Reforma e Revisão Constitucional - Luís Roberto Barroso

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REFORMA E REVISÃO CONSTITUCIONAL Luís Roberto Barroso As constituições não podem ser imutáveis. Os documentos constitucionais precisam ser dotados da capacidade de se adaptarem à evolução histórica, às mudanças da realidade e às novas demandas sociais. Se perder a sintonia com seu tempo, a constituição já não poderá cumprir a sua função normativa e fatalmente, cederá caminho para os fatores reais de poder. Por outro lado, as Constituições não podem ser volúveis. Os textos constitucionais não podem estar ao sabor das circunstâncias, fragilizados diante de qualquer reação à sua pretensão normativa e disponíveis para ser apropriados pelas maiorias ocasionais. O estudo do poder de reforma da Constituição é pautado pela tensão permanente que se estabelece, em um Estado democrático de direito, entre permanência e mudança no direito constitucional. O equilíbrio entre essas demandas do constitucionalismo moderno – estabilidade e adaptabilidade – tem sido buscado desde a primeira Constituição escrita. A Constituição conta com a combinação de dois elementos: O primeiro deles é a previsão expressa da possibilidade de emenda ao texto constitucional; o segundo é o estabelecimento de um procedimento específico para e emenda, mais complexo que o exigido para aprovação da legislação ordinária. Esse arranjo constitucional que dá as Constituições contemporâneas: a rigidez. O poder constituinte, titularizado pelo povo, elabora a Constituição. Concluído o trabalho, ele volta ao seu estado latente e a soberania popular se converte em supremacia da Constituição. Por isso quem exerce o poder de reforma não é o constituinte originário, mas sim o Poder derivado.

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REFORMA E REVISÃO CONSTITUCIONAL

Luís Roberto Barroso

As constituições não podem ser imutáveis. Os documentos constitucionais precisam ser dotados da capacidade de se adaptarem à evolução histórica, às mudanças da realidade e às novas demandas sociais. Se perder a sintonia com seu tempo, a constituição já não poderá cumprir a sua função normativa e fatalmente, cederá caminho para os fatores reais de poder.

Por outro lado, as Constituições não podem ser volúveis. Os textos constitucionais não podem estar ao sabor das circunstâncias, fragilizados diante de qualquer reação à sua pretensão normativa e disponíveis para ser apropriados pelas maiorias ocasionais. O estudo do poder de reforma da Constituição é pautado pela tensão permanente que se estabelece, em um Estado democrático de direito, entre permanência e mudança no direito constitucional. O equilíbrio entre essas demandas do constitucionalismo moderno – estabilidade e adaptabilidade – tem sido buscado desde a primeira Constituição escrita.

A Constituição conta com a combinação de dois elementos: O primeiro deles é a previsão expressa da possibilidade de emenda ao texto constitucional; o segundo é o estabelecimento de um procedimento específico para e emenda, mais complexo que o exigido para aprovação da legislação ordinária. Esse arranjo constitucional que dá as Constituições contemporâneas: a rigidez.

O poder constituinte, titularizado pelo povo, elabora a Constituição. Concluído o trabalho, ele volta ao seu estado latente e a soberania popular se converte em supremacia da Constituição. Por isso quem exerce o poder de reforma não é o constituinte originário, mas sim o Poder derivado.

Há dois fundamentos para a aceitação histórica do postulado da supremacia constitucional: Um subjetivo e outro objetivo.

Do ponto de vista subjetivo, uma Constituição é obra do povo. Na história dos Estados, há momentos constitucionais nos quais o povo, a cidadania, impulsiona de maneira transformadora o processo social. Institucionalizada a nova ordem, o poder constituinte cede ao passo ao poder constituído, o povo dá a vez a seus representantes.

Do ponto de vista objetivo, a superioridade da Constituição se deve à transcendência dos bens jurídicos que ela tutela: a limitação do poder, os valores fundamentais da sociedade,a soberania popular e os procedimentos democráticos.

Reforma identifica o gênero alterações no texto constitucional, compreendendo tanto as mudanças pontuais como as mudanças abrangentes. Emenda, no direito constitucional brasileiro, designa modificações, supressões ou acrescimentos feitos ao texto

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constitucional, mediante o procedimento específico disciplinado na Constituição. E revisão é a designação de reformas extensas ou profundas da Constituição.

Reforma e Mutação Constitucional

Outro ponto que deve ser lembrado é em relação às mutações constitucionais. Esse tema foi introduzido pela Professora da Faculdade de Direito da USP, Anna Cândida da Cunha Ferraz, que diferencia a reforma constitucional das mutações constitucionais.

Reforma constitucional seria a modificação do texto constitucional, através dos mecanismos definidos pelo poder constituinte originário (emendas), alterando, suprimindo ou acrescentando artigos ao texto original.

As mutações, por seu turno, não seriam alterações “físicas”, “palpáveis”, materialmente perceptíveis, mas sim alterações no significado e sentido interpretativo de um texto constitucional. A transformação não está no texto em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado.

As mutações constitucionais, portanto, exteriorizam o caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, por meio de processos informais. Informais no sentido de não serem previsto dentre aquelas mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional.

Buscando a sua origem na doutrina alemã, Uadi Lammêgo Bulos denomina mutação constitucional “...o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção, bem como dos usos e dos costumes constitucionais”.

Damos um exemplo, valendo-nos do Código Penal brasileiro, apenas para ilustrar: antes do advento da lei n. 11.106/2005, os arts. 215,216 e 219 do CP traziam a expressão “mulher honesta”. Quando falamos que esta expressão sofreu uma mutação interpretativa, não queremos dizer que o artigo em si foi alterado, mas, sim, que o conceito de “mulher honesta”, ao longo do tempo, levando em consideração os padrões aceitos pela sociedade da época, adquiriu significados diversos. “Mulher honesta” no começo do século 20 tinha determinado significado, diverso do que adquire a “mulher honesta” dos dias atuais. “Mulher honesta” em uma cidade talvez tenha um significado diverso do que adquire em cidade de outra localidade.

Como visto, essa evolução da sociedade, que vinha sendo percebida pelo Judiciário, sensibilizou o legislador, que revogou por meio da Lei b. 11.106/2005 diversos dispositivos do CP, como os citados, que faziam menção à figura da “mulher honesta”.

Destacamos, como manifestação do papel do hermeneuta, a Constituição dos EUA, que foi tantas vezes reinterpretada, sem, contudo, alterar-se, fisicamente, o seu texto.

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Um outro bom exemplo da mutação constitucional, lembrado por Olavo Alves Ferreira, foi o cancelamento da Súmula 394 do STF, modificando o entendimento sobre a matéria.

O STF modificou o entendimento sobre a competência para julgar HC impetrando em face de decisão de turna recursal, determinando a competência do TJ. Vejamos:

“Tendo em vista que o STF, modificando sua jurisprudência, assentou a competência dos Tribunais de Justiça estaduais para julgar habeas corpus contrato ato de Turmas Recursais dos Juizados Especiais, impõe-se a imediata remessa dos autor à respectiva Corte local para reinício do julgamento da causa, ficando sem efeitos os votos já proferidos. Mesmo tratando-se de alteração de competência por efeito de mutação constitucional (nova interpretação à Constituição Federal), e não propriamente de alteração no texto da Lei Fundamental, o fato é que se tem, na espécie, hipótese de competência absoluta (em razão do grau de jurisdição), que não se prorroga. Questão de ordem que se resolve pela remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, para reinício do julgamento do feito”. (HC 86.009-QO)

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O poder reformador é uma competência do poder constituinte derivado. A constituição não pode ser modificada totalmente a não ser pelo poder constituinte originário.

Reforma: A reforma é um processo formal de mudança. Mutação Constitucional: É um processo informal de mudança.

Exemplos:

1) Está positivadom na Constituição norte-americana, o direito a isonomia. Mas em alguns estados haviam leis sobre segregação,isto é, havia uma segregação institucionalizada. As leis determinavam lugares reservados para brancos e negros,além de escolas específicas para os dois. Existiu um caso em que um aluno negro tentou se matricular num colégio e não conseguiu. O caso chega a Suprema Corte. Na suprema corte existia a doutrina dos “separados mais iguais”. A lei,que não permitiria o ingresso de negros em colégios de brancos, foi considerada constitucional, pois essa lei estaria apenas fazendo uma distinção clara entre negros e brancos. Isso poderia ser uma afronta a isonomia? Para a Suprema Corte, não. Por que o governo assegura a educação,saúde,segurança e outras medidas para os dois, apenas, existe essa “pequena” diferença, que é clara, na visão da corte.Meio século depois, em 1954, no caso Brown x Board Education que possuía as mesmas características do primeiro caso. A suprema corte modificou a interpretação do caso. A constituição norte americana possui 27 emendas, ou seja, 27 reformas formais. Mas já houveram várias mutações constitucionais. A mutação Constitucional tem um caráter generalizante, as decisões das supremas

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cortes tem um princípio “Stare Decisis” em que ela obriga outros tribunais/instâncias inferiores a ter a mesma visão sobre os casos julgados.Nos Estados Unidos por ser muito difícil o processo de Reforma constitucional, fica a cargo do supremo ter a responsabilidade de uma mutação constitucional. O supremo segura as rédeas da reforma, enquanto a Assembleia Nacional fica presa formalmente. Há um compartilhamento da função de reforma.

2) Art. 226º - § 3º - CF - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Nesse caso, a relação homoafetiva era considerada uma simples sociedade de fato. O Supremo interpretou de uma nova forma esse caso considerando a união estável entre qualquer pessoa. Qual foi o argumento? A referência a homem e mulher tem um caráter includente. A questão de se colocar homem e mulher e não pessoas é o fato de querer se incluir com o termo mulher, as mulheres separadas. Então, um artigo que tem um caráter de incluir não poderia excluir as as relações homoafetivas.Qual o problema? O próprio texto possui uma limitação interpretativa. Não é possível aumentar a visão para além dos termos explícitos de homem e mulher, pois seria criar um novo texto constitucional. O que pregam os opositores? Que se faça uma reforma ante a mutação constitucional. Pois, há uma concentração de poderes na mão do supremo em fazer as “reformas” constitucionais.________________________X_______________________________________

Natureza Jurídica e Limites

Encontrando fundamento na Constituição e sendo por ela disciplinado, o poder reformador é, na verdade, uma competência juridicamente vinculada.

Em síntese: o poder reformador, frequentemente referido como poder constituinte derivado, é um poder de direito, e não um poder soberano. Ele somente poderá rever a obra materializada na Constituição originária observando as formas e parâmetros nela estabelecidos. Essa é a prova, aliás, de que o poder constituinte originário, mesmo na sua latência, continua a se fazer presente.

1. Limites temporais e circunstanciais:

Limites temporais têm por objetivo conferir estabilidade ao texto constitucional por um período mínimo ou resguardar determinada situação jurídica por um prazo prefixado. Eles se destinam, normalmente, a conter relações imediatistas à nova configuração institucional e a permitir que a nova Carta possa ser testada na prática por um tempo razoável.

Limitação temporal peremptória é a prevista no Art. 60º, I-5, da carta em vigor, pela qual “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

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Os limites circunstanciais impedem a reforma da Constituição em momentos de anormalidade institucional, decorrentes de situações atípicas ou de crise.

Existem 3 tipos de circunstâncias que são impossíveis a criação de emendas:

1 – Intervenção Federal: Quando o governo federal interfere na soberania dos estados membros. Cada estado possui suas próprias soberanias. Ex, no caso do mensão do governador Arruda,em Brasília, o governo federal poderia intervir em Brasília e retirar o governador do poder e restaurar a autonomia dos poderes. Se fosse aprovado essa intervenção Lula que decretaria outra pessoa de confiança para assumir o lugar dele.

2 – Estado de Sítio

3 – Estado de Guerra

2. Limites Formais

A Constituição brasileira tem uma rigidez constitucional que resulta da existência de um procedimento específico para reforma do texto constitucional, que há de ser mais complexo do que o adotado para a aprovação da legislação ordinária. Esse procedimento evolverá normalmente, regras diferenciadas em relação à iniciativa, ao quórum de votação das propostas de emenda e às instâncias de deliberação. Praticamente todas as Constituições contemporâneas seguem esse modelo.

A doutrina costuma advertir para os riscos do excesso de rigidez, fato que leva a uma de duas situações: que o texto não seja reformado diante da necessidade imperiosa, convertendo-se a Constituição em letra morta, sem maior relevância política; ou que a Constituição se adapte às novas demandas sociais por mecanismos ilegais e sub-reptícios, em mutações constitucionais inconstitucionais.

Pela aprovação da EC n. 22, de 29.6.1982, foi estabelecida a exigência de dois terços dos votos para aprovação da emenda. Finalmente, sob a Constituição em vigor, promulgada em 5 de outubro de 1988, são os seguintes requisitos formais de aprovação de emendas constitucionais:

a) Iniciativa: a reforma do texto constitucional depende da iniciativa: (i) de 1/3 (um terço) dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; (ii) do Presidente da República; ou (iii) de mais da metade das Assembleias Legislativas dos Estados.

b) Quórum de aprovação: 3/5 (três quintos) dos votos dos membros de casa Casa do Congresso.

c) Procedimento: discussão e votação em cada Casa, em dois turnos.

Se a proposta de emenda vier a ser rejeitada ou a ser tida por prejudicada, a matéria dela constante não poderá ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, isto é, no mesmo ano daquela legislatura.

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O início das tramitações da proposta de emenda pode dar-se tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, tendo em vista que a Constituição confere poder de iniciativa aos membros de ambas as Casas. A regra é a de que, havendo modificação do texto em uma delas, a proposta deve retornar à outra.

3. Limites Materiais

Para que haja uma preservação da Constituição, ela deverá conservar a sua essência, o núcleo de decisões políticas e valores fundamentais que justificam sua criação. Essa identidade, também referida como o espírito da Constituição, é protegida pela existência de limites materiais ao poder de reforma, previstos de modo expresso em inúmeras Cartas. São as denominadas clausular pétreas ou de intangibilidade, nas quais são inscritas as matérias que ficam fora do alcance do constituinte derivado. A essência desses valores e desse Direito dá identidade à Constituição. Se eles não forem preservados, estar-se-á diante de uma nova Constituição, e não de uma mudança constitucional.

Na medida em que as cláusulas pétreas representem o núcleo de identidade e a reserva moral de uma dada ordem constitucional. Se o poder constituinte derivado puder alterar as regras acerca do seu próprio exercício, ele se torna onipotente, convertendo-se indevidamente em originário. Alguns autores admitem a possibilidade de supressão das clausulas pétreas desde que tal reforma seja levada à ratificação popular.

O reconhecimento de limites materiais faz surgir duas espécies de normas: as que podem ser revogadas pelo poder de reforma e as que não podem. As que são irrevogáveis tornam inválidas eventuais emendas que tenham essa pretensão, ao passo que as normas constitucionais revogáveis são substituídas pelas emendas que venham a ser aprovadas com esse propósito. Pelo princípio da unidade da Constituição, inexiste hierarquia entre normas constitucionais originárias, que jamais poderão ser declaradas inconstitucionais umas em face das outras.

4. Os limites materiais na experiência brasileira e na Constituição de 1988

Na constituição de 1988, a matéria vem tratada no art. 60, I-4, que não faz menção À república – a forma de governo veio a ser objeto de plebiscito previsto no art. 2º do ADCT. No entanto, diversos outros pontos foram acrescentados ao elenco tradicional, como, se colhe na dicção expressa do texto constitucional:

Art. 60 (...)

I-4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – A forma federativa do Estado

I I – O voto direto, secreto, universal e periódico

I I I – A separação dos poderes

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IV – Os direitos e garantias individuais

A locução tende a abolir deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado, ela deve servir para que se impeça a erosão do conteúdo substantivo das cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil muralha contra o vento da história, petrificando determinado status quo. A lei fala da abolição dessas cláusulas, mas não do aprimoramento e discussões sobre elas.

Há duas razões relevantes e complementares pelas quais a interpretação das cláusulas pétreas deve ser feitas sem alargamento do seu sentido e alcance: a) para não sufocar o espaço de conformação reservado à deliberação democrática, exarcebando a atuação contramajoritária do Judiciário; e b) para não engessar o texto constitucional, o que obrigaria à convocação repetida e desestabilizadora do poder constituinte originário.

O STF reafirmou que os limites materiais ao poder constituinte de reforma não significam a intangibilidade literal da disciplina dada ao tema pela Constituição originária, mas apenas a proteção pelas cláusulas pétreas. O que se protege enfatizou-se, são as decisões políticas fundamentais, e não qualquer tipo de metafísica ideológica.

4.1 A forma federativa do Estado

O Brasil é uma República Federativa, na dicção expressa do art. 1ª da Constituição. Existe assim, um poder nacional (que é a soma do poder federal com o federado), um poder federal (titularizado pela União, ente federativo central) e um poder federado (que no caso brasileiro é exercido por Estados-membros e, em ampla medida, também pelos municípios).

Resumindo, a caracterização do Estado federal envolve a presença de 3 elementos: a) A repartição de competências, por via da qual cada entidade integrante da Federação receba competências políticas exercitáveis por direito próprio, frequentemente classificadas em político-administrativas, legislativas e tributárias; b) a autonomia de cada ente, descrita classicamente como o poder de autodeterminação exercido dentro de um círculo pré-traçado pela Constituição, que assegura a cada ente estatal poder de auto-organização,autogoverno e autoadministração; e c) a participação na formação da vontade do ente global, do poder nacional, o que tradicionalmente se dá pela composição partidária do Senado Federal, onde todos os Estados têm igual representação.

4.2 O voto direto, secreto, universal e periódico

Esta é a única limitação material expressa que não é apresentada com o teor de uma cláusula geral principiológica, mas sim como uma regra, uma prescrição objetiva. Note-se que a referência ao voto secreto visa a proteger a liberdade de participação política, que deve estar imune a injunções externas indevidas. A qualificação universal abriga a

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ideia de igual participação de todos e o caráter periódico reverencia um dos aspectos do ideal democrático-republicano, que é o controle popular e a alternância do poder.

4.3 A separação dos poderes

O conteúdo nuclear e histórico do princípio da separação de Poderes pode ser descrito nos seguintes termos: as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a órgãos diversos e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de modo a proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto.

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Em casos de relevância e emergência, o presidente pode tomar o lugar do Congresso editando uma medida provisória. Passa por uma análise do Senado e da Câmara para depois virar uma lei ordinária. A eficácia é imediata com um prazo de 30 dias, mas se o Senado e a Câmara não votaram dentro do prazo a medida, poderia ser re-editada a proposta para um novo prazo de mais 30 dias. E poderia ser re-editada de novo? Sim, indefinidamente. Então, foi aprovada uma EC 32/2001 que fala que a MP terá um prazo maior de 60 dias, mas só pode ser prorrogada uma vez. Não havia limites a MP, agora, existem. Perceba que a MP trata do assunto da separação dos poderes em que o executivo se adentra no legislativo, mas tem um caráter de aperfeiçoar a separação dos poderes e não de extingui-la. Não mexe no núcleo da separação dos poderes que é o sistema de freios e contra-pesos

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4.4 Os direitos e garantias individuais

Considerada do ponto de vista subjetivo, a ideia de direito expressa o poder de ação, assente na ordem jurídica, destinado à satisfação de um interesse.

Os direitos individuais configuram uma espécie de direitos constitucionais. Tais direitos, talhados no individualismo liberal, protegem os valores ligados à vida, à liberdade, à igualdade jurídica, à segurança e à propriedade. Destinam-se prioritariamente a impor limitações ao poder político, traçando uma esfera de proteção das pessoas em face do Estado.

Dois debates teóricos têm trazido complexidade à interpretação dessa cláusula. O primeiro é o fato de que o art. 5ª da Constituição abriga um longo elenco de direitos individuais, deduzidos em dezenas de incisos. A indagação que se põe consiste em saber se tais direitos se limitam aos que constam dessa enunciação expressa ou se podem ser encontrados também em outras partes do texto constitucional. A segunda questão refere-se a literalidade do inciso 4 do §4ª do art. 60, que só faz menção a “direitos e garantias individuais”.

A primeira questão já foi respondida pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Em decisão que se tornou histórica, por ser o primeiro precedente de declaração de

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inconstitucionalidade de dispositivos de emenda constitucional, o Tribunal adotou posição ousada e louvada: a de que existem direitos protegidos pela cláusula do inciso 4 do §4ª do art. 60 que não se encontram expressos

A segunda controvérsia remete ao reconhecimento da existência de diferentes categorias de direitos constitucionais, que o conhecimento convencional costuma dividir em gerações ou dimensões de direitos fundamentais, todas elas consagradas pela Constituição brasileira. Na primeira geração encontram-se, os direitos individuais, que traçam a esfera de proteção das pessoas contra o poder do Estado, e os direitos políticos, que expressam os direitos da nacionalidade e os de participação política, que sintetizam no direito de votar e ser votado. Na segunda geração estão os direitos sociais, econômicos e culturais referidos normalmente como direitos sociais, que incluem os direitos trabalhistas e os direitos a determinadas prestações positivas do Estado, em áreas como educação, saúde, seguridade e outras. Na terceira geração estão os direitos coletivos e difusos, que abrigam os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito de consumidor. Já se fala em uma quarta geração, o direito à democracia e ao desenvolvimento.

Parte da doutrina sustenta que a cláusula constitucional somente faz menção aos direitos individuais e que, por se tratar de norma excepcional limitadora dos direitos da maioria política, deve ser interpretada de maneira estrita, e não extensiva. De outro lado, diversos autores sustentam que o constituinte empregou a espécie pelo gênero, de modo que a proteção deve recair sobre todos os direitos fundamentais, e não apenas sobre os individuais. ____________________________X_____________________________________

Os direitos fundamentais não estão só escritos no Art. 5ª da CF. Eles estão espalhados por toda a Constituição. Artigo 228º - “São penalmente inimputáveis Oe menores de dezoito anos, sujeitos às normas legislação especial”. Isso quer dizer que os menores de 18 anos cometem um ato infracionário descrito pelo Estatudo da Criança e do Adolescente (E.C.A) e não crimes. Sempre que tem um caso de maior repercussão como o de João Hélio que foi arrastado por vários quilômetros preso ao cinto de segurança e acabou falecendo, sempre volta a discussão sobre a redução da maioridade penal. A questão de porque não se diminuir.

Se pretende criar uma cláusula para modificar a 228, mas alguns autores acreditam que a questão dos menores de 18 anos serem regulados por um estatuto especial significa um direito individual, então eles são intangíveis perante a reforma constitucional.

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5. Os limites materiais implícitos