Reformas sistema de saúde britânico na década de 90

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As reformas do sistema de saúde Britânico durante a década de noventa Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Economia e Gestão dos Serviços de Saúde Ana Judite Rocha Pinto Agra (nº23644)

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Economia e Gestão dos Serviços de Saúde

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As reformas do sistema de sade Britnico na dcada de 90

As reformas do sistema de sade Britnico durante a dcada de noventa

Trabalho realizado no mbito da disciplina de Economia e Gesto dos Servios de Sade

Ana Judite Rocha Pinto Agra (n23644)

Medicina Dentria 2014/2015

NDICE

Resumopg. 3

Introduopg. 4

Desenvolvimento

A reforma conservadora de 1991pg. 6

A reforma das reformaspg. 9

Concluso pg. 11

Bibliografia pg. 12

RESUMO

O fator mais determinante que levou necessidade de realizar reformas nos diversos sistemas de sade foi a crise econmica e financeira que ocorreu na dcada de 80-90. Os choques petrolferos originaram graves problemas que se refletiram nas polticas sociais e nos sistemas de sade. A juntar a esta crise, as dificuldades demogrficas e sociais e o aumento dos gastos em sade foram cruciais na medida em que se tornou imperativo haver uma mudana. Problemas como: (i) o rpido aumento dos gastos com a sade e a presso social inerente, no sentido de um melhor nvel e distribuio da sade; (ii) predomnio crescente das doenas no transmissveis de natureza crnica; (iii) insatisfao geral pela ausncia de trato personalizado; (iv) existncia de grandes listas de espera e demora no acesso aos servios de sade; (v) a grande variabilidade existente na atividade clinica e nos seus custos; e, por ltimo, (v) o aumento das desigualdades no acesso aos servios de sade e na sua distribuio geogrfica.Os objetivos gerais e inerentes s reformas implementadas dos diversos sistemas de sade europeus passaram pela equidade e suficincia, eficincia e pela qualidade e segurana do doente e dos profissionais.Este trabalho descreve e analisa as reformas da dcada de 90 do sistema nacional de sade do Reino Unido (NHS). Esta mesma anlise baseada em reformas administrativas e polticas, nas mudanas do quadro financeiro e em resultados das medidas ento implementadas.

Palavras-chave: Polticas da sade; Reformas dos sistemas de sade europeus; Sistema nacional de sade britnico.

INTRODUO

A maior parte do financiamento do sistema de sade britnico advm do setor pblico, principalmente de impostos gerais, com uma pequena contribuio do sistema de Segurana Social. Ou seja, baseia-se no modelo de Beveridge.

Em relao percentagem do PIB gasta em sade, apesar de o Reino Unido apresentar uma tendncia ao aumento desse percentual nas ltimas dcadas, este ainda inferior aos de outros pases da OCDE. Os dados disponveis mostram que os britnicos gastaram, em 2001 (Robinson, 2004), 7,6% do PIB em sade, ao passo que os demais pases da organizao gastaram, em mdia, 8,4% do PIB. Da mesma forma, quando comparado com o mesmo rol de pases, o Reino Unido possui um dos menores gastos totais em sade per capita,

O NHS surgiu na Gr-Bretanha em 1948 e, em sua origem, era composto de 14 Autoridades Sanitrias Regionais e trs Escritrios Provinciais Pas de Gales, Esccia e Irlanda do Norte (NHS, 2005b). O sistema fornece cobertura universal baseada no princpio de equidade e integralidade, com algumas excees (tratamento dental, oftalmolgico e dispensao de medicamentos). Esse sistema originou-se centrado na figura do General Practitioner (GP), mdicos de ateno primria que recebiam por captao, isto , conforme o nmero de pacientes que compunham sua lista de pacientes. Os GP proviam servios ambulatoriais e agiam como porta de entrada para assistncia hospitalar no-emergencial. Os pacientes podiam estar ligados a apenas um GP. A maioria dos leitos estava em hospitais pblicos. Neste contexto, a ateno hospitalar era garantida para todos os GP e no havia competio entre os hospitais (Koen, 2000).Na Gr-Bretanha, os recursos financeiros destinados aos hospitais regionais e aos servios locais eram calculados de maneira per capita, ajustados por fatores demogrficos e epidemiolgicos, e repassados para os servios via Autoridades Distritais Sanitrias (District Health Authorities DHA).

Ao longo da dcada de 70, com a crise econmica que comprometeu tambm a Gr-Bretanha (Crise do Petrleo), o Welfare State passou a ser duramente criticado pela nova direita e responsabilizado pelos altos impostos. O diagnstico era de que o Estado de Bem-Estar Social era mal administrado, agia como um monoplio e no prestava contas sociedade (Ferlie e col., 1999). Nessa poca o NHS tambm foi alvo de crticas, em funo do aumento dos custos do sistema. A demonstrao de que o gasto pblico com sade em meados de 1970 absorveu mais da metade da proporo do PIB que havia absorvido em 1960 fez com que o Partido Conservador defendesse veementemente a reforma do sistema de sade, com a justificativa de combater a ineficincia microeconmica, introduzindo elementos de gerncia e competio (Oliveira e col., 2004; Negri e Viana, 2002). Essa foi uma das bandeiras polticas que propiciou a chegada dos conservadores ao poder.

A REFORMA CONSERVADORA DE 1991

O terceiro mandato do Partido Conservador, no final da dcada de 1980, contava com um primeiro-ministro pessoalmente comprometido com os propsitos baseados nos princpios do mercado, alm de possuir a maioria no parlamento, o que facilitava a aprovao de novas medidas reformistas. Ainda assim, at 1990 o sistema manteve-se praticamente intacto, com exceo de algumas taxas introduzidas para a prestao de servios odontolgicos e oftalmolgicos, alm de taxas para a dispensao de medicamentos, os quais existiam desde o incio do NHS. Aps 10 anos no poder, sob a bandeira de inovao, eficincia e ampliao dos direitos do consumidor, os conservadores propuseram a reforma do NHS.

Em 1991, juntamente com uma srie de medidas liberalizantes, como reformas administrativas e privatizaes, foi implementada a reforma do sistema de sade, baseada no White Paper Working for Patients, de 1989, no qual se identificavam deficits no financiamento e queda da qualidade do atendimento. Vale lembrar que essas crticas j eram feitas na dcada de 1980.

Assim, a partir desse documento foi formulado o Patients Charter, em 1991, revalorizando o paciente como foco principal do novo sistema e propondo uma mudana na lgica de organizao da oferta de servios. A principal alterao promovida pela reforma foi a introduo do conceito de mercado interno, separando os compradores dos provedores de servios de sade. Os provedores passariam a competir em qualidade e custos, de forma a atrair os compradores, que estavam a partir de ento livres para comprar servios fora de seus limites geogrficos (WHO, 1997). A aposta era que a competio entre os servios levaria sua melhoria, aumentando a agilidade no atendimento e diminuindo os custos do sistema.

Todavia, o Partido Trabalhista, a Associao Britnica de Medicina e os Conselhos Comunitrios de Sade afirmavam que as inovaes eram estratgias para acelerar o processo de privatizao do NHS, e que o Governo, adotando as novas medidas, estaria muito mais preocupado com a sade de sua contabilidade financeira do que com a sade da populao (Akerman, 1992).

O governo contra-atacou as crticas apresentadas pela oposio, afirmando que a reforma no intentava privatizar o sistema, mas tinha como objetivos: A melhoria da qualidade dos servios, tendo em vista o aumento do nmero de mdicos e enfermeiros por mil habitantes para 1,5 e 4,3, respetivamente, em 1992 (WHO, 1997); A eliminao da lista de espera para cirurgias eletivas, por meio da otimizao da capacidade ociosa dos hospitais; O controlo do desperdcio de recursos. Nesta etapa da reforma, os compradores de servios de sade do NHS, nesse mercado livre, eram constitudos basicamente por: Autoridades Distritais Sanitrias (DHA), que recebiam recursos para comprar servios de ateno secundria com base no tamanho e nas caractersticas da populao abrangida; e Grupos de Ateno Primria (GP Fundholders), que eram mdicos ou grupos de mdicos de ateno primria com um grande nmero de pacientes e que recebiam recursos para a compra de servios secundrios aos pacientes.

Com a reforma, os hospitais pblicos tinham a opo de se tornar fundaes autnomas e independentes do NHS os trusts. Os hospitais que assumissem essa condio no seriam mais financiados pelas Autoridades Distritais Sanitrias com base em oramentos anuais, mas ofereceriam seus servios ao mercado, competindo com os hospitais privados. De acordo com a WHO (1997), quase todos os 430 hospitais tornaram-se trusts. Eles estavam autorizados a contrair emprstimos, mas dentro de limites pr-definidos. Em contrapartida, ficavam obrigados a estabelecer um processo de auditoria mdica, e a qualidade dos servios passaria a ser monitorada regularmente, assim como o dispndio de recursos. Ao mesmo tempo, tinham que se guiar por padres de preos estabelecidos centralmente. Essa forte regulao dos trusts demonstra que a autonomia deles , na prtica, bastante limitada.

Nessa etapa da reforma do NHS, os provedores de servios secundrios passaram a competir entre si pelos contratos com Distritos Sanitrios e Grupos de Ateno Primria (Koen, 2000). Os contratos de prestao de servios, firmados entre o Distrito e os hospitais, eram um importante instrumento de controlo dos Distritos sobre a qualidade dos servios prestados pelos hospitais, j que eles podiam suspender os contratos daqueles que no cumprissem os padres estabelecidos.

O governo ingls introduziu tambm mudanas nos nveis de decises distritais. Foi eliminada a participao dos profissionais de sade e de autoridades municipais nas estruturas de representao, priorizando o seu carter gerencial por meio da criao de cargos remunerados, bem como a incluso dos gerentes e diretores financeiros de cada distrito. A gerncia foi profissionalizada e no mais exercida por mdicos do sistema. O conjunto dessas medidas engendrou, portanto, um incentivo economia no NHS. Essas mudanas possibilitaram tambm maior controle e transparncia dos custos, e promoveram um aumento da eficincia dos servios que eram prestados como exemplo, pode-se citar a reduo na taxa de permanncia de pacientes nos hospitais.

As mudanas acarretaram tambm uma fragmentao do NHS, conforme apontou Pollitt (2000): Alm dos custos, outra debilidade sria das novas medidas foi a fragmentao do sistema. Em 1997 havia 3.600 grupos compradores diferentes e aproximadamente 450 provedores. O nvel regional havia sido eliminado, e uma variedade de interesses muito arraigados procurava seu prprio curso e prestava pouca ateno coerncia do conjunto (p. 46). Crticas foram feitas e geraram um descontentamento da populao com o sistema de sade vigente.

Pesquisas de opinio demonstraram que a introduo de mecanismos de mercado no foi suficiente para resolver alguns problemas enfrentados pelo sistema: Uma pesquisa do EuroBarmetro conduzida em 1996 mostrou que 41% dos respondentes no Reino Unido estavam insatisfeitos com os servios de sade (...) e 56% consideravam que mudanas eram necessrias (Koen, 2000, p. 43).

A principal reclamao dos pacientes era quanto a demora na marcao de consultas e exames emergenciais. Somente um em cada dez pacientes refere ter tido a possibilidade de escolher o hospital (WHO, 1997). Alm disso, existiam diferenas considerveis no tempo de espera de um Distrito Sanitrio para outro, portanto, os mecanismos implantados, buscandoo aumento da eficincia e a maior autonomia dos provedores, no atingiram os graus esperados de satisfao da clientela usuria do sistema de sade ingls. Esse desagrado teve reflexo nas eleies de 1996. O Partido Conservador foi derrotado, aps 18 anos no governo, e o Partido Trabalhista assumiu, tendo como um dos compromissos de campanha a resoluo dos problemas gerados no NHS pelos Conservadores.

A REFORMA DAS REFORMAS

Em 1997, o governo britnico apresentou uma nova proposta de reforma do NHS, a qual foi implantada em 1999. Uma das primeiras medidas do novo governo foi garantir a universalidade do sistema, conforme exps Colistete (1997): [uma das principais medidas foi] reafirmar o carter universal do sistema de sade britnico enquanto direito bsico de toda a populao, bem como reverter a poltica de cortes progressivos praticada pelos conservadores que levaram a uma deteriorao de um sistema antes considerado modelo (p. 4).

As propostas apresentadas demonstravam a inteno de manter aquilo que funcionava. O novo sistema era uma mistura do comando verticalizado existente at 1990 com a liberdade do perodo entre 1991 e 1998. A separao entre compradores e provedores foi mantida, mas a ideia central era substituir a competio pelo monitoramento do desempenho (Koen, 2000). Todos os GPs tiveram de se juntar aos Grupos de Ateno Primria.

Somado a isso, os recursos dos GPs passaram a ser provenientes das Autoridades Sanitrias, e os GPs tornaram-se novamente subordinados a estes, diminuindo o grau de autonomia e caminhando para um processo de regionalizao da ateno em sade. Os Grupos de Ateno Primria continuavam a ter o direito de reter os recursos excedentes, desde que utilizados em servios e benefcios a seus pacientes, como anteriormente, preservando assim os benefcios dos ganhos de produtividade e de eficincia da porta de entrada do sistema.

Complementarmente a essa expanso na cobertura da ateno primria, foi definido o nvel de Ateno Secundria, compreendendo o atendimento ambulatorial especializado e os procedimentos de alta complexidade, a ser realizado em hospitais, o qual seria implementado e complementado pelas seguintes instituies:

1. Care Trusts: so instituies criadas em 2002 com o objetivo de desenvolver trabalhos entre os Servios de Sade e os Servios Sociais;

2. Mental Health Trusts: servios especializados em Sade Mental.

3. NHS Trusts: instituies criadas para garantir qualidade na ateno e eficincia nos gastos de hospitais, os quais se dividem em gerais, especializados e universitrios. Exceto em emergncias, o encaminhamento aos hospitais deve ser realizado pelos GPs.

4. Ambulance Trusts: servios de transporte de pacientes.

Para o controle e a avaliao dos servios de sade prestados pelos provedores com distintos nveis de complexidade, foram introduzidos Padres Nacionais de Servios (National service frameworks), com o objetivo de aumentar a qualidade e reduzir variaes entre diferentes prestadores (Whynes, 1996), minimizando as desigualdades na ateno, quando comparados os diferentes distritos sanitrios. Considerando a necessidade de compatibilizar a incorporao de novas tecnologias e garantir a maior efetividade possvel, foi criado o National Institute forClinical Excellence, para a seleo, produo e disseminao de protocolos clnicos, visando atingir padres de desempenho e de qualidade pelos distintos provedores do NHS (NHS, 2005). Outra importante inovao gerada pela reforma trabalhista foi a criao de 26 Zonas de Ao em Sade (Health Action Zones). Essas zonas tinham como objetivo cobrir a populao de maior risco epidemiolgico e de excluso social, abrangendo uma populao de 13 milhes de habitantes. Essa iniciativa deveria ser mantida por 7 anos, perodo que se esperava ser suficiente para modificar e/ou minorar essas condies de desigualdade social (Koen, 2000).

CONCLUSO

As transformaes ocorridas no NHS foram frutos de dois processos de reforma que ocorreram ao longo dos anos 1980 e 1990, do sculo passado, sendo a primeira de carter mais liberalizante do que a segunda. Embora essas reformas tenham gerado profundas mudanas no National Health Service, parte das caractersticas do atual sistema originou-se j no seu nascimento, e no foi resultante dessas reformas, as quais no conseguiram obter o alcance desejado, em termos de introduo no mercado privado (Pierson, 1994), mantendo as caractersticas centrais do sistema, ou seja, a universalidade e o carter pblico.

O presente estudo demonstrou que muitas das inovaes pretendidas pelas reformas do NHS, em especial a primeira, ou no foram implementadas ou, quando foram, no perduraram, ocasionando um retorno a um formato institucional original. A importncia e o papel poltico do NHS no Reino Unido ficam assim evidenciados. A anlise das reformas da estrutura organizacional do sistema de sade ingls aponta que a universalidade foi garantida pela oferta da ateno bsica, bem como o carter pblico do sistema. Alm disso, o sistema conta com mecanismos de financiamento e de organizao que permitem o provimento da ateno sade de forma universal e baseado, quase que exclusivamente, no financiamento pblico.

BIBLIOGRAFIA

TANAKA, O.; Oliveira, V. (2007) Reforma(s) e Estruturao do Sistema de Sade Britnico: lies para o SUS. Sade e Sociedade v.16, n.1, p.7-17.

OLIVEIRA, V. et al. Consideraes sobre o sistema de sade britnico. mimeo, 2004.

WHO. Highlights on Health in the United Kingdom. London, 1997.

WHO. Health System principles integrated care: report 2003. London, 2003.