Reflexões Sobre a Categoria Histórica de Ideologia

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IDEOLOGIA E MATERIALISMO: REFLEXÕES SOBRE IDEOLOGIA COMO CATEGORIA HISTÓRICA Raphael Almeida Dal Pai 1 “As ideias da classe dominantes são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual” (Karl Marx) Ao tecer críticas aos filósofos hegelianos de sua época, Marx, em A ideologia alemã, acaba também nos revelando que, apesar de compreender a importância central da materialidade para a constituição da humanidade historicamente, tinha grande clareza do papel ativo do campo das ideias nas relações sociais. É interessante notar também, que a epígrafe nos faz perceber – ainda que de forma um tanto nebulosa – que Marx não pensava o material e o espiritual (em suas palavras) como questões isoladas e\ou puras. A obra em questão é repleta de contraposições ao 1 Mestrando do programa de pós-graduação stricto sensu em História, Poder e Práticas Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Linha de pesquisa: Estado e Poder. E-mail: [email protected]

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Artigo apresentado como trabalho final de Teoria e Metodologia da História do Mestrado em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)

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IDEOLOGIA E MATERIALISMO: REFLEXES SOBRE IDEOLOGIA COMO CATEGORIA HISTRICA

Raphael Almeida Dal Pai[footnoteRef:1] [1: Mestrando do programa de ps-graduao stricto sensu em Histria, Poder e Prticas Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE). Linha de pesquisa: Estado e Poder. E-mail: [email protected]]

As ideias da classe dominantes so, em cada poca, as ideias dominantes, isto , a classe que a fora material dominante da sociedade , ao mesmo tempo, sua fora espiritual dominante. A classe que tem sua disposio os meios da produo material dispe tambm dos meios da produo espiritual, de modo que a ela esto submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produo espiritual (Karl Marx)

Ao tecer crticas aos filsofos hegelianos de sua poca, Marx, em A ideologia alem, acaba tambm nos revelando que, apesar de compreender a importncia central da materialidade para a constituio da humanidade historicamente, tinha grande clareza do papel ativo do campo das ideias nas relaes sociais. interessante notar tambm, que a epgrafe nos faz perceber ainda que de forma um tanto nebulosa que Marx no pensava o material e o espiritual (em suas palavras) como questes isoladas e\ou puras. A obra em questo repleta de contraposies ao erro de lgica de Hegel e seus discpulos de entenderem o esprito como superior materialidade: Se na concepo do curso da histria separarmos as ideias da classe dominante da prpria classe dominante e as tornarmos autnomas, se permanecermos no plano da afirmao de que numa poca dominaram estas ou aquelas ideias, sem nos preocuparmos com as condies da produo nem com os produtores dessas ideias [...], ento poderemos dizer, por exemplo, que durante o tempo em que a aristocracia dominou dominaram os conceitos de honra, fidelidade etc., enquanto durante o domnio da burguesia dominaram os conceitos de liberdade, igualdade etc. (MARX, 2007, p. 48).

Marx expe de forma muito clara os perigos de no se considerar o peso da materialidade na constituio do pensamento, bem como, a influncia do pensamento na materialidade. Alm de uma crtica ao pensamento corrente em seu pas, o filsofo alemo acaba por trazer alguns exemplos de como certas formas de viso de mundo podem turvar nosso entendimento sobre o passado como a construo de uma forma idlica onde homens e mulheres eram mais civilizados como sobre nossa realidade[footnoteRef:2]. [2: Neste sentido, muito emblemtico slogans de campanhas de publicidade relacionadas governos (Brasil um pas de todos) ungindo ao Estado sob sua administrao como o pice do estado democrtico de direito, como de setores privados (Tim: voc, sem fronteiras) sendo capazes de permitir aos indivduos o alcance de suas plenas potencialidades.]

Nestes termos, buscaremos apresentar algumas consideraes sobre a noo de ideologia enquanto uma categoria histrica. Ou seja, dotada de complexas relaes com o prprio processo histrico, e, por consequncia, permeada por ele. Terry Eagleton ao debruar-se sobre o conceito, levantou um problema muito elucidativo de como a ideologia algo que afeta a realidade apesar de por vezes ser considerada um termo extremamente vago e incapaz de explicar:

Argumento aqui que trs doutrinas essenciais do pensamento ps-modernista conspiram para desacreditar o conceito clssico de ideologia. [...] essas trs teses foram consideradas suficientes para descartar toda a questo da ideologia, precisamente no momento histrico em que manifestantes mulumanos batem suas cabeas at sangrar e trabalhadores rurais norte-americanos esperam em breve ser conduzidos ao cu, com seu Cadillac e tudo. (EAGLETON, 1997, p. 11 12)

Eagleton alm de retomar a questo de que ideias afetam no apenas nossa forma de compreender a realidade concreta, mas tambm enfatiza a urgncia de reflexes sobre o conceito de ideologia, dado ao fato de a todo momento vermos aes humanas embasadas em ideologias. Portanto, podemos perceber que o debate acerca do conceito ainda se faz extremamente atual.Para pensar o conceito de ideologia como categoria histrica, ou seja, uma noo que possui uma historicidade prpria, preciso retomar aos escritos de Raymond Williams. O marxista gals apresentou algumas reflexes sobre a questo em sua obra intitulada Marxismo e literatura (WILLIAMS, 1979).Ao pensar a relao entre materialidade e conscincia, o marxista gals entende que a conscincia vista do incio como parte do processo social material humano, e seus produtos em ideias so ento parte desse processo, tanto quanto os prprios produtos materiais (WILLIAMS, 1979, p.65). Percebe-se que Williams compreende ideologia como um produto da conscincia humana. preciso destacar duas questes relativas s consideraes do marxista gals sobre o conceito de ideologia: a separao entre teoria e prtica; e a relao entre ideologia e cincia. Sobre o primeiro desdobramento, a prpria forma de compreender que as relaes sociais e conscincia se encontram numa relao ativa entre si, revela uma continuidade muito prxima aos escritos de Marx, que defendeu ao longo de todas as suas obras, a importncia de se perceber que a separao entre esprito e matria so abstraes para melhor entendimento da relao dialtica entre as duas razes. Esta questo se torna clara a partir da crtica de Williams Lenin que relacionou ideologia como algo relativo teoria:

A posio [de Lenin] claramente a de que a ideologia teoria, e que a teoria ao mesmo tempo secundria e necessria; a conscincia prtica, no caso do proletariado, no a produzir por si mesma. Isso difere radicalmente do pensamento de Marx, no qual toda teoria separada ideologia (WILLIAMS, 1979, p. 74).

Esse equvoco de Lenin criticado por Williams, se baseia no entendimento do primeiro, da necessidade de uma vanguarda que direcione a massa proletria revolucionria atingir seu papel histrico. De forma muito sensata, o marxista gals percebe que Lenin no compreendeu na totalidade as consideraes que Marx fizera acerca da diviso entre o trabalho material e intelectual. Neste sentido, Lenin ao pensar teoria como algo desprendido da prtica, teria incorrido ao erro de forma invertida em relao aos hegelianos que Marx tanto criticara. Ao colocar a teoria subordinada a prtica, Lenin apenas retirou a primazia da razo, outrora defendida por Hegel e seus predecessores.No que concerne a relao entre cincia e o conceito de ideologia, Williams argumenta que a noo de cincia como real, positiva, teve um grande efeito negativo sobre o conceito de ideologia (WILLIAMS, 1979, p. 69). Ao conceber conhecimento cientfico como expresso fidedigna do real, o conceito de ideologia passara a ser compreendido em termos de falsa conscincia, deixando assim de ser pensado historicamente:

O que realmente aconteceu, numa substituio temporria mas influente desse conhecimento detalhado e correlato, foi, primeiro, uma abstrao de ideologia como uma categoria de iluses e falsa conscincia [...]. Segundo, em relao com isso a abstrao recebeu rigidez categrica, uma conscincia de ideias de poca [grifo do original], e no autenticamente histrica, que pode ento ser mecanicamente separada em formas sucessivas e unificadas tanto do conhecimento como iluso [...] (WILLIAMS, 1979, p. 72).

Ao conceber uma noo de cincia enquanto expresso do real, ideologia passa a ser pensada apenas no campo da iluso, assim sendo, passa de categoria histrica para uma categoria analtica. Ou seja, ao invs de tornar inteligvel uma srie de relaes complexas envolvendo significados, experincias sob determinadas condies, por exemplo, serve apenas como relao oposta a conhecimento cientfico ou mesmo em oposio a verdade emprica. Por fim, Williams encerra a discusso do conceito de forma emblemtica:

Mas uma questo aberta, a de saber se ideologia e ideolgico, como seus sentidos de abstrao e iluso, ou seus sentidos de ideias e teorias, ou mesmo seus sentidos de um sistema de crenas ou de significados e valores so termos suficientemente precisos e praticveis para uma redefinio to radical e de to longo alcance (WILLIAMS, 1979, p.76).

O marxista gals deixa a impresso de um leve pessimismo acerca do uso do conceito de ideologia. No entanto, suas reflexes so muito elucidativas no sentido de conferir historicidade ao conceito, mostrando que seus significados esto permeados por uma disputa no apenas entre correntes do marxismo, mas no campo das ideias de forma geral; criando por meio destas contradies, ressignificaes acerca do que vem a ser compreendido como ideologia.Terry Eagleton tambm rejeita a noo de entender ideologia com iluso e falsa conscincia. Neste sentido, percebe que Louis Althusser estava correto ao afirmar a importncia de se pensar ideologia em relao a experincia vivenciada (EAGLETON, 1997, p. 30). Porm ressalta que assim como nossas ideias, as experincias vivenciadas pelos sujeitos tambm podem ser ambguas:

Talvez minha reverncia ao ver Madonna seja apenas uma defesa contra minha inveja inconsciente de sua capacidade superior de ganhar dinheiro. No se pode duvidar que eu esteja experimentando algo, como tampouco posso duvidar de que eu sinto dor; mas em que precisamente consistem minhas relaes vivenciadas com a ordem social pode ser uma questo mais problemtica do que s vezes parece aos althusserianos (EAGLETON, 1997, p.31).

De forma muito irreverente, Eagleton mostra que apesar de refutada a noo de ideolgica enquanto uma iluso, a questo do conceito ser pensado em oposio a uma tipo de verdade emprica no se resolve. No obstante, o autor estabelece que a ideologia algo que os sujeitos vivenciam; portanto algo que possui materialidade. No consiste basicamente em um conjunto de proposies sobre o mundo; e muitas proposies que ela de fato apresenta so realmente verdadeiras (EAGLETON, 1997, p 36). Ainda que o conceito parea sem consistncia, a partir da noo de que ideologia algo que perpassa a vivncia mesmo, algumas vezes, podendo ser inverdica incide sobre a realidade.Dois exemplos que corroboram a argumentao de Eagleton a crtica de Marx sobre a forma que Hegel compreendera sociedade civil e Estado; e, de forma semelhante, as reflexes de Gramsci acerca da separao orgnica entre sociedade poltica e sociedade civil operada por intelectuais liberais. Na obra Crtica da filosofia do direito de Hegel, Marx mostra, como Hegel ao entender que sociedade civil e famlia como partes idealizadas do Estado, transforma sujeito em predicado. A realidade no expressa como ela mesma, mas sim como uma outra realidade [...] a Ideia real tem como sua existncia no uma realidade desenvolvida por ela mesma, mas a empiria ordinria, comum (MARX, 2013, p. 35 36). Se acreditamos, que at mesmo formulaes no campo das ideias, partem de experincias na materialidade neste caso, Hegel estar argumentando em favor de uma monarquia constitucional, nos mostra exatamente que sua forma de compreender o mundo possui ntima relao com o contexto vivido na Alemanha de seu tempo poderemos ento supor que o equvoco Hegel perpassa tambm suas experincias vividas.J o segundo exemplo a partir das reflexes de Gramsci, exige um pouco mais de elaborao. Neste caso, o erro terico tem ligao com toda uma srie de pensadores que remontam at o liberalismo clssico, onde o Estado pensando como elemento fundamental para a racionalizao e controle da natureza humana (o contrato que encerra a guerra do todos contra todos). Nestes termos, o Estado concebido como algo separado da natureza humana, como nos explica Virgnia Fontes:

O Estado o contrato, o pacto, o Soberano erguia-se, pois, como a antinatureza que, de fato, deveria regular, dirigir, controlar a natureza humana. E, ainda que paradoxalmente, competiria a esse Estado exatamente assegurar direitos cuja origem derivaria da natureza (vida, liberdade, propriedade) (FONTES, 2010, p. 125).

Partindo de uma lgica errnea que compreende o Estado enquanto algo criado pelos homens e mulheres, porm, externo e acima deles, embasa a compreenso da propriedade privada como inerente condio humana, bem como o livre mercado[footnoteRef:3]. Gramsci ao entender o Estado enquanto relao social, aponta que a separao entre sociedade poltica e sociedade civil apenas metodolgica: [3: Sobre a questo de compreender o mercado como natural, ver SMITH, Adam. O princpio que d origem diviso do trabalho. In:_____. A riqueza das naes: investigao sobre sua natureza e suas causas. (Coleo "Os economistas"). So Paulo: Editora Nova Cultura Ltda., 1996.]

A formulao do movimento do livre-cmbio baseia-se num erro terico cuja origem prtica no difcil identificar, ou seja, baseia-se na distino entre sociedade poltica e sociedade civil, que de distino metodolgica transformada e apresentada como distino orgnica. Assim, afirma-se que a atividade econmica prpria da sociedade civil e que o Estado no deve intervir em sua regulamentao. (GRAMSCI, 2001 v. 3, p. 47).

Podemos perceber que o os dois exemplos contm erros de interpretao da realidade, mas no como uma falsa conscincia; mostram justamente que as experincias vividas so ambguas. Logo, a forma que interpretamos a realidade permeada por ambiguidades. Outra questo de que partindo desses erros tericos, o Estado acaba sendo estruturado para agir e parecer algo realmente separado. Nestes termos as formulaes acabam tonando-se, at certo ponto, expresso da realidade. Inclusive isto evidente ao perceber a complexidade e grandeza do esforo despendidos por Marx e Gramsci. O marxista sardo, em seus escritos no crcere, mostra a dificuldade de se ir alm das aparncias na compreenso das relaes sociais entre Estado, intelectuais e aparelhos privados de hegemonia.Apesar de entendermos a importncia do campo das ideias nas relaes e prticas sociais, preciso levantar a ressalva de que, por mais coesa e difundida que uma ideologia possa ser, ela no capaz de efetuar aes prticas por si s. Ou seja, no bastaria para o fundamentalista islmico o papel da evangelizao da palavra de Al para cometer suicdio em prol do Isl, por exemplo. preciso articular a ideologia com todo um conjunto de racionalizao da vida material. Neste sentido, a ideologia precisa ser capaz de fazer parte de toda uma forma que estruture as relaes sociais materiais; levando a entender o fundamentalismo no apenas como a forma do verdadeiro islamismo, mas tambm como a nica forma correta de se viver. No sentido de ideologia articulada com toda uma pratica social, as reflexes de Gramsci sobre a racionalizao da vida fora do trabalho para a criao do trabalhador fordista so muito pertinentes. O marxista sardo aponta para uma srie de aes dentro e fora do Estado, que se desenvolvem no sentido de reorganizar as formas de viver e trabalhar em consonncia com a produo fordista:

A racionalizao do trabalho e o proibicionismo esto indubitavelmente ligados: as investigaes dos industriais sobre a vida ntima dos operrios, os servios de inspeo criados por algumas empresas para controlar a moralidade dos operrios so necessidades do novo mtodo de trabalho [grifo nosso] (GRAMSCI, 2001 v. 4, p. 266)

Nestes termos, Gramsci argumenta que a regulamentao da vida fora da fbrica uma necessidade para a implementao desse novo mtodo. Esta afirmao tambm poder ser pensada no sentido da necessidade de toda uma organizao das relaes sociais para a continuidade e preservao do bloco hegemnico. Ainda segundo Gramsci, a lei de proibio do lcool nos EUA da dcada de 1920 possuiu uma funcionalidade intimamente ligada produo fordista: preciso que o trabalhador gaste racionalmente o mximo de dinheiro para conservar, renovar e, se possvel, aumentar sua eficincia muscular-nervosa, e no para destru-la ou danific-la. E por isso que a luta contra o lcool, o mais perigoso agente de destruio das foras de trabalho, torna-se funo do Estado (GRAMSCI, 2001 v. 4, p. 267).

Ao sintetizar a questo do proibicionismo, Gramsci tambm trata da questo da sexualidade como tambm orientada a preservar as capacidades psicofsicas do trabalhador fordista:

Quem trabalha por salrio, com um horrio fixo, no tem tempo para dedicar procura do lcool, no tem tempo para dedicar os esporte de eludir as leis. A mesma observao pode ser feita para a sexualidade. A caa mulher exige bastante cio; no operrio de tipo novo se repetir, sob outras formas, o que ocorre nas aldeias camponesas. A relativa solidez das unies sexuais camponesas liga-se estreitamente os sistema de trabalho rural. [...] no tem o hbito de correr atrs de prostitutas; ama sua mulher, segura, sempre presente, que no far dengo nem pretender a comdia da seduo e do estupro para ser possuda [grifo nosso] (GRAMSCI, 2001 v. 4, p. 268)

A forma tratada por Gramsci da questo do puritanismo na sexualidade do trabalhador fordista, chega a ser spera de to incisiva. O conservadorismo da poca operava uma funo de extrema importncia no controle, manuteno e transformao da mo de obra sob a organizao fordista. Esta questo no apenas mostra o papel ainda que de forma no to evidente pedaggico do Estado ao proibir o consumo de lcool, como tambm a quem se aplica estas medidas de controle. Trata-se de uma nova forma de unio sexual, sem as cores fascinantes da fantasia romntica prpria do pequeno-burgus e do bomio vadio (GRAMSCI, 2001 v. 4, p. 269)A partir dessas consideraes de Gramsci, percebe-se que a questo da reorganizao e racionalizao do trabalho em moldes fordistas, no seria possvel apenas pela insistncia em valores tico-morais de trabalho (trabalho dignifica o homem) para mudar as relaes materiais. Ela parte de uma ao conjunta entre aes concretas na materialidade (como por exemplo, a criao de leis por intermdio do Estado) e com toda uma ideologia tica-moral, tornando a forma de produo fordista, uma racionalizao que transcende a fbrica e atravessa as demais prticas sociais. Ou como sintetiza Eagleton: Crenas profundamente persistentes tm de ser apoiadas, at certo ponto, e ainda que de maneira limitada, pelo mundo que nossa atividade prtica nos revela; acreditar que um nmero macio de pessoas viveria e por vezes morreria em funo de ideias absolutamente vazias e disparatadas assumir uma postura desagradavelmente aviltante com relao aos homens e mulheres comuns (EAGLETON, 1997, p. 24)

Eagleton parece ir de encontro com Gramsci na necessidade de um cho material que sustente a ideologia no sentido de poder ser internalizada. Neste sentido, os autores aqui debatidos reforam a noo de que o campo das ideias age de forma ntima e dialtica com as prticas sociais dos sujeitos.Em vias de concluso, procurou-se estabelecer, nestas breves consideraes, a necessidade de maiores reflexes sobre o conceito de ideologia e sua ao na materialidade. Bem como pensar o conceito enquanto algo histrico, possuindo suas nuances histricas prprias decorridas justamente de conflitos e construes ao longo do processo histrico. Tambm se buscou evidenciar que ideologia no apenas um mero conceito analtico de fenmenos reais, mas sim possuindo ao na materialidade. Porm, constatar sua importncia no concreto, no significa assumir que ideologia pode operar de forma autnoma. Por mais ambguas que as experincias possam ser, elas se constituem em bases concretas e no se esgotam nelas.Encerramos colocando que as consideraes aqui apresentadas esto muito longe de uma pretenso de esgotamento se que isso seria possvel do debate sobre o conceito de ideologia, trazendo apenas algumas questes que, para alm de negar a inexistncia da ideologia, procura ressaltar sua atualidade.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAEGLETON, Terry. O que ideologia? In:_____. Ideologia. Uma introduo. So Paulo: Editora UNESP Editora Boitempo, 1997._____. Estratgias ideolgicas. In:_____. Ideologia. Uma introduo. So Paulo: Editora UNESP Editora Boitempo, 1997.WILLIAMS, Raymond. Ideologia. In:_____. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.MARX, Karl. A ideologia alem: crtica da mais recente filosofia alem em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemo em seus profetas. So Paulo: Boitempo, 2007.MARX, Karl. Crtica da filosofia do direito de Hegel. So Paulo: Boitempo, 2013.GRAMSCI, Antonio. Caderno 22 (1934): Americanismo e fordismo. In:_____. Cadernos do Crcere. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001.FONTES, Virgnia. O imperialismo, de Lenin a Gramsci. In:_____. O Brasil e o capital imperialismo: teoria e histria. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010.