver com as alterações do uso do solo.

Resolver a pobreza significa elevar o nível de vida de vastas áreas do mundo hoje miseráveis e isso pode trazer mais problemas, pode trazer mais factores que contribuam para as alterações climáticas. Nós sabemos hoje que a maior parte do aumento do consumo de energia - e isto são dados que saíram na semana passada no último relatório World Energy Outlook da Agência Internacional de Energia - mais de 90% do consumo de energia até 2035 vai ocorrer nos países em desenvolvimento, 36% só na China.

E este aumento do consumo de energia não vai ser feito com renováveis, com solar, eólica, vai ser sobretudo com combustíveis fósseis, muito gás, muito carvão. Ou seja, retirar essas populações da pobreza, elevar o seu nível, vai implicar certamente mais factores que contribuem para as alterações climáticas. Por isso, aquilo que o Nuno Lacasta disse é muito importante. Resolver a sério o problema significa integrar as alterações climáticas em todas as políticas de desenvolvimento, seja dos países já desenvolvidos e, sobretudo, nos países em desenvolvimento.

Eu achei muito interessante, também, a apresentação da Catarina Albuquerque que falou que é difícil para nós, aqui nesta sala, neste conforto todo, imaginar as dificuldades no acesso à água em muitos países. E eu penso nisso quase todos os dias. Nós vivemos quotidianamente um pequeno milagre: abrir uma torneira e sair água. Isso é espectacular. E poder beber essa água, uma água de qualidade.

Nós não pensamos muito nisso todos os dias. Falamos da crise, mas isto é um pequeno milagre. Não me recordo da cifra, mas suponho que devam ser 2 a 3 mil milhões de pessoas que não têm acesso à água. Relativamente à falta de acesso à água, a Catarina citou aqueles exemplos das mulheres que demoram 12 a 14 horas por dia para ir até um determinado sítio, enfrentar uma fila, carregar os baldes, voltar, etc.

Se pensarmos que as mulheres, por terem essa tarefa, não têm acesso a uma actividade económica de mais valor isso tem impacto na fertilidade.

A transição demográfica mostra que quanto mais as mulheres trabalham, quanto mais inseridas no regime económico global, mais a taxa de fertilidade tende a cair, e com isso o aumento populacional tende a cair. A escassez de água, de certa forma, contribuiria, assim, para o aumento populacional. Mas isso também é contraditório com a falta de acesso ao saneamento que provoca milhares de mortes por simples diarreias, ou seja, mais mortalidade infantil. É interessante ver que, de um problema que parece básico, há um conjunto de impactos a jusante sobre os quais vale a pena reflectir.

Mais uma vez a questão das alterações climáticas e da pobreza. Mencionou (Catarina Albuquerque) o caso dos refugiados em Daca, das pessoas que saem das zonas costeiras e dormem ali no chão para trabalhar em determinados actividades. São refugiados climáticos ou são refugiados da pobreza? São pessoas que pela pobreza foram obrigados a

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ocupar zonas que sabiam ser de risco e quando são expulsos dessas zonas não têm condições económicas para ter uma alternativa decente.

Fiquei surpreendido, embora pensando que é natural que seja assim, com a sua (Catarina Albuquerque) afirmação de que há suficiente água disponível para realizar o direito humano e que o problema é que os pobres são excluídos do seu acesso. Mais uma vez novamente aqui a pobreza junto com a questão das alterações climáticas.

Eu fiquei sem perceber como é que se resolve a questão. Se nós queremos que os direitos humanos estejam dentro do tema das alterações climáticas, como vamos fazer isso? É ir buscando determinados temas onde os direitos humanos já estão bem equacionados como na questão da água e do abastecimento e tentar “linkar” com as alterações climáticas? Ou será que é possível no futuro declarar as alterações climáticas como alguma coisa…como equacionaríamos um direito humano relacionado com o clima? Seria o direito bom clima? Nesse caso estamos bem aqui em Portugal. Ou o direito a um clima estável? Mas o clima não é instável, o Professor Filipe Duarte Santos bem sabe disso.

No fim, resumindo, alterações climáticas, pobreza, refugiados, como é que se resolve isso? Em grande parte com a cooperação internacional, que neste momento não está a conseguir atingir os objectivos a que se propôs. Se formos pensar nas promessas de ajuda pública ao desenvolvimento, os tais 0,7% do PIB mundial, estamos muito longe. O Nuno Lacasta referiu o Acordo de Copenhaga que inclui a promessa de 30 mil milhões de dólares, um fundo fast start para os países mais desfavorecidos, até 2012. Esse dinheiro está prometido, mas não está cá ainda. Mais longe ainda estão os 100 mil milhões de dólares anuais, que se estima e que também estão prometidos, necessários para os países mais vulneráveis lidarem com a questão das alterações climáticas. Essa é uma cifra que deveria estar disponível a partir de 2020. Muitas das promessas, para esses 30 mil milhões de dólares anuais até 2012, no fundo é ajuda pública ao desenvolvimento disfarçada de alterações climáticas. Como se resolve isso? Se calhar, é o que podemos discutir.

PAINEL II

RESPONDENDO ÀS VULNERABILIDADES DOS REFUGIADOS E DESLOCADOS AMBIENTAIS

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ocupar zonas que sabiam ser de risco e quando são expulsos dessas zonas não têm condições económicas para ter uma alternativa decente.

Fiquei surpreendido, embora pensando que é natural que seja assim, com a sua (Catarina Albuquerque) afirmação de que há suficiente água disponível para realizar o direito humano e que o problema é que os pobres são excluídos do seu acesso. Mais uma vez novamente aqui a pobreza junto com a questão das alterações climáticas.

Eu fiquei sem perceber como é que se resolve a questão. Se nós queremos que os direitos humanos estejam dentro do tema das alterações climáticas, como vamos fazer isso? É ir buscando determinados temas onde os direitos humanos já estão bem equacionados como na questão da água e do abastecimento e tentar “linkar” com as alterações climáticas? Ou será que é possível no futuro declarar as alterações climáticas como alguma coisa…como equacionaríamos um direito humano relacionado com o clima? Seria o direito bom clima? Nesse caso estamos bem aqui em Portugal. Ou o direito a um clima estável? Mas o clima não é instável, o Professor Filipe Duarte Santos bem sabe disso.

No fim, resumindo, alterações climáticas, pobreza, refugiados, como é que se resolve isso? Em grande parte com a cooperação internacional, que neste momento não está a conseguir atingir os objectivos a que se propôs. Se formos pensar nas promessas de ajuda pública ao desenvolvimento, os tais 0,7% do PIB mundial, estamos muito longe. O Nuno Lacasta referiu o Acordo de Copenhaga que inclui a promessa de 30 mil milhões de dólares, um fundo fast start para os países mais desfavorecidos, até 2012. Esse dinheiro está prometido, mas não está cá ainda. Mais longe ainda estão os 100 mil milhões de dólares anuais, que se estima e que também estão prometidos, necessários para os países mais vulneráveis lidarem com a questão das alterações climáticas. Essa é uma cifra que deveria estar disponível a partir de 2020. Muitas das promessas, para esses 30 mil milhões de dólares anuais até 2012, no fundo é ajuda pública ao desenvolvimento disfarçada de alterações climáticas. Como se resolve isso? Se calhar, é o que podemos discutir.

PAINEL II

RESPONDENDO ÀS VULNERABILIDADES DOS REFUGIADOS E DESLOCADOS AMBIENTAIS

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2. Crutzen, P. J., & Stoermer, E. F. (2000) – “The Anthropocene”, Global Change Newsletter. 41, pp. 17-18.

os combustíveis fósseis continuam a contribuir em mais de 80% para alimentar o crescimento da economia mundial. As projecções contidas nos cenários de referência da Agência Internacional de Energia para o período de 2005 a 2030 estimam em 55% o aumento da procura primária de energia e em 57%, para o mesmo período, o crescimento das emissões de dióxido de carbono.

A crise económica e financeira, iniciada no segundo semestre de 2008, não parece estar em condições de alterar, só por si, estas tendências de longo prazo. É natural que, dada a volatilidade oscilatória dos preços do crude, o consumo deste venha a diminuir conjunturalmente sendo substituído pelo recurso às mais abundantes e acessíveis reservas de carvão. Como o carvão é mais rico em carbono, o impacto ambiental da actual recessão económica poderá agravar, em vez de atenuar, o processo de mudança climática.

Os pontos de viragem

As consequências da mudança climática dependerão da nossa capacidade colectiva de estabilizarmos a concentração dos principais gases de estufa (em especial o dióxido de carbono e o metano) numa concentração (calculada em 450 ppmv CO2 equivalente) que não venha a provocar um aumento da temperatura média global acima dos 2.ºC.

Apesar das incertezas, sabemos que a temperatura e o nível das águas do mar subirão, que nalgumas zonas a produtividade agrícola poderá aumentar, embora na maioria venha a decrescer, bem como a pluviosidade. Sabemos que os eventos extremos, como ondas de calor, chuvas intensas, furacões, e outras ocorrências meteorológicas violentas aumentarão em frequência e intensidade. Mas há ainda muitas zonas de interrogação, sobretudo em torno do que se tornou conhecido como os “pontos de viragem” (tipping points), isto é o grau de resiliência de alguns ecossistemas face à pressão do aumento da temperatura e de outros indicadores de mudança climática. Se, por exemplo, o carbono e o metano contidos no permafrost (solo permanentemente gelado) siberiano forem libertados pelo aumento da temperatura, isso significará uma intensificação extraordinária da concentração de gases de estufa. Se o degelo do Árctico se concretizar, nas próximas décadas, a temperatura tenderá a aumentar nos oceanos, pois o gelo reflecte nove décimos da radiação que recebe, enquanto o mar limpo de gelo tem o comportamento inverso. O comportamento da criosfera terá aqui um papel decisivo. Se a temperatura média se elevar 3.ºC, ou mais, correremos o risco de despertar um mecanismo de não retorno que poderá levar, ao longo dos próximos séculos, ao degelo completo das grandes massas de gelo permanente que se encontram sobre a Gronelândia e a Antárctida. Nesse caso, a elevação do mar assumiria proporções diluvianas de mais de 60 metros.

Os desafios para a segurança

Para as políticas públicas o primeiro desafio representado pelas alterações climáticas é o da complexidade. Mais do que nunca estadistas, estrategistas e cientistas têm de estar lado a lado na monitorização da evolução do estado ambiental e climático do planeta. Complexidade, ainda, na medida em que as alterações climáticas se ligam a outros problemas da habitação comum da Terra que aguardam por solução urgente, como é o caso da urgência de uma nova política energética que nos liberte da dependência de combustíveis fósseis, que além de poluentes, trazem consigo o risco da multiplicação de disputas violentas dada a sua crescente escassez. O segundo desafio prende-se com a escala e a natureza da ameaça. As alterações climáticas constituem o melhor exemplo da globalização da ameaça. Uma ameaça cuja natureza é de um novo tipo, a saber, ontológico. Não se prende com a projecção espacial e territorial do poder, mas com a metamorfose intrínseca desse espaço e desse território pela acção desmesurada e colateral do poder humano (incluindo aqui a violenta capacidade de transformação plástica dos ecossistemas por parte da tecnociência).

O terceiro desafio implica a aceitação dos limites dos meios militares para fazer face a esta nova ameaça. Curiosamente, o pensamento estratégico já enfrentou no passado uma situação semelhante, quando a possibilidade de autodestruição da humanidade, num quadro de Mutual Assured Destruction, acabou por fazer do não uso das armas nucleares a melhor doutrina do seu planeamento e desenvolvimento. O quarto desafio aportado pelas alterações climáticas é o da cooperação compulsiva, entre os Estados e outros actores da política internacional. Hoje, as ameaças que pairam sobre o clima e o ambiente mundiais têm no uso de um património comum, a atmosfera, o centro nevrálgico do problema e da sua eventual solução. A atmosfera planetária é hoje um tema político de segurança nacional e mundial. Nenhum país pode decretar uma soberania exclusiva sobre a “sua” atmosfera, sem, com isso, incorrer num acto de hostilidade para com o resto dos parceiros da comunidade internacional. Não temos meios para expandir fisicamente a atmosfera, mas temos meios para uma sua gestão mais sustentável. A multiplicação de vagas de refugiados ambientais, de conflitos entre Estados (cada vez mais débeis, ou mesmo falhados) e dentro de Estados pela disputa de recursos naturais cada vez mais escassos, poderá ser uma realidade ainda mais violenta se não compreendermos todas as dimensões de segurança envolvidas na ameaça ambiental e climática em rápida aceleração.

A segurança ambiental e a construção da paz | Viriato Soromenho Marques, Universidade de Lisboa e Programa Gulbenkian Ambiente

As alterações climáticas são hoje a maior ameaça que se coloca à humanidade no seu conjunto, na medida em que, pela primeira vez desde que há memória histórica, a acção humana atingiu uma tal capacidade de alterar a estrutura profunda do Planeta, de modelar o frágil equilíbrio da sua complexa rede de sistemas – da atmosfera à hidrosfera, passando pela criosfera, litosfera e biosfera – que alguns cientistas proeminentes falam já da existência de uma nova, e

2provavelmente efémera, era geológica caracterizada por esse poderio plástico da humanidade, o Antropocénico .

Na verdade, para compreendermos as alterações climáticas temos de compreender a crise ambiental, que é o lugar conceptual onde ela ganha sentido. Com efeito, nem todas as crises são idênticas, e o facto de termos mergulhado numa complicada deriva económica que parece querer prolongar-se não nos deve fazer perder a capacidade racional de estabelecer critérios e determinar graus de grandeza e hierarquias de prioridade. Isso será evidente, se comparamos a presente recessão económica com a Grande Depressão, iniciada em 1929, e que se prolongou até à II Guerra Mundial.

No seu primeiro discurso inaugural, proferido em 4 de Março de 1933, o Presidente Franklin Delano Roosevelt traçou um doloroso e sombrio retrato do seu país, devastado pela pobreza, desemprego e desespero. Contudo, ele conseguia vislumbrar, no meio da amargura geral, uma fímbria de esperança: “A Natureza ainda nos oferece a sua abundância…” Muito recentemente, numa Conferência realizada em Nova Deli, tive a oportunidade de escutar as fortes e comoventes palavras de Anote Tong, o Presidente da República do Kiribati, um país insular disseminado por milhões de quilómetros quadrados do Pacífico central, fortemente ameaçado pela subida do nível médio das águas do mar. Ele apresentou-se, perante uma silenciosa assembleia desta forma: “Eu sou o Presidente de um país que está a desaparecer debaixo de água…”

Em 2011, tal como em 1933, o mundo está ameaçado por um profundo e vasto colapso económico e financeiro. Todavia, em 2011 já não podemos partilhar a esperança de Roosevelt. Hoje, a Natureza já não nos oferece as suas bênçãos, mas antes a sua reacção hostil, como resposta a décadas e séculos de agressão e abuso por parte da ganância e loucura humanas. Num planeta povoado já não por dois mil milhões de pessoas, como no tempo de Roosevelt, mas por quase sete mil milhões, a maior crise que se interpõe entre nós e um futuro sustentável não é, na sua essência, de natureza económica, mas sim a crise global do ambiente. Uma crise que se tornou visível para todos através dos cada vez mais numerosos eventos extremos associados ao processo de alterações climáticas.

As preocupações do pensamento estratégico com o ambiente começaram mesmo antes do surgimento da disciplina que hoje é conhecida como “segurança ambiental”. Com efeito, no final dos anos 60 a NATO reflectia as preocupações ambientais da Administração Norte-americana do Presidente Nixon, que criou a Lei de Bases da política ambiental federal (NEPA, em 1969) e o seu instrumento administrativo (EPA, em 1970). Mais tarde, no início da década de 90, os estudos de segurança ambiental revelaram algo de inverso e ao mesmo tempo complementar destas preocupações iniciais: não só a actividade bélica produz impactos ambientais consideráveis, como a degradação ambiental de vastos territórios (isto é, a sua incapacidade de produzirem serviços ecológicos vitais para a existência de vida social complexa) onde se jogam interesses colectivos (nacionais, ou de outro tipo) pode constituir um factor catalisador, ou até, a causa determinante para a eclosão de conflitos. Recentemente, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, estabelecia uma etiologia ambiental para o sangrento conflito do Darfur.

A especificidade das alterações climáticas

Desde 1750, no início da utilização de combustíveis fósseis em larga escala, até Setembro de 2009, a concentração de CO2 na atmosfera passou de 270 ppm (num milhão de partes da atmosfera, 270 eram constituídas por dióxido de carbono) para 384, 79 ppm! É um aumento assombroso. Basta ter em conta que nos últimos 600 000 anos as variações do CO2, oscilaram entre um mínimo de 180 ppm (nos períodos de glaciação, mais frios) e 300 ppm (nos períodos interglaciares, mais amenos). Se o mundo não conseguir mudar o seu paradigma civilizacional, baseado na libertação, pela sua queima, de carbono da litosfera (onde se esconde o carvão, o petróleo e o gás natural) para a atmosfera, poderemos chegar ao final deste século com uma concentração de CO2 que será superior ao dobro do período pré-industrial…O aumento médio global da temperatura poderá atingir mais de 6.ºC!

A tendência para uma escalada do aumento mantém-se, depois de uma aparente estabilização nos anos de 1990. Com efeito, a industrialização acelerada de países emergentes, como a China e a Índia, aliadas à irresponsabilidade dos governos Bush, provocaram um recente incremento no processo de redesenho químico da atmosfera. Com efeito,

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2. Crutzen, P. J., & Stoermer, E. F. (2000) – “The Anthropocene”, Global Change Newsletter. 41, pp. 17-18.

os combustíveis fósseis continuam a contribuir em mais de 80% para alimentar o crescimento da economia mundial. As projecções contidas nos cenários de referência da Agência Internacional de Energia para o período de 2005 a 2030 estimam em 55% o aumento da procura primária de energia e em 57%, para o mesmo período, o crescimento das emissões de dióxido de carbono.

A crise económica e financeira, iniciada no segundo semestre de 2008, não parece estar em condições de alterar, só por si, estas tendências de longo prazo. É natural que, dada a volatilidade oscilatória dos preços do crude, o consumo deste venha a diminuir conjunturalmente sendo substituído pelo recurso às mais abundantes e acessíveis reservas de carvão. Como o carvão é mais rico em carbono, o impacto ambiental da actual recessão económica poderá agravar, em vez de atenuar, o processo de mudança climática.

Os pontos de viragem

As consequências da mudança climática dependerão da nossa capacidade colectiva de estabilizarmos a concentração dos principais gases de estufa (em especial o dióxido de carbono e o metano) numa concentração (calculada em 450 ppmv CO2 equivalente) que não venha a provocar um aumento da temperatura média global acima dos 2.ºC.

Apesar das incertezas, sabemos que a temperatura e o nível das águas do mar subirão, que nalgumas zonas a produtividade agrícola poderá aumentar, embora na maioria venha a decrescer, bem como a pluviosidade. Sabemos que os eventos extremos, como ondas de calor, chuvas intensas, furacões, e outras ocorrências meteorológicas violentas aumentarão em frequência e intensidade. Mas há ainda muitas zonas de interrogação, sobretudo em torno do que se tornou conhecido como os “pontos de viragem” (tipping points), isto é o grau de resiliência de alguns ecossistemas face à pressão do aumento da temperatura e de outros indicadores de mudança climática. Se, por exemplo, o carbono e o metano contidos no permafrost (solo permanentemente gelado) siberiano forem libertados pelo aumento da temperatura, isso significará uma intensificação extraordinária da concentração de gases de estufa. Se o degelo do Árctico se concretizar, nas próximas décadas, a temperatura tenderá a aumentar nos oceanos, pois o gelo reflecte nove décimos da radiação que recebe, enquanto o mar limpo de gelo tem o comportamento inverso. O comportamento da criosfera terá aqui um papel decisivo. Se a temperatura média se elevar 3.ºC, ou mais, correremos o risco de despertar um mecanismo de não retorno que poderá levar, ao longo dos próximos séculos, ao degelo completo das grandes massas de gelo permanente que se encontram sobre a Gronelândia e a Antárctida. Nesse caso, a elevação do mar assumiria proporções diluvianas de mais de 60 metros.

Os desafios para a segurança

Para as políticas públicas o primeiro desafio representado pelas alterações climáticas é o da complexidade. Mais do que nunca estadistas, estrategistas e cientistas têm de estar lado a lado na monitorização da evolução do estado ambiental e climático do planeta. Complexidade, ainda, na medida em que as alterações climáticas se ligam a outros problemas da habitação comum da Terra que aguardam por solução urgente, como é o caso da urgência de uma nova política energética que nos liberte da dependência de combustíveis fósseis, que além de poluentes, trazem consigo o risco da multiplicação de disputas violentas dada a sua crescente escassez. O segundo desafio prende-se com a escala e a natureza da ameaça. As alterações climáticas constituem o melhor exemplo da globalização da ameaça. Uma ameaça cuja natureza é de um novo tipo, a saber, ontológico. Não se prende com a projecção espacial e territorial do poder, mas com a metamorfose intrínseca desse espaço e desse território pela acção desmesurada e colateral do poder humano (incluindo aqui a violenta capacidade de transformação plástica dos ecossistemas por parte da tecnociência).

O terceiro desafio implica a aceitação dos limites dos meios militares para fazer face a esta nova ameaça. Curiosamente, o pensamento estratégico já enfrentou no passado uma situação semelhante, quando a possibilidade de autodestruição da humanidade, num quadro de Mutual Assured Destruction, acabou por fazer do não uso das armas nucleares a melhor doutrina do seu planeamento e desenvolvimento. O quarto desafio aportado pelas alterações climáticas é o da cooperação compulsiva, entre os Estados e outros actores da política internacional. Hoje, as ameaças que pairam sobre o clima e o ambiente mundiais têm no uso de um património comum, a atmosfera, o centro nevrálgico do problema e da sua eventual solução. A atmosfera planetária é hoje um tema político de segurança nacional e mundial. Nenhum país pode decretar uma soberania exclusiva sobre a “sua” atmosfera, sem, com isso, incorrer num acto de hostilidade para com o resto dos parceiros da comunidade internacional. Não temos meios para expandir fisicamente a atmosfera, mas temos meios para uma sua gestão mais sustentável. A multiplicação de vagas de refugiados ambientais, de conflitos entre Estados (cada vez mais débeis, ou mesmo falhados) e dentro de Estados pela disputa de recursos naturais cada vez mais escassos, poderá ser uma realidade ainda mais violenta se não compreendermos todas as dimensões de segurança envolvidas na ameaça ambiental e climática em rápida aceleração.

A segurança ambiental e a construção da paz | Viriato Soromenho Marques, Universidade de Lisboa e Programa Gulbenkian Ambiente

As alterações climáticas são hoje a maior ameaça que se coloca à humanidade no seu conjunto, na medida em que, pela primeira vez desde que há memória histórica, a acção humana atingiu uma tal capacidade de alterar a estrutura profunda do Planeta, de modelar o frágil equilíbrio da sua complexa rede de sistemas – da atmosfera à hidrosfera, passando pela criosfera, litosfera e biosfera – que alguns cientistas proeminentes falam já da existência de uma nova, e

2provavelmente efémera, era geológica caracterizada por esse poderio plástico da humanidade, o Antropocénico .

Na verdade, para compreendermos as alterações climáticas temos de compreender a crise ambiental, que é o lugar conceptual onde ela ganha sentido. Com efeito, nem todas as crises são idênticas, e o facto de termos mergulhado numa complicada deriva económica que parece querer prolongar-se não nos deve fazer perder a capacidade racional de estabelecer critérios e determinar graus de grandeza e hierarquias de prioridade. Isso será evidente, se comparamos a presente recessão económica com a Grande Depressão, iniciada em 1929, e que se prolongou até à II Guerra Mundial.

No seu primeiro discurso inaugural, proferido em 4 de Março de 1933, o Presidente Franklin Delano Roosevelt traçou um doloroso e sombrio retrato do seu país, devastado pela pobreza, desemprego e desespero. Contudo, ele conseguia vislumbrar, no meio da amargura geral, uma fímbria de esperança: “A Natureza ainda nos oferece a sua abundância…” Muito recentemente, numa Conferência realizada em Nova Deli, tive a oportunidade de escutar as fortes e comoventes palavras de Anote Tong, o Presidente da República do Kiribati, um país insular disseminado por milhões de quilómetros quadrados do Pacífico central, fortemente ameaçado pela subida do nível médio das águas do mar. Ele apresentou-se, perante uma silenciosa assembleia desta forma: “Eu sou o Presidente de um país que está a desaparecer debaixo de água…”

Em 2011, tal como em 1933, o mundo está ameaçado por um profundo e vasto colapso económico e financeiro. Todavia, em 2011 já não podemos partilhar a esperança de Roosevelt. Hoje, a Natureza já não nos oferece as suas bênçãos, mas antes a sua reacção hostil, como resposta a décadas e séculos de agressão e abuso por parte da ganância e loucura humanas. Num planeta povoado já não por dois mil milhões de pessoas, como no tempo de Roosevelt, mas por quase sete mil milhões, a maior crise que se interpõe entre nós e um futuro sustentável não é, na sua essência, de natureza económica, mas sim a crise global do ambiente. Uma crise que se tornou visível para todos através dos cada vez mais numerosos eventos extremos associados ao processo de alterações climáticas.

As preocupações do pensamento estratégico com o ambiente começaram mesmo antes do surgimento da disciplina que hoje é conhecida como “segurança ambiental”. Com efeito, no final dos anos 60 a NATO reflectia as preocupações ambientais da Administração Norte-americana do Presidente Nixon, que criou a Lei de Bases da política ambiental federal (NEPA, em 1969) e o seu instrumento administrativo (EPA, em 1970). Mais tarde, no início da década de 90, os estudos de segurança ambiental revelaram algo de inverso e ao mesmo tempo complementar destas preocupações iniciais: não só a actividade bélica produz impactos ambientais consideráveis, como a degradação ambiental de vastos territórios (isto é, a sua incapacidade de produzirem serviços ecológicos vitais para a existência de vida social complexa) onde se jogam interesses colectivos (nacionais, ou de outro tipo) pode constituir um factor catalisador, ou até, a causa determinante para a eclosão de conflitos. Recentemente, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, estabelecia uma etiologia ambiental para o sangrento conflito do Darfur.

A especificidade das alterações climáticas

Desde 1750, no início da utilização de combustíveis fósseis em larga escala, até Setembro de 2009, a concentração de CO2 na atmosfera passou de 270 ppm (num milhão de partes da atmosfera, 270 eram constituídas por dióxido de carbono) para 384, 79 ppm! É um aumento assombroso. Basta ter em conta que nos últimos 600 000 anos as variações do CO2, oscilaram entre um mínimo de 180 ppm (nos períodos de glaciação, mais frios) e 300 ppm (nos períodos interglaciares, mais amenos). Se o mundo não conseguir mudar o seu paradigma civilizacional, baseado na libertação, pela sua queima, de carbono da litosfera (onde se esconde o carvão, o petróleo e o gás natural) para a atmosfera, poderemos chegar ao final deste século com uma concentração de CO2 que será superior ao dobro do período pré-industrial…O aumento médio global da temperatura poderá atingir mais de 6.ºC!

A tendência para uma escalada do aumento mantém-se, depois de uma aparente estabilização nos anos de 1990. Com efeito, a industrialização acelerada de países emergentes, como a China e a Índia, aliadas à irresponsabilidade dos governos Bush, provocaram um recente incremento no processo de redesenho químico da atmosfera. Com efeito,

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36 No caso de terem sido obrigadas a deslocar-se dentro do seu país, estas pessoas são geralmente deslocados internos e o Direito Internacional dos Refugiados/Lei de Asilo e Refugiados não se aplica; o que se aplica é uma mistura de Direitos Humanos e Direito Humanitário que foram muito bem inseridos naquilo que muitos de vós conhecerão como “Princípios Orientadores das NU relativos aos Deslocados Internos”.

No caso dos movimentos voluntários, quer dentro, quer fora de um país, mais uma vez o Direito Internacional dos Refugiados/Lei de Asilo e Refugiados não se aplica; o que se aplica é o Direito Internacional das Migrações.

Para começar a esmiuçar esta questão acerca das migrações, vamos ver agora como se liga às causas ambientais. Novamente estou a tentar esmiuçar os conceitos para que possamos ver mais claramente do que estamos a falar.

As causas ambientais das migrações, o que podem ser? Novamente temos várias distinções. Podem ser puramente naturais, como os terramotos, ou podem ser de origem humana como, por exemplo, um acidente químico que polua um rio e obrigue as pessoas a deslocar-se. Podem ser repentinas como uma cheia, algo que aconteça muito rapidamente, ou graduais, conceitos muito referidos hoje como, por exemplo, a subida dos níveis do mar ou a seca.

Uma terceira distinção pode ser feita entre aquelas que são imprevistas, como um terramoto, e as que podem ser previstas. De um ponto de vista legal e para a questão das migrações internacionais, estas distinções são muito importantes.

Verão que eu coloquei pequenos asteriscos por todo o lado com as notas de rodapé dizendo que há um grande debate, até mesmo na questão de decidir se um terramoto é completamente natural ou se pode ser causado pelo ser humano. Por exemplo, as experiências nucleares por vezes feitas podem desencadear terramotos, como sabemos muito bem. Não podemos assegurar que os terramotos sejam 100% naturais. Isolados, são um fenómeno ambiental que pode ser causado pelas alterações climáticas.

Onde encaixam as obrigações dos Estados? Encaixam sobretudo na questão de que as causas ambientais das migrações, os desastres naturais, podiam ser antecipadas, previstas.

De um ponto de vista legal é muito importante perceber quais são as consequências legais ligadas a estas diferentes distinções e as causas ambientais das deslocações e das migrações.

Voltando à questão das definições. O conceito de “refugiado ambiental” é frequentemente usado nos media e etc. mas, não é um conceito legal. Para nós, no ACNUR, até é uma espécie de conceito perigoso. Não gostamos muito dele e explico porquê. Nós temos a definição de refugiado na Convenção de 1951, onde diz que um refugiado é uma pessoa que receia perseguição devido a determinados fundamentos sejam eles nacionalidade, religião, raça, opiniões políticas e por adiante; e não menciona a palavra ambiente, nem a expressão alterações climáticas, porque, claro, é uma definição que data de 1951.

Qual é um dos perigos? Usarmos o termo sem reflectir um pouco. Vejamos o caso do Darfur, uma espécie de exemplo de manual escolar. Dizemos que no Darfur as causas do conflito foram ambientais e causadas pelas alterações ambientais e, por conseguinte, no Darfur houve refugiados ambientais. Mas o que podia dizer um governo que não goste muito de refugiados? Podia dizer: «No Darfur não há refugiados, eles saíram do Darfur devido a causas ambientais e estas não estão consignadas na Convenção de 1951». Mas, é mesmo assim?

Sim, as causas ambientais podem estar por detrás dos conflitos, mas os conflitos não acontecem apenas devido ao ambiente; é o modo como são geridas por um Estado que resultam ou não em conflito. Assim sendo, é não só simplista, mas até um pouco perigoso usar a expressão “refugiado ambiental” sem uma análise minuciosa.

A expressão “migrante ambiental” é melhor? Muitas pessoas, muitas organizações dizem: «se as pessoas que se deslocaram devido ao ambiente não são refugiados, devem ser migrantes, certo? Não há mais nada para além disso». Não é verdade.

A expressão “migrante ambiental” dá a impressão que as pessoas fugiram porque queriam; um migrante é alguém que quer partir. A expressão “migrante forçado” é uma contradição em si própria, não existe. Portanto, essa expressão também não adequada. Muitas pessoas dizem até que as pessoas que vivem nessas ilhas em vias de desaparecimento, se os mencionarmos, se nós falarmos deles enquanto “migrantes ambientais” não estamos a fazer justiça ao facto de as suas vidas estarem a ser destruídas contra a sua vontade e sem motivos próprios.

Algumas outras pessoas dizem: «então, vamos utilizar a expressão “deslocados ambientais”». Mas ela também é inapropriada porque, primeiro, não faz a distinção entre deslocados internos e externos e, depois, também não inclui as pessoas que saem, por causa do ambiente, sim, mas, realmente, porque querem.

A última definição com a qual vos vou aborrecer – há muitas outras – é a expressão “refugiado climático” ou a

Poderemos concluir, por isso, que mais do que nunca são válidas as máximas da prudência clausewitziana, que aconselham a colocar na lógica política a condução do destino dos Estados, subordinando a essa visão de conjunto todos os outros meios, nomeadamente a gramática militar, como seus instrumentos operacionais. A prioridade hoje passa por conseguir um novo regime climático mundial, para o período que se abre após o termo do Protocolo de Quioto (final de 2012). Do sucesso dessa prioridade dependerá a reconstrução viável de uma nova ordem internacional plural e multilateral, capaz de obedecer tanto aos imperativos do direito internacional público como aos limites físicos do ambiente planetário, que é a nossa única casa para prosseguir a odisseia humana.

Boa tarde,

Antes de mais, gostava de agradecer ao CPR por esta iniciativa notável, não só porque me dá a oportunidade de estar aqui a ouvir o que outros têm a dizer sobre este tópico tão interessante e particularmente importante, mas também porque foi uma oportunidade excelente de visitar este país tão bonito. Nunca cá tinha estado antes e espero vir mais frequentemente no futuro. Outra coisa que gostava de dizer é: quero congratular todos os oradores anteriores porque tem havido um input muito enriquecedor no debate. É mesmo muito notável.

Este não é, de todo, um tópico fácil. Como o Senhor Ministro apontou muito bem de manhã, estamos a falar de um cruzamento de dois conceitos, dois assuntos - migrações e ambiente - e nenhum dos dois é propriamente fácil.

Hoje ouvimos o uso de muitas expressões, em particular a expressão “refugiado ambiental”; outros disseram “refugiados climáticos” ou “refugiados de alterações climáticas” ou “migrantes ambientais”. Para aqueles de nós que leram alguma literatura nos últimos 20 anos, é extraordinário, há um debate furioso entre aqueles que acreditam ardentemente, que há milhões e que vai haver centenas de milhões, talvez até 1 bilião, de refugiados ambientais nos próximos anos, e aqueles que dizem que este conceito é ficção e que isto dos refugiados ambientais não existe.

É um debate poderoso, uma discussão acesa entre os chamados alarmistas e os chamados cépticos. Não os deve surpreender que os advogados - e eu sou uma - tendem a incluir-se no grupo do cépticos em vez de se incluírem no grupo dos alarmistas. À medida que continuar vão perceber porquê.

Antes de mais, deixem-me explicar porque é este debate sobre as definições é tão importante. O nosso mundo está organizado em Estados e estes têm fronteiras e o direito soberano de dizer quem vão aceitar e quem não vão aceitar no seu território. Dependendo do motivo pelo qual as pessoas saíram dos seus países, os Estados têm diferentes obrigações e essas pessoas têm diferentes direitos. Para explicar isto, no caso dos migrantes económicos, e a definição básica de migrante económico refere-se a alguém que deixa o seu país e vai para o outro país em busca de uma melhor vida, encontrar emprego, etc., os Estados não são obrigados a permitir a entrada e a manter os migrantes económicos nos seus territórios, como todo o tipo de excepções, obviamente.

No caso dos refugiados as coisas são muito diferentes. Se alguém receia perseguição é refugiado, e se vier para um país, esse país é obrigado a permitir, colocando novamente a questão de forma muito simplista, que fique no seu território. Migrantes económicos e refugiados têm diferentes direitos em cada caso.

Já notaram que estou a fazer uma distinção muito básica. Há algumas pessoas que são forçadas, devido a perseguição, a deixar o seu país, e há outras pessoas que não foram forçadas e foi por sua escolha que saíram. Esta questão, quer as pessoas tenham sido forçadas ou não, tem implicações legais de grande magnitude. Para complicar um pouco a discussão, não temos apenas refugiados e migrantes económicos, temos também as pessoas que se movem dentro dos seus países.

Na verdade, temos duas grandes distinções quando falamos de migrações. Uma, migrações enquanto movimento de pessoas de um lugar para o outro com a intenção de ficar no último por um período de tempo mais alargado. Assim, temos aqueles que estão dentro de um país, deslocando-se de um local para outro, de uma aldeia para uma cidade, e outros que atravessam fronteiras internacionais. A outra grande distinção é entre aqueles que foram forçados a deslocar-se e aqueles que o fizeram voluntariamente.

O direito internacional aplicável, dependendo destas distinções, é muito diferente. Para abreviar, no caso de uma pessoa que deixou o seu país e se deslocou para outro país devido a perseguição, devido a fundamentos específicos, o corpo legal aplicável é o Direito Internacional dos Refugiados/Lei de Asilo e Refugiados na maior parte dos casos.

Alterações climáticas: desastres naturais e deslocações forçadas |Maria Stavropoulou, ACNUR

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36 No caso de terem sido obrigadas a deslocar-se dentro do seu país, estas pessoas são geralmente deslocados internos e o Direito Internacional dos Refugiados/Lei de Asilo e Refugiados não se aplica; o que se aplica é uma mistura de Direitos Humanos e Direito Humanitário que foram muito bem inseridos naquilo que muitos de vós conhecerão como “Princípios Orientadores das NU relativos aos Deslocados Internos”.

No caso dos movimentos voluntários, quer dentro, quer fora de um país, mais uma vez o Direito Internacional dos Refugiados/Lei de Asilo e Refugiados não se aplica; o que se aplica é o Direito Internacional das Migrações.

Para começar a esmiuçar esta questão acerca das migrações, vamos ver agora como se liga às causas ambientais. Novamente estou a tentar esmiuçar os conceitos para que possamos ver mais claramente do que estamos a falar.

As causas ambientais das migrações, o que podem ser? Novamente temos várias distinções. Podem ser puramente naturais, como os terramotos, ou podem ser de origem humana como, por exemplo, um acidente químico que polua um rio e obrigue as pessoas a deslocar-se. Podem ser repentinas como uma cheia, algo que aconteça muito rapidamente, ou graduais, conceitos muito referidos hoje como, por exemplo, a subida dos níveis do mar ou a seca.

Uma terceira distinção pode ser feita entre aquelas que são imprevistas, como um terramoto, e as que podem ser previstas. De um ponto de vista legal e para a questão das migrações internacionais, estas distinções são muito importantes.

Verão que eu coloquei pequenos asteriscos por todo o lado com as notas de rodapé dizendo que há um grande debate, até mesmo na questão de decidir se um terramoto é completamente natural ou se pode ser causado pelo ser humano. Por exemplo, as experiências nucleares por vezes feitas podem desencadear terramotos, como sabemos muito bem. Não podemos assegurar que os terramotos sejam 100% naturais. Isolados, são um fenómeno ambiental que pode ser causado pelas alterações climáticas.

Onde encaixam as obrigações dos Estados? Encaixam sobretudo na questão de que as causas ambientais das migrações, os desastres naturais, podiam ser antecipadas, previstas.

De um ponto de vista legal é muito importante perceber quais são as consequências legais ligadas a estas diferentes distinções e as causas ambientais das deslocações e das migrações.

Voltando à questão das definições. O conceito de “refugiado ambiental” é frequentemente usado nos media e etc. mas, não é um conceito legal. Para nós, no ACNUR, até é uma espécie de conceito perigoso. Não gostamos muito dele e explico porquê. Nós temos a definição de refugiado na Convenção de 1951, onde diz que um refugiado é uma pessoa que receia perseguição devido a determinados fundamentos sejam eles nacionalidade, religião, raça, opiniões políticas e por adiante; e não menciona a palavra ambiente, nem a expressão alterações climáticas, porque, claro, é uma definição que data de 1951.

Qual é um dos perigos? Usarmos o termo sem reflectir um pouco. Vejamos o caso do Darfur, uma espécie de exemplo de manual escolar. Dizemos que no Darfur as causas do conflito foram ambientais e causadas pelas alterações ambientais e, por conseguinte, no Darfur houve refugiados ambientais. Mas o que podia dizer um governo que não goste muito de refugiados? Podia dizer: «No Darfur não há refugiados, eles saíram do Darfur devido a causas ambientais e estas não estão consignadas na Convenção de 1951». Mas, é mesmo assim?

Sim, as causas ambientais podem estar por detrás dos conflitos, mas os conflitos não acontecem apenas devido ao ambiente; é o modo como são geridas por um Estado que resultam ou não em conflito. Assim sendo, é não só simplista, mas até um pouco perigoso usar a expressão “refugiado ambiental” sem uma análise minuciosa.

A expressão “migrante ambiental” é melhor? Muitas pessoas, muitas organizações dizem: «se as pessoas que se deslocaram devido ao ambiente não são refugiados, devem ser migrantes, certo? Não há mais nada para além disso». Não é verdade.

A expressão “migrante ambiental” dá a impressão que as pessoas fugiram porque queriam; um migrante é alguém que quer partir. A expressão “migrante forçado” é uma contradição em si própria, não existe. Portanto, essa expressão também não adequada. Muitas pessoas dizem até que as pessoas que vivem nessas ilhas em vias de desaparecimento, se os mencionarmos, se nós falarmos deles enquanto “migrantes ambientais” não estamos a fazer justiça ao facto de as suas vidas estarem a ser destruídas contra a sua vontade e sem motivos próprios.

Algumas outras pessoas dizem: «então, vamos utilizar a expressão “deslocados ambientais”». Mas ela também é inapropriada porque, primeiro, não faz a distinção entre deslocados internos e externos e, depois, também não inclui as pessoas que saem, por causa do ambiente, sim, mas, realmente, porque querem.

A última definição com a qual vos vou aborrecer – há muitas outras – é a expressão “refugiado climático” ou a

Poderemos concluir, por isso, que mais do que nunca são válidas as máximas da prudência clausewitziana, que aconselham a colocar na lógica política a condução do destino dos Estados, subordinando a essa visão de conjunto todos os outros meios, nomeadamente a gramática militar, como seus instrumentos operacionais. A prioridade hoje passa por conseguir um novo regime climático mundial, para o período que se abre após o termo do Protocolo de Quioto (final de 2012). Do sucesso dessa prioridade dependerá a reconstrução viável de uma nova ordem internacional plural e multilateral, capaz de obedecer tanto aos imperativos do direito internacional público como aos limites físicos do ambiente planetário, que é a nossa única casa para prosseguir a odisseia humana.

Boa tarde,

Antes de mais, gostava de agradecer ao CPR por esta iniciativa notável, não só porque me dá a oportunidade de estar aqui a ouvir o que outros têm a dizer sobre este tópico tão interessante e particularmente importante, mas também porque foi uma oportunidade excelente de visitar este país tão bonito. Nunca cá tinha estado antes e espero vir mais frequentemente no futuro. Outra coisa que gostava de dizer é: quero congratular todos os oradores anteriores porque tem havido um input muito enriquecedor no debate. É mesmo muito notável.

Este não é, de todo, um tópico fácil. Como o Senhor Ministro apontou muito bem de manhã, estamos a falar de um cruzamento de dois conceitos, dois assuntos - migrações e ambiente - e nenhum dos dois é propriamente fácil.

Hoje ouvimos o uso de muitas expressões, em particular a expressão “refugiado ambiental”; outros disseram “refugiados climáticos” ou “refugiados de alterações climáticas” ou “migrantes ambientais”. Para aqueles de nós que leram alguma literatura nos últimos 20 anos, é extraordinário, há um debate furioso entre aqueles que acreditam ardentemente, que há milhões e que vai haver centenas de milhões, talvez até 1 bilião, de refugiados ambientais nos próximos anos, e aqueles que dizem que este conceito é ficção e que isto dos refugiados ambientais não existe.

É um debate poderoso, uma discussão acesa entre os chamados alarmistas e os chamados cépticos. Não os deve surpreender que os advogados - e eu sou uma - tendem a incluir-se no grupo do cépticos em vez de se incluírem no grupo dos alarmistas. À medida que continuar vão perceber porquê.

Antes de mais, deixem-me explicar porque é este debate sobre as definições é tão importante. O nosso mundo está organizado em Estados e estes têm fronteiras e o direito soberano de dizer quem vão aceitar e quem não vão aceitar no seu território. Dependendo do motivo pelo qual as pessoas saíram dos seus países, os Estados têm diferentes obrigações e essas pessoas têm diferentes direitos. Para explicar isto, no caso dos migrantes económicos, e a definição básica de migrante económico refere-se a alguém que deixa o seu país e vai para o outro país em busca de uma melhor vida, encontrar emprego, etc., os Estados não são obrigados a permitir a entrada e a manter os migrantes económicos nos seus territórios, como todo o tipo de excepções, obviamente.

No caso dos refugiados as coisas são muito diferentes. Se alguém receia perseguição é refugiado, e se vier para um país, esse país é obrigado a permitir, colocando novamente a questão de forma muito simplista, que fique no seu território. Migrantes económicos e refugiados têm diferentes direitos em cada caso.

Já notaram que estou a fazer uma distinção muito básica. Há algumas pessoas que são forçadas, devido a perseguição, a deixar o seu país, e há outras pessoas que não foram forçadas e foi por sua escolha que saíram. Esta questão, quer as pessoas tenham sido forçadas ou não, tem implicações legais de grande magnitude. Para complicar um pouco a discussão, não temos apenas refugiados e migrantes económicos, temos também as pessoas que se movem dentro dos seus países.

Na verdade, temos duas grandes distinções quando falamos de migrações. Uma, migrações enquanto movimento de pessoas de um lugar para o outro com a intenção de ficar no último por um período de tempo mais alargado. Assim, temos aqueles que estão dentro de um país, deslocando-se de um local para outro, de uma aldeia para uma cidade, e outros que atravessam fronteiras internacionais. A outra grande distinção é entre aqueles que foram forçados a deslocar-se e aqueles que o fizeram voluntariamente.

O direito internacional aplicável, dependendo destas distinções, é muito diferente. Para abreviar, no caso de uma pessoa que deixou o seu país e se deslocou para outro país devido a perseguição, devido a fundamentos específicos, o corpo legal aplicável é o Direito Internacional dos Refugiados/Lei de Asilo e Refugiados na maior parte dos casos.

Alterações climáticas: desastres naturais e deslocações forçadas |Maria Stavropoulou, ACNUR

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3. Maria Stavropoulou, ACNUR; 4. On behalf of the International Organization for Migration I would like to thank the organizers of the CPR's IX International Congress for the opportunity to participate in this important discussion Policy and Research

nosso trabalho. A segunda área é a das operações. A lista de operações, embora a OIM não esteja limitada a operações que tenham a ver com desastres naturais, inclui algumas que são relevantes para este contexto.

Recentemente no Haiti, no Paquistão, nas Filipinas e na Indonésia a OIM tem conduzido operações de grande dimensão. No Haiti, um contexto de desastre natural e não exactamente de alterações climáticas, a OIM emprega 700 pessoas, mais de 110 a trabalhar com a Protecção Civil.

No que diz respeito à Política/ Pesquisa, a OIM, desde há algum tempo, tentou motivar diferentes organizações para se envolverem na discussão e enquadramento das migrações e modificações ambientais. Dessas discussões nasceu uma publicação intitulada Migrações, Ambiente e Alterações Climáticas que tentou colocar opiniões comuns a vários parceiros de uma forma que pudesse ser acessível a terceiros.

Adicionalmente, também temos trabalhado com a UNFCC (United Nations Framework Convention on Climate Change) e nesse fórum conseguimos assegurar que parte de um dos pilares da UNFCC seja a migração, ou seja, que o

6quadro das NU para as alterações climáticas inclua realmente aspectos migratórios.

Este Dezembro, em Cancun, vai ser apresentado um policy brief sobre “Redução de Riscos de Desastres, Adaptação às Alterações Climáticas e Migrações Ambientais” e esperamos que essa discussão possa, conjuntamente com os esforços do ACNUR, trazer momentum aos aspectos migratórios.

Para finalizar esta introdução, a OIM é uma organização que trabalha o tema das migrações e que por isso, em países como Portugal, se concentra na cooperação técnica do ponto de vista migratório, assistindo ao retorno e à reintegração de pessoas em conjunto com o ACNUR e com o CPR, e em processos relacionados com as migrações laborais. Em países como Portugal não estamos, normalmente, muito envolvidos em grandes operações humanitárias.

Estas são visíveis para nós através da televisão, mas não acontecem na porta ao lado. Gostava de explicar, neste contexto, e relativamente a apresentação que vai ser feita em Cancun, quais são os pilares defendidos em relação à inclusão das migrações na dinâmica das alterações climáticas.

Um deles é a parceria, a relação com os actores nacionais. Na apresentação anterior, vimos que poderíamos ter desastres naturais e pessoas deslocadas devido a eles, como poderíamos ter pessoas deslocadas depois de conflitos ou por causa deles. A nossa relação e as parcerias que podem ser desenvolvidas com os governos tendem a ser bastante diferentes numa situação de conflito e numa situação de desastre natural.

Numa situação de conflito nós temos que assegurar a nossa neutralidade como actores humanitários e não nos podemos aproximar tanto dos nossos homólogos nacionais. Numa situação de desastres naturais nós estamos provavelmente num papel de apoio e suporte a uma resposta que é liderada pelo governo ou por organizações nacionais. Isto, por si só, cria uma grande distinção entre o tipo de resposta que podemos prever.

Em termos de preparação, o meu papel no Departamento de Operações da OIM é exactamente trabalhar nas respostas e na preparação para desastres. Os desastres naturais, alguns deles, mesmo os ciclones, os furacões, podem ser mais ou menos previsíveis. Nós sabemos, por exemplo, que o Haiti, as Caraíbas, são países que vão ser afectados por furacões todos os anos.

Nesse sentido, há trabalho que pode ser feito antecipadamente, para melhor se lidar com as consequências humanas dos efeitos destes desastres. Nós sabemos o trabalho que tem sido feito por vários parceiros humanitários nessas regiões. Esse trabalho está muitas vezes relacionado com a ajuda à protecção civil e com a melhoria das infra-estruturas de maneira a que pessoas deslocadas, de antemão, possam ter um refúgio adequado e digno.

É isto que queremos dizer com “preparação”. Há outras formas de preparação que podem e estão a ser feitas - early warnings – “avisos antecipados”. Este tipo de sistemas, se pensarmos nos dois casos – conflitos e desastres naturais -, têm uma dimensão muito diferente.

Tentar montar um sistema de alerta precoce num país em conflito tem implicações políticas. Tentar montar esse sistema num país que sofre, seja das consequências de alterações climáticas ou de desastres naturais é um pouco mais fácil para nós enquanto parceiros humanitários.

Talvez a parte mais importante da preparação seja a formação, a capacitação, tentar trabalhar com os governos, instituições e organizações ao nível nacional para que a sua capacidade em lidar com os aspectos humanos e migratórios dos desastres naturais e das alterações climáticas possa aumentar.

Aqui vou fugir um pouco à ordem, mas quando pensamos nas várias apresentações que tivemos durante o dia e no que temos lido e visto nos jornais e na televisão ao longo dos últimos anos, vemos que Veneza é uma potencial vítima,

5. Policy and Research6. Framework

expressão “refugiado de alterações climáticas”. No meu ponto de vista, ainda é pior. É impossível isolar as razões para migrar atribuídas às alterações climáticas e as que não são atribuídas às alterações climáticas.

Se juntarmos a esta discussão complicada alguns números, se tivermos em conta que não há nenhuma definição aceite para os refugiados e migrantes ambientais, etc, e depois vemos os vários números que são lançados - milhões, biliões - percebemos que, na realidade, o debate não é assim tão científico. E por que é isso relevante? Porque os governantes, os decisores políticos, que podem ter um impacto no nosso futuro, podem esconder-se atrás desta incerteza e podem recusar-se a actuar. Isso não é muito útil.

Na minha opinião, não pode existir uma expressão para todas estas situações. Teremos casos de pessoas que são mesmo refugiadas e se o ambiente é uma causa para fugirem que assim seja.

Teremos pessoas que se aproximam mais da categoria de migrantes económicos. Teremos pessoas que vão deixar os seus países tornando-se apátridas e isso é um quadro legal distinto. Claro que isso não nos impede de dizer que em casos de grandes acidentes, onde muitas pessoas fogem, nós não possamos oferecer algum tipo de protecção devido ao facto de o acidente se ter dado. É um conceito que é usado frequentemente no Direito de Asilo, refugiados de guerra, e por aí adiante, e na aplicação prima facie da definição de refugiado. Há meios, há leis, há instrumentos e possibilidades legais.

Essa é, no essencial, a minha conclusão: de que temos que ser sofisticados e cuidadosos com o uso de termos e números. Tendo dito isto, acrescento que o conceito de “refugiado ambiental”, não obstante ser incorrecto legalmente, potencialmente perigoso e etc., teve um grande um impacto no discurso de um ponto de vista da advocacia, porque colocou um rosto humano nas consequências das alterações climáticas.

Desse ponto de vista, penso que há um motivo legítimo para as pessoas usarem o termo e tem sido muito importante, tem dado uma grande contribuição para a sensibilização para as alterações climáticas e acredito que fez o seu papel e que não devíamos começar a defender novos instrumentos e novos termos/palavras em torno deste conceito de “refugiado ambiental”.

Vou deixar-vos com estes pensamentos.

Obrigada.

Boa tarde.

Esta será a primeira vez que vou falar em português sobre refugiados, deslocações e ajuda humanitária, o que vai ser 3para mim um interessante desafio. Como a Maria acabou de explicar, alguns dos termos e conceitos que nós

tentamos quer utilizar, quer não utilizar, em inglês são ainda mais difíceis de traduzir, com rigor, para português.

Tinha preparado notas para vos fazer uma apresentação em inglês da qual vou ler apenas o primeiro parágrafo, que diz: Em nome da OIM gostaria de agradecer aos organizadores do IX Congresso Internacional do CPR pela

4oportunidade de participar nesta discussão importante .

A OIM foi criada em 1951 num contexto de pós-guerra. Foi criada um pouco depois do ACNUR, para dar resposta a uma situação de pós-conflito e às questões humanitárias que se colocavam na altura à Europa e aos EUA. Modificar a mentalidade de organizações que foram criadas em pós-conflito para o contexto de alterações climáticas é um desafio relevante para estas instituições. Desde então, tanto a OIM como o ACNUR - a OIM mais concentrada em movimentos de populações entre os locais afectados e locais receptores, e o ACNUR mais na vertente legal – têm trabalhado em conjunto. Também por esta longa colaboração apreciamos este convite para aqui estar hoje.

O meu colega Mário Lito Malanca, que estaria aqui para representar a OIM, está retido no Iémen, numa operação conjunta com o ACNUR, para evacuar 2 mil migrantes etíopes, dos quais 610 já embarcaram.

A OIM, no sentido de modificar conceitos nascidos após a segunda guerra mundial para um contexto de adaptação a 5alterações climáticas tem trabalhado em duas áreas distintas. Uma das áreas é política/ pesquisa , com pessoas que

provavelmente participam com colegas como a Maria em discussões legais e tentam definir o enquadramento para o

O papel das agências humanitárias no apoio aos refugiados e deslocados ambientais | Nuno Nunes, Departamento de Crise, Mitigação e Recuperação, Organização Internacional para as Migrações

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3. Maria Stavropoulou, ACNUR; 4. On behalf of the International Organization for Migration I would like to thank the organizers of the CPR's IX International Congress for the opportunity to participate in this important discussion Policy and Research

nosso trabalho. A segunda área é a das operações. A lista de operações, embora a OIM não esteja limitada a operações que tenham a ver com desastres naturais, inclui algumas que são relevantes para este contexto.

Recentemente no Haiti, no Paquistão, nas Filipinas e na Indonésia a OIM tem conduzido operações de grande dimensão. No Haiti, um contexto de desastre natural e não exactamente de alterações climáticas, a OIM emprega 700 pessoas, mais de 110 a trabalhar com a Protecção Civil.

No que diz respeito à Política/ Pesquisa, a OIM, desde há algum tempo, tentou motivar diferentes organizações para se envolverem na discussão e enquadramento das migrações e modificações ambientais. Dessas discussões nasceu uma publicação intitulada Migrações, Ambiente e Alterações Climáticas que tentou colocar opiniões comuns a vários parceiros de uma forma que pudesse ser acessível a terceiros.

Adicionalmente, também temos trabalhado com a UNFCC (United Nations Framework Convention on Climate Change) e nesse fórum conseguimos assegurar que parte de um dos pilares da UNFCC seja a migração, ou seja, que o

6quadro das NU para as alterações climáticas inclua realmente aspectos migratórios.

Este Dezembro, em Cancun, vai ser apresentado um policy brief sobre “Redução de Riscos de Desastres, Adaptação às Alterações Climáticas e Migrações Ambientais” e esperamos que essa discussão possa, conjuntamente com os esforços do ACNUR, trazer momentum aos aspectos migratórios.

Para finalizar esta introdução, a OIM é uma organização que trabalha o tema das migrações e que por isso, em países como Portugal, se concentra na cooperação técnica do ponto de vista migratório, assistindo ao retorno e à reintegração de pessoas em conjunto com o ACNUR e com o CPR, e em processos relacionados com as migrações laborais. Em países como Portugal não estamos, normalmente, muito envolvidos em grandes operações humanitárias.

Estas são visíveis para nós através da televisão, mas não acontecem na porta ao lado. Gostava de explicar, neste contexto, e relativamente a apresentação que vai ser feita em Cancun, quais são os pilares defendidos em relação à inclusão das migrações na dinâmica das alterações climáticas.

Um deles é a parceria, a relação com os actores nacionais. Na apresentação anterior, vimos que poderíamos ter desastres naturais e pessoas deslocadas devido a eles, como poderíamos ter pessoas deslocadas depois de conflitos ou por causa deles. A nossa relação e as parcerias que podem ser desenvolvidas com os governos tendem a ser bastante diferentes numa situação de conflito e numa situação de desastre natural.

Numa situação de conflito nós temos que assegurar a nossa neutralidade como actores humanitários e não nos podemos aproximar tanto dos nossos homólogos nacionais. Numa situação de desastres naturais nós estamos provavelmente num papel de apoio e suporte a uma resposta que é liderada pelo governo ou por organizações nacionais. Isto, por si só, cria uma grande distinção entre o tipo de resposta que podemos prever.

Em termos de preparação, o meu papel no Departamento de Operações da OIM é exactamente trabalhar nas respostas e na preparação para desastres. Os desastres naturais, alguns deles, mesmo os ciclones, os furacões, podem ser mais ou menos previsíveis. Nós sabemos, por exemplo, que o Haiti, as Caraíbas, são países que vão ser afectados por furacões todos os anos.

Nesse sentido, há trabalho que pode ser feito antecipadamente, para melhor se lidar com as consequências humanas dos efeitos destes desastres. Nós sabemos o trabalho que tem sido feito por vários parceiros humanitários nessas regiões. Esse trabalho está muitas vezes relacionado com a ajuda à protecção civil e com a melhoria das infra-estruturas de maneira a que pessoas deslocadas, de antemão, possam ter um refúgio adequado e digno.

É isto que queremos dizer com “preparação”. Há outras formas de preparação que podem e estão a ser feitas - early warnings – “avisos antecipados”. Este tipo de sistemas, se pensarmos nos dois casos – conflitos e desastres naturais -, têm uma dimensão muito diferente.

Tentar montar um sistema de alerta precoce num país em conflito tem implicações políticas. Tentar montar esse sistema num país que sofre, seja das consequências de alterações climáticas ou de desastres naturais é um pouco mais fácil para nós enquanto parceiros humanitários.

Talvez a parte mais importante da preparação seja a formação, a capacitação, tentar trabalhar com os governos, instituições e organizações ao nível nacional para que a sua capacidade em lidar com os aspectos humanos e migratórios dos desastres naturais e das alterações climáticas possa aumentar.

Aqui vou fugir um pouco à ordem, mas quando pensamos nas várias apresentações que tivemos durante o dia e no que temos lido e visto nos jornais e na televisão ao longo dos últimos anos, vemos que Veneza é uma potencial vítima,

5. Policy and Research6. Framework

expressão “refugiado de alterações climáticas”. No meu ponto de vista, ainda é pior. É impossível isolar as razões para migrar atribuídas às alterações climáticas e as que não são atribuídas às alterações climáticas.

Se juntarmos a esta discussão complicada alguns números, se tivermos em conta que não há nenhuma definição aceite para os refugiados e migrantes ambientais, etc, e depois vemos os vários números que são lançados - milhões, biliões - percebemos que, na realidade, o debate não é assim tão científico. E por que é isso relevante? Porque os governantes, os decisores políticos, que podem ter um impacto no nosso futuro, podem esconder-se atrás desta incerteza e podem recusar-se a actuar. Isso não é muito útil.

Na minha opinião, não pode existir uma expressão para todas estas situações. Teremos casos de pessoas que são mesmo refugiadas e se o ambiente é uma causa para fugirem que assim seja.

Teremos pessoas que se aproximam mais da categoria de migrantes económicos. Teremos pessoas que vão deixar os seus países tornando-se apátridas e isso é um quadro legal distinto. Claro que isso não nos impede de dizer que em casos de grandes acidentes, onde muitas pessoas fogem, nós não possamos oferecer algum tipo de protecção devido ao facto de o acidente se ter dado. É um conceito que é usado frequentemente no Direito de Asilo, refugiados de guerra, e por aí adiante, e na aplicação prima facie da definição de refugiado. Há meios, há leis, há instrumentos e possibilidades legais.

Essa é, no essencial, a minha conclusão: de que temos que ser sofisticados e cuidadosos com o uso de termos e números. Tendo dito isto, acrescento que o conceito de “refugiado ambiental”, não obstante ser incorrecto legalmente, potencialmente perigoso e etc., teve um grande um impacto no discurso de um ponto de vista da advocacia, porque colocou um rosto humano nas consequências das alterações climáticas.

Desse ponto de vista, penso que há um motivo legítimo para as pessoas usarem o termo e tem sido muito importante, tem dado uma grande contribuição para a sensibilização para as alterações climáticas e acredito que fez o seu papel e que não devíamos começar a defender novos instrumentos e novos termos/palavras em torno deste conceito de “refugiado ambiental”.

Vou deixar-vos com estes pensamentos.

Obrigada.

Boa tarde.

Esta será a primeira vez que vou falar em português sobre refugiados, deslocações e ajuda humanitária, o que vai ser 3para mim um interessante desafio. Como a Maria acabou de explicar, alguns dos termos e conceitos que nós

tentamos quer utilizar, quer não utilizar, em inglês são ainda mais difíceis de traduzir, com rigor, para português.

Tinha preparado notas para vos fazer uma apresentação em inglês da qual vou ler apenas o primeiro parágrafo, que diz: Em nome da OIM gostaria de agradecer aos organizadores do IX Congresso Internacional do CPR pela

4oportunidade de participar nesta discussão importante .

A OIM foi criada em 1951 num contexto de pós-guerra. Foi criada um pouco depois do ACNUR, para dar resposta a uma situação de pós-conflito e às questões humanitárias que se colocavam na altura à Europa e aos EUA. Modificar a mentalidade de organizações que foram criadas em pós-conflito para o contexto de alterações climáticas é um desafio relevante para estas instituições. Desde então, tanto a OIM como o ACNUR - a OIM mais concentrada em movimentos de populações entre os locais afectados e locais receptores, e o ACNUR mais na vertente legal – têm trabalhado em conjunto. Também por esta longa colaboração apreciamos este convite para aqui estar hoje.

O meu colega Mário Lito Malanca, que estaria aqui para representar a OIM, está retido no Iémen, numa operação conjunta com o ACNUR, para evacuar 2 mil migrantes etíopes, dos quais 610 já embarcaram.

A OIM, no sentido de modificar conceitos nascidos após a segunda guerra mundial para um contexto de adaptação a 5alterações climáticas tem trabalhado em duas áreas distintas. Uma das áreas é política/ pesquisa , com pessoas que

provavelmente participam com colegas como a Maria em discussões legais e tentam definir o enquadramento para o

O papel das agências humanitárias no apoio aos refugiados e deslocados ambientais | Nuno Nunes, Departamento de Crise, Mitigação e Recuperação, Organização Internacional para as Migrações

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40 e que corre o risco de literalmente desaparecer do mapa. E talvez corra, mas quando pensamos em Veneza, pensamos num contexto abstracto, urbano, desta forma: «uma cidade tão bonita e, se calhar, a Praça de S. Marcos vai desaparecer do mapa». O que estamos a tentar salientar é exactamente o aspecto da migração que vai ocorrer nesse caso. O que vai acontecer às pessoas que ocupam o espaço que vai desaparecer?

Neste sentido, e também mencionado hoje, há preocupações em relação a segurança. Como é que estes aspectos migratórios, as alterações climáticas e a segurança se interligam? Não estamos a falar do Sudão nem de países que todos conhecemos como tendo dificuldades de segurança internas. Estamos a falar de Itália, e aqui seguramente será o governo, serão as forças de segurança, que provavelmente tratarão dessa migração e as quais poderemos melhor preparar como humanitários para lidar com essa deslocação.

Um terceiro ponto tem a ver com a forma de responder às necessidades de populações que estão já a ser deslocadas, seja por uma vulnerabilidade que vai aumentando ao longo dos anos com os desastres naturais mais frequentes nesses países, com uma população que tem menos capacidade para se restabelecer e que a cada um destes desastres naturais acaba por sair das suas casas e encontrar-se deslocada. No Paquistão, no Haiti, nas Filipinas. São muitas pessoas.

No Haiti, tenho a certeza que acompanharam pela televisão, eram 2 milhões de pessoas inicialmente, 1.3 milhões a viver em campos, e, apesar de não ser relacionado com alterações climáticas, as lições que temos aprendido em matéria de respostas vão, seguramente, dar forma à evolução da nossa resposta humanitária.

As capacidades dos actores humanitários não são um conjunto de capacidades indiferenciadas.

Há organizações que estão mais especializadas em determinadas áreas. Em 2005, depois do tsunami na Indonésia, retirámos lições da resposta e foi muito fácil ver que estávamos bastante descoordenados nessa altura.

Como consequência, estimulou-se a reforma humanitária, cuja intenção era aumentar a previsibilidade da nossa resposta. Por essa razão, foi criado a nível global um sistema que define quais são os líderes para cada um dos sectores que ainda não estavam cobertos pelo sistema anterior. Por exemplo, a comida não faz parte destes grupos porque já estava dentro do Programa Alimentar Mundial (WFP) e da FAO (Food and Agricultures Organization). Para tudo o resto que não tinha um líder natural foi criado um sistema que pudesse colocar organizações a trabalhar não só na resposta em caso de emergência e definir quem ia trabalhar nessa situação, mas também trabalhar em termos de aumentar a sua própria capacidade e a dos seus parceiros humanitários e governamentais nessas diversas áreas.

A OIM e o ACNUR neste caso partilham a responsabilidade do camp management and coordination, quer isto dizer a gestão de campos - que em Portugal são conhecidos como campos de refugiados, mas não o são necessariamente, pois segundo os termos legais podem também ser campos de deslocados internos. Os casos de conflitos são geridos pelo ACNUR, os casos de desastres naturais ficam sob a gestão da OIM. Muitas vezes este sistema é adaptado dependendo das capacidades ao nível local e das relações entre as organizações.

Em Timor-Leste, país em conflito, a OIM não estava posicionada em camp management and coordination (CMC), mas acabou por trabalhar nessa área. No Paquistão, país com desastres naturais, e onde devia ser a OIM a trabalhar em CMC, é o ACNUR que o está a fazer, em colaboração com a OIM.

A preparação interna destas organizações traduz-se, também, neste âmbito das alterações climáticas, na possibilidade de preparar governos e homólogos em áreas muito especializadas.

A OIM está neste momento em conversações com a protecção civil a nível europeu, com qual temos uma parceria utilizada tanto no Haiti como no Paquistão, para aumentar a capacitação da mesma a nível europeu em gestão de campo para desastres naturais.

Este é um aspecto muito interessante que temos coordenado com outras organizações e que temos já experimentado, por exemplo, no Haiti onde damos formação exactamente em gestão de campo feita directamente por autoridades nacionais. Colaborámos também com entidades americanas neste sentido.

Gostava de salientar o facto de no Paquistão estarmos neste momento a trabalhar numa missão conjunta de avaliação da OIM e do ACNUR de como a gestão/ coordenação de campo está a decorrer e esperamos retirar lições dessa avaliação que possam ser aplicadas noutras situações de emergência e mesmo para a continuação da resposta no Paquistão.

Talvez para finalizar esta apresentação, tenho que mencionar as soluções duradouras. O nosso objectivo enquanto humanitários, independentemente do sector de trabalho, é de encontrar soluções duráveis para aqueles que estão deslocados, isto é, soluções que realmente respondem às necessidades e à protecção das pessoas deslocadas, e sejam como um final para uma crise. Isto só é possível se for feito em conjunto com as pessoas afectadas, com todas as

organizações humanitárias de uma maneira coordenada no terreno e os respectivos governos.

Apesar de tudo o que nós fazemos em contextos de desastres súbitos - como no Paquistão, no Haiti, etc., - é nossa opinião que as deslocações por desastres naturais são uma muito pequena parte de toda a migração que está relacionada com alterações climáticas e essa será maioritariamente ligada a uma migração que vai ser mais lenta.

Muito obrigado.

Boa tarde a todos.

Antes de mais, gostava de salientar uma questão que esteve aqui em destaque nas intervenções deste painel: o problema do conceito de refugiados ambientais. Há, de facto, uma grande indefinição em relação a esse conceito - o que são os refugiados ambientais ou refugiados climáticos – e, pelos vistos, o problema está longe de ser resolvido. Apesar de parecer apenas um problema de linguagem é muito mais do que isso, porque tem implicações legais significativas e condiciona as acções dos estados, dos governos e das ONG na resolução destes problemas. A intervenção de Maria Stavropoulou chamou a atenção para esta questão, que é importante, como se percebeu.

Com a intervenção de Viriato Soromenho Marques, percebemos que as alterações climáticas ganharam um novo protagonismo nas questões da segurança. Hoje de manhã, aliás, a propósito da Cimeira da NATO, falou-se que uma das componentes do debate à volta da sua reorganização e da redefinição dos seus objetivos é precisamente a questão das alterações climáticas.

Em relação às organizações como a OIM e à intervenção de Nuno Nunes, percebemos que não é indiferente o conceito de refugiado climático e o tipo de acções e de medidas que se tomam para refugiados que resultam de situações de conflito ou de desastres naturais.

Para além das intervenções dos oradores deste painel, gostava de levantar aqui algumas questões. A primeira tem a ver com o conceito e com os números. Acho surpreendente que quando se fala do número de refugiados ambientais nos próximos anos, nomeadamente até 2050, haja estimativas tão díspares que vão de 25 milhões a 1000 milhões, embora o número dominante seja 200 milhões. De facto, há aqui uma grande confusão no conceito de refugiado ambiental. E este problema tem de ser resolvido, porque parece-me impossível definir qualquer plano de acção relativamente a este tipo de refugiados se nem sequer se sabe quantos são. Na actualidade diz-se que são 25 milhões. Se não há acordo em relação ao conceito, se há estimativas completamente díspares, é de todo impossível fazer um plano e convencer nomeadamente os países mais ricos a financiarem acções com base em números tão vagos ou tão contraditórios. Tal como as alterações climáticas não são uma questão de fé, a existência de refugiados do clima também não pode ser. Ambas são questões ligadas à ciência e à ação política, a uma ação política que tem de ser baseada na ciência, em evidências de natureza científica e estatística.

Outra questão que me parece importante é que se fala nos refugiados ambientais como um problema, mas eles não são só um problema. Historicamente sempre houve refugiados ou deslocação de populações devido a questões ambientais, o que representa uma estratégia de adaptação dessas populações em relação a mudanças que há no clima. O que acontece é que hoje essas mudanças são de maior dimensão e as previsões que se fazem em relação a um futuro próximo apontam para a sua intensificação. Uma estratégia de adaptação não é propriamente uma coisa má e nas negociações climáticas internacionais que atualmente estão a decorrer, e que em breve vão ter um momento importante na Cimeira de Cancún, esta é uma das questões que está em discussão: as medidas de adaptação.

Se a deslocação das populações acontecer, o importante é que a sua instalação nas novas áreas seja feita de uma forma sustentável. No fundo, se saem de algum lado é porque viviam numa região onde a sua vida estava em risco e onde os ecossistemas estavam sobrecarregados. Portanto, há aqui alguns aspetos positivos. Em todo o caso, estive a ler diversos estudos que dizem que as tradicionais estratégias de adaptação como aquelas que vão ser discutidas na Cimeira de Cancún não se aplicam a estas situações e, portanto, há que encontrar novas soluções. Dou um exemplo: os diques que tanto sucesso tiveram na Holanda na retenção da subida do nível das águas, noutras regiões do mundo, como os deltas do Nilo ou do Ganges, onde as populações estão ameaçadas, não podem ser aplicados por motivos tão simples como a formação de sedimentos, dunas que se movem, etc. Ou seja, soluções que foram usadas para evitar um problema podem não servir para outro.

Relato de Virgílio Azevedo |Jornalista de ambiente do Semanário Expresso

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40 e que corre o risco de literalmente desaparecer do mapa. E talvez corra, mas quando pensamos em Veneza, pensamos num contexto abstracto, urbano, desta forma: «uma cidade tão bonita e, se calhar, a Praça de S. Marcos vai desaparecer do mapa». O que estamos a tentar salientar é exactamente o aspecto da migração que vai ocorrer nesse caso. O que vai acontecer às pessoas que ocupam o espaço que vai desaparecer?

Neste sentido, e também mencionado hoje, há preocupações em relação a segurança. Como é que estes aspectos migratórios, as alterações climáticas e a segurança se interligam? Não estamos a falar do Sudão nem de países que todos conhecemos como tendo dificuldades de segurança internas. Estamos a falar de Itália, e aqui seguramente será o governo, serão as forças de segurança, que provavelmente tratarão dessa migração e as quais poderemos melhor preparar como humanitários para lidar com essa deslocação.

Um terceiro ponto tem a ver com a forma de responder às necessidades de populações que estão já a ser deslocadas, seja por uma vulnerabilidade que vai aumentando ao longo dos anos com os desastres naturais mais frequentes nesses países, com uma população que tem menos capacidade para se restabelecer e que a cada um destes desastres naturais acaba por sair das suas casas e encontrar-se deslocada. No Paquistão, no Haiti, nas Filipinas. São muitas pessoas.

No Haiti, tenho a certeza que acompanharam pela televisão, eram 2 milhões de pessoas inicialmente, 1.3 milhões a viver em campos, e, apesar de não ser relacionado com alterações climáticas, as lições que temos aprendido em matéria de respostas vão, seguramente, dar forma à evolução da nossa resposta humanitária.

As capacidades dos actores humanitários não são um conjunto de capacidades indiferenciadas.

Há organizações que estão mais especializadas em determinadas áreas. Em 2005, depois do tsunami na Indonésia, retirámos lições da resposta e foi muito fácil ver que estávamos bastante descoordenados nessa altura.

Como consequência, estimulou-se a reforma humanitária, cuja intenção era aumentar a previsibilidade da nossa resposta. Por essa razão, foi criado a nível global um sistema que define quais são os líderes para cada um dos sectores que ainda não estavam cobertos pelo sistema anterior. Por exemplo, a comida não faz parte destes grupos porque já estava dentro do Programa Alimentar Mundial (WFP) e da FAO (Food and Agricultures Organization). Para tudo o resto que não tinha um líder natural foi criado um sistema que pudesse colocar organizações a trabalhar não só na resposta em caso de emergência e definir quem ia trabalhar nessa situação, mas também trabalhar em termos de aumentar a sua própria capacidade e a dos seus parceiros humanitários e governamentais nessas diversas áreas.

A OIM e o ACNUR neste caso partilham a responsabilidade do camp management and coordination, quer isto dizer a gestão de campos - que em Portugal são conhecidos como campos de refugiados, mas não o são necessariamente, pois segundo os termos legais podem também ser campos de deslocados internos. Os casos de conflitos são geridos pelo ACNUR, os casos de desastres naturais ficam sob a gestão da OIM. Muitas vezes este sistema é adaptado dependendo das capacidades ao nível local e das relações entre as organizações.

Em Timor-Leste, país em conflito, a OIM não estava posicionada em camp management and coordination (CMC), mas acabou por trabalhar nessa área. No Paquistão, país com desastres naturais, e onde devia ser a OIM a trabalhar em CMC, é o ACNUR que o está a fazer, em colaboração com a OIM.

A preparação interna destas organizações traduz-se, também, neste âmbito das alterações climáticas, na possibilidade de preparar governos e homólogos em áreas muito especializadas.

A OIM está neste momento em conversações com a protecção civil a nível europeu, com qual temos uma parceria utilizada tanto no Haiti como no Paquistão, para aumentar a capacitação da mesma a nível europeu em gestão de campo para desastres naturais.

Este é um aspecto muito interessante que temos coordenado com outras organizações e que temos já experimentado, por exemplo, no Haiti onde damos formação exactamente em gestão de campo feita directamente por autoridades nacionais. Colaborámos também com entidades americanas neste sentido.

Gostava de salientar o facto de no Paquistão estarmos neste momento a trabalhar numa missão conjunta de avaliação da OIM e do ACNUR de como a gestão/ coordenação de campo está a decorrer e esperamos retirar lições dessa avaliação que possam ser aplicadas noutras situações de emergência e mesmo para a continuação da resposta no Paquistão.

Talvez para finalizar esta apresentação, tenho que mencionar as soluções duradouras. O nosso objectivo enquanto humanitários, independentemente do sector de trabalho, é de encontrar soluções duráveis para aqueles que estão deslocados, isto é, soluções que realmente respondem às necessidades e à protecção das pessoas deslocadas, e sejam como um final para uma crise. Isto só é possível se for feito em conjunto com as pessoas afectadas, com todas as

organizações humanitárias de uma maneira coordenada no terreno e os respectivos governos.

Apesar de tudo o que nós fazemos em contextos de desastres súbitos - como no Paquistão, no Haiti, etc., - é nossa opinião que as deslocações por desastres naturais são uma muito pequena parte de toda a migração que está relacionada com alterações climáticas e essa será maioritariamente ligada a uma migração que vai ser mais lenta.

Muito obrigado.

Boa tarde a todos.

Antes de mais, gostava de salientar uma questão que esteve aqui em destaque nas intervenções deste painel: o problema do conceito de refugiados ambientais. Há, de facto, uma grande indefinição em relação a esse conceito - o que são os refugiados ambientais ou refugiados climáticos – e, pelos vistos, o problema está longe de ser resolvido. Apesar de parecer apenas um problema de linguagem é muito mais do que isso, porque tem implicações legais significativas e condiciona as acções dos estados, dos governos e das ONG na resolução destes problemas. A intervenção de Maria Stavropoulou chamou a atenção para esta questão, que é importante, como se percebeu.

Com a intervenção de Viriato Soromenho Marques, percebemos que as alterações climáticas ganharam um novo protagonismo nas questões da segurança. Hoje de manhã, aliás, a propósito da Cimeira da NATO, falou-se que uma das componentes do debate à volta da sua reorganização e da redefinição dos seus objetivos é precisamente a questão das alterações climáticas.

Em relação às organizações como a OIM e à intervenção de Nuno Nunes, percebemos que não é indiferente o conceito de refugiado climático e o tipo de acções e de medidas que se tomam para refugiados que resultam de situações de conflito ou de desastres naturais.

Para além das intervenções dos oradores deste painel, gostava de levantar aqui algumas questões. A primeira tem a ver com o conceito e com os números. Acho surpreendente que quando se fala do número de refugiados ambientais nos próximos anos, nomeadamente até 2050, haja estimativas tão díspares que vão de 25 milhões a 1000 milhões, embora o número dominante seja 200 milhões. De facto, há aqui uma grande confusão no conceito de refugiado ambiental. E este problema tem de ser resolvido, porque parece-me impossível definir qualquer plano de acção relativamente a este tipo de refugiados se nem sequer se sabe quantos são. Na actualidade diz-se que são 25 milhões. Se não há acordo em relação ao conceito, se há estimativas completamente díspares, é de todo impossível fazer um plano e convencer nomeadamente os países mais ricos a financiarem acções com base em números tão vagos ou tão contraditórios. Tal como as alterações climáticas não são uma questão de fé, a existência de refugiados do clima também não pode ser. Ambas são questões ligadas à ciência e à ação política, a uma ação política que tem de ser baseada na ciência, em evidências de natureza científica e estatística.

Outra questão que me parece importante é que se fala nos refugiados ambientais como um problema, mas eles não são só um problema. Historicamente sempre houve refugiados ou deslocação de populações devido a questões ambientais, o que representa uma estratégia de adaptação dessas populações em relação a mudanças que há no clima. O que acontece é que hoje essas mudanças são de maior dimensão e as previsões que se fazem em relação a um futuro próximo apontam para a sua intensificação. Uma estratégia de adaptação não é propriamente uma coisa má e nas negociações climáticas internacionais que atualmente estão a decorrer, e que em breve vão ter um momento importante na Cimeira de Cancún, esta é uma das questões que está em discussão: as medidas de adaptação.

Se a deslocação das populações acontecer, o importante é que a sua instalação nas novas áreas seja feita de uma forma sustentável. No fundo, se saem de algum lado é porque viviam numa região onde a sua vida estava em risco e onde os ecossistemas estavam sobrecarregados. Portanto, há aqui alguns aspetos positivos. Em todo o caso, estive a ler diversos estudos que dizem que as tradicionais estratégias de adaptação como aquelas que vão ser discutidas na Cimeira de Cancún não se aplicam a estas situações e, portanto, há que encontrar novas soluções. Dou um exemplo: os diques que tanto sucesso tiveram na Holanda na retenção da subida do nível das águas, noutras regiões do mundo, como os deltas do Nilo ou do Ganges, onde as populações estão ameaçadas, não podem ser aplicados por motivos tão simples como a formação de sedimentos, dunas que se movem, etc. Ou seja, soluções que foram usadas para evitar um problema podem não servir para outro.

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Uma última questão. Como eu disse atrás, os refugiados ambientais, ou populações deslocadas devido a questões climáticas e ambientais, saem de uma região – o que não é apenas um aspecto negativo, mas uma estratégia de adaptação -, de um ecossistema que já não tem a capacidade para as sustentar e vão para outro. Ou seja, resolve-se um problema num lado mas pode arranjar-se um novo problema noutra região, noutro país, porque esses refugiados têm um impacto ambiental para o local onde vão, em termos de uso de recursos, de água e dos produtos da floresta – como sabem, em África a maior parte das populações usam a lenha para cozinhar e há aí problemas de desflorestação -, o que provoca conflitos com as populações locais.

É importante que esses refugiados sejam instalados de uma forma sustentável. Em Setembro estive num campo de refugiados no Norte do Quénia, o campo de Kakuma, gerido pelo ACNUR, onde há 75 mil refugiados. Estive lá concretamente para visitar um conjunto de projetos que estão a ser desenvolvidos por uma empresa portuguesa, a EDP, e que têm em conta o desenvolvimento sustentável. São projetos baseados no uso intensivo das energias renováveis, na agricultura sustentável, na utilização de fornos solares como alternativa à lenha para cozinhar, etc.

Os refugiados e os campos de refugiados não podem ter um impacto ambiental tão forte como estão a ter hoje. É importante desenvolver projetos que permitam que os refugiados provisórios que se tornam definitivos tenham meios de subsistência sustentáveis, não dependam apenas da ajuda internacional e tenham um impacto ambiental mais reduzido. Muitos deles não têm condições de segurança para regressar aos seus locais de origem e, no caso dos refugiados ambientais, praticamente nenhum pode regressar, têm de ser todos reinstalados noutras regiões.

Deixem-me terminar com uma chamada de atenção. Há sempre um pouco a ideia de que os refugiados ambientais estão longe dos países ricos, que no caso da Europa, o Mediterrâneo funciona como barreira natural aos possíveis refugiados que vêm da África Subsariana. Mas nos EUA não é assim. Vi um estudo recente que foi feito sobre o potencial de refugiados ambientais no México. As estimativas indicam que quase 7 milhões de mexicanos poderão ser, nas próximas décadas, refugiados ambientais e fugir para os EUA. Este é um exemplo típico de problemas provocados pelas alterações climáticas: desertificação, cheias, redução da produtividade na agricultura. E é um exemplo concreto de um problema que poderá atingir um país rico muito perto das suas fronteiras.

Muito obrigado.

PAINEL III

DESENVOLVIMENTO DE ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

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* Texto redigido nos termos do novo acordo ortográfico

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Uma última questão. Como eu disse atrás, os refugiados ambientais, ou populações deslocadas devido a questões climáticas e ambientais, saem de uma região – o que não é apenas um aspecto negativo, mas uma estratégia de adaptação -, de um ecossistema que já não tem a capacidade para as sustentar e vão para outro. Ou seja, resolve-se um problema num lado mas pode arranjar-se um novo problema noutra região, noutro país, porque esses refugiados têm um impacto ambiental para o local onde vão, em termos de uso de recursos, de água e dos produtos da floresta – como sabem, em África a maior parte das populações usam a lenha para cozinhar e há aí problemas de desflorestação -, o que provoca conflitos com as populações locais.

É importante que esses refugiados sejam instalados de uma forma sustentável. Em Setembro estive num campo de refugiados no Norte do Quénia, o campo de Kakuma, gerido pelo ACNUR, onde há 75 mil refugiados. Estive lá concretamente para visitar um conjunto de projetos que estão a ser desenvolvidos por uma empresa portuguesa, a EDP, e que têm em conta o desenvolvimento sustentável. São projetos baseados no uso intensivo das energias renováveis, na agricultura sustentável, na utilização de fornos solares como alternativa à lenha para cozinhar, etc.

Os refugiados e os campos de refugiados não podem ter um impacto ambiental tão forte como estão a ter hoje. É importante desenvolver projetos que permitam que os refugiados provisórios que se tornam definitivos tenham meios de subsistência sustentáveis, não dependam apenas da ajuda internacional e tenham um impacto ambiental mais reduzido. Muitos deles não têm condições de segurança para regressar aos seus locais de origem e, no caso dos refugiados ambientais, praticamente nenhum pode regressar, têm de ser todos reinstalados noutras regiões.

Deixem-me terminar com uma chamada de atenção. Há sempre um pouco a ideia de que os refugiados ambientais estão longe dos países ricos, que no caso da Europa, o Mediterrâneo funciona como barreira natural aos possíveis refugiados que vêm da África Subsariana. Mas nos EUA não é assim. Vi um estudo recente que foi feito sobre o potencial de refugiados ambientais no México. As estimativas indicam que quase 7 milhões de mexicanos poderão ser, nas próximas décadas, refugiados ambientais e fugir para os EUA. Este é um exemplo típico de problemas provocados pelas alterações climáticas: desertificação, cheias, redução da produtividade na agricultura. E é um exemplo concreto de um problema que poderá atingir um país rico muito perto das suas fronteiras.

Muito obrigado.

PAINEL III

DESENVOLVIMENTO DE ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

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* Texto redigido nos termos do novo acordo ortográfico

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7. In Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados.

8Refugiados (ACNUR), de final de 2009 , que indicavam que o número de refugiados existente era de cerca de 10 milhões (10.396.540), enquanto os deslocados internos (protegidos ou assistidos pelo ACNUR) ascendiam aos 15 milhões (15.628.057). E estes números não representam, nem de perto, nem de longe, a realidade total, conforme indica o próprio ACNUR, que informa que são os números possíveis de registar. Com isto pretendo alertar para o facto de o número de refugiados, que são protegidos pela lei, ser cada vez menor em relação àqueles que precisam de outros tipos de protecção porque a lei não os protege. Ou seja, há cada vez mais pessoas que se encontram fora da protecção legal e, por isso, é fundamental reforçar o papel das instituições, sejam nacionais ou internacionais, sejam governamentais, como o ACNUR, ou não governamentais, como a Amnistia Internacional. Um reforço essencial no caso dos refugiados ambientais, que não têm sequer um estatuto definido. E mesmo no caso dos refugiados, porque, como referido, nem sempre os Estados cumprem as obrigações ratificadas.

Muitas das instituições, entre elas o ACNUR, o que fazem é proporcionar assistência humanitária. Não é esse o papel da Amnistia Internacional. A Amnistia não vai para o terreno entregar assistência humanitária. A Amnistia procura solucionar o problema na sua raiz – apesar de isto não tirar à assistência humanitária o seu papel fundamental na protecção das populações, porque importa referir que por assistência humanitária se entende não apenas fornecer alimentos, mas também assistir ao nível da segurança, pois os refugiados e deslocados internos estão muito mais vulneráveis a violações aos Direitos Humanos. Voltando ao que estava a dizer, o papel da Amnistia Internacional é então outro, uma vez que tenta mudar o que está na base ou na raiz do problema. E, como foi dito no início, estas questões, principalmente dos refugiados ambientais, estão relacionadas com os direitos humanos, seja com leis que já existem e que não estão a ser respeitadas, seja com lacunas legais que é importante colmatar. É isso que a Amnistia tenta fazer: alterar a realidade que está na origem dos refugiados e dos deslocados, incluindo os que se movem por razões ambientais.

Mas então como é que se pode fortalecer o papel das instituições? Como é que se pode fazer mais do que a assistência humanitária?

A Amnistia Internacional faz aquilo a que chama Campanhas. E para explicá-las é mais fácil falar do conceito que a elas está associado: advocacy ou Advocacia Social. Há várias formas de definir este conceito, mas vou aqui referir a adoptada pela Campanha do Milénio das Nações Unidas: “A advocacia social – advocacy – é um esforço organizado para, em nome da justiça social, influenciar instituições e sistemas políticos, económicos e sociais no sentido de tomarem decisões que defendam os interesses de grupos desfavorecidos”. No fundo, o que a definição quer dizer é que as Campanhas da Amnistia Internacional são formas de fazer pressão – junto dos governos, dos actores económicos, das empresas, dos grupos armados ou de qualquer outro actor internacional – para que os violadores dos Direitos Humanos mudem a sua atitude. Advocacy é a estratégia que é delineada para fazer pressão.

Como é que se faz advocacy? É preciso, primeiro que tudo, identificar o problema e os seus responsáveis. No caso da Amnistia Internacional temos a nossa sede em Londres, onde há investigadores para a maioria dos países do mundo que passam o ano a fazer missões no terreno, a falar com organizações locais e com pessoas que habitam nesses países. Através dessa investigação é identificado o problema ou a violação aos direitos humanos e depois, também, quem é (ou são) o seu responsável (ou responsáveis).

De seguida, é preciso denunciar a situação ao mundo e, para isso, a Amnistia costuma publicar relatórios, embora haja também outras formas de o fazer. A partir daqui, inicia-se o trabalho de divulgação do relatório, que passa muito por comunicados de imprensa. E os meios de comunicação social aqui podem ser um forte aliado, mas podem também ser um forte obstáculo. Por isso, é preciso falar com a comunicação social e mostrar-lhes a importância que podem ter neste papel de advocacy. Além da comunicação social, hoje em dia temos as redes sociais, que vieram desempenhar um importante papel. Pode-se fazer muito através do Facebook, do Twitter e de todas essas redes. Viu-se isso mesmo em várias ocasiões... Basta lembrarmos as primeiras imagens que surgiram das manifestações contra o resultado eleitoral no Irão, que apareceram exactamente através das redes sociais. É uma importante forma de poder e de denúncia destas situações.

Depois da situação investigada e denunciada, no Advocacy é preciso passar à acção. E há várias tácticas de actuação e formas de fazer pressão sobre os responsáveis. Este é muito do trabalho da Amnistia Internacional. Trago aqui algumas imagens que mostram o que fazemos... Trabalhamos muito a partir de apelos e petições. Uma forma muito simples: identificado o responsável, criamos uma petição que lhe é dirigida e pedimos a todas as pessoas do mundo que escrevam a esse violador pedindo que actue de uma forma diferente. Além dos apelos e das petições, promovemos manifestações pacíficas, conferências – aproveito aqui para passar a publicidade que estamos agora com uma conferência que vai começar amanhã no Porto, depois vai para Aveiro e depois vai estar em Lisboa, com uma

8. In ACNUR, 2009 Global Trends, Refugees, Asylum-seekers, Returnees, Internally Displaced and Stateless Persons, 15 de Junho de 2010, disponível em http://www.unhcr.org/4c11f0be9.html

9. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=eEwkrnw9g84&feature=related

Reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos humanos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas | Cátia Silva, Amnistia Internacional

Boa tarde.

Queria, em nome da Amnistia Internacional, agradecer o convite que foi feito pelo Conselho Português para os Refugiados para estarmos aqui hoje. Originalmente quem viria seria Ana Ferreira, da Direcção da Amnistia, que infelizmente não pôde estar presente e por isso vim eu em sua substituição.

Vou falar do reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de protegerem os direitos humanos, neste caso, das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas, mas este é um assunto que se pode aplicar a muitas outras situações. Isto porque esse reforço, ou melhor, o que dá poder às instituições – como vão ver ao longo da minha intervenção – aplica-se não apenas aos refugiados ambientais.

Desde já é importante frisar que a Amnistia Internacional trabalha a questão dos refugiados e dos deslocados internos, apesar de na maioria das vezes estarmos associados apenas a prisioneiros de consciência, até porque, como vimos hoje de manhã, esta é também uma questão de direitos humanos. Desde logo porque existe o Direito ao Asilo, que está contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e porque os refugiados e deslocados estão protegidos pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos em termos dos seus direitos mais básicos, como sejam o acesso à água, o direito à movimentação, o direito a condições de vida adequadas, entre outros.

Além disso, o tema dos refugiados ambientais, ou deslocados ambientais, é bem paradigmático daquilo que defende a Amnistia Internacional, porque vem provar que sofrem mais as pessoas que estão em condições mais vulneráveis, ou seja, cujos Direitos Humanos já eram violados. Pensemos, por exemplo, nas pessoas que não têm uma habitação adequada, como é seu direito, e que por isso sofrem muito mais com um terramoto ou com cheias do que as populações que têm boas condições de vida. Os Direitos Humanos estão intrinsecamente ligados à questão dos refugiados e dos deslocados internos.

Nesta apresentação irei falar sempre no termo “refugiados ambientais”, ressalvando desde já, como foi referido no painel anterior, que esta não é uma designação com força legal.

Posto isto, é preciso, primeiro que tudo, perceber porque é que é necessário reforçar o papel das instituições na protecção a estas pessoas?

Há uma definição de refugiado, que já devem conhecer e que vem na Convenção de 1951, que protege estas pessoas. Diz a Convenção que é refugiado toda a pessoa que “receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a

7nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país...” . Esta definição obriga a cumprir várias condições para se ser considerado refugiado. Exige, primeiro que tudo, que as pessoas sejam perseguidas. Para além de serem perseguidas, têm que provar essa perseguição. Por último, o Estado que as vai acolher tem de ter ratificado a Convenção de 1951 e tem que ser um Estado que a respeite, o que nem sempre acontece. Um bom exemplo disso mesmo são os casos tratados pela Amnistia Internacional ao nível do chamado “princípio da não devolução” de refugiados ao seu país de origem, quando a sua vida possa estar em risco. A verdade é que continua a haver países que, mesmo fazendo parte da Convenção e assinando convenções de direitos humanos, enviam os refugiados de volta para os seus países de origem sem as garantias de protecção necessárias (e exigidas por lei).

Mesmo assim, se para os refugiados há uma lei que os protege – mesmo que não totalmente –, no caso dos deslocados internos as condições são muito piores. Desde logo porque quem tem de os proteger já não é o Estado terceiro, que os iria acolher, mas é o seu próprio Estado. Isto quando a situação em que se encontram pode derivar de acções humanas e não apenas de acidentes naturais. Há vários casos de rios que são contaminados, de acesso à água que é negado, entre outras situações de deslocados ambientais que só o são por culpa do seu próprio Estado. Isto para dizer que os deslocados internos, muitas vezes, não recebem a protecção que deveriam receber do seu país e isto pode acontecer tanto por incapacidade, como por vontade deliberada – disto são exemplo diversas etnias e raças que são discriminadas no seu próprio país.

Esta situação é tanto mais grave se olharmos para as estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os

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7. In Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados.

8Refugiados (ACNUR), de final de 2009 , que indicavam que o número de refugiados existente era de cerca de 10 milhões (10.396.540), enquanto os deslocados internos (protegidos ou assistidos pelo ACNUR) ascendiam aos 15 milhões (15.628.057). E estes números não representam, nem de perto, nem de longe, a realidade total, conforme indica o próprio ACNUR, que informa que são os números possíveis de registar. Com isto pretendo alertar para o facto de o número de refugiados, que são protegidos pela lei, ser cada vez menor em relação àqueles que precisam de outros tipos de protecção porque a lei não os protege. Ou seja, há cada vez mais pessoas que se encontram fora da protecção legal e, por isso, é fundamental reforçar o papel das instituições, sejam nacionais ou internacionais, sejam governamentais, como o ACNUR, ou não governamentais, como a Amnistia Internacional. Um reforço essencial no caso dos refugiados ambientais, que não têm sequer um estatuto definido. E mesmo no caso dos refugiados, porque, como referido, nem sempre os Estados cumprem as obrigações ratificadas.

Muitas das instituições, entre elas o ACNUR, o que fazem é proporcionar assistência humanitária. Não é esse o papel da Amnistia Internacional. A Amnistia não vai para o terreno entregar assistência humanitária. A Amnistia procura solucionar o problema na sua raiz – apesar de isto não tirar à assistência humanitária o seu papel fundamental na protecção das populações, porque importa referir que por assistência humanitária se entende não apenas fornecer alimentos, mas também assistir ao nível da segurança, pois os refugiados e deslocados internos estão muito mais vulneráveis a violações aos Direitos Humanos. Voltando ao que estava a dizer, o papel da Amnistia Internacional é então outro, uma vez que tenta mudar o que está na base ou na raiz do problema. E, como foi dito no início, estas questões, principalmente dos refugiados ambientais, estão relacionadas com os direitos humanos, seja com leis que já existem e que não estão a ser respeitadas, seja com lacunas legais que é importante colmatar. É isso que a Amnistia tenta fazer: alterar a realidade que está na origem dos refugiados e dos deslocados, incluindo os que se movem por razões ambientais.

Mas então como é que se pode fortalecer o papel das instituições? Como é que se pode fazer mais do que a assistência humanitária?

A Amnistia Internacional faz aquilo a que chama Campanhas. E para explicá-las é mais fácil falar do conceito que a elas está associado: advocacy ou Advocacia Social. Há várias formas de definir este conceito, mas vou aqui referir a adoptada pela Campanha do Milénio das Nações Unidas: “A advocacia social – advocacy – é um esforço organizado para, em nome da justiça social, influenciar instituições e sistemas políticos, económicos e sociais no sentido de tomarem decisões que defendam os interesses de grupos desfavorecidos”. No fundo, o que a definição quer dizer é que as Campanhas da Amnistia Internacional são formas de fazer pressão – junto dos governos, dos actores económicos, das empresas, dos grupos armados ou de qualquer outro actor internacional – para que os violadores dos Direitos Humanos mudem a sua atitude. Advocacy é a estratégia que é delineada para fazer pressão.

Como é que se faz advocacy? É preciso, primeiro que tudo, identificar o problema e os seus responsáveis. No caso da Amnistia Internacional temos a nossa sede em Londres, onde há investigadores para a maioria dos países do mundo que passam o ano a fazer missões no terreno, a falar com organizações locais e com pessoas que habitam nesses países. Através dessa investigação é identificado o problema ou a violação aos direitos humanos e depois, também, quem é (ou são) o seu responsável (ou responsáveis).

De seguida, é preciso denunciar a situação ao mundo e, para isso, a Amnistia costuma publicar relatórios, embora haja também outras formas de o fazer. A partir daqui, inicia-se o trabalho de divulgação do relatório, que passa muito por comunicados de imprensa. E os meios de comunicação social aqui podem ser um forte aliado, mas podem também ser um forte obstáculo. Por isso, é preciso falar com a comunicação social e mostrar-lhes a importância que podem ter neste papel de advocacy. Além da comunicação social, hoje em dia temos as redes sociais, que vieram desempenhar um importante papel. Pode-se fazer muito através do Facebook, do Twitter e de todas essas redes. Viu-se isso mesmo em várias ocasiões... Basta lembrarmos as primeiras imagens que surgiram das manifestações contra o resultado eleitoral no Irão, que apareceram exactamente através das redes sociais. É uma importante forma de poder e de denúncia destas situações.

Depois da situação investigada e denunciada, no Advocacy é preciso passar à acção. E há várias tácticas de actuação e formas de fazer pressão sobre os responsáveis. Este é muito do trabalho da Amnistia Internacional. Trago aqui algumas imagens que mostram o que fazemos... Trabalhamos muito a partir de apelos e petições. Uma forma muito simples: identificado o responsável, criamos uma petição que lhe é dirigida e pedimos a todas as pessoas do mundo que escrevam a esse violador pedindo que actue de uma forma diferente. Além dos apelos e das petições, promovemos manifestações pacíficas, conferências – aproveito aqui para passar a publicidade que estamos agora com uma conferência que vai começar amanhã no Porto, depois vai para Aveiro e depois vai estar em Lisboa, com uma

8. In ACNUR, 2009 Global Trends, Refugees, Asylum-seekers, Returnees, Internally Displaced and Stateless Persons, 15 de Junho de 2010, disponível em http://www.unhcr.org/4c11f0be9.html

9. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=eEwkrnw9g84&feature=related

Reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de proteger os direitos humanos das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas | Cátia Silva, Amnistia Internacional

Boa tarde.

Queria, em nome da Amnistia Internacional, agradecer o convite que foi feito pelo Conselho Português para os Refugiados para estarmos aqui hoje. Originalmente quem viria seria Ana Ferreira, da Direcção da Amnistia, que infelizmente não pôde estar presente e por isso vim eu em sua substituição.

Vou falar do reforço da capacidade das instituições nacionais e internacionais de protegerem os direitos humanos, neste caso, das pessoas deslocadas por força das alterações climáticas, mas este é um assunto que se pode aplicar a muitas outras situações. Isto porque esse reforço, ou melhor, o que dá poder às instituições – como vão ver ao longo da minha intervenção – aplica-se não apenas aos refugiados ambientais.

Desde já é importante frisar que a Amnistia Internacional trabalha a questão dos refugiados e dos deslocados internos, apesar de na maioria das vezes estarmos associados apenas a prisioneiros de consciência, até porque, como vimos hoje de manhã, esta é também uma questão de direitos humanos. Desde logo porque existe o Direito ao Asilo, que está contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e porque os refugiados e deslocados estão protegidos pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos em termos dos seus direitos mais básicos, como sejam o acesso à água, o direito à movimentação, o direito a condições de vida adequadas, entre outros.

Além disso, o tema dos refugiados ambientais, ou deslocados ambientais, é bem paradigmático daquilo que defende a Amnistia Internacional, porque vem provar que sofrem mais as pessoas que estão em condições mais vulneráveis, ou seja, cujos Direitos Humanos já eram violados. Pensemos, por exemplo, nas pessoas que não têm uma habitação adequada, como é seu direito, e que por isso sofrem muito mais com um terramoto ou com cheias do que as populações que têm boas condições de vida. Os Direitos Humanos estão intrinsecamente ligados à questão dos refugiados e dos deslocados internos.

Nesta apresentação irei falar sempre no termo “refugiados ambientais”, ressalvando desde já, como foi referido no painel anterior, que esta não é uma designação com força legal.

Posto isto, é preciso, primeiro que tudo, perceber porque é que é necessário reforçar o papel das instituições na protecção a estas pessoas?

Há uma definição de refugiado, que já devem conhecer e que vem na Convenção de 1951, que protege estas pessoas. Diz a Convenção que é refugiado toda a pessoa que “receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a

7nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção daquele país...” . Esta definição obriga a cumprir várias condições para se ser considerado refugiado. Exige, primeiro que tudo, que as pessoas sejam perseguidas. Para além de serem perseguidas, têm que provar essa perseguição. Por último, o Estado que as vai acolher tem de ter ratificado a Convenção de 1951 e tem que ser um Estado que a respeite, o que nem sempre acontece. Um bom exemplo disso mesmo são os casos tratados pela Amnistia Internacional ao nível do chamado “princípio da não devolução” de refugiados ao seu país de origem, quando a sua vida possa estar em risco. A verdade é que continua a haver países que, mesmo fazendo parte da Convenção e assinando convenções de direitos humanos, enviam os refugiados de volta para os seus países de origem sem as garantias de protecção necessárias (e exigidas por lei).

Mesmo assim, se para os refugiados há uma lei que os protege – mesmo que não totalmente –, no caso dos deslocados internos as condições são muito piores. Desde logo porque quem tem de os proteger já não é o Estado terceiro, que os iria acolher, mas é o seu próprio Estado. Isto quando a situação em que se encontram pode derivar de acções humanas e não apenas de acidentes naturais. Há vários casos de rios que são contaminados, de acesso à água que é negado, entre outras situações de deslocados ambientais que só o são por culpa do seu próprio Estado. Isto para dizer que os deslocados internos, muitas vezes, não recebem a protecção que deveriam receber do seu país e isto pode acontecer tanto por incapacidade, como por vontade deliberada – disto são exemplo diversas etnias e raças que são discriminadas no seu próprio país.

Esta situação é tanto mais grave se olharmos para as estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os

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46 criança-soldado –, fazemos educação para os direitos humanos nas escolas, promovemos ciclos de cinema – e o caso de Guantánamo é um bom exemplo de como o cinema pode ajudar, porque a tortura que lá existia foi muito denunciada através de documentários. Além do cinema, há outras formas de arte que têm contribuído muito para a denúncia de violações aos direitos humanos e para fazer pressão junto dos governos. Recentemente, a Amnistia Internacional teve uma parceria com a banda U2, que se calhar alguns de vocês viram e que está disponível na internet, por causa da prisioneira de consciência Aung San Suu Kyi. A Amnistia esteve nos concertos da banda um pouco por todo o mundo. A activista acabou por ser libertada no passado Sábado, provando que fazer advocacy funciona. Para além de tudo isto é importante referir uma outra forma de fazer advocacy, que passa por reunir com entidades competentes, como parlamentares, ministros, autoridades policiais, entre outros, principalmente quando é preciso criar ou alterar leis. A isto se chama fazer lobby.

Mas será que advocacy funciona efectivamente?

Na Amnistia Internacional temos tido exemplos de que funciona e de que fazer advocacy pode ser uma forma de fortalecer muito o papel das instituições. Temos o caso que referi da Aung San Suu Kyi, que acabou por ser libertada depois de muita pressão. Temos o exemplo de Guantánamo, que é até um bom exemplo para a questão dos refugiados ambientais, uma vez que também no caso daqueles prisioneiros não havia nenhum estatuto definido e foi encontrada – com muita vontade política, com muita pressão, com muitas manifestações – uma forma alternativa de receber estas pessoas. E Guantánamo não é um problema que esteja resolvido, mas é importante enquanto exemplo porque dá para perceber que a pressão feita possibilitou criar alternativas e originou vontade política suficiente para permitir que vários países tenham recebido prisioneiros. Na Amnistia temos ainda exemplos de refugiados que iam ser devolvidos aos seus países de origem, onde podiam ser perseguidos (o que é proibido pela Convenção de 1951), e que com as petições realizadas e milhares de pessoas a escreverem em seu nome conseguiram que algum Estado lhes desse asilo. Na Amnistia, temos provado que tudo isto tem sido possível.

Queria a este propósito mostrar-vos uma animação, feita pela secção francesa da Amnistia Internacional, que explica bem como é que tudo isto funciona, ou seja, como é que é feita uma petição e como as assinaturas recolhidas podem funcionar (como têm funcionado até hoje em diversas situações). É o que vêem no vídeo que pode dar mais força a

9uma instituição, pelo menos é isto que tem dado força à Amnistia Internacional .

Convém abrir um parêntesis para dizer que outra chave importante para fortalecer as instituições é a credibilidade, que a Amnistia Internacional foi conquistando e que muitas outras instituições vão conquistando ao longo dos tempos. É preciso ser isento, imparcial e as investigações têm que ser feitas com muito cuidado… Essa credibilidade vai-se construindo ao longo dos anos e é uma das forças das instituições.

A outra força é então a que viram no vídeo: é a minha assinatura, a vossa assinatura. Ainda hoje perguntavam aqui no Congresso o que é que cada um de nós pode fazer para mudar a situação de pessoas que sofrem violações aos direitos humanos. Hoje em dia, com as redes sociais e com todas as alternativas existentes, há inúmeras soluções que estão a alcance de cada um de nós: convidar amigos a nossa casa para falar sobre determinados temas, fazer conferências e promover uma recolha de assinaturas na escola ou no nosso trabalho... Ao nível dos refugiados ambientais há também muito que se pode fazer. É preciso percebermos o que as instituições estão já a fazer e qual é a nossa força e o nosso papel enquanto cidadãos.

E é importante que se faça isto não só por generosidade, mas também por necessidade e por uma questão de segurança, porque os problemas dos refugiados ambientais e de outros refugiados e deslocados internos acabam por nos afectar a todos. Actualmente fala-se muito mais destas pessoas e da sua situação do que há alguns anos, precisamente porque a sua situação começou a afectar os países mais ricos ou desenvolvidos. Mesmo que se fechem fronteiras, os Estados já perceberam que não é possível fugir a esta realidade. É preciso que cada Estado faça o seu papel, mas é preciso também que nós façamos o nosso. Hoje de manhã falava-se exactamente nisto, em responsabilidade individual. Não deixemos tudo para os Estados fazerem. Cada um de nós tem muito poder e isso tem sido provado com muitas Campanhas da Amnistia Internacional. As nossas mãos têm muito mais poder do que nós imaginamos!

Termino com uma frase do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres. Eu entrevistei-o uma vez e ele dizia que tudo isto é para ele muito simples: cada pessoa tem que fazer o seu papel. Ele dizia: «Não peço a toda a gente que seja generosa, mas peço aos egoístas que ao menos não sejam estúpidos».

Obrigada.

Respostas às consequências humanitárias das alterações climáticas: migrações, deslocações forçadas e apatridia (instrumentos jurídicos, protecção e soluções duradouras) | José Manuel Pureza, Professor Universitário e Investigador do Centro de Estudos Sociais

Esta intervenção comporta dois momentos. Em primeiro lugar, ensaiarei um breve diagnóstico desta questão, identificando as diferentes dimensões que para ela convergem e que a tornam num desafio político e normativo de primeira importância. Em segundo lugar, esboçarei algumas considerações muito gerais sobre respostas, de novo tanto no plano político como no plano normativo.

Comecemos por lembrar duas situações emblemáticas que passaram definitivamente a fazer parte do imaginário da nossa humanidade. Uma primeira ocorreu há poucos meses: a celebração do Conselho de Ministros das Maldivas debaixo de água, no fundo dos mares. Todas e todos recordamos, certamente, essa fotografia que percorreu os media e que foi mais uma forma de advocacy que foi encontrada pelo Governo desse Estado para mostrar que é assim que a curtíssimo prazo se vai realizar a reunião do Conselho Ministros, ou qualquer outra reunião importante nesse mesmo Estado: debaixo do mar... A segunda imagem que me ocorre é a de Tuvalu, Estado idêntico a todos os demais da região do Pacífico, que, em virtude da sua condição física (um atol com uma altitude média baixíssima), está na iminência de, pura e simplesmente, desaparecer enquanto país, enquanto território, enquanto realidade física. Escolho estes dois exemplos para sublinhar o seguinte: para os habitantes de Tuvalu, das ilhas Maldivas e, seguramente, para cada vez mais habitantes de mais Estados, é indiferente a designação jurídica que se lhes atribui. São pessoas que estão condenadas a fugir dos seus sítios de vida. Estou bem consciente da necessidade de sermos rigorosos na terminologia jurídica, nos conceitos jurídicos, e no que eles arrastam consigo do ponto de vista de diferenciação de situações mas, estou igualmente consciente de que o que está em causa, em última análise, é uma qualificação relativamente indiferente para quem foge: pouco lhes importa se são considerados refugiados, migrantes ou deslocados. São pessoas que necessitam de ajuda e de uma ajuda concreta nesse mesmo momento. E é só esse o desafio que lançam quer aos mecanismos de governação mundial quer à produção normativa internacional.

O diagnóstico que conhecemos é claro. A primeira cifra para compor este desenho vem-nos do Departamento das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários (OCHA): é o número relativo a 2008, em que foram identificados cerca de 20 milhões de deslocados por razões de natureza ambiental. Por outro lado, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados prevê que, até 2050, existirão entre 200 e 250 milhões de refugiados ambientais em sentido estrito. Já a Organização Internacional das Migrações aponta para mil milhões de deslocados, migrantes e refugiados ambientais nos próximos 40 anos.

Há pois um fenómeno irrecusável de deslocações forçadas por razões ambientais. Não obstante a necessidade de rigor técnico-jurídico, a questão essencial é reconhecer a crescente importância e o crescente dramatismo de fenómenos de deslocação forçada por razões ambientais. O adjectivo “forçada” é verdadeiramente a questão essencial.

Ainda no domínio do diagnóstico, impõe-se responder com clareza à seguinte pergunta: qual é o significado concreto, diante desta realidade, da afirmação comum de que estamos diante um problema global? É fundamental não esconder atrás da adjectivação “ global” a diferença que existe entre países pobres e países ricos no que diz respeito ao impacto dos fenómenos de deslocação forçada por razões ambientais. Dos cem primeiros países que vão sofrer alterações climáticas que resultam em deslocações populacionais não há um só que seja parte da lista dos países desenvolvidos e industrializados.

Mais ainda: esses cem países terão contribuído com cerca de 3% para a totalidade de emissões de CO2 para a atmosfera.

Estamos portanto perante uma realidade de impacto totalmente desproporcionado em relação à geração do problema. Há quem sofra o problema sem ter contribuído minimamente para a sua geração. A banalidade do juízo “para problemas globais soluções globais” não pode esconder que há profundas desigualdades na geração e no impacto do problema. Diante disto temos que ter uma noção precisa da realidade das coisas. Há uma dupla vulnerabilidade destes países porque, por um lado, são países cujas condições naturais em termos climáticos, de altitude, de morfologia, de recorte de costa, os tornam particularmente vulneráveis e a isso acresce a sua condição económico-social que potencia os efeitos destas mesmas situações, seja de catástrofe natural, seja, sobretudo, das alterações climáticas induzidas por fenómenos de alcance mais geral.

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46 criança-soldado –, fazemos educação para os direitos humanos nas escolas, promovemos ciclos de cinema – e o caso de Guantánamo é um bom exemplo de como o cinema pode ajudar, porque a tortura que lá existia foi muito denunciada através de documentários. Além do cinema, há outras formas de arte que têm contribuído muito para a denúncia de violações aos direitos humanos e para fazer pressão junto dos governos. Recentemente, a Amnistia Internacional teve uma parceria com a banda U2, que se calhar alguns de vocês viram e que está disponível na internet, por causa da prisioneira de consciência Aung San Suu Kyi. A Amnistia esteve nos concertos da banda um pouco por todo o mundo. A activista acabou por ser libertada no passado Sábado, provando que fazer advocacy funciona. Para além de tudo isto é importante referir uma outra forma de fazer advocacy, que passa por reunir com entidades competentes, como parlamentares, ministros, autoridades policiais, entre outros, principalmente quando é preciso criar ou alterar leis. A isto se chama fazer lobby.

Mas será que advocacy funciona efectivamente?

Na Amnistia Internacional temos tido exemplos de que funciona e de que fazer advocacy pode ser uma forma de fortalecer muito o papel das instituições. Temos o caso que referi da Aung San Suu Kyi, que acabou por ser libertada depois de muita pressão. Temos o exemplo de Guantánamo, que é até um bom exemplo para a questão dos refugiados ambientais, uma vez que também no caso daqueles prisioneiros não havia nenhum estatuto definido e foi encontrada – com muita vontade política, com muita pressão, com muitas manifestações – uma forma alternativa de receber estas pessoas. E Guantánamo não é um problema que esteja resolvido, mas é importante enquanto exemplo porque dá para perceber que a pressão feita possibilitou criar alternativas e originou vontade política suficiente para permitir que vários países tenham recebido prisioneiros. Na Amnistia temos ainda exemplos de refugiados que iam ser devolvidos aos seus países de origem, onde podiam ser perseguidos (o que é proibido pela Convenção de 1951), e que com as petições realizadas e milhares de pessoas a escreverem em seu nome conseguiram que algum Estado lhes desse asilo. Na Amnistia, temos provado que tudo isto tem sido possível.

Queria a este propósito mostrar-vos uma animação, feita pela secção francesa da Amnistia Internacional, que explica bem como é que tudo isto funciona, ou seja, como é que é feita uma petição e como as assinaturas recolhidas podem funcionar (como têm funcionado até hoje em diversas situações). É o que vêem no vídeo que pode dar mais força a

9uma instituição, pelo menos é isto que tem dado força à Amnistia Internacional .

Convém abrir um parêntesis para dizer que outra chave importante para fortalecer as instituições é a credibilidade, que a Amnistia Internacional foi conquistando e que muitas outras instituições vão conquistando ao longo dos tempos. É preciso ser isento, imparcial e as investigações têm que ser feitas com muito cuidado… Essa credibilidade vai-se construindo ao longo dos anos e é uma das forças das instituições.

A outra força é então a que viram no vídeo: é a minha assinatura, a vossa assinatura. Ainda hoje perguntavam aqui no Congresso o que é que cada um de nós pode fazer para mudar a situação de pessoas que sofrem violações aos direitos humanos. Hoje em dia, com as redes sociais e com todas as alternativas existentes, há inúmeras soluções que estão a alcance de cada um de nós: convidar amigos a nossa casa para falar sobre determinados temas, fazer conferências e promover uma recolha de assinaturas na escola ou no nosso trabalho... Ao nível dos refugiados ambientais há também muito que se pode fazer. É preciso percebermos o que as instituições estão já a fazer e qual é a nossa força e o nosso papel enquanto cidadãos.

E é importante que se faça isto não só por generosidade, mas também por necessidade e por uma questão de segurança, porque os problemas dos refugiados ambientais e de outros refugiados e deslocados internos acabam por nos afectar a todos. Actualmente fala-se muito mais destas pessoas e da sua situação do que há alguns anos, precisamente porque a sua situação começou a afectar os países mais ricos ou desenvolvidos. Mesmo que se fechem fronteiras, os Estados já perceberam que não é possível fugir a esta realidade. É preciso que cada Estado faça o seu papel, mas é preciso também que nós façamos o nosso. Hoje de manhã falava-se exactamente nisto, em responsabilidade individual. Não deixemos tudo para os Estados fazerem. Cada um de nós tem muito poder e isso tem sido provado com muitas Campanhas da Amnistia Internacional. As nossas mãos têm muito mais poder do que nós imaginamos!

Termino com uma frase do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres. Eu entrevistei-o uma vez e ele dizia que tudo isto é para ele muito simples: cada pessoa tem que fazer o seu papel. Ele dizia: «Não peço a toda a gente que seja generosa, mas peço aos egoístas que ao menos não sejam estúpidos».

Obrigada.

Respostas às consequências humanitárias das alterações climáticas: migrações, deslocações forçadas e apatridia (instrumentos jurídicos, protecção e soluções duradouras) | José Manuel Pureza, Professor Universitário e Investigador do Centro de Estudos Sociais

Esta intervenção comporta dois momentos. Em primeiro lugar, ensaiarei um breve diagnóstico desta questão, identificando as diferentes dimensões que para ela convergem e que a tornam num desafio político e normativo de primeira importância. Em segundo lugar, esboçarei algumas considerações muito gerais sobre respostas, de novo tanto no plano político como no plano normativo.

Comecemos por lembrar duas situações emblemáticas que passaram definitivamente a fazer parte do imaginário da nossa humanidade. Uma primeira ocorreu há poucos meses: a celebração do Conselho de Ministros das Maldivas debaixo de água, no fundo dos mares. Todas e todos recordamos, certamente, essa fotografia que percorreu os media e que foi mais uma forma de advocacy que foi encontrada pelo Governo desse Estado para mostrar que é assim que a curtíssimo prazo se vai realizar a reunião do Conselho Ministros, ou qualquer outra reunião importante nesse mesmo Estado: debaixo do mar... A segunda imagem que me ocorre é a de Tuvalu, Estado idêntico a todos os demais da região do Pacífico, que, em virtude da sua condição física (um atol com uma altitude média baixíssima), está na iminência de, pura e simplesmente, desaparecer enquanto país, enquanto território, enquanto realidade física. Escolho estes dois exemplos para sublinhar o seguinte: para os habitantes de Tuvalu, das ilhas Maldivas e, seguramente, para cada vez mais habitantes de mais Estados, é indiferente a designação jurídica que se lhes atribui. São pessoas que estão condenadas a fugir dos seus sítios de vida. Estou bem consciente da necessidade de sermos rigorosos na terminologia jurídica, nos conceitos jurídicos, e no que eles arrastam consigo do ponto de vista de diferenciação de situações mas, estou igualmente consciente de que o que está em causa, em última análise, é uma qualificação relativamente indiferente para quem foge: pouco lhes importa se são considerados refugiados, migrantes ou deslocados. São pessoas que necessitam de ajuda e de uma ajuda concreta nesse mesmo momento. E é só esse o desafio que lançam quer aos mecanismos de governação mundial quer à produção normativa internacional.

O diagnóstico que conhecemos é claro. A primeira cifra para compor este desenho vem-nos do Departamento das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários (OCHA): é o número relativo a 2008, em que foram identificados cerca de 20 milhões de deslocados por razões de natureza ambiental. Por outro lado, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados prevê que, até 2050, existirão entre 200 e 250 milhões de refugiados ambientais em sentido estrito. Já a Organização Internacional das Migrações aponta para mil milhões de deslocados, migrantes e refugiados ambientais nos próximos 40 anos.

Há pois um fenómeno irrecusável de deslocações forçadas por razões ambientais. Não obstante a necessidade de rigor técnico-jurídico, a questão essencial é reconhecer a crescente importância e o crescente dramatismo de fenómenos de deslocação forçada por razões ambientais. O adjectivo “forçada” é verdadeiramente a questão essencial.

Ainda no domínio do diagnóstico, impõe-se responder com clareza à seguinte pergunta: qual é o significado concreto, diante desta realidade, da afirmação comum de que estamos diante um problema global? É fundamental não esconder atrás da adjectivação “ global” a diferença que existe entre países pobres e países ricos no que diz respeito ao impacto dos fenómenos de deslocação forçada por razões ambientais. Dos cem primeiros países que vão sofrer alterações climáticas que resultam em deslocações populacionais não há um só que seja parte da lista dos países desenvolvidos e industrializados.

Mais ainda: esses cem países terão contribuído com cerca de 3% para a totalidade de emissões de CO2 para a atmosfera.

Estamos portanto perante uma realidade de impacto totalmente desproporcionado em relação à geração do problema. Há quem sofra o problema sem ter contribuído minimamente para a sua geração. A banalidade do juízo “para problemas globais soluções globais” não pode esconder que há profundas desigualdades na geração e no impacto do problema. Diante disto temos que ter uma noção precisa da realidade das coisas. Há uma dupla vulnerabilidade destes países porque, por um lado, são países cujas condições naturais em termos climáticos, de altitude, de morfologia, de recorte de costa, os tornam particularmente vulneráveis e a isso acresce a sua condição económico-social que potencia os efeitos destas mesmas situações, seja de catástrofe natural, seja, sobretudo, das alterações climáticas induzidas por fenómenos de alcance mais geral.

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48 Um terceiro elemento deste esboço de diagnóstico é a noção de que esta situação coloca como principal desafio jurídico e político a precariedade das vidas que por ela são afectadas. Esse é justamente o motor, o factor de desafio maior em termos políticos e em termos jurídicos. Até por uma razão: é que, além do mais, os deslocados forçados por razões ambientais quase sempre se deslocam para países ou para territórios vizinhos, potenciando aí os efeitos destabilizadores, para si e para os outros, da situação de deslocação.

Quem vai em busca de soluções duradouras só tem um quadro de referência: mudar o saber para mudar a realidade. Não há solução duradoura que não arranque de uma mudança dos saberes ou dos quadros conceptuais. A este respeito, importa proceder à revisão crítica de dois conceitos que, do meu ponto vista, são insatisfatórios para a solução duradoura desta questão.

O primeiro desses conceitos que é o de desenvolvimento sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável tem sido a pouco e pouco cooptado pelo modo de vida dominante para se pôr ao serviço desse modo de vida.

Ou seja, o conceito de desenvolvimento sustentável, que no seu início foi um conceito transformador, ao trazer consigo a exigência de mudanças profundas dos modos vidas geradores de danos ambientais em larga escala, é hoje apadrinhado pelas instâncias que produzem esse modo de vida dominante. Não é por acaso que, nas instâncias internacionais mais canonizadoras dos modos de vida que geram os problemas de carácter ambiental, essa exigência de desenvolvimento sustentável tenha passado a fazer parte do modo de agir comum.

Na verdade, o conceito de desenvolvimento sustentável tem um problema sério que é o de sobre-enfatizar a dimensão inter-geracional e sub-enfatizar a dimensão intra-geracional, ou seja, a questão das desigualdades presentes. É verdade que o conceito de desenvolvimento sustentável teve um mérito essencial de trazer para o debate público a questão dos direitos e oportunidades das gerações futuras mas corre o risco de relativizar o aqui e hoje em termos de desigualdades.

O segundo conceito que importa submeter a exame crítico do ponto de vista da inspiração para soluções duradouras é o conceito de segurança humana. Ele veio, no início desta década, transformar muito do pensamento e do discurso sobre a segurança em escala internacional, chamando a atenção, e bem, para a necessidade de ir além – e aquém – da escala estatal quando falamos de segurança. Falarmos de segurança implica, diz-nos este conceito, falarmos da segurança das pessoas, dos grupos, sobretudo dos mais vulneráveis.

Todavia, ao longo da presente década, o conceito de segurança humana sofreu uma importante inflexão, passando a centrar-se nas preocupações da segurança das pessoas dos países desenvolvidos. Esta viragem tem alimentado uma tendência crescente para a “securitização” – no sentido, de belicização potencial – de agendas como a do desenvolvimento ou do ambiente.

Como agir então e em função de quê? Na minha perspectiva, o conceito central que pode e deve estar numa agenda política em escala mundial, que seja capaz de atacar eficazmente (isto é, de maneira duradoura) o fenómeno da geração de refugiados ou deslocados ambientais, ao mesmo tempo que responde às desigualdades de capacidade e de responsabilidade dos países existentes, é o conceito de dívida ecológica.

É, de facto, essencial a noção de que há países que sobreutilizam recursos do planeta – e, dessa maneira, contraem uma dívida materializável, contabilizável, para com países que estão forçados a subutilizar a sua quota proporcional desses mesmos recursos. Estamos habituados a raciocinar em termos de relações económicas internacionais com base na percepção de que invariavelmente os países mais pobres devem mais aos países mais ricos.

Não temos, todavia, sido sensíveis à conveniência de incorporar esta componente de sobre-consumo ou de sobre-desgaste de recursos naturais. E, desse ponto de vista, existe uma dívida inversa e crescente por parte dos países mais ricos para com os países mais pobres, uma dívida de carácter ecológico. Ao tornarmos central a noção de dívida ecológica, operamos uma transformação de pensamento que, por sua vez, produz uma transformação da acção.

O papel do Direito Internacional nesta mudança profunda é necessariamente modesto e a jusante de tudo isto. O Direito Internacional exprime nas suas normas, nas instituições que cria, nas soluções de regime que encontra, orientações que são ou não adoptadas pelos Estados, que são ou não são objecto de negociação entre os Estados. Creio ser evidente que a Convenção Internacional sobre o Estatuto do Refugiado, de 1951, é um texto que evidencia enormes virtualidades mas também fragilidades claras para este efeito.

É consabidamente um texto que assenta numa visão do mundo à qual era preciso responder naquele momento. Era a visão de um mundo dilacerado pela II Guerra Mundial com o fenómeno impressionante de multidões de refugiados e de apátridas que chocaram a humanidade. A Convenção Internacional sobre o Estatuto do Refugiado, de 1951, tem um pressuposto de aplicação limitador, de matriz individualista, no sentido em que está em causa uma perseguição

individual de natureza política, religiosa, étnica, etc. Ora, a tentação de abrir um processo de revisão da Convenção de 1951, animado pela consciência da sua inadequação aos novos contornos da deslocação forçada de massas humanas, deve, em meu entender, ceder diante de um princípio de sábia prudência táctica.

Num contexto de relação de forças adverso, esse caminho afigura-se pleno de riscos. A forma mais útil de proceder parece ser a que tem sido adoptada em contextos regionais como o africano: acolher interpretações “actualizadoras” da norma da Convenção de 1951.

É preciso que a Convenção de 1951 seja interpretada de maneira actualista para a pôr ao serviço daquilo que é, nos nossos dias, um fenómeno absolutamente idêntico àquele a que ela procurou responder no seu tempo: as pessoas em fuga, em larga escala, por razões forçadas. Era isso que estava em causa em 1951 e aí a explicação era a diferença religiosa, a dissidência política ou a singularidade étnica. Nos nossos dias tudo isso se mantém como fundamento da protecção propiciada pelo estatuto de refugiado, mas soma-se um conjunto de outros factores a começar pelos conflitos armados e a incluir também as degradações de natureza ambiental.

A ousadia de aplicar a Convenção de 1951 de forma actualista, permitindo um tratamento que, ainda que sem a densidade jurídica internacional própria da qualificação de refugiado, seja de protecção temporária devida a quem foge por razões desta natureza, deve ser acompanhada de duas medidas concretas.

A primeira é a constituição de um fundo das Nações Unidas para as deslocações forçadas ambientais que funcione junto do Programa das Nações Unidas para o Ambiente e a segunda é a ampliação do mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Departamento das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários. Assim se combina transformação de conceitos com transformação normativa com uma ousadia mínima de tipo institucional.

«As palavras são importantes!», lembrava o personagem principal de Palombella Rossa filmado por Nanni Moretti. As palavras realmente são importantes; podem ser dispositivos de justiça e podem ser dispositivos de desigualdade.

O que se impõe discutir diante da hipótese jurídica da qualificação de pessoas como “refugiados ambientais” é se a palavra refugiado é uma palavra de inclusão ou se pode ser utilizada publicamente como estratégia de exclusão. Seria terrível que os propósitos de 1951, que foram de inclusão e de resposta, servissem agora para excluir quem foge, como os habitantes de Tuvalu, os habitantes das ilhas Maldivas ou um dia destes qualquer outra pessoa, para garantir a sua dignidade.

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48 Um terceiro elemento deste esboço de diagnóstico é a noção de que esta situação coloca como principal desafio jurídico e político a precariedade das vidas que por ela são afectadas. Esse é justamente o motor, o factor de desafio maior em termos políticos e em termos jurídicos. Até por uma razão: é que, além do mais, os deslocados forçados por razões ambientais quase sempre se deslocam para países ou para territórios vizinhos, potenciando aí os efeitos destabilizadores, para si e para os outros, da situação de deslocação.

Quem vai em busca de soluções duradouras só tem um quadro de referência: mudar o saber para mudar a realidade. Não há solução duradoura que não arranque de uma mudança dos saberes ou dos quadros conceptuais. A este respeito, importa proceder à revisão crítica de dois conceitos que, do meu ponto vista, são insatisfatórios para a solução duradoura desta questão.

O primeiro desses conceitos que é o de desenvolvimento sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável tem sido a pouco e pouco cooptado pelo modo de vida dominante para se pôr ao serviço desse modo de vida.

Ou seja, o conceito de desenvolvimento sustentável, que no seu início foi um conceito transformador, ao trazer consigo a exigência de mudanças profundas dos modos vidas geradores de danos ambientais em larga escala, é hoje apadrinhado pelas instâncias que produzem esse modo de vida dominante. Não é por acaso que, nas instâncias internacionais mais canonizadoras dos modos de vida que geram os problemas de carácter ambiental, essa exigência de desenvolvimento sustentável tenha passado a fazer parte do modo de agir comum.

Na verdade, o conceito de desenvolvimento sustentável tem um problema sério que é o de sobre-enfatizar a dimensão inter-geracional e sub-enfatizar a dimensão intra-geracional, ou seja, a questão das desigualdades presentes. É verdade que o conceito de desenvolvimento sustentável teve um mérito essencial de trazer para o debate público a questão dos direitos e oportunidades das gerações futuras mas corre o risco de relativizar o aqui e hoje em termos de desigualdades.

O segundo conceito que importa submeter a exame crítico do ponto de vista da inspiração para soluções duradouras é o conceito de segurança humana. Ele veio, no início desta década, transformar muito do pensamento e do discurso sobre a segurança em escala internacional, chamando a atenção, e bem, para a necessidade de ir além – e aquém – da escala estatal quando falamos de segurança. Falarmos de segurança implica, diz-nos este conceito, falarmos da segurança das pessoas, dos grupos, sobretudo dos mais vulneráveis.

Todavia, ao longo da presente década, o conceito de segurança humana sofreu uma importante inflexão, passando a centrar-se nas preocupações da segurança das pessoas dos países desenvolvidos. Esta viragem tem alimentado uma tendência crescente para a “securitização” – no sentido, de belicização potencial – de agendas como a do desenvolvimento ou do ambiente.

Como agir então e em função de quê? Na minha perspectiva, o conceito central que pode e deve estar numa agenda política em escala mundial, que seja capaz de atacar eficazmente (isto é, de maneira duradoura) o fenómeno da geração de refugiados ou deslocados ambientais, ao mesmo tempo que responde às desigualdades de capacidade e de responsabilidade dos países existentes, é o conceito de dívida ecológica.

É, de facto, essencial a noção de que há países que sobreutilizam recursos do planeta – e, dessa maneira, contraem uma dívida materializável, contabilizável, para com países que estão forçados a subutilizar a sua quota proporcional desses mesmos recursos. Estamos habituados a raciocinar em termos de relações económicas internacionais com base na percepção de que invariavelmente os países mais pobres devem mais aos países mais ricos.

Não temos, todavia, sido sensíveis à conveniência de incorporar esta componente de sobre-consumo ou de sobre-desgaste de recursos naturais. E, desse ponto de vista, existe uma dívida inversa e crescente por parte dos países mais ricos para com os países mais pobres, uma dívida de carácter ecológico. Ao tornarmos central a noção de dívida ecológica, operamos uma transformação de pensamento que, por sua vez, produz uma transformação da acção.

O papel do Direito Internacional nesta mudança profunda é necessariamente modesto e a jusante de tudo isto. O Direito Internacional exprime nas suas normas, nas instituições que cria, nas soluções de regime que encontra, orientações que são ou não adoptadas pelos Estados, que são ou não são objecto de negociação entre os Estados. Creio ser evidente que a Convenção Internacional sobre o Estatuto do Refugiado, de 1951, é um texto que evidencia enormes virtualidades mas também fragilidades claras para este efeito.

É consabidamente um texto que assenta numa visão do mundo à qual era preciso responder naquele momento. Era a visão de um mundo dilacerado pela II Guerra Mundial com o fenómeno impressionante de multidões de refugiados e de apátridas que chocaram a humanidade. A Convenção Internacional sobre o Estatuto do Refugiado, de 1951, tem um pressuposto de aplicação limitador, de matriz individualista, no sentido em que está em causa uma perseguição

individual de natureza política, religiosa, étnica, etc. Ora, a tentação de abrir um processo de revisão da Convenção de 1951, animado pela consciência da sua inadequação aos novos contornos da deslocação forçada de massas humanas, deve, em meu entender, ceder diante de um princípio de sábia prudência táctica.

Num contexto de relação de forças adverso, esse caminho afigura-se pleno de riscos. A forma mais útil de proceder parece ser a que tem sido adoptada em contextos regionais como o africano: acolher interpretações “actualizadoras” da norma da Convenção de 1951.

É preciso que a Convenção de 1951 seja interpretada de maneira actualista para a pôr ao serviço daquilo que é, nos nossos dias, um fenómeno absolutamente idêntico àquele a que ela procurou responder no seu tempo: as pessoas em fuga, em larga escala, por razões forçadas. Era isso que estava em causa em 1951 e aí a explicação era a diferença religiosa, a dissidência política ou a singularidade étnica. Nos nossos dias tudo isso se mantém como fundamento da protecção propiciada pelo estatuto de refugiado, mas soma-se um conjunto de outros factores a começar pelos conflitos armados e a incluir também as degradações de natureza ambiental.

A ousadia de aplicar a Convenção de 1951 de forma actualista, permitindo um tratamento que, ainda que sem a densidade jurídica internacional própria da qualificação de refugiado, seja de protecção temporária devida a quem foge por razões desta natureza, deve ser acompanhada de duas medidas concretas.

A primeira é a constituição de um fundo das Nações Unidas para as deslocações forçadas ambientais que funcione junto do Programa das Nações Unidas para o Ambiente e a segunda é a ampliação do mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Departamento das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários. Assim se combina transformação de conceitos com transformação normativa com uma ousadia mínima de tipo institucional.

«As palavras são importantes!», lembrava o personagem principal de Palombella Rossa filmado por Nanni Moretti. As palavras realmente são importantes; podem ser dispositivos de justiça e podem ser dispositivos de desigualdade.

O que se impõe discutir diante da hipótese jurídica da qualificação de pessoas como “refugiados ambientais” é se a palavra refugiado é uma palavra de inclusão ou se pode ser utilizada publicamente como estratégia de exclusão. Seria terrível que os propósitos de 1951, que foram de inclusão e de resposta, servissem agora para excluir quem foge, como os habitantes de Tuvalu, os habitantes das ilhas Maldivas ou um dia destes qualquer outra pessoa, para garantir a sua dignidade.

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51 Presidente da Direcção do CPR | Teresa Tito de Morais

Muito boa tarde.

O objectivo era não vos deixar fugir porque quando se faz uma pausa obviamente que há uma desmobilização e nós, dado ao adiantado da hora, e porque gostaríamos que estivessem presentes para a actuação do RefugiActo, o grupo de teatro do CPR, que tão entusiasticamente se vem juntar no final deste Congresso para apresentar a peça “Abrigo”.

Tentarei de ser breve, mas não posso deixar de fazer os agradecimentos finais, com muito gosto, e também tecer algumas considerações sobre o dia de hoje. Gostaria de agradecer ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o parceiro operacional desde a criação do Conselho Português para os Refugiados pela presença aqui do Representante do ACNUR em Roma.

Agradeço também à Fundação Calouste Gulbenkian que, desde 1994, tem acolhido os nossos congressos internacionais. É uma casa de cultura mas que tem projectos ligados à acção que diz respeito às migrações, aos direitos humanos, todo um conjunto projectos que devo realçar. Muito honra o CPR ter a oportunidade de trazer aqui os seus Congressos todos os dois anos. Agradeço à Draftfcb pela imagem do Congresso, pelos materiais de divulgação - que nos parece terem sido bem conseguidos, também este ano - à Câmara Municipal de Lisboa, ao Fundo Europeu para os Refugiados - que financiou alguns materiais -, a todos patrocínios, e também a todos os oradores, desde logo a presença do Senhor Ministro da Administração Interna, aos relatores, aos meus colegas da Direcção – que estiveram aqui como moderadores de todos os painéis – e a todos os colaboradores do CPR e incluo obviamente os funcionários, os estagiários e voluntários. E deixem-me que personalize em representação do CPR a Mónica Frechaut que foi incansável na preparação deste Congresso. Uma salva de palmas!

Gostaria de lamentar a ausência de Mestre Malangatana Valente que por razões de saúde não lhe foi possível estar presente nesta sessão de encerramento. Lamentamos profundamente porque Malangatana é um grande amigo do CPR. É uma pessoa que está sempre presente nas nossas iniciativas e a quem desejamos as rápidas melhoras.

Gostava de agradecer a todos os participantes. Foram extraordinários. Refugiados, requerentes de asilo, estudantes da Escola de São João da Talha que estão desde manhã connosco. Espero, sinceramente, que tudo tenha sido útil e que tivessem realmente apreciado. A todos os amigos que não falham e que vêm de dois em dois anos participar entusiasticamente nos nossos congressos. O nosso muito obrigado.

Gostaria de vos pedir uma salva de palmas também para os intérpretes. O entusiasmo do José Manuel Pureza talvez tenha sido muitas vezes difícil de acompanhar, mas eles são extraordinários na boa vontade e colaboração que têm em todos os congressos. Um aplauso para eles.

Tentando fazer uma reflexão sobre o que se passou aqui durante todo o dia, começava por ler uma afirmação do Alto-Comissário das NU para os Refugiados, António Guterres, em que, recentemente, ele diz: «embora exista uma cada vez maior consciência dos riscos associados às alterações climáticas, as suas prováveis consequências nas deslocações e na mobilidade humana não têm beneficiado da atenção de que carecem».

Ouvimos aqui, hoje, falar sobre os cenários futuros das alterações climáticas em Portugal e no mundo, que têm tanto de perturbador como de mobilizador. As emissões de gases com efeito de estufa ascendem hoje a uns estonteantes 1000 kg/ per capita por ano. A temperatura média global do planeta encontra-se em franco aumento desde a década 80 do século passado, prevendo-se que possa aumentar entre 2 a 3 graus centígrados até ao fim do século. O nível médio da água do mar poderá aumentar até 1.40m ao longo deste século e mais de mil milhões de pessoas são actualmente vítimas da seca e da fome no mundo. Entre 2 a 3 mil milhões de seres humanos não têm acesso a água potável e ainda mais a saneamento básico.

A relação entre degradação ambiental e o movimento das populações humanas não constitui, contudo, um fenómeno recente, pois de há muito a esta parte que a pessoa humana se vê forçada a abandonar o seu local de residência devido à ocorrência de desastres naturais, exploração não sustentáveis dos

naturais ou conflitos armados despoletados por questões como o acesso à agua ou aos recursos energéticos.

A novidade deste fenómeno reside, assim, na sua extensão, intensidade e complexidade. Tornou-se claro que as alterações climáticas constituem, também elas, uma questão humanitária, juntando-se ao complexo de causas que actualmente provocam as deslocações humanas.

De facto, segundo estatísticas avançadas pelo ACNUR e o Conselho Norueguês para os Refugiados, nas últimas duas décadas o número de desastres naturais duplicou, de 200 para 400 por ano, e nove em cada dez desastres naturais são

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51 Presidente da Direcção do CPR | Teresa Tito de Morais

Muito boa tarde.

O objectivo era não vos deixar fugir porque quando se faz uma pausa obviamente que há uma desmobilização e nós, dado ao adiantado da hora, e porque gostaríamos que estivessem presentes para a actuação do RefugiActo, o grupo de teatro do CPR, que tão entusiasticamente se vem juntar no final deste Congresso para apresentar a peça “Abrigo”.

Tentarei de ser breve, mas não posso deixar de fazer os agradecimentos finais, com muito gosto, e também tecer algumas considerações sobre o dia de hoje. Gostaria de agradecer ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o parceiro operacional desde a criação do Conselho Português para os Refugiados pela presença aqui do Representante do ACNUR em Roma.

Agradeço também à Fundação Calouste Gulbenkian que, desde 1994, tem acolhido os nossos congressos internacionais. É uma casa de cultura mas que tem projectos ligados à acção que diz respeito às migrações, aos direitos humanos, todo um conjunto projectos que devo realçar. Muito honra o CPR ter a oportunidade de trazer aqui os seus Congressos todos os dois anos. Agradeço à Draftfcb pela imagem do Congresso, pelos materiais de divulgação - que nos parece terem sido bem conseguidos, também este ano - à Câmara Municipal de Lisboa, ao Fundo Europeu para os Refugiados - que financiou alguns materiais -, a todos patrocínios, e também a todos os oradores, desde logo a presença do Senhor Ministro da Administração Interna, aos relatores, aos meus colegas da Direcção – que estiveram aqui como moderadores de todos os painéis – e a todos os colaboradores do CPR e incluo obviamente os funcionários, os estagiários e voluntários. E deixem-me que personalize em representação do CPR a Mónica Frechaut que foi incansável na preparação deste Congresso. Uma salva de palmas!

Gostaria de lamentar a ausência de Mestre Malangatana Valente que por razões de saúde não lhe foi possível estar presente nesta sessão de encerramento. Lamentamos profundamente porque Malangatana é um grande amigo do CPR. É uma pessoa que está sempre presente nas nossas iniciativas e a quem desejamos as rápidas melhoras.

Gostava de agradecer a todos os participantes. Foram extraordinários. Refugiados, requerentes de asilo, estudantes da Escola de São João da Talha que estão desde manhã connosco. Espero, sinceramente, que tudo tenha sido útil e que tivessem realmente apreciado. A todos os amigos que não falham e que vêm de dois em dois anos participar entusiasticamente nos nossos congressos. O nosso muito obrigado.

Gostaria de vos pedir uma salva de palmas também para os intérpretes. O entusiasmo do José Manuel Pureza talvez tenha sido muitas vezes difícil de acompanhar, mas eles são extraordinários na boa vontade e colaboração que têm em todos os congressos. Um aplauso para eles.

Tentando fazer uma reflexão sobre o que se passou aqui durante todo o dia, começava por ler uma afirmação do Alto-Comissário das NU para os Refugiados, António Guterres, em que, recentemente, ele diz: «embora exista uma cada vez maior consciência dos riscos associados às alterações climáticas, as suas prováveis consequências nas deslocações e na mobilidade humana não têm beneficiado da atenção de que carecem».

Ouvimos aqui, hoje, falar sobre os cenários futuros das alterações climáticas em Portugal e no mundo, que têm tanto de perturbador como de mobilizador. As emissões de gases com efeito de estufa ascendem hoje a uns estonteantes 1000 kg/ per capita por ano. A temperatura média global do planeta encontra-se em franco aumento desde a década 80 do século passado, prevendo-se que possa aumentar entre 2 a 3 graus centígrados até ao fim do século. O nível médio da água do mar poderá aumentar até 1.40m ao longo deste século e mais de mil milhões de pessoas são actualmente vítimas da seca e da fome no mundo. Entre 2 a 3 mil milhões de seres humanos não têm acesso a água potável e ainda mais a saneamento básico.

A relação entre degradação ambiental e o movimento das populações humanas não constitui, contudo, um fenómeno recente, pois de há muito a esta parte que a pessoa humana se vê forçada a abandonar o seu local de residência devido à ocorrência de desastres naturais, exploração não sustentáveis dos

naturais ou conflitos armados despoletados por questões como o acesso à agua ou aos recursos energéticos.

A novidade deste fenómeno reside, assim, na sua extensão, intensidade e complexidade. Tornou-se claro que as alterações climáticas constituem, também elas, uma questão humanitária, juntando-se ao complexo de causas que actualmente provocam as deslocações humanas.

De facto, segundo estatísticas avançadas pelo ACNUR e o Conselho Norueguês para os Refugiados, nas últimas duas décadas o número de desastres naturais duplicou, de 200 para 400 por ano, e nove em cada dez desastres naturais são

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actualmente provocados pelo clima. Só em 2008, cerca de 20 milhões de pessoas poderão ter sido forçadas a abandonar o seu local de residência em razão de desastres naturais súbitos provocados pelo clima. Não obstante inexistirem estatísticas fiáveis e oficiais sobre esta matéria, desde logo em razão da inexistência de uma definição internacional consensual do que sejam refugiados ambientais, fontes credíveis avançam a eventualidade de existirem entre 150 milhões a mil milhões de deslocados ambientais em 2050.

Segundo o representante do Secretário-Geral para os Direitos Humanos das Pessoas Deslocadas internamente, são cinco os cenários relacionados com as alterações climáticas que poderão conduzir à deslocação de populações humanas, consistindo, nomeadamente, nos desastres meteorológicos súbitos; a existência de zonas identificadas pelos governos como demasiado perigosas para os humanos por razões ambientais; a degradação ambiental progressiva; os pequenos Estados – ilha em processo de afundamento e os conflitos armados provocados por uma diminuição dos recursos fundamentais como a água e os alimentos.

Alguns destes movimentos humanos internacionais despoletados pelas alterações climáticas poderão ser reconduzíveis ao quadro normativo tradicional dos refugiados. Os exemplos mais óbvios já aqui foram mencionados hoje, consistindo, desde logo, nas vítimas dos conflitos armados provocados por factores ambientais. Igualmente, nas vítimas de catástrofes ambientais que abandonam o seu país em razão de o respectivo Governo não ter querido ou podido protegê-las por um dos motivos previstos na Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados.

Apesar da óbvia relação entre as deslocações humanas forçadas e as alterações climáticas, a utilização cada vez mais frequente na opinião pública de termos como “refugiados ambientais” ou “refugiados climáticos” não merecem o consenso da comunidade internacional e não encontram acolhimento no direito internacional dos refugiados.

Independentemente das várias definições possíveis para o conceito de “refugiado ambiental”, subsiste a questão da falta do reconhecimento normativo de uma categoria que ainda suscita dúvidas em sede do Direito Internacional dos Refugiados. Na verdade, não existe referência a esta categoria de refugiados nas Convenções de Genebra, da Organização da Unidade Africana (OUA) ou na Declaração de Cartagena. Tal circunstância pode ser explicada pelo facto de os problemas ambientais não terem à época a que se reportam estes instrumentos a importância global que atingiram nos nossos dias.

Incluir os refugiados ambientais na definição de refugiado prevista na Convenção de Genebra de 1951 suscita problemas vários, tais como: a inexistência do elemento “perseguição”; o retorno voluntário não poder ser considerada a solução duradoura prioritária nestes casos; tratarem-se, tendencialmente, de fenómenos colectivos, que obrigam a soluções estruturais não-individualizáveis; as causas de fuga serem complexas, envolvendo aspectos económicos, sociais, culturais, demográficos e políticos; ou ainda, o facto de os deslocados ambientais geralmente não atravessarem uma fronteira internacionalmente reconhecida, devendo ser considerados como Deslocados Internos o que remete a questão para o plano da protecção nacional;

Não obstante, a construção de uma definição de “refugiado ambiental” deverá trazer para a ribalta a relevância e as consequências humanas das alterações climáticas, reconhecendo que os direitos humanos dos refugiados/deslocados ambientais deverão estar no centro do debate das alterações climáticas.

Os Estados têm a obrigação de assegurar o mais amplo gozo e respeito pelos direitos económicos, sociais e culturais em quaisquer circunstâncias. Nesse sentido, deverão promover a protecção dos grupos sociais particularmente vulneráveis, e nomeadamente dos refugiados/deslocados ambientais.

É actualmente impossível prever com exactidão o verdadeiro impacto natural e humano das alterações climáticas. Não obstante, já aqui destacámos algumas estatísticas que apontam para uma dimensão humana do problema avassaladora, consistindo na criação de milhões de deslocados ambientais.

Neste contexto, cumpre encorajar a comunidade internacional a adoptar uma metodologia de intervenção centrada no respeito pelos direitos humanos, na cooperação internacional e na partilha de responsabilidades.

Importa reforçar a ideia já mencionada de que as alterações climáticas não são apenas um tema científico. É fundamental elaborar diferentes cenários que abarquem os diferentes tipos de transformações que as alterações climáticas podem causar, bem como identificar eventuais lacunas ao nível legal e operacional que possam existir.

Os Estados mais desenvolvidos, e nomeadamente os Estados membros da União Europeia, deverão continuar a assumir, neste contexto, um papel de destaque, através da ajuda ao desenvolvimento e da disponibilização de tecnologias inovadoras que assumirão progressivamente um papel cada vez mais central na protecção ambiental.

No âmbito de uma partilha de responsabilidades ao nível internacional, é evidente que as actividades de prevenção e adaptação terão que ser suportadas não só pelos Estados afectados pelas alterações climáticas mas também pela

comunidade internacional.

A partilha de responsabilidades deverá ocorrer não apenas ao nível financeiro, mas também através da investigação e da partilha de tecnologia. As Nações Unidas, e as suas várias agências deverão colaborar e apoiar os Estados mais afectados, bem como participar e dinamizar a participação da comunidade internacional neste processo.

A este propósito, cumpre enaltecer a adopção por Portugal de uma Estratégia de Adaptação às Alterações climáticas na sequência do Acordo de Copenhaga, que inclui um compromisso financeiro relevante de ajuda ao desenvolvimento neste domínio centrado nos PALOP e em Timor Leste.

Realço, ainda, o compromisso assumido hoje por Sua Excelência o Ministro da Administração Interna perante esta audiência de continuar a acompanhar a questão dos refugiados ambientais, através de uma estreita colaboração do Estado Português com o ACNUR e o CPR.

A existência de refugiados costuma ser encarada como o resultado da incapacidade e da inabilidade do Homem em lidar com o Homem. Todavia, os refugiados ambientais resultam sobretudo da incapacidade do Homem em lidar com a Natureza. O respeito pelos direitos humanos no contexto da mitigação e adaptação às alterações climáticas consiste numa obrigação jurídica de todos os Estados que deverá ser prosseguida, igualmente, na protecção dos refugiados ambientais.

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actualmente provocados pelo clima. Só em 2008, cerca de 20 milhões de pessoas poderão ter sido forçadas a abandonar o seu local de residência em razão de desastres naturais súbitos provocados pelo clima. Não obstante inexistirem estatísticas fiáveis e oficiais sobre esta matéria, desde logo em razão da inexistência de uma definição internacional consensual do que sejam refugiados ambientais, fontes credíveis avançam a eventualidade de existirem entre 150 milhões a mil milhões de deslocados ambientais em 2050.

Segundo o representante do Secretário-Geral para os Direitos Humanos das Pessoas Deslocadas internamente, são cinco os cenários relacionados com as alterações climáticas que poderão conduzir à deslocação de populações humanas, consistindo, nomeadamente, nos desastres meteorológicos súbitos; a existência de zonas identificadas pelos governos como demasiado perigosas para os humanos por razões ambientais; a degradação ambiental progressiva; os pequenos Estados – ilha em processo de afundamento e os conflitos armados provocados por uma diminuição dos recursos fundamentais como a água e os alimentos.

Alguns destes movimentos humanos internacionais despoletados pelas alterações climáticas poderão ser reconduzíveis ao quadro normativo tradicional dos refugiados. Os exemplos mais óbvios já aqui foram mencionados hoje, consistindo, desde logo, nas vítimas dos conflitos armados provocados por factores ambientais. Igualmente, nas vítimas de catástrofes ambientais que abandonam o seu país em razão de o respectivo Governo não ter querido ou podido protegê-las por um dos motivos previstos na Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados.

Apesar da óbvia relação entre as deslocações humanas forçadas e as alterações climáticas, a utilização cada vez mais frequente na opinião pública de termos como “refugiados ambientais” ou “refugiados climáticos” não merecem o consenso da comunidade internacional e não encontram acolhimento no direito internacional dos refugiados.

Independentemente das várias definições possíveis para o conceito de “refugiado ambiental”, subsiste a questão da falta do reconhecimento normativo de uma categoria que ainda suscita dúvidas em sede do Direito Internacional dos Refugiados. Na verdade, não existe referência a esta categoria de refugiados nas Convenções de Genebra, da Organização da Unidade Africana (OUA) ou na Declaração de Cartagena. Tal circunstância pode ser explicada pelo facto de os problemas ambientais não terem à época a que se reportam estes instrumentos a importância global que atingiram nos nossos dias.

Incluir os refugiados ambientais na definição de refugiado prevista na Convenção de Genebra de 1951 suscita problemas vários, tais como: a inexistência do elemento “perseguição”; o retorno voluntário não poder ser considerada a solução duradoura prioritária nestes casos; tratarem-se, tendencialmente, de fenómenos colectivos, que obrigam a soluções estruturais não-individualizáveis; as causas de fuga serem complexas, envolvendo aspectos económicos, sociais, culturais, demográficos e políticos; ou ainda, o facto de os deslocados ambientais geralmente não atravessarem uma fronteira internacionalmente reconhecida, devendo ser considerados como Deslocados Internos o que remete a questão para o plano da protecção nacional;

Não obstante, a construção de uma definição de “refugiado ambiental” deverá trazer para a ribalta a relevância e as consequências humanas das alterações climáticas, reconhecendo que os direitos humanos dos refugiados/deslocados ambientais deverão estar no centro do debate das alterações climáticas.

Os Estados têm a obrigação de assegurar o mais amplo gozo e respeito pelos direitos económicos, sociais e culturais em quaisquer circunstâncias. Nesse sentido, deverão promover a protecção dos grupos sociais particularmente vulneráveis, e nomeadamente dos refugiados/deslocados ambientais.

É actualmente impossível prever com exactidão o verdadeiro impacto natural e humano das alterações climáticas. Não obstante, já aqui destacámos algumas estatísticas que apontam para uma dimensão humana do problema avassaladora, consistindo na criação de milhões de deslocados ambientais.

Neste contexto, cumpre encorajar a comunidade internacional a adoptar uma metodologia de intervenção centrada no respeito pelos direitos humanos, na cooperação internacional e na partilha de responsabilidades.

Importa reforçar a ideia já mencionada de que as alterações climáticas não são apenas um tema científico. É fundamental elaborar diferentes cenários que abarquem os diferentes tipos de transformações que as alterações climáticas podem causar, bem como identificar eventuais lacunas ao nível legal e operacional que possam existir.

Os Estados mais desenvolvidos, e nomeadamente os Estados membros da União Europeia, deverão continuar a assumir, neste contexto, um papel de destaque, através da ajuda ao desenvolvimento e da disponibilização de tecnologias inovadoras que assumirão progressivamente um papel cada vez mais central na protecção ambiental.

No âmbito de uma partilha de responsabilidades ao nível internacional, é evidente que as actividades de prevenção e adaptação terão que ser suportadas não só pelos Estados afectados pelas alterações climáticas mas também pela

comunidade internacional.

A partilha de responsabilidades deverá ocorrer não apenas ao nível financeiro, mas também através da investigação e da partilha de tecnologia. As Nações Unidas, e as suas várias agências deverão colaborar e apoiar os Estados mais afectados, bem como participar e dinamizar a participação da comunidade internacional neste processo.

A este propósito, cumpre enaltecer a adopção por Portugal de uma Estratégia de Adaptação às Alterações climáticas na sequência do Acordo de Copenhaga, que inclui um compromisso financeiro relevante de ajuda ao desenvolvimento neste domínio centrado nos PALOP e em Timor Leste.

Realço, ainda, o compromisso assumido hoje por Sua Excelência o Ministro da Administração Interna perante esta audiência de continuar a acompanhar a questão dos refugiados ambientais, através de uma estreita colaboração do Estado Português com o ACNUR e o CPR.

A existência de refugiados costuma ser encarada como o resultado da incapacidade e da inabilidade do Homem em lidar com o Homem. Todavia, os refugiados ambientais resultam sobretudo da incapacidade do Homem em lidar com a Natureza. O respeito pelos direitos humanos no contexto da mitigação e adaptação às alterações climáticas consiste numa obrigação jurídica de todos os Estados que deverá ser prosseguida, igualmente, na protecção dos refugiados ambientais.

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NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES |RUI PEREIRANasceu em 24 de Março de 1956, em Duas Igrejas, Miranda do Douro. É casado e tem uma filha. É licenciado em Direito e Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Exerceu funções docentes, nesta Faculdade, entre 1981 e 1997, tendo regido as disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal, tendo sido membro do Conselho Pedagógico.Exerceu a actividade de Advogado entre 1983 e 1990, tendo dirigido o Departamento de Contencioso do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa. Foi assessor do Gabinete dos Juízes do Tribunal Constitucional entre 1990 e 1994. Foi membro dos corpos sociais da Sociedade Portuguesa de Filosofia entre 1992 e 1994 e membro do Conselho de Redacção da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi colaborador permanente da Revista Portuguesa de Ciência Criminal e, entre 2006 e 2007, foi Presidente do Conselho de Redacção da Revista Segurança e Defesa em 2006 e 2007.Participou, desde 1995, em reformas legislativas que envolveram, nomeadamente, o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código da Estrada. Exerceu funções como Director-Geral do Serviço de Informações de Segurança entre 1997 e 2000. Nessa qualidade, promoveu a criação do «Fórum de Informações Lusófono». Foi Secretário de Estado da Administração Interna entre 2000 e 2002. Rui Pereira foi professor Convidado na Faculdade de Direito da Universidade Nova, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Ciências Policias e Segurança Interna, até à sua posse como juiz do Tribunal Constitucional, em 2007. Desempenhou funções como membro do Conselho Superior do Ministério Público, eleito pela Assembleia da República, entre 2003 e 2007.Foi fundador do Observatório de Segurança Criminalidade Organizada e Terrorismo e Presidente da sua Direcção entre 2003 e 2007 e Coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, entre 2005 e 2007. Durante este período, proferiu conferências e publicou monografias e artigos sobre temas de Direito Penal, Direito Processual Penal, Filosofia do Direito e Segurança Interna. Publicou regularmente artigos de opinião sobre esses temas nos órgãos de comunicação social.Foi Juiz do Tribunal Constitucional, eleito pela Assembleia da República (2007).

|EMÍLIO RUI VILAREmílio Rui Vilar. Nascido no Porto, em 17 de Maio de 1939. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra (1961).Emílio Rui Vilar foi Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian (2002), de que foi Administrador desde 1996. Presidente do Conselho de Administração da Partex Oil and Gas (Holdings) Corporation. Desde 1996, Presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal. Presidente do Centro Europeu de Fundações e Presidente do Centro Português de Fundações. Co-Presidente da “Global Philanthropy Initiative”, Trustee da iniciativa “A Soul for Europe”, senador do Parlamento Cultural Europeu e Presidente do Conselho Geral do Instituto Português de Corporate Governance, de que é membro fundador.Foi Presidente da Comissão de Fiscalização do Teatro Nacional de S. Carlos (1980-1986), Vice-Presidente da Fundação de Serralves (1989-1990) e Comissário Geral da Europália'91 (1989-1992). Professor convidado da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa (Porto), 1998-2002.No campo político, foi co-fundador e primeiro Presidente da SEDES, Secretário de Estado do Comércio Externo e Turismo (I Governo Provisório), Ministro da Economia (II e III Governos Provisórios), Deputado (1976 e 1979), Ministro dos Transportes e Comunicações (I Governo Constitucional).Foi Director do Banco Português do Atlântico, Consultor da Banque Franco-Portugaise, Vice-Governador do Banco de Portugal (1975-1985), Presidente do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (1985-1986), Director Geral da Comissão das Comunidades Europeias (1986-1989), Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos (1989-1996) e Presidente do Conselho de Administração da GALP ENERGIA, SGPS (2001-2002).

|LAURENS JOLLESLaurens Mario Jolles nasceu na Holanda, a 14 de Março de 1956. Licenciado em Public International Law, possui um Mestrado em Direito Internacional. Fala Inglês, Italiano, Holandês, Francês, Farsi, Espanhol e Urdu.A sua carreira profissional, de 26 anos, tem sido predominantemente centrada no direito internacional. Inclui diferentes destacamentos internacionais, servindo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados em Genebra, mas também como protection officer na Índia, na Turquia, na Jugoslávia, na Federação Russa, no Irão, na

Síria, NO Sudão, ocupando, actualmente, a posição de Representante Regional para a Região Sul desta Agência Internacional.

|ANTÓNIO PAIS AGOSTINHO HOMEMAntónio Pais Agostinho Homem é licenciado em Direito. Foi Delegado do Procurador da República entre 1972 e 1978, em várias comarcas e tribunais, entre os quais o da Boa-Hora, o Tribunal de Menores de Lisboa e o TIC. Em 1979, foi juiz em Portimão e, de 1980 a 1987, foi Procurador da República no Círculo de Faro e Tribunal da Relação de Lisboa. Foi chefe de Gabinete do Ministro da Justiça e, de 1989 a 1992 foi director-geral adjunto da PJ. Foi, igualmente, Procurador-Geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça.É vice-presidente da Direcção do CPR.

|FILIPE DUARTE SANTOSFilipe Duarte Santos, é professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Coordenador do SIM - Laboratório de Sistemas, Instrumentação e Modelação nas Ciências e Tecnologias do Ambiente e do Espaço, Director do Programa Doutoral em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, Vice-Presidente da “United Nations Commission on the Peaceful Uses of Outer Space” e exerce as funções de Gestor da Área 4 (Desarrollo Sostenible, Cambio Global y Ecosistemas) do Programa CYTED (Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento).

|CATARINA DE ALBUQUERQUEÉ a (primeira) Relatora Especial da ONU sobre o direito à água e ao saneamento (http://www2.ohchr.org/english/ issues/water/iexpert/index.htm). Presidiu na ONU às negociações do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovado por consenso pela Assembleia-Geral da ONU a 10 de Dezembro de 2008.É Professora convidada da Faculdade de Direito das Universidades de Coimbra e de Braga, Técnica Superior do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da PGR e consultora da UNICEF para os direitos da criança. Foi agraciada com a Ordem de Mérito por Sua Excelência o Presidente da República (Outubro de 2009) e galardoada com a Medalha de Ouro de Direitos Humanos da Assembleia da República (Dezembro de 2009). É Mestre em Direito Internacional pelo Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales e Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

|NUNO LACASTANuno Lacasta trabalha em temas ambientais e de desenvolvimento sustentável há cerca de 16 anos, na Europa e nos EUA. Exerce, presentemente, as funções de coordenação da actividade do governo em matéria de alterações climáticas, dirigindo o Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas (CECAC) e gerindo o Fundo Português de Carbono. Entre 2004 e 2007 foi Director do Gabinete de Relações Internacionais do ministério do ambiente. Em 2007 coordenou a actividade do ministério durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, incluindo a negociação da proposta de directiva relativa à inclusão da aviação no comércio europeu de licenças de emissão e a tarefa de negociador-chefe da UE durante a Presidência. Nuno Lacasta é também professor auxiliar convidado de direito e políticas de ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Professor convidado de direito Comunitário do Ambiente e das Alterações Climáticas no Washington College of Law da American University, Washington, DC. Licenciado em direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, tem um mestrado (LLM) pelo Washington College of Law da American University.

|LÉNIA GODINHO LOPESLénia Godinho Lopes licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Na área de investigação do direito, realizou, também, vários cursos de formação e foi bolseira em diversos seminários.Desde 1978 a 1987, foi Adjunta do Gabinete do Senhor Ministro da Justiça dos diversos Governos Constitucionais, tendo exercido outras funções no âmbito do Ministério da Justiça, destacando-se o de Consultora Jurídica da Auditoria Jurídica, desde 1981, e de Assessora Jurídica Principal (2006-2007). Desde Julho de 2007 a Julho de 2008, foi Assessora Jurídica Principal requisitada na Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e Contencioso do MAI, actualmente na situação de licença extraordinária.

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NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES |RUI PEREIRANasceu em 24 de Março de 1956, em Duas Igrejas, Miranda do Douro. É casado e tem uma filha. É licenciado em Direito e Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Exerceu funções docentes, nesta Faculdade, entre 1981 e 1997, tendo regido as disciplinas de Direito Penal e Direito Processual Penal, tendo sido membro do Conselho Pedagógico.Exerceu a actividade de Advogado entre 1983 e 1990, tendo dirigido o Departamento de Contencioso do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa. Foi assessor do Gabinete dos Juízes do Tribunal Constitucional entre 1990 e 1994. Foi membro dos corpos sociais da Sociedade Portuguesa de Filosofia entre 1992 e 1994 e membro do Conselho de Redacção da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi colaborador permanente da Revista Portuguesa de Ciência Criminal e, entre 2006 e 2007, foi Presidente do Conselho de Redacção da Revista Segurança e Defesa em 2006 e 2007.Participou, desde 1995, em reformas legislativas que envolveram, nomeadamente, o Código Penal, o Código de Processo Penal e o Código da Estrada. Exerceu funções como Director-Geral do Serviço de Informações de Segurança entre 1997 e 2000. Nessa qualidade, promoveu a criação do «Fórum de Informações Lusófono». Foi Secretário de Estado da Administração Interna entre 2000 e 2002. Rui Pereira foi professor Convidado na Faculdade de Direito da Universidade Nova, na Universidade Lusíada e no Instituto Superior de Ciências Policias e Segurança Interna, até à sua posse como juiz do Tribunal Constitucional, em 2007. Desempenhou funções como membro do Conselho Superior do Ministério Público, eleito pela Assembleia da República, entre 2003 e 2007.Foi fundador do Observatório de Segurança Criminalidade Organizada e Terrorismo e Presidente da sua Direcção entre 2003 e 2007 e Coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, entre 2005 e 2007. Durante este período, proferiu conferências e publicou monografias e artigos sobre temas de Direito Penal, Direito Processual Penal, Filosofia do Direito e Segurança Interna. Publicou regularmente artigos de opinião sobre esses temas nos órgãos de comunicação social.Foi Juiz do Tribunal Constitucional, eleito pela Assembleia da República (2007).

|EMÍLIO RUI VILAREmílio Rui Vilar. Nascido no Porto, em 17 de Maio de 1939. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra (1961).Emílio Rui Vilar foi Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian (2002), de que foi Administrador desde 1996. Presidente do Conselho de Administração da Partex Oil and Gas (Holdings) Corporation. Desde 1996, Presidente do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal. Presidente do Centro Europeu de Fundações e Presidente do Centro Português de Fundações. Co-Presidente da “Global Philanthropy Initiative”, Trustee da iniciativa “A Soul for Europe”, senador do Parlamento Cultural Europeu e Presidente do Conselho Geral do Instituto Português de Corporate Governance, de que é membro fundador.Foi Presidente da Comissão de Fiscalização do Teatro Nacional de S. Carlos (1980-1986), Vice-Presidente da Fundação de Serralves (1989-1990) e Comissário Geral da Europália'91 (1989-1992). Professor convidado da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa (Porto), 1998-2002.No campo político, foi co-fundador e primeiro Presidente da SEDES, Secretário de Estado do Comércio Externo e Turismo (I Governo Provisório), Ministro da Economia (II e III Governos Provisórios), Deputado (1976 e 1979), Ministro dos Transportes e Comunicações (I Governo Constitucional).Foi Director do Banco Português do Atlântico, Consultor da Banque Franco-Portugaise, Vice-Governador do Banco de Portugal (1975-1985), Presidente do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (1985-1986), Director Geral da Comissão das Comunidades Europeias (1986-1989), Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos (1989-1996) e Presidente do Conselho de Administração da GALP ENERGIA, SGPS (2001-2002).

|LAURENS JOLLESLaurens Mario Jolles nasceu na Holanda, a 14 de Março de 1956. Licenciado em Public International Law, possui um Mestrado em Direito Internacional. Fala Inglês, Italiano, Holandês, Francês, Farsi, Espanhol e Urdu.A sua carreira profissional, de 26 anos, tem sido predominantemente centrada no direito internacional. Inclui diferentes destacamentos internacionais, servindo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados em Genebra, mas também como protection officer na Índia, na Turquia, na Jugoslávia, na Federação Russa, no Irão, na

Síria, NO Sudão, ocupando, actualmente, a posição de Representante Regional para a Região Sul desta Agência Internacional.

|ANTÓNIO PAIS AGOSTINHO HOMEMAntónio Pais Agostinho Homem é licenciado em Direito. Foi Delegado do Procurador da República entre 1972 e 1978, em várias comarcas e tribunais, entre os quais o da Boa-Hora, o Tribunal de Menores de Lisboa e o TIC. Em 1979, foi juiz em Portimão e, de 1980 a 1987, foi Procurador da República no Círculo de Faro e Tribunal da Relação de Lisboa. Foi chefe de Gabinete do Ministro da Justiça e, de 1989 a 1992 foi director-geral adjunto da PJ. Foi, igualmente, Procurador-Geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça.É vice-presidente da Direcção do CPR.

|FILIPE DUARTE SANTOSFilipe Duarte Santos, é professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Coordenador do SIM - Laboratório de Sistemas, Instrumentação e Modelação nas Ciências e Tecnologias do Ambiente e do Espaço, Director do Programa Doutoral em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, Vice-Presidente da “United Nations Commission on the Peaceful Uses of Outer Space” e exerce as funções de Gestor da Área 4 (Desarrollo Sostenible, Cambio Global y Ecosistemas) do Programa CYTED (Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento).

|CATARINA DE ALBUQUERQUEÉ a (primeira) Relatora Especial da ONU sobre o direito à água e ao saneamento (http://www2.ohchr.org/english/ issues/water/iexpert/index.htm). Presidiu na ONU às negociações do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovado por consenso pela Assembleia-Geral da ONU a 10 de Dezembro de 2008.É Professora convidada da Faculdade de Direito das Universidades de Coimbra e de Braga, Técnica Superior do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da PGR e consultora da UNICEF para os direitos da criança. Foi agraciada com a Ordem de Mérito por Sua Excelência o Presidente da República (Outubro de 2009) e galardoada com a Medalha de Ouro de Direitos Humanos da Assembleia da República (Dezembro de 2009). É Mestre em Direito Internacional pelo Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales e Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

|NUNO LACASTANuno Lacasta trabalha em temas ambientais e de desenvolvimento sustentável há cerca de 16 anos, na Europa e nos EUA. Exerce, presentemente, as funções de coordenação da actividade do governo em matéria de alterações climáticas, dirigindo o Comité Executivo da Comissão para as Alterações Climáticas (CECAC) e gerindo o Fundo Português de Carbono. Entre 2004 e 2007 foi Director do Gabinete de Relações Internacionais do ministério do ambiente. Em 2007 coordenou a actividade do ministério durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, incluindo a negociação da proposta de directiva relativa à inclusão da aviação no comércio europeu de licenças de emissão e a tarefa de negociador-chefe da UE durante a Presidência. Nuno Lacasta é também professor auxiliar convidado de direito e políticas de ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Professor convidado de direito Comunitário do Ambiente e das Alterações Climáticas no Washington College of Law da American University, Washington, DC. Licenciado em direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, tem um mestrado (LLM) pelo Washington College of Law da American University.

|LÉNIA GODINHO LOPESLénia Godinho Lopes licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Na área de investigação do direito, realizou, também, vários cursos de formação e foi bolseira em diversos seminários.Desde 1978 a 1987, foi Adjunta do Gabinete do Senhor Ministro da Justiça dos diversos Governos Constitucionais, tendo exercido outras funções no âmbito do Ministério da Justiça, destacando-se o de Consultora Jurídica da Auditoria Jurídica, desde 1981, e de Assessora Jurídica Principal (2006-2007). Desde Julho de 2007 a Julho de 2008, foi Assessora Jurídica Principal requisitada na Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e Contencioso do MAI, actualmente na situação de licença extraordinária.

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Na Ordem dos Advogados Portuguesa foi responsável pelo Departamento de Consulta Jurídica (1975-1980) e Colaboradora da Comissão dos Direitos Humanos (1975-1978), da qual se torna Membro a partir de 1981 até 1992.De 1976 a 1979, foi Colaboradora da Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas – Direito e Justiça, tornando-se Membro desde 1980. Representou a secção portuguesa em diversas conferências e seminários.A 7 de Abril de 1997, é agraciada com a “Condecoração da Estrela Polar”, pelo Rei da Suécia, e, em 13 de Dezembro de 2002, com a Condecoração “Knight Officer of the Royal Norwegian Order of Merit”, pelo Rei da Noruega.Actualmente, exerce funções de Secretária da Mesa da Assembleia Geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Sueca (desde 1987) e do Clube de Empresários Luso-Finlandês (a partir de 1990), sendo, igualmente, Presidente da Comissão de Ética da Servimed - Serviços Médicos Lda., Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Fulbrighters Portugal – Associação de Bolseiros e Amigos do Programa Fullbright (desde 2004) e, desde 2006, Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação de Amizade Portugal-Croácia.É fundadora e Membro da Direcção do Conselho Português para os Refugiados, trabalhando na temática dos refugiados desde 1991.

|VIRIATO SOROMENHO MARQUESJosé Viriato Soromenho Marques nasceu em Setúbal, a 9 de Dezembro de 1957. Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa (1979). Grau de mestre em Filosofia Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa, obtido com a defesa de uma tese sobre A caracterização trágica do niilismo em Nietzsche (1985). Doutorado em Filosofia pela Universidade de Lisboa com a defesa de uma tese subordinada ao título Razão e progresso na filosofia de Kant (1991).Foi bolseiro do Deutscher Akademischer Austauschdienst em Bremen (1986) e Berlim (1988). Em 1994 visitou os EUA, no âmbito do International Visitor Program. Regressou a esse país em 1997 no quadro de uma bolsa de pós-doutoramento. É membro de várias sociedades e organizações científicas em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente da Sociedade Portuguesa de Filosofia, da International Society for Ecological Economics, da American Political Science Association, da Associação Portuguesa de Ciência Política. É o correspondente em Portugal da organização alemã de estudos ambientais Ecologic. É actualmente professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, regendo as cadeiras de Filosofia Social e Política e de História das Ideias na Europa Contemporânea (licenciatura). Coordena, igualmente, o mestrado em Filosofia da Natureza e do Ambiente que teve início no ano lectivo de 1995-1996. Tem também colaboração na licenciatura de Estudos Europeus, onde tem leccionado as disciplinas de História das Ideias na Europa Contemporânea e o Ambiente na Europa. Presidiu à Comissão Executiva do Departamento de Filosofia entre Maio de 1999 e Junho de 2002.Desenvolve, desde 1978, uma intensa actividade no movimento associativo ligado à defesa do ambiente, tendo sido -- de 1992 a 1995 -- presidente da mais importante associação ambientalista nacional, a QUERCUS- Associação Nacional de Conservação da Natureza.

|MARIA STAVROPOULOUMaria Stavropoulou é, desde Junho de 2010, Senior Regional Protection Officer do ACNUR, em Roma. É responsável pelas operações de protecção na Itália, providenciando apoio e aconselhamento às representações do ACNUR em Portugal, Malta, Grécia, Itália, Chipre e Albânia. Trabalhou nas Nações Unidas, em Nova Iorque.Foi consultora independente em matéria de deslocações, migrações e direitos humanos. Trabalhou na Missão do ACNUR em Rabat, Genebra e Atenas. Foi consultora jurídica do Conselho Grego para os Refugiados. É fluente em Grego, Inglês, Alemão, Francês, Espanhol.

|NUNO NUNESCoordenador do Programa de Emergência com a OIM no Haiti, no Paquistão e na Bolívia. Gestor de Campo e Coordenador de Emergência em Timor Leste. Especialista em implementação e gestão da programação. Gestão e coordenação de resposta de emergência, preparação e operações de recuperação.

|RICARDO GARCIARicardo Garcia é jornalista profissional desde 1988, quando se iniciou na profissão como colaborador do semanário Expresso. Integra os quadros do PÚBLICO desde 1989, trabalhando sobretudo como repórter nas áreas do ambiente e ciência. Frequentou cursos de formação nessas áreas em vários países. Autor do livro “Sobre a Terra: um guia para quem lê e

escreve sobre ambiente”. Co-fundador e membro da direcção da ARCA-Associação de Repórteres de Ciência e Ambiente. Licenciou-se em História pela Universidade de São Paulo, Brasil, e actualmente cursa o Programa de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Lisboa.

|VIRGÍLIO AZEVEDOÉ redactor principal do jornal Expresso, licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa. É, desde 2007, Jornalista de Ciência e Ambiente do Expresso. Co-autor das reportagens «Cimeira de Copenhaga: suspense até ao último minuto», Mapping Award of Excellence dos International Infographics Awards 2010 da Society for News Design (EUA), «Pescas ameaçadas», The Best Inside Page dos International Infographics Awards 2009 da Society for News Design (EUA), «Energia eólica lidera investimentos», Medalha de Prata das Reportagens de Negócios dos International Infographics Awards 2008 da Society for News Design (EUA). Entre vários prémios que recebeu ao longo da sua carreira, Virgílio Azevedo foi o vencedor, em 2007, do Melhor Trabalho Jornalístico do Expresso de Março (co-autor) com a reportagem «Democracia energética», do Melhor Trabalho Jornalístico do Expresso de Fevereiro, com a ideia e coordenação do Mês do Ambiente. Esta iniciativa foi especialmente mencionada em 2008 pela SND – Society for News Design (EUA), quando o Expresso ganhou o prémio «World's Best-Designed Newspaper 2008» da SND. Venceu o Grande Prémio Municipal Gazeta de Oeiras e do Prémio Temático Taguspark na categoria «Ciência, Tecnologia e Inovação Empresarial», com a reportagem intitulada «O Silicon Valley Português», tema de capa da revista Única do jornal Expresso de 1 de Maio de 2004.É co-autor do livro «Nuclear – O debate sobre o novo modelo energético em Portugal», Centro Atlântico (Novembro de 2006).

|LUÍS SILVEIRALuís Silveira é licenciado em Direito e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Entre 1962 e 1967 foi assistente no Instituto de Estudos Sociais, e, de 1967 a 1975, na Faculdade de Direito de Lisboa. Exerceu funções como adjunto do Provedor de Justiça, entre os anos 1976 a 1993.Foi Procurador-Geral Adjunto desde 1993, presentemente aposentado destas funções. Foi membro do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 1993 a 2001, e, desde Junho de 2001, é o Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Paralelamente a estas funções, Luís Silveira foi Presidente do Comité de Peritos de Direito Administrativo do Conselho da Europa e Presidente da Assembleia-Geral da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional.É Vice-presidente da Assembleia-geral do CPR.

|CÁTIA SILVACátia Silva é Coordenadora Editorial do Departamento de Comunicação da Amnistia Internacional.Encontra-se a elaborar a tese de mestrado sobre Protecção Internacional aos Refugiados. Frequentou o Seminário “Direito da Imigração e dos Refugiados”, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Lisboa. Possui uma Pós-Graduação em “Relações Internacionais: Segurança e Defesa”, pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. É licenciada em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa.

|JOSÉ MANUEL PUREZAJosé Manuel Pureza é investigador do Centro de Estudos Sociais, onde coordena o Núcleo de Estudos para a Paz. É igualmente Professor de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, com docência na licenciatura, no mestrado e no doutoramento e com responsabilidades de co-coordenação do Programa de Doutoramento em Política Internacional e Resolução de Conflitos. Foi investigador responsável, nos últimos anos, por diversos projectos de investigação na área dos Estudos para a Paz e tem diversas obras publicadas nesta área e em Direito Internacional.Tem sido docente convidado em várias universidades estrangeiras: Universidad Torcuato di Tella (Buenos Aires), Pablo de Olavide (Sevilha), PUC de São Paulo e PUC do Rio de Janeiro, Universidad del País Vasco. É conferencista regular do Instituto da Defesa Nacional e do Centro de Direitos Humanos do Ius Gentium Conimbrigae. É membro do “Círculo de Amigos da Aliança”, promovido pelo Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança de Civilizações, Jorge Sampaio, da comissão instaladora da Associação Portuguesa das Nações Unidas e integra, como perito, o Painel de

NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES

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Na Ordem dos Advogados Portuguesa foi responsável pelo Departamento de Consulta Jurídica (1975-1980) e Colaboradora da Comissão dos Direitos Humanos (1975-1978), da qual se torna Membro a partir de 1981 até 1992.De 1976 a 1979, foi Colaboradora da Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas – Direito e Justiça, tornando-se Membro desde 1980. Representou a secção portuguesa em diversas conferências e seminários.A 7 de Abril de 1997, é agraciada com a “Condecoração da Estrela Polar”, pelo Rei da Suécia, e, em 13 de Dezembro de 2002, com a Condecoração “Knight Officer of the Royal Norwegian Order of Merit”, pelo Rei da Noruega.Actualmente, exerce funções de Secretária da Mesa da Assembleia Geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Sueca (desde 1987) e do Clube de Empresários Luso-Finlandês (a partir de 1990), sendo, igualmente, Presidente da Comissão de Ética da Servimed - Serviços Médicos Lda., Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Fulbrighters Portugal – Associação de Bolseiros e Amigos do Programa Fullbright (desde 2004) e, desde 2006, Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação de Amizade Portugal-Croácia.É fundadora e Membro da Direcção do Conselho Português para os Refugiados, trabalhando na temática dos refugiados desde 1991.

|VIRIATO SOROMENHO MARQUESJosé Viriato Soromenho Marques nasceu em Setúbal, a 9 de Dezembro de 1957. Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa (1979). Grau de mestre em Filosofia Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa, obtido com a defesa de uma tese sobre A caracterização trágica do niilismo em Nietzsche (1985). Doutorado em Filosofia pela Universidade de Lisboa com a defesa de uma tese subordinada ao título Razão e progresso na filosofia de Kant (1991).Foi bolseiro do Deutscher Akademischer Austauschdienst em Bremen (1986) e Berlim (1988). Em 1994 visitou os EUA, no âmbito do International Visitor Program. Regressou a esse país em 1997 no quadro de uma bolsa de pós-doutoramento. É membro de várias sociedades e organizações científicas em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente da Sociedade Portuguesa de Filosofia, da International Society for Ecological Economics, da American Political Science Association, da Associação Portuguesa de Ciência Política. É o correspondente em Portugal da organização alemã de estudos ambientais Ecologic. É actualmente professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, regendo as cadeiras de Filosofia Social e Política e de História das Ideias na Europa Contemporânea (licenciatura). Coordena, igualmente, o mestrado em Filosofia da Natureza e do Ambiente que teve início no ano lectivo de 1995-1996. Tem também colaboração na licenciatura de Estudos Europeus, onde tem leccionado as disciplinas de História das Ideias na Europa Contemporânea e o Ambiente na Europa. Presidiu à Comissão Executiva do Departamento de Filosofia entre Maio de 1999 e Junho de 2002.Desenvolve, desde 1978, uma intensa actividade no movimento associativo ligado à defesa do ambiente, tendo sido -- de 1992 a 1995 -- presidente da mais importante associação ambientalista nacional, a QUERCUS- Associação Nacional de Conservação da Natureza.

|MARIA STAVROPOULOUMaria Stavropoulou é, desde Junho de 2010, Senior Regional Protection Officer do ACNUR, em Roma. É responsável pelas operações de protecção na Itália, providenciando apoio e aconselhamento às representações do ACNUR em Portugal, Malta, Grécia, Itália, Chipre e Albânia. Trabalhou nas Nações Unidas, em Nova Iorque.Foi consultora independente em matéria de deslocações, migrações e direitos humanos. Trabalhou na Missão do ACNUR em Rabat, Genebra e Atenas. Foi consultora jurídica do Conselho Grego para os Refugiados. É fluente em Grego, Inglês, Alemão, Francês, Espanhol.

|NUNO NUNESCoordenador do Programa de Emergência com a OIM no Haiti, no Paquistão e na Bolívia. Gestor de Campo e Coordenador de Emergência em Timor Leste. Especialista em implementação e gestão da programação. Gestão e coordenação de resposta de emergência, preparação e operações de recuperação.

|RICARDO GARCIARicardo Garcia é jornalista profissional desde 1988, quando se iniciou na profissão como colaborador do semanário Expresso. Integra os quadros do PÚBLICO desde 1989, trabalhando sobretudo como repórter nas áreas do ambiente e ciência. Frequentou cursos de formação nessas áreas em vários países. Autor do livro “Sobre a Terra: um guia para quem lê e

escreve sobre ambiente”. Co-fundador e membro da direcção da ARCA-Associação de Repórteres de Ciência e Ambiente. Licenciou-se em História pela Universidade de São Paulo, Brasil, e actualmente cursa o Programa de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, na Universidade de Lisboa.

|VIRGÍLIO AZEVEDOÉ redactor principal do jornal Expresso, licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa. É, desde 2007, Jornalista de Ciência e Ambiente do Expresso. Co-autor das reportagens «Cimeira de Copenhaga: suspense até ao último minuto», Mapping Award of Excellence dos International Infographics Awards 2010 da Society for News Design (EUA), «Pescas ameaçadas», The Best Inside Page dos International Infographics Awards 2009 da Society for News Design (EUA), «Energia eólica lidera investimentos», Medalha de Prata das Reportagens de Negócios dos International Infographics Awards 2008 da Society for News Design (EUA). Entre vários prémios que recebeu ao longo da sua carreira, Virgílio Azevedo foi o vencedor, em 2007, do Melhor Trabalho Jornalístico do Expresso de Março (co-autor) com a reportagem «Democracia energética», do Melhor Trabalho Jornalístico do Expresso de Fevereiro, com a ideia e coordenação do Mês do Ambiente. Esta iniciativa foi especialmente mencionada em 2008 pela SND – Society for News Design (EUA), quando o Expresso ganhou o prémio «World's Best-Designed Newspaper 2008» da SND. Venceu o Grande Prémio Municipal Gazeta de Oeiras e do Prémio Temático Taguspark na categoria «Ciência, Tecnologia e Inovação Empresarial», com a reportagem intitulada «O Silicon Valley Português», tema de capa da revista Única do jornal Expresso de 1 de Maio de 2004.É co-autor do livro «Nuclear – O debate sobre o novo modelo energético em Portugal», Centro Atlântico (Novembro de 2006).

|LUÍS SILVEIRALuís Silveira é licenciado em Direito e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Entre 1962 e 1967 foi assistente no Instituto de Estudos Sociais, e, de 1967 a 1975, na Faculdade de Direito de Lisboa. Exerceu funções como adjunto do Provedor de Justiça, entre os anos 1976 a 1993.Foi Procurador-Geral Adjunto desde 1993, presentemente aposentado destas funções. Foi membro do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 1993 a 2001, e, desde Junho de 2001, é o Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Paralelamente a estas funções, Luís Silveira foi Presidente do Comité de Peritos de Direito Administrativo do Conselho da Europa e Presidente da Assembleia-Geral da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional.É Vice-presidente da Assembleia-geral do CPR.

|CÁTIA SILVACátia Silva é Coordenadora Editorial do Departamento de Comunicação da Amnistia Internacional.Encontra-se a elaborar a tese de mestrado sobre Protecção Internacional aos Refugiados. Frequentou o Seminário “Direito da Imigração e dos Refugiados”, pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Lisboa. Possui uma Pós-Graduação em “Relações Internacionais: Segurança e Defesa”, pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. É licenciada em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa.

|JOSÉ MANUEL PUREZAJosé Manuel Pureza é investigador do Centro de Estudos Sociais, onde coordena o Núcleo de Estudos para a Paz. É igualmente Professor de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, com docência na licenciatura, no mestrado e no doutoramento e com responsabilidades de co-coordenação do Programa de Doutoramento em Política Internacional e Resolução de Conflitos. Foi investigador responsável, nos últimos anos, por diversos projectos de investigação na área dos Estudos para a Paz e tem diversas obras publicadas nesta área e em Direito Internacional.Tem sido docente convidado em várias universidades estrangeiras: Universidad Torcuato di Tella (Buenos Aires), Pablo de Olavide (Sevilha), PUC de São Paulo e PUC do Rio de Janeiro, Universidad del País Vasco. É conferencista regular do Instituto da Defesa Nacional e do Centro de Direitos Humanos do Ius Gentium Conimbrigae. É membro do “Círculo de Amigos da Aliança”, promovido pelo Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança de Civilizações, Jorge Sampaio, da comissão instaladora da Associação Portuguesa das Nações Unidas e integra, como perito, o Painel de

NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES

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Árbitros para Disputas relativas a Recursos Naturais e/ou Ambiente do Tribunal Permanente de Arbitragem.As suas prioridades de pesquisa incluem os Estudos para a Paz – designadamente os processos de construção da paz e de reconstrução pós-conflito, a regulação de armas ligeiras e a relação entre media e conflitos internacionais – os debates teóricos sobre segurança internacional e a dimensão normativa das Relações Internacionais.

É Deputado e líder do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

|MARIA TERESA TITO DE MORAIS MENDESMaria Teresa Tito de Morais Mendes é a Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados (CPR). Fundadora da organização, em 1991, foi eleita nesse mesmo ano pelo grupo fundador (personalidades políticas, associativas e sindicais) para o cargo que ainda ocupa.Como Presidente do CPR, coordena vários projectos nacionais, europeus e no âmbito das Nações Unidas nas áreas do acolhimento e integração dos refugiados, nomeadamente no apoio jurídico, social e na área da informação pública. Dirige um Centro de Acolhimento para refugiados e requerentes de asilo e um Espaço dedicado à Criança (creche e jardim de infância), onde recebe crianças refugiadas, imigrantes e portuguesas de idades compreendidas entre os 4 meses e os 5 anos. No campo Académico, coordena cadeiras semestrais na Universidade Católica do Porto (“Direito de Asilo”), promove conferências em cursos de mestrado e pós-graduação em Lisboa, Porto e Coimbra, e tem tido intervenções junto de escolas do ensino secundário e técnico.Desenvolve intensa actividade junto dos órgãos de soberania nacionais, autarquias, entidades públicas e privadas visando uma política de asilo mais justa e humanista. Nesse sentido, mantém estreita ligação com os órgãos de comunicação, concedendo entrevistas e participando regularmente em programas de rádio e televisão dedicados aos Direitos Humanos e Refugiados, nomeadamente na RTP2, no âmbito do programa “Sociedade Civil”. É também autora de diversas publicações em jornais e revistas temáticas.Foi organizadora e oradora dos oito Congressos Internacionais do CPR, que se realizam bienalmente desde 1994 na Fundação Calouste Gulbenkian e tem participado em inúmeros congressos e seminários nacionais e internacionais em representação do CPR e como membro do Conselho Europeu de Refugiados e Asilados (ECRE/CERE).Maria Teresa Tito de Morais Mendes trabalhou, entre 1977 e 1991, na delegação portuguesa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), tendo exercido funções de adjunta do representante e responsável pela assessoria de Relações Internacionais e da informação pública. Foi responsável pela edição em português da revista “REFUGEES” do ACNUR.É conselheira da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR) pelas organizações de direitos humanos e recebeu, como representante do CPR, o Prémio “Direitos Humanos” da Assembleia da República, no ano 2000.

GLOSSÁRIO «Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) »

+++

«Apátrida»

«Asilo»

«Autorização de residência»

«Beneficiário de protecção subsidiária»

«Centro de acolhimento»

«Condições de acolhimento»

«Condições materiais de acolhimento»

«Conselho Português para os Refugiados»

«Convenção de Genebra»

«Deslocados internos»

«Fluxos migratórios mistos»

«Menores não acompanhados»

criado em conformidade

com a Resolução 425 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, iniciou a sua actividade em 1 de Janeiro de 1951. É um organismo internacional humanitário e estritamente apolítico que tem por missão proteger e ajudar os refugiados em todo o mundo. O seu estatuto atribui-lhe duas funções principais:

Assegurar a “protecção internacional” dos refugiados; Procurar “soluções permanentes e duradouras” para os seus problemas; As actividades do ACNUR são financiadas quase na sua totalidade por contribuições dos Estados, organizações não-

governamentais e particulares. Apenas uma pequena quantia provém do orçamento das Nações Unidas.

é o indivíduo que não é titular de qualquer nacionalidade, ou seja, é uma pessoa que não é

considerada nacional por qualquer Estado.

A concessão pelo Estado, de protecção no seu território, para pessoas provenientes de outro Estado que

fogem de perseguições ou perigos graves. O Asilo engloba uma variedade de elementos, incluindo o non-refoulement, a permissão para permanecer no território do país de asilo e condições dignas de acolhimento.

a autorização emitida pelas autoridades portuguesas nos termos legais que

permite a um estrangeiro ou a um apátrida residir no território nacional.

os estrangeiros ou os apátridas (a quem não sejam aplicáveis as

disposições do artigo 3.º) que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave (a pena de morte ou execução; a tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante no seu país de origem; ou a ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos).

qualquer local utilizado para o alojamento colectivo dos requerentes de asilo.

o conjunto de medidas adoptadas a favor dos requerentes de asilo.

as condições de acolhimento que compreendem o alojamento, a

alimentação, o vestuário e despesas de transporte, fornecidos em espécie ou sob a forma de subsídios ou de cupões ou de subsídios para despesas diárias.

o Conselho Português para os Refugiados (CPR) foi criado a 20

de Setembro de 1991 com o objectivo de defender e promover o Direito de Asilo. É a única organização não governamental para o desenvolvimento, em Portugal, a trabalhar exclusivamente com todos aqueles que, fugindo de perseguições motivadas por questões raciais, religiosas, étnicas, filiação em grupos sociais, opiniões políticas, conflitos armados e graves violações dos Direitos Humanos, chegam ao nosso país em busca de protecção, liberdade e segurança.

a convenção relativa ao estatuto dos refugiados, celebrada em Genebra em 28 de

Julho de 1951, alterada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967.

são pessoas que abandonaram as suas casas, a sua terra, por razões iguais às dos

refugiados mas não atravessaram as fronteiras do seu país - talvez porque montanhas ou rios os impediram de o fazer ou porque fugiram para relativamente perto, na esperança de poderem rapidamente regressar.

são movimentos de pessoas de um país e / ou continente para outro e que

podem incluir as pessoas com necessidades de protecção internacional ou não. Os fluxos mistos acontecem quando um país de origem é simultaneamente afectado por violações dos direitos humanos e declínio económico.

quaisquer pessoas nacionais de países terceiros ou apátridas com idade

inferior a 18 anos que entrem em território nacional não acompanhadas por um adulto que, por força da lei ou do costume, se responsabilize por elas, enquanto não são efectivamente tomadas a cargo por essa pessoa, ou que tenham sido abandonados após a entrada em território nacional. tenham sido abandonados após a entrada em

NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES

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Árbitros para Disputas relativas a Recursos Naturais e/ou Ambiente do Tribunal Permanente de Arbitragem.As suas prioridades de pesquisa incluem os Estudos para a Paz – designadamente os processos de construção da paz e de reconstrução pós-conflito, a regulação de armas ligeiras e a relação entre media e conflitos internacionais – os debates teóricos sobre segurança internacional e a dimensão normativa das Relações Internacionais.

É Deputado e líder do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

|MARIA TERESA TITO DE MORAIS MENDESMaria Teresa Tito de Morais Mendes é a Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados (CPR). Fundadora da organização, em 1991, foi eleita nesse mesmo ano pelo grupo fundador (personalidades políticas, associativas e sindicais) para o cargo que ainda ocupa.Como Presidente do CPR, coordena vários projectos nacionais, europeus e no âmbito das Nações Unidas nas áreas do acolhimento e integração dos refugiados, nomeadamente no apoio jurídico, social e na área da informação pública. Dirige um Centro de Acolhimento para refugiados e requerentes de asilo e um Espaço dedicado à Criança (creche e jardim de infância), onde recebe crianças refugiadas, imigrantes e portuguesas de idades compreendidas entre os 4 meses e os 5 anos. No campo Académico, coordena cadeiras semestrais na Universidade Católica do Porto (“Direito de Asilo”), promove conferências em cursos de mestrado e pós-graduação em Lisboa, Porto e Coimbra, e tem tido intervenções junto de escolas do ensino secundário e técnico.Desenvolve intensa actividade junto dos órgãos de soberania nacionais, autarquias, entidades públicas e privadas visando uma política de asilo mais justa e humanista. Nesse sentido, mantém estreita ligação com os órgãos de comunicação, concedendo entrevistas e participando regularmente em programas de rádio e televisão dedicados aos Direitos Humanos e Refugiados, nomeadamente na RTP2, no âmbito do programa “Sociedade Civil”. É também autora de diversas publicações em jornais e revistas temáticas.Foi organizadora e oradora dos oito Congressos Internacionais do CPR, que se realizam bienalmente desde 1994 na Fundação Calouste Gulbenkian e tem participado em inúmeros congressos e seminários nacionais e internacionais em representação do CPR e como membro do Conselho Europeu de Refugiados e Asilados (ECRE/CERE).Maria Teresa Tito de Morais Mendes trabalhou, entre 1977 e 1991, na delegação portuguesa do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), tendo exercido funções de adjunta do representante e responsável pela assessoria de Relações Internacionais e da informação pública. Foi responsável pela edição em português da revista “REFUGEES” do ACNUR.É conselheira da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR) pelas organizações de direitos humanos e recebeu, como representante do CPR, o Prémio “Direitos Humanos” da Assembleia da República, no ano 2000.

GLOSSÁRIO «Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) »

+++

«Apátrida»

«Asilo»

«Autorização de residência»

«Beneficiário de protecção subsidiária»

«Centro de acolhimento»

«Condições de acolhimento»

«Condições materiais de acolhimento»

«Conselho Português para os Refugiados»

«Convenção de Genebra»

«Deslocados internos»

«Fluxos migratórios mistos»

«Menores não acompanhados»

criado em conformidade

com a Resolução 425 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, iniciou a sua actividade em 1 de Janeiro de 1951. É um organismo internacional humanitário e estritamente apolítico que tem por missão proteger e ajudar os refugiados em todo o mundo. O seu estatuto atribui-lhe duas funções principais:

Assegurar a “protecção internacional” dos refugiados; Procurar “soluções permanentes e duradouras” para os seus problemas; As actividades do ACNUR são financiadas quase na sua totalidade por contribuições dos Estados, organizações não-

governamentais e particulares. Apenas uma pequena quantia provém do orçamento das Nações Unidas.

é o indivíduo que não é titular de qualquer nacionalidade, ou seja, é uma pessoa que não é

considerada nacional por qualquer Estado.

A concessão pelo Estado, de protecção no seu território, para pessoas provenientes de outro Estado que

fogem de perseguições ou perigos graves. O Asilo engloba uma variedade de elementos, incluindo o non-refoulement, a permissão para permanecer no território do país de asilo e condições dignas de acolhimento.

a autorização emitida pelas autoridades portuguesas nos termos legais que

permite a um estrangeiro ou a um apátrida residir no território nacional.

os estrangeiros ou os apátridas (a quem não sejam aplicáveis as

disposições do artigo 3.º) que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave (a pena de morte ou execução; a tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante no seu país de origem; ou a ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos).

qualquer local utilizado para o alojamento colectivo dos requerentes de asilo.

o conjunto de medidas adoptadas a favor dos requerentes de asilo.

as condições de acolhimento que compreendem o alojamento, a

alimentação, o vestuário e despesas de transporte, fornecidos em espécie ou sob a forma de subsídios ou de cupões ou de subsídios para despesas diárias.

o Conselho Português para os Refugiados (CPR) foi criado a 20

de Setembro de 1991 com o objectivo de defender e promover o Direito de Asilo. É a única organização não governamental para o desenvolvimento, em Portugal, a trabalhar exclusivamente com todos aqueles que, fugindo de perseguições motivadas por questões raciais, religiosas, étnicas, filiação em grupos sociais, opiniões políticas, conflitos armados e graves violações dos Direitos Humanos, chegam ao nosso país em busca de protecção, liberdade e segurança.

a convenção relativa ao estatuto dos refugiados, celebrada em Genebra em 28 de

Julho de 1951, alterada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967.

são pessoas que abandonaram as suas casas, a sua terra, por razões iguais às dos

refugiados mas não atravessaram as fronteiras do seu país - talvez porque montanhas ou rios os impediram de o fazer ou porque fugiram para relativamente perto, na esperança de poderem rapidamente regressar.

são movimentos de pessoas de um país e / ou continente para outro e que

podem incluir as pessoas com necessidades de protecção internacional ou não. Os fluxos mistos acontecem quando um país de origem é simultaneamente afectado por violações dos direitos humanos e declínio económico.

quaisquer pessoas nacionais de países terceiros ou apátridas com idade

inferior a 18 anos que entrem em território nacional não acompanhadas por um adulto que, por força da lei ou do costume, se responsabilize por elas, enquanto não são efectivamente tomadas a cargo por essa pessoa, ou que tenham sido abandonados após a entrada em território nacional. tenham sido abandonados após a entrada em

NOTAS BIOGRÁFICAS DOS INTERVENIENTES

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«Motivos da perseguição» os que fundamentam o receio fundado de o requerente ser perseguido, que devem

ser apreciados tendo em conta as noções de:

«Raça», que inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico.

«Religião», que abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, noutros actos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas.

«Nacionalidade», que não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designa-damente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado.

«Grupo», um grupo social específico nos casos concretos em que:Os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e Esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

«Opinião política», que inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os potenciais agentes da perseguição às suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por actos do requerente.

«País de origem» o país ou países de nacionalidade ou, para os apátridas, o país em que tinham a sua residência habitual.

«País de origem seguro» o país de que o requerente é nacional ou, sendo apátrida, residente habitual, em relação ao qual o requerente não tenha invocado nenhum motivo grave para considerar que o mesmo não é seguro, tendo em conta as circunstâncias pessoais do requerente no que respeita ao preenchimento das condições para ser considerado refugiado e avaliado com base num conjunto de fontes de informação, incluindo, em especial, informações de outros Estados membros, do Alto -Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), do Conselho da Europa e de outras organizações internacionais pertinentes.

«País terceiro seguro» o país onde o requerente de asilo tenha permanecido ou transitado antes de chegar a Portugal e onde, comprovadamente, não seja objecto de ameaças à sua vida e liberdade, onde sejam respeitados o princípio de não repulsão e o direito de não ser objecto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, e onde possa requerer o estatuto de refugiado e, sendo–lhe concedido, receber protecção, nos termos da Convenção de Genebra, observadas as seguintes regras:

i) Uma ligação entre o requerente de asilo e o país terceiro em causa que permita, em princípio, que essa pessoa se dirija para esse país.ii) Certificação de que o conceito de país terceiro seguro pode ser aplicado a determinado país ou a determinado requerente, incluindo a análise casuística da segurança do país para determinado requerente e a designação nacional de países considerados geralmente seguros.iii) Avaliação individual, nos termos do direito internacional, de segurança do país terceiro em questão para determinado requerente e que, no mínimo, autorize o requerente a contestar a aplicação do conceito de país terceiro seguro, com o fundamento de que seria submetido a tortura, tratamento ou pena cruel, desumana ou degradante.

«Pedido ou pedido de asilo» pedido apresentado por estrangeiro ou apátrida que possa ser considerado um pedido de protecção internacional dirigido às autoridades portuguesas, ao abrigo da Convenção de Genebra;

«Perda de protecção internacional» o efeito decorrente da cessação, revogação, supressão ou recusa de renovação do direito de asilo ou de protecção subsidiária.

«Permanência no País» a permanência em Portugal, incluindo a fronteira e zonas de trânsito do território nacional.

«Pessoas particularmente vulneráveis» pessoas com necessidades especiais, designadamente os menores, os menores não acompanhados, os deficientes, os idosos, as grávidas, os membros de famílias monoparentais com filhos

menores e as pessoas que tenham sido sujeitas a actos de tortura, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual.

«Primeiro país de asilo» o país no qual o requerente tenha sido reconhecido como refugiado e possa ainda beneficiar dessa protecção ou usufruir nesse país de protecção efectiva, nos termos da Convenção de Genebra, e onde, comprovadamente, não seja objecto de ameaças à sua vida e liberdade, onde sejam respeitados o princípio de não repulsão e o direito de não ser objecto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, desde que seja readmitido nesse país.

«Proibição de repelir» (?princípio de não repulsão ou non -refoulement')» o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, directa ou indirecta para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta protecção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave.

«Procedimentos» e «impugnação judicial» os procedimentos e a forma de reacção contenciosa estabelecidos no direito português.

«Protecção internacional» o estatuto de protecção subsidiária e o estatuto de refugiado.

«Refugiado» o estrangeiro que, receando com razão ser perseguido em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar (artigo 33 n.º 8 da C.R.P. e artigo 3º n.º 1 e 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho).

«Representante» a pessoa que age em nome de uma organização que representa um menor não acompanhado, na qualidade de tutor legal, a pessoa que age em nome de uma organização nacional que, nos termos da lei, seja responsável pela assistência e bem -estar dos menores, ou qualquer outro representante adequado designado, de acordo com a lei, para defender os interesses do menor não acompanhado.

«Refugiados “Prima Facie”» grupos de pessoas que se presume terem um receio fundado de perseguição, de acordo com a definição de refugiado da Convenção de Genebra de 1951. Esta expressão é também utilizada para refugiados em sentido amplo (refugiados que deixaram os seus países de origem em consequência de guerra). Não se procede à determinação individual, havendo reconhecimento colectivo ou em grupo.

«Reinstalação» refugiados são transferidos do país de asilo para um terceiro Estado que está disposto a admiti-los numa base permanente com o objectivo de se virem a tornar cidadãos naturalizados.

«Requerente» ou «requerente de asilo» um estrangeiro ou um apátrida que apresentou um pedido de asilo ou de protecção subsidiária que ainda não foi objecto de decisão definitiva.

«Soluções duradouras» qualquer meio para, satisfatóriamente e permanentemente, resolver os problemas dos refugiados, permitindo que estes tenham vidas normais. Tradicionalmente, o ACNUR apresenta três soluções duradouras: repatriação voluntária, integração local e reinstalação.

GLOSSÁRIO

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«Motivos da perseguição» os que fundamentam o receio fundado de o requerente ser perseguido, que devem

ser apreciados tendo em conta as noções de:

«Raça», que inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico.

«Religião», que abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, noutros actos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas.

«Nacionalidade», que não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designa-damente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado.

«Grupo», um grupo social específico nos casos concretos em que:Os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e Esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

«Opinião política», que inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os potenciais agentes da perseguição às suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por actos do requerente.

«País de origem» o país ou países de nacionalidade ou, para os apátridas, o país em que tinham a sua residência habitual.

«País de origem seguro» o país de que o requerente é nacional ou, sendo apátrida, residente habitual, em relação ao qual o requerente não tenha invocado nenhum motivo grave para considerar que o mesmo não é seguro, tendo em conta as circunstâncias pessoais do requerente no que respeita ao preenchimento das condições para ser considerado refugiado e avaliado com base num conjunto de fontes de informação, incluindo, em especial, informações de outros Estados membros, do Alto -Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), do Conselho da Europa e de outras organizações internacionais pertinentes.

«País terceiro seguro» o país onde o requerente de asilo tenha permanecido ou transitado antes de chegar a Portugal e onde, comprovadamente, não seja objecto de ameaças à sua vida e liberdade, onde sejam respeitados o princípio de não repulsão e o direito de não ser objecto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, e onde possa requerer o estatuto de refugiado e, sendo–lhe concedido, receber protecção, nos termos da Convenção de Genebra, observadas as seguintes regras:

i) Uma ligação entre o requerente de asilo e o país terceiro em causa que permita, em princípio, que essa pessoa se dirija para esse país.ii) Certificação de que o conceito de país terceiro seguro pode ser aplicado a determinado país ou a determinado requerente, incluindo a análise casuística da segurança do país para determinado requerente e a designação nacional de países considerados geralmente seguros.iii) Avaliação individual, nos termos do direito internacional, de segurança do país terceiro em questão para determinado requerente e que, no mínimo, autorize o requerente a contestar a aplicação do conceito de país terceiro seguro, com o fundamento de que seria submetido a tortura, tratamento ou pena cruel, desumana ou degradante.

«Pedido ou pedido de asilo» pedido apresentado por estrangeiro ou apátrida que possa ser considerado um pedido de protecção internacional dirigido às autoridades portuguesas, ao abrigo da Convenção de Genebra;

«Perda de protecção internacional» o efeito decorrente da cessação, revogação, supressão ou recusa de renovação do direito de asilo ou de protecção subsidiária.

«Permanência no País» a permanência em Portugal, incluindo a fronteira e zonas de trânsito do território nacional.

«Pessoas particularmente vulneráveis» pessoas com necessidades especiais, designadamente os menores, os menores não acompanhados, os deficientes, os idosos, as grávidas, os membros de famílias monoparentais com filhos

menores e as pessoas que tenham sido sujeitas a actos de tortura, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual.

«Primeiro país de asilo» o país no qual o requerente tenha sido reconhecido como refugiado e possa ainda beneficiar dessa protecção ou usufruir nesse país de protecção efectiva, nos termos da Convenção de Genebra, e onde, comprovadamente, não seja objecto de ameaças à sua vida e liberdade, onde sejam respeitados o princípio de não repulsão e o direito de não ser objecto de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, desde que seja readmitido nesse país.

«Proibição de repelir» (?princípio de não repulsão ou non -refoulement')» o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, directa ou indirecta para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta protecção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave.

«Procedimentos» e «impugnação judicial» os procedimentos e a forma de reacção contenciosa estabelecidos no direito português.

«Protecção internacional» o estatuto de protecção subsidiária e o estatuto de refugiado.

«Refugiado» o estrangeiro que, receando com razão ser perseguido em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar (artigo 33 n.º 8 da C.R.P. e artigo 3º n.º 1 e 2 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho).

«Representante» a pessoa que age em nome de uma organização que representa um menor não acompanhado, na qualidade de tutor legal, a pessoa que age em nome de uma organização nacional que, nos termos da lei, seja responsável pela assistência e bem -estar dos menores, ou qualquer outro representante adequado designado, de acordo com a lei, para defender os interesses do menor não acompanhado.

«Refugiados “Prima Facie”» grupos de pessoas que se presume terem um receio fundado de perseguição, de acordo com a definição de refugiado da Convenção de Genebra de 1951. Esta expressão é também utilizada para refugiados em sentido amplo (refugiados que deixaram os seus países de origem em consequência de guerra). Não se procede à determinação individual, havendo reconhecimento colectivo ou em grupo.

«Reinstalação» refugiados são transferidos do país de asilo para um terceiro Estado que está disposto a admiti-los numa base permanente com o objectivo de se virem a tornar cidadãos naturalizados.

«Requerente» ou «requerente de asilo» um estrangeiro ou um apátrida que apresentou um pedido de asilo ou de protecção subsidiária que ainda não foi objecto de decisão definitiva.

«Soluções duradouras» qualquer meio para, satisfatóriamente e permanentemente, resolver os problemas dos refugiados, permitindo que estes tenham vidas normais. Tradicionalmente, o ACNUR apresenta três soluções duradouras: repatriação voluntária, integração local e reinstalação.

GLOSSÁRIO

Page 62: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

REFERÊNCIASAdaptação às Alterações Climáticas em Portugal. Proposta de Estratégia Nacional (Versão aprovada pela Comissão de Alterações Climáticas para Consulta Pública) http://www.portugal.gov.pt/pt/Documentos/Governo/MAOTDR/Adaptacao_Alteracoes_Climaticas_Portugal.pdf

A gestão de Escassez e secas enquadrando as alterações climáticas. Eduardo Vivas e Rodrigo Maia. Recursos Hídricos / Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos / Volume 31# 01http://www.aprh.pt/rh/pdf/rh31_n1-2.pdf

Climate Change and Statelessness: An Overview http://www.unhcr.org/4a1e50082.html

Climate change is a humanitarian problem: Where people flee, UNHCR is there to help http://www.unhcr.org/4937fc712.html

Climate Change, Migration and Displacement: Impacts, Vulnerability and Adaptation Options http://www.unhcr.org/4a1e51eb0.html

Climate Change, Migration and Displacement: Who will be affected? Working paper submitted by the informal group on Migration/Displacement and Climate Change of the IASC http://www.unhcr.org/4a1e4fb42.html

Climate Changed: People Displaced, Norwegian Refugee Council http://www.nrcfadder.no/arch/img.aspx?file_id=9904600

Climate change and displacement, Forced Migration Review (FMR n.º 31) http://www.fmreview.org/FMRpdfs/FMR31/FMR31.pdf

Climate change impacts: adaptation and mitigation research group http://www.sim.ul.pt/cciam

"Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures - SIAM Project" (2002) F. D. Santos, K. Forbes, R. Moita (editors), Gradiva, Lisbon, Portugal, 2002

Forced Displacement in the Context of Climate Change: Challenges for States Under International Law http://www.unhcr.org/4a1e4d8c2.html

Non Paper: Comments and Proposed Revisions to the Negotiating Text Prepared by the Chair of the UNFCCC Ad Hoc Working Group on Long-Term Cooperative Action http://www.unhcr.org/4a408cc19.html

Projecto "Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures" (SIAM) http://www.siam.fc.ul.pt/#

Protecting the Health of Vulnerable People from the Humanitarian Consequences of Climate Change and Climate Related Disasters http://www.unhcr.org/4a1e4f0e2.html

UNHCR Policy Paper: Climate change, natural disasters and human displacement: a UNHCR perspective http://www.unhcr.org/4901e81a4.html

UNHCR and Climate Change: Involvement, Challenges and Response http://www.unhcr.org/4ad5820f9.html

Page 63: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

REFERÊNCIASAdaptação às Alterações Climáticas em Portugal. Proposta de Estratégia Nacional (Versão aprovada pela Comissão de Alterações Climáticas para Consulta Pública) http://www.portugal.gov.pt/pt/Documentos/Governo/MAOTDR/Adaptacao_Alteracoes_Climaticas_Portugal.pdf

A gestão de Escassez e secas enquadrando as alterações climáticas. Eduardo Vivas e Rodrigo Maia. Recursos Hídricos / Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos / Volume 31# 01http://www.aprh.pt/rh/pdf/rh31_n1-2.pdf

Climate Change and Statelessness: An Overview http://www.unhcr.org/4a1e50082.html

Climate change is a humanitarian problem: Where people flee, UNHCR is there to help http://www.unhcr.org/4937fc712.html

Climate Change, Migration and Displacement: Impacts, Vulnerability and Adaptation Options http://www.unhcr.org/4a1e51eb0.html

Climate Change, Migration and Displacement: Who will be affected? Working paper submitted by the informal group on Migration/Displacement and Climate Change of the IASC http://www.unhcr.org/4a1e4fb42.html

Climate Changed: People Displaced, Norwegian Refugee Council http://www.nrcfadder.no/arch/img.aspx?file_id=9904600

Climate change and displacement, Forced Migration Review (FMR n.º 31) http://www.fmreview.org/FMRpdfs/FMR31/FMR31.pdf

Climate change impacts: adaptation and mitigation research group http://www.sim.ul.pt/cciam

"Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures - SIAM Project" (2002) F. D. Santos, K. Forbes, R. Moita (editors), Gradiva, Lisbon, Portugal, 2002

Forced Displacement in the Context of Climate Change: Challenges for States Under International Law http://www.unhcr.org/4a1e4d8c2.html

Non Paper: Comments and Proposed Revisions to the Negotiating Text Prepared by the Chair of the UNFCCC Ad Hoc Working Group on Long-Term Cooperative Action http://www.unhcr.org/4a408cc19.html

Projecto "Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures" (SIAM) http://www.siam.fc.ul.pt/#

Protecting the Health of Vulnerable People from the Humanitarian Consequences of Climate Change and Climate Related Disasters http://www.unhcr.org/4a1e4f0e2.html

UNHCR Policy Paper: Climate change, natural disasters and human displacement: a UNHCR perspective http://www.unhcr.org/4901e81a4.html

UNHCR and Climate Change: Involvement, Challenges and Response http://www.unhcr.org/4ad5820f9.html

Page 64: Refugiados e Deslocados Ambientais - O lado humano das alterações

Actas do IX Congresso Internacional do Conselho Português para os Refugiados Publicação gratuita: é proibida a sua venda.A impressão ficou completa em Fevereiro de 2010 pela Lemos Design. Impresso e feito em PortugalPrinted and made in Portugal

Conselho Português para os RefugiadosAv. Vergílio Ferreira, Lote 764 – lojas D e E 1950-339 Lisboa, PortugalTel. + 351. 21 831 43 72 Fax: +351. 21 837 50 72E-mail: [email protected] Web: www.cpr.pt