Reflexões Sobre Políticas de Drogas No Brasil

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    1 Faculdade de Medicina da

    Bahia, Universidade Federal

    da Bahia. Praa XV de

    novembro s/n, Largo do

    Terreiro de Jesus.

    40025-010 Salvador BA.

    [email protected]

    Reflexes sobre Polticas de Drogas no Brasil

    Reflections on Drug Policies in Brazil

    Resumo Este artigo trs algumas reflexes sobreas polticas de drogas no Brasil, desde os momen-tos iniciais do enfrentamento do HIV/AIDS entreos usurios de drogas injetveis. Nos dois primei-ros captulos, tendo como ponto de partida os pro-gramas de trocas de seringas (PTS), o autor abor-da o percurso da Poltica de Reduo de Danos noBrasil e o papel nela desempenhado pelo Departa-mento de DST, AIDS e Hepatites Virais. O tercei-ro captulo traz as aes desenvolvidas pela Coor-denao Nacional de Sade Mental lcool e ou-tras Drogas e pela Secretaria de Polticas sobreDrogas - SENAD, a partir da retrao do Depar-tamento de DST e AIDS nas polticas sobre dro-gas, bem como o surgimento do PEAD e do PlanoCrack, enquanto planos emergenciais para fazerface ao aumento do consumo de crack no pas. Noquarto e quinto captulos so discutidos os dispo-sitivos da atual poltica brasileira sobre drogas,suas limitaes vinculadas, sobretudo, fragili-dade da Estratgia Sade da Famlia, e so anali-sadas criticamente algumas das aes previstas noPEAD e no Pano Crack. No sexto captulo oautor trs os efeitos da represso em nome do com-bate ao trfico na poltica brasileira sobre drogas,tendo como pano de fundo a marginalizao e aexcluso social dos usurios. Por fim, so apre-sentadas algumas proposies para a Poltica delcool e Drogas no Brasil.Palavras Chaves Sade pblica, Polticas de dro-gas, Reduo de danos, Brasil

    Abstract This article contains some reflectionson drug policies in Brazil. In the first two chap-ters, taking the needle exchange programs (SEPs)as the starting point, the author discusses the tra-jectory of the Harm Reduction Policy in Braziland the role played in it by the Department ofSTD, AIDS and Viral Hepatitis. The third chap-ter examines the actions developed by the Na-tional Coordination of Mental Health, Alcoholand Other Drugs and the Office of Drug Policies -SENAD, after the retraction of the Department ofSTD and AIDS from drug policies, as well as theintroduction of PEAD and the Crack Plan inthe country. In the fourth and fifth chapters theprovisions of the current Brazilian policy on drugsand its limitations related mainly to the fragilityof the Family Health Strategy are discussed, andsome of the actions foreseen in the PEAD and theCrack Plan are critically analyzed. In the sixthchapter the author examines the effects of repres-sion in the name of combating trafficking in theBrazilian policy on drugs having as backgroundof the marginalization and social exclusion ofusers. Finally, some proposals are presented forthe Alcohol and Drugs Policy in Brazil.Key words Public health, Drug policies, Harmreduction

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    1. Drogas injetveis e AIDS: novo rumopara as polticas de sade relacionadasao uso de drogas no Brasil

    A ateno clnica ao uso de drogas na esfera p-blica no Brasil, at o incio dos anos 90 do sculopassado, estava a cargo dos Centros de Refern-cia Nacional. Em nmero de seis, estes centrostinham a influncia do pensamento de ClaudeOlievenstein, diretor do Center Medical Marmo-tan, em Paris.

    No final dos anos oitenta, sob coordenaodo Ministrio da Sade, particularmente da Co-ordenao Nacional de DST/AIDS (CN-DST/AIDS), hoje Departamento de DST, AIDS e He-patites Virais, comearam as primeiras reuniesmotivadas pelo aumento da prevalncia de HIV/AIDS entre usurios de drogas injetveis (UDI).Em 1989, deu-se a primeira tentativa brasileirade fazer funcionar um programa de trocas deseringas (PTS) entre usurios de drogas injet-veis (UDI), em Santos SP, cidade com papel dedestaque na Reforma Psiquitrica no Brasil.Abortado pela Promotoria local, embora o PTSda cidade de Santos no tenha se efetivado, asnegociaes entre os operadores da Sade Pbli-ca e os do Direito resultaram na sua suspenso,mas tambm no arquivamento do inqurito po-licial contra os tcnicos envolvidos, evitando, comisto, o precedente que poderia vir a impedir ou-tros Programas desta natureza no Brasil1. Em1995, foi efetivado em Salvador, Bahia, o primei-ro PTS do Brasil e na Amrica Latina2.

    Em vrias partes do mundo, a exemplo daEuropa, dos Estados Unidos e da Austrlia, e noBrasil no foi diferente, os olhares das polticaspblicas de sade comeavam a se voltar para aspessoas que usavam drogas, pela ameaa de quea epidemia de HIV/AIDS fugisse ao controle apartir desta populao. Na primeira metade dadcada de noventa do sculo passado, um acor-do entre o Governo Brasileiro e o Banco Mun-dial, envolvendo recursos da UNODC UnitedNations Office on Drugs and Crime, possibili-tou uma srie de projetos de ateno ao uso dedrogas injetveis, incluindo trocas de seringas3.Iniciou-se, ento, atravs da CN-DST/AIDS umconjunto de aes de reduo de danos voltadopara o controle do HIV e de outras infeces detransmisso parenteral entre UDI. Entre 1995 e2003 foram abertos mais de 200 Programas deReduo de Danos (PRD), muitos deles incluin-do troca de seringas, e quase todos com recursosda CN-DST/AIDS. Em vrios pontos do pas leismunicipais autorizaram o funcionamento dos

    PTS e os trabalhadores deste campo progressi-vamente foram se organizando em associaes,a exemplo da ABORDA (Associao Brasileira deRedutores de Danos), criada em 1997 e da RE-DUC (Rede Brasileira de Reduo de Danos), em1998, alm de vrias associaes Estaduais deRedutores de Danos4. Progressivamente as aesdos PRD foram ampliadas a outras populaesque no apenas os UDI, tais como presidirios,meninos de rua, profissionais do sexo, usuriosde crack e usurios de anabolizantes, tudo comintenso protagonismo de tcnicos do GovernoFederal, que constituam dentro do PN-DST/AIDS, uma importante equipe de apoio e incenti-vo a estes programas.

    De uma prtica mdico sanitria de preven-o ao HIV/AIDS, reduzida muitas vezes a umanica ao, a da troca de seringas, ao longo desua execuo a reduo de danos evolui para aconcepo atual de uma poltica de sade cujosprincpios e prticas, sem condicionar absti-nncia, tem como objetivos reduzir os danos e osriscos relacionados ao uso de drogas, pautadosno protagonismo da populao alvo, no respei-to ao indivduo e no direito deste s suas drogasde consumo5.

    2. Avanos e recuos da poltica de Reduode Danos e suas consequnciaspara as polticas de drogas no Brasil.

    Observaes recolhidas pelos PRD no Brasil du-rante o trabalho de campo informavam que osUDI estavam se tornando mais seletivos, restrin-giam o uso injetvel cocana de melhor quali-dade e muitos migraram para o uso de crack2,6.Por outro lado, moradores das comunidadesatendidas pelos PRD, os quais no incio acusa-vam os redutores de danos de incentivarem oconsumo de drogas, progressivamente passavama colaborar com estes Programas. Aos poucos,no imaginrio da populao brasileira, inclusivedos prprios UDI, foi ganhando corpo a associa-o entre drogas injetveis e HIV/AIDS.

    Os primeiros PTS do Brasil enfrentaram gran-de resistncia de vrios setores da sociedade, osquais viam a troca de seringas como ilegal e umaforma de incentivo ao consumo de drogas; sub-jacente a este modo de pensar estava o preconcei-to contra os usurios de drogas manifesto emargumentaes do tipo como prover seringaspara UDI se faltam ao pas tantas outras aes desade para a populao em geral? Contudo, seutilizando das experincias de outros pases, mui-

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    tas delas publicadas em revistas de elevado con-ceito cientfico, trazendo evidncias de que os PTSsalvavam vidas, no aumentavam o consumo dedrogas e ofereciam grande vantagem na relaocusto-benefcio para governos e populaes7,8, aospoucos os PRD no Brasil foram se fortalecendo,passando a ser reconhecidos internacionalmentecomo uma importante estratgia do bem sucedi-do Programa Brasileiro de DST/AIDS, um mode-lo para pases em desenvolvimento.

    Resultados de estudos multicntricos, a exem-plo dos Projetos Ajude Brasil9, que mapeou asprticas de consumo entre os UDI, bem como oscomportamentos de risco para infeces peloHIV, HTLV I/II e Hepatites, e os cuidados adota-dos em relao aos mesmos, quando compara-dos a estudos anteriores, revelaram aumento douso de preservativos e reduo do compartilha-mento de seringas e da prevalncia de HIV, o quesem sombra de dvida deve ser creditado ao con-junto das aes da CN-DST/AIDS, mas certa-mente tambm eficcia das aes de RD10.

    Longe de ser linear, a Poltica de RD no Brasilteve seus momentos de avanos e de recuos, evi-denciando ambivalncias enquanto poltica deestado. Edificada a partir das iniciativas do Go-verno Federal, em particular da CN-DST/AIDS,das universidades e de organizaes da socieda-de civil, esta poltica contava com uma participa-o bem menos expressiva dos estados e munic-pios. A transferncia de responsabilidade sobre adisponibilizao dos recursos para as aes deRD do Governo Federal para os estados e muni-cpios, ocorrida a partir do ano de 2003, emboraem princpio correta, considerando que competea estes ltimos a execuo das polticas de sade,foi tecnicamente inadequada, uma vez que, salvoraras excees, os estados e municpios no deti-nham a cultura nem o conhecimento necessriopara a continuidade e a expanso destas aes. Oresultado foi a desarticulao do j construdo ea acentuada reduo do nmero de PRD no Bra-sil. Um verdadeiro retrocesso do que vinha sen-do conseguido atravs de trabalho rduo e denegociaes polticas que possibilitaram o avan-o das aes de Reduo de Danos para grandeparte do territrio nacional.

    Em 2003, segundo dados da OMS11 o Brasilcontabilizava 279 PRD. Com a transferncia dosfinanciamentos do Ministrio da Sade para osestados e municpios, a partir de 2004 houve umrpido declnio do nmero destes Programas.Dos 136 PRD ainda existentes em 2005, os 45 queresponderam ao questionrio de um estudo rea-lizado por Massard e cols. revelaram grande fra-

    gilidade em seu funcionamento: 85,8% tinha equi-pe tcnica constituda por autnomos ou volun-trios; apenas a metade tinha equipes com coor-denador, supervisor e redutor de dano e a quasetotalidade ainda dependia exclusivamente de re-cursos federais12.

    Nesse mesmo ano de 2003, quase todos ostcnicos da CN-DST/AIDS que haviam partici-pado ativamente da expanso e da qualificaodos PRD no Brasil, no tiveram seus contratosde trabalho renovados. Aes como a RD empresdios identificadas como modelos de boasprticas em alguns estados brasileiros tambmdeixaram de receber o suporte necessrio suacontinuidade.

    J em 1993, o mdico Fbio Mesquita, umdos pioneiros, principal protagonista e detentordas posies mais avanadas no campo da Re-duo de Danos, havia sido demitido do cargode Coordenador da Preveno e da prpria Co-ordenao Nacional de DST/AIDS. Em 1995, estamesma Coordenao Nacional, que havia repas-sado recursos ao Governo da Bahia para o fun-cionamento do primeiro PTS, tentou impedir oseu incio com o argumento que era extempor-neo e que o pas no estava preparado para isto.

    3. Novos atores, novas aesem ateno ao uso de drogas no Brasil.

    Em paralelo retrao da CN-DST/AIDS, a Co-ordenao Nacional de Sade Mental, lcool eoutras Drogas/DAPES/SAS/MS e a SecretariaNacional de Poltica Sobre Drogas - SENAD/Mi-nistrio da Justia, embora com algumas diver-gncias sobre a sua conduo, assumem papelrelevante para as polticas de ateno ao uso delcool e outras drogas. Entre as aes desenvol-vidas pela SENAD esto o realinhamento da Po-ltica Nacional Antidrogas, a criao da Rede dePesquisa sobre Drogas, em parceria com o Insti-tuto de Drogas e Toxidependncia IDT de Por-tugal, e a criao do SUPERA Sistema para De-teco do Uso Abusivo e Dependncia de Substn-cias Psicoativas: Encaminhamento, intervenoBreve, Reinsero Social e Acompanhamento, umcurso distncia envolvendo 5.000 profissionaisda sade e da assistncia social, no momento emsua quarta edio. Entre as aes desenvolvidaspela Coordenao Nacional de Sade Mental,lcool e Outras Drogas destaca-se a ampliaoda rede CAPSad Centro de Ateno Psicossocialem lcool e outras Drogas como dispositivos decuidados para a populao de usurios de dro-

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    gas a partir de 2002, a qual, embora ainda muitoaqum da necessidade, em dezembro de 2010 con-tava com 258 Centros desta natureza.

    Com o progressivo aumento e visibilidadedo consumo de crack, cujos registros no Brasildatam do incio dos anos noventa13, em 2009 foilanado pelo governo Federal o PEAD PlanoEmergencial de Ampliao do Acesso ao Tratamentoe Preveno em lcool e outras Drogas14, segui-do, em 2010, pelo O Plano Crack - Plano deintegrao das aes voltadas para a preveno,tratamento e reinsero social de usurios de cra-ck e de outras drogas.

    4. Polticas de drogas e Ateno Bsicaem Sade no Brasil

    Diante da acentuada vulnerabilidade social e dascarncias no campo da sade, educao e segu-rana pblica das populaes menos favorecidas,sobretudo daquelas vivendo nas periferias das ci-dades grandes e de mdio porte, em particular daspessoas que fazem uso de drogas ilcitas, uma po-ltica de Estado que integrasse a ateno a todasestas deficincias seria, sem dvida, um elementoimportante na resoluo do problema. Com estepropsito, foram concebidos o PEAD e o PlanoIntegrado de Enfrentamento ao Crack e outrasDrogas - Plano Crack14-16. Entretanto, estes Pla-nos foram institudos num contexto de pnicosocial relacionado ao uso de crack e de grandefragilidade estrutural, haja vista a carncia de aesde comunitrias junto aos usurios de drogas. OsProgramas de Ateno Bsica em Sade, cujo prin-cipal motor a Estratgia de Sade da Famlia(ESF), apesar de sua expanso, ainda apresentacobertura inferior a 20% em algumas grandes ci-dades Brasileiras, e a quase totalidade desta Estra-tgia no inclui a ateno ao uso de drogas no rolde suas aes. A baixa cobertura da ESF tambmum problema para os CAPSad, uma vez que com-promete a essncia da funo para a qual estesCentros foram concebidos, ou seja, prestar aten-dimento clnico em regime de ateno diria, evi-tando as internaes e ser o coordenador e articu-lador das aes de sade mental na ateno aouso de lcool e outras drogas em um determina-do territrio17. Funo esta que depende muito daarticulao com a ESF e da incluso de aes deRD com base territorial. Fica evidente a lacunaexistente na ainda frgil ESF, e tambm o preoelevado pago pelo Brasil por no ter assegurado asustentao e a expanso das aes de RD entreusurios de drogas nos ltimos oito anos.

    Alm da baixa cobertura, algumas das carac-tersticas da ESF justificam as suas dificuldadesde integrar aes de RD em suas prticas cotidi-anas: 1. a nfase na ateno bsica sade noBrasil ainda recente e apresenta uma estruturaorganizacional em construo; 2. os profissio-nais de sade desta Estratgia tm dificuldadesde lidar com questes relacionadas ao uso de dro-gas, seja pelo desconhecimento dos fatores biop-sicossociais relacionados ao seu consumo, repro-duzindo preconceitos do senso comum acercados seus usurios, seja pelo medo de exposioprofissional violncia do trfico; e 3. os precon-ceitos quanto legitimidade das prticas de re-duo de danos, ainda alimentam a resistncias mesmas apesar delas fazerem parte do SUS.

    As fragilidades das aes territoriais desen-volvidas no mbito da ESF so mais acentuadasnas comunidades socioeconomicamente menosfavorecidas e com menor acesso aos servios desade e de suporte social, no por acaso as mes-mas comunidades onde o uso e o trfico de dro-gas, e seus efeitos negativos, a exemplo da elevadataxa de homicdios e outras formas de violncia,so mais intensos. Sendo assim, as pessoas quefazem uso de drogas de forma mais comprome-tedora e, em particular, as que fazem uso abusivode crack, oxi e outras formas de apresentao decocana para consumo fumado, principal popu-lao alvo do Plano Crack, na prtica, tm mui-ta dificuldade de ser includas nas aes governa-mentais propostas nestes Planos. Neste contexto,a falta de percepo pelos gestores da importn-cia de integrar a ateno ao uso de drogas na ticada RD ESF, cujas equipes muitas vezes carecemde vnculos estveis, salrios dignos e treinamen-to adequado, tem se constitudo na maior dificul-dade para que as aes de promoo sade,preveno e assistncia alcancem estas popula-es de usurios de drogas, as quais no tm osservios de sade como referncia.

    Pelo exposto acima, a atuao dos CAPSad,que deveria ter por base aes territoriais, ficareduzida ao atendimento no prprio servio, oqual mesmo situado em territrio de elevadaprevalncia de consumo e trfico de drogas, subutilizado uma vez que a populao alvo noo tem como referncia. Trata-se de pessoas mar-cadas pela falta de vnculos institucionais, a qualna maioria das vezes se origina j nos momentosiniciais de sua existncia no convvio com as fa-mlias parentais desestruturadas, ratificada narelao com escolas que tambm no esto pre-paradas para lhes acolher, ao que se soma o en-volvimento com prticas socialmente descrimi-

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    nadas e/ou ilegais, condies estas que desfavo-recem o encontro entre estes usurios e os servi-os de sade. Por outro lado, os servios de sa-de em geral, e mesmo alguns CAPSad, no levamem considerao as pautas culturais e o modo devida destas pessoas. A chance de que um(a) pro-fissional do sexo ou usurio(a) de drogas, apsuma noite acordado(a), se dirija a um servio desade nas primeiras horas da manh, buscandosenha para um atendimento que se far quatro acinco horas depois, muito pequena. Fica paraestes servios a viso cmoda, mas equivocada,de que esta pessoa no quer se cuidar, o que rati-fica a excluso social e a precariedade da assis-tncia sade em que ela vive. Some-se a isto adificuldade de acesso a estes servios, o que mui-tas vezes demanda custos com transporte, noprevistos entre os parcos recursos disponveis.

    Um fato recente que exemplifica o que vemsendo descrito neste captulo foi o frgil funcio-namento da maioria dos primeiros 14 Projetosde Consultrio de Rua do SUS (PCR), financia-dos pelo MS no ano de 2010 e supervisionadospela Aliana de Reduo de Danos, Servio deExtenso Permanente da Faculdade de Medicinada Bahia/UFBA. Os PCR se constituem numaestratgia com o objetivo de fornecer cuidadosbsicos de sade para populaes vulnerveis,com nfase para crianas, adolescentes e jovensusurios de lcool, crack e outras drogas viven-do nas ruas. Durante a superviso foram detec-tadas as seguintes dificuldades: 1. falta do conhe-cimento necessrio abordagem da populaoalvo pelas equipes 2. dificuldades jurdicas e ad-ministrativas para a contratao de redutores dedanos, comprometendo as atividades de campo,3. falta de repasses dos recursos recebidos do MSao projeto por alguns gestores municipais; 4. fal-ta do veculo necessrio s aes de campo, fun-damental para o deslocamento da equipe e paraa conduo dos usurios com necessidade de en-caminhamento a outros servios de sade e 5.falta de materiais para o trabalho de campo18.

    5. Anlise crtica de algumas das aesprevistas no PEAD e no Plano Crack.

    Criao de leitos em hospitais gerais e hospi-

    tais psiquitricos para pessoas que fazem usoabusivo ou so dependentes de lcool, crack ou

    outras drogas, uma das aes previstas no Pla-no Crack, para a qual foram alocados R$208.632.000,00 (52,65% do total dos recursos), seconstitui numa estratgia importante para se li-

    dar com situaes mais complexas, para alm dacapacidade resolutiva dos CAPSad. Na contra-mo deste dispositivo, a proposio de hospitaise centros mdicos especializados e de Comunida-des Teraputicas para usurios de drogas, preco-nizados pelos que se opem Reforma Psiqui-trica, e em particular ao dispositivo CAPS, encon-tra eco no imaginrio popular, o qual sonha comsolues rpidas, e no incomum com o afasta-mento do convvio social destes usurios algu-mas vezes portadores de comorbidades e envol-vidos em situaes constrangedoras, socialmentemarginalizadas e, mesmo, ilegais. O internamen-to nestes servios vai, portanto, na direo con-trria da subjetivao das prticas desses usu-rios de drogas, dificultando a possibilidade de umnovo percurso por vieses socialmente mais acei-tveis e produtivos. Sendo assim, os leitos emhospitais especializados s se justificam em casosde situaes que fogem ao controle dos CAPSad edos outros servios disponveis na rede de cuida-dos. Num hospital geral com leitos para usuriosde lcool e outras drogas - diferente dos hospitaisespecializados e das comunidades teraputicas -se preserva mais a identidade do cliente, uma vezque a ateno ao uso de drogas se constitui ape-nas num dos vrios servios oferecidos. Uma van-tagem adicional colocar a ateno ao abuso e dependncia de drogas no mesmo nvel de outrasprticas de sade, o que contribui para a reduodo estigma que recai sobre os usurios de drogasilcitas, fortalecendo esta condio como objetodas prticas de sade semelhana das demaiscondies.

    Entretanto, tem se verificado resistncia dosdirigentes dos hospitais gerais destinao de lei-tos para o atendimento de pessoas que fazem usoabusivo ou so dependentes de SPA, uma vez queaqueles reproduzem o senso comum, em geraltambm compartilhado pelo corpo tcnico des-tes servios, que no incomum, se declara incapazde atender estes pacientes. Mas possvel, luz daapreenso dos temores que justificam tal recusa eatravs de um dilogo franco e cientificamentefundamentado contando com a interlocuo detcnicos que detm experincia com pessoas quefazem uso abusivo e/ou so dependentes de dro-gas, que, em contraposio s fantasias, desin-formao e a toda ideologia repressiva que per-meia este campo, se possa construir prticas maishumanizadas e igualitrias para esta populao.Um dos aspectos que traduz o quanto de ideolo-gia permeia a assistncia sade s pessoas queusam drogas, ouvir alguns psiquiatras se dize-rem despreparados para tal tarefa. Sabem os que

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    tomam aos seus encargos o tratamento destapopulao que uma das principais dificuldadesdiz respeito elevada prevalncia de comorbida-des com transtornos mentais, terreno por exce-lncia da atuao do psiquiatra.

    Implantao de pontos de acolhimento (Ca-sas de funcionamento diurno para acolhimentode crianas e adolescentes e jovens usurios dedrogas, especialmente crack, em condies de ex-trema vulnerabilidade das cidades com mais de500 mil habitantes). O valor de R$1.372.000,00destinados a 70 servios desta natureza, confor-me previsto no Plano Crack13 implica emR$19,600,00 para a implantao e o custeio decada uma dessas unidades. Habitualmente osmunicpios no dispem de imveis pblicos ade-quados ao funcionamento de projetos como es-tes, bem como de tcnicos habilitados ao acolhi-mento desta populao. Por outro lado, alm daproviso de cuidados previstos neste dispositivocomo lanche, banho, lavagem de roupa e outroscuidados pessoais, no incomum se faz necess-rio o encaminhamento dos acolhidos a outrosservios da rede de cuidados. Acontece que eleshabitualmente no tm dinheiro nem cultura parapriorizar esta necessidade e por isto se faz neces-srio a incluso de um veculo com combustvel emotorista nestes servios. Estas necessidades co-locam o oramento anual de cada ponto de aten-dimento num patamar acima de R$100.000,00.

    Implantao de 195 novos pontos de arte,

    cultura e renda na rede de ateno aos usuri-

    os de lcool e outras drogas. O recurso finan-ceiro definido no Plano Crack de R$1.510.000,00.A mdia de investimento por ponto , portanto,de R$7.743,00, o que deixa evidente a pobreza dehorizontes. necessrio que se mude a mentali-dade de destinar aos pobres, coisas pobres. re-duzida a possibilidade de se inserir no mercadoatravs da produo de algo com muito poucovalor agregado. O que se ver nos servios de aten-o ao uso de drogas so produes simplriasse utilizando de palitos de fsforos, reciclagemde papel e obras de artes pobres do ponto devista tcnico e/ou esttico. Dispositivos como es-tes, portanto, implicam no envolvimento de tc-nicos especializados, na transmisso de saberesque subsidiem a produo, no controle de quali-dade do que se produz, na articulao com omercado, na criao de cooperativas ou de ou-tros meios de sustentabilidade, de forma a facul-tar aos usurios a construo de um novo per-curso e o reconhecimento social.

    A criao de CAPSad III - 24 horas Comoafirmado anteriormente, o maior percalo dos

    CAPSad, semelhana dos CAPS em geral, aausncia de territorialidade, levando-os a seremconfundidos, ou mesmo a efetivamente funcio-narem, como pequenas unidades psiquitricas.Estas condies os tornam alvos das crticas fer-renhas advindas dos que se opem ReformaPsiquitrica, os quais desprezando o fato doCAPS ser um modelo em construo e depen-dente do bom funcionamento de outros disposi-tivos da rede bsica, a exemplo da ESF, dos N-cleos de Apoio Sade da Famlia (NASF) e detoda a rede de cuidados (CRAS, CREAS)16 o com-param s unidades psiquitricas tradicionais.Some-se a isto a vulnerabilidade das polticaspblicas a nvel municipal e suas repercussesdiretas sobre o funcionamento dos CAPSad, asquais incluem dificuldades na aplicao dos re-cursos de incentivo e custeio para estes servios,a existncia de vnculos profissionais precrios eos baixos salrios pagos aos seus tcnicos, estesltimos com implicaes direta no cumprimen-to da carga horria prevista nos contratos de tra-balho. Estas circunstncias dificultam a integra-o das equipes, sobretudo em relao aos pro-fissionais mais escassos no mercado, a exemplodos psiquiatras, levando a que um mesmo pro-fissional trabalhe em vrios municpios. Some-se a isto, outras limitaes de natureza ideolgicacomo a nomeao para a chefia destes serviosde pessoas sem perfil tcnico adequado e as difi-culdades de natureza administrativo-operacio-nais, a exemplo da restrio dos horrios do usodo veculo, de combustvel, dos materiais neces-srios realizao das oficinas teraputicas emesmo de alimentao. Outra dificuldade aintegrao dos clientes dos CAPSad capacitadosem oficinas como culinria e jardinagem - ape-nas para citar dois exemplos - na prestao deservios contratados pelos municpios, at mes-mo aqueles destinados prpria rede de CAPS,habitualmente executados por empresas tercei-rizadas. Percebe-se a, mais uma vez o fosso exis-tente entre o que concebido nvel federal e oque efetivamente acontece na ponta, ao nvel dosestados, mas sobretudo dos municpios. Este pa-rece ser um dos pontos crtico na execuo depolticas pblicas para ateno aos usurios dedrogas em nosso pas.

    As Escolas de Redutores de Danos do SUS

    se constituem numa estratgia de resgate do tra-balho de campo realizado pelos redutores dedanos, face a face com as pessoas que usam dro-gas. Os tcnicos capacitados por esta estratgiapodem exercer suas atividades diretamente jun-to populao alvo atravs dos Projetos de Re-

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    duo de Danos, nos Consultrios de Rua doSUS, nas aes territoriais dos CAPSad, nas salasde espera destes Centros e de outros Servios deSade e, ainda, participando do matriciamentoda ESF. As Escolas de Redutores de Danos, bemcomo o financiamento de Projetos de Reduode Danos, representam uma contribuio efetivana ateno ao uso de drogas, iniciando a recupe-rao do tempo perdido com a descontinuidadeda maioria dos PRD do Brasil, a partir do ano de2003. O xito desta estratgia, mesmo no melhordos cenrios, ou seja, com o seu funcionamentopleno e efetivo, depende da contratao dos re-dutores de danos, o que passa pelo reconheci-mento desta categoria profissional. Embora pre-visto a nvel federal, por razes, administrativa e/ou ideolgicas, os redutores de danos tm en-contrado dificuldades para uma vinculao for-mal nos CAPSad, nos Consultrios de Rua e nosprprios PRD.

    6. Drogas, imaginrio Sociale Polticas Pblicas

    Mesmo tcnicos especializados, que em suas pro-dues orais ou escritas enfatizam que as drogasmais consumidas e que acarretam maiores preju-zos sade so o lcool e o tabaco, vez por outrausam o termo lcool e drogas e/ou na prticano do a devida importncia ao uso destas duasdrogas. Isto tambm se faz presente na lacunaexistente nos PRD no que diz respeito atenoaos consumidores de lcool e tabaco. Outro en-gano acontece nas polticas de sade dirigidas soutras formas de apresentao e consumo de co-cana que no a cocana em p usada por aspira-o nasal. O crack, e mais recentemente o oxi,embora tenham como princpio ativo a cocana,so apresentados como novas drogas; ambasmencionadas, cada uma ao seu tempo, como adroga da morte19. Trata-se de um mesmo princ-pio ativo, cocana, apenas com via de administra-o/absoro diferente, sendo a via fumada a quepossibilita maior intensidade e rapidez de efeitos.No caso do oxi, a diferena para o crack a subs-tncia utilizada para a obteno da base livre (free-base) que possibilita a volatilizao da cocana me-diante aquecimento. A volatilizao no poss-vel com cocana pura (hidrocloridrato de coca-na), pois sob aquecimento se degrada antes de sevolatilizar20. No caso do oxi, o bicarbonato desdio, amnia ou hidrxido de sdio usado paraa obteno do crack substitudo por xido declcio que, semelhana dos anteriores, tam-

    bm uma substncia qumica sem propriedadespsicoativas. O xido de clcio tem propriedadesirritativas para o trato respiratrio, mas isto nolhe confere poder psicoativo, como tem feito crera mdia. Mesmo os tcnicos que militam na aten-o ao uso de drogas, sem se aperceberem doparadoxo de suas afirmaes, mencionam que ooxi uma droga mais potente e mais barata que ocrack. Como, se o princpio ativo o mesmo?Certamente os que traficam gostariam de ter aces-so a esta frmula mgica: um produto com maisprincpio ativo e mais barato.

    Por outro lado, as demais substncias mencio-nadas como fazendo parte do preparo do oxi, aexemplo de querosene e gasolina, so velhas co-nhecidas nos ambientes de consumo de drogas eno apenas no Norte do Brasil. No Centro His-trico de Salvador, por exemplo, desde o final dosanos 90 do sculo passado, quando houve umabrusca mudana do uso de cocana injetvel parao uso de crack2 os usurios de drogas j faziamreferncia a um crack de cor mais escura, prepa-rado artesanalmente mediante o uso destas subs-tncias e por isto conhecido como Crack fundode quintal. Ideologicamente, passa-se adiante aconfuso entre uma substncia mais nociva aoorganismo do ponto de vista fsico, - o xido declcio (cal virgem) tem propriedades irritativasque o bicarbonato de sdio no tem - e o princ-pio psicoativo, a cocana, cuja intensidade de efei-to pela mesma via de consumo depende apenasde sua concentrao. Em sendo o oxi mais bara-to, o esperado que contenha menos cocana, aocontrrio do que se tem divulgado.

    Diariamente nas grandes cidades, e mesmonas de mdio porte, pessoas so assassinadas emnome do combate ao trfico de drogas; mortesestas que, habitualmente, no fazem marcas, ex-ceto naqueles que perderam seus familiares eamigos. No somente a mdia estabelece a asso-ciao drogas e morte, mas possvel ouvir dosfamiliares do morto algo assim mas ele no usavadrogas, o que significa que se usasse poderia tersido assassinado. Como justificativa parte signi-ficativa destas mortes atribuda troca de tiroscom a polcia, os conhecidos autos de resistn-cia. Algumas vezes a comunidade contesta estaafirmao e vez por outra policiais vo a julga-mento, acusados de execuo. Nas comunidadesde maior prevalncia de trfico e consumo dedrogas muitas pessoas so assassinadas antes dos25 anos de idade, seja por desavenas entre paresou pela ao policial e de grupos de extermnio.

    Em linhas gerais, as condies de vida das pes-soas socialmente excludas, entre elas aquelas que

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    usam drogas, so pouco conhecidas pelos profis-sionais de sade. Por outro lado, a qualidade daassistncia sade para pessoas que usam dro-gas depende, em muito, da classe social a que per-tencem. Dessa mesma forma, o prognstico deuma pessoa que desenvolve infarto agudo domiocrdio depende do acesso em um curto espa-o de tempo a um servio de sade, o que dificil-mente ocorre entre as pessoas mais pobres, peladificuldade de acesso a estes servios. Segundo Ba-ratta21 enquanto os jovens de classe mdia somedicalizados em clnicas particulares, os pobresso condenados ao cumprimento de medidas so-cioeducativas. No Brasil a situao mais grave:as principais vtimas da guerra ao trfico so osusurios pobres, negros e vivendo nos bairrosmais desfavorecidos das grandes cidades22. Istonos leva a pensar que o termo a droga da morteatribuda ao crack, e mais recentemente ao oxi,esteja a servio desta discriminao a qual vai aoencontro da concepo de uma vida matvel, ohomo sacer do Direito Romano, transposta paraa atualidade como o paradigma poltico do con-temporneo pelo filsofo Giorgio Agamben, des-crita por Dias23. A adjetivao droga da morteparece estar a favor da reduo do impacto doassassinato do usurio, j que por si mesmo eleestaria buscando a morte. Se a vida destes jovensusurios de drogas vale to pouco, o que vale avida das vtimas dos que dentre eles se envolvemcom prticas ilegais? Ou a vida do policial queexecuta essa poltica repressiva? A situao dospoliciais agravada pelo fato fato de, comumen-te, habitarem estas mesmas reas onde atuam emnome do combate ao trfico e em decorrnciadisto, tem sido comum o assassinato destes pro-fissionais mesmo quando fora de servio. Trata-se, portanto, de uma guerra onde todos perdem:os traficantes, os usurios de drogas, os policiais,os familiares, a sociedade como um todo. Se estaguerra interessa a algum, com certeza esse al-gum no se encontra no front. Estas reflexesnos fazem pensar sobre o que estamos constru-indo com a represso ao trfico de drogas nosmoldes que tem sido feito. Um monstro social?

    7. Algumas proposies para a Polticade lcool e Drogas no Brasil

    Proposio 1: To importante quanto o financia-mento pelo Governo Federal de aes voltadaspara a populao usuria de drogas - para nosrestringir ao universo do qual estamos tratando - o acompanhamento da aplicao dos recursos

    nas finalidades a que se destinam. Isto no signi-fica que estes recursos estejam indo para outrasfinalidades, o que eventualmente acontece, masque o financiador, dentro dos princpios de res-peito autonomia dos estados e municpios, pre-cisa ser informado das dificuldades vivenciadaspara o alcance dos objetivos estabelecidos, sobre-tudo aquelas de natureza legais e administrativase das falhas e/ou no utilizao dos recursos. Es-tas situaes, medida que dificultam e, mesmo,inviabilizam o cumprimento das metas pactua-das devem estar na pauta dos supervisores destasaes, sejam eles tcnicos dos quadros do Gover-no Federal ou outros, que em seu nome, sejamcontratados com esta finalidade.

    Proposio 2: To importante quanto o aper-feioamento das prticas de sade para as pes-soas que tm problemas com o uso de drogas,sobretudo as socioeconomicamente mais desfa-vorecidas, so os suportes sociais, com destaquepara os projetos de gerao de renda. Estes lti-mos concebidos com reais perspectivas de sus-tentabilidade atravs da insero dos seus pro-dutos no mercado, planejados e executados le-vando-se em conta as pautas culturais, os valo-res e as possibilidades das populaes atendidas.Caminho este originalmente j posto nos princ-pios e nas prticas da RD. Concebida inicialmen-te como uma medida mdico-sanitria de pre-veno do HIV/AIDS, atravs da troca de serin-gas entre UDI, j no seu incio, a RD esbarrou naenorme distncia entre as prticas de sade comoconcebidas nos intramuros das instituies e arealidade das ruas onde as pessoas em situaode grandes adversidades so, de certa forma, an-troplogos de si mesmas. Neste contexto o papeldo tcnico em sade o de facilitador de umasubjetivao at ento relegada e da consequentereconstruo de percurso em busca de papeissocialmente mais valorizados.

    Proposio 3: O aperfeioamento das polti-cas pblicas em ateno ao uso de drogas, emsintonia com os princpios da RD e da ReformaPsiquitrica, incluindo vivncias em campo e dis-cusses das situaes vivenciadas com graduan-dos da rea de sade, com nfase para os futurosmdicos, no incomum, os mais distantes destereferencial e os mais arraigados ao aprendizadode prticas centradas em servios de sade e exer-cidas de forma verticalizadas. Os Programas deEducao pelo Trabalho - PET-Sade/SadeMental/Crack 2011 Portaria Interministerial MS/MEC n 422/2010, j em curso em vrias univer-sidades brasileiras se constituem numa forma deviabilizar este propsito. Ainda dentro desta pro-

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    posio est a incluso na grade curricular decursos afins de contedos relacionados aten-o ao uso de drogas. Em pelo menos uma uni-versidade brasileira, a UFBA, no Departamentode Sade da Famlia da Faculdade de Medicina daBahia, a Reduo de Danos j disciplina obriga-tria para alunos do stimo e oitavo semestre. Osrelatos de campo produzidos pelos alunos destadisciplina, ao tempo que denunciam a distnciaexistente entre a academia e as ruas, apontamesta prtica como de grande importncia parasuas vidas futuras como profissionais.

    Agradecimentos

    A todos tcnicos atuais e que j passaram pelaAliana de Reduo de Danos Ftima Cavalcan-ti; a todos os colaboradores; s pessoas que usamdrogas. Enfim, a todos aqueles que de algumaforma, ao longo dos anos, possibilitaram as re-flexes presentes neste artigo.

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