Reflexões sobre não-sonho-a-dois, enactment e função alfa...

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Revista Brasileira de Psicanálise · Volume 43, n. 4, 91-120 · 2009 91 Reflexões sobre não-sonho-a-dois, enactment e função alfa implícita do analista 1 Roosevelt M.S. Cassorla, 2 Campinas Resumo: Este trabalho aprofunda a discussão, iniciada em outros textos, sobre não-sonho-a-dois, enact- ment e função alfa implícita do analista em que se discutiam dificuldades da dupla analítica em lidar com áreas de mente não simbolizadas. As ideias iniciais surgiram de configurações clínicas em que o analista estava envolvido em um conluio obstrutivo, sem se dar conta dele, constituindo-se não-sonhos- a-dois ou enactments crônicos. Em determinado momento (Momento M) um ato impensado, reflexo da situação da dupla analítica, indica mudança catastrófica potencialmente destrutiva do processo analíti- co. no entanto, surpreendentemente, após esse ato o processo se torna mais criativo. Demonstra-se que nesse momento M (nomeado enactment agudo) são revividas, em forma atenuada, situações traumá- ticas que não haviam sido simbolizadas e que se mantinham escondidas durante o conluio obstrutivo inicial. A observação clínica leva o autor a concluir que durante esse conluio inicial (não-sonhos-a-dois) a dupla analítica se paralisava para evitar contato com a realidade, sentida como traumática. Mas, ao mesmo tempo, através de comunicação inconsciente entre paciente e analista, este injetava função alfa implícita no paciente. Essa injeção é feita pouco a pouco, evitando retraumatismo, e recuperando áreas traumatizadas. Em determinado momento, quando ocorre suficiente recuperação, o campo analítico é tomado por não-sonhos traumáticos que estão sendo sonhados, ao vivo. Dessa forma eles podem ser incluídos na rede simbólica do pensamento. São apresentadas hipóteses sobre funções dos não-sonhos-a-dois e sobre a comunicação inconsciente entre paciente e analista que possibilitam o sonho, através da função alfa implícita. Finalmente, o autor se propõe a classificar os não-sonhos sob diferentes vértices e supõe que o analista, enquanto re-sonha o sonho de seu paciente, em área não psicótica, pode estar, em forma implícita e ao mesmo tempo, sonhando não-sonhos psicóticos, traumáticos e outros que escondem áreas de não representação da mente primordial. Palavras-chave: trauma; sonhar; função alfa implícita; comunicação inconsciente; técnica analítica; teoria do pensamento; Bion; reversão da perspectiva; não-sonho; não-sonho-a-dois; mudança catas- trófica; transformações; classificação de não-sonhos. O objetivo deste trabalho é aprofundar reflexões anteriores (Cassorla, 1995, 2001, 2003, 2005a, 2005b, 2007, 2008a, 2008b, 2008c) sobre os temas do título, no intuito de pensá-las junto com os colegas. Seguindo as ideias de Bion (1962a;1962b, 1963, 1992) espera-se que na situação ana- lítica ideal ocorra um sonho-a-dois em que sonho se refere ao pensamento onírico da vígí- lia (produto de elementos alfa) manifestação de transformações de fantasias inconscientes primitivas e de elementos beta. Esse sonho corresponde à fileira C da grade (Bion, 1963, 1977), juntamente com os mitos e os sonhos noturnos. O sonho do paciente mostra cenas que constituem um enredo ou história que estimulará o analista a contracenar no campo 1 Trabalho apresentado em Bion in Boston 2009. Recebeu o prêmio “Parthenope Bion Talamo”, oferecido pelo autor aos colegas de S. Paulo e, em particular, a Judith Andreucci e Antonio Sapienza. 2 Membro efetivo e analista didata da SBPSP.

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RevistaBrasileiradePsicanálise·Volume43,n.4,91-120·2009 91

Reflexões sobre não-sonho-a-dois, enactment e função alfa implícita do analista1

RooseveltM.S.Cassorla,2Campinas

Resumo:Estetrabalhoaprofundaadiscussão,iniciadaemoutrostextos,sobrenão-sonho-a-dois,enact-mentefunçãoalfaimplícitadoanalistaemquesediscutiamdificuldadesdaduplaanalíticaemlidarcomáreasdementenãosimbolizadas.Asideiasiniciaissurgiramdeconfiguraçõesclínicasemqueoanalistaestavaenvolvidoemumconluioobstrutivo,semsedarcontadele,constituindo-senão-sonhos-a-doisouenactments crônicos.Emdeterminadomomento(MomentoM)umatoimpensado,reflexodasituaçãodaduplaanalítica,indicamudançacatastróficapotencialmentedestrutivadoprocessoanalíti-co.noentanto,surpreendentemente,apósesseatooprocessosetornamaiscriativo.Demonstra-sequenessemomentoM(nomeadoenactment agudo)sãorevividas,emformaatenuada,situaçõestraumá-ticasquenãohaviamsidosimbolizadasequesemantinhamescondidasduranteoconluioobstrutivoinicial.Aobservaçãoclínicalevaoautoraconcluirqueduranteesseconluioinicial(não-sonhos-a-dois)aduplaanalíticaseparalisavaparaevitarcontatocomarealidade,sentidacomotraumática.Mas,aomesmotempo,atravésdecomunicaçãoinconscienteentrepacienteeanalista,esteinjetavafunçãoalfaimplícitanopaciente.Essainjeçãoéfeitapoucoapouco,evitandoretraumatismo,erecuperandoáreastraumatizadas.Emdeterminadomomento,quandoocorresuficienterecuperação,ocampoanalíticoétomadopornão-sonhostraumáticosqueestãosendosonhados,aovivo.Dessaformaelespodemserincluídosnaredesimbólicadopensamento.Sãoapresentadashipótesessobrefunçõesdosnão-sonhos-a-doisesobreacomunicaçãoinconscienteentrepacienteeanalistaquepossibilitamosonho,atravésdafunçãoalfaimplícita.Finalmente,oautorsepropõeaclassificarosnão-sonhossobdiferentesvérticesesupõequeoanalista,enquantore-sonhaosonhodeseupaciente,emáreanãopsicótica,podeestar,emformaimplícitaeaomesmotempo,sonhandonão-sonhospsicóticos, traumáticoseoutrosqueescondemáreasdenãorepresentaçãodamenteprimordial.Palavras-chave: trauma; sonhar; função alfa implícita; comunicação inconsciente; técnica analítica;teoriadopensamento;Bion;reversãodaperspectiva;não-sonho;não-sonho-a-dois;mudançacatas-trófica;transformações;classificaçãodenão-sonhos.

Oobjetivodestetrabalhoéaprofundarreflexõesanteriores(Cassorla,1995,2001,2003, 2005a, 2005b, 2007, 2008a, 2008b, 2008c) sobre os temasdo título, no intuitodepensá-lasjuntocomoscolegas.

SeguindoasideiasdeBion(1962a;1962b,1963,1992)espera-sequenasituaçãoana-líticaidealocorraumsonho-a-dois emquesonhoserefereaopensamentooníricodavígí-lia(produtodeelementosalfa)manifestaçãodetransformaçõesdefantasiasinconscientesprimitivasedeelementosbeta.EssesonhocorrespondeàfileiraCdagrade(Bion,1963,1977),juntamentecomosmitoseossonhosnoturnos.Osonhodopacientemostracenasqueconstituemumenredoouhistóriaqueestimularáoanalistaacontracenarnocampo

1 TrabalhoapresentadoemBion inBoston2009.Recebeuoprêmio“ParthenopeBionTalamo”,oferecidopeloautoraoscolegasdeS.Pauloe,emparticular,aJudithAndreuccieAntonioSapienza.

2 MembroefetivoeanalistadidatadaSBPSP.

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analítico.Esseenredosurgecomfortepregnânciavisual,comosequênciadeideogramasoupictogramas.Essespictogramassãofrutodafunçãoalfa,iníciodasimbolização.

Quandoafunçãoalfaestáperturbada,opacientenãotemcondiçõesdesonhar.Oselementosbetaporeleeliminados,muitasvezesconsequentesàdestruiçãodeformaçãosimbólicaincipiente(reversãodafunçãoalfa)(Bion,1963)demandamqueoanalistaossonhe.Istoé,oanalistatransformaráexperiênciasemocionaisbrutasdopacienteemima-gensvisuais,queeleinterpretarácomosefosseumsonhopróprio,frutodesuacapacidadeanalítica.naspalavrasdeMeltzer(1983):

“Oquepareceaconteceréqueoanalistaescutaseupacienteeobservaaimagemquesurgeemsuaimaginação.Poderíamosafirmar,certamente,queelepermitequeopacientelheevoqueumsonho.naturalmenteestesonhoéseueelefoifrutodevicissitudesdesuaprópriapersonalidade(…).Desdeessepontodevistapodemosimaginarquetodatentati-vadeformularumainterpretaçãodeumsonhodopacienteimplicariaopreâmbulotácito:‘Enquantoeuescutavaseusonhoeutiveumsonhoque,emminhavidaemocional,poderiasignificaroseguinte,queeudividocomvocênaesperançaqueelelancealgumaluzsobreosignificadoqueseusonhotemparavocê’”(p.90;traduçãominha).

Aopercebermosqueosonhosonhadopeloanalista,aindaquetentativadesonharodopaciente,éumsonhopróprio,doanalista,ficaevidentequefatorespróprios,dapessoarealdoanalistaentramemjogo.Elesserãotantomaisexigidosquantomenoracapacidadedesimbolizardopaciente.

Grotstein(2000,2004)explicita,emoutrostermos,queoanalistaéchamado,pro-vocadoouinstadoaresponderàsemoçõeseassociaçõesdoanalisandocomsuasprópriasemoçõespessoais.A funçãoalfadoanalista, trabalhandoemestadoderêverie, fazcomqueemoçõeseexperiênciasprópriasqueressoamaverdadeemocionaldopacientesejamlocalizadas e reunidas inconscientemente, indicandocomo senso comum (Bion,1963)averdadeclínicadomomento.

Quandoopacientepode sonhar estamos emáreanão psicótica dapersonalidade(Bion,1957/1967),capazdaformaçãodesímbolos.Comovimos,oanalistasedeixalevarpelaexpressividadeemocionaldascenasvividas,pelasuacapacidadederêverie easre-sonha.Osonhodoanalista,contadoaopaciente,refazeampliaaredesimbólica,gerandonovossignificadoserevelandonovasvertentesaoassinalaroudesfazerdefesasqueopa-cientenãoconhecia.Opaciente,porsuavez,aore-sonharosonhocontadopeloanalistalhemostra,como“seumelhorcolega”(Bion,1980;Ferro,1996/2002)oefeitodoseutraba-lho,eassimpordiante.Portanto,ambososmembrosdadupla,aomesmotempo,sonhamesãosonhados.

Dependendodovérticedeobservaçãoessessonhos,queocorrementreambososmembrosdaduplaanalítica,poderãoserconsideradospertencentesaopaciente,aoana-listaouaambos,pacienteeanalista.A ideiadecampoanalítico (Baranger&Baranger,1961-62/1968)indicaquenadaocorreemumdosmembrosdaduplasemaparticipaçãodooutroeoquerealmenteimportaéaexperiênciaemocionalqueocorreentre asduaspessoaseoqueseráfeitocomela(Bion,1962b).Osconceitosterceiroanalítico,deOgden(1994a,b),eholografia afetiva,deFerro(1992/1999,1996/2002,2009),enfatizamoterceiro

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vértice,quecoexistecomosoutrosdoisnumarelaçãodialética.Dessaforma,qualquerquesejaovérticepodemosafirmarquepacienteeanalistaseenvolvemnumsonho-a-dois.3

Oconceitopictograma afetivo(Barros,2000)aprofundaacompreensãodasmanei-rascomopulsõesefantasiasinconscientessemanifestamnoteatrodaanálise.Oprocessooníricoimplicaumtrabalhodeelaboraçãodeexperiênciasemocionais,embuscadamigra-ção para a figurabilidade(Freud,1900/1962).Estamigraçãoocorrenumaatmosferaafetivaqueinconscientementedeterminaosonho,produzindo-seimagensquecaptameexpres-samasformasiniciaisdeconstituiçãodosignificadodessasexperiências,numaespéciedemetabolizaçãoda vida emocional.Opictogramaafetivo constitui-senaprimeira formaderepresentaçãomentaldeexperiênciasemocionais,frutodafunçãoalfa,constituindoopensamentoonírico,atravésdeimagensfortementeexpressivaseevocativas.Opictogramaafetivocontém,potencialmente,noprocessodesuaconstituiçãoenaprópriafiguração,significaçõesocultaseausentes,quepressionamamenteaampliarseusinstrumentosderepresentação.

Quandoopacientenãopodeoufalhaemsimbolizarnosencontramosemáreapsicó-ticadapersonalidade(Bion,1957/1967).nãoserápossívelsonhareopacientemanifestaráseuestadomentalpormeiodedescargasematos,comportamentos,sintomas,falaeoutrastransformaçõesemalucinose (alucinações,onisciência, crenças, fanatismo,delíriosetc.)(Bion,1965).Outrapossibilidadeéquerevelevazios(Green,1998).Oanalistaouveopa-ciente,masprincipalmentesofre emsimesmoaaçãodasidentificaçõesprojetivasmassivasdopaciente.Oanalistavivenciaoprodutodessasdescargascomoincômodos,dormental,sintomas,dificuldadesoubloqueiosnopensar,acompanhadosounãodeesboçosdecenas.Quandoexistem,essesesboçossãopobres,semressonânciaemocionaleindicamocontatocomáreasnãosimbólicas,esboçosfracassadosdesímbolos,eventualmenteequaçõessim-bólicas,quepressionamamentedoanalistaembuscadesignificação.Propusemoschamaressasevacuaçõesdenão-sonhos.4

Oanalista sente-sepressionadoa se livrardosnão-sonhos queopaciente lhe in-troduz.Concomitantemente,sente-sepressionadoabuscarformasdesimbolizá-los.Suafunção analítica permite que ele se deixe invadir e vivencie os aspectos projetados.Aomesmotempo,ouemseguida,discrimina-sedeleseosdesvenda,dando-lhessignificado.Inicialmente,comovimos,pormeiodeimagensque,porsuavez,pressionampornovasformasderepresentação,principalmentepormeiodepalavras.numprimeiromomento,oumesmodepois,épossívelqueoanalistanãoasencontre.Acenacontinuará,numabuscadesignificação,enquantooanalistamantémsuacapacidadenegativa(Bion,1970)atéquesímbolosverbaissurjam.Estes,porsuavez,atraemnovossímbolos,sensoriais, imagéti-cos eprincipalmente verbais, ampliandoos significados.Com isso se alargaouniversomental,abrindoaexperiênciaparanovasconexõessimbólicas,novossignificados,maiordesenvolvimentoemocionaleriquezadotrabalhodadupla.Cenaseenredosqueocorremnoteatrodaanáliseseampliamesofisticameissonuncasecompleta,gerandosignificadonumaampliaçãocontínuadamente,ocorrendooqueImbasciati(2001)chamasimbolopo-

3 EntreosmuitosautoresquevêmexpandindoessasideiasdeBionencontramos:Meltzer1978,1983;Segal,1991;Ferro,1992,1996,1999,2002a,b,2006,2009;Ogden,1994a,2005;Rezende,1995;Grinberg,1996;SymingtoneSymington,1996;Sandler,1997,2005;TabakdeBianchedi,1999,2008;Caper,1998;Grotstein,2000,2004,2007;Barros,2000,2002,2005;Sapienza,2001,2008;Rezze,2001;JunqueiraFilho,2003;Chuster,2003;Hartke,2008.

4 Rezze(2001)chamanãosonhosaossonhosdessetipo,masquandosonhadosànoite.Grinberg(1967)eSegal(1981)chamamessesmesmossonhosdanoitedeevacuativosoupsicóticos.

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ese queacontecedentrodoqueFerro(2009)chamacampo onírico holográfico em expansão constante.Estamosfrenteaofuncionamentoadequadodoaparelhodepensarpensamentoscujaorigeméfrutodotrabalho-de-sonho-alfaoufunção alfa.

Sonhosenão-sonhos são,naverdade,extremosideaisdeumcontinuumrelativoàcapacidadedementalização,5simbolizaçãoefuncionamentodementequeestimulam/ata-camessacapacidade,assimcomoelementosbeta<–>elementosalfaePS<–>D.Entreessesextremosencontraremossonhosquerelutamemampliarseusignificado,misturasdeso-nhoenão-sonho,sonhosquesetransformamemnão-sonhos,não-sonhosquasesonhados(emgrausvariados),sonhosqueencobremnão-sonhos evice-versa,não-sonhos manifesta-doscomopesadelos,não-sonhosconcretosquesimulamsonhos,não-sonhos quepassaramdesapercebidosnopassadoequesãorecuperadosquandoopacientepodesimbolizaretc.VoltaremosaesteassuntonoApêndiceaestetrabalho.

Comovimos,oanalistadevesuportaronão-saber quefazpartedonão-sonho, en-quanto tentasonhá-lo.Issopodenãoserpossível,porfalhastécnicas,por limitaçõesdefunçãoalfae/ouporqueonão-sonho dopacientemobilizouáreasprópriasdoanalista,nãosuficientementesonhadasemsuavida,ouque–aindaquesonhadas–nãosuportamseremre-sonhadas.A“indigestão”doanalistafrenteaoselementosbrutosdopacientecostumaenvolverfatoresdeambososmembrosdadupla.

nessassituaçõesonão-saberserávividocomoobjetointernopersecutório.Porisso,oanalistapodeapelarparaojá-sabido, memórias,desejos,teorias,crenças,utilizadasnãoporseremverdadeiras,mascomoformasdeaplacaroobjetopersecutório.Essasubstitui-çãodonão-sabidopelojá-sabido éestimuladapelapresençanãoneutralizadadosuperegodestrutivodapartepsicóticadapersonalidade(Bion,1959/1967),moralísticoeonisciente,queatacaqualquernão-saber quepodesertransformadoemjá-sabido.

Quandooanalistatambémsevêimpedidodesonharonão-sonhodopaciente,am-bososmembrosdaduplaseenvolvememnão-sonhos-a-dois. Podemosdizerqueamentedoanalistaficapossuídapelonão-sonhodopacientequecai sobre o ego do analista (Freud,1917/1962), bloqueandosuacapacidadedesonharepensar.Suasubstituiçãopelojá-sabido lembrareparaçõesmaníacaseobsessivas.6

Pensoquenão-sonhos-a-dois configuramoquetemsidochamadonaliteraturapsi-canalíticaenactments. Trata-se,portanto,desituaçõesemqueaduplaanalítica,soboefeitodeidentificaçõesprojetivasmassivas,envolve-seemconluiossem ter consciência disso.Osenactmentspodemseragudosecrônicos.Estudaremosesseconceitoadiante.

Emresumo,consideramosnestetexto:Não-sonho, 1. reveladocomoprodutodeidentificaçõesprojetivasmassivasdeele-mentosbeta.Umnão-sonhoéumsonhoquenãoocorreuouquefoiinterrom-pido(Ogden,2004)porreversãodafunçãoalfa.Elepoderásersonhadocasoencontreumamentecontinente,capazdetrabalho-de-sonho-alfa.Sonho-a-dois2. :duranteoprocessoanalíticooanalistatentarásonharossonhoseosnão-sonhosdopaciente.noprimeirocaso,gerandosignificadosqueampliemaredesimbólica.nosegundo,partesdessaredeterãotambémqueserrefeitas

5 Grotstein(2007)chamamentalizaçãoàpassagemdasensorialidadeparaaimagemepensaraopróximopasso,quandooselementosalfacolocadosemsequenciadãoorigemàsnarrativas.

6 nessescasososnão-sonhos-a-doisseapresentamcomoesboçosdecenasestanquescomcaracterísticasmaníacaseobsessivasqueencobremaspectosmelancólicosepersecutórios.

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oumesmocriadaspelaprimeiravez.Ambassituaçõespodemocorreraomesmotempo,jáquesonhoscoexistemcomnão-sonhos.Não-sonhos-a-dois3. : quandoo analistanão consegue sonharosnão-sonhos dopacienteenãosedácontadisso.Estamosfrenteaumenactment.

a clínica

Asideiasiniciaisdestetrabalhoforamfrutodeobservaçõesclínicascomasseguintescaracterísticas:umprocessoanalítico,queoanalistajulgaestarsendoprodutivo,éinvadi-dobruscamenteporatosnãopensados.Oanalistasente-seincomodadocomofatoimagi-nandoqueessasdescargassãoprodutodeerrosporelecometidos.noentanto,observandoasconsequênciasdeseussupostoserros,elesedácontadequesuaorigemserelacionaàrupturadeumconluioobstrutivoquevinhaocorrendo,antes,entreosmembrosdaduplaanalítica,conluioesseimperceptívelparaambos.Parafacilitaroestudodessassituações,dividi-las-emosemetapas:

Fase1.Oanalistasabequeestádiantedeumpacientedifícil.Aindaqueseutrabalhosedefrontecomfortesobstáculosaocrescimentomental,sente-sesatisfeito.Acreditaqueoprocessoanalíticoestácorrendobem,comdesenvolvimentonotrabalhodaduplaanalí-tica.Confiaemsuafunçãoanalíticaeestácertodeque,comotempo,asobstruçõesserãocompreendidasedesfeitas.Continuatrabalhando.

MomentoM:Derepente,oanalistasesurpreendeefetuandoumaintervençãoque,imediatamente,considerainadequada–umadescarga,umatonãopensado.Sente-secons-trangidoeconfuso.Apercepçãoqueficouforadesi,tomadoporumaforçadesconhecida,ofazquestionarsuasanidademental.Faceaofracassodesuafunçãoanalíticatemcertezaquefezmalaopaciente.Assustadoeculpado,receiatambémqueopacienteoretalieouabandone.

Fase2.noentanto,nadadissoacontece.Aocontrário,apósessaocorrência,opro-cessoanalíticosetornamaiscriativoeonovomaterialindicaampliaçãodaredesimbólicadopensamento.Adesconfiançainicialdoanalistafrenteaessaexpansãoélogosubstituídapelodesejodecompreenderoqueocorreu.

Oanalista,estudandoasituaçãoretrospectivamente,verificaráquesua impressãoinicial,dequeoprocessoanalíticocaminhavabem(Fase1),estavaerrada.naverdade,elevinhaestagnadoemalgumasáreaseoanalistanãotiveracondiçõesdeperceberessefato.Emseguida,oanalistasepropõeainvestigarasorigensdasdescargasinadequadas(Mo-mentoM),osfatoresquefazemoanalistaficarcegoparaaestagnaçãodoprocesso(naFase1),eoqueocorreapósoMomentoM,quetornaoprocessoanalíticoprodutivo(Fase2).

nodecorrerdosanosapresençadeconfiguraçõessimilares,principalmenteemsu-pervisõesesemináriosclínicos,permitiramqueoautorampliassesuashipótesesiniciais.Aomesmotempoaumentaramsuasdúvidas.

Os pacientes (Fase 1)

Suacaracterísticainicialmaismarcanteéapletoraagressivadequeixaselamenta-ções.Aocontráriodepacientesquenãovinculamseusofrimentoanenhumaidéia,estes

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colocamcenas,enredosenarrativasnocampoanalítico,deumaformatalquefazemoana-listaimaginarqueestáfrenteasonhosdavigíliaedanoite.nelessurgemobjetos,fantasiasesituaçõesatuaisepassadasque,rapidamente,sãoresponsabilizadospelosofrimentodopaciente.Quandooanalistaéincluídomanifestamentenatrama,elesefelicitaporpodervivernoaqui-e-agoraexperiênciasemocionaisquepodefacilmenteidentificarecompre-ender.Essaaparentefacilidadeserevelará,nofuturo,umobstáculoaotrabalhoanalítico.

Oprocesso, no entanto, é logoperturbadopor outrasmanifestações quepassamapredominar.Oanalistapercebequesuasinterpretaçõessãodesvitalizadas,negadasoutransformadasemalgopersecutório.Ele supõequeestá falhandoemsuacompreensão,masnãoestásuficientementeconvencidodofato.Verifica,então,queopacientenãosu-portaentraremcontatocomfatosdarealidadeutilizando,paratal,ataquesaosvínculos(Bion,1959/1967)incluindoamentedoanalista.Emoutraspalavras,aomesmotempoqueoanalistasesenteconfortáveltrabalhandoemterrenoconhecido,elenãopodeignoraraforçaconcomitantedeáreasprimitivasquesemanifestampormeiodedescargasoucenaseenredosestanqueserepetitivosquenãolhedespertamimagensouideiassuficientemen-te criativas, isto é,não-sonhos.Amaior parte do tempoo analista tentará sonhar essesnão-sonhos dopaciente.Este,porsuavez,tentaráreverterparanão-sonhosossonhosdoanalista.

Oanalista,sentindo-seincapazdesonhar,correoriscodeapelarparamemórias,desejos,crençaseteorias.Pelofatodeperceberesseriscoepoderevitá-looanalistasente-seconfianteemrelaçãoàmanutençãodesuacapacidadeanalítica.Dessaforma,oprofis-sionalimaginaqueestátrabalhando,concomitantemente,com:1.Sonhosdopacientequere-sonhadospeloanalistaconstituemsonhos-a-dois.2.Sonhosenão-sonhosdopacientequesonhadospeloanalistasãoatacados,transformadosemnão-sonhos,imprestáveisparaopensar.3.Não-sonhosdopacientequeoanalistaestátentandosonhar,semmuitosucesso,conscientedoriscodetersuacapacidadeanalíticaprejudicadaporelesenãosedarcontadofato.

Aindaque,namaiorpartedotempo,otrabalhopareçaestérileoanalistasesintaatacadoemsuapotênciaanalíticaelecontinuainteressadoemvivenciarecompreenderosmecanismosobstrutivosdopaciente.Osentir-sedesafiadotambémoestimula.Pensaqueoprocessoanalíticoestásendotãoprodutivoquantopossívelequeosobstáculosfazempartedas vicissitudes encontradas frente a áreasbloqueadasna capacidadede sonhar epensar.Temcertezaque,semantivercapacidadenegativa(Bion,1970)–daqualfazpartepaciência–acabarápordesfazerosobstáculosatravésdesuafunçãoalfa.Essacertezaécorroboradaporoutrosfatos:opacientenãodemonstraqualquerdesejodeinterromperaanálise;paradoxalmenteoanalistasenteopacienteemocionalmentepróximo;ocorremfasesemqueacontecemsonhos-a-doisquetornamotrabalhogratificante.

nessas fases,oanalista tema impressãodequeestáocorrendoexpansãomental,mas,porvezes,elesesurpreendeperguntandosesuaimpressãoestácorreta.Umobserva-dorexterno,noentanto,nãoteriaessadúvida–eleafirmaráquenãopercebeessaexpansãoemostraráqueestáocorrendoumconluioobstrutivofrutodenão-sonhos-a-dois (enact-ments crônicos)nãopercebidopeloanalista.

Comoexemploclínicodescrevotrechodesessãodoiníciodoterceiroanodeanálisedeumajovemmulher,L,quemoracomospais.7

7 Osrelatosclínicosforamtransformados(cf.Gabbard,2000)emfunçãodonecessáriosigilo.

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A sessão ocorre após um fim de semana prolongado em que, a despeito de suas inibi-ções, medos e fobias, L iria tentar fazer uma viagem.

Inicia falando em forma desesperada, dizendo que tem muito para contar sobre a via-gem, a sessão não vai ser suficiente, está mal, muito mal, a viagem foi horrível. Segue-se, sem interrupção, uma ladainha de queixas, num tom de voz que intensifica sua importância, como que tentando convencer o analista de seu sofrimento. Conta que tudo foi muito cansati-vo, horas viajando, muito calor, insônia; ficou muito ansiosa antes da viagem, quase desistiu, o hotel era péssimo, a comida intragável. E, sempre sentindo-se mal, medindo a pressão a cada hora. Não sabe como conseguiu, com muito esforço, passear um pouco. Mas ficou isolada, os companheiros de viagem eram muito desagradáveis. Chegou de madrugada. Teve que acor-dar cedo para vir à sessão. Está com muito sono. Nunca mais vai viajar de novo etc.

O analista sente-se invadido pelas queixas e lamentações. Tenta não se deixar con-fundir pelos sentimentos odiosos e torturantes que tomam o campo analítico, mas sente di-ficuldades. Percebe que várias interpretações lhe vêm à mente sobre o conteúdo do material, mas sabe que são inadequadas, teóricas, sem ressonância e as descarta rapidamente. Percebe, então, uma imagem mental – uma espécie de estranha máquina de tortura – que reduz tudo a pó, cinzas de morte. O analista sente que precisa, rapidamente, brecar seu funcionamento.

Ao interromper as lamentações de L o analista percebe que ela não gosta. Conta-lhe que percebe o funcionamento de uma máquina de tortura interna, trituradora, que transforma tudo em merda. O analista não gosta de ouvir-se – seu tom de voz saiu raivoso e estranhou ter usado a palavra merda. Não é seu hábito falar dessa forma…

Em resposta à sua intervenção L se queixa, violentamente, que o analista não a deixa falar, que não pode se queixar. Grita e o acusa de ter gritado com ela.

O analista assinala que ela está gritando para que possa continuar lamentando-se e a convida a pensarem juntos que função tem tudo o que está ocorrendo nesse momento. L responde acusando-o de que ele não acredita em seu sofrimento e detalha ainda mais suas la-mentações, com o claro intuito de convencê-lo da realidade e intensidade de suas desgraças.

O analista assinala sua desconfiança e também as dificuldades em perceber as coisas boas, a viagem, a primeira em tantos anos, a despeito das dificuldades. (O analista sente-se algo inadequado por perceber que um dos motivos para mostrar-lhe o “lado bom” era escapar da ansiedade persecutória).

L aparentemente não ouve, mas surpreende o analista com um material aparentemen-te novo, diferente. Conta que chegou em casa de madrugada e não encontrou a mãe no quar-to. Ficou assustada. Sem qualquer pensamento consciente, o analista se surpreende dizendo: “E você pensou que a tinha matado ?” Responde que sim, que havia pensado exatamente isso. Foi tomar banho. Depois abriu a porta do quarto e a mãe estava lá, dormindo. “Mas fingiu que não me ouviu”.

O analista pergunta como ela sabe que a mãe a ouviu. Responde dizendo que fez muito barulho na casa.

A sessão continua com L retomando suas queixas.Ao final da sessão o analista sabe que sobreviveu, como a mãe, e que tem de continuar

suportando o barulho até que fatos selecionados emerjam, sem “fingir” que não ouve.

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O Momento M

AtéagoradescrevemosaFase1naqualencontramosumpacienteagressivoquesequeixaeumanalistaconscientedasdificuldadeserelativamentesatisfeitocomseutraba-lho,certodeque,comotempo,asdificuldadesserãovencidas.Emalgummomentodoprocessoocorreumaintervençãoinadequadadoanalista(MomentoM).

ComLissoocorreuquatromesesapósotrechodesessãorelatado.Como em outras ocasiões L transformou uma intervenção do analista, deformando-a,

tornando-a persecutória e atacando o analista por isso. Não ouve e insiste teimosamente que o analista a acusara injustamente etc. Grita com o analista enquanto este se defende desajei-tadamente tentando dizer que não dissera nada do que ela imaginara ter ouvido…

Nesse momento, sem pensar, o analista bate sua mão com força no braço de sua pol-trona, ao mesmo tempo que, falando mais alto do que ela, a interrompe. Reclama que não o deixa falar e não o ouve. Nesse instante L para com seus gritos e diz, calmamente, com ar vitorioso, num tom irônico, que o analista gritou com ela e ficou nervoso. Ele responde que sim, ela tem razão, ficou nervoso – é um ser humano. Acrescenta “ainda bem que posso ficar nervoso, porque senão você me obrigaria a concordar com tudo o que você diz e, nesse caso, eu estaria com medo de você e você não teria mais um analista”

Nada mais ocorre no restante da sessão, paciente e analista refletindo, em silêncio. Oanalistasente-seconstrangidoeculpadoporsuainadequação,certodequenão

suportouosataquesdeLpordeficiênciadesuacapacidadeanalítica.Está,também,preo-cupadocomarepercussãodeseudescontroleemL.Temreceiodeterdescarregadopartesloucaspróprias,reativadasoudesconhecidasesurgemdúvidassepoderácontinuarsendopsicanalista.ImaginaLsofrendoepreparando-separaumaterrívelretaliação,incluindoainterrupçãodaanálise.

a Fase 2

ApósoMomentoM(Fase2)oanalistaculpadoeansioso,movidopordesejosrepa-ratórios,buscaobservar,minuciosamente,oqueocorreapósaexplosãoenassessõesse-guintes.E,sesurpreende.Aocontráriodoqueimaginavanãosóapacientenãooabandonaouretaliacomoarelaçãoparecemaispróximaecriativa.

nasituaçãodescritadiminuíramasqueixaselamentações.Lpareciasonharepensaremformamaiscoerenteeoanalistasentia-seouvidoeconsideradoemsuascolocações.InicialmenteimaginouqueLoestavapoupandoporsenti-loenfraquecidoeque,logo,osataquesvoltariam.

Masessasuspeitanãocoincidiacomosfatos.Lnãoestavaapenasmenosviolenta,mascadavezmaispróxima,comumaboacapacidadedeobservaroqueestavaocorrendocomelaenasituaçãoanalítica.Omesmoocorriacomoanalista.Estepercebeu,emsegui-da,quenãoestavasendopoupado–osataquescontinuavam,massuascolocaçõeseramouvidasefaziamefeito.Ambososmembrosdaduplapodiamsonharjuntoseseampliavaaredesimbólicadopensamento.

Oestudodesituaçõesclínicasdessetipomostraque,naFase2,ospacientescostu-mamtrazer,nosrelatossimbólicos,lembrançasinéditasesonhosque,comofatosselecio-nados, remetema situações traumáticas vivenciadas em tempos iniciais, situações essas

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nuncaantessonhadasounãodeumaformatãoclara.Elaspodem,porvezes,servincu-ladasavicissitudesdotrabalhodadupla.Oanalistapercebequeaexpansãodamente,naFase2,vaimuitoalémdaqueimaginavaocorrerquandosesentiapaciencioso,naFase1.

Ltrouxememóriasinéditasesonhosnoturnosrelacionadosasituaçõesdeabando-no,taiscomointernaçõeshospitalaresetentativasdesuicídiodamãeeameaçasdesepara-çãodospais,quepuderamserrelacionadasaafetosvivenciadosnarelaçãocomoanalista.Porexemplo,lembra-sedesituaçãotraumáticadeinfância,quenãoforarelatada,emque,aoentraremcasaprocurousuamãeportodososcômodosenãoaencontrou.Imaginou,então,queelahaviamorridoedesesperou-se,sentindo-sesufocadaetendoquesersocor-ridaempronto-socorro.

OanalistaimaginouqueapacientevivenciousituaçõesdessetiponoMomentoM.AconcordânciadeL,noentanto,nãofoiconvincente.AdianteveremosquenovoselementostornarãooMomentoMmaiscompreensível.

a dupla reversão de perspectiva

Frenteaessesfatosnovosesurpreendentes,oanalistaéobrigadoareversuashipóte-ses.ComoapósoMomentoMoprocessoanalíticotorna-sepotente,commaiorexpansãodacapacidadedepensar, eleéobrigadoadeduzirque issonãoestavaocorrendoantes.Suapercepçãodequeoprocesso,comL,estavasendoprodutivonaFase1 revelava-se,portanto,errada:eleestavaestagnadoeaduplaseencontravaenvolvidanumconluioemque,predominantemente,opacienteatacavaoanalistaeeste,emnomedapaciência,nãoreagiadeformaadequada,tornando-seumavítimasofredora.Constituía-se,dessaforma,umconluiosadomasoquista.

Essanovavisão,inversa,fezoanalistaperceberqueforavítimadeumareversão de perspectiva (Bion,1963).Umarevisãodomaterialofazperceberquemuitasvezesaquiloqueparecia serem sonhosdopaciente sendo sonhadospelo analista se constituíamemfalsos sonhos-a-dois. A concordância do paciente servia para desvitalizar as interpreta-çõesdoanalistaeestepôdeperceberque,nãoraro,formavam-sevínculosidealizadosquepassavaminadvertidos.Aidealizaçãomútua,portanto,alternava-secomassituaçõesdeviolência.Como assinalado, nas duas situações o analista está cego para esses conluios(enactments crônicos),aindaquecertoincômodoestejapresente.Masesseincômodonãoésuficienteparaqueele“abraseusolhos”.8

Poroutrolado,oMomentoM,quepareciaserfrutodeumafalhadoanalista,passaaservistodeformainversa.Tratava-sedeumarupturadoconluioanterior,oanalistanãomaissesujeitandoaomaltratoouseduçãodopaciente.AquiloqueSymington(1983)haviachamado“atodeliberaçãodoanalista”.Ocorreraoutrareversão da perspectiva.Essadupla reversão da perspectiva(Fase1eMomentoM)revelavaformasdeataqueaopensamento.

8 Durante a idealização mútua, o que parece simbiótico esconde relação continente-contido parasitária emqueambosacabamdestruídos(Bion,1970).Sãoconluiosmaníacoseoquepareceserelementoalfaremeteaelementosbetaqueparecemserinteligíveis(Sandler,1997)eelementosbalfa (Ferro,1999)queparecemvincular-se,masenvolvem-K.

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Enactment

ParamuitosautorescontemporâneosoMomentoMseriachamadoenactment (Ja-cobs,1986;Ellman&Moskovitz,1998;Bateman,1998)termoquesurgiunosEstadosUni-dosnofinaldadécadade1980,referidoaaçõesabruptasqueenvolvempacienteeanalistaprejudicandootrabalhoanalítico.Adiferenciaçãocomacting-out decorredequenesteoanalistanãoseinclui,participandoapenascomoobservadordasaçõesdopaciente.Jánoenactmentexisteacontribuiçãodoanalista,sujeitoàssuasprópriastransferências,pontoscegos,sendolevadopelarelação,emvezdeacompanhá-la.Aetimologiadotermo(Ma-cLaughlin,1991)indicafatoscomfortepoderdeinfluenciar,comforçadelei.

Essesfenômenosjávinhamsendoestudadosporpraticamentetodasasescolaspsi-canalíticasefaltavaumtermoqueosnomeasse.Porissosuagrandeaceitação.Emoutrotexto (Cassorla,2005a)mostrei suaanalogiacomconceitoscomoatualizações (Sandler,1976),baluartes(Baranger&Baranger,1961-62),recrutamentosmútuosefetivos(Joseph,1989),relaçõescontinente/contidoestéreis(Bion,1970),esugeriquefossecompreendidoapartirdedificuldadesna capacidadedepensar.Obviamente, tratam-sede fenômenosinconscientesequesedesfazemquandosãosubstituídosporpensamentos.9

Classifiqueioenactment emagudo,quandoadescargaéinstantâneaeintensa,comonoMomentoM.Ecrônicoquandoasdescargassemantêmnotempo,estagnandooproces-soanalítico,comonaFase1.numprimeiromomentopropusqueamboseramprodutosdenão-sonhos-a-dois.Atualmentepensoqueessefatovaleprincipalmenteparaoenactment crônico eissoseráexplicitadoadiante.

Comovimos,osnão-sonhos-a-dois(ouenactments crônicos)(Fase1)manifestam-sepormeiodecenaseenredosestanquesquenãoenvolvempregnânciavisualou,quandoelaexiste,éprecáriaousemmovimento.Omaterialnãotemsignificado,nãoháespaçoparaligações,nãoexisteressonânciaemocionalparanovasconexõeseoanalistaestáengolfadopelasituação,nãopercebendooqueestáocorrendo.São,portanto,situaçõesemquearela-çãocontinente-contidoéparasitária,estéril,ambosanulando-semutuamente.

Oenactment crônicorevelaopoderdasidentificaçõesprojetivasexcessivasquere-crutamoanalistaaexercerdeterminadospapéisquemantenhamostatus-quo,impedindomudançapsíquicaporsersentidacomocatastrófica.Oanalistanãopercebequesuamenteestáentorpecida,tomandocomorealidadeoqueéfrutodeidentificaçõesmassivas.ComoBion(1961)descreve:“…sópossochamardeumaperdatemporáriadeinsight,umasensa-çãodeexperimentarsentimentosintensose,aomesmotempo,acrençadequeaexistênciadeles é inteira e apropriadamente justificadapela situaçãoobjetiva, sem recorrer a expli-caçõesrecônditasdesuacausação”(p.137).Emseguida,Bion(1962a)refereessesfatosàaçãodatelabetadopacientequedespertaemoçõesnoanalistapromovendoareaçãoque,inconscientemente,opacientedesejaedestruindosuacapacidadedepensar.10

Osenactmentscrônicosincluem,emsuapotencialidade,pistasquenosmostrariamagênesedosnão-sonhos,osobstáculosàcapacidadedepensar,asreversõesdefunçãoalfa,o

9 Otermoenactment nãodeveriaserutilizadoparaaçõesefetuadasdeliberadamente.Overboto enacttambéméutilizadoparadescreverdramatizaçõesemgeral,dopacienteoudoanalista.Atendênciaéreservarosubstantivoenactmentparaassituaçõesdescritasnestetrabalho,envolvendoambososmembrosdaduplaanalítica.

10EntreosautoresquetêmestudadoaaçãodasidentificaçõesprojetivaspatológicasencontramospioneiramenteGrinberg, 1957;Bion, 1961, 1962, 1974;Rosenfeld, 1965, 1987, Sandler, 1976, 1988;Grotstein, 1981;Ogden,1982;Joseph,1989.Grotstein(2005),dissecandooconceito,propôsotermotransidentificação projetiva paraassituaçõesdescritas.

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funcionamentodestrutivodamente.Parasonharosnão-sonhosoanalistateráqueidentifi-cardentrodesiosobstáculosesabotagensàsuacapacidadedesimbolizar,jáqueseesperaqueeleosvivencieat-one-ment(Bion,1970)comopaciente.

Oenactment crônicosomenteserádesfeitoquandoidentificadoesuaidentificaçãoocorreconcomitantementecomaretomadadacapacidadedepensar.Issoocorreemduassituações:a)quandooanalista,emoutrasáreasdesuamente,captacertoincômodo,le-vando-oapropor-seum segundo olhar (Baranger,Baranger&Mom,1983) aoque estáocorrendo;b)quandooenactment setornaagudo.Aseguiraprofundaremosoestudodestasituação.Antes,porém,apresentaremosumasegundasituaçãoclínica.

Um segundo exemplo clínico

Paciente T, homem jovem. A relação com o analista oscilava entre fases em que T se mostrava violento, destrutivo, atacando-o, e fases em que se mostrava colaborador, trazendo material rico que permitia trabalho produtivo e ampliação do universo mental. Logo o ana-lista identificou certo padrão: após fases de evolução criativa surgiam ataques que tentavam estragar o desenvolvimento obtido. Nessas fases T procurava mostrar que não precisava da análise. O analista não se sentia atingido pela destrutividade e compreendia essas manifesta-ções como revelações do funcionamento borderline. O trabalho parecia caminhar em forma produtiva, com avanços e retrocessos compreensíveis dentro do contexto transferencial. Por vezes o analista se surpreendia aguardando T com prazer, considerando-o um paciente inte-ressante. Isso o levou, em algumas ocasiões, a se perguntar se o processo analítico não estaria indo “bem demais”, cego para alguma coisa.

O analista trabalhava em sua residência e tinha filhos pequenos. Sua esposa era conhe-cida na cidade por sua atividade profissional. Quando surgiam situações transferenciais en-volvendo a família do analista elas eram trabalhadas, aparentemente de forma satisfatória.

Em meados do terceiro ano de análise, o analista muda o endereço de seu consultório. Deixa sua residência por um edifício exclusivo de consultórios médicos. T fora avisado com semanas de antecedência de que ocorreria essa mudança trabalhando-se fantasias em relação a ela. A análise transcorria num clima de turbulência sentido como suficientemente criativo.

Na primeira sessão no novo consultório T entra com a expressão transtornada, pa-recendo fora de si, como ocorrera no início de sua análise, anos antes. O analista sente-se impactado e amedrontado. T não se deita, nem se senta. De pé, agressivamente, diz que não vai mais continuar a análise. Sua fala confusa e repetitiva é contundente e fechada a qualquer questionamento. O analista percebe, com dificuldade, que ele se está queixando de ter sido desrespeitado em relação à mudança de endereço, mas os motivos não são claros. Seu ódio manifesto faz imaginar se não poderia agredir fisicamente o analista. Este se sente desconfor-tável, surpreso e sem a menor ideia sobre o que está ocorrendo. Automaticamente o analista recua, de costas, em direção a duas cadeiras que utiliza para entrevistas e se senta numa de-las. Com isso ele fica longe do divã e de sua cadeira de analista. T continua em pé, próximo à porta que não fechou, reclamando, desafiador, e ameaçando retirar-se. O analista receia que seus gritos sejam ouvidos no restante do prédio.

Em certo momento o analista consegue encontrar uma brecha na fala de T e pode dizer-lhe que não entende porque ele está nesse estado, solicitando-lhe que esclareça suas acu-sações. Tem que elevar o volume de sua voz para que ele o escute.

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Nesse momento T se movimenta e se dirige em direção à outra cadeira usada para en-trevistas, sentando-se frente ao analista. Ainda que incomodado, o analista se percebe curioso em querer decifrar o que está ocorrendo. Permanece o receio de que ele se levante bruscamente e saia da sala, não lhe dando tempo para conseguir algumas pistas. Enquanto T falava, o analista levantou-se, dirigiu-se até a porta e a fechou. Em seguida, voltou a sentar-se diante do paciente.

Aos poucos o analista consegue perceber que T se queixa de ter sido enganado, porque não lhe fora avisado que o novo endereço era um prédio de consultórios médicos. Afirma sentir-se enojado com o prédio, horrível, sujo e com crianças doentes que andavam pelos cor-redores. Isso lhe é horrível. O recepcionista é antipático e incompetente, as escadas são escuras etc. Queixa-se do analista não ter lhe informado sobre “tudo isso”, antes da mudança.

O analista tenta dizer-lhe que lhe informara que era um edifício, mas T o interrompe. Diz que sim, fora informado que se tratava de um edifício, mas não lhe fora dito que era de consultórios médicos particulares. Logo, era um prédio em que todos estavam ali para ganhar dinheiro. Enquanto continua criticando o edifício (a cor feia das paredes, a placa horrorosa com o nome do analista etc.) insiste em que não vai mais fazer análise. O analista sente que já tem uma ou outra pista: vai ser deixado porque T não mais confia nele.

Aos poucos, o analista consegue formular uma intervenção. Após uma ou duas tenta-tivas consegue interrompê-lo e dizer-lhe que não concordava com a acusação de que o teria enganado. T agora ouve. O analista continua: T tinha razão quanto a não se lhe ter dito que se tratava de prédio de consultórios médicos e o analista quer saber porque esse fato o pertur-bara tanto, e pergunta se ele não está com medo de sentir-se muito doente. T diz que não é isso. Que, por sorte, não conhece nenhum médico do prédio, e mesmo que conhecesse poderia dizer que vem participar de um grupo de estudos. Mas, a seguir, continua dizendo que está decepcionado com o analista e que vai embora. O tempo da sessão terminou e o analista lhe diz que as coisas não estão claras e que o espera para a próxima sessão. T retira-se irritado.

Observando-se,apósasessão,oanalista,percebequesesenteconstrangidoeculpa-do,comasensaçãodetercometidoumerro.Suaprimeiraimpressãoédequehaviafalhadonacomunicaçãodamudançadeendereçopornãotercaptadoalgoimportante.Imaginavaquesuafalhahaviafeitoopacientesofrer,desnecessariamente.Tinha,também,receiodenãoestarpercebendoalgumpontocego,porproblemascontratransferenciais.Derelance,também,percebeu-seincomodadoportersesentadonacadeiradeentrevistasenãonasuacadeiradeanalista,atrásdodivã.Enfim,oanalistaestavacertodequehaviacometidoerros,aindaqueelesnãolhefossemtotalmenteclaros.

nas sessões seguintes ao enactment agudo T trazmaterial simbólico rico, princi-palmente sonhos seguidos de associações produtivas. Entra em contato com fantasias,lembrançaseenredosrelacionadosaabandono,separações,decepçõese intrusões, fatosquenãohaviamsurgidoatéentãocomtantariqueza.Tlembrou-sedemudançasquesuafamíliaforaforçadaaefetuar,pormotivosdetrabalhodamãe,obrigando-oaseparar-seconstantementede amiguinhosde infância.Asmudanças ocorriam sempreporque suamãequeriaganharmaisdinheiro,enãoseadmitiamquestionamentos.Essasituaçãofoire-vivida,nocampoanalítico,emfunçãodamudançadeendereçodoconsultório.Tsentiu-seforçadoadeixarolardoanalista,ondeseimaginavafazendopartedesuafamília,trocadoporumlugarsentidocomodesagradávelehostil.Ttambémentrouemcontatocomofatodequenuncapuderacontarcomamãe,umapessoadistanteeestranha.Surgiramtambémlembranças,fatosoufantasiasdeinfância,relacionadasaameaçasdeintrusãosexual.Esses

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aspectospuderam,aospoucos,serressignificados,passandoafazerpartedatramasimbó-licadopensar.11

Retomando a observação clínica

Antesdadigressãosobreenactmentoleitorhaviasidoapresentadoaduasreversõesdeperspectiva.naprimeira,Fase1,grandepartedossupostossonhosenão-sonhosquepareciamestarsendosonhadosnocampoanalíticoeram,naverdade,não-sonhos-a-doisque,agora,podemoschamardeenactment crônico.Acertezadoanalistadequesuapaci-ênciaerasemprebenéficacomL,revelavaumacrença,transformaçãoemalucinose(Bion,1965).ComToanalistapercebeuoconluiosedutorquetornavaaanálisetãogratificante.Ogratificante, umacrença,mascaravaseucontrário,aestagnaçãoemcertasáreas.

AsegundareversãodaperspectivaocorreranaavaliaçãodoMomentoM(enactment agudo),quepareciaserfrutodenão-sonhos.naverdade,nessemomentooconluioanteriorestavasendodesfeito.Oanalistasediscriminadopacienteeretomasuacapacidadedepen-sar,suamenteprópria(Caper,1998),fatosqueocorremaomesmotempo.

Desfeitas asduas reversõesdeperspectiva,o analista sedá contadeque,mesmoconstrangidopeloMomentoM,eleforacapazdedescrevereinterpretar,dealgumafor-ma,oquehaviaocorrido.noexemploclínicocomL,aomostrarquepodiaficarirritadorevelaraquesuapaciêncianãoeraonipotente(oquepareciaser)equeeraoutrapessoa,discriminadodopaciente.Poroutrolado,opacientesedácontadequeseuanalistanãosedeixadestruireissootranquilizaemrelaçãoàsuadestrutividade.OconluiosedutorcomTédesfeitoquandooanalistapôdediscutirasfantasiasrelacionadasàmudançadeende-reço.Tseimaginavafazendopartedafamíliadoanalista,vivendosimbioticamenteemseularidealizado.Comissonegavaseparação,exclusão,inveja.Amudançadeendereçoforavivenciadacomoumadessimbiotizaçãobrusca.Osfatosassinaladosfazemoanalistaper-ceberqueosenactments agudos, indicadoresdaexplosãodocampoanalítico,estimularaminterpretaçõesqueforamúteis.

Suaprimeiraimpressãoforadeque,noMomentoM,estiveraenvolvidoemformaagudaeintensaporumnão-sonho que,emseguida,transformouemsonho.naverdadeoaparentenão-sonhojátinhacomponentesdesonho,eraumpensamentoemação,queatraiuoutrospensamentoseéaissoquesereferemasintervençõesseguintesdoanalista,queampliaramaredesimbólica.Possivelmenteessesonhoocorridoentrepacienteeana-listatinhatambémcomponentesdenão-sonhoque,mescladosaosonho,expressavamsuanecessidadedeseremsonhados.Dessa forma,podemosafirmarqueoenactmentagudoexpressa,aovivo,transformações em sonho.12

Oanalistapoderiadar-seporsatisfeito,confirmandoumfatojásabido:queenact-ments setornamúteisapós suacompreensãoeinterpretação.noentanto,oanalistaaindanãosabeporquenãoidentificouoconluiodaFase1,somentetomandoconsciênciadeleapósoMomentoM.nãosabe,tampouco,oquefezcomqueoenactment crônicosetrans-formasseemagudo.

11OutrassituaçõesclínicaspodemserencontradasnosoutrostrabalhosdoautoretambémemYardino(2008).12Aintensidadedacrençadoautordeque,noMomentoM,estavanão-sonhando(reversãodaperspectiva)fora

talque,atéseupenúltimotrabalho(Cassorla,2008b)sobreofatocontinuouusandootermonão-sonhoparaoenactment agudo,aindaqueseusargumentosmostrassemocontrário...

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Outrofatoquechamouaatençãodoanalistaéque,apósacompreensãodosMo-mentosM,asassociaçõesdospacienteslevaramàidentificaçãodesituaçõesreaisouimagi-nárias,comcunhotraumático,comoexclusões,decepções,violências,intrusões.Essesfa-tos,somadoàagudizaçãodoenactment crônico,fazcomqueoanalistaefetueumahipótesequedeveráinvestigar:senoMomentoMemergiuumfatocomforteteortraumáticoseráqueele,potencialmente,nãoestariapresenteduranteoconluiocrônicoanterior–Fase1?Emoutraspalavras:setomamosoMomentoM(enactment agudo)comoilustrativodevio-lentamudançacatastrófica,oanalistaseperguntasenafasepré-catastróficaseriapossívelidentificarelementosinvariantes(Bion,1965,1970).

Enactment crônico e sonho traumático

Repensandoascaracterísticasdosenactments crônicos,oanalistapercebequenãoseriadescabidocompará-losaossonhostraumáticos.Emambos,umacenaérepetidaerepetida,semampliaçãodesignificado,comonão-sonho.Adiferençaéquenosonhotrau-máticomanifesta-seansiedadeintensa,oquenãoocorreduranteoenactment crônico.

noentanto,comojáfoiassinalado,subjacenteaoenactment crônicoexisteansieda-de,maselanãosemanifestaenãoépercebidacomotalpelosmembrosdaduplaanalítica.Seria,portanto,umadasfunçõesdoenactment crônico tamponaraansiedade?

Sabemosqueumadasfunçõesdosonhotraumáticoéabuscafrustradadaansieda-de-sinal(Freud,1926/1962),funçãoque,casonãotivessesidoprejudicadapelasituaçãotraumática,acionariadefesascontraela.naverdade,otrauma(aintensidadedeestímulosinternose/ouexternos)sefaztraumajustamenteporqueamentefoilesadaatalpontoquenãofoicapazdeacionaraansiedade-sinalprotetora.Amenteé,então,vivenciadacomosendodestruída,opacientesofrendoansiedadedeaniquilamento.

Essamentelesadaperdeacapacidadederepresentar,desimbolizar.Instala-seumburaco,vazioterrorífico,nãomental.Vive-sedormentalquerefleteaameaçadonada,ino-minável,oterror sem nome. Onão-sonhotraumáticoincluiarepetiçãodasituaçãotraumá-tica,numatentativafrustradadesonhá-la.Comoamentedopacienteestálesadaesperar-se-iaqueoanalistapudessesonharessenão-sonho.

Dessa forma,podemosconsideraroenactment crônicoumnão-sonho-a-dois comansiedadetamponadaemqueasituaçãotraumáticaécongelada,nãopodendomanifestar-seclaramente.

Emalgummomento(M)oenactment crônico explodetransformando-seemenact-ment agudo.Essatransformaçãoindicarevivescênciadotrauma,antescongelado,elibera-çãodaansiedadetamponada,quetomambruscamenteocampoanalítico.

Resumindo:aobservaçãodasconsequênciasdosenactmentsagudosnoslevaaper-ceberquegraçasaelesoanalistaabre os olhosepercebequeestavaenvolvidonumcon-luioobstrutivo,umenactment crônico. Esseconluio contémumcondensadodefenômenoscongelados,relacionadosa traumas, taiscomoafetos terroríficos frutosdaansiedadede

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aniquilamento,restosmnemônicosdoimpacto,amostrasdefunçõesmentaislesadas,de-fesascontraapercepçãodessesaspectos.13

Oenactment agudo indicadescongelamentodocondensadoerupturadobloqueioanterior.Otraumaérevivido,emformaaguda.Ocampoanalíticoétomado,emformaintensaeviolenta,porexplosõesafetivasenvolvendodesgarro,abandono,intrusão,sepa-ração,aniquilamentoetc.Emoutraspalavras,oenactment agudo manifestaumacatástrofepsicológicaemqueotraumaestásendorevividonocampoanalítico.

Masestarevivescêncianãoserátraumática.Issoocorre(emparte)porque,emsegui-daaoMomentoM,oanalistaconseguecompreender,interpretareressignificarotrauma,aindaqueissonãolheseja,deinício,totalmenteconsciente.Outrofator,maisimportantequeesse,veremosadiante.AFase2,comenredosquepodemserpensados,indicaquepar-tedamentelesadaserefez,comrecuperaçãodafunçãosimbólicaeampliaçãodouniversomental.14

Agorapodemoscompreendermelhorporqueoanalistasente-seculpadoapósosenactments agudos.Elereceiaquesuassupostasfalhastenhamcontribuídoparaaretrau-matização do paciente. Aindaqueissonãolhesejaclaro,oanalistaintuiqueoenactment agudoéresultadodarupturadasdefesascontraotrauma,congeladonoenactment crôni-co.

Função alfa implícita durante o enactment crônico

nomodeloproposto,opacientetraumatizado,paraevitarretraumatismo,se“agar-ra”pordentroaoanalista,estimulando-oaparticipardoenactment crônico.Esseagarra-mentolembraodeumapessoaseafogandoqueseagarraaseusalvadorcomtantaforçaqueambosficamparalisados.

Oanalistaimobilizadonãopoderáserintrusivonemabandonaropaciente,asduassituaçõestraumáticasporexcelência.Masaoparalisaroanalista(eestesedeixarparalisar)oprocessoanalíticoestanca.

Asquestõesquemerecemmaiorinvestigação,agora,sãoasseguintes:Quefatoresfazemcomqueanalistaepaciente,derepente,desfazamseuagarra-1.mentoconfiandonapossibilidadedereviveremotrauma?Porqueotraumapermanececongeladocomo2. enactment crônico?

Pensoqueaemergênciadotrauma,pormeiodoenactment agudo,ocorreemdeter-minadomomento(nãoantesnemdepois)quandoaduplaanalíticapercebe,inconscien-temente,queforamrestauradasfunçõesmentaissuficientesparasuportaredarcontadotraumarevivido.

13Aindaqueno traumaosregistrosdaexperiênciaestejamexcluídosdaredesimbólica,algumasmemóriasdesituaçãotraumáticapodemserinscritassobaformademedo,culpa,vergonha,humilhação,dissociadas,masquetalvezpossamserprecariamentesimbolizadas(Person&Klar,1994).noentanto,aconexãocomoutrossímbolosnãoocorre,otraumaficandocindidodaredesimbólicaqueconstituiopensamento.Brown(2005)sugerequeas manifestações não sonhadas se referem à tela beta organizada em forma rígida, concretização defensivaquepermiteàpsiqueumsensoestanquedeorganização,frutodareversãodafunçãoalfa.Sãoelementosbetaaparentementeinteligíveis(Sandler,1997).

14Evidentemente,essasrecuperaçõespontuaisserãoseguidasdenovasrecaídas,oprocessoanalíticodesenvolvendo-secomomovimentoespiralardeavançoseretrocessos.

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Paraefetuarhipótesessobrecomoocorreessarecuperaçãodofuncionamentomen-talemáreatraumática,teremosqueexaminar,emdetalhes,aspectosdotrabalhodoanalis-taduranteosenactments crônicos.

Esseexamenosmostraque,aindaqueoanalistaestivessecegoparaseuenvolvimen-toemconluioobstrutivo,eledesconfiaquealgoerradoestavaacontecendoetentaentraremcontatocomofato.

noexemplodapacienteLoanalistapercebiaaviolência, a invejaeosataquesàcapacidadede pensar, que tentavadescrever e interpretar. Essas interpretações estavamcorretasdopontodevistaformalemesmoemrelaçãoaotiming.Entretanto,apacienteasatacavaourapidamenteasdesvitalizava.Oanalistaimaginavaquecompreendiaoqueestavaocorrendoepensavaquedeveriacontinuarinterpretandopacientemente,semes-morecer.Paratal,lembrou-sedeumditadopopular:“águamoleempedradura,tantobateatéquefura”.

ComToanalistaporvezesseperguntavaseoprocessoanalíticonãoestavaindobemdemais.Chegou,emcertaocasião,apensaremdiscutiromaterialcomcolegas,masacabounãoofazendo.DuranteaFase1Tconcordava,comfacilidade,cominterpretaçõestransferenciaisrelacionadasaseparaçõeseexclusões.SomenteapósoMomentoMoana-listapercebeuqueessaconcordânciafácileraumaformadedesvitalizaçãodoprocesso,impedindoaprofundamento.

Emoutraspalavras,nessescasosverifica-seque,empartedesuamente,oanalistacaptaasdefesascontrao trauma,buscando interpretá-las.Masessas interpretaçõesnãofuncionamousãodesvitalizadas,mantendo-seoconluioobstrutivo.Estefatonãoéclaroparaoanalista.Istoé,duranteoenactment crônico,aindaqueanalistaepacienteestejamemaranhados,aquelemantémcertacapacidadedediscriminarepensaremalgumasáreas.Istoé,emcanaisparalelosàobstruçãooanalistausasuafunçãoalfadeformaimplícita.15

Proponhoqueessafunçãoalfaimplícitavairestaurando,aospoucos,funçõesmen-taisdopaciente.Emalgummomento,seintuiinconscientementequejáhouverestauraçãosuficienteparaenfrentararevivescênciadotrauma,semtantoperigo.Esseenfrentamentoé necessário para que ocorra ressignificação.As defesas são abandonadas e o trauma érevivido,comoenactment agudo.16nãosetrata,noentanto,deumasimplesrevivescênciaporqueotraumajávinhasendosonhado.Oquepareceserumacatástrofedestrutivaéumamudançacatastróficareferenteaocontatoabruptocomarealidade.Trata-se,portanto,deumtraumaatenuado.

Ahipótese levantadaacimasobre funçãoalfa implícitanos fazsuporaexistênciadeprofundacomunicaçãoinconscienteentreosmembrosdaduplaanalítica.Seriaoutrafunçãodoenactment crônicofacilitaressacomunicaçãoinconsciente?

Duranteoenactment crônico,quandoopacienteseagarra aoanalista,tamponandoalesãotraumática,estepassaasecomportarcomoescudo protetor(Freud,1920/1962),omesmoescudo protetor(mãe,porexemplo)quelhefaltounasituaçãotraumática.

Obebênormalmentetesta,otempotodo,acapacidadeescudo protetordamãe,jáquetodasassituaçõesdevidasãopotencialmentetraumáticas.Parataleleprecisacaptar

15BarangeretAL.(1983)mostramqueobaluarte(queconsideramostersimilaridadescomoenactment)podeconstituir-secomoumcorpoestranhoestático,enquantooprocessoanalíticosegueseucursoemoutrasáreas.

16no modelo da pessoa se afogando, é como se o salvador (por manter-se vivo e buscando pensar) tivesseconvencidootraumatizadoaconfiarnosrecursosdaduplaparasobreviverem,mesmoquebastanteáguapossaserengolidaquandosesoltarem.Dessaforma,podemseparar-seeajudar-se(pensar)mutuamente.

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estadosemocionaisdamãe.Possivelmentequantomaissensívelevulnerávelobebê,maisessacapacidadeseaguça.Pensoqueopacientefaráomesmocomseuanalista-escudo-pro-tetor.Oanalista,porsuavez,tambémexaminainconscientementeofuncionamentomen-taldeseupaciente,aomesmotempoqueintroduznelefunçãoalfaimplícita.EsseprocessoteriarelaçãocomoqueSternetal.(1998)chamamrelação implícita compartilhada (shared implicit relationship), umengajamentointersubjetivoaquémdasimbolização.

Duranteo enactment crônico,mesmoqueo analistanão compreenda, pareça in-competenteoumesmoagressivo,opaciente senteque esses retraumatismos sãomenosdisruptivosquenopassado.Issoocorrepordoismotivos:

Opacientefantasiaquecontrolaoanalista.1.Porqueoprofissional,mesmoquefalhe,emoutrasáreasdesuamentecontinua2.trabalhando,tentandoobservar,indagar,discriminarenãoabandonandoode-sejodecompreendermais.Essesfatosfazempartedafunçãoalfaimplícita.Opacientecaptaesseinteresse.Emoutraspalavras,aindaqueumapartedopro-cessoanalíticopareçaestagnadoemalgumasáreas,ocorreconcomitantementedesenvolvimentoimplícitoemoutras.

a comunicação inconsciente durante o enactment crônico

Asobservaçõesehipóteseslevantadasnoslevamasuporque,subjacenteàparalisiadoenactment crônico,ocorremmovimentosqueretomamsituaçõesiniciaisdedesenvol-vimentodamente,emsuaspotencialidadeseobstáculos,taiscomoasimbioseinicialeonascimentopsicológico(Tustin,1981).

O paciente inconscientemente examina seu analista-escudo-protetor, através deidentificaçõesprojetivaseoutrosmecanismos,avaliandosuacapacidadedecontinência.Oanalista,poroutrolado,examinamicroscopicamenteotecidotraumáticoeasdefesasquetentamprotegê-lo.Emfunçãodesseexame,dosaaquantidadederealidadequevaiintro-duzindonopaciente,cuidandoparaevitarretraumatismo.Aintrojeçãodefunçõespen-santespelopacientevaisendoefetuadapoucoapouco.Elementosdasituaçãotraumáticavãoadquirindo,dessaforma,condiçõesdepensabilidade.Utilizandoomodelodotraumacomo ferida, é como se ela fosse cicatrizandodaperiferia (entorno simbólico, segundoLevy,2005),ampliando-seemdireçãoaocentrodonúcleotraumático.

O analista acompanha osmovimentos do paciente, suas dificuldades, bloqueios,obstruçõeserecaídas.Quandoopacientenãoconsiderasuashipótesesouasdesvitaliza,oanalistaconcluiinconscientementequeaárealesadanãoserecuperouosuficienteparasuportararealidade,devendocontinuarseutrabalho.Oanalista,porsuavez,concomitan-tementecontribuiparaoconluioparalisante,aonãoperceberclaramenteadesvitalizaçãodoprocessoeseurecrutamentopelosaspectosobstrutivosdopaciente.

Fazpartedafunçãoalfaimplícitaacapacidadedeoanalistasuportar,pacientemen-te,osmovimentosobstrutivosfrutosdalesãotraumáticaedasobstruçõesàsuarecupera-

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ção,semdesistirdebuscarnovasformasdepensaroqueestáocorrendo.Pensoqueessapaciênciaénecessáriaeseaproximadoquepoderíamoschamarmasoquismonormal.17

Oenactment crônico édesfeitoquando,emalgummomento,seintuiquetecidotrau-máticofoirefeitoemformasuficienteparaqueasdefesassejamabandonadas.Oanalistanãomaisprecisafuncionarcomoescudoprotetor.Asituaçãotraumáticaéentãorevivida,comoenactment agudo.

Casoarecuperaçãodotecidotraumáticonãofossesuficienteoreviverdotraumaseriaabortado,retomando-seasdefesas.Possivelmenteissoocorre,muitasvezes,duranteosenactments crônicos.

Podemosconsideraroprocessodescritocomo trabalho de elaboração do trauma,similaraotrabalho de luto,emquecadaaspectodotraumatemqueserminuciosamentetrabalhado.

Mas adescriçãoacimanão conflita comaobservaçãodoanalistaparalisado, emconluioobstrutivo,noenactment crônico?Comojáfoiassinalado,amentedoanalistafun-cionaconcomitantementeemdoiscanais:numdelescontribuiparaaparalisia,obstruídasuafunçãoalfa,vivendomasoquismopatológicoouutilizandodefesasmaníacas.nooutroseentrega,naformadeummasoquismonormal,necessário,aoconluioobstrutivo.Oana-listaseenvolvenoprocessoporsuanecessidadedeentraremcontatoprofundocomárealesada traumática, tendoquevivê-la, testar sua fragilidadeecontribuircuidadosamenteparasuarecuperação,suportandodoresesofrimento.

Emresumo,oanalistaviverá,dentrodesi,omesmoqueopaciente,tendoquelidarcomárea traumática,paradevolvê-lamais recuperadaaopaciente.Evidentemente, issolevatempo,àsvezesbastantetempo,eesseseráotempodoenactment crônico, otemponecessárioparaaelaboraçãodotrauma.

a clínica borderline

Ospacientesdescritosnestetrabalhonãosuportamarealidade,sentidacomotrau-mática,por faltade condiçõesmentaisparapensá-la.Essa faltapodedecorrer tantodefatoresinternos(deficiênciaeataquesàfunçãoalfa)comodaintensidadeequalidadedoestímulotraumático,superioràcapacidadedopacientepensá-lo.

Essespacientes,duranteoprocessoanalítico,agarram-seaoanalista(porvezesatra-vésdeenactment crônico)tantoparaevitarotraumacomopararecuperarfunçõesmen-tais,atravésdaintrojeçãodafunçãoalfadoanalista.Essesfatosfazempartedaclínicadopacienteborderline.

Opacientebordelineédescritocomovivendonummundovazio,comfaltadecoesãodeseuself,cindidoeprojetadoidentificativamenteemobjetosdosquaisdependedeses-peradamenteeque,aomesmotempo,senteintrusivamenteameaçadores.Suasangústiasbásicassãodeseparaçãoeintrusãoeelasremetemaoterrordenãoser,denãoexistência,deaniquilamento(Kernberg,1980;Grotstein,1984;Green,1986;Fonagy,1991;Figueiredo,2003,2006).

17Essemasoquismonormalserásimilaràpaciênciaecapacidadedesofrersofrimento,semesmorecer,própriodafunçãomaterna.Estetemafoiabordado,deformacriativa,porGalvez(2004).Bion(1970),tambémusaotermopaciênciaparaosofrimentoetolerânciaàfrustraçãoqueoanalistadevesuportarenquantonãoadvémofatoselecionado.

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Mas,concomitantemente,podemexistiroutraspartescindidasdopacientequefun-cionamrelativamentebem.Ainstabilidadedoegoéresultadodefalhasnaintrojeçãodoobjeto,resultandoemvivênciasfrutodesuperegomoralísticodapartepsicóticadaperso-nalidade(Bion,1959/1967)resultadodeprojeção,dentrodoobjeto,deaspectosdestruti-voseinvejosos.Acoesãodesuaidentidadeacabapordependerdecomosãovivenciadososobjetosexternosdentrodosquaisviveprojetivamente.Rey (1994)osdescrevecomopacientesquevivemnumaconcha,quetêmumacarapaçaexterna,masnãotêmcolunavertebral.Aoviveremcomoparasitasnessaconcha,quepareceterememprestadoourou-bado,estãoconstantementeinseguros.

Asangústiasarcaicas,frutodetraumasiniciais,fazemcomqueopacienteseagarreaoanalista,tantoparaevitarseparaçãocomointrusãodoambiente.Oenactment crônico revelaavidadentrodaconcha,paraondeoanalistaéatraído.Movimentosdeataqueeaproximaçãoocorremdentrodaconcha,semriscodetrauma,porqueoobjetoémantidosobcontrole.Porissooanalistasente-seconstantementeprovocado,atacadoouseduzido,masimobilizadoemrelaçãoàutilizaçãoprodutivadessessentimentos.

Asprovocaçõesdopacienteemrelaçãoaoanalistapodemdaraimpressãodeformasdetestararealidade.Mascomoostraumasiniciaisocorreramquandoarelaçãoeradiádi-ca,nãoseformouumespaçotriangularquepossibiliteopensamento(Britton,1998).Porissoossupostostestesderealidadefalham.Emoutraspalavras,nãoháespaçoparasonho,eoenactment crônicoqueocorredentrodaconcharepeteessasituaçãodiádica.

Forma-seentãoumcírculoviciosofrutodaimpossibilidadedeutilizarfunçãoalfa:opaciente sente-se traumatizadopela realidadeporquenão temespaço triangularparapensar.A falta desse espaçodecorredanão elaboraçãoda situação edípica, impedindoautilizaçãode recursosdaposiçãodepressiva,quenãoé atingida.Aomesmo tempoocontatocomasituaçãotriangularévivenciadacomotraumáticaporquenãohárecursosparasimbolizá-la,mantendo-seouretornando-seàsituaçãodiádica.Esta,porsuavez,éinstável,ameaçadapelocontatocomoterceiro,comarealidadeetc.

Comovimos,nasituaçãoanalítica,duranteosnão-sonhosdosenactments crônicos, opacienteseagarraaoanalistaprocurandoevitararevivescênciadassituaçõestraumáticas.Oanalistadeveriaperceberessefato,masissonãoocorre,paralisadopelasidentificaçõesprojetivasmassivas.no entanto, em canais paralelos à paralisia, inconscientemente, vaiintroduzindofunçãoalfaimplícita.

Afunçãoalfapermiteosonho,asimbolização,opensamento.Essesprocessosim-plicamaativação,ao mesmo tempo, deoutrosmecanismos:ocontatocomarealidade,aseparaçãoself-objeto,arecuperaçãodaspartesdoself queopacienteintroduziudentrodoanalista.Paraqueissoocorraopacientedevefazerumtrabalhodelutopeloobjetoperdido,reconhecendooquepertenceaoselfeoqueédoobjeto.Estepassaaservistodeumaformamaisrealista.Steiner(1996)colocaquenãosesabeexatamentecomoaspartesdoselfsãorecuperadas,epensaquetalvezocorraumamudançanapercepçãodoobjeto.Podemospensarqueessamudançanapercepçãodecorrejustamentedaintroduçãodafunçãoalfadoanalista.Emoutraspalavras,afunçãoalfapromovecapacidadedesimbolizar,queéomesmoquesonharepensar,queéomesmoqueelaboraroslutospeloobjetoepelaspartesperdidasdoself,queéomesmoqueresponsabilizar-sepeloselfepeloobjeto,queéomes-moqueentraremcontatocomarealidade,queéomesmoquecriarumespaçotriangular,quefazpartedaposiçãodepressiva,quepermitesuportarfrustração,quepermiteopensa-mento,queelaboraasituaçãoedípica,quepermiteviverarealidadeetc.

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Paraqueessesprocessos,altamentecomplexoseimbricadosentresi,possamocorrerénecessário,alémdeumapessoavivacomfunçãoalfadisponível,quesepermitaapassa-gemdotempo necessário, otempodoprocessodeluto,otempodoprocessodeelaboraçãodostraumas,otempodoenactment crônico.

considerações finais: Funções do não-sonho-a-dois (enactment crônico)

Evidentemente,umprofissionalpodenãosonharonão-sonhodeseupacientepordificuldadescontratransferenciaispróprias,frutodeconflitosnãoresolvidos.nestecaso,eleéresponsávelporumeventualenactment. nestetrabalho,noentanto,discutimossitua-çõesemqueoprofissionalseenvolvenoenactment nãosomenteporeventuaisdeficiênciaspróprias,massurpreendentementetambémcomoumaformadeentraremcontatopro-fundocomáreastraumatizadas.

Identificamospelomenossetefunçõesnessesenactments crônicos, queocorremaomesmotempo:

Evitararevivescênciadotrauma,congelando-oetamponandoaansiedade.1.Imobilizaroanalistaparaqueelenãoretraumatize.2.Utilizaroanalistacomoescudoprotetorfrenteaotrauma.3.Permitircontatoprofundo,inconsciente,entrepacienteeanalistaquepossibilite4.examinaráreastraumatizadas.Recomporfunçõeseparteslesadasdamente,elaborandootrauma.5.Esperarotemponecessárioesuficienteparaqueessetrabalhoelaborativoocor-6.ra.Utilizarafunçãoalfaimplícitadoanalistadaqualfazempartefatoresdositens7.anteriores.

Aindaqueconheçamosalgunsfatoresnãosesabeprecisamentecomoafunçãoalfafunciona (Bion, 1962b, 1992;Grotstein, 2000, 2007; Sandler, 2005,TabakdeBianchedi,2008).nestetrabalhoenfatizamossuaaçãoimplícitaeaassociamosàprofundacomunica-çãoinconscienteentreosmembrosdaduplaanalítica.Pareceriaqueosonhoinconscientedoanalistaécaptadopelopaciente,paraalémdacomunicaçãoexplícitaeessefatomerecemaiores investigações. Sternet al. (1998) efetuamhipóteses criativas sobremovimentosintersubjetivosimplícitos,quecoexistemcomoconhecimentoexplícitodarelaçãotrans-ferencial.Essesmovimentosdesembocamnoqueessesautoreschamammomentos de en-contro (moments of meeting), queocorremquando cadaparticipante (principalmente oanalista)manifesta“algoúnicoegenuínodesicomoindivíduo”(“somethinguniqueandauthenticofhisorherselfasanindividual”)(p.912),paraalémdeseuspapéisterapêuticosrotineiros.Essesmomentos de encontro alteramocontextointersubjetivoabrindoumnovoespaçopararearranjosnosprocessosdefensivos.Essasideiassãomuitopróximasaoquesupomosqueocorreduranteoenactment crônico, equedesembocanoenactment agudo.

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Porisso,pensoqueosmomentos de encontrojásãodecorrentes,também,detrabalhodafunçãoalfa.18

Continuamos,noentanto, comumproblemanão totalmente solucionado.Aindaquenãosenegueaimportânciadarelaçãoimplícitacompartilhadaporqueoanalistatemquepermanecernoenactment crônico,semterconsciênciadisso?nãoseriamaisútilparaoprocessoanalíticoseoanalistaseliberassedoconluio,emantivesseapaciêncianecessáriaintroduzindomaisfunçãoalfaemformaexplícita?Paratentarresponderessasquestõesutilizo,denovo,analogiacomfunçãomaterna.

Umamãeadequadaprocuraser oseubebê,vivendoseusofrimentoesituaçõestrau-máticasparapodersonhá-lasporele.Paraqueissoocorra,elasecegaparcialmenteparasuasprópriasnecessidadespermitindoqueemerjaseumasoquismonormal.Constitui-sealgoparecidoaumenactment,amãesofrendocomseubebê,masnãotendoconsciênciaclaradessesofrimento.Comissoamãenãopercebeoirrealismodeseumasoquismopo-dendomantê-loportodootempoquefornecessário.Seessanegaçãofordesfeitapreco-cementeamãecorreoriscodenãosuportarsuaidentificaçãocomosofrimentodobebê,podendodesligar-sedeleemformatraumática.

Emsituaçõesextremas,paispodemsedeixarmatarparasalvaravidadeseusfilhos.Issosomenteserápossívelsehouverumaprofundaidentificaçãocomeles,sentidoscomopartesdesimesmos,paraalémdarazãoexplícita.

Dessaforma,oenactment serianecessárionãosomenteporcausadassetefunçõesdescritasacima,mastambémporqueoanalistatemquenegarprovisoriamenteoirrealis-modeseumasoquismo,comoocorrecomamãedobebê,parapodersofrerjuntocomseupacienteat-one-ment.

Ospontosehipóteses levantadosnestetrabalhovisamlevantarproblemaseabrircaminhos.nãotentamjustificareventuaiserroselimitaçõesdoanalista,mastentacom-preendê-losparaalémdesuaprópriaresponsabilidadejáquelidamoscomoinfinito–dapsicanáliseedanossamente.

aPÊnDicE:Repensando os não-sonhos

EsteApêndice envolve especulações teóricas e proposta de classificações para osnão-sonhos,quedemandammelhorelaboração.

Autilizaçãodascategorias sonhoenão-sonhonãoé totalmenteadequada, jáqueelasindicamapenasosextremosideaisdeumespectro(comoodascores)relativoaofun-cionamentomental,espectroesseemquenãosóexisteumcontinuumdepossibilidades,como tambémessas possibilidades podemcoexistir.Teremos, por exemplo,não-sonhosquebuscamtornar-sesonhos,quasesonhos(Rezze,2001),sonhos querelutamemampliarseusignificado, sonhostransformando-seemnão-sonhos, terroresnoturnos e sonhos inter-rompidos (Ogden,2004),estadosconfusionaismesclandonão-sonhosesonhos, não-sonhosquesemanifestamcomopesadelos.Situaçõesilustrativasdafunçãosonharocorremquan-

18Grotstein (2000, 2008) propõe a existência de uma função-alfa rudimentar no bebê que é capaz de enviarmensagensparaamãecaptandoasressonânciasdelanecessárias,paraalémdacomunicaçãoverbal.Supõequeseassemelheauma“estruturaprofunda”,comoasquepré-determinamoaprendizadodalinguagem,segundoChomsky.

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dopacientesemrecuperaçãopodemlembrarecontar,emocionados,antigosnão-sonhos(dainfância,porexemplo)–simbolizadosretroativamente–emquemalsesentiamvivos,nummundosemsignificado.19

Oanalistachamarásonho àquelasproduçõesquesimbolizamsituaçõesquetransi-tamcomflexibilidadeecriatividadepelaredesimbólicadopensamento.nessetransitarsempreseencontrarãodefesas,identificadascomonãopsicóticas.noentanto,nodecorrerdosonhopodeocorrerquesechegueaáreasperigosaseosonhodanoiteseráinterrompidocomopesadelo,umnão-sonho queacordaráosonhadorembusca,talvez,demobilidadecorporalparaexpulsá-lo.20

Duranteosonhodavigíliaoanalistapodeperceberquandoopacientenãopodeviverarealidade(interna/externa)transformandoopensamentosimbólicoemdescargas,não-sonho.Oanalistaobservaoataqueaopensamentoearetraçãodouniversomental.Oinversoindicasuaexpansão.Outrasvezesoanalistapercebequecertossonhosencobremáreasdenão-sonhopotencial,visandosuanãomanifestação.Sonhosenão-sonhospodemmesclar-seoutransformarem-seemseuopostorapidamente,deixandooanalistaconfuso.Descargas,porsuavez,podemseracompanhadasounãoporimagens.Estaspodemtervariadosgrausdeclareza,bizarrice,permanência,rigidezouvinculação,podendoservivi-dascomofazendopartedomundointerno,domundoexterno(comoalucinações)oudeambos.Epodeocorrerdeonão-sonhomanifestar-seatravésdenada,umvazio.Oanalistanãoconseguefigurá-looulhevêmimagenscomoquedeburacos,desertos,vazios.

Frenteatantaspossibilidadesmeproponhoàdifíciltarefadetentardiscriminaral-gunsfatosdentrodocontinuum descrito,querefletemcontinuum similarentreelementosbetaeelementosalfa,masnãosóisso.

Seutilizarmosumvértice clínicopodemos imaginar, numextremo,umpacienteautistaouumcatatônico,queabsolutamentenãosãocapazesdeseexpressar,menosaindapensamentos.Caminhandono espectro,próximoa esse extremo,poderemos encontrarumpacientesomatizadorcujonão-sonhosemanifestaporqueixasfísicasrepetitivas.Outrotraránão-sonhostãofragmentadosquesimularãoumjatodeurina,porexemplo(Segal,1981).Aoanalistacomumentenadalheocorreeseutrabalho,setiversorte,costumaini-ciar-sesonhandoelementosdeoutrasáreasmaisacessíveis.Outropacientejorrapalavrassemsignificaçãoouescombrosmentaiseoanalistapodeteresboçosdeimagensquelheescapamousãodifíceisdemanter.Seguem-se,nesseespectro,pacientescapazesdeestimu-laremimagensoucenas,masestassãoestáticasesemressonânciaemocional.Oanalistapoderáutilizá-lascomomatériaparaseusonhopróprio.Flashesoníricosdavigília(Ferro,1996), sonhosnoturnos, enredos enarrativas simbólicas, indicamooutro extremo, emqueelementosalfasemanifestam,melhoroupiortrabalhadospelosaparelhosdesonharsonhosepensarpensamentos.

19Porexemplo,HelenKeller,quesofreulesãoneurológicacomcegueiraesurdeznainfância,descrevesuavidaemumnão-sonho:“Vivianummundoqueeraumnãomundo.Eunãopodiaesperardescreveradequadamentemomentos inconscientes, inclusive conscientesdenada.Eunão sabiaquenão sabianada,quevivia, agiaoudesejava.nãotinhanemdesejonemintelecto.Eraconduzidaentreosobjetoseatosporcertoímpetonaturalcego.Tinhaumamentequeme fazia sentir fúria, satisfação,desejo.Estesdois fatos levarama suporque eudesejavaepensava.(...)nuncavinadadeantemãoouoescolhi.Tambémressaltoquenuncanumgestoounumabatidadecoraçãosentiqueamavaoucuidavaalgo.Minhavidainterior,então,erasematrativo,sempassado,presenteoufuturo,semesperançaouantecipação,seminterrogante,prazeroufé”(Keller,1909,apudTyson,2000,p.62;traduçãominha).

20Bianco(2009)observouquepacientescomapnéiadosonoacordavamjustamentequandoseusonhoestavasetransformandoempesadelo.

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Reflexõessobre não-sonho-a-dois, enactment efunçãoalfaimplícitadoanalistaRooseveltM.S.Cassorla 113

Senossovérticedeobservaçãoforacapacidadedesimbolizarencontraremosnão-símbolos,signosequase-símbolos,equaçõessimbólicas(Segal,1957),símbolosestáticos,comdificuldade de vinculação, símbolos com algumgraude vinculação,mas que per-deram sua capacidade expressiva (Barros, 2005), símbolosque se vinculamentre si emformasvariadasmaisoumenoscriativas.Oespectronão-símbolo<–>redesimbólicaemexpansãotemdupladireção,ocorrendoavançosereversões.Easváriascategoriaspodemencobriroutrasousemanifestaremconcomitantemente.21

Reduzindonossovérticedeobservaçãoàsáreasdefuncionamentomentalveremosqueonão-sonhodapartepsicóticadapersonalidadeenvolveelementosbetafrutosdare-versãodafunçãoalfa.Istoé,elecontémescombrosdeobjetosedepartesdamentequepo-demmanifestar-secomocenasestanques,semcoerência,comumentebizarras.Oanalistasonhaapartirdesuavivênciadessesescombros.

Essessonhoscontêmáreastraumáticas,queeventualmentepodememergiremfor-mamaisexplícita.Asconsequênciasdotrauma,identificáveisnarelaçãoanalítica,sãova-riadasepercorremumespectrodecorrenteda“intensidade”e“extensão”emqueamentefoilesada.22numdosextremosdoespectroteremosáreasdenãorepresentação,devaziosrepresentacionais.Ficaaquestãoseépossívelumaáreadenãoregistroabsoluto.Essasáreasdenegativação,derupturanatramaderepresentação,têmsidoestudadas,entreoutros,porGreen(1983,1998),Lutenberg(2007)eosBotella(2003).Ocorreumafraturanessatrama,resultandoumazonadedorpsíquicaquenãoseráfigurável.Emoutraspalavras,otrauma,aoalteraracapacidadedesimbolizar,impedequeelemesmo,otrauma,sejasimbolizado.Possivelmenteoquesemanifestasãoescombrosdeáreasadjacentesaotraumaquebuscamrevivê-lotantoparacontrolá-locomobuscandoelaboração.Haveriaumentornosimbóli-coaovazioquepoderia,a posteriori,dar-lhecertosentido(Levy,2005)ouseformaumatelabetarígidacomessamesmafunção(Brown,2005).Onúcleotraumáticonadarevela,oumelhor,indicaaexistênciadeumvazio(Winnicott,1974,Lutenberg,2007),umblank (Green,1983),umburaconegro(Grotstein,1990;Guignard,1997; Imbasciati,2006).Oanalistadeverásonharessevazioeissoémaisdifícilquenasituaçãoanterior.Comumenteeleteráqueusarcomo“remendos”construções(Freud,1937/1962)quelheexigemmaiorapostapulsional(Marucco,2007).

Emseguida,nesseespectrolesional,teríamosáreasderepresentaçãomentalmuitoprecárias.Umaáreaintermediáriapoderiacorresponder,porvezes,aoqueKhan(1963)chamoutraumacumulativo,emquesituaçõesderupturasnoescudoprotetor,“nãogritan-tesnemagudas”(p.99),seacumulamdemaneirasilenciosa.23

noentanto,qualquerquetenhasidoograudenãorepresentaçãoouderepresenta-ção,nãohápossibilidadedequeocorrasimbolizaçãoadequada,transformaçãodeelemen-tosbrutosempotencialmentepensáveis,elementosalfa.Porvezespodematése formarsímbolosemseuaspectorepresentativo,maselesperdemsuaplasticidadecomorepresen-tanteeexpressãodealgo,empobrecidosemseucaráterdenotativoeexpressivo,oqueim-

21Segal(1981)nosfaladesonhospreditivosqueenvolvemsimbolizaçãoeevacuaçãoaomesmotempo.22Bokanowsky(2005)diferenciatrauma,emqueocorredestruiçãodamente,detraumatismo,quesemantémem

áreanãopsicótica.23OsBotella(2003)discutemtambémotraumacomonegatividadeque“sueleestarpresentebajolaformadela

normalidaddelafecto,delcarácter,delainhibición,perototalmenteausenteenlasasociacionesyeneljuegotransferencia-contratransferencia...” (...) “Su existencia sólo puede sospecharse a través de ciertos trastornos,‘accidentes’delpensamiento,quepruebanlapresenciadeunaperturbacióndebidaaunanorepresentaciónynoalcontenidodelacontecimiento”(p.165).

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pedequesepossapensararespeitodoqueestáocorrendo(Barros,2005).Elementosbetaaparentementeinteligíveis(Sandler,1997)eelementosbalfa(Ferro,1996/2002)remetemasituaçõesdessetipo.

Épossívelqueemáreasarcaicasanterioresàformaçãodoaparelhomentalovazio,anãorepresentação,semanifestenarelaçãoanalíticaestimulandodesistênciadoanalista.Asáreasdenãoexistênciapodemestar tamponadasporbarreirasautísticas.Oanalista,identificado,temquesuportarsuacondiçãodenãoexistência.Talvezestejamosemáreaanterioràexistênciadeelementosbeta(Meltzer,1975,Korbivtcher,2007).Acapacidadederêveriedoanalistaserádesafiadaasonharsupressões,vazioserestosdemarcasquefazempartedamenteprimordial(Green,1998).Aapostapulsionalseráaindamaioreeleteráquecriar,emsuamente,imagensquedêemsignificadoaovazio.Quandoelassurgemserevelaquenãosãoprodutodeidentificaçõesnemsãoconstruções.Oanalistasesurpreen-deverificandoqueutilizouaspectosprópriosdesuamente,algunsquesequerconhecia.Essetrabalhodefigurabilidade, decriaçãodepictogramas,envolveidentificaçãoprofundadoanalistacomseupacienteeumtrabalhoregredienteconsequenteintenso.Oanalistasesenteobrigadoarepresentarfrenteaoterrorconsequenteànãorepresentação(Botella&Botella,2003).

nemsempreépossíveldiferenciaráreaspsicóticas,traumáticaseáreassemrepre-sentaçãodamenteprimordial.Micro-traumascontinuadospodemsomar-seouseresti-muladosporoutrostraumasocorridosemdiferentesetapasdodesenvolvimentomental.Certamenteáreapsicóticasempreincluielementosdetraumaeáreasadjacentesaotraumasecomportamcomopsicóticas.Aomesmotempo,áreasvaziasirrepresentáveispermeiamessasmanifestações.

Essesnão-sonhos fazem parte de um continuum epistemológico,mas, na clínica,elesemergemnocampoanalíticoalternando-se, interpenetrando-se,emformaparalela,misturando-se,24 etc.Osnão-sonhos que envolvemdéficitouvazio representacionalpo-demtentar“carona”nosnão-sonhostraumáticos,psicóticosounossonhosnãopsicóticos,sendoumadas tarefasdoanalistanão sedeixar enganarpelonão-sonho oupelo sonhomanifestoqueencobreovazio.25

Dessaforma,proponhocomohipóteseasermelhortrabalhadaqueonão-sonho deáreapsicóticainclui,sempre,elementoscorrespondentesavaziostraumáticoseáreasnãorepresentadasdamenteprimordial,que se escondememanifestamentreos escombrospsicóticos.Possivelmente, quandoo analista transformaessesnão-sonhos psicóticos emsonhoseletambémestá, implicitamente,fazendoomesmocomosvazios.Destaforma,oanalistanãosonhaapenasapartirdasidentificaçõesprojetivasresultantesdeelementosbetadonão-sonhopsicótico,mastambémapartirdeoutrostiposdeidentificaçãomaisprecoces(algumaspropostasporSandler,1993,FrancoF.,2000)dedifícilconceituação.Osonhodoanalistaincluiriatambém,dealgumaforma,esboçosdeconstruçõesetrabalhodefigurabilidadenãoexplícito,referenteaáreastampoucoexplícitas.Essasconstruçõesefiguraçõesserãoidentificadassomenteseosvaziostraumáticoseosdamenteprimordialemergiremouforemintuídosnaausênciadonão-sonhopsicóticoouparaaquémdele.

24Grinberg(1967)falade“sonhosmistos”.25Em Mulholland Drive, filme de David Lynch, o enredo mostra profusão de não-sonhos psicóticos vividos em

atmosfera misteriosa, entremeados por não-sonhos traumáticos No filme The Butterfly Effect o enredo mostra não-sonhos psicóticos sendo interrompidos por não-sonhos terroríficos violentos, fruto de traumas por desamparo e violência sexual.

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Seestashipóteses se revelaremcorretas,não teríamosporquenãoexpandiro ra-ciocínioparaossonhossimbólicoseveríamosqueoanalistaquere-sonhaosonhodeseupaciente,numsonho-a-dois,tambémestariasonhando(implicitamente)áreasnãosimbó-licasouvazias.Emoutraspalavras,afunçãoalfadoanalista,emformaexplícitaouimplí-cita,trabalhariaaomesmotempotodasasáreasdefuncionamentoounãofuncionamentomental,mesmoaquelasquenãoemergemexplicitamentenocampoanalítico.Estesfatostalveznosauxiliemaaprofundaroconhecimentodofuncionamentodarêverieefigurabi-lidade,dacontinênciaecapacidadenegativa,dapaciênciaedomasoquismonormal,dascontraidentificaçõeseidentificaçõescomvaziosetc.,consideradosfatoresdafunçãoalfa,queenvolvetambémcomunicaçãoinconscienteprofundaaindapoucoconhecida(equenuncaseráconhecidaemseutodo…).

Exemplosclínicostalveziluminassemashipótesesefetuadas,masnãocabemnestemomento.RetomaremosapenasoMomentoMdomaterialrelatado.Seneleemergemso-nhos,iníciodatransformaçãodenão-sonhos,nãoédifícilperceberaindaaconcomitânciadenão-sonhostraumáticosepsicóticosqueestãosendotransformadosemsonho.Aima-gem“águamoleempedradura”doanalista,querefletesuadificuldadecomapacienteL,poderiatersidotambémtentativadefiguraçãodeáreasemqueadurezaseriametáforadovazionãorepresentado.

Reflexiones sobre no-sueños-a-dos, enactment y la función alfa-implícita del analista

Resumen: Este trabajo profundiza la discusión, iniciada en otros textos, sobre no-sueño-a-dos, enact-ment y función alfa-implícita del analista en que se discutian dificultades de la dupla analítica en lidiar con áreas de la mente no simbolizadas. Las ideas iniciales surgieron de configuraciones clínicas en que el analista estaba involucrado en una colusión obstructiva sin darse cuenta y constituyendose no-sueños-a-dos o enactments crónicos. En determinado momento (Momento M) un acto impensado, reflejo de la situ-ación de la dupla analítica, indica cambio catastrófico potencialmente destructivo del proceso analítico. Entretanto, sorprendentemente, después de ese acto el proceso se torna más creativo. Demuestrase que en ese momento M (nombrado enactment agudo) son revividas, en forma atenuada, situaciones traumáticas que no habían sido simbolizadas y que se mantenían escondidas durante la colusión obstructiva inicial. La observación clínica lleva el autor a concluir que, durante esa colusión inicial (no-sueños-a-dos) la dupla analítica se paralizaba para evitar contacto con la realidad, sentida como traumática. Pero, al mismo ti-empo, através de comunicación inconsciente entre paciente y analista este injectaba función-alfa implícita en el paciente. Esa injección es hecha poco a poco, evitando re-traumatismo, y recuperando áreas trauma-tizadas. En determinado momento, cuando ocurre suficiente recuperación, el campo analítico es tomado por no-sueñoss traumáticos que estan siendo soñados, al vivo. De esa manera ellos pueden ser incluidos en la red simbólica del pensamiento. Son presentadas hipótesis sobre funciones de los no-sueños-a-dos e sobre la comunicacion inconsciente en-tre paciente y analista que hacen posible el sueño, através de la función-alfa implícita. Finalmente el autor se propone a clasificar los no-sueños bajo diferentes vértices y supone que el analista, mientras re-sueña el sueño de su paciente, en área no psicótica, puede estar, en forma implícita y al mismo tiempo, soñando no-sueños psicóticos, traumáticos y otros que esconden áreas de no representación de la mente primordial. Palabras clave: trauma; soñar; función-alfa implícita; comunicacion inconsciente; técnica analítica; teo-ria del pensamento; Bion; reversion de la perspectiva; no-sueño; no-sueño-a-dos; cambio catastrófico; transformaciones; clasificacion de los no-sueños.

Reflections on non-dreams-for-two, enactment and the analyst’s implicit alpha-function

Abstract: This article is intended as a contribution to the discussion, begun in other texts, on non-dreams-for-two, enactment and the analyst’s implicit alpha-function. In the previous articles, as well as in this one, the focus is on the difficulties faced by the analytic dyad in their efforts to deal with unsymbolized areas of the mind. The original ideas emerged from clinical configurations where the analyst was involved in obstructive collusion without being aware of it, and this constituted non-dreams-for-two, or chronic enactments. At a

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certain moment (Moment M) an unthought act by the analyst and/ or the patient, which reflected the situa-tion of the analytic dyad, indicated a catastrophic change that could be potentially destructive of the analytic process. Surprisingly, however, after this act the process became more creative. The article shows that, at this Moment M (also designated as acute enactment), traumatic situations – that had not been symbolized and that were unnoticeable during the initial obstructive collusion – are re-lived in attenuated form. Clinical observation led the author to conclude that, during this initial collusion (non-dreams-for-two) the analytic dyad becomes paralyzed in order to avoid contact with reality, which was felt as traumatic. At the same time, however, through unconscious communication between patient and analyst, the analyst injected implicit alpha-function into the patient. This injection was carried out gradually to avoid re-traumatism, and gradu-ally restored traumatized areas. At a certain moment, when there has been sufficient recovery, the analytic field is occupied by traumatic non-dreams that are being dreamed here-and-now. They can thus be included in the symbolic net of thought.Hypotheses are presented on the functions of non-dreams-for-two and on the unconscious communication between patient and analyst that enable the dream through the implicit alpha function. Finally, the author suggests that non-dreams should be classified under different vertexes and supposes that the analyst, as he re-dreams the dream of his patient in a non-psychotic area, can be, simultaneously and implicitly, dream-ing psychotic, traumatic and other non-dreams that conceal areas of non-representation in the primordial mind.Keywords: trauma; enactment; dreaming; implicit alpha-function; analytical technique; theory of think-ing; Bion; reverted perspective; non-dream; non-dream-for-two; catastrophic change; transformations; classification of non-dreams.

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[Recebidoem1.10.2009,aceitoem29.10.2009]

RooseveltMoisesSmekeCassorla[SociedadeBrasileiradePsicanálisedeSãoPauloSBPSP]Av.FranciscoGlicério2331/2413023-101Campinas,[email protected]