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REESTRUTURAÇÃO EDUCACIONAL, NEOLIBERALISMO E O TRABALHO DOCENTE HIPÓLITO, ALVARO Nas duas últimas décadas surgiram muitos estudos e investigações analisando o trabalho docente numa perspectiva sociológica. Uma avaliação de parte significativa dos trabalhos científicos produzidos no Brasil foi desenvolvida em estudo anterior, no âmbito de dissertação de mestrado (Hypolito, 1994). Minha aproximação com o trabalho docente – como objeto de estudo – tem buscado entender as modificações nesse processo de trabalho, desde uma análise da organização do trabalho escolar e da organização do trabalho na sociedade, para uma melhor compreensão da condição social e das atividades dos professores e das professoras (Hypolito, 1991; 1994; 1995). Nos estudos referidos foi privilegiado um modelo teórico centrado nas análises de classe social e de gênero para uma interpretação do trabalho docente. Há necessidade de continuação destes estudos com a finalidade de aprofundar o modelo teórico interpretativo para compreender as modificações que estão se processando na organização escolar e no processo de trabalho docente, provocadas pelas políticas educacionais dos últimos anos. Estamos vivendo momentos decisivos de reformulação do sistema educacional combinada com os processos de reestruturação da própria sociedade, ambos de natureza neoliberal. Os processos de reformas educativas e a implantação de novas políticas para o sistema educacional trazem modificações para o trabalho docente em termos de maior ou menor controle e maior ou menor autonomia do/a professor/a sobre o seu trabalho. Objeto de estudo Está em andamento uma reestruturação da economia mundial na perspectiva de hegemonização da sociedade de mercado, com a organização de mercados comuns (Europeu, Mercosul, Nafta, etc.), reestruturação essa implementada pelas políticas neoliberais. Este processo, que vem sendo denominado de globalização, vem acompanhado de toda uma retórica neoliberal e neoconservadora com profundas conseqüências para a educação (Gentili, 1995a). O processo de trabalho no capitalismo, nas últimas décadas, sofreu modificações

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REESTRUTURAÇÃO EDUCACIONAL, NEOLIBERALISMO EO TRABALHO DOCENTE

HIPÓLITO, ALVARO

Nas duas últimas décadas surgiram muitos estudos e investigaçõesanalisando o trabalho docente numa perspectiva sociológica. Umaavaliação de parte significativa dos trabalhos científicos produzidos noBrasil foi desenvolvida em estudo anterior, no âmbito de dissertaçãode mestrado (Hypolito, 1994). Minha aproximação com o trabalhodocente – como objeto de estudo – tem buscado entender asmodificações nesse processo de trabalho, desde uma análise daorganização do trabalho escolar e da organização do trabalho nasociedade, para uma melhor compreensão da condição social e dasatividades dos professores e das professoras (Hypolito, 1991; 1994;1995). Nos estudos referidos foi privilegiado um modelo teóricocentrado nas análises de classe social e de gênero para umainterpretação do trabalho docente. Há necessidade de continuaçãodestes estudos com a finalidade de aprofundar o modelo teóricointerpretativo para compreender as modificações que estão seprocessando na organização escolar e no processo de trabalho docente,provocadas pelas políticas educacionais dos últimos anos.

Estamos vivendo momentos decisivos de reformulação do sistemaeducacional combinada com os processos de reestruturação da própriasociedade, ambos de natureza neoliberal. Os processos de reformaseducativas e a implantação de novas políticas para o sistemaeducacional trazem modificações para o trabalho docente em termosde maior ou menor controle e maior ou menor autonomia do/aprofessor/a sobre o seu trabalho.

Objeto de estudo

Está em andamento uma reestruturação da economia mundial naperspectiva de hegemonização da sociedade de mercado, com aorganização de mercados comuns (Europeu, Mercosul, Nafta, etc.),reestruturação essa implementada pelas políticas neoliberais. Esteprocesso, que vem sendo denominado de globalização, vemacompanhado de toda uma retórica neoliberal e neoconservadora comprofundas conseqüências para a educação (Gentili, 1995a). O processode trabalho no capitalismo, nas últimas décadas, sofreu modificações

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substanciais com o desenvolvimento de inovações tecnológicas que,regra geral, foram acompanhadas de novas formas de organização dotrabalho (grupos semi-autônomos, toyotismo, just in time, e outrasmodalidades que podem ser chamadas de neofordistas), comoalternativas à crise do modelo fordista. Uma dessas novas formas degerência do trabalho que interessa para este estudo é a Gerência daQualidade Total (GQT), enquanto um dos pilares mais importantes doprojeto neoliberal para a educação (Silva, 1994; Silva, 1995).

Como parte desse movimento, novos requisitos educacionais passam aser exigidos e começam a ser articulados novos processos dereestruturação educativa. As propostas neoliberais para a educaçãopodem ser resumidamente identificadas a partir dos eixos de análise(Gentili, 1995b): a) princípio da competência do sistema escolar – queinclui mecanismos de controle de qualidade externos e internos àescola, subordinando o sistema educativo ao mercado e propondomodelos de avaliação do sistema; b) programa combinado decentralização e descentralização: aspectos de centralização – controlepedagógico centralizado através de mecanismos de avaliação nacional(provas etc.); c) reformas curriculares visando um currículo nacional(Apple, 1994; Moreira, 1995); e d) programas de formação eatualização de professores (tele-ensino, p. ex.); aspectos dedescentralização – transferências das instituições públicas das esferasmaiores (federal e estadual) para esferas locais (municipais); do poderpúblico para comunidades locais; e propostas de autonomia da gestãofinanceira.

No Brasil as novas propostas de políticas educacionais estãocentradas, em certa medida, nestes mesmos princípios, tanto em nívelde Governo Federal quanto de vários Governos Estaduais. Grossomodo, essas propostas incluem: a) um sistema de avaliação baseadoem provas nacionais, com a decorrente classificação das escolas (umaespécie de ranking); b) projetos de reformas visando um currículonacional; c) organização de programas de formação e atualizaçãodocente – por exemplo via tele-ensino; d) gestão financeiradescentralizada com a crescente desobrigação do Estado com aeducação pública (políticas de municipalização e adoção de escolaspor empresas, p.ex.). Isso tudo é defendido como necessário porque osistema escolar é absolutamente ineficiente e o Estado Social (WelfareState) mostrou-se incapaz de solucionar os impasses da educação

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pública. Para tanto é fundamental adotar-se critérios que possam fazer"melhorar" a qualidade e a eficiência do sistema; daí, então, anecessidade de implantação de um modelo baseado naquilo que é"eficiente" e obtém "sucesso", ou seja, o mercado. Por essa lógica, atransferência dos pressupostos da organização das empresa exitosas éuma questão de bom senso e necessidade. Daí que o modelo deorganização escolar deve estar baseado no modelo de organização dotrabalho de empresas: neste momento, o modelo de Gerência daQualidade Total (ver RAMOS, 1994).

No Rio Grande do Sul há uma programa de gestão democrática daescola, recentemente aprovado em Lei estadual, que prevê váriasalterações para o sistema de ensino. Muitas das modificaçõesaparentemente incorporam reivindicações das entidades deprofessores/as, tais como eleição para Diretor de Escola e aregulamentação de Conselhos Escolares como parte da estruturaescolar, porém recontextualizando seus significados, ou seja, "ascategorias e o léxico das lutas democráticas são seletivamentereciclados e reicorporados, depois, obviamente de terem seu conteúdoanterior devidamente higienizado" (Silva, 1995, p.2). É introduzido oconceito de avaliação através de provas, para posterior classificaçãodas escolas de acordo com os resultados obtidos por seus alunos eobtenção de recursos repassados às escolas também de acordo com osresultados obtidos nessas provas, numa relação diretamenteproporcional. Este projeto abre a possibilidade de descentralização doensino através de procedimentos de municipalização ou da adoção deescolas por empresas. Todas essas medidas visam, segundo seusproponentes, a ampliação da autonomia escolar e a democratização dagestão da escola.

Existe uma contradição nas proposições neoliberais para a educaçãoque precisa ser explorada criticamente: há, de um lado, um discurso deautonomia da escola, o que em princípio poderia significar umfortalecimento do trabalho docente; de outro lado, há um rígidocontrole pedagógico, bastante centralizado (como por exemplo omodelo baseado em provas para avaliação do sistema e a proposta deum currículo nacional), que é a própria negação da autonomia docente.

A contradição existente é que ao mesmo tempo que se propõe formas– pelo menos discursivas – de aumentar a autonomia escolar, visando

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o fortalecimento do trabalho docente e de seu poder sobre o trabalhopedagógico, ocorre uma centralização dos processos de avaliação dosistema de ensino (provas e currículo nacional, por exemplo) e decontrole do trabalho pedagógico (GQT), que definem muito mais oconteúdo e a forma daquilo que o/a professor/a deve ensinar aos/àsestudantes.

O objetivo desta investigação é estudar o impacto das políticasneoliberais para a escola pública sobre o trabalho docente, analisandoa atividade docente em escolas que implantaram o modelo degerenciamento baseado na GQT e que estejam organizadas emsistemas de ensino que implementaram políticas neoliberais.

Metodologia

A pesquisa vai ser desenvolvida envolvendo as seguintes modalidadesde investigação: a) investigação bibliográfica; b) investigaçãodocumental; e c) investigação de base empírica.

A investigação bibliográfica pretende discutir os aportes teóricos doneoliberalismo em educação, particularmente as proposições daqualidade total na educação, dialogando com a produção teóricadesenvolvida no Brasil e em outros países sobre a temática.

A análise documental pretende pesquisar as características dosprojetos e programas governamentais específicos para o Brasil, atravésde estudos de documentos oficiais (programas oficiais, projetos de leie projetos implantados) e de documentação de entidades de classe quetratem dos mesmos programas oficiais.

O estudo de cunho empírico visa investigar as condições concretas derealização dessas políticas públicas a partir da análise de dadoscoletados em escola integrada à lógica dessas políticas. Esta parte dainvestigação será desenvolvida a partir de entrevista e observações deprofessores no local de trabalho. Realizar-se-á, além da entrevista comprofessores/as e observações em escola integrada a projeto do tipoaqui referido, entrevista com técnicos e profissionais de órgãos oficiaisresponsáveis pela implementação dos programas de GQT e entrevistacom líderes sindicais da categoria analisada.

Referências Bibliográficas

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APPLE, Michael W. A Política do Conhecimento Oficial: faz sentidoa idéia de um currículo nacional? In: MOREIRA, A. F. e SILVA,T. T. da (org.). Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo :Cortez, 1994.

GENTILI, Pablo (org.). Pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e acrise da escola pública. Petrópolis, RJ : Vozes, 1995a.

________. Como reconhecer um governo neoliberal? Um breve guiapara os educadores. In: SILVA, L. H. e AZEVEDO, J. C. (orgs.).Reestruturação curricular: teoria e prática no cotidiano daescola. Petrópolis/RJ : Vozes, 1995b.

GENTILI, Pablo e SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs). Neoliberalismo,Qualidade Total e Educação. Petrópolis/RJ : Vozes, 1994.

HYPOLITO, Álvaro Moreira. Processo de trabalho na escola:algumas categorias para análise. Teoria & Educação. PortoAlegre, nº.4, p.3-21, 1991.

________. Processo de trabalho docente: uma análise a partir dasrelações de classe e de gênero. Belo Horizonte, Fac. deEducação/UFMG, 1994. (dissert. de mestrado)

________. Relações de gênero e de classe social na análise dotrabalho docente. Cadernos de Educação, FaE/UFPel, Pelotas,nº4, p.5-18, jan./jun. 1995.

MOREIRA, A. F. Neoliberalismo, currículo nacional e avaliação. In:SILVA, L. H. e AZEVEDO, J. C. (orgs.). Reestruturaçãocurricular: teoria e prática no cotidiano da escola.Petrópolis/RJ : Vozes, 1995.

RAMOS, Cosete. Excelência na educação: a escola de qualidadetotal. Rio de Janeiro : Qualitymark Ed., 1994.

SILVA, Tomaz T. da. A "nova" direita e as transformações napedagogia da política e na política da pedagogia. In: GENTILI,P. e SILVA, Tomaz T. da (orgs). Neoliberalismo, QualidadeTotal e Educação. Petrópolis/RJ : Vozes, 1994.

________. O projeto educacional da "nova" direita e a retórica daqualidade total. Porto Alegre, Conferência proferida no seminário"A Escola Básica no ano 2000", comemorativo aos 25 daFACED/UFRGS, 1995. (mimeo)

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Álvaro Moreira HypolitoFaculdade de Educação / Universidade Federal de PelotasRua Alm. Barroso, 173496010-280 Pelotas RS BRASILE-Mail: [email protected]