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Redes de gestão para a competitividade do sector turístico: uma análise a
partir do turismo rural
Patrícia ROMEIRO1
CSIC (Espanha) e FLUP (Portugal)
Resumo
O turismo rural tem vindo, desde a última década do século XX, a registar um
significativo e generalizado crescimento nos países da União Europeia2. No entanto, sob
o ponto de vista da gestão empresarial, o turismo rural sofre uma série de obstáculos
que dificultam a sua competitividade enquanto produto turístico. Através do caso de
estudo do Valle del Jerte (Estremadura, Espanha), este artigo analisa uma rede
empresarial formada para a gestão do turismo rural, desde a perspectiva da análise de
redes, para criticamente discutir o seu potencial enquanto uma estrutura que favorece a
competitividade e inovação da actividade. Os resultados demonstram que as estruturas
em rede contribuem para a criação de um destino coeso, onde a partilha de recursos
permite a criação de respostas locais inovadoras aos desafios impostos pelo mercado
global.
Palavras-chave
Gestão do Turismo Rural, Inovação Territorial, Organização em Rede, Análise de Redes
Sociais, Valle del Jerte.
1 [email protected], c/ Albasanz 26-28, desp. 3E 27-28, 28007 Madrid, Espanha; telf. +34 66 101 70 82. 2 UE-15.
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1. Introdução
É a partir da década de 90 do século XX que se assiste a uma expansão
generalizada da oferta de turismo rural na União Europeia, incentivada tanto pela
Administração Pública (a diferentes escalas) (Fleischer & Pizam, 1997; Sleee et al.,
1997; OCDE, 1994), como pela iniciativa privada. Este crescimento da oferta, associado
a uma tentativa de diversificação da economia rural, tem sido acompanhado e
estimulado pelo aumento da procura deste produto turístico (Sharpley & Sharpley,
1997).
Apesar da trajectória de crescimento, nem todos os territórios têm conseguido criar um
ambiente inovador e competitivo em torno desta actividade, condição indispensável
para a sustentabilidade do turismo rural. Este facto torna-se ainda mais importante
quando se trata do desenvolvimento da actividade turística em territórios periféricos,
afastados dos principais destinos turísticos, e com problemas estruturais de
desenvolvimento.
Sob o ponto de vista da gestão empresarial, a consolidação deste produto enfrenta uma
série de debilidades relacionadas com as empresas fornecedoras, com o produto, com a
própria natureza da actividade e com os territórios onde se desenvolve, que restringindo
o seu potencial competitivo (Hall et al., 2003; Sharpley & Roberts, 2004; Greffe, 1994;
Page & Getz, 1997). Estas debilidades vêm-se agravadas num contexto em que a
crescente concorrência e a dinâmica do sector turístico exigem respostas de gestão
profissionais, flexíveis e inovadoras (Buhalis, 2000).
Se os numerosos casos de estudo provenientes da literatura no âmbito da teoria
organizacional, sobretudo a partir da década de 90, demonstraram a contribuição das
estruturas organizacionais em rede para a criação de vantagens competitivas num
ambiente económico crescentemente competitivo (ver Gandori e Soda, 1995), só muito
recentemente esta temática começou a ser abordada no contexto dos estudos turísticos
(Dredge, 2006).
Os trabalhos desenvolvidos anteriormente por Dredge (2006), Novelli et al.
(2006), Saxena (2005), Pavlovich (2003) e Shih (2006) ilustram a discussão da
abordagem relacional aplicada ao estudo de fenómenos turísticos à escala local, embora
nem todos apliquem a metodologia própria da análise de redes sociais (ARS). Nesta
linha de trabalho, pretende-se conciliar estes dois elementos, que nem sempre são
4160
coincidentes na literatura científica: i) a análise de uma estrutura organizacional em rede
através da estrutura teórica e ii) a metodologia própria da ARS.
Partindo destes pressupostos, o objectivo deste trabalho consiste em analisar o
potencial de uma rede de gestão de turismo rural (alojamento, restauração e actividades
complementares), em Espanha, para a competitividade da actividade e do território onde
se desenvolve. Nas secções 2 e 3 deste artigo são analisadas, respectivamente, as
principais questões relacionadas com a gestão do turismo rural e com as estruturas em
rede no contexto da teoria organizacional. A secção 4 apresenta os aspectos
metodológicos e alguns dados relacionados com o estudo empírico. Os resultados e
discussão do estudo de caso sobre o potencial da rede de turismo rural no Valle del Jerte
são apresentados no capítulo 5. O trabalho finaliza com as principais conclusões e
implicações construídas com base nas evidências demonstradas pelo estudo empírico,
fazendo também uma reflexão crítica acerca da importância que as redes de gestão
podem assumir no contexto das prioridades políticas definidas pelo Governo de Cabo
Verde, relativamente à diversificação da actividade turística (conforme o Programa do
Governo de Cabo Verde, 2006-2011).
2. Principais debilidades do turismo rural
Uma década e meia depois do início de uma expansão generalizada da oferta de
turismo rural no contexto da União Europeia, esta actividade encontra-se num período
de encruzilhada. Se o desenvolvimento a uma pequena escala, por empresas de pequena
dimensão, e o carácter tradicional são alguns dos elementos distintivos do turismo rural
enquanto produto (OCDE, 1994), estes são também, paradoxalmente, factores que
reduzem o seu potencial competitivo, num mercado caracterizado pela crescente
exigência da procura e pelo aumento da competição entre destinos e produtos turísticos.
Ao nível da planificação do produto, o turismo rural surge frequentemente por
acção espontânea e individual das empresas, com um insuficiente nível de planificação
dos objectivos e instrumentos de apoio e de análise dos critérios de sustentabilidade da
actividade. Este facto é responsável, por exemplo, pela sobre-estimação da dimensão
turística que pode conduzir a curto-médio prazo a situações de estagnação da
rentabilidade económica, perda da autenticidade da oferta e degradação do meio-
ambiente (Sharpley & Roberts, 2004).
4161
A reduzida dimensão das empresas implicadas no fornecimento do turismo rural
(normalmente micro-empresas, que operam a uma escala local) (Page & Getz, 1997;
Sharpley & Sharpley, 1997), não permite o desenvolvimento de economias de escala,
tornando difícil o acesso a recursos (financeiros, humanos, tecnológicos, entre outros), e
dificultando a negociação com clientes e fornecedores. Por outro lado, estas empresas
são geralmente de natureza familiar, estruturas empresariais frequentemente associadas
a modelos de gestão mais resistentes à mudança (Page & Getz, 1997). Outros factores
que dificultam a consolidação e a competitividade do produto turismo rural relacionam-
se com i) a insuficiente qualificação dos empresários na área da gestão turística (Greffe,
1994); e com ii) o facto de ser uma actividade económica frequentemente desenvolvida
a tempo parcial.
Sendo o produto turismo rural associado pelos turistas a uma experiência global
do destino (Sharpley & Sharpley, 1997), mais do que ao “consumo” fragmentado dos
diferentes serviços/produtos turísticos (alojamento, restauração, actividades de lazer,
etc.), a natureza compósita desta actividade e a diversidade dos actores que nela
intervêm, associados à ausência de estratégias integrais, não favorecem a formação de
um produto que responda a esta expectativa. Alguns autores referem ainda a qualidade e
a falta de homogeneidade na classificação dos serviços e produtos turísticos como
pontos débeis que afectam o turismo rural (Hall, Lesley, & Mitchell, 2003).
Ao conjunto de factores referidos anteriormente, que se relacionam com a
estruturação e fornecimento do produto, associam-se ainda outros que são inerentes aos
territórios onde se desenvolve, como a oferta deficitária de serviços e infra-estruturas
existente nas áreas rurais (Sharpley & Roberts, 2004), o que dificulta a criação de
vantagens competitivas.
Sob o ponto de vista do relacionamento com o mercado, a frequente ausência de
uma estratégia clara que defina o produto de uma forma diferenciada, faz com que a
oferta seja difusa (Sharpley & Roberts, 2004). Por outro lado, se a informação constitui
actualmente um factor crucial nos processos de gestão da indústria turística (Buhalis,
2000), as Tecnologia de Informação e Comunicação converteram-se num elemento
essencial das estratégias empresariais, destacando-se claramente o papel da Internet. No
entanto, a grande proliferação de páginas Web, tem vindo a dificultar o acesso do turista
a informação de forma rápida e homogénea (Associação Espanhola de Turismo Rural,
2001). A literatura científica também refere frequentemente o facto de muitos destinos
levarem a cabo insuficientes esforços de promoção para captação de turistas na época
4162
baixa, por forma a reduzir a sazonalidade que limita a rentabilização dos investimentos
(Fleischer & Pizam, 1997).
Os desafios impostos por um mercado global e pelo desenvolvimento das TIC
podem constituir boas oportunidades para o desenvolvimento de novas estratégias de
gestão do turismo rural (Buhalis, 2000). No entanto, a sustentabilidade e a
competitividade da actividade dependerá da capacidade dos actores que intervêm na
actividade desenvolverem estratégias integradas de gestão.
3. As redes enquanto estruturas organizacionais
No âmbito das ciências sociais e económicas, as redes têm vindo a despertar um
crescente interesse enquanto estrutura organizacional (Borgatti & Foster, 2003). Um
contexto sócio-económico marcado pelo processo de globalização e os avanços nas
tecnologias de informação e de comunicação, introduziu a necessidade de alterar o
conceito rígido de fronteira organizacional, imprimindo a necessidade de planificar e
estruturar as organizações como redes de organizações interdependentes (Knoke, 1990).
As redes podem ser definidas como “any collection of actors (N ≥ 2) that pursue
repeated, enduring exchange relations with one another and, at the same time, lack a
legitimate organizational authority to arbitrate and solve disputes that many arise during
the exchange” (Podolny & Page, 1998:59). Esta definição coloca em evidência o facto
desta estrutura organizacional excluir mecanismos próprios do mercado puro e da
hierarquia, nomeadamente no que respeita à duração da cooperação e aos mecanismos
de controle (Podolny & Page, 1998; Thompson, 2003). Baseada em relações de médio-
longo prazo, a confiança é o principal mecanismo de controle, exercido com base em
elementos como a interdependência, a reciprocidade e a reputação, e também através da
presença de um clima informal orientado para os benefícios mútuos (Powell, 1990;
Thompson, 2003).
Neste contexto, as redes envolvem um conjunto de organizações que se
relacionam interactivamente em torno de uma questão comum, que pela sua
complexidade ou custo, requer uma resposta multi-organizacional (Jamal & Getz,
1995).
A expansão das redes enquanto estrutura organizacional tem sido acompanhada
por um número crescente de literatura científica que analisa as suas vantagens. Entre as
4163
mais habitualmente referidas destaca-se o facto de facilitarem os processos de
aprendizagem e de inovação, de funcionarem como mecanismo de legitimação e
prestígio, de proporcionarem benefícios económicos, de facilitarem a gestão dos
recursos e de promoverem bem-estar social para os actores que se estruturam em rede
(Powell, 1990; Uzzi, 1996). Menguzzato, num esforço integrador, identifica três
fundamentos teóricos complementares que explicam as funcionalidades das estruturas
organizacionais em rede: i) a lógica económica, que recorre à teoria dos custos de
transacção; ii) a lógica estratégica, baseada no acesso a novos mercados e recursos, na
obtenção de economias de escala e de uma maior flexibilidade, e iii) a lógica
organizacional, apoiada na teoria dos recursos e capacidades para abordar o
funcionamento em rede como um instrumento de aprendizagem organizacional
(Menguzzato, 1995).
Apesar de ser uma questão pouco trabalhada na literatura científica, alguns
autores alertam para a presença de uma série de desvantagens inerentes à forma de
funcionamento destas estruturas organizacionais (Roberts & Simpson, 1999). Neste
contexto, destacam-se i) questões relacionadas com o reduzido controle relativamente a
eventuais comportamentos oportunistas e ii) a redução da eficiência da aprendizagem,
que advém do facto das organizações não conseguirem explorar e integrar o
conhecimento adquirido de forma eficiente (especialmente em redes de grandes
dimensões), e a tendência para gerar processos de aprendizagem isomórficos,
decorrentes do número limitado de fontes de conhecimento (Oliver, 2004).
A acção de uma estrutura inter-organizacional em rede pode ver-se afectada por
uma série de elementos que limitam a sua funcionalidade, podendo dever-se a condições
internas ou externas. Destas últimas destacam-se o contexto económico, a resposta do
mercado, as obrigações com terceiros ou as autorizações de poderes públicos
(Rodríguez, 2001. A propósito das condições externas, e com especial relevância no
contexto deste trabalho, Bramwell e Sharman destacam três ordens de factores. Um
primeiro factor relaciona-se com o alcance da cooperação e, em particular, com a
representatividade e a motivação dos participantes; um segundo elemento diz respeito à
intensidade da cooperação, medida nomeadamente através da natureza e da frequência
do envolvimento, do fluxo de informação e do grau de compreensão mútua; e, por fim,
o terceiro elemento prende-se com o grau de consenso entre os actores, no que respeita à
forma, implementação e avaliação das acções empreendidas (Bramwell & Sharman,
1999).
4164
3.1 As redes no âmbito do turismo rural
As redes são estruturas organizacionais que se adaptam particularmente bem à
actividade turística, pela diversidade de subprodutos que integra e de actores que nela
intervêm, a diferentes escalas (Tremblay, 1998). Apesar deste facto, só no final da
década passada os investigadores começaram a discutir as questões turísticas desde uma
perspectiva relacional, sendo escassos os trabalhos que analisam as implicações das
estruturas inter-organizacionais em rede no desenvolvimento da actividade turística à
escala local.
Alguns dos artigos recentemente publicados, partindo do pressuposto de que as
estruturas organizacionais em rede têm efeitos positivos para a actividade turística,
analisam os factores que contribuem para optimização das relações entre os sectores
público e privado (ver Dredge, 2006; Saxena, 2005). Outros estudos analisam a
evolução dos destinos, associado à própria evolução da densidade relacional que se
estabelece entre organizações, baseada na troca de informação (ver Pavlovich, 2002), ou
discutem o processo e implicações do desenvolvimento de clusters e redes
multisectoriais no turismo (ver Novelli et al., 2006).
As estruturas em rede permitem a partilha de recursos (informação, capital, entre
outros) e de infra-estruturas, com implicações ao nível da inovação (produtos, processos
e organização) e da gestão mais integrada dos destinos turísticos (Selin, 1999;
Tremblay, 1998; Saxena, 2005; Novelli et al., 2006). O recente trabalho de Scott et al.
(2008) analisa a coesão em quatro destinos turísticos australianos, através do estudo das
propriedades estruturais das redes inter-organizacinais existentes em cada um dos
destinos.
Neste estudo, uma rede é entendida como a combinação de organizações que
estão interactivamente relacionadas através de uma questão comum, que pela sua
complexidade ou custo requer uma solução multi-organizacional.
4165
4. Métodos e dados
4.1 Metodologia da Análise de Redes Sociais: princípios e aplicação aos estudos
turísticos
A crescente complexidade relacional entre organizações e territórios tem vindo a
implicar novos desafios também ao nível conceptual e metodológico. Apesar de gozar
de uma grande tradição no âmbito das ciências sociais, a abordagem da ARS só a partir
da década de 90 começou a ser amplamente aplicada ao campo da teoria organizacional.
Para além do conceito de rede, utilizado na actualidade como metáfora para descrever a
ideia de interligação, um conjunto de técnicas e índices (de centralidade, prestígio, etc.)
permite realizar uma análise dos padrões de relação que ocorrem entre distintos
elementos (Wasserman & Faust, 1994). A ARS permite analisar as relações
estabelecidas entre os distintos actores, por forma a identificar os padrões estruturais da
rede no seu conjunto, e interpretar as diferenças entre os actores em termos de
oportunidades ou constrangimentos derivadas da sua posição na rede (Tichy, 1979;
Scott, 1991; Wasserman & Faust, 1994).
A perspectiva da ARS aplica-se adequadamente a realidades complexas como o
turismo, que integra uma grande diversidade de produtos e onde interagem organizações
públicas, privadas e organizações sem objectivo de lucro, a diferentes escalas (Dredge,
2006). No entanto, apesar do potencial da teoria e métodos da ARS, o estudo do turismo
desde esta perspectiva e metodologia somente começou a despontar ao longo da última
década (Costa, 1996; Novelli et al., 2006).
A este propósito cabe destacar o trabalho desenvolvido por Saxena, onde analisa
o efeito das relações público-privadas na criação de um contexto de aprendizagem em
três regiões, apontando algumas dos elementos chave para o fortalecimento destas
relações (Saxena, 2005). Por outro lado, Pavlovich parte da ideia de que as relações
entre organizações num destino turístico podem funcionar como um mecanismo de
auto-organização, e recorre à ARS para analisar a forma como as redes inter-
organizacionais são formadas e geridas, e também como evoluem ao longo do tempo
num destino turístico na Nova Zelândia (Pavlovich, 2002). Mais recentemente, Shih
utiliza a metodologia da ARS para analisar dezasseis destinos turísticos na Tailândia e
propor a criação de infra-estruturas e serviços em função das características estruturais
4166
de cada destino resultantes da sua posição nas distintas rotas efectuadas pelos turistas
(Shih, 2006).
4.2 Questionário da entrevista
A população a estudar, constituída por 44 empresas – 9 apartamentos rurais, 19
casas rurais, 1 hotel rural, 3 restaurantes, 1 comércio de produtos típicos, 4 actividades
de ócio e 7 cadeias de turismo rural3 – foi definida a partir da selecção de todas as
empresas que, pertencendo à Associação de Turismo Rural do Valle del Jerte (ATRVJ),
figuravam como empresas de turismo rural.
Com a entrevista presencial através de questionário, onde se incluíram perguntas
fechadas e abertas, pretendeu-se recolher dados que permitissem analisar o
funcionamento da rede (características dos contactos), seus objectivos, vantagens e
desvantagens do seu funcionamento e as potenciais barreiras ao aprofundamento de uma
estrutura em rede.
Apesar da entrevista através de questionário ser uma técnica de recolha de
informação comum a outro tipo de abordagens, quando aplicada no contexto da ARS
deve ter-se em conta uma série de considerações, nomeadamente ao nível do desenho do
questionário e da sua aplicação (Scott, 1991; Wasserman & Faust, 1994). Entre
as duas opções formais relacionadas com o desenho do questionário, lista completa
(roster) versus livre nomeação (free recall) (Wasserman & Faust, 1994), optámos pela
primeira, dado que os elementos que compõe a rede a estudar eram conhecidos e
estavam previamente identificados.
O questionário foi dividido em cinco partes, definidas de acordo com o tipo de
objectivos pretendidos:
• Parte I: análise descritiva relacionada com as características das empresas e dos
membros da associação;
• Parte II: análise relacional da estrutura organizacional;
3 Estes representam um total de 57 serviços turísticos. O maior número de serviços turísticos representados pela ATRVJ, relativamente ao número de empresários que a integram, deve-se ao facto de alguns dos sócios serem proprietários de mais do que um estabelecimento turístico. Por uma questão de simplificação, denominamos “cadeias” as empresas que possuem mais do que um estabelecimento turístico.
4167
• Parte III: análise da percepção das empresas acerca das potencialidades das
estruturas em rede;
• Parte IV: validação das informação previamente recolhida, em particular a que
se relaciona com as vantagens e desvantagens e os factores críticos para a
melhoria da rede de gestão do turismo rural;
• Parte V: análise descritiva do perfil dos entrevistados.
Cabe mencionar que algumas das temáticas abordadas no questionário se
relacionam com a percepção que as empresas têm acerca do desempenho das outras
empresas que lhe estão próximas. Apesar da sua relevância para a análise da estrutura
social, juntamente com a percepção da qualidade da comunicação estabelecida com
outras organizações (Bramwell & Sharman, 1999), os entrevistados mostram-se
normalmente relutantes em responder a estas temáticas. A este propósito, cabe
mencionar o trabalho desenvolvido por alguns autores que têm vindo a mostrar que uma
das técnicas possíveis para a obtenção de informação relacionada com questões
sensíveis é a realização de perguntas que foquem indirectamente estas temáticas,
podendo estas ser verificadas numa fase posterior da entrevista através de perguntas
abertas (Costa, 1996).
Para a análise da percepção das empresas relativamente ao potencial de uma
rede para a gestão do turismo rural recorremos ao método de escala de Likert (escala de
cinco categorias, desde “concordo fortemente” a “discordo fortemente”). De referir
ainda que na formulação de algumas perguntas do questionário se recorreu à alternância
entre questões positivas e negativas, com o objectivo de aumentar a diversidade formal
das questões por forma a incitar nos entrevistados maiores níveis de concentração e,
como tal, resultados mais precisos (Stacey, 1970:80).
5. Contexto do caso de estudo
Situado na parte Nordeste da província de Cáceres, o Valle del Jerte, é uma das
comarcas que compõe a denominada Alta Estremadura (Espanha). Esta comarca
coincide com uma zona natural homogénea, que a caracteriza e diferencia, dividida
4168
administrativamente em onze municípios que se distribuem ao longo do vale do rio
Jerte. Com uma área de 374,33 Km2, e uma densidade populacional de 30,57 hab./Km2,
o Valle del Jerte é uma comarca rural, definida pela UE como território que sofre
atrasos estruturais de desenvolvimento.
A história económica e social da comarca do Valle del Jerte encontra-se
intimamente associada à actividade agrícola e, em particular, ao cultivo da cereja. A
formação, na década de 70, do Associação de Cooperativas Agrícolas do Valle del Jerte
marcou o início de uma estratégia de desenvolvimento territorial fortemente associada à
cooperação entre os actores locais.
A ATRVJ, de âmbito comarcal, foi criada no ano de 1994, quando nove
empresários do sector turístico decidiram unir esforços para a estruturação do sector.
Apesar do carácter incipiente da actividade turística na comarca, assim como na
província e na região, os empresários pensaram que existia potencial para o
desenvolvimento de um produto turístico baseado nos recursos naturais. Entre estes
recursos destaca-se a paisagem agrária baseada no monocultivo da cereja e a abundância
de recursos aquíferos.
A ATRVJ é uma estrutura representativa das empresas do Turismo Rural na
comarca, integrando 91% do total de estabelecimentos turísticos, dos diversos sub-
sectores que formam o produto turismo rural.
A direcção da ATRVJ está formada por 8 elementos eleitos, representando os
diferentes tipos de empresas turísticas, sendo a gestão quotidiana é levada a cabo por
um técnico contratado. De acordo com os estatutos da associação, a direcção reúne-se
mensalmente e todos os membros que a compõem são convocados semestralmente.
Adicionalmente, outros encontros e comunicações entre os membros da associação (por
correio electrónico ou postal, telefone, etc) podem ocorrer cada vez que é necessário
tomar decisões colectivas relacionadas com o turismo rural. Se inicialmente a
associação foi parcialmente financiada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento
Regional, actualmente os recursos económicos provêm exclusivamente dos sócios.
Enquanto promotor e gestor do turismo rural no Valle del Jerte, a ATRVJ tem
vindo a desenvolver, maioritariamente, acções de informação entre os associados, de
interlocutor junto de organizações (públicas e privadas), campanhas de promoção do
destino turístico e de preservação do ambiente natural. Nos últimos quatro anos, a
associação tem vindo a priorizar actividades relacionadas com a comercialização e a
qualidade dos produtos e serviços turísticos.
4169
6. Resultados e discussão
6.1. Características gerais da rede de turismo rural a partir da análise
sociométrica
O tratamento e representação de dados recolhidos, através do pacote informático
UCINET 6.117 (Analytic Technologies, Lexington, USA), permite realizar uma análise
visual preliminar da rede de empresas de turismo rural do Valle del Jerte
Na rede em questão, os nós representam as empresas e os arcos dirigidos
correspondem à presença de contactos estabelecidos entre pares de nós, entendidos
enquanto relações frequentes estabelecidas por motivos profissionais no âmbito da
actividade turística. Estas relações podem assumir distintas formas e conteúdos, como o
intercâmbio de informação acerca da disponibilidade de um serviço fornecido por outra
empresa (por exemplo, com o objectivo de encaminhar turistas para um estabelecimento
com disponibilidade de alojamento), a coordenação de actividades (nomeadamente de
um estabelecimento de alojamento com outra de actividades de ócio, restauração ou
produtos típicos), ou ainda a definição de estratégias (por exemplo, para o combate à
sazonalidade).
Uma análise geral do sociograma coloca em manifesto um núcleo central
composto por empresas que apresentam um maior número de vínculos, e que contrasta
com uma periferia formada por empresas com menor número de contactos (Figura 1).
Por outro lado, é possível verificar que todos os nós da rede estão conectados entre si,
salvo uma das empresas de alojamento que aparece como nó isolado. Esta primeira
imagem da estrutura relacional da rede permite ainda verificar que os diferentes tipos de
empresas se encontram distribuídos por toda a rede, embora se verifique uma
concentração das cadeias de turismo rural no centro da mesma. A rede, composta por 44
empresas, apresenta uma densidade moderada (15,12%).
6.2 Posicionamento das empresas na rede: análise da centralidade
Reduzindo o nível de análise, o cálculo da centralidade para cada empresa
permite detectar as posições centrais e as posições periféricas que estruturam os padrões
relacionais da rede, especialmente úteis para a compreensão da eficiência da rede e/ou
para a detecção de eventuais constrangimentos (Wasserman & Faust, 1994).
4170
Fig 1. Rede de gestão do turismo rural do Valle del Jerte, segundo categoria da empresa.
O indicadores de centralidade4 – de grau, de proximidade e de intermediação –
permitem avaliar a visibilidade de cada empresa que integra a rede, com base no
número de contactos que cada uma possui (indicador de outdegree, quando se calcula
com base nos contactos que estabelece, e de indegree, quando se analisam os contactos
que as outras empresas estabelecem consigo), na capacidade de actuar como
intermediárias nas relações que se estabelecem entre outras empresas da rede e na
capacidade de estar próximas das empresas que formam a rede (Wasserman & Faust,
1994).
4 Calculados segundo os índices de Freeman (ver Freeman, L.C., 1979).
4171
Apesar da reduzida centralização da rede (mencionada na secção anterior), a
análise das medidas de centralidade de grau e de intermediação coloca em evidência as
posições destacadas que ocupam uma das empresas de actividades de ócio e uma das
cadeias de turismo rural, embora mais evidente nos resultados do primeiro indicador.
No primeiro caso, trata-se de uma empresa que fornece serviços complementares às
empresas que maioritariamente compõem a rede (alojamento). No caso da cadeia de
turismo rural, o facto de esta constituir um referente na gastronomia estremenha poder
justificar a visibilidade destacada. Cabe também destacar que todas as cadeias de
turismo rural se encontram entre os actores com maior centralidade, podendo também
distinguir-se um grupo de empresas de alojamento pelos valores de centralidade (de
grau e de intermediação) registados.
De uma forma geral pode afirmar-se que as posições de maior centralidade5 são
normalmente ocupadas por empresas que se dedicam a actividades complementares à
actividade dominante na rede – actividades de ócio –, cadeias de turismo rural, ou
empresas de alojamento com um certo nível de consolidação da actividade, quer pela
antiguidade, ou pelo facto dos empresários se dedicarem a tempo inteiro à actividade.
Inversamente, a menor centralidade na rede corresponde a um perfil de empresa com
poucas relações com os restantes elementos da rede, cujos empresários se dedicam ao
turismo como actividade complementar e/ou que se encontram pouco consolidadas pela
sua recente existência.
O facto da diferença de centralidade de intermediação entre empresas ser
praticamente inexistente demonstra que um número significativo das relações/contactos
se estabelece de forma directa, sem o recurso à intermediação de outras empresas da
rede.
6.3. Características dos contactos estabelecidos
A maioria dos contactos estabelecidos pelas empresas da rede de turismo rural
do Valle del Jerte tem um carácter esporádico (“várias vezes ao ano” ou “raramente”).
No entanto, apesar desta baixa frequência no conjunto da rede, aproximadamente 30%
4172
dos contactos são levados a cabo de uma forma regular (pelo menos uma vez por mês),
maioritariamente por empresas que apresentam maiores valores de outdegree.
Os vínculos estabelecidos relacionam-se, na sua maioria, com a colaboração em
iniciativas conjuntas (53,87%) e, em menor medida, com o objectivo dar/receber
informações (23,57%) e de definir estratégias e coordenar esforços (22,56%).
De realçar, que o objectivo relacionado com o intercâmbio de informação é
maioritariamente referido nos contactos estabelecidos entre empresas que se dedicam à
prestação de serviços diferentes (especialmente alojamento com restauração e outras
actividades de comércio e lazer), embora também esteja presente nos contactos entre
empresas que se dedicam ao mesmo tipo de serviços, normalmente com o objectivo de
reencaminhar turistas quando um estabelecimento se encontra completo.
Quanto ao objectivo relacionado com a definição de estratégias e coordenação de
esforços, este relaciona-se de uma forma mais directa com os contactos estabelecidos
entre as empresas valores de outdegree. Se este tipo de contactos indicia a existência de
um esforço a médio-longo prazo, no sentido de serem coordenadas iniciativas e
planificadas trajectórias de desenvolvimento da actividade turística, pode afirmar-se que
a estrutura organizacional do turismo rural do Valle del Jerte no seu conjunto, ainda não
atingiu a maturidade.
Os contactos são estabelecidos, na sua quase totalidade, como resultado de uma
prática consolidada para a resolução de problemas ou necessidades específicas
(98,32%), o que evidencia que os vínculos estabelecidos têm um carácter informal e são
fruto de uma prática aprendida tacitamente pelas empresas.
4173
Tabela 1. Medidas de centralidade6 das empresas de turismo rural
Closeness Betweenness
Tipo de Negócio Nome NmOutDeg. NmInDeg. nCloseness nBetweennessEl ponton 6.977 4.651 33.333 3.350Carroyosa 32.558 18.605 38.053 6.807El alambique y la alquitara 18.605 18.605 36.441 0.682El artesano 4.651 6.977 33.077 0.688El mirador de las casas 4.651 4.651 31.618 1.768El nogalon 2.326 9.302 33.077 0.000La casería 6.977 4.651 33.077 1.363Tauro 9.302 9.302 34.400 1.147Tia Josefa 4.651 4.651 30.935 0.000Casa Barbara 4.651 4.651 32.331 0.000El cerezal de los sotos 6.977 4.651 32.090 0.186El cerrillo 25.581 23.256 36.134 0.261El Regajo 30.233 27.907 37.391 5.728El Tejo 2.326 4.651 30.935 0.000Garza real 20.930 13.953 36.752 0.951Josefina 0.000 0.000 0.000 0.000La antigua posada 4.651 9.302 33.858 0.000La casa del bosque 2.326 2.326 28.289 0.068La casa vieja 6.977 9.302 33.333 0.186La cerecera 30.233 30.233 37.719 1.552La escondida 9.302 4.651 32.576 0.162La parra 30.233 27.907 37.391 0.893La solana 2.326 9.302 31.159 0.071La tahona 4.651 4.651 32.824 2.104Las huracás 2.326 0.000 25.294 0.000Los carazos 4.651 2.326 32.090 0.000Los morales 6.977 9.302 33.333 0.389Los portales 13.953 23.256 36.752 1.127
Hotel Rural Finca del carpintero 6.977 4.651 33.077 0.121Tormantos 9.302 16.279 33.594 1.303Las flores 4.651 16.279 31.387 2.333Los naranjos 4.651 0.000 26.061 0.000
Prod. Típicos La flor del cerezo 11.628 25.581 35.833 1.132Los pilones 4.651 13.953 32.824 2.624La cantara 4.651 9.302 31.159 0.527Soc. guias Valle del Jerte 16.279 20.930 35.537 4.453Valle aventura 53.488 58.140 43.434 31.116C. TR Vettonia 39.535 34.884 38.739 6.236Casas de Turismo Rural 39.535 25.581 38.393 3.350Turnat 44.186 32.558 38.739 3.790Adobe 27.907 25.581 36.134 3.064Cristino Pedraza 37.209 27.907 37.719 2.542C. de TR Almazara de Barra 39.535 34.884 38.393 4.577Agustín Moreno 46.512 51.163 41.748 15.589
Degree Empresa
Cadeias
Apartamento Rural
Activ. Lazer
Restaurante
Casa Rural
6 Medidas normalizadas através da divisão pelos respectivos valores máximos, expressados em percentagem.
4174
Apesar da moderada densidade de relações, a maioria das empresas de turismo rural do
Valle del Jerte confere uma importância significativa aos contactos estabelecidos – para
70,71% estes são fundamentais e para 23,57% estes são muito importantes.
Relativamente à definição das regras dos contactos, os resultados não deixam
antever a existência de conflitos relacionados com a imposição de normas por parte de
algumas empresas, dado que 98,56% dos contactos são definidos mutuamente.
6.4 Compatibilidade de objectivos, coordenação e conflito
Apesar das diferenças existentes entre as empresas que formam a rede
(antiguidade, tipo de estabelecimento, número de estabelecimentos pertencentes à
empresa, entre outras), existe um elevado grau de compatibilidade no que respeita aos
objectivos e à forma de funcionamento das empresas que estabelecem contactos no
âmbito do turismo rural – em 61,62% das relações as empresas reconhecem ser
totalmente compatíveis e 31,31% muito compatíveis. Apenas uma empresa que
comercializa produtos típicos (1,68% do total de relações estabelecidas no âmbito da
rede) considera que a sua actividade se encontra pouco coordenada com uma das
empresas de alojamento, justificando que existe uma sobreposição de serviços pelo
facto do referido alojamento se dedicar também à comercialização de produtos típicos
sem autorização legal.
Embora exista uma diversidade de opiniões, verifica-se um elevado grau de
coordenação das actividades desenvolvidas entre as empresas que estabelecem relações
– em 62,29% das relações as empresas afirmam estar bem coordenadas e em 22,90%
totalmente coordenadas. O reduzido peso que assumem as relações entre empresas que
afirmam existir pouca coordenação (1,01%), não deixa antever a existência de conflitos
relacionados com esta questão.
O estudo da natureza dos desentendimentos entre as empresas que mantêm
relações, útil para detectar a existência de obstáculos ao aprofundamento dos
relacionamentos, evidencia que em 96,03% das relações estabelecidas não existem
conflitos. Apesar de não serem significativos, os desentendimentos entre empresas que
estabelecem relações devem-se a diferentes formas de funcionamento, à existência de
perspectivas diferentes na resolução de aspectos específicos ou a outras questões,
especificamente relacionadas com a “sobreposição” de actividades económicas por
parte das empresas.
4175
6.5 O potencial de uma rede para gestão do turismo rural
Para a maioria das empresas, o principal objectivo de uma rede de gestão do
turismo rural deve ser a formulação e coordenação de estratégias e iniciativas para a
actividade (61,36%). Por outro lado, 29,55% dos entrevistados opinam que uma
estrutura organizacional em rede deve, principalmente, facilitar a comunicação e o
diálogo entre os agentes relacionados com o turismo, ou ainda para 4,55% dos
empresários, controlar o desenvolvimento turístico.
A maioria dos empresários concorda que a gestão do turismo rural em rede tem
claras vantagens quando comparada com a gestão individual e segmentada de um
destino turístico, nomeadamente, porque consegue dar uma melhor resposta aos
desafios impostos pela União Europeia para a competitividade económica (90,91%
“concordam” ou “concordam inteiramente”), definir estratégias para o turismo com
resultados mais enriquecidos (88,63% “concorda” ou “concorda inteiramente”),
aumentar a competitividade das empresas (84,85% “concorda” ou “concorda
inteiramente”), e superar com maior facilidade situações de crise do mercado (77,27%
“concorda” ou “concorda inteiramente”).
Em concreto, os empresários mencionaram oito vantagens7 associadas a uma estrutura
organizacional em rede para a gestão do turismo rural. A principal refere-se à criação,
desenvolvimento e promoção de uma imagem do destino coesa e integral (mencionada
em 37,27% das respostas). A segunda questão mais valorizada diz respeito às vantagens
económicas geradas (em 28,18% das respostas), sendo esta de especial importância num
contexto empresarial caracterizado, geralmente, pela reduzida capacidade financeira e
reduzido volume de rendimentos. Embora com menor peso, também foram
mencionadas vantagens associadas ao facto da rede desempenhar o papel de interlocutor
com legitimidade para intervir no âmbito do turismo (em 11,82% dos itens de resposta),
as que se relacionam com a existência de um canal privilegiado para a circulação da
informação (especialmente a que provêm de organismos externos à rede) (8,18%), e
vantagens que se relacionam com um maior nível de coordenação das estratégias e
actividades (7,27%). Por fim, foram também referidas vantagens relacionadas com o
facto da estrutura em rede permitir uma melhoria da formação dos actores relacionados
com o sector turístico e uma maior mobilização de outros actores (representando 7 Definidas por um processo de redução de variáveis mutuamente exclusivas a partir de 110 respostas geradas pelos entrevistados.
4176
conjuntamente um peso de 5,46% do total de respostas). Em 1,82% dos itens de
resposta dados, os entrevistados afirmam que não sabem ou não respondem.
Quando questionados sobre dos aspectos menos positivos associados à gestão do
turismo rural em rede, uma parte significativa dos empresários refere explicitamente que
este tipo de estrutura organizacional não apresenta desvantagens (37,78%), ou “não
sabe/não responde” (6,67%). Os restantes opinam que as desvantagens8 se relacionam
com a lentidão dos processos de decisão (mencionada em 31,11% das respostas, e
também presente nas opiniões acerca das ideias associadas às redes - 70,46%,
“concordo” ou “concordo inteiramente”) e com o estabelecimento de consensos entre os
distintos actores que formam a rede (em 24,44% das respostas).
Apesar das dificuldades inerentes ao funcionamento em rede, os empresários
discordam da improbabilidade de que no futuro as organizações relacionadas com o
turismo rural, evoluam para estruturas reticulares (59,09% “discordo inteiramente” ou
“discordo”).
Relativamente à temática da formação de conflitos, a maioria dos entrevistados
manifesta não ter uma opinião definida relativamente ao facto dos diferentes pontos de
vista das empresas poderem originar conflitos sem solução (68,19% “não concordo nem
discordo” ou “não sabe/não responde”). Esta posição pode dever-se ao facto, já
anteriormente mencionado, de não existirem conflitos significativos na rede de turismo
rural do Valle del Jerte.
Os empresários discordam que as empresas de turismo rural organizadas em rede
conduzam a uma pior gestão dos recursos locais (naturais, humanos, financeiros, etc.),
quando comparada com a gestão individual levada a cabo por cada organização
(81,82% “discordo inteiramente” ou “discordo”).
6.6 Potenciais barreiras ao aprofundamento de uma estrutura organizacional em
rede
No que respeita à identificação dos elementos que constituem entraves ao
aprofundamento e desenvolvimento de uma estrutura de gestão da actividade turística
8 Definidos por um processo de redução de variáveis mutuamente exclusivas a partir de 45 respostas geradas pelos entrevistados.
4177
em rede, obtiveram-se seis factores9. A principal barreira referida pelos empresários é a
falta de mobilização e envolvimento de alguns actores que integram a rede (em 20,75%
das respostas). A segunda e terceira barreira mais referidas pelos empresários
relacionam-se com a falta de profissionalização de alguns actores no que respeita à
actividade turística e a coexistência na rede de actores com características distintas,
nomeadamente no que respeita aos objectivos empresariais (referidas em 16,98% e
15,09% das respostas, respectivamente). A falta de coordenação entre actores, referida
em 7,55% das respostas, e a visão localista de alguns actores, em menor medida, pode
também funcionar como um travão ao aprofundamento da rede de gestão. Para além de
questões internas ao funcionamento da rede, 7,55% das respostas também se referiram à
falta de vontade política como sendo uma das possíveis barreiras ao desenvolvimento e
densificação de uma estrutura em rede. Por fim, cabe mencionar a elevada percentagem
de respostas não dadas a esta questão, evidenciando a dificuldade de teorização acerca
desta temática (28,30%).
6.7 Competitividade e inovação do turismo rural no Valle del Jerte: evidências
Para o turismo rural, tal como para todas as actividades económicas, a inovação
converteu-se num dos factores chave para a competitividade, estando esta última muito
vinculada à capacidade das empresas adoptarem inovações que possam traduzir-se em
melhorias na organização, processos e/ou produtos/serviços oferecidos.
A rede de gestão do turismo rural do Valle del Jerte tem vindo a actuar como
impulsionadora de inovações na totalidade dos aspectos relacionados com o
desenvolvimento da actividade, desde a estruturação, diversificação e valorização dos
produtos/serviços, passando pela gestão, promoção e comercialização. A este propósito
cabe referir que todos os entrevistados afirmaram ter introduzido inovações no
desenvolvimento da sua actividade, incentivadas de alguma forma pelo facto de
pertencerem à ATRVJ, com excepção de um único empresário (e que se pode dever à
sua recente incorporação).
Ao nível do produto, a rede é responsável pela criação de novos atractivos
turísticos, como circuitos, organização de eventos, pacotes turísticos, o museu da cereja 9 Definidos por um processo de redução de variáveis mutuamente exclusivas a partir de 53 respostas geradas pelos entrevistados.
4178
e o centro de interpretação da água, estes últimos em colaboração com outras
instituições locais. Cabe ainda destacar a sensibilização e apoio técnico para a
implementação do Sistema de Qualidade Turística Espanhola, com vista à incorporação
da marca “Qualidade turística espanhola” (Q), por parte dos estabelecimentos,
contribuindo à melhoria da imagem do Valle del Jerte como destino turístico.
No que respeita às inovações no processo, a rede procurou ajudas financeiras
para a realização de investimentos em activos físicos de conteúdo tecnológico: sistemas
informáticos de gestão e aquisição de equipamentos. Por outro lado, foi criada uma
página Web corporativa da rede, destinada à promoção das empresas turísticas e do
destino, e um sistema de reservas on-line para a comercialização dos produtos/serviços.
Ainda ao nível da promoção, a rede realizou uma forte aposta na edição de novos
materiais, que de uma forma cuidada pudessem proporcionar informação útil e
actualizada dos produtos/serviços, tanto de carácter geral como específico, dedicado à
promoção de novos produtos (circuitos, rotas gastronómicas, etc.).
A participação democrática de todos as empresas da rede na gestão da actividade, e o
capital relacional construído com outros actores implicados no desenvolvimento do
Valle del Jerte (Cooperativa Agrícola, SOPRODEJAVE, etc.) e no desenvolvimento do
turismo à escala extraterritorial (nomeadamente com outras entidades turísticas, por
exemplo, para promoção conjunta), ilustram o tipo de inovações realizadas no âmbito
organizacional.
A par das inovações mencionadas, outro dos elementos incentivados pela rede
de turismo rural do Valle del Jerte tem sido a formação dos recursos humanos,
contribuindo para a profissionalização dos recursos humanos e a competitividade da
actividade. Através do levantamento de necessidades formativas, a rede promove e
facilita a realização de cursos e outras actividades formativas no local e adaptadas às
necessidades. Dos empresários entrevistados, 61% afirma ter frequentado algum curso
de formação promovido pela rede, em áreas como a qualidade, o atendimento aos
turistas, a actividade de guia turístico ou a gestão turística.
O potencial competitivo da formação de uma rede para a gestão do turismo rural,
dada a natureza e âmbito das estratégias empreendidas, é de difícil quantificação. Este
facto não invalida, no entanto, uma análise rigorosa, naturalmente mais centrada nos
processos.
4179
7. Conclusões e Implicações
Desde a perspectiva empresarial, a rede criada para a gestão do turismo rural no
Valle del Jerte tem vindo a contribuir para a competitividade e inovação da actividade.
A existência de uma estrutura de gestão participada, onde se compartem recursos
(informação, conhecimento, capital, etc.), tem facilitado a criação de economias de
escala e de consensos e sinergias que conduzem a soluções mais abrangentes,
inovadoras e eficazes para a actividade turística, quando comparadas com as que são
produzidas individualmente pelas empresas. O funcionamento desta estrutura
organizacional tem vindo, desta forma, a contribuir para a criação de um destino que se
encontra em melhores condições para se adaptar aos desafios de um mercado global, e
potencialmente melhor preparado para superar as crises do mesmo.
Os efeitos positivos da rede ultrapassam, no entanto, o âmbito exclusivamente
sectorial. Eles têm permitido uma gestão mais coordenada e sustentável dos recursos
naturais, tem ajudado a potenciar a sustentabilidade do emprego e a estimular processos
de inovação social através da promoção da acção colectiva ao nível local e do
estabelecimento de redes extra-locais, contribuindo desta forma para o desenvolvimento
do território onde se desenvolve.
Apesar das vantagens mencionadas, as experiências mostram que a governação
deste tipo de estrutura organizacional não é um processo isento de complexidade. A
análise empírica colocou em evidência que a necessidade de estabelecer consensos entre
as diferentes empresas da rede conduz à lentidão dos processos de decisão.
Por outro lado, o estudo de caso permitiu identificar alguns factores chave que
facilitam a manutenção e aprofundamento deste tipo de estrutura organizacional no
âmbito do turismo rural, entre os quais se destacam: i) a existência de uma visão
partilhada em torno de um objectivo comum; concretizada através da permanente
definição de metas precisas capazes de imprimir um constante dinamismo à estrutura
organizacional; ii) o reconhecimento dos benefícios (individuais e colectivos) que
emergem desta forma de gestão da actividade, com reflexos ao nível da motivação e o
sentido de responsabilidade das empresas que integram a rede e da eficácia do
funcionamento da rede e iii) o respeito entre empresas, independentemente do desigual
poder entre elas, por forma a que se atinja um grau de consenso real.
Uma questão colocada em evidência no estudo da rede de gestão do turismo
rural do Valle del Jerte prende-se com a emergência de uma dupla realidade no que
4180
respeita ao fornecimento do produto turismo rural. Se originalmente esta actividade era,
sobretudo, desenvolvida como uma actividade complementar, por empresários com
reduzida capacidade financeira e formação no sector, actualmente assistimos à
emergência de algumas empresas com uma relativa capacidade financeira, cujos
empresários se dedicam exclusivamente ao turismo, e que apresentam um maior nível
de formação e qualificação ao nível da gestão turística. Se o funcionamento em rede
apresenta como vantagem o facto de permitir integrar, na mesma estrutura de gestão,
organizações de natureza distinta, numa oferta de turismo rural desenvolvido a “duas
velocidades” é necessário garantir que são criadas ferramentas de gestão com que todas
as empresas se sintam identificadas, podendo criar-se outras de aplicação opcional, em
função dos objectivos e interesses de cada empresa.
Por fim, é necessário estar consciente de que apesar das potencialidades
inerentes à forma de funcionamento em rede, os resultados alcançados dependem da
natureza das relações que se estabelecem dentro da rede de gestão e as que se
estabelecem entre esta estrutura e outras organizações (não estudadas neste trabalho).
Estes resultados têm importantes implicações ao nível da capacidade de
desenvolvimento e inovação do turismo rural e do território onde se desenvolve.
No futuro deverão ser desenvolvidos estudos longitudinais que permitam
aumentar o conhecimento acerca das dinâmicas evolutivas das redes de gestão do
turismo rural e quais as suas implicações.
Breve nota sobre a aplicabilidade das ideais debatidas no contexto de Cabo Verde
Sem a intenção de realizar uma análise exaustiva, alguns comentários podem ser
feitos acerca do potencial da (s) rede (s) de turismo rural no contexto de Cabo Verde.
O sector turístico, motor essencial da economia cabo verdiana, é explicitamente
mencionado nas orientações estratégicas do governo para 2006-2011. Em particular, as
orientações referem-se a uma aposta na diversidade e na qualidade.
Reconhecendo o governo a predominância do turismo de “sol e praia”, o
programa vigente de governo refere-se explicitamente ao turismo rural, afirmando que
existe procura para este produto (e, como tal, potencial para o seu desenvolvimento).
De facto, o turismo rural quando planificado de uma forma integral e em
coordenação com outras actividades – culturais, em particular as relacionadas com a
música – pode contribuir para o desenvolvimento económico e social. Em concreto, esta
4181
actividade poderá contribuir para a redução da pobreza relativa, especialmente severa
nas áreas rurais de Cabo Verde e ter efeitos directos na fixação da população nas áreas
rurais (contrariando o intenso fenómeno de imigração e migração para as principais
áreas urbanas) 10.
Neste contexto parece-nos importante que esta actividade ganhe visibilidade nos
planos turísticos. Por outro lado, parte da ajuda internacional para a redução da pobreza
(no quadro dos acordos com a União Europeia, Nações Unidas, ONGs, etc.), poderia ser
canalizada para o fortalecimento e estruturação da oferta do turismo rural - a formação
da população, dotação de infra-estruturas, etc..
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