Reflexoes Sobre o Cinema Brasil - A. S. Cecilio Neto

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A indús- tria da infor - mação e en treten i- men to, indústria hoje ma- nifestamente audiovisual (TV, cinema, vídeo, videogame, etc.), é um dos segmen tos da a tividad e econô- mica mundial de maior capacidade de ex- pansão. A pa .rtir desta cons tatação óbv ia, de caráter puramente com ercial, podemosdeduzirque a cada dia mai s somos alvo da penet ração (lícita, porsinal)desta indústria. Essa penetração se real iza até m esmo numsegmentodamfdiaaudiovisua l A S. . CECIIIO NETO I I I c bras il eira que exportamos para todo o mundo e do qual nos julgávamos imbatfveis: as tel enove las. A impor- tação destas telenovelas de nível, no mfnimo, canhes tro serve de pr ova a dois pontos de vista nossos: Reflexões a) esta guerra por segmento s do audiovisual será tra vada, quer ver ti - ca J quer hori zontal me nte; b) em busca do "consenso merca- dológico" (pe rce ntuai scada vez mai- sobre o c1nem a brasil ei ores de audiência) semp re será possível descer mais um degrau. fsso posto, passamos agora à n ossa área de atuação: o cinema. A indústria americana de cinema é, ao lado da indiana, a única no mundo que assim pode ser chama- da. Ela bus- cacapi- A. S. CECfUO NETO 6 cfnpsta e pcll$ldenle daASD.SP

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A indús-

tria da infor-

mação e entreteni-

mento, indústria hoje ma-

nifestamente audiovisual (TV,

cinema, vídeo, videogame, etc.), é

um dos segmentos da atividade econô­

mica mundial de maior capacidade de ex­

pansão.

A pa.rti r desta constatação óbvia, de caráter

puramente com ercial, podemosdeduzirque a cada

dia mais somos alvo da penetração

(lícita, porsinal)desta indústria. Essa

penetração já se realiza a té mesmo

numsegmentodamfdiaaudiovisual A S.. CECIIIO NETO

I I I

c

brasileira que exportamos para todo

o mundo e do qual nos julgávamos

imbatfveis: as telenovelas. A impor­

tação destas telenovelas de nível, no

mfnimo, canhestro serve de prova a

dois pontos de vista nossos:

Reflexões

a) esta guerra por segmentos do

audiovisual será travada, quer verti­

caJ quer horizontalmente;

b) em busca do "consenso merca­

dológico" (percentuaiscada vez mai-

sobre o • c1nema

brasilei

ores de audiência) sempre será possível descer

mais um degrau.

fsso posto, passamos agora à nossa área

de atuação: o cinema.

A indústria americana de cinema

é, ao lado da indiana, a única

no mundo que assim

pode ser chama-

da. Ela bus-

cacapi-A. S. CECfUO NETO 6 cfnpsta e pcll$ldenle daASD.SP

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r2 REVI S IA USP

tais privados para execução dos seus pro­jet.os e seu único objetivo é conseguir o re­tomo deste capital naescido dos eventuais lucros. Não nos cabe, aqui, discutir a ori­gem destes capitais: niio provêm de fundos públicos e isso é o suficiente paro nossa argumentaçilo posterior.

Aindústriacinemacogrúlica indian:t( cer­ca de 600 thulos de longn-metragem por ano) é vollndn quru;e exclusivamente pom seu mercado interno (900 milhõc:s de pes­soas). Jã a indústria cincmatográficunmeri­cana (cerca de 350 tllulos de longa­metrngem por ano) coloca seu produto em todo o mundo, porém mais de 70% do sua reccil3 (incluindo o vrdeo} provém do seu merendo interno (350 milhões de pessoas).

Tendo estes fatos em visu1, uma pergun­ta imediatamente nos ocorre: o que: tém em comum estas duas únicas indústrias de ci-

nema do mundo? A resposta é claro: o pú­blico interno.

Porém, mais intrigante ainda é a ques­tão: o que têm em comum estes públicos, americano e indiano? A resposta é surpre· endente: a dificuldade e até mesmo a inca· pacidadc de lerem as legendas enquanto se desenrola o filme. Ou seja, por uma peculi­aridade "cultural", tanto os americanos quanto os indianos possuem umn rc.~crva de mercado qunse ubsolutn no que diz res­peito ao cinema.

Bem, nós, brasileiros, snbcmos a que conduza reserva quase absoluta de merca­do: a uma indústria automobilística ultra· passnda, a sistemas de infom1ática obsole· tos e caros, etc., etc.

A indústria cinematográfica americann ~ambém sofreu a con!>cqüência desta reser­Vll de merendo entre ns déCJdas de 70 e 80: um processo de obsolescéncia (cultural} que a obrigou n buscar idéias (roteiros europeus de sucesso) e profissionais (diretores euro­peus de suce:.SO) paro combater os prejur­zos que vinha sofrendo(").

Diante destes resultndos nos parece cln· roque nenhum brasilc1ro. principalmente se cinea!lta, deve lutar peln rcservn quase absolula do merendo.

Acima nos referimos no cinema euro­peu importado peln indústria americana. Falemos sobre este cinema.

Após 11 Segunda Guerm Mundial vimos na lnglaterm, Fron~e h:ília,durantealgum período, experiências de industrialização calcadas no modelo americano. Como dis­semos. dumnte algum período.

O neo-realismo c o cinema polftico ita· li ano da década de 70, a geração do Cahiers nos anos 60, o sóbrio c delicioso cinema inglêsde50-60esuo conseq06ncln nos anos 80 (através do Cl14) fomm experiências marovilhosns do ponto de vista artístico, polftico e cullurot. Mas o simples fato de pcxlcrmos datd·los ao comentá-los nos re­mete à lembmn~ de que foram movimcn· tos mais fenomenológicos do que sistemas perene.<; de industriali.zaçlio da arte cinema­tográfica.

No cnwnto, estas cinematografias cito­das sobrevivem até hoje e configuram uma parcela expressiva do cinema de qualidade atual, aquele cinema que ultrapassa os limi­tes do mero entretenimento.

Corno? Através de mecanismos reguladores,

inccntivndores ou subsiditírios destes Esta· dos que reconhecem a importJincin do cine­ma nacional na preservaçilo estratégica da identidade audiovisual de uma nação, neste mundo hoje congestionado pela informa­ção ins~antíi nea, rasteiro, descarúvel, banal e sem reneJtão.

Estes mecanismos vnrinrn de um país a outro: quota de exibição nos cinemas, obrigatoriednde de exibição nns televisões, financiamenro com verbas públicas arravés de organi~1110s cullurnis, participação das emissoras de relevisüo na produção, ele.

É preciso ressnltar: esta política existe, é posta em prdtica, mantém vivas cinema­tografias nncion:~i:. c, mais importune, isto se passo no Primeiro Mundo, ou seja, não faz parte de um discurso antigo c prorccio­nista típico de um pcnsnmento de antago-

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nismo nucom:llico e locuplcutçiío ímc:dinln que permcavn, e ainda ccnm sobreviver, nas sociedades em vias de dcscnvolvimcnlo.

Em resumo: fora do eixo Hollywood­Bornbaim niio exL~1irf1 cincmu orguni'l.:ado sem o apoio do Eswdo e da sociedade que irá fi nanciá-lo.

No inicio du década de 70, um grande filme brasileiro já nnuncinva tslll perda de idenlidnde nudiovisunl em niveiMcionnl: Bye Bye, Br'tlsil! de Carlos Dícgues. A in­formação massacrnnte, o progfllm:t militnr dcíntegrnçiío nacion:ll nrrnvésdc um veicu­lo de f~cil digestiio (celcvisão) lrnnsforma­vn sennnejos em surfistas dn ~nn sul cari-oca.

Ao dcpnrnrmo-nos com duplas cuipirns vcstidus de néon perguntamo-nos se t:SUJ

discu.'\$iiosobre idcnlldlldc jfi nàoê um pouco rurdia. Tampouco achamos que a ades5o 11

nova.<; formas de componnmenco, venhnm elas de onde vierem, eslcja emdn. O erro, se houver, e$lllrá nnndes.ioaulomállca, sem rc0cxiioou questioll!lmeOIO,li iCSCSOUCOnl· portnmcnlos oriundos de socic:dndcs que não a noss:1, ndesiio esta resullnnle da iJiformn­ç.io conlfnua e exrrcmamenlc cficience dos veículos de comunicação destas socieda­des em conluio com as nossns 11ctworksem diferentes mcdin.

Ao se deparor c:om n possibilídade de umtJcirurgia,qunlquerpesson imedinramen­te exige umnsegundaopinião. Esm cirurgia neuroexJmtivi.stn se processa t.odo dia em coda nnÇlio pelo nudiovlsual de alia pene· tração.

Uma segunda opinião: no nosso cntcn· der, o papel do cinem:J em qualquer país sem urna fone e sadia cscrururu socioeconõmica ou mil~nios de hislórin deve ser o de guardião de suas lrndiçõcs.

N:t ern da informação c (por que nfio?) da gmtificuçiio ln.~tant.'lnen. a corllro-infor­maçiio do cinema, nindn posslvel veiculo de massas, porém sério, reflexivo c, quando neces.c;ário, difiCl1.

A conlrn-informoção não como o o urro lodo do moeda, como a nossa verdllde con­lta o mentirn dos o urros, ou mtsmo como o contrário do. i.nforrMçiio: u contro-informa­çiio como uma ponderada segunda opinião sobre n informação. Essa, no nossa opinião, seria n jusrn contrnpartlda que a sociedade brasileiro. deveria exigir de um cinema que ela viesse a financiar. Esc esse acordo fosse fielmente cumprido, a sociedade brosiJciro c sua pane ll!ltuml, o c.inema brasileiro, sai­riam gan.hn.ndo.

Um siscc:ma de linanciamenlo à produ­ç-Jo e distribuição cincmuLográfica, em al­gumas pcculioridrades até superior em nspi­mções aos congêneres europeus, jú existiu aqui, na Embrnfilme. que runcionou a con· tento durnnle um certo pcrfodo. Foi extinta por um uto olicial do governo em 1990, c nenhuma voz. ainda que solitária, foro do melo cinematogr.Hico, se levantou a con­lestursua c:xc:cuçiio. No próprio meio cine­rn:uogrfifico, r.uas lcntarnm.

Não nc1s cnbe, ne.<1te pequeno espaço, clocubmr sobre as cnusas de sua faléncin, mesmo porque o reubrimcnto de velhas ferida . .; emro a classe cinematOgráfica ren­derin a levar cs.oro questiio mois para o c."lm· po emoclonal do que o do plunejumcnto cstmlégico que gostaríamos de ajudar o C.'\lobclcccrcrn rc:luçiiono lL<;.<:unlo. Falemos. pois, do futuro.

ClurCZ!t c crnnspalincin siio dois rcqui· silos fundamentais no trnlo do dinheiro pú­blico. Assim comcÇllmos alinhnvundo as razões.

DA NECESSIDADE DO INVESTIMENTO PÚBLICO

Como já vimos anleriormcnte, nno hn­vcm cinema orgnni7.ado sem a ação regula­dom, inocmivndorn ou subsidiário do E.~n­do. A qucstlio passa, pois. pam o da conve­niência dcsl~: irwc:stimenco.

DA FORMA DO INVESTIMENTO

É nosso pensamento que o di!S<:enlmli?.nvio por regiões ou csiados será a rnnis c:ficienle solução parti " hcrerogcneidodc chamada Brnsil. Acredi­lamosque os invcsrJmcnlos na :írc;'J cu hum! devam ser rcaliz.ados n p:tn!rdos eslndos e municípios, mcsmoquecom verbas repas­sadas pela União ulrnvés de suas reprc:.<>cn· l.uçóes. por meio de concursos públicos jus· ros e cristalinos.

A proximidade física com os gc..<;lores desrns verbas lcnde a ugil iznr a liscalizaç.io de todo este processo, por ambas as partes, permitindo respostas mais rápidas e esclnrcccdorns à socicdnde sobre n gestão de seu dinheiro.

Acreditamos, também, que em nome da perenidade deste processo, esta ação incemivadom deva se paulllr dentro de cri­uírios exrremnmente profissionais. com di­reitos e obrigações mui lo bem esclarecidos

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cnue ambas n.~ pane.-;, c que :IJ. COIISCqiien­c:ins legais p:.ra o descumpnmcnco scj:1m pcsndfs.~imas, pois não e:-lar:i em jogo so­manle o dinheiro público ma~ 1ambérn o fulurode uma parcela jovem e pen.<;;tnte que n:io se atemoriza ao não aeeicnr o jogo do pcnsnmenco fácil.

DA NECESSIDADE DE UM CINEMA NACIONAL

Por mocivos acima explanados, consi­der.tmoso investimento público no cinema brasileiro um invescimo:nlo estratégico, de a:nn mnncira niio diference do realizndo na o:ducnçiío, nn pc:;qu isn de fomms de c:nergia nlio-convencionnjs, no tincnmenco du ban­doim na Antánica. Caberá nos libernnles desce invcscimenlo e :SOl> liberados por ele escl:llectrem a sociedade sobre estancas­sidade do pensnmcnlo a longo prnzo, e dela obter seu re.'ipnldo.

1\ hiMório nos reserva surprcsns: a rede de TV bmsllcirn que nnsccu e (rUI i ficou à sombm dn dhadura, que somcnce chumou­a por es1e nome após n instauração do go­verno Sarney, transforma em noveleta cdu I corada 1odoes1e pcriodo, dando nos seus nncigos ali:~dos o novo nome de "vilões", nos seus anligos immigos o novo nome de "mocinhos", e n:scrva-sc o direilo de não citnr sua própria parlicipnçúo no apeio a tl>'1n dilndum.

1\ esta cnpncid.nde mcftSiofc:licumcnle camnlcOniC3 da Informação descnt1ávcl, deve se opor a conlra-informaç:io do cine­ma. Esc a conlm·informaçáodevcsern prin· cipal razão da necessidade de um cinema rtnclonnl.

AtE agora lcotnrnos nos p:!Uinrpcln maior objccividnde possivel na discuss.io de um­tos IISSUOIOS CXICIISOS (polilicn CSiralégicn, culturn, relnçiio cincmu-govtmo-socicdn­de, idenlidndc audiovisual, ele.) num espo­SO t5o pequeno.

Permilllm-mc ngor.t uma pequena sub­jecividudc.

Tenho a nftid.a ccneu de que, mesmo orgnnizndn. nenhuma cincmucogrnfiu fora de llollywood será capaz de sobrcpuj:í-ln como cmprccndimcnco comercinl. Nem deve ser es1e, na minhn opiniiio, o papel do nosso c:lnema. Acrtdilo que o p:1pcl do ci­nema bmsilciroe de lodns as oulrns cinema· togrnflns, principalmenle do Terceiro M un­do,sejaexislir. EoquanlocslivcmlOS vivos, a ba1olh11 geopoiÍiica mundi:.l não c:scar:i terminada. CENAS O! OYI! IJYE, BRASIU O f. CAnLOS Oti!OUES

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