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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL REFORMA AGRÁRIA E DESFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA: UMA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO? – o caso da região de Barreira Branca, Tocantins Luciana de Oliveira Rosa Machado Orientador: Richard Georges Pasquis Dissertação de Mestrado Brasília, agosto/2002.

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

REFORMA AGRÁRIA E DESFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA: UMA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO? –

o caso da região de Barreira Branca, Tocantins

Luciana de Oliveira Rosa Machado

Orientador: Richard Georges Pasquis

Dissertação de Mestrado

Brasília, agosto/2002.

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

REFORMA AGRÁRIA E DESFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA: UMA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO? –

o caso da região de Barreira Branca, Tocantins

Luciana de Oliveira Rosa Machado Dissertação de Mestrado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade

de Brasília, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Mestre em

Desenvolvimento Sustentável, área de concentração Gestão e Política Ambiental, opção

Profissionalizante.

Aprovado por: ___________________________________ Richard Georges Pasquis, Doutor (Pesquisador associado, CDS-UnB) (Orientador) _____________________________________ José Augusto Drummond, Doutor (CDS-UnB) (Examinador interno) ____________________________________ Joseph Weiss, Doutor (Examinador externo) Brasília, 29 de agosto de 2002.

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[Ficha catalográfica]

É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta dissertação e emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. A autora reserva-se outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de mestrado pode ser reproduzida sem a autorização por escrito da autora.

___________________________ Luciana de Oliveira Rosa Machado

MACHADO, LUCIANA DE OLIVEIRA ROSA Reforma agrária e desflorestamento na Amazônia: uma relação de causa e efeito? – o caso da região de Barreira Branca, Tocantins, 110p, 297 mm (UnB-CDS, Mestre, Política e Gestão Ambiental, 2002). Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília. Centro de Desenvolvimento Sustentável.

1. Reforma Agrária 3. Colonização 2. Desflorestamento 4. Amazônia Legal

I. UnB II. Título

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar o processo de ocupação e as políticas de reforma agrária na Amazônia e as suas relações – diretas ou indiretas – com a evolução das taxas de desflorestamento observadas nas últimas décadas. Para tanto, foi realizado um estudo sobre uma pequena região no norte do estado do Tocantins, mais exatamente a região conhecida como Barreira Branca, onde estão localizados seis projetos de assentamento criados pelo Incra a partir de 1996. Essa pesquisa envolveu levantamentos bibliográficos sobre os temas de interesse, bem como trabalhos de campo junto às famílias assentadas e a instituições de pesquisa e órgãos estaduais relacionados às questões de conservação e desenvolvimento no estado. Os resultados alcançados apontam para a existência de uma relação direta entre a política de reforma agrária e o desflorestamento observado na região. Todavia, a relação de causa e efeito observada traduz-se em uma mudança no padrão de desflorestamento, e, não necessariamente, no aumento das taxas observadas. Outrossim, a relação entre políticas de criação de projetos de assentamento e desflorestamento só se dá em razão da falta de articulação entre as políticas agrárias e demais políticas públicas territoriais, sejam elas estaduais ou federais.

ABSTRACT

The aim of this work is to analyze the occupation process and the agrarian reform policies in the Brazilian Amazon rain forest and their relation with respect to the evolution of the deforestation rate in the last years. For that purpose a study was carried out in Barreira Branca, a small region located at the north of the Tocantins state, where some settlement projects have been established since 1996. This work includes a bibliographic research and (field) interviews with settled families and institutional organizations related to the conservation and development policies in the state. The results indicated that there is a connection between the agrarian reform policy and the deforestation observed in that place. However, this connection does not mean that the rates are increasing, but that there is a variation in the deforestation. Moreover, the relation between the settlement establishment policies and the deforestation growth only occurs because of the lack of coordination between the agrarian policies and other government policies.

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................................................................................................i ABSTRACT ....................................................................................................................................................................i SUMÁRIO......................................................................................................................................................................ii LISTA DE TABELAS E QUADRO.......................................................................................................................iv LISTA DE FIGURAS..................................................................................................................................................v LISTA DE SIGLAS ....................................................................................................................................................vi 1. INTRODUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO .................................................................................................1

1.1. Introdução.......................................................................................................................................................1 1.2. Contexto político-institucional ....................................................................................................................3 1.3. Critérios para a seleção da área de estudo..................................................................................................4

2. REFERÊNCIAS TEÓRICAS E CONCEITUAIS..........................................................................................10

2.1. Definindo Reforma Agrária .......................................................................................................................10 2.2. O que é desflorestamento?.........................................................................................................................12 2.3. Ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável .........................................................................13

3. METODOLOGIA ADOTADA.........................................................................................................................15

3.1. O diagnóstico de sistemas agrários ...........................................................................................................16 3.2. Levantamento de dados: pesquisa bibliográfica, observação direta e entrevistas abertas................18 3.3. Análise dos resultados.................................................................................................................................20

4. POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA ........................................22

4.1. A ocupação da Amazônia: colonização ou reforma agrária? ................................................................22 4.1.1. O sentido da ação do Estado: colonização induzida.........................................................................24 4.1.2. Outras formas de ocupação: os verdadeiros beneficiários da colonização ...................................27 4.1.3. As novas atribuições do Incra e as dificuldades em se fazer reforma agrária ...............................30

4.2. A “colonização” em um novo contexto ..................................................................................................32 4.2.1. Revisão dos sistemas de colonização...................................................................................................34 4.2.2. Novos padrões de desenvolvimento econômico e a era da globalização ......................................37 4.2.3. O desenvolvimento social em debate ..................................................................................................40 4.2.4. Crise ambiental e tomada de consciência............................................................................................42

5. O DESFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA.............................................................................................46

5.1. O quadro geral do desflorestamento na Amazônia................................................................................46 5.2. O desflorestamento: uma avaliação difícil ...............................................................................................47

5.2.1. Definição ambígua em área de referência incerta ..............................................................................48 5.2.2 Um imbróglio metodológico..................................................................................................................52

5.3. Causas e dinâmicas extremamente variáveis............................................................................................54 5.3.1. Pequenos ou grandes proprietários de terras – de quem é a culpa? ...............................................54 5.3.2. Dinâmicas que variam conforme o espaço-tempo considerado .....................................................57 5.3.3. Outros fatores relacionados ao desmatamento..................................................................................62

5.4. Impactos do desflorestamento: uma questão de escala .........................................................................66 5.4.1. O desmatamento e a biodiversidade....................................................................................................67 5.4.2. Outros efeitos do desmatamento .........................................................................................................68

6. O TOCANTINS NA AMAZÔNIA...................................................................................................................70

6.1. O desmembramento de Goiás e a criação do Tocantins ......................................................................70 6.2. O Tocantins como fronteira de recursos: ocupação do espaço e uso dos recursos naturais ..........71 6.3. A ocupação mais recente e o surgimento de conflitos fundiários .......................................................74 6.4. O vai-e-vem das posses: concentração, distribuição e reconcentração de terras..................................77 6.5. O Incra e a criação de projetos de assentamento no Tocantins ..........................................................79

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6.6. O estado hoje: caracterização geral e atividades produtivas desenvolvidas .......................................81 6.6.1. Condições físicas favoráveis ao desenvolvimento de atividades agropecuárias............................81 6.6.2. Crescimento populacional: dinamismo e desigualdades regionais ..................................................83 6.6.3. Uso atual e distribuição das terras no estado .....................................................................................84 6.6.4. Cenário político-econômico para o desenvolvimento do “estado da iniciativa privada e da

justiça social” ........................................................................................................................................86 7. A GRANDE REGIÃO DE ARAGUAÍNA E O CASO DE BARREIRA BRANCA: ENTRE O

DESENVOLVIMENTO E A CONSERVAÇÃO.......................................................................................88 7.1. As terras em Barreira Branca: desenvolvimento ou conservação? ......................................................88 7.2. Caracterização dos projetos de assentamento.........................................................................................92

7.2.1. Características gerais da área .................................................................................................................92 7.2.2. Infra-estrutura e serviços existentes.....................................................................................................93 7.2.3. Perfil socioeconômico dos assentados ................................................................................................95 7.2.4. Aspectos institucionais do assentamento............................................................................................97 7.2.5. Condições ambientais e desflorestamento nos projetos de assentamento ....................................98

7.3. A conservação das florestas em Barreira Branca: que alternativas?.....................................................99 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO.......................................................................................... 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................ 106

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LISTA DE TABELAS E QUADRO

Capítulo 4 Tabela 4.1 – Participação percentual das grandes regiões brasileiras no PIB nacional – 1970-1990.............29 Tabela 4.2 – Assentamento de famílias no governo de Fernando Henrique Cardoso, 1995-1998................36 Tabela 4.3 – Índice de evasão (%) em assentamentos, por grandes regiões e estados da Amazônia Legal .36 Tabela 4.4 – Produção de soja, unidades federativas da Amazônia Legal e Brasil, 1993-2000 (ton.)............40 Tabela 4.5 – Índice de desenvolvimento humano (IDH).....................................................................................41 Tabela 4.6 – Beneficiários da reforma agrária de acordo com as grandes regiões - no de famílias. ...............42 Capítulo 5 Tabela 5.1 – Taxa média anual e extensão total do desflorestamento bruto na Amazônia Legal (km2/ano)

................................................................................................................................................................................47 Tabela 5.2 – Estratificação da Amazônia brasileira ...............................................................................................49 Tabela 5.3 – Preço médio de venda de terras na Amazônia Legal – 1o semestre de 1998 ..............................63 Tabela 5.4 – Valor da terra de acordo com sua cobertura vegetal ......................................................................63 Capítulo 6 Quadro 6.1 – Ciclos históricos da economia do Tocantins..................................................................................74 Tabela 6.1 – Número total de projetos de assentamento criados pelo Incra, nos estados da Amazônia

Legal até julho de 2001 .......................................................................................................................................80 Tabela 6.2 – Tocantins: população (urbana e rural), taxa de crescimento e densidade demográfica.............83 Tabela 6.3 – Distribuição das terras no estado do Tocantins ..............................................................................85 Tabela 6.4 – Situação da propriedade da terra no Tocantins ...............................................................................85 Capítulo 7 Tabela 7.1 – Projetos de assentamento criados pelo Incra no município de Aragominas ..............................92 Tabela 7.2 – Situação de alguns imóveis comprados/desapropriados pelo Incra ............................................92

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LISTA DE FIGURAS

Capítulo 1 Figura 1.1 – Fitofisionomias do Tocantins: localização da região de interesse para o estudo..........................6 Figura 1.2 – Localização dos projetos de assentamento no estado do Tocantins ..............................................7 Figura 1.3 – Municípios que integram o Arco do Desflorestamento e antropismo ...................................................8 Figura 1.4 – Imagens de satélite (Landsat, composição colorida 5, 4, 3), utilizadas para a seleção da área de

estudo. Barreira Branca, último maciço florestal do estado do Tocantins: aumento e mudança no padrão de desflorestamento entre os anos 1992, 1996 e 1999 .......................................................................9

Capítulo 3 Figura 3.1 – Componentes de um modelo interativo de análise de dados.........................................................21 Capítulo 4 Figura 4.1 – Número de projetos de assentamento criados pelo Incra entre 1970 e 2000 .............................26 Figura 4.2 – Área ocupada pelos projetos de assentamento criados pelo Incra entre 1970 e 2000...............26 Figura 4.3 – Áreas desapropriadas, por grande região – 1985-1989 ...................................................................32 Figura 4.4 – Avança Brasil: investimentos totais, públicos e privados, para 2000-2007..................................38 Capítulo 5 Figura 5.1 – Tipos de vegetação – áreas abertas, floresta de transição, floresta ...............................................50 Figura 5.2 – Ecorregiões do bioma amazônico ......................................................................................................51 Figura 5.3 – Estimativas de diversos autores para a extensão do desflorestamento bruto na Amazônia

Legal até 1988 (mil km2) .....................................................................................................................................53 Figura 5.4 – Esquema hipotético do processo de desmatamento em projetos de assentamento. .................58 Figura 5.5 – Área dos projetos de assentamento criados e taxa anual de desflorestamento bruto na

Amazônia Legal ...................................................................................................................................................58 Figura 5.6 – Área acumulada dos projetos de assentamento e extensão do desflorestamento na Amazônia

Legal.......................................................................................................................................................................59 Figura 5.7 – Área acumulada dos projetos de assentamento criados e extensão do desflorestamento bruto

nos estados de Acre, Amapá, Mato Grosso e Rondônia, 1978-2000..........................................................60 Figura 5.8 – Extensão do desflorestamento bruto e área dos projetos de assentamento criados no estado

do Tocantins – dados cumulativos ...................................................................................................................61 Figura 5.9 – Extensão do desflorestamento bruto e número de projetos de assentamento criados no

estado do Tocantins – dados cumulativos.......................................................................................................61 Figura 5.10 – Evolução da taxa de desflorestamento bruto e do aumento da população na Amazônia Legal

entre 1960 e 2000.................................................................................................................................................64 Capítulo 6 Figura 6.1 – População residente no estado do Tocantins, 1950-2000 ..............................................................83 Figura 6.2 – Número (classes) de estabelecimentos rurais no Tocantins, 1985-1995 ......................................86 Capítulo 7 Figura 7.1 – Cadeia dominial das terras da grande região de Araguaína – loteamentos Lontra e Andorinha

e Barra do Ribeirão Muricizal: cores iguais representam lotes de uma mesma família ............................89 Figura 7.2 – Fazendas existentes na região de Barreira Branca: um mosaico de áreas desflorestadas (em

tons de rosa e verde claro) e superfícies cobertas por floresta ombrófila (verde escuro)........................90 Figura 7.3 – Habitações típicas do Projeto de Assentamento Vitória Régia .....................................................94 Figura 7.4 – Propaganda da cidade de Santa Fé do Araguaia, “a capital do boi gordo!”.................................96 Figura 7.5 – Ribeirinho assentado no P. A. Vitória Régia, preparando peixe para ser vendido na Praia do

Escapole (rio Araguaia).......................................................................................................................................97 Figura 7.6 – Síntese da ocupação em Barreira Branca: projetos de assentamento criados com a

desapropriação de antigas fazendas, áreas propostas para a criação da ReBio Barreira Branca e Reserva Particular da Fazenda Malasca........................................................................................................................ 100

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LISTA DE SIGLAS

Abra – Associação Brasileira de Reforma Agrária ASB – Programa Alternative to Slash and Burn Basa – Banco da Amazônia S.A. CDS – Centro de Desenvolvimento Sustentável Cirad – Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement CNDRS – Comissão Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável CNRS – Centre National de Recherche Scientifique Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPT – Comissão Pastoral da Terra DEID – Departamento de Identificação de Delimitação de Terras Indígenas DSA – Diagnóstico de Sistemas Agrários FAO – Food and Agriculture Organization Finam – Fundo de Investimentos na Amazônia FNO – Fundo Constitucional de Financiamento do Norte Funai – Fundação Nacional do Índio Gebam – Grupo Executivo do Baixo Amazonas Getat – Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins IAG – International Advisory Group Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Ibra – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Idago – Instituto de Desenvolvimento Agropecuário de Goiás IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura Imazon – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Inda – Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário Inpa – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia Iterpa – Instituto de Terras do Pará Itertins – Instituto de Terras do Tocantins Jica – Japanese International Cooperation for Agriculture MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MEPF – Ministério Extraordinário de Política Fundiária MMA – Ministério do Meio Ambiente MPO – Ministério do Planejamento e Orçamento MST – Movimento dos Sem-Terra NAPIAm – Núcleo de Apoio às Políticas Integradas para a Amazônia Naturatins – Instituto de Meio Ambiente do Tocantins ONGs – Organizações Não-Governamentais PA – Projeto de Assentamento PAE – Projeto de Assentamento Agroextrativista

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PCT – Projeto de Cooperação Técnica PDS – Projeto de Desenvolvimento Sustentável PGAI – Projeto de Gestão Ambiental Integrada PIN – Programa de Integração Nacional Planafloro – Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Polamazônia – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia Polocentro – Programa de Desenvolvimento do Cerrado PPG-7 – Programa Piloto para conservação das Florestas Tropicais do Brasil Proarco – Programa de Prevenção e Controle às Queimadas e aos Incêndios Florestais no Arco do Desflorestamento Prodeagro – Programa de Desenvolvimento Agroambiental do Estado do Mato Grosso Proderur – Programa de Desenvolvimento Rural Prodex – Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo Profloresta – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Florestal ProManejo – Projeto de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia Pronaf – Programa Nacional de Agricultura Familiar Pronera – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária Prorural – Programa de Apoio à Pequena Produção Familiar Rural Organizada Proterra – Programa de Redistribuição de Terras ReBio – Reserva Biológica RIT – Relatório de Informações Trimestrais Ruraltins – Instituto de Extensão Rural do Tocantins SCA – Secretaria de Coordenação da Amazônia Seplan/TO – Secretaria Estadual de Planejamento e Meio Ambiente do Tocantins Sepro/TO – Secretaria Estadual de Produção do Tocantins SIG – Sistema de Informações Geográficas SIUC – Sistema de Informações sobre Unidades de Conservação SPRN – Sub-Programa de Política de Recursos Naturais STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais Sudam – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia Suframa – Superintendência da Zona Franca de Manaus TREES – Tropical Ecosystem Environment Observation by Satellite UICN – União Internacional de Conservação da Natureza UnB – Universidade de Brasília WHRC – Woods Hole Research Centre WWF – World Wildlife Fund ZEE – Zoneamento Ecológico-Econômico

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1. INTRODUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1. Introdução

Este trabalho busca discutir a questão do desflorestamento na Amazônia, revisando e

reformulando algumas hipóteses sobre suas causas e dinâmicas. Para tanto, foi testada, para o caso

específico da região de Barreira Branca, no estado de Tocantins, a relação de causa e efeito entre a

criação de projetos de assentamento e o desflorestamento observado na área nos últimos anos.

A motivação para a realização deste trabalho surgiu do empenho da Secretaria de

Coordenação da Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente (SCA/MMA), em controlar o

processo de desflorestamento, cujas taxas, em meados da década passada, mostravam-se

alarmantes. Tendo em vista a discussão ainda inacabada sobre as principais causas e os atores

envolvidos no processo de remoção da cobertura florestal amazônica, pareceu-nos importante

analisar o tema tendo como foco principal as políticas de colonização e reforma agrária e a

implantação de projetos de assentamento na região. Dessa forma, uma das bases do presente

trabalho refere-se a uma extensa revisão da bibliografia existente sobre o tema, bem como

pesquisas de campo realizadas em área previamente selecionada.

É comum, quando se fala em desflorestamento na Amazônia, relacioná-lo a variáveis tais

como construção de estradas e vias de acesso, políticas agrárias e agrícolas de incentivo à

produção agropecuária (incluindo preços dos produtos e créditos concedidos) e também

crescimento populacional, esse último, nem sempre verdadeiro. No entanto, quando o tema

começa a ser analisado com mais profundidade, percebe-se uma grande dificuldade no

estabelecimento de uma variável-chave ou um fator único que seja capaz de explicar o processo

em toda a sua extensão e complexidade. Isso pode parecer um tanto frustrante, mas é também

facilmente compreensível quando pensamos na dimensão da região, na escala em que se dão os

desmatamentos e nos diferentes atores envolvidos.

Todavia, uma questão recorrente nas discussões sobre o tema é o papel de pequenos e

grandes produtores rurais no processo de ocupação da região e de avanço da fronteira agrícola.

Levantamentos recentes realizados por instituições envolvidas no assunto indicam uma

contribuição importante dos pequenos agricultores e dos projetos de colonização e assentamento

para o desflorestamento na Amazônia.

Entretanto, faltam ainda explicações e dados mais consistentes sobre os diferentes fatores

e as variáveis que interferem no processo e determinam a opção, por parte de cada um dos

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agentes envolvidos, pela manutenção ou não da floresta. Essas variáveis podem ser de ordem

econômica, política, social ou ambiental. Por exemplo: Quais são as alternativas econômicas que

se apresentam aos produtores rurais (pequenos, médios ou grandes) que desenvolvem a pecuária

extensiva? Como as políticas de incentivos fiscais poderiam contribuir para a manutenção da

floresta em pé? Quais as tecnologias disponíveis para a pequena agricultura familiar? Quais os

impactos das políticas de conservação sobre os grupos sociais presentes na região?

Na tentativa de responder a algumas dessas perguntas, a maioria delas relacionadas ao

desenvolvimento dos projetos de assentamento implantados na região, este trabalho tem como

objetivo analisar os efeitos das políticas de reforma agrária sobre o processo de desflorestamento

que vem sendo observado na Amazônia, em particular no estado do Tocantins, nas últimas

décadas. Para tanto, foi estruturado em sete capítulos, além desta introdução, que também

apresenta o contexto em que se insere este trabalho e os principais critérios para a escolha da

região de estudo. No Capítulo 2 são focalizados alguns conceitos importantes para a compreensão

dos grandes temas envolvidos; não se trata de uma revisão exaustiva sobre referências conceituais,

mas tão-somente um recorte sobre alguns conceitos utilizados, tais como reforma agrária,

desflorestamento e desenvolvimento sustentável. O Capítulo 3 aborda os aspectos metodológicos da

pesquisa, os quais incluem pesquisa bibliográfica e levantamentos de campo. A seguir, no Capítulo

4, faz-se um breve apanhado sobre as políticas de ocupação e reforma agrária implantadas na

Amazônia, mostrando o papel do Estado como elemento indutor da colonização e os obstáculos

por ele enfrentados no que tange à realização de uma reforma agrária de fato. O Capítulo 5

apresenta o quadro geral do desflorestamento na região, com as principais dificuldades

encontradas no processo de avaliação e monitoramento das taxas anuais e sua real extensão, além

de discutir algumas de suas causas, atores e impactos. Ao Capítulo 6 coube uma abordagem

histórica do estado do Tocantins, desde o desmembramento do estado de Goiás até os dias atuais.

Também aí foram apresentados alguns resultados das pesquisas de campo, sobretudo aqueles

relacionados às políticas estaduais de ocupação, desenvolvimento e conservação. O Capítulo 7

apresenta os principais resultados da pesquisa de campo na região de Barreira Branca e mostra

como se deu a criação dos projetos de assentamento ali existentes e qual a sua relação com as

políticas estaduais de conservação de um dos últimos remanescentes florestais do estado. Por fim,

no Capítulo 8 encontram-se as considerações finais e conclusões deste trabalho.

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1.2. Contexto político-institucional

O presente trabalho teve início no marco de um acordo de Cooperação Técnica

estabelecido entre o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o

Desenvolvimento – Cirad1 e o Núcleo de Apoio às Políticas Integradas para a Amazônia –

NAPIAm, da Secretaria de Coordenação da Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente –

SCA/MMA. Esse projeto, proposto sob o título de Caracterização e Avaliação dos Formatos de

Ocupação do Espaço Amazônico, foi estabelecido no início de 1999 e previa a realização de diferentes

atividades relacionadas ao processo de ocupação da Amazônia, as quais deveriam servir como

base de apoio à elaboração de um diagnóstico da situação atual da região e como marco

referencial para as estratégias de atuação da SCA frente às importantes e recentes mudanças

ocorridas na Amazônia brasileira, sobretudo aquelas relacionadas à remoção da cobertura florestal

da região.

Dentro desse quadro, diferentes estudos, pesquisas, treinamentos e ateliers foram

conduzidos, no sentido de reunir e sistematizar as informações existentes, mas dispersas, sobre

temas amazônicos de relevância, atualizando os conhecimentos acerca do novo contexto regional

e propondo modelos e alternativas viáveis para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Sobre os documentos produzidos durante o referido acordo, cabe mencionar a elaboração de

diagnósticos estaduais e a definição de áreas prioritárias para discussão nas reuniões das Agendas

Positivas de cada um dos estados amazônicos, bem como da Agenda Positiva Regional; estudos

temáticos específicos, alguns deles já veiculados nas duas versões do CD-ROM Informações de Apoio

ao Planejamento Estratégico para a Amazônia, produzido pelo NAPIAm, juntamente com o Programa

Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG-7. Por fim, os resultados desses

esforços foram traduzidos em um documento apresentado à SCA em outubro de 2001, como

produto final da ação de cooperação técnica – Diagnóstico dos Formatos de Ocupação do Espaço

Amazônico.

No decorrer de todo este processo, foram identificados diferentes temas de relevância e

interesse – entre eles, a dinâmica do desflorestamento na Amazônia e seu relacionamento com a

política de reforma agrária implantada na região nas últimas décadas –, não só no nível

institucional, como também em termos de pesquisa e desenvolvimento. Dessa forma, pareceu

oportuna a conciliação das atividades que vinham sendo desenvolvidas com reflexões e discussões

mais acadêmicas, tais como as promovidas pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da

Universidade de Brasília – CDS/UnB. A proposta de ingressar no curso de Mestrado

1 Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement

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Profissionalizante em Política e Gestão Ambiental desse centro foi então apresentada à Secretaria,

que prontamente se dispôs a apoiá-la por intermédio da Coordenação do NAPIAm.

Não obstante o apoio recebido, mudanças ocorridas nas instituições acima mencionadas,

em meados de 2001, fizeram com que parte do presente trabalho ficasse a cargo do Ministério da

Ciência e Tecnologia – MCT, que, em convênio com o PPG-7, viabilizou sua continuidade,

financiando os custos de funcionamento durante a fase de redação do texto que ora se apresenta.

Não menos importante foi o apoio recebido do Centro Nacional de Pesquisa Científica do

Governo Francês – CNRS2 e do Projeto de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia –

ProManejo, que viabilizaram algumas viagens ao estado do Tocantins, possibilitando o

levantamento de informações de campo – nos assentamentos – e junto a diferentes instituições

governamentais e não-governamentais.

1.3. Critérios para a seleção da área de estudo

Considerando a temática central do trabalho – a existência de uma relação de causa e

efeito entre a política de reforma agrária e a dinâmica do desflorestamento na Região Amazônica-,

a área de estudo deveria ser caracterizada por uma dinâmica de ocupação marcante e recente, que

contivesse projetos de assentamento implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária – Incra e, ao mesmo tempo, apresentasse uma mudança significativa em termos

de remoção da cobertura vegetal. Isso porque o objetivo primeiro da SCA – e, conseqüentemente,

do acordo de cooperação estabelecido com instituições francesas – sempre esteve pautado pela

implementação de políticas públicas que permitam reverter o modelo de ocupação predominante

na região, caracterizado por atividades econômicas de alto custo ambiental e baixo retorno social,

que tiveram como conseqüência o desflorestamento hoje observado na região.

Com as mudanças ocorridas no quadro institucional de realização do trabalho, a área de

estudo deveria ainda fazer parte de uma região onde o tema Conservação e Desenvolvimento parecesse

contraditório (linha de pesquisa do CNRS), além de ter uma relação com projetos desenvolvidos

pelo PPG-7. Nesse contexto, e utilizando-se das informações levantadas na elaboração dos

Diagnósticos Estaduais para as Agendas Positivas, foram selecionados, inicialmente, dois estados

de interesse: Rondônia e Tocantins. A partir de então foram organizadas algumas viagens a ambos

os estados, incluindo visitas a projetos de assentamento, após o que se optou por trabalhar apenas

no estado do Tocantins. Deve-se ressaltar que, além dos fatores já mencionados, a escolha desse

estado levou em conta também alguns outros elementos, quais sejam tratar-se de um estado

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relativamente novo e pouco estudado em termos de desflorestamento, quando comparado com

Rondônia, e sua maior proximidade de Brasília e, portanto, menores custos com as viagens de

campo. Outrossim, estavam em curso, no momento da escolha, discussões sobre possíveis

acordos entre a Universidade do Tocantins e o Cirad, para a realização de pesquisa relacionada ao

desenvolvimento da agricultura familiar no estado; e entre aquela e o CDS, para a implantação de

um curso de mestrado – a exemplo do que já existe com outras universidades de Mato Grosso do

Sul, Vitória da Conquista (BA) e Amapá.

Depois de escolhida a grande região – o estado do Tocantins –, fazia-se necessária a

definição de uma área específica para a realização de trabalhos de campo que integrariam o estudo

de caso. Foi então que consultas realizadas em diferentes instituições estaduais – em especial a

Secretaria Estadual de Planejamento e Meio Ambiente do Tocantins – Seplan/TO – levaram à

delimitação da “zona de influência” de Araguaína como área de interesse para o estudo, uma vez

que se trata de uma das poucas áreas de fisionomia florestal do estado e, portanto, classificada

como potencial para conservação, pelos órgãos estaduais (Figura 1.1). Todavia, essa região tem

sido ocupada nos últimos anos por projetos de assentamento, por meio da desapropriação de

grandes fazendas que dominavam, e ainda dominam, a região (Figura 1.2). Além disso, a referida

zona está inserida no chamado Arco do Desflorestamento (Figura 1.3), o que a torna prioritária para o

estado e para a SCA em termos de controle do desflorestamento. Tanto assim que a região foi

selecionada pelo PPG-7 para receber financiamento e apoio técnico do Projeto de Gestão

Ambiental Integrada da Região do Bico do Papagaio – PGAI Bico do Papagaio3. Este, por seu

turno, adotou como um dos critérios de seleção a importância socioambiental da área para o

estado, haja vista constituir-se em palco de conflitos fundiários com repercussão nacional e

internacional durante as décadas de 1970 e 1980.

Por fim, a escolha dos projetos de assentamento foi realizada por meio de análises

multitemporais de imagens de satélite disponíveis (Figura 1.4), que, juntamente com informações

sobre tipos de solo, vegetação, infra-estrutura, etc., constantes do Atlas do Estado do Tocantins,

elaborado pela Seplan/TO, permitiram a identificação de diferentes padrões de ocupação

existentes na região de Barreira Branca, a qual integra a zona de influência de Araguaína.

2 Centre National de Recherche Scientifique 3 Projeto elaborado pelo Sub-Programa de Política de Recursos Naturais (SPRN), do PPG-7, com a finalidade de identificar e diagnosticar os principais problemas ambientais de cada estado. No caso específico do PGAI Bico do Papagaio, cinco sub-componentes foram identificados, para ser implementados de forma integrada, quais sejam zoneamento ecológico-econômico, monitoramento ambiental, controle ambiental (incluindo fiscalização), promoção do manejo sustentável dos recursos naturais e estruturação de suas instituições executoras.

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Figura 1.1 – Fitofisionomias do Tocantins: localização da região de interesse para o estudo

(Fonte: Seminário Consulta Macapá – Instituto Socioambiental, 2001.)

Rodovias

Hidrografia

Malha municipal

#

#

Brasília

Belém

Amazônia LegalBelém-Brasília

Estado do Tocantins

Região de interesseBarreira Branca

50 0 50 100 km

Regiões fitoecológicas

Áreas de tensão ecológica

Floresta estacional decidual

Floresta estacional semidecidual

Floresta ombrófila aberta

Floresta ombrófila densa

Cerrado

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Figura 1.2 – Localização dos projetos de assentamento no estado do Tocantins

(Fonte: Seminário Consulta Macapá – Instituto Socioambiental, 2001.)

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$ Projetos de assentamento

Municípios da granderegião de Araguaína

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Figura 1.3 – Municípios que integram o Arco do Desflorestamento e antropismo

(Fonte: Seminário Consulta Macapá – Instituto Socioambiental, 2001.)

Antropismo

Desflorestamento 1971 a 1976

Desflorestamento 1977 a 1987

Desflorestamento 1988 a 1991

Desflorestamento 1992

50 0 50 100 km

Amazônia Legal

Desflorestamento 1971 a 1976Desflorestamento 1977 a 1987Desflorestamento 1988 a 1991Desflorestamento 1992 a 1997

Arco do desflorestamento

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1992

1996

1999

Área de interesse para o estudo

Aumento dos desmatamentos

Mudança no padrão de desmatamento

Figura 1.4 – Imagens de satélite (Landsat, composição colorida 5, 4, 3), utilizadas para a seleção da área de estudo. Barreira Branca, último maciço florestal do estado do Tocantins: aumento e mudança no padrão de desflorestamento entre os anos 1992, 1996 e 1999 (imagens obtidas em

http://www.bsrsi.msu.edu).

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2. REFERÊNCIAS TEÓRICAS E CONCEITUAIS

2.1. Definindo Reforma Agrária

O Estatuto da Terra (Lei no 4.504, de 1964) define a reforma agrária como “o conjunto de

medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de

sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”

(art. 1o, § 1o).

Etimologicamente, reforma vem das palavras re e formare e significa mudar uma estrutura

anterior, para modificá-la em determinado sentido. O prefixo re significa a idéia de renovação,

enquanto formare é a maneira de existência de um sentido ou de uma coisa. Reforma agrária é,

pois, na acepção etimológica, a mudança da estrutura agrária vigente, para modificar o estado atual

da situação agrária. E esse estado que se procura modificar é o do “feudalismo agrário”, que

influenciou o surgimento das sesmarias e capitanias hereditárias no Brasil colonial, e o da grande

concentração agrária (formação de latifúndios) em benefício de agricultores e trabalhadores do

campo. Assim sendo, pode-se dizer que a reforma agrária deve combater formas inadequadas de

produção, que se caracterizam, sobretudo, pelo latifúndio e o minifúndio4.

Na definição de Le Coz (1974), uma reforma parte da constatação da inadequação das

instituições à realidade das estruturas em exercício. O autor ressalta ainda que o emprego do

termo reforma implica que a ação deve ser voluntária, o resultado de um programa mais ou menos

elaborado e geralmente expresso por uma decisão governamental ou em um texto legislativo

preciso. Do contrário, trata-se de uma simples transformação agrária ou então, se o fenômeno ocorre

de forma muito vasta e radical, de uma mudança agrária. Para Michel Guttelman (citado em

Bursztyn, 1984), a diferença entre a transformação e a reforma agrária reside no fato de que

naquela as mudanças na estrutura agrária, considerada pelo autor como “a materialização, no

espaço, de um sistema de relações de força”, ocorrem de maneira insensível; enquanto que nesta

as mudanças são brutais e socialmente explicitadas.

Ainda dentro do conceito estabelecido pelo Estatuto da Terra, a reforma agrária tem

como princípios a promoção da justiça social, o aumento da produtividade e a conservação dos

recursos naturais. Ou seja, além de transformar a estrutura agrária, deve modificar as relações

sociais, assegurando a melhoria das técnicas de cultivo, o aumento da produção agrícola e o uso

4 Ver artigo de Clóvis Antunes Carneiro de Albuquerque Filho: A Reforma Agrária no Brasil, disponível em http://www.jus.com.br

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adequado do solo e dos recursos. Dentro dessa perspectiva, Leroy (1999) apresenta a seguinte

formulação para Reforma Agrária:

envolve cada assentado, cada agricultor familiar que tenha a sua propriedade titulada, homens, mulheres, jovens, cada assentamento ou núcleo (entendido aqui como áreas ocupadas pela agricultura familiar, também atingidas pela Reforma Agrária quando consolidadas as posses) e os milhares de assentamentos e núcleos rurais em conjunto;

possa garantir a vida de seus beneficiários, como seres humanos, como membros de organização(ões) e coletividade(s) local(ais) e cidadãos pertencendo a uma coletividade territorial nacional;

implique uma luta e uma ação de preservação do meio ambiente em que vivem as famílias (sustentabilidade ambiental), do uso dos recursos naturais de tal forma que garantam a continuidade da sua produção no longo prazo e a manutenção da biodiversidade (sustentabilidade ecológica), de qualidade de vida, com dignidade e segurança (sustentabilidades econômica e social) de possibilidade de exercício da cidadania (sustentabilidade política);

estenda-se, com essa luta e ação, à escala da região e do país, criando assim condições para que as futuras gerações possam continuar a construir um país e uma sociedade em que haja condições para cada ser humano viver com dignidade e felicidade.

Esse poderia ser o arcabouço de uma reflexão sobre reforma agrária e meio ambiente ou,

mais exatamente, sobre a sustentabilidade da reforma agrária, numa perspectiva em que a reforma

agrária não aparece como um problema para o meio ambiente, mas como parte da solução para a

sustentabilidade do território e da sociedade.

Todavia, para que se cumpram esses objetivos, cabe ao Estado dar a todos oportunidade

de acesso à propriedade da terra e favorecer o bem-estar dos proprietários e trabalhadores que

nela labutam. No entanto, pelo fato de modificar as relações de força e poder de uma dada

sociedade, e ainda reorientar a produção agrícola dentro de preceitos de sustentabilidade

(ambiental, ecológica, econômica, social, política, etc.), a reforma agrária constitui-se também em

uma “escolha política”. Assim, a reforma agrária passa a ser o retrato de conflitos e tensões

existentes no meio rural e da tomada de consciência, por parte dos interessados, do modo de

inserção de sua classe no contexto social vigente (Le Coz, 1974).

A reforma agrária também pode se dar em diferentes níveis, de acordo com a sua extensão

geográfica ou a importância das inovações que ela introduz. É nesse contexto que Le Coz (1974)

fala de reforma parcial, em que apenas algumas regiões de um país são atingidas, ou revolução agrária,

em que são realizadas verdadeiras mudanças na estrutura de produção. Esse foi o caso, por

exemplo, de países como China e Cuba. Já no Brasil, se se pode falar em reforma agrária, devemos

nos restringir à primeira classificação, a reforma parcial. Bursztyn (1984), analisando mais

profundamente a questão, chega a falar em contra-reforma. Para ele, as transformações mais

substanciais na estrutura agrária deram-se em espaços determinados, onde alguns setores se

enquadram no conceito de reforma parcial e outros, no de contra-reforma. Ou seja,

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de acordo com a análise dos “programas especiais” [de desenvolvimento regional – PIN, PROTERRA, POLONOROESTE, POLONORDESTE, etc.], constata-se que, ao mesmo tempo em que as relações de produção se modificam em alguns setores mais diretamente ligados aos mecanismos de intervenção do Estado, os setores mais tradicionais sobrevivem e, às vezes, mesmo se reproduzem. Esta coexistência da reforma com a contra-reforma não é nada mais do que duas faces da mesma moeda – a busca de legitimidade do poder central – em espaços geográficos determinados... que buscam mascarar as necessidades e possibilidades de modificar a estrutura fundiária regional (Bursztyn, 1984, p. 132).

2.2. O que é desflorestamento?

Várias realidades se dissimulam sob os vocábulos de desflorestamento ou desmatamento e

podem ser entendidas como toda perturbação na floresta (por exemplo, o corte seletivo de

espécies madeireiras) ou estar restritas à conversão, a longo prazo, de floresta em área de

vegetação não-florestal (Buschbacher, 1986). A definição dada por Pomel e Salomon (1998) para

o desflorestamento abrange desde as derrubadas totais praticadas por agricultores e pecuaristas até

a formação de capoeiras provocadas pelos ameríndios no âmbito da agricultura itinerante,

passando pela exploração mais ou menos seletiva dos recursos florestais, pelas madeireiras, o que

corresponde bastante à realidade amazônica. Fearnside (1997), por sua vez, restringe o

desmatamento apenas às superfícies onde a floresta foi suprimida, não levando em consideração

as florestas perturbadas pela exploração de madeira, o que a Organização das Nações Unidas para

Agricultura e Alimentação – FAO5 prefere chamar de degradação: “mudanças no âmbito de uma

categoria de floresta que afetam negativamente o povoamento ou o sítio e, particularmente,

reduzem a capacidade de produção”. Para a FAO, o desflorestamento seria “a conversão de terras

florestais em áreas destinadas a outros usos, com cobertura florestal inferior a 10%” (FAO, 1997).

De acordo com Glossário de Ecologia (MCT/CNPq, 1997), o desmatamento seria

diferente de desflorestamento na medida em que este compreende a remoção da cobertura

florestal do solo, enquanto que aquele faz referência a práticas como corte, capina, queimada (por

fogo ou produtos químicos), que levam à retirada da cobertura vegetal existente em determinada

área.

Neste trabalho esses dois conceitos serão tratados como sinônimos. E, ainda que se

reconheça a pertinência de um conceito mais abrangente, em se tratando de Região Amazônica, o

termo será abordado em conformidade com a definição adotada pelo Projeto de

Desflorestamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Prodes/Inpe, órgão

oficialmente responsável pelo monitoramento do desflorestamento da Floresta Amazônica. Dessa

forma, considera-se desflorestamento (ou desmatamento) “a conversão de áreas de fisionomia

5 Food and Agriculture Organization

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florestal primária, por ações antropogênicas, para o desenvolvimento de atividades

agrossilvopastoris, detectadas a partir de plataformas orbitais” (Prodes/Inpe, 2001).

Muito embora a definição dada anteriormente não leve em conta áreas com outros tipos

de cobertura não-florestal, e tampouco inclua as áreas afetadas por incêndios naturais ou

atividades de exploração madeireira (que não são identificadas na escala utilizada), sua escolha

justifica-se pela utilização de dados numéricos (extensão e taxas anuais de desflorestamento) que

permitiram uma análise da dinâmica e evolução do processo na Amazônia, como um todo, e no

estado do Tocantins, em particular. Além disso, a avaliação anual realizada pelo projeto apresenta

a grande vantagem de utilizar sempre a mesma metodologia (imagens de satélite em composições

coloridas na escala 1:250.000) e considerar a mesma região de referência (florestas primárias) em

todos os seus levantamentos, fatores que serão discutidos mais adiante como responsáveis pelo

surgimento de dados controversos sobre a real extensão do desflorestamento na Amazônia.

Não obstante, sempre que necessário, far-se-á referência ao termo em seu sentido mais

amplo, evidentemente, com a devida ressalva.

2.3. Ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável

O termo ecodesenvolvimento foi utilizado pela primeira vez em 1972, por Maurice Strong, na

Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente, para definir um estilo de desenvolvimento

apropriado às áreas tropicais do Terceiro Mundo, baseado na potencialização – e não-destruição –

dos recursos naturais. Todavia, o grande mérito de tê-lo desenvolvido conceitualmente e

convertido em um campo de reflexão teórica e de ação política coube a Ignacy Sachs (Leff, 1998).

O conceito de ecodesenvolvimento, hoje também conhecido como desenvolvimento

sustentável, surgiu a partir de um confronto entre duas correntes diametralmente opostas. A

primeira delas era constituída pelos defensores do crescimento econômico a qualquer custo, que

percebiam o meio ambiente como um capricho de ecologistas e ambientalistas ou ainda como um

obstáculo a mais ao avanço dos países do Hemisfério Sul em processo de industrialização. A

outra, no extremo oposto, anunciava o apocalipse para o dia seguinte, alegando ser necessário

conter o crescimento demográfico e econômico ou, pelo menos, o crescimento do consumo de

bens materiais. Tentando aproveitar um pouco de cada corrente, os participantes da Conferência

de Estocolmo (1972) chegaram a uma via intermediária entre o economicismo arrogante (de livre

mercado) e o ecologismo absoluto (de crescimento zero) que pudesse levar a um desenvolvimento

orientado pelo princípio da igualdade social em harmonia com o equilíbrio do meio ambiente. O

crescimento continuava sendo necessário, sem dúvida, mas deveria assumir um novo estilo –

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14

diferente daquele caracterizado pelo crescimento selvagem – cujos benefícios fossem mais bem

repartidos (Sachs, 1998).

Eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica são, pois, os três pilares

fundamentais do conceito de desenvolvimento sustentável, consagrado em 1987 pelo Relatório de

Brundtland (também conhecido como Nosso Futuro Comum), que o definiu como sendo aquele que

responde às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer as

suas necessidades. Por essa definição, percebe-se que, para se alcançar o desenvolvimento

sustentável, é preciso planejamento de longo prazo e a conscientização, por parte da sociedade, de

que os recursos naturais não são inesgotáveis e de que as decisões que podem afetar a coletividade

devem ser tomadas de forma ampla e participativa. Dessa forma, o ecodesenvolvimento ou

desenvolvimento sustentável representa uma abordagem em relação ao desenvolvimento, cujo

horizonte temporal se coloca décadas ou mesmo séculos à frente. Envolve a garantia de satisfação

das necessidades das gerações futuras, ou seja, deve haver uma solidariedade diacrônica, sem,

contudo, comprometer a solidariedade sincrônica com a geração presente (Sachs, 2000).

Para que esse conceito se torne operacional, é necessário um amplo conhecimento acerca

das sociedades e ecossistemas, sobretudo da maneira como as pessoas se relacionam com o meio

ambiente. De acordo com Sachs (1986), esse novo modelo de desenvolvimento implica que, para

cada ecorregião, devem ser consideradas as soluções específicas para seus problemas particulares,

levando em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades

imediatas, como também aquelas de longo prazo. Ainda segundo o autor, vários critérios de

sustentabilidade devem ser cumpridos para uma abordagem harmônica desses objetivos. São eles:

social, cultural, ecológico, ambiental, territorial, econômico, político-nacional e político-

internacional (Sachs, 2000). Para este trabalho, contudo, trataremos a sustentabilidade com base

em apenas quatro deles, quais sejam social, ambiental, econômico e político-institucional.

Uma vez definidos esses conceitos, necessários ao bom desenvolvimento e ao

entendimento da discussão apresentada ao longo deste trabalho, passaremos então à descrição da

metodologia adotada para o levantamento de dados e a análise dos resultados obtidos.

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15

3. METODOLOGIA ADOTADA

Tendo como objetivo primeiro identificar a relação existente entre a implantação de

projetos de assentamento e o desflorestamento na Região Amazônica, um dos principais

elementos estruturantes deste estudo está relacionado ao padrão de desmatamento observado na

região. É ele que permite, em um primeiro momento, caracterizar e avaliar o modelo de ocupação

adotado, seja dos projetos de assentamento, seja das demais formas de ocupação espacial

presentes na região de Barreira Branca.

A dinâmica de uma região de fronteira como a de Araguaína responde a inúmeras

influências: processo histórico de ocupação, formas de aquisição de terras, estratégias comerciais,

especulação fundiária, etc. Assim sendo, seu desenvolvimento envolve diferentes aspectos que, se

não forem considerados de uma forma sistêmica, podem não retratar a realidade verificada em um

dado momento. Em outras palavras, para entender o contexto no qual os projetos de

assentamento se desenvolvem – fatores que limitam e/ou promovem o desenvolvimento de

determinada atividade –, faz-se necessário realizar um bom “diagnóstico” da realidade na qual se

pretende intervir.

Nesse contexto, e levando em consideração as premissas básicas do conceito de

desenvolvimento sustentável, que postula a articulação entre o local e o global, optou-se por

adotar a estratégia de estudo de caso para os levantamentos de dados primários. Isso porque o

estudo de caso fornece a base dessa articulação, possibilitando o questionamento de teorias e

hipóteses formuladas, a partir de uma realidade específica estudada (Gómez et al., 1999).

De acordo com o propósito deste trabalho, a metodologia de Diagnóstico de Sistemas

Agrários, definida pelo Incra em convênio com a FAO, pareceu bastante adequada, uma vez que

permite entender o contexto local, do ponto de vista ambiental, econômico, social e político, e

identificar as potencialidades e obstáculos presentes na implantação de projetos de assentamento

(Incra/FAO, 1999). Essas abordagens vão ao encontro dos princípios básicos do

desenvolvimento sustentável, segundo os quais, além da dimensão ambiental, é indispensável levar

em conta a eqüidade social, a eficiência econômica e as formas de organização dos diferentes

grupos de interesse. Tais condições obrigam a que o estudo também tenha como foco de análise e

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avaliação a realidade rural e os sistemas de produção6 adotados pelos assentados em suas

dimensões ambientais, econômicas, sociais e institucionais.

Assim, além das taxas de desflorestamento, foram consideradas, no nível ambiental,

questões como potencialidade/vulnerabilidade dos ecossistemas. Quanto aos aspectos sociais,

foram analisados, por exemplo, dados referentes aos diferentes atores sociais envolvidos e suas

respectivas participações no processo de ocupação regional, cultura e visão sobre a floresta e o

ambiente, nível de instrução e condições de saúde. Economicamente, foram levantadas

informações acerca das atividades produtivas desenvolvidas pelos assentados, suas formas de

produção (familiar, empresarial, coletiva/cooperativa) e tecnologias utilizadas, além da

disponibilidade e acesso a créditos rurais e financiamentos. Finalmente, no nível institucional,

foram levadas em consideração as instituições e organizações sociais envolvidas e seus respectivos

papéis e funções, e ainda os resultados alcançados e as dificuldades encontradas no

desenvolvimento de práticas sustentáveis de uso do solo e de exploração dos recursos naturais.

3.1. O diagnóstico de sistemas agrários

O Diagnóstico de Sistemas Agrários (DSA) não é um fim em si mesmo, mas uma

ferramenta. Seu principal objetivo é contribuir, por meio de pesquisa e divulgação de informações,

para a elaboração de linhas estratégicas do desenvolvimento rural, isto é, para a definição de

políticas públicas, de programas de ação e projetos (Incra/FAO, 1999). Isso porque os

responsáveis pela adoção de ações estratégicas e implementação de políticas para o

desenvolvimento regional em geral não conhecem, ou conhecem pouco, a realidade sobre a qual

trabalham. Adotam, pois, uma política “de cima para baixo”, assim conhecida por não levar em

conta, em suas fases de identificação, formulação e preparação de programas e projetos, a

participação das comunidades envolvidas, ou mesmo dos responsáveis locais (FAO, 1991). Dessa

forma, o DSA deve ser rápido e operacional para que tenha aplicabilidade no desenvolvimento

rural. Mas deve também ter rigor científico, não apenas descrevendo a realidade, mas, sobretudo,

explicando-a. Deve também dar conta da complexidade e da diversidade que, em geral,

caracterizam a atividade agrícola e o meio rural.

6 Aqui entendido como o conjunto de culturas e criações dentro de uma unidade de produção (no caso, o lote do assentado). De acordo com Guanziroli e colaboradores (2001), a agricultura familiar, em geral, desenvolve sistemas complexos de produção, combinando várias culturas, criação de animais e transformações primárias tanto para o consumo da família, como para o mercado. Assim, o sistema de produção reflete não apenas as potencialidades e restrições socioambientais e agronômicas particulares de cada local, mas também a história local e das famílias que o adotam; e a compreensão de sua lógica e dinâmica requer a reconstrução de seu itinerário histórico, das encruzilhadas, restrições e oportunidades enfrentadas pelas famílias.

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Um primeiro fator de complexidade advém dos ecossistemas, que representam

potencialidades ou impõem limites às atividades agrícolas. Para o estado do Tocantins, esse fator

adquire relevância ainda maior, por tratar-se de um “estado de transição ecológica” entre o

cerrado e a Floresta Amazônica. Secundariamente, tem-se o fator de diferenciação das sociedades,

que são compostas de categorias, de camadas e de classes sociais que mantêm relações entre si

(populações tradicionais, agricultores familiares, fazendeiros, assalariados, comerciantes, bancos,

poder público, organizações da sociedade civil, etc.). Por fim, a complexidade dos sistemas

implantados pelos pequenos agricultores é afetada ainda pela existência de fatores externos, por

exemplo, créditos, insumos e mercado.

Os princípios gerais metodológicos do DSA baseiam-se em passos progressivos, partindo

do geral para o particular. Ele começa pelos fenômenos e pelos níveis de análise mais gerais (país,

estado, região), terminando nos níveis mais específicos (município, projeto de assentamento,

unidade de produção) e nos fenômenos particulares (cultivos, criação de animais). E, em cada

etapa, os fenômenos devem ser interpretados e confrontados com as etapas anteriores, de modo

que, ao final, possam ser elaboradas hipóteses a ser verificadas na etapa seguinte. Assim, constrói-

se progressivamente uma síntese cada vez mais aprofundada da realidade observada.

Partindo da premissa de que a realidade agrária se relaciona a diferentes fenômenos, faz-se

necessário entender as relações entre as partes e entre os fatos ecológicos, técnicos, sociais e

econômicos que explicam a realidade. Daí a utilização, nos diferentes níveis de análise, do enfoque

sistêmico7. Cabe ressaltar que os diferentes níveis de análise aqui citados dependem da

problemática do caso estudado, podendo ser utilizadas diferentes ferramentas – qualitativas ou

quantitativas. No caso específico deste estudo, optou-se pelas qualitativas, tendo em vista a

natureza essencialmente exploratória da pesquisa. Dessa forma, foram utilizadas algumas técnicas

de pesquisa, tais como a observação direta e entrevistas abertas e semi-estruturadas. Em caráter

secundário e complementar, foram feitas ainda algumas considerações de natureza quantitativa, a

partir de dados existentes sobre a região e, mais especificamente, sobre a área de interesse.

7 A teoria do enfoque sistêmico consiste em analisar e explicar um objeto complexo em termos de sistema, sendo necessário, em primeiro lugar, delimitá-lo, traçar uma fronteira entre esse objeto e o resto do mundo; em particular, distingui-lo dos outros objetos que, sendo da mesma natureza, são, ao mesmo tempo, diferentes o bastante para serem considerados pertencentes a uma outra espécie do mesmo objeto (Mazoyer, 1992).

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3.2. Levantamento de dados: pesquisa bibliográfica, observação direta e entrevistas

abertas

As informações aqui apresentadas são o resultado de pesquisas bibliográficas e de

trabalhos de campo desenvolvidos junto a diferentes instituições estaduais e em projetos de

assentamento localizados na região de Barreira Branca – TO. Além desse material, foram também

utilizadas informações contidas em censos estatísticos, tais como aquelas divulgadas pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, assim como dados secundários já existentes sobre a

região.

Quanto à pesquisa bibliográfica, vale mencionar que a obtenção de dados secundários, em

especial estatísticas oficiais e trabalhos anteriores sobre a região de estudo, em muito colaboraram

para a compreensão do processo histórico de ocupação do estado e sua relação com o quadro

atual observado nos levantamentos de campo.

Para os levantamentos de campo propriamente ditos, a metodologia de pesquisa adotada,

conforme mencionado, foi baseada na estratégia de “estudo de caso”, o qual foi constituído de

área de relevante interesse em termos de dinâmicas de ocupação e uso do espaço – em especial

por projetos de assentamento – e sua relação com o fenômeno do desflorestamento. As técnicas

utilizadas foram a observação direta e entrevistas. A observação pode ser entendida como a

expressão da capacidade do sujeito-pesquisador de ver as coisas, sendo importante não apenas

aquilo que se vê, mas o que é observado com método e preparação apropriados. Dessa forma, a

escolha da metodologia aplicada em uma pesquisa científica, assim como a obtenção de dados

secundários que possibilitem um conhecimento prévio da situação a ser investigada, tornam-se

elementos de suma importância para o seu sucesso. De acordo com Goode e Hatt (1977), a ciência

começa com a observação e, finalmente, tem que voltar a ela para encontrar sua convalidação final. A observação

nas ciências sociais possui as mesmas características e o mesmo significado que nas demais

ciências. Em qualquer setor da investigação científica, cabe à observação descobrir e evidenciar as

condições de produção dos fenômenos estudados (Arena, 1983).

As formas de observação podem ser muito variadas, conforme o objetivo da pesquisa a

ser realizada. Dessa forma, tem-se observação estruturada e não-estruturada, participante e não-

participante, individual e em grupo, etc. Para este caso concreto, a observação foi conduzida de

forma estruturada, tendo em vista os objetivos definidos da pesquisa; e individual e em grupo,

uma vez que uma das viagens de campo foi realizada juntamente com pesquisadores do CNRS.

Essa etapa, aliás, foi bastante interessante, pois possibilitou o estabelecimento de discussões entre

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os pesquisadores acerca do tema estudado, as quais, em geral, envolviam diferentes visões de uma

dada situação.

Além da observação, foram realizadas algumas entrevistas junto a assentados e membros

da sociedade civil organizada que atuam sobre a questão agrária e ambiental. Também foram

considerados atores governamentais em diferentes níveis, quais sejam representantes de órgãos

federais, estaduais e municipais (Incra, Ibama, Naturatins, Itertins, Ruraltins, Basa, Banco do

Brasil, Secretarias Estaduais e Municipais, entre outros).

Para Arena (1983), a entrevista permite a aproximação de uma situação em que se medem

os fenômenos sociais, dentro de certos limites, e na qual o entrevistador pode variar a natureza da

atmosfera no momento em que elabora a pergunta. A entrevista, como técnica, requer um

contexto metodológico que permita fazer comparações entre indivíduos e classes sociais,

conhecer um pouco mais as atitudes e opiniões, cultura e informação. Para Goode e Hatt (1977),

a entrevista tem adquirido cada vez mais importância para a investigação contemporânea, por

meio da reafirmação qualitativa de metodologias usadas por antropólogos e que eram

fundamentalmente aplicadas para sondar e obter informações preliminares.

Da mesma forma que a observação, a entrevista pode ser realizada de diferentes maneiras:

formal ou informal, estruturada ou não-estruturada, aberta ou fechada. Independentemente da

modalidade escolhida e aplicada, as diferentes entrevistas têm em comum o fato de facilitar a

obtenção e troca de informações entre diferentes interlocutores, obtendo-se assim maior

quantidade de dados relacionados a um determinado problema ou situação. Ademais, além da

cronologia dos fatos relacionados ao tema de interesse, as entrevistas também permitem o

estabelecimento de relações de causa e efeito entre estes fatos.

Muito embora alguns roteiros de entrevistas tenham sido elaborados previamente

(entrevista semi-estruturada), as diferentes situações encontradas levaram-nos a combinar,

conforme o caso, outras formas de entrevista como, por exemplo, a entrevista aberta. Essa

flexibilidade no método permitiu, em determinados casos, um contato mais próximo com os

diferentes interlocutores. De fato, como apresentado no Guia Metodológico do Incra/FAO,

Questionários elaborados fora das áreas em estudo, sem um bom conhecimento da problemática local, podem gerar atrasos e imprecisões no trabalho. Além disto, questionários fechados dificilmente permitem estabelecer correlações entre os diferentes elementos levantados (o que é fundamental na análise sistêmica) ou incluir o elemento novo que apareça durante a pesquisa. A entrevista aberta permite acompanhar o fio condutor do pensamento dos próprios agricultores, é capaz de revelar informações qualitativas preciosas para o diagnóstico (Incra/FAO, 1999, p.32).

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Entretanto, na essência de todas as entrevistas, as questões levantadas sempre diziam

respeito à história da região e da criação dos projetos de assentamento, origem e história de vida

dos assentados, atividades desenvolvidas pelos diferentes atores envolvidos e presentes na região

de estudo e sua importância socioeconômica relativa, estabelecimento de relações entre os

diferentes atores, relações com o ambiente natural, visão da floresta e projetos futuros, etc.

3.3. Análise dos resultados

De acordo com Maroy (1995), a análise qualitativa dos resultados de uma pesquisa pode

ser realizada por meio de diferentes técnicas de análise de conteúdo (l’analyse de contenu), as quais

podem ter finalidades estritamente descritivas ou de verificação de hipóteses. O que se tentou

fazer neste estudo foi combinar esses dois elementos, descrevendo, por meio da análise de dados

secundários, a realidade observada para a região, a qual foi comparada com as informações

obtidas nas entrevistas, e testando a hipótese de relação de causa e efeito entre a criação de

projetos de assentamento e desflorestamento para o caso específico da área estudada.

Para tanto, algumas tarefas básicas no processo de análise de dados qualitativos, propostas

por Miles e Huberman (1984), foram levadas em consideração, quais sejam i) redução dos

dados, isto é, simplificação, resumo, seleção de informação a ser sistematizada; ii) separação em

unidades, ou a decomposição do todo em partes, por meio de critérios espaciais, temporais,

temáticos ou sociais; iii) síntese e agrupamento, que é a identificação e classificação dos dados

em categorias; e, finalmente, iv) obtenção dos resultados e conclusões, que é a reconstrução do

todo, estruturado e significativo, em que entram as decisões do pesquisador e o conhecimento

adquirido. É importante frisar que algumas dessas etapas podem ser realizadas simultaneamente,

como é o caso da simplificação dos dados, que, quando realizada durante a fase de coleta, permite

uma análise preliminar dos resultados e o redirecionamento do levantamento, se for o caso. Da

mesma forma, o processo de interpretação dos resultados também tem relação direta com a

apresentação dos resultados, conforme mostra a figura a seguir.

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Figura 3.1 – Componentes de um modelo interativo de análise de dados (adaptado de Maroy, 1995).

Assim, alguns dados aqui apresentados receberam tratamento estatístico descritivo, o que

permitiu apresentá-los de forma absoluta, relativa ou acumulada, nos diferentes gráficos e/ou

tabelas que integram o documento. Todavia, considerando a natureza essencialmente qualitativa

deste estudo, lançou-se mão também de outros métodos de análise, quais sejam análises

cartográfica e espacial. Estas, por sua vez, foram feitas com o uso de mapas e imagens de satélite e

de algumas técnicas de geoprocessamento, o que possibilitou a visualização da informação obtida,

por meio de sobreposições “temáticas” (por exemplo, dinâmica de uso da terra, criação de

projetos de assentamento e alterações na cobertura vegetal da área), facilitando o entendimento e

a interpretação da situação observada.

Além disso, com a abordagem geográfica ou, mais precisamente, cartográfica, pode-se

colocar em evidência mecanismos de abertura de novas regiões de fronteira, assim como seus

atores potenciais. O monitoramento do desflorestamento a partir de imagens de satélite obtidas

para diferentes períodos (1992, 1996, 1999) permite ainda traçar um paralelo entre a história, ou

evolução, da cobertura vegetal de uma região e sua história fundiária, em que a correlação entre

“apropriação de espaços” ou “distribuição de terras” e desflorestamento aparece em toda a sua

complexidade.

Em vista disso, passaremos a seguir a uma breve discussão sobre as políticas de ocupação

e reforma agrária adotadas para a Região Amazônica nas últimas décadas e seus impactos sobre o

uso do solo e dos recursos naturais presentes na região, bem como sobre seus efeitos em termos

de remoção da cobertura vegetal.

Coleta de dados

Organização e apresentação

dos resultados

Simplificação e transformação

dos dados

Interpretação e conclusão

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4. POLÍTICAS DE OCUPAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA

4.1. A ocupação da Amazônia: colonização ou reforma agrária?

A ocupação da Região Amazônica deu-se em diversas fases, como resposta a mudanças no

processo de desenvolvimento econômico em diferentes níveis, que vão desde o local e regional,

até o nacional e o internacional.

À exceção do grande “ciclo da borracha”, no final do século XIX, até meados do século

passado, o desenvolvimento da região sempre esteve voltado para atividades de subsistência

praticadas pelas populações tradicionais e indígenas, relacionadas ao extrativismo, à agricultura e à

pesca (ciclos das “drogas do sertão”, da extração da castanha-do-brasil, de madeiras e de outros

produtos vegetais e animais, além do extrativismo mineral). Essas atividades foram desenvolvidas

durante séculos com base numa estreita relação que essas comunidades mantinham com o meio

ambiente, uma vez que dele dependiam para a sua sobrevivência.

Com a revalorização estratégica da borracha, em meados do século passado, a ocupação

da região entra numa nova fase, estimulada por um processo de especialização da produção, que

estava baseado na extração de produtos florestais. Milhares de migrantes nordestinos, fugidos da

pobreza e da seca, são novamente atraídos para a Amazônia em busca de melhores condições de

vida.

Nesse momento é criado um novo estatuto jurídico para a região, que passa a se constituir

em “Amazônia Legal8” (Lei no 1.806, de 1953). Soma-se a isso a promulgação de uma emenda

constitucional que destinava parte dos recursos da União, dos estados e dos municípios

amazônicos (3% da renda tributária) à execução de planos de valorização econômica e social da

região (Miranda Neto, 1991). De acordo com Pasquis e colaboradores (2001), é também nesse

período que o governo cria mecanismos institucionais, como a Superintendência do Plano de

Valorização da Amazônia (SPVEA) e o Banco de Crédito da Amazônia (antigo Banco da

Borracha), para viabilizar e subsidiar a ocupação de terras à frente da expansão pioneira.

Após essas transformações, desencadeia-se um processo de ocupação promovido pelo

Governo Militar, que era fundamentado na Doutrina da Segurança Nacional. Dessa forma, o

Estado passa a intervir na região, no sentido de maximizar sua produção econômica, lançando

8 A Amazônia Legal corresponde às áreas ao norte do paralelo 16o S, do estado do Mato Grosso, e do paralelo 13o S, do estado de Goiás, além da porção do meridiano 44o W, do estado do Maranhão. Foi ampliada em 1977 quando incorporou todo o estado de Mato Grosso, então criado, e corresponde hoje a aproximadamente cinco milhões de km2, ou 57,4% da área total do Brasil (Becker, 1998).

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diferentes programas de desenvolvimento regional. Dentre eles, destacam-se os chamados

programas de colonização e reforma agrária, que começaram a ser implantados na região ainda no

período militar, com a criação do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – Ibra e do Instituto

Nacional de Desenvolvimento Agrário – Inda9, que alguns anos depois deram origem ao Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra (Decreto no 1.110, de 1970).

Ainda que sob o discurso de reforma agrária, essa fase de ocupação pode ser considerada

tão-somente como um processo de colonização10, visto que as terras da Amazônia foram, por

muito tempo, consideradas “vazios demográficos”, ou “terras sem dono”. Sobre o assunto, Ianni

(1979) escreve que

a Amazônia chega à década 60 com extensas áreas de terras tribais e devolutas. Segundo estimativa feita por José F. Graziano da Silva e sua equipe, com base nos dados censitários colhidos pelo Incra e o IBGE, pode-se dizer que em 1970 os estados da região Norte, com exceção do então território do Acre, todos exibiam taxas de ocupação, tanto aparente quanto efetiva, inferiores a 25%. Daí se deveria concluir que, descartadas as áreas urbanas – que são inexpressivas em relação à superfície territorial nestes estados – teríamos cerca de três quartos de suas superfícies territoriais constituídas por terras devolutas (Ianni, 1979, p. 14).

Além disso, deve-se considerar que, por trás do discurso favorável à implementação da

reforma agrária e, portanto, a uma mudança na estrutura fundiária, a fusão do Ibra/Inda em Incra

resultou na transferência de novas funções e atribuições burocráticas a este último, que passou a

atuar também no cadastro de imóveis rurais e atualizações periódicas, em cobrança de impostos

(entre eles, o Imposto Territorial Rural) e construção de infra-estruturas no campo (escolas e

hospitais). A transformação do Ibra em Incra representou também um deslocamento do vetor das

ações transformadoras do Estado – no tocante à estrutura agrária –, que passam do domínio da

reforma agrária ao da colonização. Tanto assim que, a partir da promulgação do Estatuto da

Terra, em 1964, e até 1974, o número de famílias beneficiárias das ações de reforma agrária era de

9.237, e o que correspondia à colonização era de 38.948. A persistir o ritmo da reforma agrária

dessa época, seriam necessários 34 mil anos para que 75% das famílias sem terra na década de

1960 fossem estabelecidas. E isso, sem considerar o crescimento natural das necessidades

(Bursztyn, 1984).

9 O Ibra era encarregado de executar apenas a Reforma Agrária, tratada no Título II do Estatuto da Terra, ficando a cargo do Inda as atividades de colonização, extensão rural e outras, agrupadas no Título III da mesma lei (Silva, 1987). 10 A colonização, de acordo com o Estatuto da Terra, diz respeito a terras já incorporadas ao patrimônio público, enquanto que a reforma agrária se dá, via de regra, em terras particulares que não estejam cumprindo a sua função social.

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4.1.1. O sentido da ação do Estado: colonização induzida

Muito embora alguns autores, entre eles Ianni (1979), considerem esse processo de

colonização “espontâneo”, a ação do Estado, sobretudo após a criação do Incra, leva-nos a pensar

que mesmo as ocupações das regiões de fronteira, teoricamente espontâneas, deveriam ser

classificadas como induzidas. Isso porque, de acordo com Silva (1973), considera-se espontânea a

colonização que se caracteriza pelo estabelecimento de grupos sociais em uma determinada região,

com seus próprios recursos e por livre iniciativa. Ora, se a ocupação da região sempre esteve

relacionada com ações adotadas pelo governo federal, seja com a construção de rodovias (Belém–

Brasília, Cuiabá–Porto Velho, Transamazônica), seja com a implantação de infra-estrutura (criação

de centros industriais, aproveitamento do potencial energético, etc.), ou com a destinação de

recursos orçamentários para o desenvolvimento de projetos agropecuários, mesmo não sendo

planejada ou envolvendo um mínimo de orientação quanto à escolha e/ou organização da área a

ser colonizada (o que, para o referido autor, seria a colonização dirigida), também não pode ser

considerada meramente “espontânea”.

Independentemente da classificação, o fato é que os primeiros anos da década de 1970

(1970-1974) ficaram marcados – equivocadamente – pela adoção, por parte do governo federal,

de uma política de colonização oficial em diversas áreas da Amazônia. Um dos mecanismos

utilizados para a implementação dessa política foi a criação da Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia – Sudam, cuja missão era coordenar e supervisionar programas e

planos regionais de desenvolvimento, decidindo sobre a redistribuição de incentivos fiscais; e da

Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa, que era responsável pela integração da

porção ocidental da Amazônia, mediante criação de um centro industrial e agropecuário.

Foram também elaborados, conforme mencionado, diferentes programas especiais de

desenvolvimento regional, que tinham como premissa básica a incorporação da Região

Amazônica, tida como detentora de grandes “espaços vazios”, ao território nacional. Aqui se

ressaltam o Programa de Integração Nacional – PIN (1970) e o Programa de Redistribuição de

Terras – Proterra (1971).

O primeiro deles era baseado em projetos de colonização em torno de agrovilas, agrópolis e

rurópolis11 ao longo da rodovia Transamazônica, com as chamadas “colônias oficiais”. Segundo a

versão da época, esse programa buscava integrar “os homens sem terra do Nordeste às terras sem homens

11 De acordo com documento governamental escrito em 1973, “para melhor atender às necessidades sociais, culturais e econômicas do meio rural, idealizamos três tipos de ‘urbs’ rurais: a agrovila, agrópolis e a rurópolis, formando uma hierarquia urbanística segundo a infra-estrutura social, cultural e econômica, e tendo cada qual sua função específica...” (Incra, 1973. Urbanismo rural, citado em Ianni, 1979).

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da Amazônia”, utilizando, para tanto, as áreas situadas ao longo das rodovias, as quais eram

subdivididas, via de regra, em lotes de cem hectares (400 x 2.500 m), podendo chegar a 500

hectares se se tratasse de exploração pecuária. Nessa época, o Incra pretendia assentar cem mil

colonos em cinco anos. Mas, na prática, foram assentadas apenas cinco mil famílias e a um custo

bastante superior àquele inicialmente previsto: US$ 40,000.00/família (Droulers, 1995).

Da mesma forma que o PIN, o Proterra, cujo objetivo era a capitalização do meio rural

(Becker, 1998), foi concebido com o intuito de dinamizar a economia regional. Todavia, por se

tratar de um programa de impacto muito mais político do que econômico ou social, não obteve

muito sucesso, haja vista a demora na sua implantação e o reduzido número de famílias

beneficiadas: somente quatro anos após a criação do programa, ou seja, em 1975, promoveu o

assentamento de 500 famílias. Assim, seus efeitos, no tocante ao seu papel transformador da

estrutura econômico-social regional, foram muito pouco relevantes.

Para Costa (2000), essas ações significaram, na verdade, uma estratégia do Governo

Militar para manipular os fluxos migratórios como forma de amenizar as tensões existentes. Nessa

época era comum colocar a colonização oficial em evidência como forma de preservar a pax

agrariae e regular os desequilíbrios sociais, transferindo o excedente demográfico das áreas de

tensão para as regiões de fronteira, principalmente por meio dos programas de ocupação da

Amazônia. Tratava-se, na verdade, de encontrar um paliativo à caracterização de uma situação em

que uma transformação brutal da estrutura agrária seria um imperativo (Bursztyn, 1984). Daí o porquê

de esse processo ter sido considerado como válvula de escape (Graziano da Silva, 1981), ações de

contra-reforma agrária (Ianni, 1979) ou ainda como minirreforma agrária (Bursztyn, 1984).

De fato, em termos de políticas agrárias, esse período inicial da atuação do Incra não deve

ser considerado como um dos mais importantes, pelo menos não no que diz respeito ao número

de projetos criados por esse instituto nos estados da Amazônia Legal e demais estados brasileiros

(Figura 4.1). E talvez tenha sido esse quadro que deu subsídios para que Martine Droulers

escrevesse ironicamente que a autarquia acabou sendo conhecida como o “Instituto que Nada

Conseguiu Realizar na Amazônia”. Por outro lado, ainda que em número reduzido, esses projetos

ocupavam uma superfície considerável (Figura 4.2).

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Figura 4.1 – Número de projetos de assentamento criados pelo Incra entre 1970 e 2000 (Fonte: Divisão de Assentamentos/Incra, 2001.)

Figura 4.2 – Área ocupada pelos projetos de assentamento criados pelo Incra entre 1970 e 2000 (Fonte: Divisão de Assentamentos/Incra, 2001.)

A ação do Incra nesses anos não esteve voltada para toda a Região Amazônica,

restringindo-se aos estados de Rondônia e Pará, mais especificamente nas zonas de influência das

rodovias BR-364 e Transamazônica. De acordo com dados da Divisão de Assentamentos do

Incra, nos demais estados amazônicos, a ação da autarquia só teve importância a partir do final da

década de 1970 (Acre, Mato Grosso e Roraima) e meados dos anos 1980 (Amazonas, Amapá,

- 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500

Número de projetos

até 1970

1970-1974

1975-1979

1980-1984

1985-1989

1990-1994

1995-1999

2000

Número de projetos criados pelo Incra

Estados da AmazôniaOutros estados brasileiros

- 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 12.000 14.000 16.000

área (mil ha)

até 1970

1970-1974

1975-1979

1980-1984

1985-1989

1990-1994

1995-1999

2000

Área dos projetos criados pelo Incra

Estados da AmazôniaOutros estados brasileiros

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Maranhão e Tocantins)12. Para Ianni (1979), esses empreendimentos, pelo modo como foram

instalados, expressam aspectos importantes da política estatal de colonização da Amazônia;

mostram como o poder estatal procurou bloquear, orientar, integrar, disciplinar ou subordinar a

reforma agrária espontânea à colonização oficial.

4.1.2. Outras formas de ocupação: os verdadeiros beneficiários da colonização

Além da migração induzida por meio dos programas especiais de colonização, o Estado

também interveio na ocupação da Amazônia por meio do incentivo à implantação de projetos de

colonização privada. Essa forma de colonização, também prevista no Estatuto da Terra, foi

definida como toda atividade realizada por grupos e empresas particulares, que tenha por

finalidade promover o acesso à terra e o seu aproveitamento econômico por meio da divisão da

propriedade em parcelas adequadas à região considerada ou pelo sistema cooperativo.

Para viabilizar esses projetos, caberia ao Estado estimular, por intermédio de assistência

técnica e financeira, implantação de infra-estrutura e eletrificação rural, as iniciativas particulares

de colonização. Assim, por meio da concessão de créditos subsidiados e incentivos fiscais, o

governo federal promoveu a penetração de novos atores na região. De acordo com Ozório de

Almeida (1992), em meados da década de 1970, o suposto “fracasso” da colonização oficial

incentivou a implantação de um outro grupo de projetos, que eram desenvolvidos por empresas

privadas, impulsionadas pelo crédito fundiário subsidiado do Proterra. Vem daí a criação, durante

a década de 1970, de 80 projetos de colonização particular na Amazônia, sobretudo no Mato

Grosso, contra apenas 15 da colonização oficial.

Deve-se ressaltar que essas medidas reforçaram os interesses da empresa privada,

principalmente grande, nacional ou estrangeira, que passaram a predominar, de modo ostensivo,

na política de terras que o governo federal passou a executar. Em outras palavras, a política de

colonização oficial da Amazônia, sobretudo após 1974, ficou relegada a segundo plano, e a

colonização particular passou a receber maior apoio e incentivo do governo e atingiu seu auge

entre 1978 e 1980. Todavia, com o fim do Proterra e do subsídio nele embutido – 12% de juros

nominais ao ano –, o ritmo de implantação de projetos caiu consideravelmente.

Muito embora a finalidade dessa política fosse a dinamização das atividades de ocupação e

exploração econômica das terras amazônicas, a participação do Estado por meio da implantação

de projetos de colonização era apenas uma forma de catalisar os ganhos e valorizar as terras

12 À exceção dos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, a criação de projetos de

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baratas da região. Isso porque os incentivos fiscais e os créditos subsidiados tornaram-se a mais

nova forma de se obter lucro com as terras, que passaram a ser vistas como uma reserva de valor

(Reydon e Muniz, s/d). Dessa forma, o capitalismo impulsionado pelo Regime Militar (1964-

1984) promoveu a modernização do latifúndio, por meio de crédito rural fortemente subsidiado e

abundante. O dinheiro farto e barato, aliado ao estímulo à agricultura capitalizada – para gerar

grandes excedentes exportáveis –, propiciou a incorporação das pequenas propriedades rurais

pelas médias e grandes: exigência de propriedades maiores, cuja aquisição da terra era facilitada

pelo crédito.

Além da colonização particular, esse período também foi marcado pelo estabelecimento

de diferentes regiões-programa para grandes projetos agropecuários e mínero-metalúrgicos, altamente

intensivos em capital e que utilizavam tecnologias de última geração, financiadas, por sua vez, com

recursos advindos de empréstimos externos (Pasquis et al., 2001). Alguns exemplos dos

megaprojetos de desenvolvimento dessa época são Polamazônia (1974), Programa Grande Carajás

(1980), Polonoroeste (1981) e Calha Norte (1985).

Pode-se dizer, portanto, que o modelo de ocupação da Amazônia, ao longo das décadas

de 1970 e 1980, esteve voltado essencialmente para as grandes empresas e fazendas,

caracterizando uma forte atuação estatal, que visava à substituição de importações e ao aumento

de exportações, por meio do aumento da produção nacional (Kitamura, 1994). Os programas

desenvolvimentistas dessa época estavam bastante voltados para a capitalização e modernização da

agricultura, que passava por um processo de transformação tecnológica – também conhecido

como “revolução verde”. Esse processo, bastante intenso nas Regiões Sul e Sudeste do país, teve

reflexos diretos na Região Norte, onde as transformações ocorridas eram proporcionadas, em

grande medida, pelo crédito agrícola subsidiado, que dotou os proprietários de terra – e não os

pequenos agricultores – de condições de capitalização, possibilitando a industrialização do campo.

Durante esse período, toda a economia brasileira cresceu com vigor. Era a época do

Milagre Brasileiro. A economia amazônica passou a experimentar taxas de crescimento

relativamente altas – 13,85% ao ano. Dados apresentados por Pasquis et al. (2001) demonstram

que a Região Norte apresentou um aumento significativo do PIB entre os anos 1970 e 1990

(Tabela 4.1), além de um crescimento regional superior à média nacional.

assentamento pelo Incra nos demais estados brasileiros aconteceu apenas na década de 1980.

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Tabela 4.1 – Participação percentual das grandes regiões brasileiras no PIB nacional – 1970-1990

Região 1970 1975 1980 1985 1990

Norte 2,15 2,09 3,02 3,05 3,49 Nordeste 11,70 11,30 11,96 12,54 13,21 Sudeste 65,56 64,21 62,35 62,41 60,91 Sul 16,71 18,11 16,97 16,93 16,75 Centro-Oeste 3,88 4,27 5,51 5,07 5,64 Brasil 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Kasznar, 1991, extraído de Pasquis et al., 2001.

Esse período também foi marcado por uma forte industrialização e urbanização, sem ter

havido, no entanto, a democratização da posse da terra. O projeto de reforma agrária foi

esquecido e a herança da concentração da terra e da renda permaneceu intocada. Em outras

palavras, as ações governamentais favoreceram a expansão do setor agropecuário, que tinha como

principal característica a ocupação das áreas destinadas a projetos de colonização e assentamento,

empurrando os colonos para dentro da floresta, de forma a ocupar os espaços existentes entre os

centros de desenvolvimento.

Ainda segundo Pasquis et al. (2001), nessa mesma época, empresas de variados ramos

também receberam incentivos fiscais para o desenvolvimento de grandes projetos agropecuários

feitos por corporações multinacionais, tais como rio Cristalino, da Volkswagen; Fazenda Santa

Rosa, da Mercedes Bens; Tamakavi, do Grupo SBT; Fazenda Sharp. De acordo com dados

apresentados por Costa (2000), até meados da década de 1980, a Sudam havia aprovado

incentivos fiscais no montante de quase quatro milhões de dólares para 959 empresas, das quais,

584 agropecuárias e 44, agroindustriais.

O resultado dessa política de incentivos, cujos projetos beneficiados, em sua grande

maioria, estavam baseados em atividade pecuária, pode ser verificado em estudo realizado por

Reydon e Herbers (1989). Relacionando física e temporalmente a entrada de grandes projetos

agropecuários subsidiados e os movimentos do preço da terra na Amazônia, os autores

constataram que as regiões que apresentaram as maiores elevações dos preços foram aquelas onde

houve a entrada de grandes grupos econômicos, ocorrendo, concomitantemente, elevados índices

de destruição da floresta e os maiores conflitos pela terra.

O apoio governamental à modernização das grandes fazendas e empreendimentos

agroindustriais acabou por manter e ampliar a má distribuição de terras, fazendo com que os

produtores com menor capacidade financeira fossem excluídos dos incentivos, chegando a ponto

de perderem suas terras. Não é de estranhar, pois, o surgimento de novos conflitos no meio rural,

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que tiveram como conseqüência a repressão política e a criação dos primeiros projetos de

assentamento em estados amazônicos que ainda não haviam “experimentado” a ação do Incra em

termos de colonização e reforma agrária (Amazonas, Amapá, Maranhão e Tocantins). Data dessa

época a criação de grupos especiais como o Grupo Executivo do Baixo Amazonas – Gebam – e o

Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins – Getat.

4.1.3. As novas atribuições do Incra e as dificuldades em se fazer reforma agrária

Além da forte atuação como colonizador e “promotor” da ocupação na Amazônia, o

Incra continuou desempenhando outras atribuições em termos de política fundiária. Essas

atribuições referem-se à mediação de conflitos surgidos pela posse de terras entre diferentes

atores (extrativistas, colonos, fazendeiros, empreendedores, etc.), à alienação irregular procedida

pelos estados na faixa de fronteira, às transcrições indevidas de títulos de terras e à deficiência dos

cartórios em controlar esse processo, às grilagens e invasões criminosas e ao fluxo migratório

desordenado de excedentes rurais das regiões mais populosas do país.

Dessa forma, tem-se início um processo de regularização fundiária por meio da adoção de

uma política que tinha como principais instrumentos a discriminação de terras, a desapropriação

de imóveis por interesse social e a ratificação de títulos, entre outros. Em cinco anos (1979 a

1984) o Incra atuou no sentido de acelerar as atividades de discriminação, distribuição de terras e

titulação, com ênfase nos projetos de colonização e assentamento e suas inúmeras variações13.

Como resultado desses esforços, tem-se que, nesse período, mais de 66 milhões de hectares foram

arrecadados e matriculados em nome da União, cerca de 830 mil documentos de titulação

receberam outorga, 187 projetos de colonização (oficial e particular) foram criados e 110 mil

famílias foram assentadas em todo país (MDA/Incra, 2000).

Com a redemocratização do país, no governo Sarney, a bandeira da reforma agrária volta a

ser levantada, sensibilizando diversos segmentos da sociedade. Inicia-se então a fase de elaboração

do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que beneficiava posseiros, parceiros,

arrendatários, assalariados rurais e minifundiários (Morissawa, 2001). O objetivo desse plano,

encabeçado por José Gomes da Silva, grande conhecedor dos problemas agrário e social do Brasil,

era dar aplicação rápida ao Estatuto da Terra e viabilizar a reforma agrária. Para tanto, contava

13 Projeto de Integração e Colonização – PIC, Projeto de Colonização – PC, Projeto de Assentamento Dirigido – PAD, Projeto de Assentamento Agroextrativista – PAE, Projeto de Assentamento Rápido – PAR, Projeto de Assentamento – PA, entre outros.

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com a participação de seus futuros – e supostos – beneficiários, tanto na fase de elaboração, como

de execução e avaliação14.

Não obstante os esforços de seus mentores, a versão do PNRA aprovada pelo Decreto no

91.766, de 1985, nada tinha a ver com a “proposta” inicial, tendo sido totalmente desfigurada e

tornada impraticável15. Essas “deformações” introduzidas pelos latifundiários – que criam nesse

mesmo ano a União Democrática Ruralista (UDR) – tratavam inicialmente de problemas

referentes à forma, mas foram se concentrando progressivamente em questões de conteúdo,

principalmente no tocante à definição das áreas prioritárias onde deveriam ocorrer as

desapropriações. Com essas ações, caracterizadas pela coexistência de minirreformas agrárias

localizadas e uma contra-reforma agrária generalizada, o Estado procura ampliar suas bases de

apoio, assegurando a legitimidade dos grupos conservadores.

É nesse contexto que se estabelecem os conceitos de latifúndio improdutivo e função social da

terra, conceitos amplos e complexos que serviram como forma de burocratizar e impedir os

avanços da reforma agrária. Ou, como ressalta Bursztyn (1984), de conteúdo “vago e

condicionado a uma interpretação ideológica, fato que explica sua utilização apenas em casos

muito raros de desapropriação”. É também nesse momento que ocorre a promulgação da nova

Constituição da República (1988), que reforça o conceito de propriedade produtiva, estabelece

critérios para que a terra cumpra a sua função social (art. 186) e subordina a reforma agrária à

política agrícola e ao PNRA (art. 188).

Ora, se a questão era a distribuição de terras improdutivas e que não estivessem

cumprindo a sua função social, nada melhor do que direcioná-la para a Região Amazônica, onde

os latifúndios representavam 80% da superfície cadastrada no Incra (Droulers, 1995). Daí o

porquê de se dizer que o processo de colonização e reforma agrária tem sido muito mais intenso

na Amazônia do que nas outras regiões do país.

Com efeito, dos cerca de dez milhões de hectares desapropriados entre 1985 e 1989, 43%

estavam localizados na Região Norte (Figura 4.3). E, desse total, cerca de 4,2 milhões de hectares

foram transformados em projetos de assentamento, sendo quase 80% nos estados amazônicos.

Outro resultado dessa medida foi o assentamento de apenas 89.945 famílias (das quais, 56 mil na

14 Essa participação era assegurada por meio de discussões realizadas em congressos da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, as quais contavam com a presença de entidades “a favor” da reforma agrária, tais como o recém-criado Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, a Associação Brasileira de Reforma Agrária – Abra, a Campanha Nacional pela Reforma Agrária – CNRA, além de diversas entidades sindicais e movimentos populares não ligados diretamente ao campo (Silva, 1987). 15 Sobre as diferentes versões apresentadas desde a concepção inicial e a aprovação do PNRA, ver Silva (1987).

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Amazônia) no período de 1985 a 1989, enquanto a meta inicial estipulada era de 1,4 milhão

(MDA/Incra, 2000).

Figura 4.3 – Áreas desapropriadas, por grande região – 1985-1989 (MDA/Incra, 2000)

Além das questões relacionadas diretamente à elaboração e implementação do PNRA,

vários outros fatores contribuíram para o fracasso das ações voltadas para a distribuição de terras.

O primeiro foi a mudança no aparato institucional federal voltado para a política fundiária e a

reforma agrária. Alterações na política e estrutura do Incra16 fizeram com que a meta de

distribuição de terras já não fosse mais considerada uma prioridade para o órgão, que foi

reestruturado para cumprir objetivos de zoneamento, cadastro e tributação, bem como a

promoção de articulações com os órgãos estaduais de terras. Outrossim, a crise financeira e

política que atingiu o Brasil nessa época também fez com que as ações governamentais fossem

direcionadas para a redução das despesas públicas e o incentivo às exportações e ao

desenvolvimento de novas tecnologias (Becker, 1998). Essas transformações agravaram ainda

mais os conflitos existentes, provocando o surgimento dos movimentos sociais.

4.2. A “colonização” em um novo contexto

A estratégia governamental de crescimento econômico não levava em conta os impactos

sociais nem tampouco os ambientais advindos das políticas de integração e desenvolvimento

regional, adotadas até o final do período militar. O modelo desenvolvimentista predominante na

história recente de ocupação da Amazônia – seja por questões de segurança nacional, seja por

interesses políticos e econômicos diversos –, muito embora tenha trazido alguns ganhos em

16 No final da década de 1980, em apenas 48 meses o Incra teve sua estrutura administrativa alterada seis vezes e teve doze presidentes efetivos e interinos (MDA/Incra, 2000).

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Áreas desapropriadas entre 1985 e 1989

43%

26%

2%5%

24%

Norte Nordeste Sul Sudeste Centro-Oeste

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termos de economia regional, acabou por colocar a região em um cenário de devastação

ambiental: entre 1976 e 1991, 14,07% do território amazônico já havia sido impactado,

correspondendo ao total da área da Amazônia convertida em pastagens, áreas agrícolas,

exploração madeireira e mineral, garimpo, extrativismo e áreas urbanas (Ferreira et al., s/d).

Esse cenário, por sua vez, despertou a atenção não só da sociedade brasileira em geral,

como também de diversos segmentos da comunidade internacional, que deram início a um

processo de mobilização interna e externa, conjugando elementos sociais e ambientais a serem

considerados na elaboração das políticas públicas regionais. Essa mobilização, ocorrida no final da

década de 1980 e início dos anos 1990, levou à elaboração de propostas de mudança no padrão de

desenvolvimento, que deveria ser ressalvado ambientalmente. Assim, em vez de incentivar o

crescimento econômico puro e simples, as políticas públicas deveriam ser pautadas pela idéia de

desenvolvimento sustentável, cuja premissa se baseia na redução dos desperdícios, no aumento da

eficácia no uso dos recursos naturais e em princípios de eqüidade social e oportunidades para as

gerações atuais e futuras (Pasquis et al., 2001).

Como reação a esse processo, a sociedade civil brasileira se organiza e se amplia, com a

presença não apenas do movimento ambiental, mas também do sindicalismo, dos seringueiros e

indígenas, associações e pequenos produtores rurais. Para esse novo “modo” de produzir, a

natureza é valorizada não só como capital futuro, mas também como meio de vida para

populações tradicionais e como base de recursos para produtores e para a sociedade brasileira.

Tem-se, de um lado, a emergência de um vetor que parece permitir a preservação do espaço

geográfico; do outro, maior incidência das demandas econômicas externas por matérias-primas

básicas (sobretudo madeira) e produtos primários (grãos), que voltam a exercer forte pressão

sobre o mesmo espaço (Ferreira et al., s/d).

Dessa forma, no final dos anos 1980, foi decretado o Programa de Defesa do Complexo

de Ecossistemas da Amazônia (Programa Nossa Natureza), que previa o zoneamento ecológico-

econômico da região. Além disso, esse mesmo governo baixou um decreto no qual, pela primeira

vez, ficava suspensa a aprovação, por parte da Sudam, de projetos agropecuários que implicassem

a conversão de áreas florestais em pastagens (Decreto no 99.943, de 1988). Sobre esse tema, faz-se

mister a menção de que desde 1976 vigora a Resolução no 2.525, do próprio Conselho

Deliberativo (Condel) da Sudam, que veda a concessão de incentivos a projetos pecuários em

áreas de mata. Mas, lamentavelmente, esse dispositivo nunca foi cumprido, nem mesmo pelo

próprio Condel, que, por inúmeras vezes, transgrediu-o ao apreciar novos projetos (Pandolfo,

1994). A participação da Sudam, por meio de seus incentivos fiscais, na remoção da cobertura

vegetal da Amazônia foi avaliada em 1988, demonstrando que 4,71% do desmatamento da região

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naquela época se encontrava em áreas de projetos beneficiados pelo Fundo de Investimentos na

Amazônia – Finam.

As políticas governamentais para a região, muito embora ainda seguissem uma linha de

integração e desenvolvimento, assumiram uma nova tendência, adotando ações mais voltadas à

idéia de Estado mínimo e estabelecendo parcerias entre cada grupo de população. Essas ações

caracterizaram uma fase que foi regida pelo princípio da hegemonia do mercado sobre o Estado

na regulação de sistemas econômicos e sociais – o neoliberalismo. Muito embora essas mudanças

não tenham alterado o sentido geral de dominação e uso do aparato do Estado pelos grupos

econômicos, elas apresentam uma certa diferenciação em relação aos grupos prioritariamente

beneficiários das políticas públicas, bem como uma alteração considerável na forma de ação do

Estado (Machado, 2000). Um exemplo disso foi a instituição dos Fundos Constitucionais de

Financiamento, criados pela Constituição Federal (art.159, I, c), para a aplicação em programas de

financiamento de setores produtivos das regiões consideradas como as menos favorecidas do país,

ou seja, Norte (0,6%), Nordeste (1,8%) e Centro-Oeste (0,6%). Regulamentada pela Lei no 7.817,

de 1989, essa política apresentava um diferencial em relação às demais políticas adotadas até

então, haja vista a prioridade dada aos micro e pequenos produtores, à produção de alimentos

básicos e ao consumo interno e às atividades com o uso intensivo de matéria-prima e mão-de-

obra locais.

4.2.1. Revisão dos sistemas de colonização

Nesse contexto de transformações, o governo federal passou a considerar a possibilidade

de realizar mudanças na política de colonização e ocupação regional, cuja meta passava a ser não

mais a expansão espacial e a incorporação de novas fronteiras, mas a consolidação e a manutenção

dos projetos de colonização e assentamento existentes até então. Uma medida importante dessa

época foi a execução, na segunda metade dos anos 1980, de vários projetos previstos no II Plano

Nacional de Desenvolvimento (PND), que, muito embora ainda conservassem o instrumental

fiscal e institucional do período anterior, propunham-se a “reavaliar os programas de colonização

e ocupação da Amazônia”, que estavam sendo alvo de inúmeras críticas por parte de organizações

nacionais e internacionais. Todavia, o contexto econômico de crise pelo qual o país passava, a

reduzida dotação orçamentária do Incra e o bloqueio substancial de recursos interferiram

sobremaneira na execução das mudanças necessárias, impedindo e/ou retardando a programação

da reforma agrária em níveis satisfatórios (MDA/Incra, 2000).

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Mesmo cercado de limitações de ordem financeira, as ações do Incra, nos primeiros anos

da década de 1990, tiveram algum êxito em virtude da determinação política de implementação de

um programa de reforma agrária mais justo e dentro de um contexto legal. Destacam-se para esse

período medidas que representaram avanços de caráter qualitativo e quantitativo e ações que

promoveram melhoria dos serviços e da produtividade da instituição, tais como treinamento

sistemático de servidores; implantação de um sistema de informática que buscava modernizar os

serviços; e desenvolvimento de trabalhos em parceria com organismos técnicos nacionais e

internacionais. É também nesse contexto que se dá a assinatura de convênio entre Incra e FAO

para o estabelecimento dos Principais Indicadores Socioeconômicos dos Assentamentos de

Reforma Agrária e para o levantamento do Índice de Evasão nos Projetos de Assentamento

existentes, bem como de alternativas para a manutenção das famílias assentadas no campo. A

esses estudos, seguiram-se vários outros relacionados às políticas agrárias e ao desenvolvimento da

agricultura familiar no Brasil. Projetos de Cooperação Técnica (PCT) com outras instituições

também tiveram lugar nessa década, quais sejam PCT/Incra-IICA (Instituto Interamericano de

Cooperação para a Agricultura) e PCT/Incra-PNUD (Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento).

Por ouro lado, o programa de novos assentamentos ficou paralisado, cabendo registrar

que, no período de governo de Fernando Collor (1989-1991), não houve nenhuma desapropriação

de terra por interesse social para fins de reforma agrária. Isso porque a ausência de

regulamentação dos dispositivos constitucionais pertinentes à reforma agrária impediu a União de

desapropriar imóveis rurais, conforme entendimento do Poder Judiciário. Em 1993, foi

regulamentado o procedimento da desapropriação por interesse social (Lei no 8.629, de 1993),

que, juntamente com a aprovação do Programa Emergencial para a Reforma Agrária, possibilitou

o assentamento de 23 mil famílias em 152 projetos distribuídos no Brasil, numa área de 229 mil

hectares (BRASIL, 1997).

Outra medida importante nesse período foi a criação de unidades avançadas que, em

termos práticos, significaram a interiorização do aparato administrativo do Incra, aproximando-o

dos seus beneficiários finais (os trabalhadores rurais) e encurtando os canais de comunicação

(MDA/Incra, 2000).

Mais recentemente, a questão da distribuição de terras passou a ser uma das prioridades do

governo de Fernando Henrique Cardoso, que em seu primeiro mandato (1995-1998) assumiu o

compromisso de assentar 280 mil famílias em quatro anos. A despeito das condições para o

desenvolvimento dos projetos de assentamento e a manutenção dessas famílias no campo –

questões que serão discutidas mais adiante –, essa meta foi atingida (Tabela 4.2), marcando o

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início de um novo momento da reforma agrária, não só no que diz respeito à obtenção de terras,

como também no que tange ao assentamento de trabalhadores rurais.

Tabela 4.2 – Assentamento de famílias no governo de Fernando Henrique Cardoso, 1995-1998

Ano Previsão de famílias assentadas (metas)

No de famílias assentadas

Área total (hectares)

1995 40.000 42.912 1.242334 1996 60.000 62.044 2.259.918 1997 80.000 81.944 4.771.987 1998 100.000 101.094 5.964.983 TOTAL 280.000 287.994 14.239.222

Fonte: BRASIL, 1997; MDA/Incra, 2000.

Ocorre, no entanto, que o critério adotado para a avaliação dessas políticas e o

cumprimento de metas do governo Fernando Henrique – número de famílias assentadas – não

leva em conta fatores de ordem econômico-social e tampouco a questão ambiental. E o resultado

disso é que, passados alguns anos, as famílias assentadas, por não ter condições de se manter no

campo, vendem ou simplesmente abandonam seus lotes e voltam a engrossar o cadastro dos sem-

terra no Brasil. Enquanto isso, novas famílias vão sendo assentadas nesses mesmos lotes,

formando um círculo vicioso, que engorda as estatísticas oficiais, mas não se traduz,

necessariamente, em mudanças na estrutura agrária vigente.

Talvez tenha sido esse o motivo que levou o Incra a estabelecer convênio com a FAO

para o desenvolvimento de estudos específicos sobre as causas e os percentuais de evasão dos

assentamentos de reforma agrária existentes no Brasil e na Amazônia, em meados da década de

1990. Alguns resultados sobre o índice de evasão dos assentamentos nas grandes regiões

brasileiras e em alguns estados da Amazônia Legal são apresentados a seguir, apenas para

exemplificar essa situação, onde o Tocantins figura com uma média de 35%.

Tabela 4.3 – Índice de evasão (%) em assentamentos, por grandes regiões

e estados da Amazônia Legal

Fonte: INCRA/FAO, 2001

Estado Média Aritmética

Acre 7,7 Amazonas 38,8 Maranhão 12,7 Mato Grosso 38,3 Pará 60,6 Rondônia 7,6 Tocantins 35,0 Amazônia legal 28,7

Região Média Aritmética

Norte 29,9

Nordeste 17,9

Centro-Oeste 27,8

Sudeste 19,6

Sul 27,5 Brasil 26,2

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Destaca-se também, nesse período recente, a criação da Agenda Ambiental do Incra, com

a finalidade de inserir a dimensão ambiental nas ações de reforma agrária, promovendo, entre

outras ações, a formulação de um Termo de Cooperação Técnica Incra/Ibama (Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), bem como a criação e

implantação dos Projetos Casulo, Roda Viva, Cédula da Terra e Lumiar, que tinham por escopo a

implementação do Programa Qualidade e Produtividade nos Assentamentos de Reforma Agrária.

Essas ações visavam a apoiar as famílias assentadas, melhorando as condições de sustentabilidade

nas parcelas e a emancipação dos projetos em menor lapso de tempo. E, ainda que não tenham

trazido os resultados esperados, podem ser consideradas um grande avanço.

4.2.2. Novos padrões de desenvolvimento econômico e a era da globalização

A década de 1990 foi marcada por novas tendências econômicas, não só no Brasil, como

no mundo, favorecendo fluxos e refluxos demográficos. O motivo principal é que o

desenvolvimento econômico contemporâneo baseado na indústria se dá por meio da

concentração das atividades econômicas no espaço, e não mais no desenvolvimento das atividades

relacionadas às frentes pioneiras, típicas do extrativismo e da agricultura tradicional. O progresso

técnico, com produtos sintéticos, novos materiais e biotecnologia, tende a dispensar produtos

tropicais, com suas cores, sabores, texturas e outras propriedades exóticas que sustentam o

crescimento demográfico na Amazônia. A substituição da borracha pelo látex produzido nos

seringais de cultivo e posteriormente no laboratório é um bom exemplo no caso amazônico

(Sawyer, 1992).

Um outro fenômeno que merece ressalva é o da globalização, que abre espaço para a

entrada de produtos importados no mercado nacional. Um exemplo disso é a chegada de um óleo

vegetal produzido pela Malásia – o óleo de palmiste, que é extraído da amêndoa do fruto do

dendê (Elaeis guineensis) –, que entrou no mercado nacional a um preço bem menor do que o óleo

extraído artesanalmente do coco de babaçu (Orbignya spp.), que constituía a base da subsistência

de várias famílias tradicionais e assentadas no sul do Maranhão e no extremo norte do estado do

Tocantins.

O processo de globalização também intensifica a produção destinada ao mercado

internacional, provocando vários questionamentos acerca da maneira “não-sustentável” com que

essas atividades têm sido realizadas. Por outro lado, tem sido responsável por um significativo

aumento das exportações da região nos últimos anos. Tal crescimento pode ser justificado com a

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estabilidade financeira conseguida nesse período, que estimulou a retomada de investimentos de

grande porte na região, voltados essencialmente para o mercado externo (Pasquis et al., 2001).

Assim sendo, o modelo de desenvolvimento previsto pelo governo federal para o

conjunto da região continua adotando a visão de crescimento de fora para dentro, de crescimento a

partir de demandas nacionais de inserção competitiva mundial, mesmo que, em termos de

macroobjetivos, esteja sendo proposto um modelo que integre o desenvolvimento social e a

conservação ambiental.

Desde 1996, com a implantação dos projetos do Programa Brasil em Ação e, mais

recentemente, do Avança Brasil, o propósito de atingir as metas programadas vem sendo cumprido

com o máximo rigor. Centrados no investimento em obras de infra-estrutura (transportes, energia,

comunicações – Figura 4.4), os quatro Eixos Amazônicos (Arco Norte, Madeira–Amazonas,

Araguaia–Tocantins e Oeste) passam a ser os espaços mais dinâmicos da região. Em vista disso,

pode-se dizer que as iniciativas políticas adotadas nesse período configuram um novo projeto de

desenvolvimento regional mais estratégico, articulado e economicamente racional, ainda que

baseado em antigos projetos de infra-estrutura. Refletem também a retomada da capacidade de

investimento público e privado, sobretudo para a Região Amazônica, mas que se diferencia do

fluxo ocorrido nas décadas anteriores na medida em que facilitam a entrada do capital

internacional por meio das privatizações (Machado, 2000).

Figura 4.4 – Avança Brasil: investimentos totais, públicos e privados, para 2000-2007

Diferentemente da estratégia de integração nacional dos anos 1960, 1970 e início de 1980,

tal política adota uma estratégia de globalização, em que o Estado participa como elemento

diretor – e não mais como promotor – do desenvolvimento regional (Machado, 2000). Essa

estratégia é decorrente do novo modelo de desenvolvimento projetado pelo governo Fernando

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Informação e ConhecimentoR$ 2,4 bilhões

Desenvolvimento Social

R$ 112,8 bilhões

Infra-estrutura Econômica

R$ 186,1bilhões

Meio AmbienteR$ 15,7 bilhões

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Henrique Cardoso e implica redução da intervenção direta do Estado na economia, abertura de

mercado, privatizações, etc. Esse modelo gera uma nova política de ocupação, uso e exploração

dos recursos naturais da Amazônia, promovida por iniciativas como: a viabilização das hidrovias

Madeira–Amazonas, Araguaia–Tocantins, Teles Pires–Tapajós–Amazonas; o asfaltamento da BR–

163, que liga Cuiabá a Santarém, e da rodovia que liga Manaus a Boa Vista, até a fronteira com a

Venezuela; a Lei Kandir, que beneficia a agricultura mecanizada de soja, ao transferir para o

exportador o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS; a intensificação do

processo de reforma agrária na Amazônia, aumentando a pressão sobre áreas florestais; nova

política mineral, com a abertura de novas concessões de áreas de exploração mineral; nova política

florestal, baseada na atração de investimentos de capital transnacional – principalmente asiático –;

e concessões florestais à iniciativa privada, por intermédio da criação de florestas nacionais de

exploração.

As rodovias de maior importância, previstas para ser construídas na região dentro do

Programa Avança Brasil, também dão continuidade aos projetos do Brasil em Ação. Atualmente, há

previsões de que sejam liberados pelo governo federal cerca de sete milhões de reais para a

pavimentação da BR-163. Há uma forte pressão por parte de políticos paraenses para que a obra

seja iniciada, o que, para eles, representaria um grande avanço para a ocupação da área entre os

rios Tapajós e Xingu, respaldando ainda mais as discussões em andamento para a constituição do

estado de Tapajós.

As conseqüências desse conjunto de propostas podem ser avaliadas com base em

diferentes fatores, entre eles, a consolidação do Arco do Desflorestamento, que vai desde o sul do

Pará, passando pelo norte de Mato Grosso, Rondônia e Acre, até chegar ao sudoeste do

Amazonas; consolidação do cinturão da soja, que acompanha o arco do desflorestamento, com

perspectivas de ocupar não apenas as áreas de cerrado, mas também as áreas de floresta de

transição e áreas de Floresta Amazônica já desmatadas; aumento da taxa de desmatamento;

incremento das queimadas e efeito estufa decorrente desse aumento, elevando a participação do

Brasil na emissão global de CO2 na atmosfera; poluição do ar em cidades como Manaus, Porto Velho,

Rio Branco, Cuiabá, Sinop e Paragominas; aumento da taxa de antropização da floresta por meio da

exploração florestal e de projetos de reforma agrária; comprometimento do potencial hídrico e da

biodiversidade amazônica; e elevado grau de privatização do bem comum, por exemplo, a privatização

das Florestas Nacionais.

No que se refere à expansão da soja, cumpre ressaltar que o potencial de crescimento do

mercado internacional desse produto levou o governo federal a anunciar recentemente metas de

exportação de cem milhões de toneladas de grãos em 2002, pois o complexo soja é o principal

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item da balança comercial brasileira, com exportação de US$ 5,7 bilhões em 1997. A exportação

de soja em grãos (sem incluir farelo e óleo) atingiu 9,5 milhões de toneladas em 1999, com uma

previsão de crescimento da ordem de 40% até o ano 2005. Em termos de produção, as estatísticas

trazem dados ainda mais elevados e nelas figuram vários estados amazônicos, inclusive o

Tocantins (Tabela 4.4).

Tabela 4.4 – Produção de soja, unidades federativas da Amazônia Legal e Brasil, 1993-2000 (ton.)

Estado 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Maranhão 87.370 140.637 162.375 194.868 252.000 302.400 390.500 439.300 Mato Grosso

4.118.726 5.319.793 5.491.426 4.759.114 5.721.300 7.150.000 7.134.400 8.456.000

Pará - - - - 1.180 - - 4.900 Rondônia 10.852 11.052 10.800 11.250 8.900 14.100 19.500 35.400 Tocantins 26.506 57.585 36.191 14.030 19.700 80.200 93.800 110.400 Amazônia 4.145.232 5.377.378 5.527.617 4.773.144 6.005.077 7.230.200 7.228.200 9.048.000 Brasil 22.590.978 24.931.832 25.651.272 23.210.877 26.160.000 31.364.400 30.752.800 32.345.000

Fonte: CONAB (2000).

4.2.3. O desenvolvimento social em debate

Após um intenso processo de migração e colonização ocorrido nas décadas anteriores, a

Amazônia passou a ser caracterizada como uma região onde predominam populações de baixa

renda, que vivem em condições precárias. Apesar do aumento do número de empregos e das

oportunidades de ocupação no campo, a distribuição da renda continua apresentando grandes

deformações (Pandolfo, 1994).

Os sistemas produtivos até agora adotados na região não conseguiram criar uma

“socioeconomia” estável, por não terem considerado as características do ambiente amazônico.

Esse fato tem levado a região a um processo de degradação ambiental, que se traduz, entre outros,

nos elevados índices de desflorestamento observados nos últimos anos.

Resultados de estudo realizado recentemente pelo Banco Mundial atestam que “de todas

as espécies amazônicas, a mais ameaçada é o homem”. Esse é, certamente, o ponto de vista de

vários atores presentes na região, sobretudo aqueles relacionados ao movimento social e a

organizações de classe. Evidentemente esse resultado não poderia ser diferente, pois é justamente

esse o segmento de representação das comunidades e populações amazônicas. Dentre os

problemas regionais relacionados à questão social e de qualidade de vida humana, destacam-se

aqueles ligados ao modelo de ocupação, que provocou uma forte migração para a região e,

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conseqüentemente, o surgimento e o crescimento desordenado de centros urbanos, que tiveram

como resultado a falta de saneamento básico, a violência, a prostituição e a falta de segurança

(assaltos e mortes). Também foram relacionados, no referido estudo, problemas referentes à

pobreza e ao desemprego, à falta de infra-estrutura social (hospitais, escolas, etc.) e ao aumento do

índice de doenças (Pasquis et al., 2002).

De fato, de acordo com pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento – PNUD, que leva em conta critérios outros que não apenas o econômico para

medir o progresso humano (possibilidade de vida longa e saudável e acesso ao conhecimento), os

estados amazônicos apresentam índices de desenvolvimento humano entre médio e baixo (Tabela

4.5). Aqui merecerm destaque Maranhão e Piauí, que são considerados os estados brasileiros que

apresentam as piores condições de desenvolvimento humano.

Tabela 4.5 – Índice de desenvolvimento humano (IDH)

Estados AC AP AM MA MT PA RO RR TO Amazônia Brasil IDH 0,754 0,786 0,775 0,547 0,767 0,703 0,580 0,818 0,587 0,702 0,809 Fonte: PNUD (1991).

A forte urbanização da Amazônia, resultado da expansão geográfica do modelo de

desenvolvimento econômico adotado nas últimas décadas, fez com que grande parte das

migrações inter e intra-regionais fossem direcionadas a cidades e núcleos urbanos. Em alguns

lugares da região, o crescimento urbano chegou a apresentar um aumento da ordem de 7.000%

entre o período de 1981 e 1990 (Becker et al., 2000). Nos últimos anos, o que se verifica na região

é um fluxo migratório endógeno, concentrado principalmente na Amazônia centro-meridional e

no extremo norte da região. Hoje podem ser encontrados municípios com taxas de crescimento

intensas, enquanto outros apresentam um crescimento negativo (Pasquis et al., 2001).

Em suma, a era dos grandes fluxos migratórios provenientes de outras regiões terminou.

Como resultado desse processo, tem-se um aumento da população urbana, que passa a viver em

condições de vida bastante precárias, muitas vezes abaixo do nível de pobreza e completamente à

margem do processo produtivo. A essa classe Buarque (1999) dá o nome de excluída. Isso porque,

para o autor, o conceito de pobreza não deve mais ser entendido com base em indicadores

econômicos como a renda familiar, mas sim pela exclusão de bens e serviços sociais essenciais.

Ser pobre não é só principalmente ganhar pouco; o conceito de pobreza precisa ser desmonetarizado e realizado de forma real, menos econômico e mais ético, menos contínuo e mais descontínuo; é não ter garantia

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de alimentação, acesso à educação, atendimento à saúde, condições de moradia com higiene, disponibilidade de transporte urbano eficiente e proteção de justiça e segurança (Buarque, 1999, p.39).

Nesse sentido, a luta pela erradicação da pobreza passaria mais pela oferta pública e

universal desses serviços do que pelas falsas promessas de renda que permitiriam adquiri-los no

mercado. E é mais ou menos dentro dessa premissa que os movimentos sociais passaram a atuar

nos últimos anos.

Evidentemente, no que tange à questão rural, a luta pela terra (que, de certa forma,

também é contra a pobreza) ainda é uma realidade em todo o país. Tanto assim que existem no

Brasil 4,5 milhões de famílias sem ou com pouca terra para produzir (Tabela 4.6).

Tabela 4.6 – Beneficiários da reforma agrária de acordo com as grandes regiões - no de famílias.

Regiões Demandantes (1) Demandantes (2) Demandantes (3) Norte 77.316 294.352 348.351 Nordeste 802.846 2.004.585 2.349.305 Centro-Oeste 20.838 119.711 216.958 Sudeste 89.514 537.652 828.966 Sul 153.118 641.816 772.231 Brasil 1.143.632 3.598.116 4.515.811 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 1995-1996. (1) ocupantes + parceiros + arrendatários; (2) ocupantes + parceiros + arrendatários + minifundiários (< 10hectares); (3) ocupantes + parceiros + arrendatários + minifundiários (< 10hectares) + assalariados.

Todavia, os movimentos sociais apresentam uma nova configuração. Além da titularidade,

lutam também pela melhoria das condições de vida das famílias já assentadas e sua manutenção

no campo, assim como pela preservação dos recursos naturais, principalmente florestais, já

bastante escassos na região. Menezes (2000) resume bem essa mudança quando escreve que, “para

este segmento campesino, a luta pela posse da terra se configura, acima de tudo, na luta pela vida.

A terra, que para muitos é apenas objeto de especulação imobiliária, é para esse segmento um ser

vivo que respira e exige cuidados”.

4.2.4. Crise ambiental e tomada de consciência

Em termos ambientais, o início da década de 1990 é marcado por um clima tenso, em que

denúncias e desconfiança a respeito de ações governamentais, investimentos de empresários

nacionais e internacionais e bancos financiadores internacionais criam condições para ampliar a

mobilização que as Nações Unidas iniciavam em torno da Conferência do Rio (1992), que iria

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tratar de alternativas a problemas globais e da integração das questões ambientais e de

desenvolvimento. Para a perspectiva internacional, a Região Amazônica representa, hoje, um

espaço que, de um lado, serve como reserva de recursos genéticos, especialmente para novas

modalidades de transformação industrial; e, de outro, atua na “amenização” dos problemas

ambientais globais, entre eles, as mudanças climáticas, o seqüestro de carbono e a regulação das

emissões de outros gases que permanecem na atmosfera e dão origem ao efeito estufa.

Esse debate, no entanto, tem sido extremamente polêmico, por causa das teorias

contraditórias a respeito da contribuição (positiva, negativa ou nula) das florestas tropicais no

equilíbrio global. Entretanto, o conjunto de convenções e acordos internacionais sobre temas

ambientais que tratam, por exemplo, da camada de ozônio, das mudanças climáticas, da

biodiversidade, entre outros, mostram o grau de importância da região.

Outro aspecto importante relaciona-se a alterações introduzidas nos programas

internacionais: mesmo aqueles destinados à construção de infra-estrutura econômica passam a ter

obrigatoriedade de apresentar uma avaliação ambiental e de destinar uma parcela de seus recursos

a um componente de conservação ou controle, fiscalização e monitoramento ambiental. Foi

somente após o cumprimento de tais condições que o governo conseguiu a aprovação do Plano

Agropecuário e Florestal de Rondônia – Planafloro e do Programa de Desenvolvimento

Agroambiental do Estado do Mato Grosso – Prodeagro.

Embora não tenha sido de grande envergadura em termos de política de conservação, esse

quadro trouxe resultados para a Amazônia: somente durante a década de 1990 foram

institucionalizadas 34 Unidades de Conservação Federais, perfazendo uma superfície de mais de

dez milhões de hectares, entre áreas de proteção integral e de uso sustentável. Essas unidades,

somadas às já existentes e às que foram criadas nos últimos dois anos, totalizam, hoje, uma

superfície de cerca de 35 milhões de hectares, representando 7,0% da superfície regional

(SIUC/Ibama, 2002). Somando-se os dados referentes às terras indígenas já reconhecidas pelo

poder público – que até o final da referida década somavam 97 milhões de hectares, ou 19,5% da

região (DEID/Funai, 2001) –, a superfície em áreas protegidas ou de uso restrito na Amazônia estaria

em torno de 26,5% de sua superfície total. Não obstante, ainda representa um espaço conservado

de pouca significância frente à diversidade (ambiental, social, ecológica, cultural, etc.) existente na

região e às dinâmicas espaciais resultantes de áreas incorporadas pela política de colonização, que,

para o mesmo período, era responsável por aproximadamente 34 milhões de hectares só em

Projetos de Assentamento do Incra (Divisão de Assentamentos/Incra, 2001). Mais insignificante

ainda se considerarmos que o desflorestamento já atinge 58,7 milhões de hectares, ou quase 15%

das florestas outrora existentes na região (Prodes/Inpe, 2002).

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É justamente nesse contexto que a sociedade – nacional e internacional – se vê diante da

necessidade de repensar o desenvolvimento regional com base em novos conceitos, como o de

sustentabilidade da agricultura ou agricultura sustentável, passando a considerar que o desenvolvimento

da agricultura não poderá ser alcançado se continuar a ser encarado de uma forma estanque, sem

o comprometimento dos diferentes níveis de governo e o envolvimento dos segmentos da

sociedade beneficiários desse processo. Seguindo essa mesma linha, David e colaboradores (1998)

consideram que um programa de reforma agrária deve buscar transformar as condições de vida de

seus beneficiários e estar inserido em uma estratégia produtiva que assegure a sustentabilidade

dessa agricultura. Esta, por sua vez, deve ser pensada não só como meio de sobrevivência das

famílias, mas principalmente como fonte geradora de excedentes que assegurem novos

investimentos e permitam a ampliação da produção e da produtividade da agricultura brasileira.

Indo um pouco mais além no conceito de agricultura sustentável, as organizações não-

governamentais (ONGs), reunidas em Fórum Internacional durante a Rio-92, definiram-na como

“aquela ecologicamente correta, economicamente viável, socialmente justa, culturalmente

adaptada, que se desenvolve como um processo, numa condição democrática e participativa”.

Dentro dessa nova concepção, as ações implantadas pelo Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA) e Incra vêm sendo orientadas no sentido de transformar o trabalhador rural

assentado em agricultor economicamente viável, por meio do desenvolvimento de atividades

menos impactantes em termos ambientais. Dessa forma, a idéia de desenvolvimento rural sustentado

passou a ter como diretriz básica a integração das políticas de reforma agrária e agrícola17, visando

a dar sustentabilidade à agricultura familiar (MDA/Incra, 2000).

Ademais, tentativas de negociação entre as diferentes pastas de governo também começam

a ser estabelecidas. Um exemplo é a iniciativa da SCA/MMA, que tem como premissa que a

criação de projetos de assentamento está intimamente ligada à dinâmica do desmatamento, em

discutir a questão com o MDA (então Ministério Extraordinário de Política fundiária – MEPF)

para a elaboração de políticas voltadas à manutenção da floresta em áreas de assentamento. Como

resultado desse processo de negociação, foi publicada, em fins de 1999, uma portaria ministerial que

proibia desapropriação, aquisição ou quaisquer outras formas de obtenção de terras rurais em

áreas com cobertura florestal primária, incidentes no ecossistema amazônico..., excetuando-se os

casos de áreas rurais destinadas à criação de Projetos de Assentamento Extrativistas (PAE) ou que

17 A política de reforma agrária, ou política fundiária, difere da política agrícola na medida em que aquela é parte especial desta; prevê o disciplinamento da posse da terra e de seu uso adequado. No entanto, as condições necessárias para que isso aconteça devem estar estabelecidas nas políticas agrícolas. A terra tem uma função social, que é justamente a produção agrícola para alimentar a população humana e a sociedade urbanizada.

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atendam às exigências previstas em normas internas do Incra18 (Portaria MEPF no 88, de 7 de

outubro de 1999 – art. 1o, parágrafo único).

Outro avanço a ser considerado nesse contexto de conscientização ambiental é a

concordância, por parte do Ministério do Planejamento e Orçamento – MPO, após inúmeras

discussões com o MMA e segmentos da sociedade civil organizada, em realizar a Avaliação

Ambiental Estratégica dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento previstos no

Programa Avança Brasil. O argumento utilizado em favor dessa avaliação baseia-se no fato de que

o estudo elaborado inicialmente não levou em conta os zoneamentos já realizados nem a variável

ambiental. Na verdade, os eixos, da forma como foram previstos, representam uma nova divisão

do país, mas pouca importância está sendo dada à região diretamente afetada – a Amazônia. Em

outras palavras, a base de análise dessa política é essencialmente econômica e está fundamentada

no escoamento da produção agrícola – sobretudo grãos – de outras regiões do país para o

mercado externo (Mello, 2002). Nesse sentido, a Região Amazônica deverá arcar com os custos

socioambientais de sua implantação, sem, contudo, usufruir os seus benefícios econômicos.

Todavia, o que se percebe e que será discutido ao longo dos capítulos subseqüentes é que,

mesmo com esses esforços, as políticas públicas – e aqui se podem incluir as políticas ambientais,

agrárias, agrícolas, de transportes, de implantação de infra-estrutura, etc. – continuam sendo

elaboradas de forma independente e desarticulada, não levando em conta o contexto em que se

inserem, qual seja a Amazônia Legal e toda a sua diversidade.

18 Sobre as normas internas previstas, faz-se mister a menção de que, um mês depois da publicação da Portaria MEPF no 88/99, o Incra baixou uma portaria criando uma nova modalidade de Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS, que deverá ser criado em atendimento a interesses sociais e ecológicos e deverá contar com a participação do MMA e do Conselho Nacional de Seringueiros, tendo, portanto, as bases de sustentabilidade e de qualidade de vida como seus pontos determinantes (Portaria/Incra no 477, de 4 de novembro de 1999 – arts. 1o e 3o ).

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5. O DESFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA19

5.1. O quadro geral do desflorestamento na Amazônia

A retirada indiscriminada e sem reposição dos recursos florestais amazônicos constitui-se

hoje em tema de debates nacionais e internacionais, em razão dos efeitos provocados sobre a

conservação da biodiversidade, a manutenção do potencial produtivo dos solos, a qualidade dos

recursos hídricos da região e as mudanças climáticas globais. Outros impactos desse fenômeno

incluem também o modo de vida de populações locais, que tiram da floresta seu sustento, com

base em usos e costumes que vêm sendo mantidos ao longo de gerações.

A compreensão do funcionamento das florestas tropicais brasileiras, da dinâmica de seus

ecossistemas e dos impactos das atividades econômicas sobre o estoque de recursos naturais ainda

é um grande desafio para a comunidade científica. Essa tarefa requer o estabelecimento de novos

parâmetros e o entendimento acerca das razões fundamentais que conduzem à conservação ou à

destruição da floresta (Becker et al., 2000).

Um levantamento preliminar da bibliografia referente ao desmatamento na Amazônia nas

últimas décadas indicou que boa parte dos trabalhos realizados aponta as causas do desmatamento

da região com base em análises gerais, realizadas a partir de dados secundários. Além disso, alguns

trabalhos, ainda que fundamentados em informações primárias, não apresentam uma descrição

clara e precisa das variações temporais, espaciais e metodológicas utilizadas20. Dessa forma, as

opiniões controversas a respeito dos principais fatores que estimulam a destruição da floresta

constituem-se em lugar-comum nas discussões sobre o tema. Para muitos autores, a política de

reforma agrária implantada na região pelo Incra, que se traduz essencialmente na criação de

projetos de assentamento, desempenha um papel importante no processo de desflorestamento na

Região Amazônica. Outros, no entanto, apesar de concordar com o fato de que os pequenos

colonos têm sua parcela de responsabilidade nesse processo, afirmam que grande parte do

desflorestamento decorre da implantação da pecuária extensiva em grandes latifúndios, dos

projetos agropecuários e da exploração madeireira insustentável.

19 As informações apresentadas neste capítulo foram assunto de trabalhos específicos realizados sobre o tema e de outros documentos de trabalho elaborados no marco do Projeto de Cooperação Técnica entre Cirad-NAPIAm/SCA/MMA, alguns deles já veiculados no CD-ROM Informações de apoio ao Planejamento Estratégico para a Amazônia. 20 Sobre este tema, ver Machado e Pasquis, 2002.

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Ocorre, no entanto, que a grande territorialidade21 da Região Amazônica faz com que seus

atores tenham comportamentos variados com relação à floresta. Ao contrário do que podem

pensar alguns leigos no assunto, a Amazônia brasileira não é homogênea, apresentando-se

extremamente complexa, não só em termos naturais, como também socioculturais. Em outras

palavras, a especificidade dos diferentes estados que compõem a Amazônia brasileira faz com os

fenômenos relacionados ao desflorestamento não se verifiquem de maneira uniforme. Taxas

preocupantes de desflorestamento são apresentadas por alguns estados, enquanto outros mantêm

taxas relativamente baixas (conforme mostra a tabela a seguir), políticas estaduais de incentivo à

exploração madeireira ou ao desenvolvimento da agropecuária (em especial em Mato Grosso,

Pará e Rondônia) e políticas de desenvolvimento voltadas para a sustentabilidade e o manejo dos

recursos naturais (tais como as adotadas pelos governos do Acre e Amapá) são apenas alguns

exemplos.

Tabela 5.1 – Taxa média anual e extensão total do desflorestamento bruto na Amazônia Legal (km2/ano)

Estados 77/88* 88/89 89/90 90/91 91/92 92/94** 94/95 95/96 96/97 97/98 98/99 99/00 Extensão

total

Acre 620 540 550 380 400 482 1.208 433 358 536 441 547 15.767

Amapá 60 130 250 410 36 - 9 - 18 30 - - 1.963

Amazonas 1.510 1.180 520 980 799 370 2.114 1.023 589 670 720 612 30.322

Maranhão 2.450 1.420 1.100 670 1.135 372 1.745 1.061 409 1.012 1.230 1.065 104.256

Mato Grosso 5.140 5.960 4.020 2.840 4.674 6.220 10.391 6.543 5.271 6.466 6.963 6.369 143.930

Pará 6.990 5.750 4.890 3.780 3.787 4.284 7.845 6.135 4.139 5.829 5.111 6.671 200.118

Rondônia 2.340 1.430 1.670 1.110 2.265 2.595 4.730 2.432 1.986 2.041 2.358 2.465 58.143

Roraima 290 630 150 420 281 240 220 214 184 223 220 253 6.386

Tocantins 1.650 730 580 440 409 333 797 320 273 576 216 244 26.842

Amazônia 21.130 17.860 13.810 11.130 13.786 14.896 29.059 18.161 13.227 17.383 17.259 18.226 587.727

* média da década; ** média do biênio (Fonte: Relatório Prodes/Inpe, 2002.)

5.2. O desflorestamento: uma avaliação difícil

A uma taxa média anual de 17.000 km2, ou três vezes a área do Distrito Federal, o

desflorestamento na Amazônia apresenta conseqüências em diferentes escalas espaço-temporais,

não sendo possível relacioná-lo a um fato gerador específico. Dessa feita, o tema vem sendo

bastante pesquisado e debatido, não só entre cientistas de diversas áreas de conhecimento e

21 Entendida aqui em seu sentido mais amplo, o qual inclui não apenas a extensão territorial em si, como também elementos de formação de um novo território, envolvendo a história de ocupação e suas dimensões produtivas, sociais e culturais.

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ambientalistas do mundo inteiro, como também entre os diferentes níveis de governo.

Evidentemente essas discussões têm aspectos positivos, na medida em que permitem uma grande

evolução em termos de estudos e acúmulo de informações importantes sobre solos, fauna, flora,

clima, recursos minerais, etc., e maior conhecimento acerca do funcionamento do meio

amazônico. Mas também geram algumas divergências, sobretudo no que tange à questão da

avaliação do desflorestamento, intrinsecamente relacionado às diferentes atividades desenvolvidas

na região ao longo dos últimos 50 anos. Com efeito, a própria definição de conceitos básicos

relacionados ao processo de ocupação do espaço ainda é tema de discussões e controvérsias.

5.2.1. Definição ambígua em área de referência incerta

Conforme discutido em capítulo anterior (v. Capítulo 2), além da questão conceitual,

existem ainda outros problemas relacionados à avaliação do desflorestamento da Região

Amazônica. Um deles, e talvez o principal, é que os diferentes estudos conduzidos sobre o tema

nem sempre tratam da mesma região22. Os próprios limites da área de referência não são

consensuais: vão da região biogeográfica à bacia hidrográfica, até a “Amazônia Legal”, em seu

conceito administrativo, sem contar as confusões com o estado brasileiro do Amazonas. As

conseqüências dessa confusão são as diferenças encontradas na avaliação da extensão da

cobertura florestal, e mesmo da própria região, as quais podem ser superiores a 20%, e, em alguns

casos, chegar a quase 50% (Tabela 5.2).

22 Huguet, em 1990, distinguiu três “Amazônias”, apenas no território brasileiro: i) a Amazônia Legal (536 milhões de hectares), que inclui os nove estados do norte do país, mas também envolve, ao sul, outras bacias de captação além da bacia do Amazonas; ii) a Amazônia geográfica, isto é, apenas a bacia de captação do Amazonas, ou seja, 350 milhões de hectares; iii) a Amazônia florestal, localizada mais ao norte do que a anterior, de 280 milhões de hectares, levando em conta apenas a floresta tropical perene, e mais de 385 milhões de hectares se acrescentarmos as florestas semi-úmidas ou decíduas de transição.

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Tabela 5.2 – Estratificação da Amazônia brasileira

Fonte Floresta (km2) Cerrado (km2) Água (km2) Superfície total (km2)

Definição legal (1) 4.090.000 850.000 90.000 ~5.000.000 Cepik, 1999 3.996.000 (3) 4.900.000 FAO, 1981 (1) 3.562.800 Fatheuer, 1994 ~3.500.000 5.029.000 Fearnside et al., 1990 4.195.660 793.279 4.906.784 Kiracofe, 1989 (2) 3.500.000 3.500.000 Mahar, 1989 > 2.500.000 (4) > 5.000.000 Malingreau e Tucker, 1988 3.500.000 (4) 5.000.000 McCloskey e Spalding, 1989 (2) 3.587.150 Meanwhile/IBGE, 1988 (1) 3.793.664 1.149.943 20.972 4.964.920 Nepstad et al., 1999 4.092.831 Prodes/Inpe, 2000 ~4.000.000 ~5.000.000 Skole e Tucker, 1993 4.092.831 847.400 92.694 5.032.925 CGA/SCA/MMA, 2000 4.176.078 798.517 77.516 (outros) 5.052.111

Menezes, 2001 4.145.087(5) 884.404 80.314 (outros) 5.109.805

Média 3.782.140 - - 4.874.628,75

Desvio padrão 447.844,60 - - 418.130,98

(1) Fonte Skole e Tucker, 1993; (2) Fonte Glantz et al., 1997; (3) Cobertura florestal original, uma vez que o autor escreve em

1996 que essa cobertura já é de apenas 3.483.600 km2; (4) Floresta de terra firme; (5) Bioma Amazônia.

Essas diferenças devem-se a razões conceituais e metodológicas e são agravadas pela

complexidade espaço-temporal e pelas dimensões da região (Pasquis, 1999). A extensão de cerca

de quatro milhões de quilômetros quadrados do maciço florestal é a resultante de uma “oscilação”

que depende dos ciclos climáticos na escala geológica (em expansão desde a última glaciação) e do

curto tempo da atividade antrópica que se contrapõe a essa dinâmica natural.

Tampouco há consenso sobre o tipo de vegetação a ser considerado. Numa região

ocupada e utilizada há vários milênios23, será que as florestas secundárias e as antigas capoeiras

devem ser consideradas da mesma forma que a floresta “virgem”?

A noção de floresta perene também está no âmago dos debates entre os especialistas. Para

alguns, ela admite uma mistura de caducifolhadas (Elhaï, 1968) e recebe o epíteto “tropical

úmida” entre os trópicos. Para outros, no entanto, ela deveria ser chamada de “densa equatorial”.

Determinados autores, entre eles Elhaï (1968) e Ozenda (1982), admitem que essa denominação é

sinônimo de “floresta pluviosa” ou “pluvial”, “ombrófila”, “rain forest”, “regenwald” ou “pluviisylvae”,

23 É cada vez mais consensual que a Floresta Amazônica é um maciço onde há muito já vem ocorrendo intervenção humana. As descobertas arqueológicas e a concentração de certas espécies vegetais sem explicações naturais evidentes despertam dúvidas, sempre crescentes, sobre o estado “primário” da floresta.

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evocando, todas, a importância das chuvas que nela desabam. Um certo consenso esboça-se, às

vezes, entre anglofônicos e francofônicos acerca de “tropical evergreen forest” e “forêt tropicale

sempervirente”. Para Trochain (1980), não há dúvida: a Região Amazônica é certamente o lugar da

floresta densa úmida “intertropical” primária. Ela apresenta, no entanto, vários tipos de vegetação,

seja secundária ou edáfica; “densa heliófila” (floresta inundável e pantanosa), “densa ripícola”,

“mangrove” e sobre areias continentais ou escudos aflorantes.

Embora o projeto TREES (Eva et al., 1998) ainda ressalte diferenças consideráveis entre as

suas estimativas e as da FAO (+28%) e da União Internacional para a Conservação da Natureza –

UICN (-8%), recentes pesquisas baseadas em um importante trabalho de sensoriamento remoto

permitem imaginar que um consenso pode estabelecer-se em torno de 3.600.000 km2 de floresta

densa. De fato, o Banco Mundial (Albaladejo e Tulet, 1996) trabalha com o número de 3.400.000

km2, e Centeno (1993) estima a cobertura florestal amazônica em 3.575.000 km2 (floresta densa).

Quanto à classificação dos tipos vegetacionais existentes na Amazônia, também existem

algumas divergências. As avaliações e as cartografias correspondentes baseiam-se em conceitos

diferentes, que vão dos ecossistemas às regiões naturais, passando por biomas, ecorregiões, tipos

de vegetação, formações vegetais, “zonas de vida”, paisagens, etc. A exemplo disso temos que em

1997 o IBGE publicou, em seu Diagnóstico Ambiental da Amazônia, um mapa de vegetação com

três classes diferenciadas: áreas abertas, floresta de transição e floresta (Figura 5.1); já a

classificação do Fundo Mundial para a Natureza – WWF24 é feita em termos de biomas, havendo

distinção entre Amazônia, Cerrado e suas “Zonas de Transição”.

Figura 5.1 – Tipos de vegetação – áreas abertas, floresta de transição, floresta (Fonte: IBGE, 1997.)

24 World Wildlife Fund

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Ainda com relação à identificação dos tipos de vegetação, é exatamente quando se

aumenta o nível de detalhes que as coisas se complicam. Embora globalmente a Região

Amazônica seja coberta de floresta densa, cercada nas suas bordas por savanas e dominada pela

floresta subtropical úmida de altitude, nos Andes, em uma escala maior, toda a sua riqueza

explode em uma paleta multicolorida de tipos diferentes de vegetação. Em vista disso, de acordo

com classificação do WWF, também adotada pelo Ibama para a definição de áreas prioritárias

para a criação de unidades de conservação, o bioma Amazônia constitui-se de 23 diferentes

ecorregiões25 (Figura 5.2).

Figura 5.2 – Ecorregiões do bioma amazônico (Fonte: Ferreira et al., 2001.)

Enfim, se o conhecimento do meio amazônico fosse tão profuso quanto os conceitos e

métodos utilizados para estudar a sua cobertura vegetal, o desenvolvimento regional talvez não

representasse mais um desafio tão grande. Mas, infelizmente, essa profusão resulta mais da falta

de consenso entre especialistas e da competição entre as diferentes escolas do que de um

verdadeiro acúmulo de conhecimentos sobre a complexidade da região. A falta de equivalência

entre os métodos e a falta de correspondência entre as unidades delimitadas estão aí para

comprová-lo. Soma-se a isso o fato de que poucas entre elas são suficientemente operacionais

para ser utilizadas pelas equipes que analisam e monitoram o desflorestamento, servindo-se de

unidades muito mais sintéticas: floresta/não-floresta, ou floresta primária/degradada/culturas, etc.

Essa situação leva-nos de volta, portanto, a perguntas básicas: “o que é o desflorestamento?” e

“o que está desflorestado?”

25 Essas ecorregiões foram classificadas com base no conceito de Dinnerstein et al. (1995), que consideram uma ecorregião como um conjunto de comunidades naturais, geograficamente distintas, que compartilham a maioria de

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5.2.2 Um imbróglio metodológico

Ainda sobre o tema do desflorestamento de extensas regiões como a Amazônica, deve-se

ressaltar o fato de que sua avaliação pode ser realizada por meio da utilização de diferentes

metodologias, a maioria delas baseada no uso de imagens de satélite e técnicas de sensoriamento

remoto. De acordo com a forma de obtenção das informações, as metodologias atualmente

disponíveis para a identificação de áreas desmatadas podem ser classificadas em descritivas,

estimativas e levantamentos mais abrangentes (tipo “censo”). Essas metodologias podem ainda

sofrer variações de acordo com a hipótese levantada para o monitoramento do desmatamento de

uma dada região. Como exemplo dessas variações, pode-se citar o conceito de hot spot26 (utilizado

pelo Projeto TREES), a estimativa baseada em definições de áreas críticas (realizadas pelo

Prodes/Inpe27) e a projeção do desmatamento ocorrido em períodos anteriores ou em áreas

específicas (Banco Mundial).

Se, por um lado, essa diversidade permite a realização de levantamentos em diferentes

escalas espaço-temporais, por outro, é responsável pelo surgimento de informações bastante

heterogêneas sobre a real extensão e a evolução do desflorestamento na Amazônia (ver Machado

e Pasquis, 2001). Para exemplificar essa situação, alguns dados divulgados na literatura foram

resumidos na figura a seguir.

suas espécies, dinâmicas e processos ecológicos, e condições ambientais similares, que são fatores críticos para a manutenção de sua viabilidade a longo prazo. 26 De acordo com Proarco (1998), hot spot ou foco de calor é uma expressão utilizada para interpretar o registro de calor (temperaturas acima de 47o C) captado na superfície do solo pelo sensor AVHRR (Advanced Very High Resolution Radiometer), que viaja a bordo dos satélites da série NOAA (US National Oceanographic and Space Administration). 27 Projeto de Estimativa do Desflorestamento Bruto da Amazônia, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O conceito de áreas críticas refere-se àquelas áreas onde o desflorestamento bruto da região tende a se concentrar e está baseado na experiência acumulada pelo projeto ao longo dos anos. As áreas críticas envolvem uma fração relativamente pequena da região (cerca de 20%), possibilitando a geração de estimativas provisórias da taxa de desflorestamento bruto da Amazônia. Entretanto, é preciso remarcar que essa metodologia é adotada como forma de antecipar as avaliações que vêm sendo realizadas anualmente pelo Inpe, não devendo ser tomada como forma de obtenção de dados definitivos, sobretudo em uma região como a Amazônia, onde as transformações ambientais se processam de maneira bastante rápida.

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Figura 5.3 – Estimativas de diversos autores para a extensão do desflorestamento bruto na Amazônia Legal até 1988 (mil km2)

É importante ressaltar que grande parte dessas diferenças pode advir do fato de que a

maioria dos levantamentos realizados com o uso de sensoriamento remoto não é acompanhada de

trabalhos de campo que permitam a verificação e comprovação do que é mostrado nas imagens

de satélite. Além disso, a grande extensão da região faz com que esses levantamentos sejam

realizados na escala de 1:250.000, o que inviabiliza a identificação da remoção da cobertura

florestal em pequenas áreas (inferiores a 6,25 hectares, de acordo com Prodes/Inpe, 2000),

bastante comuns em atividades realizadas por pequenos agricultores e pela exploração seletiva de

madeira.

Ademais, cumpre mencionar, por exemplo, o tratamento dado ao cerrado, que, por ser

removido mais rapidamente do que a floresta, pode quase duplicar as estimativas do

desmatamento (Fearnside, 1995). Essa formação florestal tem sido muito utilizada para o

desenvolvimento de atividades agrícolas, em especial a cultura da soja, que predomina nos estados

de Mato Grosso, Rondônia, Tocantins e no sul do Maranhão (que integram o Arco do

Desflorestamento). Entretanto, essas superfícies não são computadas nas estimativas do

Prodes/Inpe, que monitora apenas o incremento de “polígonos” ou áreas com padrão corte raso

de desflorestamento em florestas primárias (Krug, 2001).

Uma outra limitação relativa à avaliação do desmatamento refere-se à velocidade com que

se processam as mudanças e a dinâmica de ocupação e uso do solo amazônico. A Região

Amazônica, por ser um mosaico de fronteiras de ocupação com várias idades, infra-estruturas,

mercados, tamanho de propriedades, origem de populações, regimes pluviométricos e tipos de

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Extensão do desflorestamento bruto na Amazônia legal até 1988

Mantovani & Setzer, 1997

Skole & Tucker,1993

Fearnside et al.,1990

Tardin et al.,1990

INPE/"Nossa Natureza"

Tardin & Cunha,1989

Mahar, 1989(World Bank)

0

200

400

600

800

estimativas

área

(mil

km

2)

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floresta, desafia qualquer esquema de amostragem (Nepstad et al., 1999). Esse mosaico reflete

diferentes situações e combinações de fatores, sobretudo em termos de políticas estaduais,

dificultando a análise dos atores envolvidos e das causas do desmatamento na região. Para Becker

e colaboradores (2000), a controvérsia existente está fundada na dificuldade em se obter dados

precisos sobre a extensão da degradação efetuada por cada agente isolado e em avaliar o papel de

cada um deles na dinâmica do processo. Ademais, como afirma Wanderley Messias da Costa28, o

que aconteceu na Amazônia ontem pode não ser mais a realidade de hoje. Assim, os dados de

desmatamento divulgados anualmente pelo Prodes/Inpe, cujos levantamentos apresentam a

grande vantagem de considerar sempre a mesma área de estudo e o mesmo tipo de vegetação – as

florestas primárias da Amazônia Legal –, podem não estar refletindo a realidade, por tratar de

mudanças ocorridas na região com uma defasagem média de dois anos da sua divulgação. Ou,

como explica Krug (2001), a cada ano t o governo anuncia as estimativas provisórias para o

período t – 2 → t – 1 e as estimativas finais para o período t – 3 → t – 2.

5.3. Causas e dinâmicas extremamente variáveis

5.3.1. Pequenos ou grandes proprietários de terras – de quem é a culpa?

Os atores e as causas do desflorestamento na Amazônia são diversos e têm participações

diferenciadas no cálculo total de sua extensão, de acordo com o período e a área em que se

inserem. Eles tornam-se bem mais complexos do que foram no passado, pois, além de possuir

natureza múltipla, às vezes interagem entre si (Becker et al., 2000). Contudo, parece haver um

consenso sobre a importância da atividade agrícola nas taxas de desmatamento. O que ainda não

está bem definido é o grau de contribuição dos diferentes atores envolvidos: pequenos colonos,

médios fazendeiros e proprietários de grandes extensões de terras.

Para Traumann (1998), até a década de 1980, o desmatamento era feito por grandes

empresas, em projetos agropecuários financiados pelo governo, e por colonos que migravam do

sul do país para os estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará. Agora o fenômeno é outro: a

migração diminuiu e os projetos agropecuários fracassaram. A destruição hoje se dá

principalmente pelo cultivo em pequenas propriedades familiares na borda da floresta. Isso inclui

áreas invadidas pelos sem-terra. Contrapondo essa idéia, Fearnside explica que a agricultura

28 Em palestra sobre as “Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia”, proferida no 4o Atelier de Análise Prospectiva: Que Políticas Públicas para a Amazônia?, promovido por NAPIAm/SCA/MMA e Cirad, em novembro de 1999.

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itinerante, prática agrícola comum entre pequenos colonos e assentados, é um fator de

desmatamento importante no Equador e no Peru, mas não o é no Brasil, visto que é uma prática

ultrapassada, que já foi substituída pelo estabelecimento de pastagens em grandes propriedades.

No mesmo artigo o autor afirma que a agricultura itinerante apresenta taxas de crescimento e,

portanto, uma relação direta com o desflorestamento, em apenas três estados amazônicos –

Rondônia, Acre e Roraima –, dois dos quais apresentam taxas relativamente baixas de

desflorestamento (Fearnside, 1991).

Bunker (1980) afirma que a colonização de pequenos proprietários na Amazônia alterou,

em dez anos, menos da metade da superfície florestal removida pela pecuária extensiva em um

período de três anos. Para Browder (1988), somente 4% das áreas desmatadas na Amazônia no

início dos anos 1980 estariam relacionadas à atividade desenvolvida por pequenos agricultores que

foram assentados ao longo da Transamazônica. Barbier e colaboradores (1991) mencionam que

entre 38 e 73% das áreas florestais que foram alteradas na década de 1980 para o desenvolvimento

da pecuária encontravam-se em grandes propriedades, incentivadas pelo governo federal por meio

da concessão de créditos e benefícios fiscais. Nesse mesmo período, segundo os autores, os

pequenos colonos e assentados eram responsáveis por apenas 11% do desflorestamento

observado na região.

Essa mesma idéia sobre a “distribuição” do desflorestamento na Amazônia é

compartilhada mais uma vez por Fearnside (1995; 1997), que, ao estudar o caso do Mato Grosso,

responsável por 26% do desmatamento total observado em 1991, concluiu que 84% das terras

particulares desse estado eram de fazendas de mil hectares ou mais (apenas 3% se constituíam em

pequenas propriedades). Ainda segundo o autor, o estado de Rondônia, famoso pelo

desmatamento provocado por pequenos agricultores, contribuiu com apenas 10% do

desmatamento observado naquele ano. A partir desses dados, o autor estima que 70% dos

problemas ambientais da Amazônia são provocados pela atividade agropecuária e não por

pequenos agricultores.

Ainda seguindo essa linha, Nepstad e colaboradores (1999), em pesquisa realizada no ano

de 1996 em cinco municípios amazônicos (Paragominas-PA, Alta Floresta-MT, Santana do

Araguaia-PA, Ariquemes-RO, Ouro Preto d’Oeste-RO e Rio Branco-AC), constataram que cerca

de 20% do desmatamento ocorreu em áreas menores que cem hectares (pequenas propriedades) e

50%, em áreas maiores que mil hectares (grandes fazendas). Esses dados concordam, de certa

forma, com os dados do Prodes/Inpe para os anos de 1995 a 1999, segundo os quais 20% do

número total de polígonos de desflorestamento em áreas de floresta ombrófila densa e aberta são

menores que 50 hectares, e aproximadamente 10%, em áreas acima de mil hectares, os quais se

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somam a mais 21% de desflorestamentos ocorridos em áreas de região de contato (ou transição

entre cerrado e floresta), da mesma classe de tamanho (superior a mil hectares) (Krug, 2001).

Myers (1991), por sua vez, afirma que o principal agente do desflorestamento na

Amazônia é o pequeno agricultor ou migrante que, para matar a fome e em resposta à falta de um

programa de desenvolvimento rural voltado para a agricultura tradicional, não vê outra alternativa

senão cortar e queimar a floresta para a instalação de culturas de subsistência. Para ele, esses

atores adotam essa prática por receber menos atenção política, quando comparados com outros

segmentos (latifundiários, madeireiros, etc.), e são responsáveis por pelo menos 60% do

desflorestamento, taxa esta com uma tendência à rápida expansão. Com efeito, a política adotada

pelo Incra esteve e ainda está bastante voltada à distribuição de terras, sem maiores preocupações

com a manutenção das famílias assentadas no campo. Sobre esse tema, Bartholo e Bursztyn (1999,

p.165) escrevem que “os executores da política de reforma agrária em Rondônia (Incra) optam

sistematicamente por uma ‘ocupação de fronteira’ sem efetivas preocupações com a questão da

sustentabilidade de médio e longo prazos”.

Para Eduardo Martins, ex-presidente do Ibama, a maior parte do desflorestamento da

região ocorre em pequenas propriedades rurais, situadas em áreas de assentamento do programa

de reforma agrária29. Essa idéia de que são os pequenos agricultores os principais agentes

causadores do desmatamento na região também é defendida por Adriana Moreira, que, em

entrevista à Gazeta Mercantil30, afirmou que “não são só os grandes fazendeiros os responsáveis

pelo desmatamento e pelo fogo na Amazônia. Entre 1997 e 1998, 166 mil famílias foram

assentadas pelo Incra na região. Se levarmos em conta que cada família pode desmatar até três

hectares por ano, é possível concluir que os assentados podem ter desmatado cerca de quinhentos

mil hectares no período”. Para Sawyer (2001) essa relação é bastante válida para a região, na

medida em que, em uma população rural de oito milhões de pessoas, ou quase dois milhões de

famílias, pode-se supor que haja pelo menos um milhão de agricultores familiares; se esses

produtores desmatassem apenas dois hectares por ano, o total chegaria a dois milhões de hectares,

ou seja, vinte mil km2, o que corresponderia ao total do desmatamento em alguns anos.

Já Margulis (2001) afirma que as contribuições dos pequenos agricultores no processo de

expansão da fronteira – e conseqüentemente do desmatamento – foram bastante relevantes nas 2-

3 últimas décadas. Entretanto, mais recentemente, esse padrão modificou-se, e os pequenos

agentes (ou agricultores) deixaram de ser os grandes vilões do processo e deram lugar aos grandes

29 Em entrevista publicada no Diário de Pernambuco, em 27 de janeiro de 1998. 30 Em entrevista publicada na Gazeta Mercantil, em 10-12 de setembro de 1999.

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proprietários de terras e criadores de gado, sob regime de pecuária extensiva. Ainda segundo o

autor, a pecuária ocupa mais de 75% das áreas convertidas e se constitui em fator fundamental na

propulsão dos desmatamentos. Ademais, é dominada por atores capitalizados e “sofisticados” que

certamente têm acesso a outras opções de investimento, depois da remoção (aparente) dos

subsídios.

5.3.2. Dinâmicas que variam conforme o espaço-tempo considerado

Muito embora não seja possível relacionar diretamente os impactos do desflorestamento a

um único agente isolado, muitos autores valem-se da informação levantada pelo Inpe – segundo a

qual a grande maioria das áreas desflorestadas a cada ano tem menos de cem hectares, área

considerada pequena nos padrões amazônicos – para atribuir a responsabilidade do

desmatamento aos pequenos proprietários de terras. Deve-se considerar, no entanto, que, via de

regra, os pequenos agricultores não são capazes de realizar desflorestamentos de tal ordem, por

dois motivos principais. Primeiro, porque os assentados, em geral, não dispõem de condições

financeiras para a derrubada de grandes áreas, limitando-se à abertura anual de pequenas parcelas

(inferiores a cinco hectares) para a instalação de cultivos de subsistência. Segundo, porque nem

sempre seus lotes atingem a cifra de cem hectares: à exceção de Acre, Amazonas, Roraima e Mato

Grosso, nos outros cinco estados amazônicos a média do tamanho do lote é de, no máximo, 50

hectares (Gasques e Conceição, 2000), dos quais deve-se ainda descontar a área a ser mantida

como reserva legal. Dessa forma, é lícito supor que esses desmatamentos estejam relacionados ao

incremento ou à incorporação de novas áreas às áreas já desmatadas em médias ou grandes

fazendas, em geral associadas à formação de pastagens extensivas.

Por outro lado, como a tecnologia de monitoramento utilizada pelo Inpe não permite a

identificação de desmatamentos inferiores a 6,25 hectares, pode ocorrer que essas novas áreas

desmatadas sejam o resultado de alguns anos de intervenção dos pequenos agricultores sobre o

maciço florestal. Em outras palavras, o desmatamento de cerca de três hectares de cada assentado

(no melhor dos casos!) só será percebido, no levantamento por satélite, ao final de três anos,

quando já tiver atingido uma área superior a 6,25 hectares. Se esses desmatamentos, em

determinado momento, juntarem-se, a área percebida nas imagens pode atingir as proporções

acima mencionadas (Figura 5.4).

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58

Figura 5.4 – Esquema hipotético do processo de desmatamento em projetos de assentamento.

Esse mesmo argumento pode ser usado para justificar o incremento nas taxas de

desflorestamento observadas para a Amazônia Legal entre os anos 1994 e 1995, como reflexo do

aumento dos projetos de assentamento verificado entre 1991 e 1992. A mesma relação também

pode ser estabelecida para a redução das taxas de desflorestamento entre os períodos 1989/1991 e

1995/1996, em virtude da diminuição na criação de projetos de assentamento entre 1988/1989 e

1992/1993, respectivamente. Apesar da tendência à retomada do crescimento apresentada,

sobretudo nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a política de implantação de

projetos de assentamento do Incra também é permeada por oscilações ao longo do tempo (Figura

5.5).

Figura 5.5 – Área dos projetos de assentamento criados e taxa anual de desflorestamento bruto na Amazônia Legal (Fonte: Prodes/Inpe, 2002; Divisão de Assentamentos/Incra, 2001.)

1o ano Desmatamentos isolados de cerca de três hectares, não

identificados em imagens de satélite

2o ano Desmatamentos de 3 a 6

hectares, que ainda não podem ser identificados em imagens de

satélite

3o ano Desmatamentos cumulativos, que já são identificados em

imagens de satélite: 12 e 24 hectares

-

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

Áre

a (m

il ha

)

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Taxa desflorestamento brutoÁrea dos assentamentos

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De uma forma ou de outra, sabe-se que os problemas ambientais provocados pelos

pequenos colonos e assentados produzem os mesmos efeitos que aqueles promovidos pelos

latifundiários, principalmente em relação à perda da biodiversidade, à precarização de nascentes e

rios e à perda de serviços ambientais, entre outros. Entretanto, como explica BRASIL (1998), o

desflorestamento em pequenas áreas, não contíguas, transforma a floresta em um verdadeiro

tabuleiro de xadrez, com a seqüência de áreas florestadas e desflorestadas, expondo a fauna e a

flora das áreas florestadas a toda sorte de ataque, inclusive incêndios florestais31. Essa situação,

aliás, conforme será visto mais adiante, tem caracterizado a região de Barreira Branca, no estado

do Tocantins, antes dominada por grandes fazendas para a criação de gado e hoje mais voltada

para o desenvolvimento dos projetos de assentamento lá implantados nos últimos anos.

Pequenos, médios ou grandes proprietários de terras, todos têm sua parcela de

responsabilidade no que tange à questão da destruição da Floresta Amazônica. Essa parcela, mais

uma vez, pode variar de acordo com o período e o espaço considerado. A sobreposição de

informações relativas à extensão do desflorestamento bruto e da evolução do processo de criação

de projetos de assentamento reflete bem esta situação (Figura 5.6).

Figura 5.6 – Área acumulada dos projetos de assentamento e extensão do desflorestamento na

Amazônia Legal (Fonte: Prodes/Inpe, 2002; Divisão de Assentamentos/Incra, 2000.)

31 Essa fragmentação florestal põe em perigo a biodiversidade, uma vez que as árvores situadas na borda das áreas desmatadas têm sua vitalidade reduzida em grandes proporções. A floresta localizada num raio de cem metros em volta das áreas desmatadas perde, nos dez a vinte anos que se seguem, até 36% de sua biomassa. Esse “efeito de borda”, que se caracteriza por uma elevação da mortalidade das árvores, é causado essencialmente pelas mudanças microclimáticas e pelo aumento da força dos ventos, provocados pelo desmatamento (Bouamrane e Pasquis, no prelo).

-

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

45.000

50.000

até

1978

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

área

(m

il ha

)

Desflorestamento bruto (dados cumulativos)Área dos assentamentos (dados cumulativos)

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Pela figura anterior, podemos perceber que, no que concerne a Amazônia Legal como um

todo, existe uma certa relação entre o aumento do desmatamento e a criação de novos projetos.

Todavia, quando analisamos os mesmos dados numa escala maior, ou seja, em termos estaduais,

essa relação deixa de ser tão evidente. De um lado encontram-se estados que, por possuir uma

política conservacionista, pautada pelos preceitos de desenvolvimento sustentável e caracterizada

por atividades extrativistas, e onde foram implantadas diferentes modalidades de projetos de

assentamento – como é o caso do Amapá e do Acre –, apresentam reduzidas taxas de

desmatamento. Do outro, temos os casos de Rondônia e Mato Grosso, onde o desmatamento

apresenta um ritmo de crescimento que vai além da criação de assentamentos de reforma agrária.

Tal situação leva-nos, pois, a pensar que o desmatamento nesses estados não está vinculado aos

pequenos colonos simplesmente, mas também a outros fatores e atores, possivelmente grandes

fazendas e projetos agropecuários, que são típicos nesses estados (Figura 5.7), o que reforça os

resultados obtidos por Fearnside (1995; 1997), já apresentados em páginas anteriores.

Figura 5.7 – Área acumulada dos projetos de assentamento criados e extensão do desflorestamento bruto nos estados de Acre, Amapá, Mato Grosso e Rondônia, 1978-2000

(Fonte: Prodes/Inpe, 2002; Divisão de Assentamentos/Incra, 2000.)

Para o caso específico do Tocantins, os dados apresentados para a última década levam-

nos a crer que exista uma relação direta entre o aumento da extensão do desflorestamento bruto e

a criação de projetos de assentamento. No entanto, a distância existente entre as duas curvas

(Figura 5.8) também nos leva a refletir sobre a existência de outros fatores que podem ser

responsáveis, juntamente com os projetos de assentamento, pelo desmatamento no estado.

Acre

-

2

4

6

8

10

12

14

até 1978 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998

Desflorestamento bruto (acumulado)

Área dos assentamentos (acumulada)

Amapá

-

2

4

6

8

10

12

14

até 1978 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998

Desflorestamento bruto (acumulado)

Área dos assentamentos (acumulada)

Mato Grosso

-

2

4

6

8

10

12

14

até 1978 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998

Desflorestamento bruto (acumulado)

Área dos assentamentos (acumulada)

Rondônia

-

2

4

6

8

10

12

14

até 1978 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998

Desflorestamento bruto (acumulado)

Área dos assentamentos (acumulada)

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Outrossim, ao se observar a curva de número de projetos criados (Figura 5.9), sobretudo nos

últimos anos, percebe-se que não há relação direta entre o aumento do número de assentamentos

e o desflorestamento nesse estado.

Figura 5.8 – Extensão do desflorestamento bruto e área dos projetos de assentamento criados no

estado do Tocantins – dados cumulativos (Fonte: Prodes/Inpe, 2002; Divisão de Assentamentos/Incra, 2000.)

Figura 5.9 – Extensão do desflorestamento bruto e número de projetos de assentamento criados no estado do Tocantins – dados cumulativos (Fonte: Divisão de Assentamentos/ Incra, 2000.)

Todavia, essa análise deve necessariamente considerar o tipo de vegetação existente. Isso

porque grande parte do estado do Tocantins é caracterizada por cerrado e zonas de transição,

também denominadas ecótonos. Como os dados apresentados para o desflorestamento (Inpe)

referem-se apenas ao incremento das taxas de remoção da cobertura vegetal de florestas primárias,

faz-se mister, antes de qualquer avaliação, um levantamento da superfície do estado originalmente

coberta por floresta primária, tema que será abordado mais adiante, na descrição da cobertura

vegetal do estado.

Tocantins

-

24

6

8

1012

1419

87

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

área

(m

ilhõe

s de

ha)

Desflorestamento bruto (acumulado)Área dos assentamentos (acumulada)

Tocantins

-

2

4

6

8

10

12

14

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

área

(m

ilhõe

s ha

)

-

50

100

150

200

250

Num

pro

jeto

s

Desflorestamento bruto (acumulado)Número de projetos (acumulado)

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Por outro lado, deve-se considerar que, por trás das atividades desenvolvidas, tanto por

pequenos colonos como por grandes proprietários de terra, existe sempre uma situação

conjuntural ou uma política governamental incentivando a destruição. Ao se observar as taxas

anuais de desmatamento da Amazônia nos últimos anos, fica evidenciado que não há uma

tendência de incremento constante, mas oscilações que ocorrem por diferentes motivos, os quais

serão discutidos mais detalhadamente para o estado do Tocantins. No caso dos pequenos

produtores, podemos citar a política de implantação de projetos de assentamento do Incra, com

todos os seus desvios e falhas (localização geográfica inadequada, falta de assistência técnica e

serviços, meios para produção, etc.), além do incentivo ao desmatamento para a garantia da posse,

dando à terra um caráter “produtivo”; para os médios e grandes, os motivos remontam à questão

da especulação fundiária e da grilagem de terras, além da concessão de incentivos fiscais e

subsídios para o desenvolvimento da agropecuária e a disponibilidade de terras a baixo custo.

5.3.3. Outros fatores relacionados ao desmatamento

A taxa de desmatamento de uma região também pode estar relacionada às políticas

econômicas vigentes em um dado momento, para as quais o mercado da terra e a especulação

fundiária, entre outras, podem ser variáveis condicionantes (Figura 5.10). Para Kaimowitz e

Angelsen (1998), algumas dessas variáveis podem ser classificadas em três níveis: i) fontes de

desmatamento ou variáveis de escolha dos agentes (uso da terra, alocação de mão-de-obra e outros

insumos, decisões tecnológicas e gerenciais); ii) causas imediatas ou parâmetros exógenos de decisão

(preços, acessibilidade, risco, regimes de propriedade, condições ambientais); e, iii) causas

subjacentes ou políticas e variáveis macroeconômicas (demografia, mercados mundiais, tendências

macroeconômicas, tecnologias disponíveis).

No caso amazônico, deve-se frisar ainda que, em conseqüência dos grandes incentivos e

subsídios governamentais, a demanda por terra aumentou sobremaneira em alguns estados, nas

décadas de 1980 e 1990, elevando o preço das terras na região (Becker et al., 2000). Além disso, as

terras “trabalhadas” (lavouras e pastagens) adquirem um valor para venda invariavelmente

superior a áreas de vegetação natural (campo ou mata), não só nos estados amazônicos, como

também no resto do Brasil (Tabela 5.3).

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63

Tabela 5.3 – Preço médio de venda de terras na Amazônia Legal – 1o semestre de 1998

Venda de Terras (R$/ha) Estados Lavouras Pastagens Matas Campos

Acre 381,44 267,67 99,01 122,20 Amapá 240,00 109,77 61,67 100,77 Amazonas 616,87 552,76 88,68 213,48 Maranhão 189,15 246,51 135,74 83,62 Mato Grosso 559,36 436,56 228,52 230,29 Pará 266,18 219,71 119,90 90,55 Rondônia 415,56 268,77 169,42 133,33 Roraima 243,75 262,89 80,00 63,33 Tocantins 244,03 230,32 118,30 66,39 Brasil 1.286,23 632,11 261,19 409,37

Fonte: IBGE, 1998.

Esses dados têm ainda maior importância quando são consideradas as políticas de

incentivo ao desenvolvimento de atividades produtivas por meio da concessão de créditos e linhas

de financiamento. O Relatório de Informação Trimestral sobre Atividade Agropecuária,

supervisionado pela Superintendência do Tocantins, do Banco da Amazônia S.A., responsável

pela administração dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte – FNO,

adotou os seguintes valores para o cálculo do valor da terra, necessário à liberação de créditos do

Programa Nacional de Agricultura Familiar – Pronaf e dos demais programas de financiamentos32:

Tabela 5.4 – Valor da terra de acordo com sua cobertura vegetal

Especificação Variação R$ Terra nua 20,00 a 100,00 Mata com incidência de madeira de lei 20,00 a 80,00 Campo/cerradão 10,00 a 40,00 Capoeira/capoeirão 10,00 a 40,00 Pastagens artificiais consolidadas 150,00 a 400,00 Pastagens artificiais consolidadas com curva de nível/terraço 150,00 a 500,00 Área mecanizada 100,00 a 250,00 Varjão 100,00 a 300,00 Área sistematizada em várzea 600,00 a 1.150,00 Observações: 1. Os valores anteriormente discriminados deverão ser obedecidos rigorosamente pelos escritórios de planejamento e principalmente pelos avaliadores. Para efeito de valorização de imóveis, deverão atentar para alguns aspectos, como: localização (distância do município-sede), acesso, aguadas, fertilidade, topografia, benfeitorias, etc.; 2. Os valores máximos e mínimos da tabela não deverão ser usados aleatoriamente pelos avaliadores, e sim as variações de acordo com os aspectos anteriormente retratados, de maneira que a avaliação exprima o valor venal do imóvel; 3. Os preços relativos à "Terra nua" podem ser majorados, desde que tal prática mereça e seja devidamente justificada. Fonte: BASA/RIT, 2001.

32 Além do Pronaf, o FNO possui outros programas de financiamento que visam a contribuir para o desenvolvimento econômico e social dos sete estados da Região Norte, quais sejam Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo – Prodex, Programa de Apoio à Pequena Produção Familiar Rural Organizada – Prorural, Programa de Desenvolvimento Rural – Proderur, e Programa de Apoio ao Desenvolvimento Florestal – Profloresta.

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Por essas e outras razões, o acesso à terra pelo segmento mais pobre da população tornou-

se inviável, motivo pelo qual esse contingente é forçado a uma vida itinerante, ocupando terras

devolutas ou privadas como forma de pressão para a obtenção da posse (Nascimento, 1998;

Ceccon e Miramontes, 1999). Resultam desse processo inúmeros conflitos sociais que acabam

culminando no surgimento de vários grupos organizados pela defesa de seus direitos (extrativistas,

“sem-terra”, indígenas, ribeirinhos, etc.).

A taxa de desmatamento também apresenta uma relação direta com o aumento da

densidade populacional (Figura 5.10). A população humana na região cresceu de 7,5 para 16

milhões de habitantes entre 1970 e 1991, e muitas famílias foram assentadas33.

Figura 5.10 – Evolução da taxa de desflorestamento bruto e do aumento da população na Amazônia Legal entre 1960 e 2000 (Fonte: IBGE, 1999; Prodes/Inpe, 2001.)

Entretanto, essa evolução deu-se em um contexto em que a maior parte das terras estava,

e ainda está, concentrada nas mãos de poucos latifundiários que, por causa do tipo de agricultura

desenvolvida, empregam apenas uma pequena parcela da mão-de-obra disponível. A conseqüência

desse quadro é uma população rural carente, que, sem ter nenhuma fonte de renda, ocupa regiões

de fronteira, exercendo uma constante pressão sobre os recursos naturais, principalmente a

madeira, visto que sua extração poderá “financiar” o desenvolvimento de atividades agrícolas.

Dessa forma, cortam e queimam a floresta para a implantação da agricultura de subsistência.

Entretanto, visto que a maioria dos solos amazônicos apresenta baixa fertilidade, tal atividade só

se mantém por um período não superior a três anos, após o que essas populações são obrigadas a

abandonar as terras (ou vendê-las para produtores mais abastados), avançando floresta adentro,

num círculo vicioso.

33 Muito embora o número exato de famílias assentadas seja difícil de estimar, os projetos criados na Amazônia Legal até o final de 1999 tinham capacidade para receber quase 400 mil famílias (Divisão de Asssentamentos/Incra, 2001).

0

10

20

30

40

50

60

1960 1970 1975 1980 1985 1991 1996 1999 2000

População (milhões hab)Desflorestamento (milhões ha)

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Para muitos autores, outro fator de grande importância no que tange o desmatamento na

Amazônia tem sido promovido pela indústria madeireira, que se instalou em certas partes da

região no final da década de 1970 e início dos anos 1980, beneficiando-se da infra-estrutura já

existente (estradas, telecomunicações e energia) e da disponibilidade de mão-de-obra de baixo

custo (Mahar, 1989, Repetto, 1990, Nepstad et al., 1991). Com efeito, levantamentos recentes

realizados pelo Inpe indicam que o desmatamento na Região Amazônica voltou a aumentar entre

1997 e 1998, apresentando um incremento de cerca de 27% somente nesse período. Os

desmatamentos mais expressivos aconteceram em propriedades acima de mil hectares, sendo os

tipos de vegetação mais afetados a floresta densa e estacional e o cerradão, nos quais predominam

as atividades de exploração madeireira.

Em 1976 a indústria madeireira da Amazônia era responsável por apenas 14% do total de

madeira em tora consumida pelo Brasil. Em 1997 esse percentual subiu para aproximadamente

90%, revelando a pressão crescente do mercado consumidor de madeira sobre a floresta

(BRASIL, 1998). A tendência apresentada pelas indústrias madeireiras que se instalaram na

Amazônia, em sua maioria asiáticas, é de crescimento (Brasil, 1998). O motivo é a desvalorização

da moeda brasileira – o real – e a recuperação econômica da Ásia, que possibilita uma retomada

de investimentos das indústrias asiáticas na extração de madeira brasileira. De acordo com Paulo

Adário, coordenador do Programa Amazônia, do Greenpeace, “este cenário é bastante

preocupante e pode se agravar com a redução da intervenção do Estado na vigilância das

empresas34”.

Além da retirada da madeira em si, que já provoca graves danos ambientais (queda de

árvores adjacentes, empobrecimento da floresta, aumento da susceptibilidade da floresta ao fogo

acidental, etc.), a atividade madeireira estimula o desflorestamento na medida em que promove

acesso e ocupação de novas áreas. Esse processo induz à implantação de assentamentos não

planejados, reforçando o atual padrão de uso da terra e provocando mais queimadas nessas

florestas, já bastante vulneráveis (Cochrane, 2000).

Sobre esse tema, vale mencionar um caso verificado em Rondônia, onde pólos

madeireiros promovem o surgimento de verdadeiros núcleos urbanos em um curto espaço de

tempo – normalmente não mais que dois ou três anos. Esses núcleos surgem em função da

instalação de serrarias em uma determinada região, que, por sua vez. atraem também pequenos

colonos em busca de novas terras, dando continuidade a um ciclo bastante conhecido na região:

madeireiras → projetos de assentamento e regularização fundiária → pecuária → concentração de

34 Em entrevista publicada na Gazeta Mercantil, setembro de 1999.

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66

terras... Entretanto, após a fase exploratória, a economia desses centros urbanos entra em um

processo de decadência, restando apenas os efeitos da degradação ambiental35. Esse é o caso, por

exemplo, de Cerejeiras, que foi grande pólo madeireiro em meados de 1980, e Buritis, atualmente

em plena atividade (Le Tourneau et al., 2001).

No entanto, para Nascimento (1990), a atividade madeireira, em razão de sua natureza de

exploração florestal seletiva de um reduzido número de espécies, não implicando corte raso de

superfícies significativas, não se constitui em atividade de peso no que tange à questão do

desflorestamento da Região Amazônica. Ocorre, porém, que estimativas divulgadas em estudo

elaborado pelas organizações WHRC e Ipam apontam que essa atividade é, hoje, responsável pelo

empobrecimento anual de 10-15 mil km2 de florestas primárias (Nepstad et al., 2000). Esses dados,

contudo, não são computados pelo Prodes/Inpe por envolver superfícies inferiores a 6,25

hectares, as quais não são identificadas nas imagens de satélite utilizadas para o levantamento.

5.4. Impactos do desflorestamento: uma questão de escala

Muito embora não haja consenso acerca do que é o desflorestamento, sua amplitude e a

forma mais adequada para o seu monitoramento, alguns de seus efeitos e impactos já são

conhecidos. A importância das funções ecológicas desempenhadas pelo ecossistema amazônico,

seja global, regional ou localmente, é ponto pacífico. Hoje, o fato de que o desflorestamento está

na origem da maciça extinção de inúmeras espécies vegetais e animais36 é reconhecido no mundo

inteiro (Pasquis, 1999).

Um estudo sobre o impacto do desflorestamento provocado pelo desenvolvimento das

atividades produtivas realizadas na Amazônia deve, necessariamente, considerar a questão da

escala espacial. Nesse ponto, pesquisas localizadas são cada vez mais pertinentes. Outro requisito

para a avaliação do impacto do desflorestamento na Amazônia é a delimitação da escala temporal.

A complexidade dos ecossistemas e seu funcionamento tornam difícil a realização de avaliações

do impacto do desflorestamento a longo prazo.

Embora existam algumas medidas pontuais das alterações provocadas nos diferentes

níveis (ambiental, social, econômico,...), os resultados sobre a extensão espacial desses valores

ainda são escassos. Ainda mais raros são aqueles sobre a variação decorrente do tipo de atividade

humana desenvolvida. É necessário, portanto, efetuar algumas avaliações econômicas e biológicas

35 Esse cenário, também conhecido como “boom-colapso” (Schneider et al., 2000), já foi tema de vários estudos realizados no estado do Pará por pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon. 36 Sobre o tema, ver Relatório Planeta Vivo, lançado pelo WWF, em 1999 (disponível em http://www.wwf.org.br)

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67

de impacto no tempo e no espaço, posto que as primeiras permitirão comparar as diversas

atividades produtivas antes e depois da floresta e prever a evolução das dinâmicas observadas;

enquanto que as seguintes trarão os elementos necessários para uma simulação, permitindo a

avaliação das diversas ações de conservação ou de desenvolvimento em meio florestal ou pós-

florestal. Se a questão envolve a sustentabilidade dessas práticas, deve-se levar em conta também

as condições sociais e de qualidade de vida das populações afetadas.

5.4.1. O desmatamento e a biodiversidade

De acordo com a IUCN, 20% de todas as espécies existentes desaparecerão em dez anos e

há um ritmo de perda anual de cerca de seis mil espécies (WRI, 1992). Essa perda mantém estreita

relação com a remoção da cobertura vegetal e depende de inúmeros fatores, alguns deles já

conhecidos, outros não – extensão, duração, especulações que substituem a floresta, etc. –, que

certamente influenciarão de forma mais ou menos intensa, de acordo com a escala considerada

(Pomel e Salomon, 1998).

Ocorre, porém, que a maior parte das pesquisas realizadas na Amazônia até hoje não

estabelece uma correlação entre desmatamento e biodiversidade, ou aborda esta última de forma

indireta. Na verdade, as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas na região têm outros objetivos,

como o de avaliar o impacto do desflorestamento sobre a fertilidade dos solos ou o impacto da

exploração florestal sobre a capacidade de regeneração dos maciços florestais, com o intuito, em

ambos os casos, de pesquisar sistemas de produção sustentáveis. Além disso, esses estudos

limitam-se, grosso modo, à floresta de terra firme e são, na maioria dos casos, realizados localmente.

São poucas as pesquisas que ousam ir além ou testar seus resultados em outros lugares para

verificar a existência de um “modelo generalizável”. Os projetos realizados em escala regional

utilizam, geralmente, o sensoriamento remoto e são orientados para a produção de indicadores,

tais como o “Diagnóstico Ambiental da Amazônia”, do IBGE. Por meio de sistemas de

informação geográfica, avaliam as mudanças de utilização das terras, as grandes dinâmicas

espaciais, etc., sendo possível deduzir, dessa forma, o desaparecimento de espécies características

dessas formações ou endêmicas. Permitem ainda a identificação de áreas prioritárias para a

realização de trabalhos de campo. Por outro lado, é muito difícil, nessa escala, identificar quais

espécies foram atingidas e em que proporção (Bouamrane e Pasquis, no prelo).

De uma forma geral, as pesquisas atuais interessam-se, sobretudo, pela evolução dos

modos de ocupação do espaço e pelo seu impacto ambiental e agrícola. Este, aliás, pode servir

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como um bom indicador para a elaboração de recomendações destinadas a limitar os efeitos

nocivos ou a recuperar as terras alteradas.

O principal problema é que ainda se sabe muito pouco sobre o que a Floresta Amazônica

contém, não existindo, portanto, uma base referencial para avaliar o impacto do desflorestamento

sobre a biodiversidade. A grande diversidade de espécies e o conhecimento ainda limitado da

dinâmica das florestas naturais permitem apenas suposições, embora existam certos indícios. Os

resultados obtidos em um lugar determinado diferem, muitas vezes, dos obtidos em outros.

Enfim, os inventários florísticos ou faunísticos apresentam muitos vieses, uma vez que, por

comodidade, costumam ser realizados ao longo dos eixos de comunicação.

Apesar de tudo, a destruição dos habitats permanece, certamente, como uma das principais

causas da extinção das espécies. O desflorestamento está em primeiro lugar no banco dos réus.

Existe, de fato, uma relação direta entre a vida e o ambiente abiótico, e qualquer mudança neste

tem repercussões sobre aquele sistema acoplado (Lévêque, 1997).

É, aliás, essa, a evidência que provoca o amálgama, muitas vezes precipitado, entre

desflorestamento e perda de biodiversidade. Além disso, o desflorestamento não é ruim em si, se

ele permite a implementação de sistemas de produção sustentáveis a longo prazo, que

proporcionam condições de subsistência a várias populações. Seu impacto depende não apenas de

sua amplitude, ritmo e tipo de vegetação afetado, como também, e principalmente, do tipo de uso

dos espaços pós-florestais. Conforme o caso, os novos sistemas de produção podem permitir a

reconstituição de uma biomassa importante e de uma nova biodiversidade (Pasquis e Bouamrane,

no prelo).

Em suma, o impacto do desflorestamento sobre o meio ambiente e a biodiversidade pode

ser direto e indireto: direto, fazendo desaparecer a cobertura florestal, o que provoca

transformações importantes no conjunto de elementos do ecossistema (vegetação, fauna, flora,

microclima); e indireto, por intermédio do uso posterior das terras, interferindo na cultura e

expulsando as populações indígenas, que, ao perder suas práticas e seus conhecimentos sobre as

espécies, fazem estas cair no esquecimento e, conseqüentemente, favorecem o seu

desaparecimento.

5.4.2. Outros efeitos do desmatamento

A Floresta Amazônica intervém de forma bastante relevante nos ciclos da água e do

carbono. Grande parte das chuvas que caem sobre a região é provocada pela evapotranspiração da

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biomassa vegetal existente. Assim, sua destruição pode induzir climas regionais mais áridos,

podendo chegar a uma diminuição de 30 a 50% do nível médio de pluviometria (Lévêque, 1997).

Essa diminuição de chuvas, por sua vez, leva a um ressecamento do clima e à conseqüente

modificação da flora e da fauna e ao favorecimento da ocorrência de incêndios (Salati, 1987).

De acordo com estudos realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia –

Inpa, a substituição da floresta tropical por florestas menos altas, com predominância de

herbáceas, com volume e biomassa reduzidos, pode contribuir indiretamente para o aumento do

nível de gases de efeito estufa. Assim, à medida que aumentam as áreas com pastagens, diminui a

evapotranspiração, generaliza-se a erosão hídrica dos solos e eleva-se a probabilidade de

inundações.

A remoção da cobertura vegetal provoca ainda um aumento dos raios solares que incidem

nos solos amazônicos, transformando radicalmente suas condições de vida microbiana. A

multiplicação rápida de desmatamentos localizados – típicos da exploração seletiva e da

agricultura itinerante – provoca um empobrecimento da cobertura florestal, que é seguido de

fragmentação e redução drástica de habitats. Estudos conduzidos pelo Programa Alternative to Slash

and Burn (A.S.B.) demonstraram que a destruição da floresta provoca uma rápida queda da

biodiversidade existente nos solos, que, por sua vez, induz a uma considerável perda de fertilidade

(A.S.B., 1998).

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6. O TOCANTINS NA AMAZÔNIA

6.1. O desmembramento de Goiás e a criação do Tocantins

A idéia de criação do estado do Tocantins remonta ao século XIX, quando o norte de

Goiás “nutria um ressentimento contido, mas permanente, contra o governo e os homens de Vila

Boa de Goiás. Oprimido pelo fiscalismo colonial, os benefícios do governo incidiam muito mais

sobre o sul, cujos homens – próximos à administração – iam se transformando em burocratas... A

forte taxação que incidia sobre o gado exportado e o fato de grande parte dos homens livres da

capital serem funcionários sustentados pelos impostos, arrecadados sobre seu trabalho, tornava os

homens do norte conscientes da opressão que pesava sobre eles. Além do ressentimento, a

predominância da pecuária – em confronto com a agricultura predominante no sul – identificava-

os mais com os estados do norte...” (Silva, 1997). Ainda segundo o autor, para atenuar os reclames

do norte, depois de muitas delongas, o Príncipe Regente D. João resolveu-se pela instalação da

Comarca do Norte, em alvará redigido no Rio de Janeiro, em 25 de fevereiro de 1814. Era o início

de tudo.

Não obstante a promulgação de vários decretos e a elaboração de ofícios, projetos e

anteprojetos de lei, a criação do estado do Tocantins (ou Comarca de Palma) nunca foi aceita nas

Constituintes e Constituições anteriores. Ainda assim, a luta pelo desmembramento do estado

continuou, tendo se intensificado na década de 1930, com a vitória da Revolução e a conseqüente

campanha nacionalista em prol da formulação do problema espacial brasileiro. E é com a

Constituição de 1937 que fica estabelecido que a “União poderá criar, no interesse da defesa

nacional, com partes desmembradas dos estados, territórios federais, cuja administração será

regulada em lei especial”. Data desse período a criação dos territórios de Fernando de Noronha,

Guaporé, Rio Branco, Amapá, Ponta Porã e Iguaçu.

A partir daí as iniciativas pró-criação do Território Federal do Tocantins, intensas nas

décadas de 1940 e 1950, seguem com a criação de comitês, movimentos e manifestos, até a última

e vitoriosa campanha pela criação do estado do Tocantins. O resultado dessa campanha foi a

aceitação, na Assembléia Nacional Constituinte de 1987, do demembramento do estado de Goiás

para a criação do estado do Tocantins, efetivada, no ano seguinte, pela promulgação da

Constituição Federal (v. quadro a seguir). Fica então criado o novo estado, que integra a Região

Norte do Brasil, perfazendo uma superfície de 278.421 km2. Além de Goiás, limita-se também

com os estados do Piauí, Maranhão, Pará, Mato Grosso e da Bahia (Constituição Federal, art. 13

ADCT).

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Dentre as inúmeras razões sócioeconômicas e políticas que inspiraram o movimento determinante pela emancipação do norte de

Goiás, devem-se destacar: 1. Identificação regional do sentimento separatista ao norte de Goiás; 2. Gestão local do vale Araguaia-Tocantins, potencialmente apto a suprir as necessidades de grãos do país; 3. Adequar os espaços amazônicos como alternativa para a migração da onda colonizadora do sul-sudeste e para o oeste do

país, alentando os investimentos privados pelo esforço na estrutura de apoio dos programas nacionais e internacionais destinados à área do vale Araguaia-Tocantins;

4. Serenar a comoção social pela questão fundiária; 5. Aproveitar eficientemente as condições infra-estruturais de uma região central do país, com vocação para ser o eixo nodal

de circulação econômica nacional; 6. Redistribuir espacialmente o desenvolvimento nacional, contrapondo-se aos latifúndios políticos reinantes na Amazônia; 7. Impulsionar as potencialidades de uma região capaz de colocar-se, a curto prazo, em níveis de desenvolvimento superiores

a uma dezena de unidades federadas, em termos de renda, população e produção; 8. Reverter o processo de centralização da economia, permitindo maior integração regional com a superação das dificuldades

e disparidades existentes entre regiões ricas e periféricas; 9. Criar oportunidades de emprego produtivo, estimulando uma política adequada de distribuição de renda; 10. Propiciar uma expansão acelerada da oferta interna e externa de produtos básicos, em especial de alimentos; 11. Atrair investimentos nacionais e internacionais para construção de usinas hidrelétricas no alto e médio Tocantins, com

eclusas para hidrovia, a fim de suprir o consumo energético futuro do estado, além de atender os mercados consumidores de Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal e Bahia;

12. A diversidade mineral local vai exercer papel indutor de investimentos nacionais e do exterior no novo estado; 13. Com o novo estado teremos um parque industrial moderno, priorizando a agroindustrialização; 14. Maior conteúdo social no processo de desenvolvimento local-regional; 15. Criar alternativas, a curto prazo, de produção e aumento da renda nacional; 16. A Ferrovia Norte-Sul, também chamada “Ferrovia do Grão”, vai cortar o solo tocantinense de norte a sul, além de ser

reativada a hidrovia Araguaia-Tocantins; 17. A criação do novo estado evitará o êxodo de nortenses; 18. Os programas especiais de desenvolvimento do vale Araguaia-Tocantins atrairão pequenos, médios e grandes

investimentos de iniciativa privada, do Brasil e do exterior; 19. Com a proteção das fronteiras fiscais, a arrecadação de impostos aumentará substancialmente e o dinheiro arrecadado

circulará exclusivamente no novo estado, deixando de existir as Guias de Transferência Fiscal do ICM do norte para o sul, como ocorria com os grãos e o gado;

20. O pagamento de dívida da Nação só seria possível com trabalho, muito trabalho. Não se paga dívida sem produção, seja de capital, seja de bens. Araguaína tinha a quarta arrecadação do estado de Goiás, seguindo-se o pólo industrial de Formoso e o município de Gurupi;

21. O novo estado abrir-se-á para a exploração de seu potencial turístico, com a Ilha do Bananal, podendo-se transformar em patrimônio ecológico da humanidade;

22. Os recursos para a implantação do novo estado serão encarados como investimentos de retorno a curto e médio prazos, pois voltarão aos cofres da União pela forma de impostos e riquezas nacionais e internacionais circulantes.

Fonte: Silva, 1997.

6.2. O Tocantins como fronteira de recursos: ocupação do espaço e uso dos recursos

naturais

O processo de ocupação e colonização do território do atual estado do Tocantins é

complexo e as informações variam segundo a bibliografia consultada. De acordo com dados

apresentados no Diagnóstico e Áreas Prioritárias para a Agenda Positiva do Estado de Tocantins, o

desbravamento inicial do então estado de Goiás deveu-se, basicamente, a duas correntes humanas:

os bandeirantes, ao sul, e os missionários, ao norte. Todavia, devido às dificuldades de acesso e

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penetração, as bandeiras pouco contribuíram para a colonização do antigo norte de Goiás e havia

maior concentração no sul do estado, até a altura do médio Tocantins (NAPIAm/SCA/MMA,

1999).

Para Silva (1997), a ocupação do estado deu-se principalmente pelo “ciclo da criação de

gado pelo homem do Nordeste brasileiro”, sobretudo de Maranhão e Piauí. Segundo o autor,

foram os “curraleiros” do Tocantins que deram os primeiros sinais de independência do norte de

Goiás, com a criação da comarca de Palmas, em 1809. E escreve:

Os homens do Norte, impelidos pela busca das riquezas interiores da terra tida por opulenta, penetravam o vale com cautela, garantindo o seu avanço com uma retaguarda reforçada pelos currais e ranchos de vaqueiros. Plantando currais pelo vale adentro, os bandeirantes do Norte avançavam lentamente, mas ainda assim chegaram a atingir, no seu vagar, as regiões mineiras do Tocantins e Minas Gerais (Silva, 1997, p.35).

Com a descoberta de promissoras minas e veios de ouro na região (São Félix, hoje

Minaçu-GO, Chapada e Natividade) em meados do século XVIII, vários mineradores foram

atraídos para o estado, que já se encontrava repleto de gado37. A partir de então, a região das

Terras Novas passa a ser o “eldorado” para inúmeros vaqueiros, donos de currais, comerciantes

aventureiros e donos de engenho do Pará e do Maranhão (Anuário do Tocantins, 2000). Esse

processo teve como resultado a formação de núcleos mineradores de composição étnica variada

(brancos, negros, índios, mulatos e mamelucos) e tipicamente urbana, que mais tarde se

transformaram nas cidades hoje conhecidas como Almas, Arraias, Conceição, Monte do Carmo e

Natividade (Silva, 1997).

Com a queda do ciclo da mineração, em meados do século XVIII, o Tocantins volta a

desenvolver a agricultura e a pecuária. Nessa época, as sesmarias, concessões de terras para a

implantação de atividade agrária ou pastoril, eram o principal instrumento de ocupação e

colonização de novos espaços. Convém ressaltar que, já nesse período, as concessões de terra para

as fazendas de criação de gado eram medidas em léguas e geralmente abrangiam maior extensão

territorial do que no sul.

No final do século XVIII e durante todo o século XIX, o Tocantins assiste a uma

formidável multiplicação de fazendas de gado, que foi reforçada por uma frente pecuarista

proveniente do Maranhão, de onde se deslocaram, no sentido oeste, pequenos criadores de gado à

procura de melhores pastagens. Isso pode ser ilustrado com as referências de antigos viajantes que

passaram pela região nesse período:

37 A pecuária foi introduzida inicialmente, na região, como atividade complementar à mineração, servindo como meio de transporte, alimentação e vestuário.

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Criação de gado é quase a única ocupação dos sertanejos do norte de Goiás. Eles despacham anualmente para a Bahia um considerável número de gado vacum e cavalos, sendo estes últimos os melhores produtos de Goiás. Somente o trânsito do comércio entre Baía, Pernambuco e o interior da província anima este vale retirado... Ou então, usando o transporte fluvial pelo rio Tocantins, chega-se à cidade do Pará, em 15-16 dias de canoa. (Spix e Martius, 1938, p.227).

Os pastos são os melhores que se podem desejar, porque o gado vacum que fiz conduzir para aquela povoação [São Pedro de Alcântara, atual Carolina], sendo de esperar que estranhassem a mudança dos pastos de onde saíram e em que se criaram, pelo contrário, tomaram melhor nutrimento do que dantes tinham nos pastos em que nasceram. (memória de Francisco José Pinto Magalhães, fundador de São Pedro de Alcântara, oferecida ao governador Fernando Delgado em Janeiro de 1813 – Silva, 1997, p.72).

Simultaneamente, uma frente agrícola maranhense propagava-se no sentido norte do

Tocantins, em progressivo movimento em direção ao Pará. De modo efetivo foi-se intensificando

a ocupação do norte desse território, recoberto, à época, pela mata de babaçu e mogno, além de

grandes manchas de floresta, características das zonas de tensão ecológica da pré-Amazônia. Aí se

desenvolveu, em pequenos sítios, uma produção fundamentalmente de subsistência, que tinha na

rizicultura e no extrativismo da madeira e do babaçu seu suporte comercial (Seplan, 1997). As

culturas de algodão e fumo também tiveram seu lugar, sobretudo nos mercados europeus, para

onde eram exportadas, via Belém. Da mesma forma, o quartzo, também chamado de cristal de

rocha e considerado matéria-prima preciosa na indústria bélica, passa a ter importância estratégica,

fazendo renascer a mineração em várias regiões do Tocantins. Assim, durante o período

pombalino, frotas de canoas e botes desciam e subiam o rio Tocantins, fazendo surgir em suas

margens novos modelos de povoamento.

Com a extinção da Companhia de Comércio Pará–Maranhão, criada ainda no período

pombalino, o transporte de produtos fica comprometido. Em vista disso, o ouvidor Theotônio

Segurado luta pela navegação mercantil do rio Tocantins, seguido por Couto Magalhães, criador

de uma companhia de navegação a vapor no rio Araguaia. Os negócios com a praça de Belém são

então retomados, fazendo com que as municipalidades de Paranã, Peixe, Natividade, Porto

Nacional e Carmo, entre outras, despontassem em termos de desenvolvimento econômico, ainda

no século XIX.

Todavia, foi somente a partir de 1940 que o rio Tocantins voltou a ser, de fato, um vale de

prosperidade econômica, com os barcos a motor transportando passageiros e cargas entre o alto,

médio e baixo Tocantins (Silva, 1997). Mas essa fase da navegação mercantil fluvial não logrou

êxito por muito tempo e entrou novamente em decadência com a construção da rodovia Belém–

Brasília.

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Atividade Data/Período Comentários

Criação de gado Século XVII, prolongando-se até a terceira década do séc. XVIII

Expansão de fazendas de criação dos sertões da Bahia, Pernambuco, Piauí

Mineração de ouro 1730 a 1800

Lavoura de algodão e fumo A partir da segunda metade do século XVIII

Incentivada pela coroa portuguesa, com a praça de Belém

Borracha da mangabeira (caucho) Início do século XX Colonização do vale do Araguaia

Mineração de cristal de rocha Antes da construção da Belém–Brasília Agropecuária Após a construção da Belém–Brasília

Quadro 6.1 – Ciclos históricos da economia do Tocantins

6.3. A ocupação mais recente e o surgimento de conflitos fundiários

Passados quase quinze anos da criação oficial do estado, pode-se dizer que a organização

espacial do Tocantins, hoje, é a síntese de um movimento histórico de incorporação da região ao

território nacional como fronteira de recursos, que sempre esteve dominada por atividades

difusas. Como área de expansão e acesso aos recursos amazônicos, o Tocantins sempre esteve às

margens do processo de modernização agrícola que dinamizou grande parte do território goiano

nas últimas décadas, constituindo-se em um grande “bolsão de miséria”, deslocado e distante dos

principais centros de desenvolvimento do país.

A interiorização da capital federal trouxe profundas mudanças para a realidade

socioeconômica da região Araguaia–Tocantins . O fluxo migratório torna-se intenso, provocado

pelo acesso a novas terras a um custo bastante baixo. Além disso, o vale do Araguaia–Tocantins

começa a mostrar-se dotado de extraordinárias potencialidades – terra, água, minério, fauna e

flora –, que atraíram migrantes fugidos das terras secas de Piauí, Ceará e Maranhão, que foram os

responsáveis pela construção de pequenos assentamentos, aos quais deram seu próprio nome:

Centro do Firmino, Centro dos Mulatos (hoje em vias de se tornar novo município), entre outros.

Nas palavras de Binka Le Breton,

estes primeiros colonos abriam as clareiras na floresta e estabeleciam suas roças de mandioca, arroz, feijão e milho; mudavam os locais de plantio a cada ano ou a cada dois anos, pois havia terra suficiente para todos. Palmeiras de babaçu cresciam em profusão, e as mulheres extraíam dos cocos um delicioso óleo de cozinha, das folhas faziam cestos, e das cascas produziam carvão. Havia peixes nos rios e a caça na floresta. A terra oferecia uma vida boa para aqueles que não precisassem planejar muito adiante... (Le Breton, 2000, p.34).

Esse período corresponde também à fase de abertura da região sob o processo de

acumulação primitiva, caracterizando-se por unidades de produção e padrões de interação de

pequena escala, representados por pequenas posses, com lavouras de subsistência

(particularmente arroz) e fazendas de gado. A abertura da Belém–Brasília e de alguns de seus

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acessos transversais redirecionam e incentivam a movimentação do excedente de mão-de-obra

nordestina, notadamente maranhense, no sentido da fronteira amazônica, impondo um novo

ritmo aos movimentos populacionais até então verificados. Também provoca a vinda de

fazendeiros de outras regiões (sobretudo Minas Gerais e sul de Goiás), que começam a migrar

com o objetivo de ampliar suas terras no centro-sul, que entravam em franco processo de

valorização. Esses novos atores apropriavam-se das terras onde implantavam pastagens,

preparadas após dois ou três anos de cultivo pelos pequenos colonos. Como a terra não tinha

valor e não era demarcada, o fazendeiro, em geral, não possuía título de propriedade. Todavia,

como os lavradores eram em sua maioria analfabetos e nada entendiam sobre seus direitos ou

sobre o conceito de propriedade e tampouco tinham recursos para cercar suas posses. era fácil

removê-los dali. Isso acontecia em troca de bens de consumo, de um bocado de dinheiro ou,

ainda pior, sob ameaças e violência. Os “novos donos” cercavam suas terras, proibindo a entrada

de terceiros, inclusive o acesso às palmeiras de babaçu (Orbignya sp.).

Um outro mecanismo de apropriação do espaço, bastante comum no então norte goiano,

era o registro paroquial, que alguns fazendeiros e empresários conseguiam efetuar junto ao vigário

local. Eram registros de grandes extensões, que não correspondiam à área utilizada, além de se

superporem, não havendo coincidência entre espaço econômico e jurídico (Becker, 1982). E toda

essa apropriação capitalista da fronteira por intermédio da expansão da pecuária foi

particularmente intensificada pela implantação dos sucessivos programas oficiais de valorização

do espaço e de sua integração à economia nacional: Programa de Pólos Agropecuários e

Agrominerais da Amazônia – Polamazônia, Programa de Desenvolvimento do Cerrado –

Polocentro, Programa Grande Carajás – PGC, além dos já citados PIN e Proterra, e ainda pela

implantação de grandes projetos incentivados pela Sudam e pelo movimento de arrecadação de

terras, promovido pelo Grupo Executivo de Terras do Araguaia–Tocantins – Getat38, que

acabaram por criar uma situação de conflitos latentes com as formas tradicionais de produção ali

existentes.

A frágil estrutura socioeconômica então vigente começa a ser alterada, alteração esta

provocada pelo avanço da fronteira econômica, que por sua vez afetava a composição da mão-de-

obra empregada, absorvendo inovações diversas, introduzidas por empreendimentos públicos e

privados voltados para mercados extra-regionais já consolidados. Os antigos sistemas de produção

foram sendo desmantelados pela dinâmica capitalista no campo, projetando a incorporação

38 Criado juntamente com Gebam, para atuar nas áreas de conflitos e conter a influência da Igreja, que vinha assistindo os posseiros em litígio nessas regiões (Morissawa, 2001).

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privada da terra, pela expansão de grandes estabelecimentos rurais, e a adoção do trabalho

assalariado em substituição às formas tradicionais de relação de trabalho.

Para o caso particular da região norte do estado, o processo de incorporação mais recente

da fronteira ocorreu em áreas cuja ocupação havia sido iniciada anteriormente dentro de um

sistema produtivo que, conforme já mencionado, utilizava a terra sem demarcar a propriedade.

Além disso, a falta de articulação da economia camponesa, baseada em sistemas de subsistência e

assentada na exploração extrativista de mogno e babaçu e na lavoura de arroz e milho, provocou

uma certa resistência, gerando fortes conflitos e tensões sociais.

O caráter indutor da Belém–Brasília e dos programas governamentais possibilitou a

implantação e o crescimento de inúmeros núcleos urbanos ao longo de seu traçado e

fundamentou a estruturação daquela que mais tarde viria a ser a rede urbana do estado do

Tocantins (Seplan, 1997). Vem daí o surgimento de várias vilas e povoados, especialmente na

região do extremo norte tocantinense, o Bico do Papagaio.

Outro caso típico é o da região de Araguaína, formada pelo grande, porém desordenado e

sem planejamento, crescimento do antigo povoado “Livra-nos Deus39”. Segundo Gurgel (1998),

tal crescimento deveu-se, quase que exclusivamente, à construção da rodovia Belém–Brasília (BR-

153), que facilitou a locomoção e trouxe para a região cearenses, piauienses, maranhenses,

baianos, mineiros, sulistas, enfim, brasileiros de todos os cantos, que passaram a se dedicar

totalmente à tarefa de desenvolver a região, que hoje é conhecida como a “Capital do Boi

Gordo”.

Diante de tantas mudanças e transformações na estrutura socioeconômica da região, não é

de estranhar que esse novo cenário, com diferentes atores e atuações, tenha sido responsável pelo

surgimento de vários conflitos entre os diferentes segmentos envolvidos. O norte goiano tornou-

se, durante anos, palco de inúmeras batalhas e lutas pela posse da terra, que envolveram um sem-

número de mortes, sobretudo no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Figura marcante na

região nessa época foi a de Padre Josimo Moraes Tavares, membro da Comissão Pastoral da Terra

(CPT) e um dos maiores incentivadores da organização social dos trabalhadores rurais, conhecido

nacional e internacionalmente pelo seu engajamento na luta pela justiça social no campo e pela

posse da terra.

39 Nome dado ao povoado no final do século XIX, graças às constantes ameaças de ataque de índios e animais selvagens que existiam na região. Posteriormente passou a se chamar Lontra.

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6.4. O vai-e-vem das posses: concentração, distribuição e reconcentração de terras

Da mesma forma que nos outros estados amazônicos, o processo de ocupação do estado

do Tocantins foi promovido em grande medida pela abertura da Belém–Brasília , planejada para

incorporar novas áreas à fronteira de recursos do país nos idos de 1950 e 1960. Nesse contexto, o

Tocantins aparece como espaço de expansão pioneira. Entrementes, sua inserção histórica no

movimento de ocupação do interior do território brasileiro ocorreu tardiamente quando

comparado a outros estados amazônicos, e de forma descontínua e marginal (Seplan, 1997).

Para Silva (1997), a construção da rodovia trouxe “vantagens” para a região, em

decorrência dos fluxos migratórios que se adensaram nos distantes sertões, onde a convivência

com antigos moradores foi alterando modos de vida ali presentes. A derrubada indiscriminada da

floresta e a expulsão de antigos moradores – chamados de “posseiros” – também alteraram o

ritual de vida dos sertanejos, que antes tinham na caça, pesca e no extrativismo vegetal o seu

trabalho diário. Estes, por sua vez, deixam suas terras, deslocando-se para as margens da estrada,

onde começam a se formar os novos núcleos urbanos da Belém–Brasília. As pequenas posses são

então convertidas em grandes áreas de pastagens artificiais financiadas pelo governo com linhas

de crédito e incentivos fiscais. Além disso, a política de distribuição e venda de lotes foi, em

muitas regiões – entre elas Araguaína – direcionada para vários membros de uma mesma família,

favorecendo, mais uma vez, a reconcentração das terras em benefício de poucos.

A característica de descontinuidade dessa expansão “modernista” tornou evidente tão-

somente que os investimentos governamentais e a política de créditos privilegiavam, num mesmo

espaço, a polarização de recursos em terras mais propícias ao cultivo ou à formação de pastagens,

agravando a situação de desenvolvimento regional. Uma manifestação concreta dessa

descontinuidade pode ser expressa pela posição privilegiada do município de Araguaína em

relação aos demais, explicada pelo fato de constituir-se ele na base para o estabelecimento de

capitais comercial, industrial e financeiro, no sentido de ser um ponto de acumulação que

facilitasse o avanço do capitalismo em termos de incorporação de novas áreas. Com esse fim,

Araguaína recebeu o maior número de projetos financiados pela Sudam em todo o estado, entre

os anos 1970-1980 (Aguiar, 1986).

Nesse período, portanto, a estrutura fundiária do estado reproduz o padrão de

concentração de terras característico do Centro-Oeste e norte do país, mas com diferenciações

intra-regionais relevantes quanto ao peso numérico da pequena produção. Nesse contexto,

destaque há que ser dado à região extremo-norte do Tocantins, onde os pequenos

estabelecimentos tiveram uma representatividade significativa, e os estabelecimentos inferiores a

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200 hectares chegaram a representar, em certos municípios, mais de 85% do número total de

estabelecimentos rurais (Seplan, 1997), tornando aí a problemática fundiária ainda mais complexa,

particularmente numa área de expansão da fronteira pecuária, caracterizada por grandes

propriedades. De fato, a implantação de projetos voltados para a pecuária reforçou a valorização

desse espaço, recrudescendo os conflitos e a disputa pela posse da terra.

Vários desses conflitos, que envolviam pistoleiros, grileiros, fazendeiros, posseiros, povos

da floresta e população local, já foram descritos na historiografia da região e em relatórios-

denúncia produzidos por entidades de defesa dos direitos humanos, como a CPT, e não cabe,

aqui, discorrer sobre o tema. Todavia, como bem lembra Menezes (2000), esses conflitos tiveram

início quando o país passava por um período histórico de grande repressão, com profundos

reflexos na região. As oligarquias políticas eram as maiores detentoras de terras na região, mesmo

sem ter o poder econômico, detinham o poder político e ditavam as regras políticas ideológicas –

eram os chamados “coronéis do norte de Goiás”. Não interessava a essas oligarquias a apuração

de fatos para a solução dos conflitos pela posse e pelo uso da terra, pelo contrário, davam apoio

aos desmandos dos grileiros de terras, não considerando os direitos da população campesina que

explorava a área.

Buscando minimizar os impactos dos conflitos de terra deflagrados em várias regiões do

país, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criou a CPT40, que tinha naquele

momento o objetivo de conter ou levar a público e à sociedade civil os conflitos no campo e as

arbitrariedades cometidas principalmente pela classe política. Essas ações fizeram com que o

governo brasileiro sofresse pressões internas e externas em favor de uma política de reforma

agrária mais ágil e justa. Dessa forma, a questão da reforma agrária volta à tona em meados da

década de 1980 e culmina na elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária, que, conforme já

apresentado (v. Capítulo 4), acabou sendo totalmente desfigurado pelos latifundiários,

inviabilizando a implantação da tão esperada reforma agrária.

As constantes denúncias e pressões, e ainda a morte (anunciada) de Padre Josimo, a qual

teve repercussão internacional, obrigaram o governo a tomar, mesmo a contragosto, algumas

medidas para diminuir a violência no campo e dar títulos de propriedade a algumas famílias de

posseiros. Para o caso específico do Tocantins, é importante mencionar que esse processo teve

40 Criada pela Igreja Católica em 1975, a CPT, juntamente com paróquias das periferias das cidades e das comunidades rurais, passou a dar assistência aos camponeses durante o Regime Militar. No início esteve voltada à luta dos posseiros do Centro-Oeste e Norte e tornou-se, mais tarde, com a eclosão de conflitos pela terra em todo o país, uma instituição de alcance nacional. No Tocantins, a atuação da CPT teve início com a chegada, em 1979, do frei francês Henri des Roziers, padre dominicano e advogado, que andava pelas comunidades ouvindo suas queixas e

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como resultado a determinação, pelo governo federal, em 1987, de desapropriação de oito

fazendas localizadas na região do Bico do Papagaio, para fins de criação de projetos de

assentamento e reforma agrária (Menezes, 2000). Tem-se assim o início da atuação do Incra no

estado, por meio da criação, ainda no mesmo ano, dos Projetos de Assentamento Amarrio, São

João, Cachoeiras, Camarão, Montes Altos, Alegre, Fazenda São Pedro e Grotão, com capacidade

para abrigar cerca de 340 famílias em uma área de quase 22 mil hectares.

6.5. O Incra e a criação de projetos de assentamento no Tocantins

Diferentemente dos outros estados amazônicos, a fase de colonização oficial iniciada pelo

Incra na década de 1970 não atingiu o Tocantins. Conforme já mencionado, o referido órgão só

começou o processo de assentamento de famílias em lotes rurais no final dos anos 1980, como

resposta aos conflitos desencadeados ainda na década anterior. Essa atuação tardia pode ser

explicada pelo controle militar exercido na região até recentemente. Primeiramente a presença

militar na região deveu-se à instalação de um grupo de guerrilheiros do Partido Comunista do

Brasil nas margens do rio Araguaia, na região de Xambioá, fato que ficou conhecido como A

Guerrilha do Araguaia. Esse grupo tinha como objetivo o estabelecimento de relações com os

camponeses locais para conscientizá-los da necessidade da luta armada contra os latifundiários e o

governo da burguesia. Embora os guerrilheiros nunca fossem mais do que uma centena, eles

causaram uma agitação suficiente para mobilizar uma força de milhares de soldados durante mais

de dois anos. Essa inesperada resistência nas fronteiras da civilização fez com que o governo

federal decidisse tomar o controle da área e invocasse a lei de Segurança Nacional, designando

uma força-tarefa para monitorar a situação das terras na região: o Getat.

A “militarização” da questão agrária na região até meados dos anos 1980 explica, talvez, a

existência de apenas uma modalidade de projeto de reforma agrária no estado: o Projeto de

Assentamento (PA). Outros estados, como Rondônia e Pará, onde a colonização oficial foi

marcante na década de 1970, possuem diferentes tipos de projeto, como os Projetos de Integração

e Colonização (PIC), que recebiam assistência técnica e empréstimos em dinheiro por parte do

Incra; Projetos de Assentamento Rápido (PAR), que eram implantados em áreas de tensão social,

mas que só existiram até 1986; Projeto de Assentamento Dirigido (PAD), destinado a assentados

com maior grau de conhecimento das formas de produção e recursos financeiros próprios;

Projeto Agroextrativista (PAE), que beneficia agricultores que também são extrativistas; etc.

aconselhando-as sobre seus direitos legais, juntamente com três freiras francesas. Em 1983 chega à região Padre Josimo, que assume a paróquia de São Sebastião do Tocantins (Le Breton, 2000; Morissawa, 2001).

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Da mesma forma, a presença de grupos militares no norte do estado também pode ter

sido responsável pelo controle do fluxo migratório ocorrido na década de 1970. Mesmo com a

construção da BR–153, as correntes migratórias foram muito menos intensas no Tocantins do

que nas regiões da BR–364 (Rondônia) ou da Transamazônica (Pará). O Incra e os serviços de

terras estaduais de Goiás e Pará (Idago e Iterpa, respectivamente) são nessa fase as instituições

estatais de apoio para acelerar a articulação regional em nome da regularização das terras e, não

necessariamente, da justiça social. Nesse processo, era comum o pequeno posseiro perder suas

terras por não ter condições de informação e de dinheiro para regularizá-las (Becker, 1982).

Independentemente das explicações, o fato é que, a partir de 1987, as famílias de posseiros

do Tocantins que conseguiram resistir a esse processo de apropriação indevida da terra começam

a ter seus direitos de propriedade reconhecidos com a criação dos projetos de assentamento. Hoje

o estado é detentor de mais de 200 projetos de assentamento, que estão sob a responsabilidade do

Incra, os quais têm capacidade para acolher cerca de 18 mil famílias em uma superfície total de

mais de 800 mil hectares (Tabela 6.1). Essa superfície, quando comparada à dos demais estados

amazônicos, pode ser considerada pequena, representando apenas 2,35% da área destinada a

todos os projetos de assentamento criados na Amazônia Legal, e 3% do estado, que, conforme já

discutido, ainda é dominado por um cenário de concentração de terras. Nesse contexto, voltamos

a fazer referência à região do Bico do Papagaio, que teve sua estrutura fundiária bastante alterada

nos últimos anos, abrigando, atualmente, 60% dos projetos de assentamento existentes em todo o

estado.

Tabela 6.1 – Número total de projetos de assentamento criados pelo Incra, nos estados da Amazônia Legal até julho de 2001

Estado Capacidade de famílias Número de projetos Área total (ha)

Acre 19.243 (4,57%) 63 (3,89%) 1.578.894,08 (4,57%) Amapá 9.012 (2,14%) 27 (1,66%) 1.381.902,79 (4,00%) Amazonas 24.448 (5,80%) 36 (2,22%) 2.176.660,91 (6,31%) Maranhão 72.508 (17,21%) 438 (27,07%) 2.428.574,64 (7,04%) Mato Grosso 67.210 (15,95%) 307 (18,97%) 4.437.293,28 (12,86%) Pará 126.700 (30,07%) 397 (24,54%) 13.476.828,07 (39,05%) Rondônia 57.363 (13,61%) 113 (6,98%) 4.614.991,86 (13,37%) Roraima 27.063 (6,42%) 33 (2,04%) 3.607.686,00 (10,45%) Tocantins 17.783 (4,22%) 204 (12,61%) 812.793,13 (2,35%)

Amazônia Legal 421.330 (100%) 1.618 (100%) 34.515.624,76 (100%)

Fonte: Diretoria de Assentamento/Incra, 2001.

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Além da criação de projetos de assentamento, o Incra também tem competência para

regularização fundiária das áreas da União e cadastro de imóveis rurais. Todavia, com a meta

federal de assentamento de famílias no campo – prioridade do governo Fernando Henrique

Cardoso desde 1995 –, o Incra passou a concentrar seus esforços nesta, relegando as outras

atividades a segundo plano. Ciente dessa situação e disposto a interferir, no sentido de dar

encaminhamento ao processo de regularização fundiária no estado, o Instituto de Terras do

Tocantins (Itertins) firmou convênio com aquela instituição, ficando responsável pelas questões

relativas aos processos de regularização, demarcação e emissão de títulos definitivos para imóveis

e propriedades rurais incidentes em áreas anteriormente destinadas à União, tais como as terras

situadas nas faixas de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo das rodovias.

Em outras palavras, pode-se dizer que a atuação do Incra no estado do Tocantins tem-se

resumido à criação e implantação de projetos de assentamento, enquanto ao Itertins coube a

missão, por meio de convênio Incra/Itertins, de regularização fundiária dos imóveis rurais

incidentes no estado.

6.6. O estado hoje: caracterização geral e atividades produtivas desenvolvidas

Com o intuito de contextualizar melhor a área de estudo, faremos aqui uma breve

descrição das características ambientais e socioeconômicas do estado do Tocantins, indicando

dados sobre as condições físicas da região – hidrografia, clima, temperatura, solos e vegetação –, a

população atual e as principais atividades econômicas desenvolvidas, o uso atual da terra e um

cenário de desenvolvimento político-econômico previsto pelo governo estadual.

6.6.1. Condições físicas favoráveis ao desenvolvimento de atividades agropecuárias

O estado do Tocantins é dividido longitudinalmente por um divisor, orientado no sentido

sul–norte, dos sistemas hidrográficos do Araguaia e do Tocantins. Assim, abrange

aproximadamente dois terços da área da bacia hidrográfica do rio Tocantins e um terço da do rio

Araguaia, além de várias sub-bacias importantes (NAPIAm/SCA/MMA, 1999). Essa

característica faz com que o Tocantins seja um dos estados brasileiros mais ricos em recursos

hídricos, os quais vêm sendo aproveitados para irrigação, geração de energia, empreendimentos

relacionados ao turismo ecológico e construção de hidrovias.

A regionalização climática do estado evidencia um gradiente de umidade no sentido oeste–

leste, variando entre clima úmido com pouca deficiência hídrica na região da Ilha do Bananal, com

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precipitação anual de mais de 2.000 mm, e clima sub-úmido seco, com moderada deficiência

hídrica na região limite dos estados de Goiás e Bahia, com precipitações inferiores a 1.300 mm. A

região do Bico do Papagaio apresenta um clima próprio, úmido/sub-úmido, com pequena

deficiência hídrica. As temperaturas médias anuais variam entre 24 e 28o C no período das chuvas

(outubro–março) e 28 e 35o C na estação seca.

Com relação ao relevo, o estado exibe uma variada gama de feições morfológicas,

resultantes da evolução de fatores climáticos e/ou adaptações às diversidades litológicas e

condicionantes estruturais, que foram compartimentalizados em quatro unidades

geomorfológicas: planaltos da bacia sedimentar do rio São Francisco, depressões do Araguaia–

Tocantins, planície do Bananal e planaltos residuais do interflúvio Araguaia-Tocantins. É

importante ressaltar que algumas dessas classes oferecem condições naturais propícias para o

desenvolvimento de atividades agropecuárias, como é o caso da planície do Bananal que, por estar

coberta por pastagens naturais, favorece a pecuária extensiva. Além disso, essa mesma região, em

virtude de suas características topográficas, pluvi e fluviométricas, conforma uma das regiões

brasileiras mais aptas para o desenvolvimento da agricultura irrigada por gravidade (Seplan, 1998).

De acordo com levantamentos realizados pelo Projeto Radambrasil e pelo Zoneamento

Ecológico-Econômico, os solos compreendidos no estado podem ser divididos em onze classes

predominantes. Latossolos roxos, terras roxas estruturadas, latossolos vermelho-amarelo,

vermelho-amarelo escuro e solos aluviais cobrem 35,4% do estado e apresentam as melhores

alternativas para o uso agrícola intensivo. As demais classes apresentam restrições em vários níveis

de aplicação de tecnologias e não respondem satisfatoriamente à intensificação de capital. Solos

Gley, lateritas hidromórficas e cambissolos (17%), embora não recomendáveis para a agricultura,

são favoráveis à implantação de pastagens cultivadas. Somente as areias quartzosas, que

representam 13% do estado, apresentam fortes restrições em termos de atividades agropecuárias e

são recomendadas para a silvicultura ou para o aproveitamento de pastagens naturais

(NAPIAm/SCA/MMA, 1999).

Em termos fitoecológicos, o Tocantins representa uma zona de transição entre dois

grandes biomas brasileiros: o Cerrado e a Amazônia. Assim sendo, o estado tem grande parte de

seu território caracterizado por áreas de tensão ecológica (ecótonos) entre cerrado e floresta

tropical úmida, que, em virtude das as condições geomorfológicas e climáticas, foram

configurando diferentes tipos vegetacionais. Originalmente, sua cobertura vegetal era composta

por terrenos cobertos com vegetação florestal e campestre, característicos das zonas fitoecológicas

denominadas Floresta Ombrófila Densa (4,3%) e Aberta (5,4%), Floresta Estacional Decidual

(0,6%) e Semidecidual (1,9%) e Cerrado (87,8%). Atualmente os agrupamentos florestais

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primários, com pouca intervenção, ou secundários fragmentados e vegetação campestre natural

encontram-se bastante reduzidos em razão do avanço da fronteira agrícola, que tem como reflexo

o aumento nas taxas de desflorestamento observadas no estado nas últimas décadas.

6.6.2. Crescimento populacional: dinamismo e desigualdades regionais

A uma taxa média de crescimento de 4% ao ano (o dobro da média nacional), a população

do estado, estimada em 1950 em pouco mais de 200 mil habitantes, passa, em 1970, para 520 mil,

chegando a quase 740 mil em 1980 e mais de 1.150 mil em 2000 (Tabela 6.2). É interessante notar

que esse crescimento não se deu de maneira uniforme. Até meados de 1950 a população era

predominantemente rural. Todavia, após a construção da Belém–Brasília e a conseqüente

expulsão dos posseiros de suas terras, o estado começa a apresentar taxas negativas de

crescimento da população rural (-1,22% entre 1980 e 1991 e -4,67% entre 1991 e 1996), contra

elevadas taxas de incremento urbano (5,53% e 7,03%, respectivamente), configurando um

processo importante de urbanização, iniciado ainda na década de 1970: em 30 anos a

concentração urbana passou de 25 para 75% (Tabela 6.2, Figura 6.1).

Tabela 6.2 – Tocantins: população (urbana e rural), taxa de crescimento e densidade demográfica

Ano Total Taxa anual (%) Urbana (%) Taxa anual

(%) Rural (%) Taxa anual (%) Hab./km2

1950* 204.041 - 26.297 (12,90) - 177.744 (87,10) - 0,77 1960* 328.486 - 57.935 (17,64) - 270.551 (82,36) - 1,18 1970* 521.211 - 128.860 (24,72) - 392.351 (75,28) - 1,82 1980* 738.884 4,20 293.442 (39,71) - 445.442 (60,29) 1,28 2,58 1991 919.863 2,01 530.636 (57,69) 5,53 389.227 (42,31) (-) 1,22 3,30 1996 1.048.642 2,70 741.009 (71,50) 7,03 307.633 (28,50) (-) 4,67 3,77 2000 1.157.098 2,61 859.961 (74,32) - 297.137 (25,68) - 4,17 * Dados referentes às décadas de 1950 a 1980 foram desagregados do estado de Goiás, de acordo com os municípios que passaram a integrar o estado do Tocantins. Fonte: IBGE, 1998; 2001.

Figura 6.1 – População residente no estado do Tocantins, 1950-2000 (Fonte: IBGE, 1998; 2001.)

População residente no Tocantins

0

500

1.000

1.500

1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000

Milh

ares

de

habi

tant

es TotalUrbanaRural

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A distribuição espacial da população também merece atenção, em decorrência da

diferenciação apresentada entre os municípios que compõem o estado. Municípios com densidade

demográfica elevada avizinham-se de outros cuja densidade ainda é baixa, como Araguaína, com

28,53 hab./km2, e Muricilândia, com 2,57 hab./km2. Casos extremos como os de Axixá, com mais

de 90 hab./km2, e Mateiros, com 0,29 hab./km2, também são verificados no estado.

Outro fator que denota a desigualdade do crescimento populacional no estado é a taxa

média anual de 29% em Palmas, entre 1991 e 1996, contra apenas 2,7% quando consideramos o

estado em sua totalidade.

Por fim, e como reflexo da intensificação das atividades produtivas e de ocupação do

espaço, tem-se uma grande multiplicação das regiões administrativas. A partir da desagregação dos

dados existentes para o estado de Goiás, verifica-se que a superfície do atual estado do Tocantins

contava, em 1950, com apenas 14 municípios. Hoje a situação é um pouco diferente e há dez

vezes mais municípios, ou seja, nada menos que 139 municípios, agrupados em nove áreas-

programa e 18 regiões administrativas (Seplan, 1999).

6.6.3. Uso atual e distribuição das terras no estado

De acordo com dados apresentados no Atlas do Tocantins, o uso atual da terra pode ser

classificado em formações florestais (que cobrem cerca de 13,1% da área total do estado);

pastagens naturais ou plantadas (26,9%), terras agriculturadas (1%), vegetação de cerrado –

campo, campo cerrado e cerradão (56,6%); rios, lagos, represas e açudes (2,3%); e outras formas

de uso, tais como áreas destinadas à mineração ou comprometidas com o uso urbano (0,1%)

(Seplan, 1999).

Em termos de distribuição das terras, o estado apresenta cerca de 20% de sua superfície

em áreas de uso restrito, destinadas à conservação ambiental e à proteção de comunidades

indígenas administradas pelos governos federal e estadual. Outras áreas potenciais para

preservação do meio ambiente já foram identificadas pela Seplan/TO e representam outros 4,5%

do estado a serem conservados, mas sua implementação ainda não foi efetivada.

Os projetos de assentamento criados pelo Incra e as áreas regularizadas pelo Incra e

Itertins somam sete milhões de hectares, representando 25% da superfície total do estado,

conforme mostra a tabela a seguir.

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85

Tabela 6.3 – Distribuição das terras no estado do Tocantins

Destinação da área Superficie total

(ha) % com relação à área do estado

UC de uso sustentável (estaduais e federais) 2.227.154 7,98 UC de proteção integral (estaduais e federais) 1.447.611 5,16 Terras indígenas 2.170.948 7,80 Projetos de assentamento Incra 812.000 2,92 Regularização fundiária Incra 3.688.000 13,25 Regularização fundiária Itertins 2.500.000 8,98 Total 12.845.713 46,10

Fonte: Jica, 1998; Seplan, 2001.

Quanto à propriedade da terra, 63% da extensão territorial do Tocantins encontra-se

matriculada em nome de pessoas físicas ou jurídicas, incluindo áreas ocupadas por invasores.

Conforme pode ser observado na tabela a seguir, as propriedades privadas representam a maior

parte, com uma área média de 435 hectares. A área média ocupada por invasores também é

relativamente grande quando comparada às áreas públicas: 152 hectares por família, contra 15,33

hectares por estabelecimento, em média.

Tabela 6.4 – Situação da propriedade da terra no Tocantins

Categoria Área total em hectares

Número de propriedades

Área/propriedade (ha)

Proprietários 15.882.000 36.522 434,9 Arrendatários 83.000 1.379 60,2 Parceiros 39.000 527 74,0 Ocupantes 1.350.000 8.892 151,8 Áreas públicas 688.706 44.913 15,33 Total 18.042.706 47.320 366,7

Fonte: JICA, 1998.

O estado apresenta um alto grau de concentração de terras, com índice de Gini41 em torno

de 0,7 e elevado número de propriedades com mais de cem hectares. Todavia, a criação de

projetos de assentamento nos últimos anos, principalmente na região do Bico do Papagaio, reflete

uma mudança na estrutura fundiária vigente até então, que era baseada na concentração de

extensas porções de terras em mãos de alguns poucos fazendeiros. Essa mudança também pode

ser confirmada pela evolução do número de estabelecimentos rurais de acordo com suas

respectivas classes de tamanho. Conforme pode ser observado na Figura 6.2, entre 1985 e 1995

41 O índice de Gini, que varia de 0 a 1, é um atributo utilizado para medir o grau de concentração de terras; quanto mais próximo de 1 – concentração absoluta –, maior é a concentração.

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houve um modesto incremento no número de propriedades com área entre dez e cem hectares,

contra uma pequena redução nos imóveis entre cem e mil hectares.

Figura 6.2 – Número (classes) de estabelecimentos rurais no Tocantins, 1985-1995 Fonte: Censo Agropecuário IBGE, 1996.

6.6.4. Cenário político-econômico para o desenvolvimento do “estado da iniciativa privada e da justiça social”

Após o desmembramento do estado de Goiás, o Tocantins vem se empenhando para

fazer valer sua independência política e econômica, por meio de diferentes planos e programas de

desenvolvimento do estado. Para impulsionar um crescimento econômico, a primeira grande

medida foi a construção da capital definitiva, na margem direita do rio Tocantins. Tal medida

provocou adensamento e melhoria significativa da malha de transportes e fornecimento de

energia elétrica para a porção oriental do estado, que, em 1996, já concentrava quase 30% da

população e aproximadamente 35% da atividade econômica do Tocantins.

Constituindo a atividade econômica fundamental na redefinição da ocupação do espaço

rural do Tocantins, a pecuária de corte é um elemento básico para a compreensão da forma de

inserção de seus municípios na economia de mercado. Com o apoio do governo, por meio da

implantação de infra-estrutura e concessão de incentivos fiscais e créditos subsidiados, a pecuária

extensiva passou de atividade de subsistência para a produção capitalista.

Além de uma vocação agrícola indiscutível e de uma posição estratégica que aproxima o

Tocantins dos mercados das regiões Centro-Oeste, Nordeste e da Amazônia, as políticas adotadas

no estado convergem para o aumento da produção de grãos e o aumento do rebanho bovino.

Exemplos desse esforço traduzem-se na implantação de grandes projetos agropecuários, como:

0

10

20

30

40

50

No d

e es

tab

elec

imen

tos

(%)

menos de 10 10 - 100 100 - 1.000 1.000 - 10.000 10.000 e mais

Classes (ha)

Número de estabelecimentos rurais - Tocantins, 1985-1995

1985 1995

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Javaés, região cujas características, por ser localizada no sudoeste do estado, favorecem a

produção de grãos e a agropecuária; Prodecer III, ou Programa de Cooperação Nipo-Brasileira

para o Desenvolvimento do Cerrado, localizado no município de Pedro Afonso e que tem como

meta o estabelecimento de um sistema de produção agrícola por meio de desenvolvimento,

aplicação e aperfeiçoamento de técnicas, como diversificação de culturas e implantação de

sistemas de irrigação; Campos Lindos, em região tida como a mais recente fronteira agrícola do

estado, voltada para a produção de grãos (soja, arroz e milho) e frutas tropicais, com alto padrão

tecnológico; Sampaio, destinado ao cultivo de arroz irrigado, em consórcio com soja e milho, e

ao desenvolvimento da fruticultura na região do Bico do Papagaio; Jalapão, localizado em uma

área de vegetação de cerrado pouco densa, com incidência de solos arenosos suscetíveis à

degradação, mas com extensa rede hidrográfica e elevado potencial para ecoturismo e silvicultura

(produção de carvão vegetal e pasta de celulose) (Sepro, 2000).

Evidentemente, todas essas potencialidades só poderiam ser desenvolvidas se o estado

dispusesse de uma infra-estrutura de transportes e de energia que tornasse viável a ocupação

econômica de seu território. Vêm daí os investimentos em hidrovias e hidrelétricas, estaduais e

federais, que, mais uma vez, aproveitam-se das condições naturais – as grandes bacias

hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins – para desenvolver a economia do estado.

Ocorre, porém, que esses projetos nem sempre levam em conta aspectos ecológicos,

desconsiderando o passivo socioambiental advindo da implantação de projetos de tal natureza.

Prova disso é a não-aprovação, em forma de lei, por parte dos órgãos competentes, de projetos

como a hidrovia Araguaia-Tocantins e Sampaio, que foram inviabilizados por falta de estudos que

comprovassem a inexistência de impactos ou, ao menos, propusessem medidas mitigadoras para

minimizar os impactos sociais e ambientais advindos da implantação dessas obras.

Em termos de políticas agrárias, mais exatamente aquelas voltadas para a implantação de

projetos de assentamento, ressalta-se que o estabelecimento de metas federais muitas vezes impõe

aos governos estaduais a adoção de medidas desarticuladas com os demais setores e níveis de

governo. Decorrem daí os inúmeros casos de sobreposição espacial entre projetos de

assentamento, unidades de conservação, terras indígenas, etc.

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7. A GRANDE REGIÃO DE ARAGUAÍNA E O CASO DE BARREIRA

BRANCA: ENTRE O DESENVOLVIMENTO E A CONSERVAÇÃO

Quando da sua criação e instalação, em 1958, o município de Araguaína ocupava uma área

de 9.098 km2. Atualmente, no entanto, sua superfície está reduzida a pouco mais de um terço

daquela área, graças à emancipação de cinco dos seus mais importantes e ricos distritos:

Aragominas, Araguanã, Carmolândia, Muricilândia e Santa Fé do Araguaia.

Pela sua localização geográfica, pode-se considerar que essa região se encontra em uma

posição privilegiada, não apenas no estado do Tocantins, como em toda a Região Amazônica.

Situada entre o rio Araguaia e a BR–153, localiza-se numa rica área de terras entre os rios Lontra e

Andorinha, afluentes daquele rio. Em termos vegetacionais, a região abrange, em sua extensão,

diferentes classes fitoecológicas, que vão do cerrado à floresta ombrófila densa, passando pela

floresta ombrófila aberta, características que lhe conferem uma notável riqueza em termos de

recursos naturais e biodiversidade.

Talvez seja por isso mesmo que suas terras sempre têm sido motivo de interesse e cobiça

por parte de diferentes atores que lá chegaram, sobretudo grandes fazendeiros e criadores de

gado. Isso porque sua classificação, em termos de uso, indica uma grande potencialidade para o

desenvolvimento de atividades intensivas, sejam elas relacionadas a culturas de ciclo longo, curto,

ou pecuária. É justamente nesse contexto que está inserida a chamada região de Barreira Branca,

considerada o último remanescente do bioma amazônico no Tocantins, e objeto do nosso estudo

de caso.

7.1. As terras em Barreira Branca: desenvolvimento ou conservação?

Embora o cenário traçado para a região de Barreira Branca seja de desenvolvimento de

atividades agropecuárias e, portanto, de conversão de grandes áreas em culturas e pastagens, ela

esteve, por muito tempo, à margem dos grandes desmatamentos que caracterizam o restante do

estado. Por esse motivo, vem sendo considerada, desde meados da década de 1990, uma área

prioritária para conservação da diversidade biológica. Todavia, a história de ocupação da região

mostra que essa riqueza já está bastante ameaçada.

Levantamentos realizados no município de Aragominas e entorno permitem-nos supor

que os “primeiros donos” das terras localizadas na região de Barreira Branca tenham sido

reconhecidos no âmbito das políticas de ocupação e integração da Amazônia, implementadas a

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partir dos anos 1950, que no Tocantins foram impulsionadas com a construção da Belém–Brasília.

Data dessa época a criação dos já mencionados loteamentos Rio Lontra e Andorinha e Barra do

Ribeirão Muricizal, que subdividiu uma área de mais de 300 mil hectares em glebas destinadas à

instalação de projetos agropecuários (Figura 7.1a). Sob a égide da dinamização das atividades de

produção e exploração econômica, as glebas então existentes deveriam ser “distribuídas” entre

diferentes proprietários, cabendo a cada um deles um, e não mais que um lote. Entretanto,

analisando os documentos cartoriais existentes e acessíveis, percebe-se que muitos deles haviam

sido registrados em nome de diferentes pessoas, mas várias delas pertencentes a uma mesma

família (Figura 7.1b). Ao longo das décadas de 1970 e 1980, essa mesma documentação mostra

um franco processo de reconcentração fundiária e de formação de grandes latifúndios, muitas

vezes improdutivos ou sub-utilizados (Figura 7.1c).

Figura 7.1 – Cadeia dominial das terras da grande região de Araguaína – loteamentos Lontra e

Andorinha e Barra do Ribeirão Muricizal: cores iguais representam lotes de uma mesma família (adaptado de Le Tourneau, em preparação.)

Como forma de garantir a posse dessas terras e minimizar a incidência de impostos (por

exemplo, ITR) sobre as áreas “não-trabalhadas”, os proprietários converteram grandes extensões

de floresta em áreas de pastagens artificiais para a criação de gado em sistema extensivo42.

Todavia, essas áreas convertidas não integravam toda a propriedade, que, por ser bastante extensa,

42 De acordo com dados do PGAI/TO, a capacidade suporte dessa região foi estimada em 1 cabeça/5 hectares, ou 0,2 cab./ha, produtividade considerada extremamente baixa e de alto custo ambiental. Apenas para contrapor esses dados, é importante frisar que a carga média da pecuária amazônica é de 0,7 cab./ha – que já é considerada baixa – e, das demais regiões brasileiras, de 1,3 cab./ha (Veríssimo et al., 2000).

Loteamento Barra do Ribeirão Muricizal “Loteamento Rio

lontra e Andorinha”

a) 1950-1960 b) 1970 c) 1980

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permitia a manutenção dos 50% de área de reserva legal exigidos por lei até então43. Tem-se assim

um mosaico formado por grandes áreas desflorestadas e superfícies cobertas por floresta

ombrófila praticamente intacta ou pouco alterada por ações antrópicas, situação que foi mantida

até meados da década de 1990 (Figura 7.2).

Figura 7.2 – Fazendas existentes na região de Barreira Branca: um mosaico de áreas

desflorestadas (em tons de rosa e verde claro) e superfícies cobertas por floresta ombrófila (verde escuro)

A existência de grandes superfícies florestais nesse ambiente despertou o interesse do

órgão estadual de meio ambiente, que passou a considerá-lo como área de grande potencial para a

conservação da biota e demais atributos naturais ali existentes. Dessa forma, após levantamentos

realizados na área, esse interesse foi traduzido na elaboração de uma proposta, por parte da Seplan

e sua Coordenação de Zoneamento Ecológico-Econômico, para a criação de uma unidade de

conservação. Essa proposta previa a criação de uma reserva biológica44 – a Reserva Biológica

Barreira Branca – em uma área de aproximadamente 60 mil hectares.

43 Art. 16, b da Lei no 4.771, de 1965 – o Código Florestal – que com a Medida Provisória 1.956-48, aumentou esse percentual para 80%. 44 As reservas biológicas (ReBio) pertencem ao grupo de unidades de conservação de proteção integral e estão destinadas à preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e

Fazenda Baviera

Fazenda São Gabriel Fazenda Cheyenne

Fazenda Malasca

Fazenda São Manoel

Fazenda São Manoel I

Fazenda São Manoel II

Fazenda Barreira Branca

Fazenda Santa Marina

Fazenda Barra do Mogno

Fazenda São Sebastião

Fazenda Vitória Régia

Fazenda Pontal

Fazenda Dois Corações

aprox. 5 km

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Ocorre, porém, que, dentro do programa de governo vigente naquela época – Programa

Brasil em Ação –, estava previsto também o assentamento de milhares de famílias nos diversos

estados brasileiros, não se excluindo o Tocantins desse processo.

Ciente da situação de improdutividade e/ou sub-utilização dessas terras, o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais (STR) da região organizou frentes de ocupação, reivindicando essas áreas

para a implantação de projetos de assentamento. Em vista disso, a partir de 1995/1996, a região

começa a ser ocupada por centenas de famílias, que vão se instalando nas áreas de floresta

remanescentes, implantando aí seus sistemas tradicionais de cultivo – como a agricultura de corte

e queima – e explorando os recursos florestais ainda existentes, o que começa a comprometer a

integridade da área proposta para a criação da reserva biológica.

A opção pela ocupação em áreas florestais justifica-se pelo fato de que nessas áreas o

controle, por parte de seus proprietários – ou “gerentes” encarregados pela administração das

fazendas –, é mais difícil, possibilitando a instalação das famílias sem maiores enfrentamentos e

conflitos. De fato, conforme mencionado no 14o Relatório do Grupo Consultivo Internacional –

IAG45 –, que avalia a atuação do PPG-7, a invasão atual de grandes fazendas por agricultores sem

terra organizados ocorre quase exclusivamente nas áreas de floresta das propriedades. Isso se deve

parcialmente, sem dúvida, à reação armada dos proprietários, quando as áreas de pastagem das

propriedades são invadidas. Além disso, grande parte dos posseiros e ocupantes é originária de

regiões vizinhas – do Maranhão ou do próprio estado – e já estão acostumados às adversidades

impostas pela vida na floresta.

Diante do cenário que se desenha e ainda sob pressão do sindicato e das metas federais de

realização da reforma agrária e assentamento de famílias, o Incra não vê outra alternativa senão

adquirir as fazendas para a instalação dessas famílias, contrariando a proposta de criação da ReBio

Barreira Branca. Esse processo tem início ainda em 1996, quando é criado o Projeto de

Assentamento Baviera, por meio da compra de fazenda de mesmo nome, com capacidade para

abrigar 142 famílias em uma área de 5 mil hectares. A partir daí, cinco outros projetos foram

criados nos anos que se seguiram, somando, no final de 2001, mais de 40 mil hectares, onde

foram assentadas cerca de mil famílias (Tabela 7.1).

as ações de manejo necessárias à recuperação e preservação do equilíbrio natural, da diversidade biológica e dos processos ecológicos naturais, conforme determinado em seu plano de manejo. 45 International Advisory Group

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Tabela 7.1 – Projetos de assentamento criados pelo Incra no município de Aragominas

Nome do projeto Área (ha) Capacidade de famílias Média/lote (ha) Ano da criação Baviera 5.000,00 142 35,2 1996 Dois Corações 3.049,72 62 49,2 1997 Reunidas 17.810,19 402 44,3 1998 Mogno 5.131,11 132 38,9 1998 Vitória Régia 6.208,10 158 39,3 1998 São Gabriel 4.434,77 107 41,4 2001 Total 42.633,89 1.003 - -

Fonte: Divisão de Assentamentos/Incra, 2001.

A forma de aquisição dessas terras, contudo, foi a desapropriação, justificada pelo não-

cumprimento da sua função social. Em outras palavras, essas terras estavam sendo sub-utilizadas,

com taxas de aproveitamento, em alguns casos, inferiores a 5% da área total aproveitável.

Outrossim, quase todas as fazendas desapropriadas contavam com uma superfície de mais de

1.000 hectares ou estavam registradas em nome de uma mesma pessoa, o que justificava, mais

uma vez, sua desapropriação (Tabela 7.2).

Tabela 7.2 – Situação de alguns imóveis comprados/desapropriados pelo Incra

Projeto de

Assentamento

Imóvel/

Fazenda

Pastagens

cultivadas (ha)

Outros/Preservação

permanente (ha)

Áreas inaprovei-

táveis (ha)

Áreas aproveitáveis,

não utilizadas (ha) TOTAL

Baviera Baviera 2.512,00 108,24 1,00 2.378,76 5.000,00 Mogno Boa Esperança 2.505,00 227,56 29,00 2.369,55 5.131,11

Santa Marina 34,00 20,00 5,00 441,00 500,00 Barra do Mogno 150,00 141,27 5,00 2.629,20 2.925,47

Pontal 15,00 86,21 10,00 1.812,99 1.924,20 São Sebastião 964,00 124,60 25,00 1.878,40 2.992,00 São Manoel 1.319,00 126,36 25,00 1.556,77 3.027,13

São Manoel I 845,00 123,90 25,00 1.984,10 2.978,00 São Manoel II 361,00 99,80 25,00 2.010,20 2.496,00

Reunidas

Barreira Branca - 38,00 10,00 919,00 967,00 Fonte: Unidade Avançada de Araguaína/Incra.

7.2. Caracterização dos projetos de assentamento

7.2.1. Características gerais da área

A área de estudo, caracterizada pela existência de um “complexo de assentamentos”,

encontra-se em uma zona de transição climática, onde predomina o clima de tipo tropical úmido

(Am, segundo classificação de Köeppen), com temperatura média anual entre 25 e 27o C e

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precipitação pluviométrica que varia entre 1.300 e 1.900 mm ao ano. Apresenta ainda dois

períodos bem distintos: um chuvoso (entre outubro e maio) e outro seco (de junho a setembro),

no qual a precipitação pode chegar a 100 mm. A umidade relativa do ar mantém-se em torno de

75–80%.

A cobertura original da área era formada por uma vegetação primitiva, do tipo floresta, e

possuía ainda trechos de mata de transição com espécies representativas do ponto de vista

econômico, como mogno (Swietenia macrophylla), jatobá (Hymenaea courbaril), sucupira (Pterodon

emarginatus), aroeira (Myracrodruon urundeuva), louro (Cordia spp.), ipê (Tabebuia spp.), entre outras.

Por estar localizada às margens do rio Araguaia, a região é considerada de boa drenagem e

merecem destaque as redes hidrográficas formadas pelo rio Muricizal e o ribeirão Barreira Branca.

O relevo é acentuado nas porções nordeste e sudeste da região, suavizando no sentido oeste, na

bacia do rio Araguaia, onde predominam áreas de embasamento plano a suavemente ondulado.

A maioria dos solos é do tipo latossolo vermelho-amarelo e podzólico e apresenta boas

condições para culturas de subsistência, culturas permanentes e pastagens. Refletem um nível

tecnológico médio para o manejo e o melhoramento das condições de solo e lavouras, o que

geralmente é realizado por meio de mecanização agrícola. Todavia, apresentam algumas restrições

quanto à fertilidade natural. Em vista disso, caso sejam utilizados sem práticas de manejo, podem

apresentar baixa produtividade para culturas de ciclo curto e para a maioria das culturas de ciclo

longo e são mais recomendados para pastagem e silvicultura.

Situações de conflito social não foram identificadas no momento da vistoria e avaliação

dos imóveis indicados para ser desapropriados. Todavia, as famílias hoje assentadas já ocupavam a

área na época da criação dos projetos de assentamento, situação esta que contou com forte

influência do STR. Dessa forma, não é exagero afirmar que a ação do Incra nessa região foi

meramente “regularizadora” de ocupações anteriores, não tendo havido nenhum planejamento,

por parte desse órgão, em termos de aprovação da localização, concepção e viabilidade do

assentamento, requisito indispensável para seu licenciamento, previsto em lei desde 1986

(Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama – nos 001/86 e 237/97).

7.2.2. Infra-estrutura e serviços existentes

Ainda pelo fato de a área já estar ocupada no momento da criação dos projetos, o desenho

do projeto e a divisão dos lotes tiveram de ser submetidos à realidade já existente, não tendo

havido nem mesmo um processo de seleção das famílias beneficiárias. À exceção do Projeto

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Baviera, o primeiro a ser criado, a ocupação desordenada impossibilitou o estabelecimento da área

de reserva legal em bloco e a implantação de agrovila, como aconteceu em outros assentamentos

do estado. Dessa forma, com uma superfície que varia entre 35 e 50 hectares/lote, coube a cada

família a definição das áreas de habitação, produção e reserva legal em seu respectivo lote. No

momento da visita de campo, alguns projetos (como São Gabriel e Vitória Régia) ainda estavam

em fase de implementação e demarcação dos lotes, de acordo com seus atuais ocupantes.

Muito embora os créditos para eletrificação e construção de outras obras de infra-estrutura

(captação de água e estradas internas) já tivessem sido liberados pelo governo federal, os projetos

implantados e demarcados ainda não contavam com tais serviços, em razão da demora na

contratação, por parte da prefeitura municipal, de empresas especializadas. Afora os beneficiários

do Projeto Baviera, os demais assentados também não foram contemplados com os créditos

iniciais de custeio (alimentação e fomento) e habitação. Dessa forma, a maioria das casas ainda

apresentava o padrão típico das ocupações, tendo sido construídas com madeiras e palhas obtidas

nas matas locais (Figura 7.3).

Figura 7.3 – Habitações típicas do Projeto de Assentamento Vitória Régia

Atualmente os serviços de educação são prestados pela prefeitura municipal de

Aragominas, que oferece escolas rurais de 1o grau e escolas municipais e estaduais de 1o e 2o

graus. Além disso, existem ainda as chamadas extensões municipais e estaduais, que funcionam

com professores locais treinados em Araguanã. Esses serviços, no entanto, só são aproveitados

pelas crianças, e a grande maioria dos adultos e chefes de família é formada por analfabetos.

Convém ressaltar, no entanto, que, pelo menos um dos projetos, o P. A. Vitória Régia, já recebeu

os benefícios do Projeto ABC da Cidadania, de alfabetização de adultos no campo, dentro do

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera. Mas infelizmente esse benefício

Fotos: L. Machado, julho/2001

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só foi concedido durante o ano de 2000, muito embora a demanda e a expectativa pelo seu

retorno ainda sejam grandes.

Com relação à saúde, a prefeitura municipal de Aragominas proporciona atendimento

médico-hospitalar em quase todas as cidades. O transporte coletivo atende várias localidades da

região. Contudo, as condições precárias de algumas estradas que levam aos projetos, às vezes,

tornam esse serviço inviável.

7.2.3. Perfil socioeconômico dos assentados

Com base nos dados levantados nos P. A. Vitória Régia e Reunidas e que, de acordo com

os técnicos do Incra, podem ser estendidos para os demais projetos da região, a origem dos

assentados é majoritariamente nordestina, num total de 50% dos assentados provenientes dos

estados do Maranhão, Piauí e Ceará. No entanto, uma quantidade considerável de assentados

nasceu no próprio estado (35%). Esse fato remete-nos à ponderação de que na região de

Araguaína o processo de expansão da fronteira agrícola está sendo desenvolvido por uma

“segunda geração” de migrantes, isto é, filhos de migrantes vindos de outras regiões do país, mas

que já nasceram no estado do Tocantins. Essa assertiva adquire maior respaldo quando se

considera a localização da região de estudo nas proximidades da área do Programa Grande

Carajás, tido como pólo de forte atração de migrantes nas décadas 1970 e 1980.

Por outro lado, mesmo em se tratando de uma região considerada rica e bem desenvolvida

em relação ao restante do estado, os rendimentos alcançados pelos assentados com a produção

agrícola é bastante reduzido. 77% das famílias declararam ter renda anual inferior a R$ 500,00;

15%, entre R$ 500,00 e 1.000,00; 5%, acima de R$ 1.000,00 e 3% afirmaram não ter renda alguma.

Num total de 65 famílias pesquisadas, 60% obtêm sua renda com o desenvolvimento de

atividades outras que não a agricultura e a pecuária (provavelmente pelo recebimento de diárias

por serviços prestados nas redondezas) e 8% têm membros na família recebendo pelo trabalho

assalariado.

Esse quadro reflete a baixa importância desses projetos em termos de desenvolvimento

local. Uma explicação para esse fato, dada por técnicos do Incra, está relacionada à idade do

assentamento, que ainda não permite a formação de um sistema de produção estabilizado e com

retorno satisfatório para os assentados. Muito embora a região seja dominada pelo sistema de

produção baseado na pecuária de corte e leite (inclusive nos projetos de assentamento), grande

parte das famílias assentadas desenvolve atividades relacionadas ao cultivo de pequenas roças,

destinadas exclusivamente ao sustento familiar.

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Todos os projetos são o resultado de desapropriações de antigas fazendas existentes na

região, onde dominava, desde tempos remotos – e ainda domina naquelas que não foram

desapropriadas –, a atividade pecuária, tida na região como símbolo de progresso. Tanto assim

que o slogan da cidade mais próxima é: “Santa Fé do Araguaia, a cidade do boi gordo (onde o

progresso continua)” – Figura 7.4. Um outro indicador da importância dessa atividade na região é

a existência de uma segunda moeda, que é a arroba de boi, cotada em julho de 2001 entre

R$ 36,00 e R$ 42,00.

Figura 7.4 – Propaganda da cidade de Santa Fé do Araguaia, “a capital do boi gordo!”

Outra característica peculiar dos assentados é o interesse bastante difuso com relação às

atividades a serem desenvolvidas em cada parcela. Marcadas pela produção individual – ou

familiar –, algumas famílias optam pelo tradicional sistema de pecuária extensiva, associado com a

criação de pequenos animais (porco e galinha) e a implantação de culturas de subsistência ou

lavouras brancas (milho, arroz e feijão). Essas atividades, por sua vez, são responsáveis pela

mudança no padrão de desflorestamento observado entre os anos 1996 e 1999 e que será

discutido mais adiante.

Outros gostariam de desenvolver atividades mais voltadas à manutenção da floresta e

preservação de seus recursos, tais como sistemas agroflorestais e projetos de fruticultura e

reflorestamento. No entanto, a falta de mais informações e a deficiência de serviços de assistência

técnica e acompanhamento são considerados fatores que inviabilizam o bom desenvolvimento

dessas atividades.

Por estarem localizados nas margens do rio Araguaia e, conseqüentemente, próximos a

praias que se formam com a diminuição do nível das águas e que são bastante freqüentadas pelos

Foto: L. Machado, julho/2001

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turistas no verão, esses projetos oferecem a alguns de seus assentados a possibilidade de usufruir

uma fonte adicional de renda. Essa renda é obtida com a venda de pescado aos comerciantes que

montam as barracas naquelas praias para atender os turistas ali acampados (Figura 7.5). Essas

barracas são também construídas pelos próprios assentados, utilizando como matéria-prima

palhas de diferentes palmeiras que ocorrem em abundância na região. A importância recebida pelo

peixe varia de R$ 2,50 a R$ 3,00/quilo; enquanto que, pelas barracas, recebem R$ 200,00/barraca.

Figura 7.5 – Ribeirinho assentado no P. A. Vitória Régia, preparando peixe para ser vendido na Praia do Escapole (rio Araguaia)

7.2.4. Aspectos institucionais do assentamento

As famílias dos projetos de assentamento estão organizadas, via de regra, em associações

de produtores rurais ou assentados, criadas não apenas para a obtenção de créditos, mas também

para melhorar a qualidade de vida de seus associados. Grosso modo, pode-se dizer que essa função

vem sendo desenvolvida com eficiência e empenho por parte dos representantes eleitos. Um

exemplo disso foi a implantação do Pronera no P. A. Vitória Régia. Conforme mencionado, esse

programa só funcionou durante o ano de 2000, mas esforços estavam sendo despendidos pela

associação, na pessoa de seu presidente e do empreendedor do Incra, para tentar trazer de volta esse

benefício.

Por intermédio das associações, algumas famílias já estão recebendo recursos do Programa

Bolsa-Escola. Esse programa, administrado pela prefeitura, concede a elas R$ 15,00 por criança

colocada na escola, num máximo de três crianças por família. A abrangência do programa ainda é

bastante limitada, atendendo apenas nove famílias do Projeto Vitória Régia, as quais tiveram de

passar por um processo de seleção, realizado por funcionários da prefeitura.

Foto: L. Machado, julho/2001

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Na época da seca, as associações também têm um papel importante, qual seja a

organização dos assentados em mutirões de controle e combate a incêndios e queimadas,

decorrentes do uso do fogo para limpeza de áreas de cultura e renovação de pastagens. Outras

atividades referem-se à coordenação de atividades de lazer, como torneios de futebol e almoços

comunitários.

Em termos regionais, deve-se ressaltar mais uma vez a atuação do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais na organização das ocupações, fato que resultou na criação dos projetos de

assentamento hoje existentes na região. Por outro lado, a atuação da CPT na região, e mais

especificamente no município de Aragominas, ainda é bastante modesta. De grande influência na

região do Bico do Papagaio, a CPT passou a atuar na região de Araguaína há pouco tempo, com a

vinda de alguns representantes que se instalaram na cidade de Araguaína.

7.2.5. Condições ambientais e desflorestamento nos projetos de assentamento

Em razão da localização e da situação do imóvel no momento da criação dos

assentamentos, alguns projetos ainda mantêm boa parte da cobertura vegetal original, tipicamente

florestal (e.g. P. A. Vitória Régia). Todavia, a análise multitemporal das imagens de satélite que

cobrem a região mostra claramente uma mudança no padrão de desmatamento, provocada pela

abertura de pequenas áreas destinadas ao desenvolvimento da agricultura familiar de subsistência.

É importante destacar que a implantação dessa atividade se dá, via de regra, em áreas de

floresta, haja vista a dificuldade em se plantar culturas anuais em áreas de pastagens, uma tarefa

que, com a utilização de ferramentas manuais, seria hercúlea, mesmo para os assentados mais

fortes. Outrossim, como destacado no 14o Relatório do IAG, a falta de assistência técnica e

extensão rural – principal problema dos assentamentos visitados – força a dependência do colono

quanto às “lavouras brancas” e isso contribui significativamente para o aumento do uso do fogo,

com conseqüências negativas adicionais e significativas em termos de desflorestamento.

Para Fearnside (1997), a intensidade do desmatamento é inversamente proporcional ao

tamanho da propriedade: a intensidade de derrubada de árvores em áreas ocupadas por pequenos

agricultores é bem maior do que nas médias e grandes propriedades. Dessa forma, se as grandes

fazendas fossem redistribuídas em pequenas glebas, o desmatamento certamente aumentaria. De

fato, a análise visual de algumas imagens disponíveis mostra a ocorrência de pequenos

desflorestamentos, típicos de atividades desenvolvidas pela pequena agricultura, ocorridos entre

1996 e 1999, portanto, após a criação dos projetos de assentamento. Entretanto, embora não se

disponha de dados numéricos acerca das taxas de desflorestamento bruto, em escala municipal,

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essas mesmas imagens colocam em evidência um incremento significativo das áreas desflorestadas

entre os anos 1992 e 1996 – isto é, antes da criação dos projetos de assentamento –, refletindo,

muito provavelmente, um aumento das áreas de pastagens e a expansão da atividade pecuária

praticada pelos antigos fazendeiros.

Por outro lado, um estudo mais abrangente sobre a região de Barreira Branca indica que

aquelas assertivas podem se tornar verdadeiras, em razão do descompasso entre políticas federais

e estaduais, de desenvolvimento e conservação, que estão sendo ali implementadas por seus

respectivos agentes governamentais. Se for verdade que os pequenos – ou assentados – desmatam

e degradam o ambiente, também é fato que o fazem por não terem outra alternativa, em face da

exploração e da espoliação a que estão sujeitos. A pressão econômica e social impede-os de

realizar investimentos e benfeitorias, tais como culturas permanentes, que seriam mais indicadas

em termos ecológicos do que a abertura constante de novos roçados (Sawyer, 1995). O

desenvolvimento de culturas perenes e sistemas agroflorestais, além de proporcionar vantagens

econômicas e sociais, contribuiria também para que o uso do fogo fosse evitado.

Quanto à preservação ambiental, é importante ressaltar que alguns projetos (P. A.

Reunidas e Vitória Régia) têm como um dos seus limites o rio Araguaia que, por suas dimensões,

exige a preservação permanente de uma faixa de, no mínimo, 500 m de largura ao longo de cada

margem (art. 2o, Lei no 4.771, de 1965). Ocorre, porém, que, no momento da criação do projeto,

constatou-se a presença de algumas famílias de ribeirinhos que já viviam nas margens do referido

rio muito antes do processo de ocupação promovido pelo STR. Diante dessa situação e em nome

da manutenção dos costumes tradicionais dessas famílias (pesca, caça e roças de subsistência), os

técnicos do Incra responsáveis pelo acompanhamento do projeto decidiram mantê-las em suas

respectivas áreas, com a condição de, terminada a colheita da roça já plantada, essa fosse

abandonada e transferida para áreas “legalmente” destinadas a esse fim, ou seja, fora da área de

preservação permanente.

7.3. A conservação das florestas em Barreira Branca: que alternativas?

A não-implementação da proposta inicial de criação da Reserva Biológica Barreira Branca

e ainda o fato de já ter sido criado um “complexo de assentamentos” fizeram com que a área

destinada à conservação dos recursos naturais ali existentes ficasse bastante comprometida.

Atualmente, a proposta da Seplan é bem mais modesta e abrange cerca de 10 mil hectares em

áreas que ainda não foram destinadas a projetos de reforma agrária e que se constituem em duas

fazendas particulares (Três Ilhas e Barreira Branca). Além disso, o órgão pretende propor ao

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proprietário da Fazenda Malasca, especializada na criação de novilhas precoces, a criação de uma

Reserva Particular do Patrimônio Natural na área do imóvel mantida como reserva legal (cerca de

15 mil hectares), assegurando, dessa forma, a preservação de parte dos recursos ainda existentes

na região (Figura 7.6). Em termos concretos e relativos à criação da ReBio Barreira Branca, esse é

o cenário que se apresenta para a região.

Figura 7.6 – Síntese da ocupação em Barreira Branca: projetos de assentamento criados com a desapropriação de antigas fazendas, áreas propostas para a criação da ReBio Barreira Branca e

Reserva Particular da Fazenda Malasca

Por outro lado, ainda que pequenos desmatamentos, típicos do desenvolvimento de

atividades relacionadas à pequena agricultura, já tenham seu lugar na região, esse processo poderia

ser revertido, caso houvesse políticas de incentivo à manutenção da floresta. Em outras palavras, a

prática de atividades que implicam a remoção da floresta por parte dos assentados se dá, em

grande medida, pela falta de alternativas para o desenvolvimento sustentável do assentamento.

P. A. Reunidas

P. A. Vitória Régia

P. A. São Gabriel

P. A. Mogno

P. A. Dois Corações

Fazenda Cheyenne

Proposta inicial da ReBio Barreira Branca

P. A. Baviera

Fazenda Malasca (perímetro aproximado)

Área potencial para a criação de uma Reserva Particular de

Patrimônio Natural

Área destinada à criação da ReBio Barreira Branca em 2001

– limites aproximados

aprox. 10 km

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Por exemplo, a falta de capacitação dos agentes responsáveis pela extensão rural e de

transferência de tecnologia para pequenos e médios produtores rurais é um fator limitante ao

desenvolvimento de atividades sustentáveis. Isso refere-se não apenas aos técnicos do órgão

estadual de extensão rural – Ruraltins, como também àqueles que prestam serviços ao Incra, na

qualidade de agentes facilitadores.

Problemas orçamentários, escassa possibilidade de ação operativa, falta de treinamento do

quadro atual e baixa incorporação de novos quadros técnicos são algumas manifestações da crise

em que se encontra o processo de extensão rural no país. É nesse sentido que Guanziroli e

colaboradores (2001) escrevem que o sistema de extensão rural brasileiro como um todo enfrenta

uma crise que se manifesta com a perda da legitimidade pública da extensão rural diante da classe

política e da sociedade civil, além da crise dos paradigmas que tradicionalmente a orientam, que

têm sua origem na crescente globalização da economia internacional, nas transformações

ocorridas nos setores agrícola e rural e nos papéis que, nesse contexto, são atribuídos aos

organismos privados e ao aparelho do Estado.

A percepção de que os modelos tradicionais de assistência técnica e extensão rural

vigentes no país desde a década de 1950 estão esgotados e de que é necessária uma nova visão

para adaptá-los às grandes transformações que acontecem na agricultura e na economia mundial

está provocando debates nas Câmaras Técnicas do Conselho de Desenvolvimento Rural

Sustentável (CNDRS), que conta, entre outros, com a participação dos movimentos sociais, por

meio da Contag. Todavia, os reflexos dessas mudanças ainda não foram sentidos, pelo menos não

nos assentamentos da região de Barreira Branca, que, quando assistidos, contam com um serviço

baseado em pacotes tecnológicos não adaptados à realidade local ou em “receitas” que incluem a

aquisição de “dez matrizes e um boi”. Dessa forma, mesmo que haja diferentes linhas de

financiamento, as quais levam em conta a manutenção da floresta – Prodex, Proderur, Profloresta,

etc. –, os projetos apresentados pelos técnicos responsáveis, uma das exigências para o

financiamento, consideram apenas o desenvolvimento de atividades relacionadas à agricultura de

pequena escala ou pecuária bovina.

É importante ressaltar, contudo, que os solos amazônicos não sustentam uma

produtividade satisfatória por mais de dois ou três anos sem investimentos em insumos e

fertilização. Além disso, as elevadas umidade e temperatura da região fazem com que o

surgimento de pragas e o crescimento de ervas daninhas seja inevitável. Vem daí a característica

itinerante dessas atividades. Nesse contexto, a agricultura orgânica, o sistema de policultivo com

rotação de culturas e os sistemas agroflorestais ou agrossilvopastoris podem ser alternativas

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viáveis, com aumento da produtividade, a redução de investimentos em correção dos solos e

agrotóxicos e, por conseguinte, a não-abertura de novas áreas para a implantação de culturas

anuais.

Nos projetos visitados, foi possível perceber que essas alternativas, se bem orientadas,

podem ser implementadas com grandes chances de sucesso. Da mesma forma, o manejo florestal,

assim com as demais atividades relacionadas à exploração florestal, uma vez valorizados, também

podem ser uma alternativa bastante interessante para os assentados, não apenas no que tange à

preservação dos recursos ainda disponíveis, como também em relação ao interesse manifesto de

algumas famílias pelo desenvolvimento de atividades voltadas à conservação da natureza e de seus

recursos. Todavia, a falta de conhecimento e informação sobre as tecnologias disponíveis, aliada à

falta de estudos de mercado para viabilizar a comercialização de produtos florestais, faz com que

atividades dessa natureza não tenham peso no contexto local e, menos ainda, estadual.

Em suma, a percepção da Amazônia rural precisa se tornar mais combinatória e menos

compartimentalizada (Sawyer, 1995). Na fronteira amazônica, os produtores não se distinguem

em categorias estanques de “agricultor”, “pecuarista” ou “extrativista”; eles extraem produtos da

floresta para sua subsistência e para o mercado, quando este existe, plantam suas culturas de

subsistência e criam o seu gado, nem que seja para o leite de todo dia, ou para vender queijo na

feira. Ainda segundo aquele autor, essa mistura de atividades é bastante adequada aos pequenos

produtores e agricultores familiares, por exigir alto grau de motivação, que não é encontrado no

trabalhador assalariado; além de ser altamente sensível a mudanças imprevisíveis, inadmissíveis a

empresas capitalistas.

Uma outra limitação à preservação e manutenção das florestas em pé relaciona-se ao

monitoramento das atividades desenvolvidas nos projetos criados. A falta de recursos humanos e

financeiros limita o acompanhamento de atividades de médio e longo prazo, como é o caso das

atividades de base florestal. Sobre esse tema vale mencionar que, para suprir a crescente demanda

por serviços de extensão rural e assistência técnica, o Incra firmou um convênio com

organizações não-governamentais e cooperativas de técnicos do extinto Projeto Lumiar, que foi

uma experiência de assistência técnica criada em 1997 para atender os assentados da reforma

agrária. Todavia, esses convênios têm sido estabelecidos por um período máximo de seis meses,

após o que podem ou não ser renovados, ou ainda redirecionados a outros projetos,

inviabilizando o desenvolvimento de atividades de uso sustentável da floresta.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO

Os projetos de assentamento e reforma agrária implantados pelo Incra na Amazônia nos

últimos 30 anos têm sido motivo de intensos debates, não só entre os segmentos diretamente

envolvidos com a questão fundiária no Brasil, como também por parte da sociedade civil em

geral, pesquisadores e cientistas e também pelos diferentes órgãos de governo, em seus diferentes

níveis. Grosso modo, o tema figura nos debates como uma das principais causas das alterações que a

região vem sofrendo, sobretudo em termos de aumento do desflorestamento.

Todavia, a reforma agrária, em seu sentido estrito, nunca aconteceu de fato na Amazônia.

Nessa região prevaleceu, por muitos anos, uma política de colonização e ocupação de “espaços

vazios”, que, ao mesmo tempo em que buscava aliviar as tensões surgidas em outras regiões – seja

por causa da seca no Nordeste ou da modernização da agricultura e êxodo rural no Sul –

propunha-se a integrar a Amazônia ao resto do país. Em tempos mais recentes, essas ações vêm

sendo substituídas por uma política de distribuição de terras – mas não necessariamente de

democratização do seu acesso –, implementada por meio da desapropriação de grandes imóveis

rurais e latifúndios improdutivos. Nesse sentido, o governo de Fernando Henrique, iniciado em

1995, figura como um caso exemplar.

Por outro lado, no que tange às questões de justiça social e melhoria da qualidade de vida

das populações rurais, as políticas agrárias ainda deixam muito a desejar. Muito embora os debates

continuem, culminando com algumas ações conjuntas, em termos concretos, a política agrária

vem se desenvolvendo de maneira isolada das demais políticas governamentais. Nesse contexto,

não dispõe de mecanismos suficientes e capazes de manter as famílias assentadas no campo e

tampouco de promover o seu desenvolvimento de forma adequada e sustentável. Os resultados

dessas ações traduzem-se, em muito casos, na derrubada da floresta, mesmo para a população

assentada em áreas já desmatadas. Esta, por sua vez, passa a intervir em áreas de reserva legal ou

invade outras florestas, públicas ou particulares, em busca de produtos – em geral madeireiros –

que possam representar uma forma de substituir os créditos agrícolas, que normalmente chegam

ao colono em uma fase posterior.

Essa falta de interação e articulação entre as políticas – sobretudo ambientais e agrárias –

pôde ser claramente evidenciada na região estudada, onde projetos de assentamento continuam

sendo implantados em áreas de floresta primária, atestando a ineficácia na implementação de

medidas que visam a preservar o patrimônio natural do país, tais como a edição da

Portaria/MEPF/no 88/99. Mesmo que tal dispositivo legal tenha previsto uma exceção à regra

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para o caso dos projetos de assentamento agroextrativistas, esta não é a condição do último

projeto criado na área, em outubro de 2001, o Projeto de Assentamento São Gabriel.

Agravando ainda mais a situação, a criação desse projeto em área já ocupada pelas famílias

hoje assentadas também fere o disposto no art. 4o, §6o, da Medida Provisória no 2.109-52, também

de 2001, que determina que o imóvel rural de domínio público ou particular, objeto de invasão

motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não será vistoriado, avaliado ou

desapropriado nos dois anos seguintes a sua desocupação.

Os resultados mostraram também que o fato de os projetos de assentamento terem sido

criados em áreas de antigas fazendas destinadas à pecuária intensiva, muito antes de se constituir

em causa de aumento das taxas de desflorestamento verificadas, implica, na verdade, uma

mudança no padrão de desflorestamento. Muito embora não existam dados quantitativos que

reforcem essa premissa, as imagens de satélite analisadas mostram que os desflorestamentos

ocorridos na região de Barreira Branca após a criação dos projetos de assentamento envolvem

áreas esparsas e pequenas, típicas da prática da agricultura itinerante.

Mas o fato mais grave que tem sido verificado no estado do Tocantins, não só na região

de Barreira Branca, como também no Bico do Papagaio, é que, a despeito do empenho de alguns

órgãos estaduais – em especial a Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente – na elaboração do

Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) para o estado, o qual conta com apoio integral do

PPG-7, por meio dos recursos aplicados pelo PGAI, as políticas setoriais continuam sendo

elaboradas de forma desconcertada e sem levar em conta a complexidade do ambiente natural em

que se inserem, qual seja, uma área de transição entre dois importantes biomas brasileiros. Mesmo

após a seleção de áreas prioritárias para a conservação dos recursos naturais pelo ZEE, seleção

esta amplamente divulgada em publicações da Seplan e de outros órgãos estaduais, o Incra, no

cumprimento de metas federais, continua atuando nessas áreas, promovendo sua ocupação por

meio da criação de projetos de assentamento que não contam com planos de desenvolvimento e

tampouco de infra-estrutura adequados às condições da região, bastante rica em biodiversidade.

Em face de tais condições, não é exagero propor uma indagação acerca da aplicabilidade

de instrumentos de comando e controle, tais como o ZEE, em fase final de elaboração no estado

e para o qual foi dispensada importante soma em recursos financeiros e humanos. Até que ponto

esse instrumento de gestão do território, elaborado com base em levantamentos de campo e

participação de diferentes segmentos da sociedade – procedimento também adotado na definição

da Agenda Positiva da Amazônia, que teve como um dos resultados a publicação das portarias

mencionadas anteriormente –, não será mais um conjunto de normas que, em virtude da

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inoperância dos serviços de fiscalização e monitoramento, simplesmente deixam de ser

cumpridas?

Da mesma forma, fica bastante difícil pensar o desenvolvimento de atividades sustentáveis

em um estado que vem investindo pesadamente no desenvolvimento de grandes projetos

agropecuários, mesmo que isso implique perda da cobertura florestal remanescente. Em outras

palavras, para reverter o quadro do desflorestamento hoje observado no Tocantins e, em

particular, na região de Barreira Branca, seria necessário vencer a concorrência imposta pelas

atividades agropecuárias, com a implementação de políticas públicas eficientes e eficazes de

valorização dos espaços florestais e conservação da biodiversidade, ou com a aplicação de

instrumentos econômicos e de comando e controle. E isso é válido não somente para os projetos

de assentamento, como também para as outras formas de ocupação e exploração dos recursos

naturais que impliquem a derrubada da floresta.

Na atual conjuntura econômica, política e institucional, as ações a serem implementadas

para o controle do processo de desflorestamento na Amazônia devem caminhar no sentido de

aumentar a tributação sobre terras improdutivas ou ociosas, valorizando aquelas em que se

desenvolvam atividades relacionadas à manutenção da cobertura florestal; além de direcionar a

criação de novos assentamentos para áreas estratégicas, com infra-estrutura mínima de acesso e

mercado capaz de absorver a produção local. Também devem implicar capacitação e melhoria dos

quadros institucionais envolvidos com a questão da produção agrícola familiar, oferecendo

alternativas tecnológicas que tragam retorno econômico, mas com custos ambientais reduzidos.

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