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Revista Olhares Sociais / PPGCS / UFRB, Vol. 03. Nº. 02 – 2014/ pág. 116 REFLEXÕES SOBRE UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL UM OLHAR SOBRE O REUNI 1 José Raimundo de J Santos 2 Resumo: O REUNI enquanto política pública de expansão e reestruturação das universidades fortalece a lógica das reformas anteriores, é impulsionado por razões exógenas à própria universidade, mas que orientam a formação de novos paradigmas e interpretações sobre a universidade, o conhecimento e o mercado, interpondo-se à formação e à profissionalização, como também, à docência e à pesquisa. Mas qual seria esse propulsor exógeno para implantação de mais uma reforma na educação superior? De fato a tendência é concordar com a afirmativa de que a reconfiguração geopolítica global é parte propulsora destas reformas, assim como a constituição de blocos econômicos e comerciais e; a consequente fragmentação das relações de produção e, mercadorização das relações sociais e dos serviços, tal como educação. Razões que contribuíram para fazer com que a universidade deixasse de ser uma instituição social e passasse a ser planejada como uma organização, cujo caráter instrumental passa a ser o orientador regimental da mesma. Palavras-chave: Abstract: The REUNI as public policy of expansion and restructuring of universities strengthens the logic of previous reforms, and it is driven by exogenous reasons from the university itself. They guide the formation of new paradigms and interpretations of the university, the knowledge and the market, interposing themselves into the formation and professional training, as well as to the teaching and research. But what would be this exogenous propellant for deploying more reform in higher education? In fact the tendency is to agree with the statement that global geopolitical reconfiguration is rhe driving part of these reforms, as well as the establishment of economic and trade blocs and; the consequent fragmentation of production relations and commodification of social relations and services, such as education. Reasons that have contributed to make the university ceased to be a social institution and pass to be planned as an organization whose instrumental character becomes the regimental guiding in it. Key-words: REUNI; Public Policy; Higher Education. 1 Este texto integra as discussões em desenvolvimento na pesquisa de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da UFBA, intitulado; Saberes do Recôncavo- juventude, universidade e conhecimento. 2 Professor CFP/UFRB Doutorando em CISO - PPGCS/FFCH/UFBA Bolsista CAPES/UFRB

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REFLEXÕES SOBRE UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA O

ENSINO SUPERIOR NO BRASIL – UM OLHAR SOBRE O

REUNI1

José Raimundo de J Santos2

Resumo: O REUNI enquanto política pública de expansão e reestruturação das

universidades fortalece a lógica das reformas anteriores, é impulsionado por razões

exógenas à própria universidade, mas que orientam a formação de novos paradigmas e

interpretações sobre a universidade, o conhecimento e o mercado, interpondo-se à

formação e à profissionalização, como também, à docência e à pesquisa. Mas qual seria

esse propulsor exógeno para implantação de mais uma reforma na educação superior? De

fato a tendência é concordar com a afirmativa de que a reconfiguração geopolítica global

é parte propulsora destas reformas, assim como a constituição de blocos econômicos e

comerciais e; a consequente fragmentação das relações de produção e, mercadorização

das relações sociais e dos serviços, tal como educação. Razões que contribuíram para

fazer com que a universidade deixasse de ser uma instituição social e passasse a ser

planejada como uma organização, cujo caráter instrumental passa a ser o orientador

regimental da mesma.

Palavras-chave:

Abstract: The REUNI as public policy of expansion and restructuring of universities

strengthens the logic of previous reforms, and it is driven by exogenous reasons from the

university itself. They guide the formation of new paradigms and interpretations of the

university, the knowledge and the market, interposing themselves into the formation and

professional training, as well as to the teaching and research. But what would be this

exogenous propellant for deploying more reform in higher education? In fact the

tendency is to agree with the statement that global geopolitical reconfiguration is rhe

driving part of these reforms, as well as the establishment of economic and trade blocs

and; the consequent fragmentation of production relations and commodification of social

relations and services, such as education. Reasons that have contributed to make the

university ceased to be a social institution and pass to be planned as an organization

whose instrumental character becomes the regimental guiding in it.

Key-words: REUNI; Public Policy; Higher Education.

1 Este texto integra as discussões em desenvolvimento na pesquisa de Doutorado do Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da UFBA, intitulado; Saberes do Recôncavo- juventude, universidade e

conhecimento. 2 Professor CFP/UFRB Doutorando em CISO - PPGCS/FFCH/UFBA Bolsista CAPES/UFRB

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O impacto da Introdução

Para se pensar a Universidade no contexto sociopolítico brasileiro atual, torna-se

necessário desviar o olhar para uma perspectiva histórica, com o objetivo de compreender

os sentidos atribuídos no processo efetivo de implantação desta modalidade de ensino no

ocidente e no país. Inicialmente, devemos destacar que somente no século XIX as

primeiras escolas de formação superior foram implantadas no país e, isto só ocorre

devido a fuga da família imperial para a colônia em virtude das guerras napoleônicas que

assolavam a Europa. Foi na Bahia onde se fundou a primeira Escola de Cirurgia (1808) e,

posteriormente, neste mesmo ano, outra instituição similar é implantada na cidade do Rio

Janeiro, onde se fixou a família imperial.

O contexto de surgimento desta modalidade de ensino na colônia portuguesa

ocorre em descompasso com o desenvolvimento da educação superior na Europa, que há

longos períodos já havia se consolidado. E é por este descompasso, promovido pelo

modelo colonial português em comparação com o restante dos países da Europa, que o

processo inicial de implantação do ensino superior no Brasil é considerado por inúmeros

autores como produto de um constrangimento político e ideológico para a época. O

modelo da política colonialista imposta por Portugal, principalmente na educação

superior, impedia o desenvolvimento desta modalidade de ensino em terras da colônia,

permitindo apenas, que determinados funcionários e aristocratas pudessem complementar

seus estudos na Universidade de Coimbra, cuja formação, no século XVIII, restringia-se

aos graus de Doutor em Teologia, Direito e Medicina.

Diferentemente dos demais países da América Latina a implantação da educação

superior no Brasil ocorreu tardiamente. As instituições públicas brasileiras, na sua

gênese, atenderam principalmente a uma juventude das classes mais abastadas, enquanto

que parcela significativa da população trabalhadora e de origem popular completava seus

estudos e formação nas instituições privadas de ensino. É neste cenário, aliado a uma

política internacional de redução do tamanho do Estado e consequente esvaziamento dos

investimentos públicos em direitos sociais como educação e saúde, que observamos na

década de 90, um decréscimo nos investimentos públicos na universidade e um

crescimento acelerado das instituições particulares. Paralelamente a esta mercadorização

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e aliado a uma tendência global de otimização dos serviços e aumento da produtividade

no âmbito da educação superior, o governo brasileiro implanta a política nacional de

avaliação institucional para toda a educação superior, cujos objetivos estendiam-se desde

os modelos organizacionais das instituições de ensino, até mesmo a formas de avaliação

docente pelos discentes. Em uma outra via e orientado por um viés mercadologizante, o

governo brasileiro, com a suposta intenção de aumentar a inclusão no ensino superior,

cria nos primeiros anos do século XXI, o PROUNI – Programa Universidade para Todos,

que objetiva fornecer bolsas de estudo para graduação nas instituições privadas, ou seja,

muda-se a fôrma mas mantém-se as ideias de redução do papel do Estado e da superação

da Educação como bem público.

A ideia de Universidade

O surgimento da universidade no contexto ocidental ocorre em consonância com a

transformação das relações de produção vigentes no período medieval, como também,

pelo novo ethos civilizatório da Idade Média, cuja emergência de novas classes e

especializações práticas profissionais, agora circunscritas nas emergentes cidades,

estabelece novas necessidades e demandas para o processo de formação educacional. Por

esta razão, e em contraposição aos centros de formação clerical, que até então, eram

responsáveis pela formação da elite pensante da época, surgem às novas instituições de

educação de caráter superior cujo objetivo era atender às demandas desta nova sociedade

civil, composta por burgueses, artesãos etc.. Neste período, as novas instituições que

surgem reforçam as características da nova classe social emergente e têm sua gênese na

organização de corporações de estudantes livres (Universidade de Bolonha) ou por

iniciativa autônomas dos Estados (Universidade de Oxford), ou, em outra via, mais

conservadora, pela manutenção de uma linhagem religiosa como a Universidade de Paris

(Almeida Filho, 2007).

O surgimento das universidades na Europa do período medieval, reflete no

contexto brasileiro de fundação das primeiras instituições de educação superior no início

do século XIX, na medida em que observamos a constituição de uma nova sociedade

civil na então colônia, principalmente, em virtude da instalação da família imperial no

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Brasil, como também, pelo processo de reestruturação produtiva promovido pela nova

ordem mundial imposta, inicialmente, pela Inglaterra, que buscava a expansão do

mercado consumidor para sua atividade fabril emergente. O surgimento de uma nova

classe demanda um novo estilo e uma nova forma de consumir bens materiais e culturais,

como também a prestação de serviços e a capacitação dos profissionais. Logo, a

implantação das escolas de educação superior não é uma estratégia civilizatória do

império português, mas sim uma forma de atribuir à colônia uma ar de “civilidade”, quer

seja, uma maior capacidade de consumir bens materiais, culturais e simbólicos que

qualifique este novo citadino e o aproxime do ideal civilizado do homem europeu.

Desta forma, a reconfiguração política do Brasil, que na condição de colônia

passa a ser a sede da metrópole, impulsionou o ego político imperial a assemelhar-se a

Europa colonizadora e, instala-se na colônia um modelo escolástico de educação

superior. Vale ressaltar que só após a independência, em 1822, é que outras instituições

isoladas de educação superior surgem, todas focadas nas especializações práticas cujo

caráter reprodutor de sua arquitetura curricular, não estava atrelado ao desenvolvimento

da pesquisa, como proposto pela reforma de Humboldt (1810). Esta característica só

emerge após a república sob a forte influência de um modelo de educação superior

francesa.

Diante do exposto podemos apreender que o contexto sociopolítico de

transformação e/ou surgimento de novas modalidades de ensino está atrelado a uma

transformação geopolítica da sociedade civil. E isto está associado a reestruturação das

forças produtivas para atender as novas demandas de produção presentes no mercado.

Almeida Filho (2007) observa que,

A arquitetura curricular da universidade medieval era

bastante simples, em tese articulando o saber legitimado da

época em um ciclo básico composto pelo ensino das sete

artes liberais, divididas em dois blocos: o trivium

(Gramática, Retórica e Dialética) e o quadrivium

(Aritmética, Geometria, Astronomia e Música).

Inicialmente, o único ensino especializado admitido era

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Teologia. Com a organização das primeiras

universidade s laicas , especialmente, no cenário norte-

italiano, acrescentou-se o estudo das Leis como

formação jurídica especializada, visando à consolidação

de uma ordem mercantil, essencial ao poderio

econômico da nascente burguesia. [grifo nosso]

Daí observa-se a sobredeterminação do mercado sobre a constituição e arquitetura

curricular das novas modalidades de educação presente nas universidades. Enquanto que

a universidade da era medieval possuía uma arquitetura curricular limitada à Teologia e

ao Direito (faculdades superiores) e posteriormente medicina, no século XV. Na

emergência da sociedade industrial e, sob forte influência do racionalismo iluminista,

coube as Faculdades de Filosofia, denominadas de faculdades inferiores, tornar-se as

agregadoras da formação científica. Não obstante o prestígio contemporâneo, às artes

mecânicas (engenharias) e de formação tecnológica e profissional estavam fora das

universidades e funcionavam em escolas militares ou em iniciativas isoladas do Estado,

mas com foco no desenvolvimento do mercado, como é o caso da Escola de Sagres,

reconhecida como a maior escola náutica da época.

E é neste sentido que Almeida Filho resgata o pensamento de Kant quanto a observação

sobre o caráter autônomo da universidade,

Kant argumenta com clareza que a verdade da Faculdade

de Filosofia resultava do escrutínio científico do mundo e

que, portanto, as faculdades inferiores deveriam ter como

princípio não se ater a vontade de Deus, dos velhos mestres

ou do soberano para a definição da verdade (...) O texto

kantiano propõe uma reforma da instituição universitária,

para que ela deixe de obedecer a princípios religiosos e

políticos e enfim se constitua como espaço livre, onde não

haja magister, soberano ou pontífice para atestar a verdade

mesmo para as faculdades superiores, aquelas que hoje em

dia parecem muito independentes.

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Nesta obra de 1790, Kant observa o caráter significativo da autonomia das universidades

para o desenvolvimento do conhecimento científico e filosófico. E demonstra a

necessidade que as ditas faculdades superiores têm de dissociar-se das verdades

atribuídas a ela, pelo Estado ou pela Religião e, até mesmo, pela emergente composição

da sociedade civil, que por intermédio das demandas do mercado estabelecem as

interdependências entre os saberes, as experiências e o conhecimento, na manutenção e

reprodução das estruturas sociais vigentes.

No modelo proposto pela reforma de Humboldt, o primado da pesquisa deveria

estender-se a toda formação universitária, servindo como eixo de integração do ensino

superior e, legitimando assim, tudo o que pode ou não ser ensinado nas universidades,

enquanto produto das investigações científicas.

Não obstante, cem anos depois, na emergente nação norte-americana, ocorre outra

reforma universitária, orquestrada pela sociedade civil e representada pelo grande capital.

E é em 1905, através das recém-criadas fundações, que representavam os interesses deste

mercado promissor e desta parcela representativa do grande capital, que se desenvolveu

um estudo de avaliação do ensino superior nos EUA, com foco na área de saúde. O

relatório apontava para além da análise do ensino superior na área de saúde e,

apresentava indícios fortes para uma necessária reorganização do sistema americano de

educação superior. Neste sentido, propunha a implementação de uma arquitetura

curricular flexível, antes da graduação, que possibilitasse o prosseguimento dos estudos

em mestrados profissionais e noutro, acadêmico, que permitisse acesso ao doutorado. De

caráter eminentemente departamental, esta reforma propunha também a formação de

institutos e centros de pesquisas autônomos. Contudo, nesta transformação da arquitetura

acadêmica, estavam resguardados os cursos das antigas faculdades superiores (Direito e

Medicina), cuja formação completa equivaleria ao doutorado. (ALMEIDA FILHO,

2007).

No Brasil, o século XX é marcante para a consolidação do que hoje denominamos

e reconhecemos como universidade e, neste sentido, há controvérsias no debate acerca do

surgimento da primeira universidade brasileira, em comum tem-se apenas o ano de 1934,

onde ocorre a fundação da USP e da Universidade do Distrito Federal, pelo então

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Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira. As duas renomadas

universidades foram produto de missões específicas cujo foco centrava-se em fornecer ao

Brasil uma instituição firmada na pesquisa. A primeira reuniu intelectuais franceses

formados pela Sorbonne, a segunda reuniu intelectuais brasileiros em diversas áreas do

conhecimento, que foram instigados a implementar os princípios da educação

democrática no ensino universitário. Essa concepção democrática idealizada por Anísio

Teixeira foi atropelada pela ditadura Vargas que o afasta do projeto, nomeando um

interventor a serviço do Estado, cujo objetivo era desmontar a estrutura então pensada.

Será, após a ditadura Vargas, no ano de 1946 que se cria a rede de universidades federais,

inaugurando a Universidade do Rio de Janeiro, Universidade da Bahia e Universidade do

Recife. Posteriormente, nos anos 60, a convite do Presidente Juscelino Kubitscheck,

Anísio Teixeira dedica-se a um novo projeto de universidade, dessa vez, ajustando-se ao

modelo norte americano de características pragmáticas concebe a UNB, cuja arquitetura

curricular fugia ao padrão nacional então existente. E, mais uma vez, Teixeira vê seu

projeto sendo sucateado por uma transformação no ethos geopolítico da sociedade

brasileira, a ditadura militar o exonera e o exila, demiti professores e pesquisadores e, a

então recém-criada universidade passa a integrar o modelo vigente.

Em 1968, o acordo MEC/USAID implanta no Brasil aquilo que é considerado por

especialista como sendo a visão mais empobrecida do sistema americano de ensino

(SALMERON, 1998; ALMEIDA FILHO, 2007; RIBEIRO, 1986; TEIXEIRA, 2005). De

acordo com esses autores o sistema híbrido que foi implantado no Brasil não está em

sintonia com os modelos existentes no mundo e o tempo de formação na graduação e na

pós-graduação diferem, sobrecarregando o estudante brasileiro no seu processo de

formação completa, em média estuda-se 10 anos entre graduação e Doutorado no Brasil,

enquanto que em outras praças acadêmicas isto pode variar entre 07 a 08 anos, podendo-

se estender a 10 anos para a medicina, que no Brasil pode variar entre 14 a 16 anos.

Esta digressão acerca do surgimento das universidades e das consequentes

reformas a que foram submetidas permite perceber a forte interdependência existente

entre o contexto geopolítico e as influências do mercado na determinação dos sentidos

atribuídos ao ensino superior. Pode - se observar que as reformas propostas estavam

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aliadas a emergência de novos atores na sociedade civil, cujas demandas transgrediam a

ordem vigente extrapolando o sentido da formação e da profissionalização nas

denominadas universidades.

De fato a construção e consolidação da universidade no Brasil está

intrinsecamente associada ao modelo político e de desenvolvimento que florescia no país

como também às características geopolíticas globais que passam a influenciar a economia

local após a segunda grande guerra, instaurando uma crise do modelo econômico, com

altas taxas de inflação e crescimento baixo ou negativo. A crise encontrou terreno

propício para a propagação das ideias neoliberais, que ganharam propulsão, deferindo

severas críticas ao estado intervencionista. Dentre as medidas neoliberais de contenção do

Estado, ocorre a minimização da atuação estatal em políticas sociais, desmonte do

protecionismo e desmantelamento das instituições públicas. O discurso vigente era o da

modernização e racionalização do Estado e tinha na otimização e na elevação do

desempenho dos serviços públicos uma meta/coeficiente a ser alcançado. Esta

perspectiva transplantava para o setor público a lógica produtivista do mercado,

promovendo uma forte mercadorização das relações sociais, inclusive da educação

(LIMA, AZEVEDO & CATANI, 2008).

O processo de consolidação do modelo neoliberal no Brasil, traz como referência

paradigmática o denominado ajuste fiscal, que passa a balizar o processo de

transformação institucional do setor público brasileiro. Em outras palavras, a reforma da

educação superior brasileira neste período passa por um processo de redução de

investimentos públicos e, pela inserção das fundações como órgãos de fomento e

financiamento. Esta ação está aliada com as determinações dos órgãos internacionais de

gerenciamento da economia e do mercado global (BIRD, FMI, Banco Mundial, OMC)

que diagnosticavam que o modelo universitário brasileiro atrelado à pesquisa era

abusivamente caro e, por esta razão, tornava insustentável ao Estado assegurar tal

empreendimento, confirmando, assim, esta como a principal razão da crise da educação

brasileira.

Para Chauí (2003) o processo de ajuste fiscal e os modelos de reforma propostos

no período modificaram o sentido atribuído a universidade federal, cujas características

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do que seria uma instituição social passam a configurar aquilo que Freitag (1996)

denominou como sendo uma organização social. Nas palavras da autora;

Ora, desde seu surgimento (no século XIII europeu) a universidade

sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma

prática social fundada no reconhecimento público de sua

legitimidade ou de suas atribuições, num princípio de

diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras

instituições sociais, e estruturadas por ordenamentos, regras,

normas e valores de reconhecimento e de legitimidade internos a

ela. A legitimidade da universidade moderna fundou-se na

conquista da ideia de autonomia do saber diante da religião e do

Estado, portanto na ideia de um conhecimento guiado por sua

própria lógica, por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto de

vista de sua intervenção ou descoberta como de sua transmissão.

.....

Uma organização [social] difere de uma instituição por definir-se

por outra prática social, qual seja a de sua instrumentalidade: está

referida ao conjunto dos meios particulares para obtenção de um

objetivo particular. (...) não está referida a ações articuladas às

ideias de reconhecimento interno e externo, de legitimidade interna

e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas

pelas ideias de eficácia e sucesso no emprego de determinados

meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma

administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento,

previsão, controle e êxito (1999:6) [grifo nosso]

E é esta perspectiva da instrumentalidade que afasta a universidade da sua característica

de mantenedora de um bem público, comum a todo e qualquer cidadão, portanto

acessível a todas as classes e pessoas. Ao incorporar o sentido da organização, ocorre um

desmembramento da criticidade e da cidadania, como também da autonomia, a

universidade neste contexto atua para manter-se e competir com as demais universidades.

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Aí os cidadãos são tratados como clientes que dependem deste serviço e das políticas

necessárias para assegurar sua permanência. A sua estrutura está focada em aspectos

gerencias, distanciando os docentes da pesquisa e atolando-os em atividades de cunho

gerencial administrativo, cujo objetivo é assegurar os programas de eficácia

organizacional, totalmente alheios ao desenvolvimento da pesquisa e à formação

intelectual.

Assim sendo, ocorre na universidade aquilo que na sociedade manifesta-se como

uma reprodução da forma atual de capitalismo, onde a fragmentação da vida social em

toda sua extensão destrói os referenciais que orientam a formação das múltiplas

identidades. Ou como argumenta Chauí (2003); “a sociedade aparece como uma rede

móvel, instável, efêmera de organizações particulares e programas particulares,

competindo entre si”.

Democratização e interiorização do ensino superior ao Plano de Apoio aos

Programas de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).

Para tratar a questão da democratização e da importância das políticas públicas para o

ensino superior em curso no Brasil, faz-se necessário compreender de que forma estas se

tornaram necessárias. No século XX, a estrutura da universidade cuja rigidez funcional e

organizacional, para além da conjuntura do momento, estabelecia uma flexibilidade na

relação do Estado com as instituições e caracteriza a educação superior como um serviço

público de uso não exclusivo do Estado. Em tempo, vale registrar tem-se uma grande

resistência destas instituições em aceitar as demandas oriundas exclusivamente do

mercado, como orientadora e regente dos currículos e atividades acadêmicas. (Cf. Santos,

Boaventura: 1997)

Há de se refletir que os avanços na universalização de direitos e de cidadania

promoveram a eclosão de identidades que passaram a clamar por oportunidades

equitativas no acesso a bens e serviços sob a tutela do Estado. Este processo revelou para

as sociedades em desenvolvimento a necessidade de formulação de políticas públicas que

fossem capazes de assegurar a estes novos personagens o acesso pleiteado, como

também, revelou a existência de bolsões de desigualdade que promoviam significativa

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exclusão de parcelas de indivíduos no acesso aos seus direitos. Em se tratando da

educação superior deve-se estar atento para a importância e o grau de desenvolvimento

atribuído a este nível escolarização e de formação profissional em cada sociedade e a

cada época, pois esta compreensão é que estabelece como os distintos países em

desenvolvimento articulam formas particulares de tratar o problema da democratização e

universalização desta modalidade de ensino.

Nos anos oitenta, a política de liberalização econômica em curso nos países

desenvolvidos, impôs aos países em desenvolvimento uma série de ajustes fiscais e

estruturais que reconfiguram a estrutura geopolítica global, pois ao tempo que promovem

uma adequação destes países a uma nova ordem mundial, determina aos seus governos

uma série de medidas que adequariam à economia destes países a realidade global (Cf:

Silva Jr & Sguissardi, 2001). Os autores, citando Soares (1996), apresentam algumas das

diretrizes que passaram a orientar a atuação dos Estados Nacionais de primeiro mundo

em relação aos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento. Conforme dito:

A preocupação destes países em relação aos países de

terceiro mundo, no final dos anos oitenta e início dos

noventa, revelava-se em alguns eixos de sua concepção de

desenvolvimento/crescimento, que, nos termos do chamado

Consenso de Washington, assim se traduziam: 1. Equilíbrio

orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos

públicos; 2. Abertura comercial, pela redução das tarifas

de importação e eliminação das barreiras não-tarifárias; 3.

Liberalização financeira, por meio de normas que

restringem o ingresso de capital estrangeiro; 4.

Desregulamentação dos mercados domésticos, pela

eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado,

como controle de preços, incentivos, etc.; 5. Privatização

das empresas e serviços públicos.

Para Sguissardi e Silva Jr, este processo de liberalização econômica tem início no Brasil,

a partir de 1990, no governo de Collor de Mello. Mas é no governo de FHC que se torna

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mais intenso com a criação do Ministério de Administração e Reforma do Estado

(MARE), sob a regência de Bresser Pereira.

O debate sobre a gerência do processo de liberalização econômica que influi e

interfere sobre a universidade é observada por Boaventura Sousa Santos (1997) a nível

global desde os anos sessenta. Este autor comenta que nos anos sessenta ocorre uma

ruptura com o modelo de privilégios e utilitário propagado pelas universidades, cujos fins

abstratos definem as funções gerando o aumento do corpo acadêmico e a expansão das

áreas do conhecimento.

Esta (aparente?) perenidade de objetivos só foi abalada na década

de sessenta, perante as pressões e as transformações a que foi então

sujeita a universidade. Mesmo assim, ao nível mais abstracto, a

formulação dos objetivos manteve uma notável continuidade. Os

três fins principais da universidade passaram a ser a investigação, o

ensino e a prestação de serviços. Apesar de a inflexão ser, em si

mesma, significativa e de se ter dado no sentido do atrofiamento da

dimensão cultural da universidade e do privilegiamento do seu

conteúdo utilitário, produtivista, foi, sobretudo ao nível das

políticas universitárias concretas que a unicidade dos fins

abstractos explodiu numa multiplicidade de funções por vezes

contraditórias entre si. A explosão das funções foi, afinal, o

correlato da explosão da universidade, do aumento dramático da

população estudantil e do corpo docente, da proliferação das

universidades, da expansão do ensino e da investigação

universitárias a novas áreas do saber. (1997: 188)

Este processo que ocorreu em diversos países do globo nos anos sessenta reverbera no

Brasil a partir dos primeiros anos do século XXI. A redefinição do ethos acadêmico a

partir da democratização do acesso ao ensino superior mais o incremento no número de

universidades públicas e federais possibilitou o aumento da população estudantil e do

corpo docente e técnico administrativo. Paralelamente, ocorre a multiplicação de ofertas

de cursos nas mais distintas áreas do conhecimento e, consequentemente, uma ampliação

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das possibilidades de acesso ao ensino superior, com o surgimento de novas carreiras

profissionais. O que ocorre no Brasil, não está dissociado do que ocorreu nos países

centrais na segunda metade do século XX, a influência do modelo geopolítico global de

liberalização econômica interfere diretamente nas formas como a universidade e a

educação superior vão ser tratadas por diferentes governos. Na concepção do Ministro

Bresser Pereira a reforma do Estado é assim definida:

A proposta de reforma do aparelho do Estado parte da existência

de quatro setores dentro do Estado: (1) núcleo estratégico do

Estado, (2) as atividades exclusivas do Estado, (3) os serviços não

exclusivos ou competitivos, e (4) a produção dos bens e serviços

para o mercado. (...) Na União, os serviços não exclusivos de

Estado mais relevantes são as universidades, as escolas

técnicas, os centros de pesquisa, os hospitais e os museus. A

reforma proposta é a de transformá-los em um tipo especial de

entidade não-estatal, as organizações sociais . A ideia é

transformá-los, voluntariamente , em “organizações sociais”,

ou seja, em entidades que celebrem um contrato de gestão com

o poder executivo e contem com a autorização para participar

do orçamento público. ( Bresser Pereira apud Sguissardi e Silva

Jr, 2001:32) [grifo nosso]

Este processo de transformação das universidades em organizações sociais, como

também de outras instituições e entidades que atuam no Estado, foi denominado pelo

Ministro Bresser como “Programa de Publicização”. A partir da adesão voluntária, estas

novas entidades passariam a ser denominadas de “entidades públicas não estatais ou

fundações públicas de direito privado”. Enquanto organizações sociais seriam assim

definidas:

Esta última reforma se dará através da dramática concessão de

autonomia financeira e administrativa às entidades de serviço do

Estado, particularmente de serviço social, como as universidades,

as escolas técnicas, os hospitais, os museus, os centros de pesquisa,

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e o próprio sistema de previdência. Para isto, a ideia é de criar a

possibilidade dessas entidades serem transformadas em

“organizações sociais”.

Organizações sociais serão organizações públicas não-estatais –

mais especificamente fundações de direito privado – que têm

autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com o

poder executivo, e, assim, poder, através do órgão do executivo

correspondente, fazer parte do orçamento público federal, estadual

e municipal. (Ib. Id.: 34)

Esta proposta, PEC no 173/95, é encaminhada pelo governo ao Congresso e após

sucessivos debates, será em 2015 que o Supremo Tribunal Federal reconhece a

constitucionalidade da proposta de reforma constitucional. A eleição de

constitucionalidade da PEC ocorre durante um período de crise do governo com cortes

expressivos na pasta da Educação. Se resgatarmos a política de reforma do estado

proposta no governo FHC sob a regência de Bresser Pereira, se verifica que o

desmantelamento do estado, transferindo para o setor privado tudo àquilo que poderia ser

controlado pelo mercado, ganha notoriedade discursiva e prática com a generalização das

privatizações de empresas estatais. Contudo o debate sobre a desestatização dos serviços

que devem ser subsidiados pelo Estado, como saúde e educação, ganha eco na sociedade,

em concordância com as gestões empreendidas pelo governo do Presidente FHC.

No bojo do programa de Publicização proposto por Bresser tinha-se:

Para isto será necessário extinguir as atuais entidades e

substituí-las por fundações públicas de direito privado,

criadas por pessoas físicas. Desta forma se evita que as

organizações sociais sejam consideradas entidades estatais,

como aconteceu com as fundações de direito privado

instituídas pelo Estado, e assim submetidas a todas as

restrições da administração estatal. As novas entidades

receberão por cessão precária os bens da entidade extinta.

Os atuais servidores da entidade transforma-se-ão em uma

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categoria em extinção e ficarão à disposição da nova

entidade. O orçamento da organização social será global.

(Bresser Pereira, 1996 apud Sguissardi; Silva Jr. 2001)

REUNI

O REUNI enquanto política pública de expansão e reestruturação das universidades

fortalece a lógica das reformas anteriores, é impulsionado por razões exógenas à própria

universidade, mas que orientam a formação de novos paradigmas e interpretações sobre a

universidade, o conhecimento e o mercado, interpondo-se à formação e à

profissionalização, como também, à docência e à pesquisa.

Mas qual seria esse propulsor exógeno para implantação de mais uma reforma na

educação superior? De fato a tendência é concordar com a afirmativa supracitada de que

a reconfiguração geopolítica global é a propulsora destas reformas, cujas características

fundamentais podem ser enumeradas a partir: da constituição de blocos econômicos

orientados pela OMC e demais órgãos internacionais; a consequente fragmentação das

relações de produção e; a mercadorização das relações sociais e dos serviços, tal como

educação, contribuíram para fazer com que a universidade deixasse de ser um instituição

social e passasse a ser reconhecida como uma organização, cujo caráter instrumental

passa a ser o orientador regimental da mesma.

Quer seja, torna-se importante o número de matriculas e de concluintes, as baixas

taxas de evasão, a produtividade técnica e científica dos docentes na gestão e na pesquisa,

ainda que, neste tipo de universidade, para o discente, o diploma não represente

criticidade ou comprometimento com o desenvolvimento da ciência. Portanto, as

reformas do estado sempre atuam de forma abrupta na universidade brasileira, até mesmo

porque, na contemporaneidade, esta ainda não consegue romper com os vícios do modelo

híbrido imposto pela reforma MEC/USAID no auge da ditadura militar. Assim para

processarmos esta migração de instituição para organização social, observemos as

palavras de Chauí, no que tange a reforma neoliberal em curso,

De fato, essa reforma, ao definir os setores que compõem o

Estado, designou um desses setores como setor serviços

não exclusivos do Estado e nele colocou a educação, a

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saúde e a cultura. Essa localização da educação no setor de

serviços não exclusivos do Estado significou: a) que a

educação deixou de ser concebida como um direito e

passou a ser considerada um serviço; b)que a educação

deixou de ser considerada um serviço público e passou a

ser considerada um serviço que pode ser privado ou

privatizado. Mas não só isso. A reforma do Estado definiu a

universidade como uma organização social e não uma

instituição social. (2003:6)

Nesta lógica podemos observar que as motivações para a implantação do REUNI não

estão associadas há um princípio endogâmico à universidade brasileira, mas se constitui

como reflexo de um reestruturação geo-política que influi de forma abrupta nas

arquiteturas curriculares das universidades ao redor do mundo. A constituição de blocos

econômicos gerou uma nova classe e um novo ethos científico, logo um novo estilo de se

fazer e se reconhecer o conhecimento como científico, como também propiciou um certo

encurtar do tempo de reflexão e criação intelectual, fazendo com que cientistas e

pesquisadores passassem a se preocupar, de forma demasiada, na publicação do

parcialmente apreendido do que na reflexão amadurecida do sentido do que está sendo

produzido como conhecimento científico. A proliferação das especialidades transformou

o todo em um conhecimento inatingível, caracterizando como generalista todo

conhecimento que buscasse extrapolar os limites do objeto reconhecido. Neste sentido,

ergueram-se estantes do que pode ser investigado nesta ou naquela instituição e,

consequentemente, criou-se pequenos nichos de especialidades que não podem ser

rompidas, senão por um novo (endo)paradigma.

Foi por esta razão, que buscando reintegrar a Europa no ciclo técnico científico

global, que no ano de 1998, os ministros da educação de quatro países europeus – Reino

Unido, Alemanha, França e Itália -, assinaram uma declaração objetivando constituir um

espaço europeu da educação superior (Declaração de Sorbonne). Mais tarde, esta ação

tornou-se a gênese da Declaração de Bolonha que para além dos países supracitados

reúne mais 25 estados europeus, perfazendo 29 signatários a este pacto. Nele, os estados

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europeus assumem a necessidade de constituição de um espaço de ensino superior

europeu que fosse atrativo para estudantes da própria Europa e de outros países e

continentes. (Cf. CATANI, AZEVEDO & LIMA, 2008).

Este modelo pensado pela declaração de Bolonha propunha um sistema de

educação superior que fosse capaz de promover a mobilidade e empregabilidade dos

cidadãos, além de compatibilidade e comparabilidade da educação superior em cada

Estado, quer seja, estabelecia-se aí a lógica de unificação de mercado, engendrando uma

arquitetura curricular que alcançasse uma dimensão europeia dos currículos. Vale

ressaltar que não propunham uma homogeneização ou padronização, mas sim uma

harmonização que subsidiasse a mobilidade estudantil e de pesquisadores. Este

empreendimento resguarda a eleição de indicadores em múltiplas dimensões da educação

superior que permitem uma avaliação de caráter comparativo entre os países signatários.

Portanto, a reconstrução das fronteiras com base nos acordos multilaterais de integração

econômica e política foram propulsores de uma reconfiguração geopolítica e de definição

das especializações e profissões para atender a este novo espaço, União Europeia.

REUNI/BRASIL – Diretrizes e análises

Diante de tal contexto e com vistas a estabelecer uma ruptura com o descaso promovido

pelo modelo anterior, é que se cria em abril de 2007 o Programa de Apoio a Planos de

Expansão e Reestruturação das Universidades Federais – REUNI – cujas diretrizes ( i-

ampliação da oferta da educação pública; ii -reestruturação acadêmico curricular; iii –

renovação pedagógica da educação superior; iv – mobilidade inter e intra institucional; v

– compromisso social da instituição e; vi – suporte da pós-graduação ao desenvolvimento

e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de graduação.) estabeleciam a constituição de

uma nova arquitetura acadêmica para educação superior, subsidiando o objetivo principal

que é: criar condições para o acesso e permanência na educação superior, ao nível de

graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos

existentes nas universidades federais (BRASIL, 2007). Logo, as universidades que

aderissem ao programa teriam um prazo de até cinco anos para atender ao proposto em

seu plano de reestruturação e, para tanto, teriam que elaborar um plano para atingir os

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objetivos e diretrizes estabelecidos pelo programa, com as estratégias definidas para se

alcançar as metas e índices neste período. Das 55 universidades federais existentes logo

após a apresentação do REUNI, apenas duas (UFABC: criada em 2005 e a UNIPAMPA

criada em 2008) não aderiram inicialmente ao programa.

Aliado ao discurso do caráter dispendioso da universidade brasileira, focada na

pesquisa, pelos órgãos internacionais, a meta estabelecida pelo REUNI para as IFE's foi

de aumentar a saída da graduação para 90% e elevar a relação aluno professor para 18.

Observa-se aí, que se trata de se constituir um conjunto de números que revelem, com

uma simples análise, o quantitativo que produziu cada universidade em seus distintos

segmentos. Estes indicadores transformam o conhecimento numa mercadoria e as

relações de aprender e saber num fetiche de atratividade para novos alunos e professores.

Na compreensão de Ball (apud PINTO, 2011), existe a necessidade de superação

das análises deterministas, sempre focadas numa perspectiva micro ou macro acerca da

implementação de políticas públicas, ele nos propõe uma análise a partir do processo,

quer seja; permite analisar o ciclo de políticas como um método para percepção das ações

por meio das práticas e, assim, apresenta os possíveis contextos onde podemos observar o

processo de intervenção e atuação do Estado, classificando-os da seguinte forma:

contexto de influência (a estratégia política e o cenário que a envolve); contexto do texto

(documentos e escritos) e; contexto da prática ( a ação, o fazer e os resultados). Neste

contexto, cabe observar a atuação de alguns dos agentes envolvidos na formulação e

implementação da política, assim tem-se a ANDIFES – Associação Nacional de

Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – que agrega os dirigentes

institucionais de todas as universidades que aderiram ao REUNI. A ANDIFES passou a

defender o programa e percebeu neste uma forma de aumentar o número de vagas para os

cursos de graduação e consequente contratação de novos docentes, atuando como

interlocutor passou a defender a política não somente internamente à universidade, mas

extrapola para a sociedade civil, apresentando publicações e planos que se adéquam ao

proposto no REUNI e no Plano de Desenvolvimento da Educação. Outro ator de

relevante papel é a ANDES – Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior –

que observa no REUNI um plano de expansão deslocado da pesquisa e extensão,

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priorizando o ensino de graduação e promovendo a precarização do trabalho docente,

com exigência de indicadores cada vez maiores de produtividade, transformando a

pesquisa e a produção do conhecimento numa mercadoria produzida em série. A UNE –

União Nacional dos Estudantes – vê na expansão e no aumento do número de vagas e

entradas no ensino superior, principalmente no turno noturno, uma vitória dos

movimentos sociais e da classe trabalhadora, dá credibilidade à interiorização e a criação

de novos campi como uma forma de reduzir as desigualdades regionais de acesso ao

ensino superior.

Do outro lado, numa relação de proximidade e distanciamento têm-se os órgãos

internacionais, que no passado haviam declarado o caráter dispendioso do modelo

brasileiro que opera como impeditivo ao crescimento desta modalidade de ensino no país,

cabe destacar o papel do Banco Mundial e da UNESCO, que produzem um discurso que

reitera a opinião da necessidade de dissociação entre a pesquisa e o ensino de graduação.

Ainda neste contexto transnacional tem-se que o processo de Bolonha assemelha-se ao

modelo proposto no REUNI na medida em que estabelece a necessidade de criação de

novos ciclos formativos na graduação.

Portanto, ao analisarmos o contexto motivacional para o surgimento do REUNI

temos que a transformação geopolítica global forçou as instituições europeias a

constituírem uma reforma que lhe dessem competitividade, principalmente com relação

aos EUA e Canadá e, que apesar da secularidade de suas instituições tornou-se necessário

estabelecer indicadores e variáveis capazes de mensurar a produção docente e

transformar o conhecimento de uma forma mais especializada. O modelo transnacional

de educação superior europeu demonstra a interdependência entre o mercado e o ensino

superior, pois esse servirá como mais um atrativo de mercado para novos estudantes e

novas profissões.

No Brasil o acarajé a bolonhesa, quer seja; a junção do proposto pela

Universidade Nova (ALMEIDA FILHO, 2003) e pelo REUNI (BRASIL,2007),

representa a busca de construir uma reforma de caráter paradigmático e de transformação

de um ethos cultural que ainda se encontra jovem perante as demais instituições na

América Latina e em outras partes do mundo. É certo que, a idade dos jovens que

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acessam ao ensino superior está cada vez menor e, que esta condição de prematuridade

no acesso, implicava diretamente na escolha das carreiras e profissões, promovendo

sucessivos abandonos e, consequentes, novas escolhas. Portanto, tínhamos um número de

vagas ociosas muito grande, como também uma exclusão significativa de parcelas

expressivas da sociedade brasileira, estudantes de origem popular, negros, oriundos do

interior e/ou da zona rural estavam cada vez mais distantes da educação superior pública

e federalizada.

Em sua proposta o REUNI pretende alcançar 30% dos jovens na faixa etária de 18

a 24 anos e, no documento produzido em agosto de 2007, intitulado: REUNI Diretrizes

Gerais, afirma;

Ao lado da ampliação do acesso, com o melhor aproveitamento da

estrutura física e do aumento do qualificado contingente de

recursos humanos existentes nas univeridade federais, está também

a preocupação de garantira a qualidade da graduação da educação

pública. Ela é fundamental para que os diferentes percursos

acadêmicos oferecidos possam levar à formação de pessoas

aptas a enfrentar os desafios do mundo contemporâneo, em

que a aceleração do processo de conhecimento exige

profissionais com formação ampla e sólida. A educação

superior, por outro lado, não deve apenas formar recursos

humanos para o mundo do trabalho, mas também formar

cidadãos com espírito crítico que possam contribuir para a solução

de problemas cada vez mais complexos da vida pública. [grifo

nosso]

O subtexto presente nas diretrizes gerais do programa de restruturação, orienta para o

mercado e para as novas necessidades que dele demandam. Formar recursos humanos e

como subproduto cidadãos críticos e implicados com o bem comum e público. O sentido

estabelecido nesta diretrizes estão em consonância com os do processo de Bolonha, quer

seja, uma arquitetura curricular flexível e desprovida de pré-requisitos, uma busca

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constante pela inovação nos campos de atuação profissional e consequente formação,

aumento das vagas ocupadas e mobilidade estudantil.

A herança de 68, promoveu um fosso entre o ensino de graduação e pós

graduação, a dissociação entre os saberes e as experiências práticas demonstrou uma

fragilidade do modelo anterior, contudo, ainda que propondo uma reestruturação espacial

e organizacional das universidades, os agentes executores do REUNI não observaram os

contextos em que parcela dos sujeitos envolvidos na construção da Universidade estavam

submetidos. Oriundos de um modelo educacional focado na profissionalização e,

consequente, mobilidade social os docentes das universidades não foram convidados para

atuarem de forma protagonista neste processo. As pesquisas, cuja produção, reflexão e

análise ultrapassam a relação temporal estabelecida pelo mercado, foram substituídas por

fragmentos discurssivos que demonstram a produtividade dos docentes e, assim,

consituiu-se num indicador numérico curricular para a disputa dos editais, que a partir de

então, passaram a ser a nova forma de atração de recursos para as universidades. Os

discente, convidados a escolha de uma profissão pelo mercado, buscam na seleta

disponibilidade de percursos acadêmicos, aquele que lhe possibilitará inserção e

reconhecimento no mercado de trabalho. E quando optantes pela vida acadêmica,

procedem uma nova escolha, agora na estante dos objetos possíveis de serem pensados e

pesquisados, como também financiados. Em suma, o mercado estabelece para a

universidade, em especial para as formações cujo foco está nas especializações práticas,

um paradigma efêmero acerca do que é o conhecimento, mas uma perspectiva material e

concreta, acerca da forma como esta deve atuar.

À guisa de uma conclusão...

A lógica da reestruturação do ensino superior e das universidades pensadas no REUNI,

resguarda-se em princípios de isonomia e equidade social, tendo como base a propalada

justiça social promovida pela interiorização das universidades; pela reestruturação e

construção de novos campi e universidades; pelas políticas de acesso e de ações

afirmativas e, até mesmo, pelo aumento significativo de bolsas de permanência.

Contanto, ainda que, propulsora de um refazer acerca das arquiteturas curriculares, o

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REUNI destitui a autonomia das universidades e promove uma relação de centro e

periferia, constituindo assim, tipologias de universidades e classificando - as como

produtoras e ou reprodutoras do conhecimento, formadoras e ou repetidoras de modelos

de formação, profissionalizantes e ou responsáveis pela formação intelectual e

acadêmico-política da sociedade.

Como política pública o REUNI objetiva a expansão como forma de reduzir o

impacto da ação estatal que privilegia a manutenção das diferenças de status, pois ao

tempo que possibilita uma maior quantidade de vagas ao ensino superior, estabelece

políticas inclusivas que assegurem o acesso de camadas marginalizadas socialmente, a

esta modalidade de educação. Nesta lógica, no contexto textual, busca-se otimizar o bem

público para o acesso universal por todas as classes e não constituí-lo como algo que

atendesse a apenas uma parcela da sociedade. Logo, observa-se o caráter híbrido que este

modelo de políticas públicas têm no Brasil, pois como afirma Esping-Andersen (1991),

“os social-democratas buscaram um welfare state que promovesse a igualdade com os

melhores padrões de qualidade, e não uma igualdade das necessidades mínimas (...) Esta

fórmula traduz-se numa mistura de programas altamente desmercadorizantes e

universalistas que, mesmo assim, correspondessem a expectativas diferenciadas”.

Teoricamente todos os trabalhadores estariam aí desfrutando de um sistema universal e o

produto dessa relação social seria a solidariedade com os custos operacionais e de

funcionamento do produto da política. Ou seja, se a universidade agora é inclusiva e

alcança inúmeros recantos do país, os custos de manutenção e ampliação do sistema

educacional deve ser repartido por todos e em todas as unidades da federação.

Esta premissa, ainda que de relevante importância para um tipo ideal de política

pública para a reestruturação e expansão da educação superior, não se concretiza, na

medida em que, esta instituição, universidade, representa um ethos conflitivo e que gera

poder para os seus partícipes. E esse poder representa a possibilidade de deslocamento

social, cultural e econômico para parcelas significativas da sociedade. Vale ressaltar, que

por esta característica, a interdependência desta modalidade de ensino com o mercado é

cada vez mais estreita. Além do mais, a configuração geopolítica do Estado, engajado em

blocos econômicos e acordos bilaterais de comércio e desenvolvimento, estabelece os

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paradigmas transnacionais e norteadores do fazer educacional e do fazer cientifico,

orientando tudo o que se pode ou não financiar e, consequentemente, produzir ou não

como forma de conhecimento.

Logo, para se gestar uma política tal qual o modelo social-democrata prevê, se faz

necessário uma avaliação geral das necessidades e desequilíbrios existentes no contexto

de atuação da política. Ou como diz Santos (1987), “políticas de desenvolvimento social,

destinadas a maximizar o bem-estar coletivo, e a equidade devem ser aferidas levando-se

em consideração o fundo contrastante da situação presente.” Pois, o modelo conceitual

norteador da política e da avaliação é produzido no âmbito do próprio Estado.

É compreensível, portanto, que os sistemas produtores de

informação, refletindo tanto a preocupação predominantemente

econômica dos governos, quanto o maior amadurecimento relativo

da análise econômica, entre as disciplinas sociais, atentem,

sobretudo, para as dimensões econômicas e demográficas, e a um

nível de agregação cujo valor, como base empírica, para as análises

sociais, deixa muito a desejar.

...

a escolha de políticas visando a reduzir disparidades sociais

fundamenta-se não apenas no reconhecimento da existência das

desigualdades, mas, sobretudo, em juízos comparativos predicados

de realidades relativamente estáveis. (ib. id.)

Este mergulho sócio-histórico acerca da educação superior e das formas de desigualdades

existentes no país, principalmente acerca da escolaridade da população brasileira em seus

diversos estratos, não foi feito pelo Estado, ao contrário, mais uma vez importou-se a

matriz de um modelo pré- existente em detrimento da nossa própria condição de

universidade. O REUNI constitui aquilo que, à moda brasileira, foi implantado na

comunidade europeia e nas universidades americanas. Adaptou-se o modelo híbrido

anterior a uma nova metamorfose do fazer universidade, isto é, passa- se a coexistir no

país dois modelos de universidade, atuando no mesmo espaço físico e social. Este

mecanismo de criar o novo paralelamente ao modelo existente, pode revelar o descrédito

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do próprio Estado na política, ou a força e a importância que as elites dominantes vêm no

modelo anterior, que assegura aos seus membros a permanência nos espaços de prestígio

e nos cursos de relevância econômica e social.

Logo, a lógica que estrutura os processos de implantação e funcionamento do

REUNI como política pública voltada para o ensino superior está relacionado ao contexto

geo-político de surgimento desta, como também, ao conceito ou ideia de universidade

existente no Estado brasileiro e na sociedade. A universidade como lugar da pesquisa e

do ensino através da pesquisa, está cada vez mais distante das proposições otimizadoras

estabelecidas por este programa. Por outro lado, observa-se cada vez mais o processo de

mercadorização das relações sociais e de sobrevalorização das formações inovadoras

estritamente vinculadas a uma realidade de mercado.

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até 1969. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2005