Reflexoes Sobre o Cinema Brasil - A. S. Cecilio Neto
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A indús-
tria da infor-
mação e entreteni-
mento, indústria hoje ma-
nifestamente audiovisual (TV,
cinema, vídeo, videogame, etc.), é
um dos segmentos da atividade econô
mica mundial de maior capacidade de ex
pansão.
A pa.rti r desta constatação óbvia, de caráter
puramente com ercial, podemosdeduzirque a cada
dia mais somos alvo da penetração
(lícita, porsinal)desta indústria. Essa
penetração já se realiza a té mesmo
numsegmentodamfdiaaudiovisual A S.. CECIIIO NETO
I I I
c
brasileira que exportamos para todo
o mundo e do qual nos julgávamos
imbatfveis: as telenovelas. A impor
tação destas telenovelas de nível, no
mfnimo, canhestro serve de prova a
dois pontos de vista nossos:
Reflexões
a) esta guerra por segmentos do
audiovisual será travada, quer verti
caJ quer horizontalmente;
b) em busca do "consenso merca
dológico" (percentuaiscada vez mai-
sobre o • c1nema
brasilei
ores de audiência) sempre será possível descer
mais um degrau.
fsso posto, passamos agora à nossa área
de atuação: o cinema.
A indústria americana de cinema
é, ao lado da indiana, a única
no mundo que assim
pode ser chama-
da. Ela bus-
cacapi-A. S. CECfUO NETO 6 cfnpsta e pcll$ldenle daASD.SP
CE NAa OI! 8Vl! BVE.8RASILI OI! CAAI.Oa OII!OUI!a
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r2 REVI S IA USP
tais privados para execução dos seus projet.os e seu único objetivo é conseguir o retomo deste capital naescido dos eventuais lucros. Não nos cabe, aqui, discutir a origem destes capitais: niio provêm de fundos públicos e isso é o suficiente paro nossa argumentaçilo posterior.
Aindústriacinemacogrúlica indian:t( cerca de 600 thulos de longn-metragem por ano) é vollndn quru;e exclusivamente pom seu mercado interno (900 milhõc:s de pessoas). Jã a indústria cincmatográficunmericana (cerca de 350 tllulos de longametrngem por ano) coloca seu produto em todo o mundo, porém mais de 70% do sua reccil3 (incluindo o vrdeo} provém do seu merendo interno (350 milhões de pessoas).
Tendo estes fatos em visu1, uma pergunta imediatamente nos ocorre: o que: tém em comum estas duas únicas indústrias de ci-
nema do mundo? A resposta é claro: o público interno.
Porém, mais intrigante ainda é a questão: o que têm em comum estes públicos, americano e indiano? A resposta é surpre· endente: a dificuldade e até mesmo a inca· pacidadc de lerem as legendas enquanto se desenrola o filme. Ou seja, por uma peculiaridade "cultural", tanto os americanos quanto os indianos possuem umn rc.~crva de mercado qunse ubsolutn no que diz respeito ao cinema.
Bem, nós, brasileiros, snbcmos a que conduza reserva quase absoluta de mercado: a uma indústria automobilística ultra· passnda, a sistemas de infom1ática obsole· tos e caros, etc., etc.
A indústria cinematográfica americann ~ambém sofreu a con!>cqüência desta reserVll de merendo entre ns déCJdas de 70 e 80: um processo de obsolescéncia (cultural} que a obrigou n buscar idéias (roteiros europeus de sucesso) e profissionais (diretores europeus de suce:.SO) paro combater os prejurzos que vinha sofrendo(").
Diante destes resultndos nos parece cln· roque nenhum brasilc1ro. principalmente se cinea!lta, deve lutar peln rcservn quase absolula do merendo.
Acima nos referimos no cinema europeu importado peln indústria americana. Falemos sobre este cinema.
Após 11 Segunda Guerm Mundial vimos na lnglaterm, Fron~e h:ília,durantealgum período, experiências de industrialização calcadas no modelo americano. Como dissemos. dumnte algum período.
O neo-realismo c o cinema polftico ita· li ano da década de 70, a geração do Cahiers nos anos 60, o sóbrio c delicioso cinema inglêsde50-60esuo conseq06ncln nos anos 80 (através do Cl14) fomm experiências marovilhosns do ponto de vista artístico, polftico e cullurot. Mas o simples fato de pcxlcrmos datd·los ao comentá-los nos remete à lembmn~ de que foram movimcn· tos mais fenomenológicos do que sistemas perene.<; de industriali.zaçlio da arte cinematográfica.
No cnwnto, estas cinematografias citodas sobrevivem até hoje e configuram uma parcela expressiva do cinema de qualidade atual, aquele cinema que ultrapassa os limites do mero entretenimento.
Corno? Através de mecanismos reguladores,
inccntivndores ou subsiditírios destes Esta· dos que reconhecem a importJincin do cinema nacional na preservaçilo estratégica da identidade audiovisual de uma nação, neste mundo hoje congestionado pela informação ins~antíi nea, rasteiro, descarúvel, banal e sem reneJtão.
Estes mecanismos vnrinrn de um país a outro: quota de exibição nos cinemas, obrigatoriednde de exibição nns televisões, financiamenro com verbas públicas arravés de organi~1110s cullurnis, participação das emissoras de relevisüo na produção, ele.
É preciso ressnltar: esta política existe, é posta em prdtica, mantém vivas cinematografias nncion:~i:. c, mais importune, isto se passo no Primeiro Mundo, ou seja, não faz parte de um discurso antigo c prorccionista típico de um pcnsnmento de antago-
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nismo nucom:llico e locuplcutçiío ímc:dinln que permcavn, e ainda ccnm sobreviver, nas sociedades em vias de dcscnvolvimcnlo.
Em resumo: fora do eixo HollywoodBornbaim niio exL~1irf1 cincmu orguni'l.:ado sem o apoio do Eswdo e da sociedade que irá fi nanciá-lo.
No inicio du década de 70, um grande filme brasileiro já nnuncinva tslll perda de idenlidnde nudiovisunl em niveiMcionnl: Bye Bye, Br'tlsil! de Carlos Dícgues. A informação massacrnnte, o progfllm:t militnr dcíntegrnçiío nacion:ll nrrnvésdc um veiculo de f~cil digestiio (celcvisão) lrnnsformavn sennnejos em surfistas dn ~nn sul cari-oca.
Ao dcpnrnrmo-nos com duplas cuipirns vcstidus de néon perguntamo-nos se t:SUJ
discu.'\$iiosobre idcnlldlldc jfi nàoê um pouco rurdia. Tampouco achamos que a ades5o 11
nova.<; formas de componnmenco, venhnm elas de onde vierem, eslcja emdn. O erro, se houver, e$lllrá nnndes.ioaulomállca, sem rc0cxiioou questioll!lmeOIO,li iCSCSOUCOnl· portnmcnlos oriundos de socic:dndcs que não a noss:1, ndesiio esta resullnnle da iJiformnç.io conlfnua e exrrcmamenlc cficience dos veículos de comunicação destas sociedades em conluio com as nossns 11ctworksem diferentes mcdin.
Ao se deparor c:om n possibilídade de umtJcirurgia,qunlquerpesson imedinramente exige umnsegundaopinião. Esm cirurgia neuroexJmtivi.stn se processa t.odo dia em coda nnÇlio pelo nudiovlsual de alia pene· tração.
Uma segunda opinião: no nosso cntcn· der, o papel do cinem:J em qualquer país sem urna fone e sadia cscrururu socioeconõmica ou mil~nios de hislórin deve ser o de guardião de suas lrndiçõcs.
N:t ern da informação c (por que nfio?) da gmtificuçiio ln.~tant.'lnen. a corllro-informaçiio do cinema, nindn posslvel veiculo de massas, porém sério, reflexivo c, quando neces.c;ário, difiCl1.
A conlrn-informoção não como o o urro lodo do moeda, como a nossa verdllde conlta o mentirn dos o urros, ou mtsmo como o contrário do. i.nforrMçiio: u contro-informaçiio como uma ponderada segunda opinião sobre n informação. Essa, no nossa opinião, seria n jusrn contrnpartlda que a sociedade brasileiro. deveria exigir de um cinema que ela viesse a financiar. Esc esse acordo fosse fielmente cumprido, a sociedade brosiJciro c sua pane ll!ltuml, o c.inema brasileiro, sairiam gan.hn.ndo.
Um siscc:ma de linanciamenlo à produç-Jo e distribuição cincmuLográfica, em algumas pcculioridrades até superior em nspimções aos congêneres europeus, jú existiu aqui, na Embrnfilme. que runcionou a con· tento durnnle um certo pcrfodo. Foi extinta por um uto olicial do governo em 1990, c nenhuma voz. ainda que solitária, foro do melo cinematogr.Hico, se levantou a conlestursua c:xc:cuçiio. No próprio meio cinern:uogrfifico, r.uas lcntarnm.
Não nc1s cnbe, ne.<1te pequeno espaço, clocubmr sobre as cnusas de sua faléncin, mesmo porque o reubrimcnto de velhas ferida . .; emro a classe cinematOgráfica renderin a levar cs.oro questiio mois para o c."lm· po emoclonal do que o do plunejumcnto cstmlégico que gostaríamos de ajudar o C.'\lobclcccrcrn rc:luçiiono lL<;.<:unlo. Falemos. pois, do futuro.
ClurCZ!t c crnnspalincin siio dois rcqui· silos fundamentais no trnlo do dinheiro público. Assim comcÇllmos alinhnvundo as razões.
DA NECESSIDADE DO INVESTIMENTO PÚBLICO
Como já vimos anleriormcnte, nno hnvcm cinema orgnni7.ado sem a ação reguladom, inocmivndorn ou subsidiário do E.~ndo. A qucstlio passa, pois. pam o da conveniência dcsl~: irwc:stimenco.
DA FORMA DO INVESTIMENTO
É nosso pensamento que o di!S<:enlmli?.nvio por regiões ou csiados será a rnnis c:ficienle solução parti " hcrerogcneidodc chamada Brnsil. Acredilamosque os invcsrJmcnlos na :írc;'J cu hum! devam ser rcaliz.ados n p:tn!rdos eslndos e municípios, mcsmoquecom verbas repassadas pela União ulrnvés de suas reprc:.<>cn· l.uçóes. por meio de concursos públicos jus· ros e cristalinos.
A proximidade física com os gc..<;lores desrns verbas lcnde a ugil iznr a liscalizaç.io de todo este processo, por ambas as partes, permitindo respostas mais rápidas e esclnrcccdorns à socicdnde sobre n gestão de seu dinheiro.
Acreditamos, também, que em nome da perenidade deste processo, esta ação incemivadom deva se paulllr dentro de criuírios exrremnmente profissionais. com direitos e obrigações mui lo bem esclarecidos
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cnue ambas n.~ pane.-;, c que :IJ. COIISCqiienc:ins legais p:.ra o descumpnmcnco scj:1m pcsndfs.~imas, pois não e:-lar:i em jogo somanle o dinheiro público ma~ 1ambérn o fulurode uma parcela jovem e pen.<;;tnte que n:io se atemoriza ao não aeeicnr o jogo do pcnsnmenco fácil.
DA NECESSIDADE DE UM CINEMA NACIONAL
Por mocivos acima explanados, consider.tmoso investimento público no cinema brasileiro um invescimo:nlo estratégico, de a:nn mnncira niio diference do realizndo na o:ducnçiío, nn pc:;qu isn de fomms de c:nergia nlio-convencionnjs, no tincnmenco du bandoim na Antánica. Caberá nos libernnles desce invcscimenlo e :SOl> liberados por ele escl:llectrem a sociedade sobre estancassidade do pensnmcnlo a longo prnzo, e dela obter seu re.'ipnldo.
1\ hiMório nos reserva surprcsns: a rede de TV bmsllcirn que nnsccu e (rUI i ficou à sombm dn dhadura, que somcnce chumoua por es1e nome após n instauração do governo Sarney, transforma em noveleta cdu I corada 1odoes1e pcriodo, dando nos seus nncigos ali:~dos o novo nome de "vilões", nos seus anligos immigos o novo nome de "mocinhos", e n:scrva-sc o direilo de não citnr sua própria parlicipnçúo no apeio a tl>'1n dilndum.
1\ esta cnpncid.nde mcftSiofc:licumcnle camnlcOniC3 da Informação descnt1ávcl, deve se opor a conlra-informaç:io do cinema. Esc a conlm·informaçáodevcsern prin· cipal razão da necessidade de um cinema rtnclonnl.
AtE agora lcotnrnos nos p:!Uinrpcln maior objccividnde possivel na discuss.io de umtos IISSUOIOS CXICIISOS (polilicn CSiralégicn, culturn, relnçiio cincmu-govtmo-socicdnde, idenlidndc audiovisual, ele.) num espoSO t5o pequeno.
Permilllm-mc ngor.t uma pequena subjecividudc.
Tenho a nftid.a ccneu de que, mesmo orgnnizndn. nenhuma cincmucogrnfiu fora de llollywood será capaz de sobrcpuj:í-ln como cmprccndimcnco comercinl. Nem deve ser es1e, na minhn opiniiio, o papel do nosso c:lnema. Acrtdilo que o p:1pcl do cinema bmsilciroe de lodns as oulrns cinema· togrnflns, principalmenle do Terceiro M undo,sejaexislir. EoquanlocslivcmlOS vivos, a ba1olh11 geopoiÍiica mundi:.l não c:scar:i terminada. CENAS O! OYI! IJYE, BRASIU O f. CAnLOS Oti!OUES
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