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Rede Satildeo Paulo de

Cursos de Especializaccedilatildeo para o quadro do Magisteacuterio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Meacutedio

Satildeo Paulo

2012

copy 2012 by Unesp - Universidade estadUal paUlista

PROacute-REITORIA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeOrua Quirino de andrade 215Cep 01049-010 ndash satildeo paulo ndash sptel (11) 5627-0561wwwunespbr

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Rede Satildeo Paulo de

Cursos de Especializaccedilatildeo para o quadro do Magisteacuterio da SEESP

Ensino Fundamental II e Ensino Meacutedio

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TEMASU

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isciplina 07

Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente 7

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente 7

12 Diferentes abordagens no estudo da mente 10

2 Problemas centrais da Filosofia da Mente17

21 O problema mentecorpo 18

22 O problema das outras mentes 22

23 O problema da identidade pessoal 25

3 Modelos mecacircnicos da mente 28

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo 29

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva 32

4 Intencionalidade e Consciecircncia41

41 Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada 42

42 Consciecircncia e Subjetividade 45

Bibliografia 52

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Filosofia da Mente

O conteuacutedo da disciplina Filosofia da Mente foi elaborado conjuntamente por duas professoras do Departamento de Filosofia da UNESP de Mariacutelia Maria Eunice Quilici Gonzalez1 e Mariana Claudia Broens2 e pelo professor Andreacute Leclerc3 do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Cearaacute

1 Maria Eunice Quilici Gonzalez eacute PhD em Cognitive Science Language And Linguistics pela Universidade de Essex Inglaterra e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Filosofia Ecoloacutegica Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea Ciecircncia Cognitiva e Filosofia da Mente atuando principalmente nos seguintes temas informaccedilatildeo ecoloacutegica percepccedilatildeo-accedilatildeo auto-organizaccedilatildeo pragmatismo e Eacutetica da Informaccedilatildeo

2 Mariana Claudia Broens eacute doutora em Filosofia pela Universidade de Satildeo Paulo e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Histoacuteria da Filosofia Moderna Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea e em Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas a abordagem mecanicista da mente Naturalismo Auto-Organizaccedilatildeo e Pragmatismo

3 Andreacute leclerc concluiu o doutorado em filosofia na Universidade de Quebec em 1990 Atualmente e Professor Associado da Universidade Federal do Cearaacute Atua na aacuterea de Filosofia com ecircnfase em Filosofia da Linguagem e Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas filosofia analiacutetica conteuacutedo mental epistemologia externalismo contextualismo intencionalidade anti-individualismo semacircntica e naturalismo bioloacutegico

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Ementa

A disciplina Filosofia da Mente tem por objetivo investigar os principais problemas relacio-nados agrave natureza da mente ndash dos eventos estados processos e das funccedilotildees mentais ndash bem como sua relaccedilatildeo com o corpo e o meio ambiente Diferentes tentativas de elucidaccedilatildeo desses proble-mas satildeo encontradas nas diversas vertentes da Filosofia da Mente entre as quais se destacam a abordagem analiacutetica (anglo-saxatilde) e a continental aleacutem daquelas que possuem influecircncia da filosofia oriental Dados os limites do presente curso apresentaremos apenas a abordagem ana-liacutetica tradicional da Filosofia da Mente Com esse objetivo seratildeo tratados os seguintes temas

Atraveacutes da anaacutelise dos temas 1 a 4 buscamos familiarizar os poacutes-graduandos com um campo instigante de investigaccedilatildeo filosoacutefica recente em nosso paiacutes Vaacuterias das hipoacuteteses aqui apresenta-das satildeo bastante controversas e muitas vezes elas se chocam com concepccedilotildees do senso comum e da tradiccedilatildeo filosoacutefica claacutessica sobre a natureza da mente Sugerimos que esta disciplina seja estudada com uma atitude que combine a anaacutelise rigorosa e a visatildeo criacutetica das hipoacuteteses aqui apresentadas

Disciplina Filosofiada Mente

Tema 1Introduccedilatildeo agrave Filosofia da

Mente

11 - Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

12 - Diferentes abordagens no estudo da mente

Tema 2 Problemas centrais da

Filosofia da Mente

21 - O problema mentecorpo

22 - O problema das outras mentes

23 - O problema da identidade pessoal

Tema 3 Modelos mecacircnicos

da mente

31 - A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 - Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

Tema 4 Intencionalidade e

Consciecircncia

41 - Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada

42 - Consciecircncia e Subjetividade

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Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente

O tema 1 reuacutene reflexotildees introdutoacuterias sobre problemas centrais da Filosofia da Mente con-temporacircnea Ele estaacute estruturado em dois toacutepicos no primeiro os objetivos da Filosofia da Mente satildeo apresentados enfatizando-se duas de suas caracteriacutesticas preponderantes o naturalismo e a interdisciplinaridade No segundo toacutepico as seguintes abordagens satildeo apresentadas (a) Teoria da Identidade (b) Funcionalismo (c) Eliminativismo e (d) Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

A Filosofia da Mente eacute uma aacuterea de investigaccedilatildeo filosoacutefico-interdisciplinar que tem como objetivo investigar a natureza da mente seus processos estados funccedilotildees sua relaccedilatildeo com o corpo e com o meio ambiente Partindo de distintas perspectivas teoacutericas a Filosofia da Mente

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busca investigar processos mentais associados agrave cogniccedilatildeo memoacuteria percepccedilatildeo accedilatildeo vontade emoccedilatildeo dentre outros

Haacute duas caracteriacutesticas baacutesicas da Filosofia da Mente que merecem destaque

a Naturalismo - as concepccedilotildees contemporacircneas de mente na tradiccedilatildeo filosoacutefica analiacutetica anglo-saxatilde satildeo basicamente naturalistas em um sentido bastante amplo da expressatildeo Satildeo naturalistas porque consideram que os estados processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e natildeo podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo

b Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente satildeo interdisciplinares consi-dera-se que disciplinas como psicologia computaccedilatildeo linguiacutestica neurociecircncias biologia que tambeacutem estudam os processos mentais oferecem aportes necessaacuterios para a reflexatildeo filosoacutefica sobre tais processos Aleacutem disso existe um ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no tratamento de problemas investigados na aacuterea A filosofia da mente trata tambeacutem de questotildees metafiacutesicas bastante tradicionais podendo ser incluiacutedos nesse domiacutenio o problema mentecorpo o pro-blema da identidade pessoal e o da causaccedilatildeo mental que seratildeo tratados no Tema 2 Por outro lado os estudos atuais sobre a consciecircncia satildeo claramente interdisciplinares assim como os trabalhos sobre a motivaccedilatildeo A discussatildeo filosoacutefica se alimenta de vaacuterias ciecircncias mas tem uma abordagem proacutepria mais reflexiva e analiacutetica1

O ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no estudo da mente tem como pressuposto a hipoacutetese de que a Fiacutesica fornece um bom modelo de investigaccedilatildeo na pesquisa cientiacutefica Esse ideal tem sido alvo de criacuteticas por parte de muitos filoacutesofos inclusive de seu proponente original Hilary Putnam que em 1960 defendeu a tese da unidade metodoloacutegica da explicaccedilatildeo cientiacutefica tatildeo cara ao positivismo da primeira metade do seacuteculo XX (links) Em 1998 no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy) Putnam problematiza sua proacutepria concepccedilatildeo inicial da uni-dade metodoloacutegica das ciecircncias no estudo da mente considerando-a simplista Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60 ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de meacutetodos de investigaccedilatildeo no estudo de sistemas complexos como eacute o caso da mente

1 Cabe ressaltar que na concepccedilatildeo de Wittgenstein a mente natildeo eacute objeto de estudo para as ciecircncias empiacutericas

Mas sobre isso os wittgensteinianos apesar de influentes formam um grupo a parte

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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TEMASU

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bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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TEMASU

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oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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Ensino Fundamental II e Ensino Meacutedio

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Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente 7

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente 7

12 Diferentes abordagens no estudo da mente 10

2 Problemas centrais da Filosofia da Mente17

21 O problema mentecorpo 18

22 O problema das outras mentes 22

23 O problema da identidade pessoal 25

3 Modelos mecacircnicos da mente 28

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo 29

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva 32

4 Intencionalidade e Consciecircncia41

41 Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada 42

42 Consciecircncia e Subjetividade 45

Bibliografia 52

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Filosofia da Mente

O conteuacutedo da disciplina Filosofia da Mente foi elaborado conjuntamente por duas professoras do Departamento de Filosofia da UNESP de Mariacutelia Maria Eunice Quilici Gonzalez1 e Mariana Claudia Broens2 e pelo professor Andreacute Leclerc3 do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Cearaacute

1 Maria Eunice Quilici Gonzalez eacute PhD em Cognitive Science Language And Linguistics pela Universidade de Essex Inglaterra e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Filosofia Ecoloacutegica Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea Ciecircncia Cognitiva e Filosofia da Mente atuando principalmente nos seguintes temas informaccedilatildeo ecoloacutegica percepccedilatildeo-accedilatildeo auto-organizaccedilatildeo pragmatismo e Eacutetica da Informaccedilatildeo

2 Mariana Claudia Broens eacute doutora em Filosofia pela Universidade de Satildeo Paulo e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Histoacuteria da Filosofia Moderna Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea e em Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas a abordagem mecanicista da mente Naturalismo Auto-Organizaccedilatildeo e Pragmatismo

3 Andreacute leclerc concluiu o doutorado em filosofia na Universidade de Quebec em 1990 Atualmente e Professor Associado da Universidade Federal do Cearaacute Atua na aacuterea de Filosofia com ecircnfase em Filosofia da Linguagem e Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas filosofia analiacutetica conteuacutedo mental epistemologia externalismo contextualismo intencionalidade anti-individualismo semacircntica e naturalismo bioloacutegico

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365102_redefor_d07_filosofia_fichaflv

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Ementa

A disciplina Filosofia da Mente tem por objetivo investigar os principais problemas relacio-nados agrave natureza da mente ndash dos eventos estados processos e das funccedilotildees mentais ndash bem como sua relaccedilatildeo com o corpo e o meio ambiente Diferentes tentativas de elucidaccedilatildeo desses proble-mas satildeo encontradas nas diversas vertentes da Filosofia da Mente entre as quais se destacam a abordagem analiacutetica (anglo-saxatilde) e a continental aleacutem daquelas que possuem influecircncia da filosofia oriental Dados os limites do presente curso apresentaremos apenas a abordagem ana-liacutetica tradicional da Filosofia da Mente Com esse objetivo seratildeo tratados os seguintes temas

Atraveacutes da anaacutelise dos temas 1 a 4 buscamos familiarizar os poacutes-graduandos com um campo instigante de investigaccedilatildeo filosoacutefica recente em nosso paiacutes Vaacuterias das hipoacuteteses aqui apresenta-das satildeo bastante controversas e muitas vezes elas se chocam com concepccedilotildees do senso comum e da tradiccedilatildeo filosoacutefica claacutessica sobre a natureza da mente Sugerimos que esta disciplina seja estudada com uma atitude que combine a anaacutelise rigorosa e a visatildeo criacutetica das hipoacuteteses aqui apresentadas

Disciplina Filosofiada Mente

Tema 1Introduccedilatildeo agrave Filosofia da

Mente

11 - Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

12 - Diferentes abordagens no estudo da mente

Tema 2 Problemas centrais da

Filosofia da Mente

21 - O problema mentecorpo

22 - O problema das outras mentes

23 - O problema da identidade pessoal

Tema 3 Modelos mecacircnicos

da mente

31 - A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 - Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

Tema 4 Intencionalidade e

Consciecircncia

41 - Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada

42 - Consciecircncia e Subjetividade

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Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente

O tema 1 reuacutene reflexotildees introdutoacuterias sobre problemas centrais da Filosofia da Mente con-temporacircnea Ele estaacute estruturado em dois toacutepicos no primeiro os objetivos da Filosofia da Mente satildeo apresentados enfatizando-se duas de suas caracteriacutesticas preponderantes o naturalismo e a interdisciplinaridade No segundo toacutepico as seguintes abordagens satildeo apresentadas (a) Teoria da Identidade (b) Funcionalismo (c) Eliminativismo e (d) Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

A Filosofia da Mente eacute uma aacuterea de investigaccedilatildeo filosoacutefico-interdisciplinar que tem como objetivo investigar a natureza da mente seus processos estados funccedilotildees sua relaccedilatildeo com o corpo e com o meio ambiente Partindo de distintas perspectivas teoacutericas a Filosofia da Mente

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busca investigar processos mentais associados agrave cogniccedilatildeo memoacuteria percepccedilatildeo accedilatildeo vontade emoccedilatildeo dentre outros

Haacute duas caracteriacutesticas baacutesicas da Filosofia da Mente que merecem destaque

a Naturalismo - as concepccedilotildees contemporacircneas de mente na tradiccedilatildeo filosoacutefica analiacutetica anglo-saxatilde satildeo basicamente naturalistas em um sentido bastante amplo da expressatildeo Satildeo naturalistas porque consideram que os estados processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e natildeo podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo

b Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente satildeo interdisciplinares consi-dera-se que disciplinas como psicologia computaccedilatildeo linguiacutestica neurociecircncias biologia que tambeacutem estudam os processos mentais oferecem aportes necessaacuterios para a reflexatildeo filosoacutefica sobre tais processos Aleacutem disso existe um ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no tratamento de problemas investigados na aacuterea A filosofia da mente trata tambeacutem de questotildees metafiacutesicas bastante tradicionais podendo ser incluiacutedos nesse domiacutenio o problema mentecorpo o pro-blema da identidade pessoal e o da causaccedilatildeo mental que seratildeo tratados no Tema 2 Por outro lado os estudos atuais sobre a consciecircncia satildeo claramente interdisciplinares assim como os trabalhos sobre a motivaccedilatildeo A discussatildeo filosoacutefica se alimenta de vaacuterias ciecircncias mas tem uma abordagem proacutepria mais reflexiva e analiacutetica1

O ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no estudo da mente tem como pressuposto a hipoacutetese de que a Fiacutesica fornece um bom modelo de investigaccedilatildeo na pesquisa cientiacutefica Esse ideal tem sido alvo de criacuteticas por parte de muitos filoacutesofos inclusive de seu proponente original Hilary Putnam que em 1960 defendeu a tese da unidade metodoloacutegica da explicaccedilatildeo cientiacutefica tatildeo cara ao positivismo da primeira metade do seacuteculo XX (links) Em 1998 no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy) Putnam problematiza sua proacutepria concepccedilatildeo inicial da uni-dade metodoloacutegica das ciecircncias no estudo da mente considerando-a simplista Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60 ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de meacutetodos de investigaccedilatildeo no estudo de sistemas complexos como eacute o caso da mente

1 Cabe ressaltar que na concepccedilatildeo de Wittgenstein a mente natildeo eacute objeto de estudo para as ciecircncias empiacutericas

Mas sobre isso os wittgensteinianos apesar de influentes formam um grupo a parte

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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                                                                                1. Paacutegina 49

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TEMASU

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isciplina 07

Sumaacuterio

1 Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente 7

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente 7

12 Diferentes abordagens no estudo da mente 10

2 Problemas centrais da Filosofia da Mente17

21 O problema mentecorpo 18

22 O problema das outras mentes 22

23 O problema da identidade pessoal 25

3 Modelos mecacircnicos da mente 28

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo 29

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva 32

4 Intencionalidade e Consciecircncia41

41 Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada 42

42 Consciecircncia e Subjetividade 45

Bibliografia 52

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Filosofia da Mente

O conteuacutedo da disciplina Filosofia da Mente foi elaborado conjuntamente por duas professoras do Departamento de Filosofia da UNESP de Mariacutelia Maria Eunice Quilici Gonzalez1 e Mariana Claudia Broens2 e pelo professor Andreacute Leclerc3 do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Cearaacute

1 Maria Eunice Quilici Gonzalez eacute PhD em Cognitive Science Language And Linguistics pela Universidade de Essex Inglaterra e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Filosofia Ecoloacutegica Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea Ciecircncia Cognitiva e Filosofia da Mente atuando principalmente nos seguintes temas informaccedilatildeo ecoloacutegica percepccedilatildeo-accedilatildeo auto-organizaccedilatildeo pragmatismo e Eacutetica da Informaccedilatildeo

2 Mariana Claudia Broens eacute doutora em Filosofia pela Universidade de Satildeo Paulo e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Histoacuteria da Filosofia Moderna Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea e em Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas a abordagem mecanicista da mente Naturalismo Auto-Organizaccedilatildeo e Pragmatismo

3 Andreacute leclerc concluiu o doutorado em filosofia na Universidade de Quebec em 1990 Atualmente e Professor Associado da Universidade Federal do Cearaacute Atua na aacuterea de Filosofia com ecircnfase em Filosofia da Linguagem e Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas filosofia analiacutetica conteuacutedo mental epistemologia externalismo contextualismo intencionalidade anti-individualismo semacircntica e naturalismo bioloacutegico

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Ementa

A disciplina Filosofia da Mente tem por objetivo investigar os principais problemas relacio-nados agrave natureza da mente ndash dos eventos estados processos e das funccedilotildees mentais ndash bem como sua relaccedilatildeo com o corpo e o meio ambiente Diferentes tentativas de elucidaccedilatildeo desses proble-mas satildeo encontradas nas diversas vertentes da Filosofia da Mente entre as quais se destacam a abordagem analiacutetica (anglo-saxatilde) e a continental aleacutem daquelas que possuem influecircncia da filosofia oriental Dados os limites do presente curso apresentaremos apenas a abordagem ana-liacutetica tradicional da Filosofia da Mente Com esse objetivo seratildeo tratados os seguintes temas

Atraveacutes da anaacutelise dos temas 1 a 4 buscamos familiarizar os poacutes-graduandos com um campo instigante de investigaccedilatildeo filosoacutefica recente em nosso paiacutes Vaacuterias das hipoacuteteses aqui apresenta-das satildeo bastante controversas e muitas vezes elas se chocam com concepccedilotildees do senso comum e da tradiccedilatildeo filosoacutefica claacutessica sobre a natureza da mente Sugerimos que esta disciplina seja estudada com uma atitude que combine a anaacutelise rigorosa e a visatildeo criacutetica das hipoacuteteses aqui apresentadas

Disciplina Filosofiada Mente

Tema 1Introduccedilatildeo agrave Filosofia da

Mente

11 - Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

12 - Diferentes abordagens no estudo da mente

Tema 2 Problemas centrais da

Filosofia da Mente

21 - O problema mentecorpo

22 - O problema das outras mentes

23 - O problema da identidade pessoal

Tema 3 Modelos mecacircnicos

da mente

31 - A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 - Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

Tema 4 Intencionalidade e

Consciecircncia

41 - Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada

42 - Consciecircncia e Subjetividade

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Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente

O tema 1 reuacutene reflexotildees introdutoacuterias sobre problemas centrais da Filosofia da Mente con-temporacircnea Ele estaacute estruturado em dois toacutepicos no primeiro os objetivos da Filosofia da Mente satildeo apresentados enfatizando-se duas de suas caracteriacutesticas preponderantes o naturalismo e a interdisciplinaridade No segundo toacutepico as seguintes abordagens satildeo apresentadas (a) Teoria da Identidade (b) Funcionalismo (c) Eliminativismo e (d) Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

A Filosofia da Mente eacute uma aacuterea de investigaccedilatildeo filosoacutefico-interdisciplinar que tem como objetivo investigar a natureza da mente seus processos estados funccedilotildees sua relaccedilatildeo com o corpo e com o meio ambiente Partindo de distintas perspectivas teoacutericas a Filosofia da Mente

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busca investigar processos mentais associados agrave cogniccedilatildeo memoacuteria percepccedilatildeo accedilatildeo vontade emoccedilatildeo dentre outros

Haacute duas caracteriacutesticas baacutesicas da Filosofia da Mente que merecem destaque

a Naturalismo - as concepccedilotildees contemporacircneas de mente na tradiccedilatildeo filosoacutefica analiacutetica anglo-saxatilde satildeo basicamente naturalistas em um sentido bastante amplo da expressatildeo Satildeo naturalistas porque consideram que os estados processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e natildeo podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo

b Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente satildeo interdisciplinares consi-dera-se que disciplinas como psicologia computaccedilatildeo linguiacutestica neurociecircncias biologia que tambeacutem estudam os processos mentais oferecem aportes necessaacuterios para a reflexatildeo filosoacutefica sobre tais processos Aleacutem disso existe um ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no tratamento de problemas investigados na aacuterea A filosofia da mente trata tambeacutem de questotildees metafiacutesicas bastante tradicionais podendo ser incluiacutedos nesse domiacutenio o problema mentecorpo o pro-blema da identidade pessoal e o da causaccedilatildeo mental que seratildeo tratados no Tema 2 Por outro lado os estudos atuais sobre a consciecircncia satildeo claramente interdisciplinares assim como os trabalhos sobre a motivaccedilatildeo A discussatildeo filosoacutefica se alimenta de vaacuterias ciecircncias mas tem uma abordagem proacutepria mais reflexiva e analiacutetica1

O ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no estudo da mente tem como pressuposto a hipoacutetese de que a Fiacutesica fornece um bom modelo de investigaccedilatildeo na pesquisa cientiacutefica Esse ideal tem sido alvo de criacuteticas por parte de muitos filoacutesofos inclusive de seu proponente original Hilary Putnam que em 1960 defendeu a tese da unidade metodoloacutegica da explicaccedilatildeo cientiacutefica tatildeo cara ao positivismo da primeira metade do seacuteculo XX (links) Em 1998 no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy) Putnam problematiza sua proacutepria concepccedilatildeo inicial da uni-dade metodoloacutegica das ciecircncias no estudo da mente considerando-a simplista Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60 ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de meacutetodos de investigaccedilatildeo no estudo de sistemas complexos como eacute o caso da mente

1 Cabe ressaltar que na concepccedilatildeo de Wittgenstein a mente natildeo eacute objeto de estudo para as ciecircncias empiacutericas

Mas sobre isso os wittgensteinianos apesar de influentes formam um grupo a parte

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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TEMASU

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bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

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Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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Filosofia da Mente

O conteuacutedo da disciplina Filosofia da Mente foi elaborado conjuntamente por duas professoras do Departamento de Filosofia da UNESP de Mariacutelia Maria Eunice Quilici Gonzalez1 e Mariana Claudia Broens2 e pelo professor Andreacute Leclerc3 do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Cearaacute

1 Maria Eunice Quilici Gonzalez eacute PhD em Cognitive Science Language And Linguistics pela Universidade de Essex Inglaterra e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Filosofia Ecoloacutegica Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea Ciecircncia Cognitiva e Filosofia da Mente atuando principalmente nos seguintes temas informaccedilatildeo ecoloacutegica percepccedilatildeo-accedilatildeo auto-organizaccedilatildeo pragmatismo e Eacutetica da Informaccedilatildeo

2 Mariana Claudia Broens eacute doutora em Filosofia pela Universidade de Satildeo Paulo e professora Livre Docente da UNESP Tem experiecircncia de pesquisa e de docecircncia em Teoria do Conhecimento Histoacuteria da Filosofia Moderna Histoacuteria da Filosofia Contemporacircnea e em Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas a abordagem mecanicista da mente Naturalismo Auto-Organizaccedilatildeo e Pragmatismo

3 Andreacute leclerc concluiu o doutorado em filosofia na Universidade de Quebec em 1990 Atualmente e Professor Associado da Universidade Federal do Cearaacute Atua na aacuterea de Filosofia com ecircnfase em Filosofia da Linguagem e Filosofia da Mente trabalhando os seguintes temas filosofia analiacutetica conteuacutedo mental epistemologia externalismo contextualismo intencionalidade anti-individualismo semacircntica e naturalismo bioloacutegico

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365102_redefor_d07_filosofia_fichaflv

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Ementa

A disciplina Filosofia da Mente tem por objetivo investigar os principais problemas relacio-nados agrave natureza da mente ndash dos eventos estados processos e das funccedilotildees mentais ndash bem como sua relaccedilatildeo com o corpo e o meio ambiente Diferentes tentativas de elucidaccedilatildeo desses proble-mas satildeo encontradas nas diversas vertentes da Filosofia da Mente entre as quais se destacam a abordagem analiacutetica (anglo-saxatilde) e a continental aleacutem daquelas que possuem influecircncia da filosofia oriental Dados os limites do presente curso apresentaremos apenas a abordagem ana-liacutetica tradicional da Filosofia da Mente Com esse objetivo seratildeo tratados os seguintes temas

Atraveacutes da anaacutelise dos temas 1 a 4 buscamos familiarizar os poacutes-graduandos com um campo instigante de investigaccedilatildeo filosoacutefica recente em nosso paiacutes Vaacuterias das hipoacuteteses aqui apresenta-das satildeo bastante controversas e muitas vezes elas se chocam com concepccedilotildees do senso comum e da tradiccedilatildeo filosoacutefica claacutessica sobre a natureza da mente Sugerimos que esta disciplina seja estudada com uma atitude que combine a anaacutelise rigorosa e a visatildeo criacutetica das hipoacuteteses aqui apresentadas

Disciplina Filosofiada Mente

Tema 1Introduccedilatildeo agrave Filosofia da

Mente

11 - Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

12 - Diferentes abordagens no estudo da mente

Tema 2 Problemas centrais da

Filosofia da Mente

21 - O problema mentecorpo

22 - O problema das outras mentes

23 - O problema da identidade pessoal

Tema 3 Modelos mecacircnicos

da mente

31 - A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 - Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

Tema 4 Intencionalidade e

Consciecircncia

41 - Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada

42 - Consciecircncia e Subjetividade

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Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente

O tema 1 reuacutene reflexotildees introdutoacuterias sobre problemas centrais da Filosofia da Mente con-temporacircnea Ele estaacute estruturado em dois toacutepicos no primeiro os objetivos da Filosofia da Mente satildeo apresentados enfatizando-se duas de suas caracteriacutesticas preponderantes o naturalismo e a interdisciplinaridade No segundo toacutepico as seguintes abordagens satildeo apresentadas (a) Teoria da Identidade (b) Funcionalismo (c) Eliminativismo e (d) Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

A Filosofia da Mente eacute uma aacuterea de investigaccedilatildeo filosoacutefico-interdisciplinar que tem como objetivo investigar a natureza da mente seus processos estados funccedilotildees sua relaccedilatildeo com o corpo e com o meio ambiente Partindo de distintas perspectivas teoacutericas a Filosofia da Mente

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busca investigar processos mentais associados agrave cogniccedilatildeo memoacuteria percepccedilatildeo accedilatildeo vontade emoccedilatildeo dentre outros

Haacute duas caracteriacutesticas baacutesicas da Filosofia da Mente que merecem destaque

a Naturalismo - as concepccedilotildees contemporacircneas de mente na tradiccedilatildeo filosoacutefica analiacutetica anglo-saxatilde satildeo basicamente naturalistas em um sentido bastante amplo da expressatildeo Satildeo naturalistas porque consideram que os estados processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e natildeo podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo

b Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente satildeo interdisciplinares consi-dera-se que disciplinas como psicologia computaccedilatildeo linguiacutestica neurociecircncias biologia que tambeacutem estudam os processos mentais oferecem aportes necessaacuterios para a reflexatildeo filosoacutefica sobre tais processos Aleacutem disso existe um ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no tratamento de problemas investigados na aacuterea A filosofia da mente trata tambeacutem de questotildees metafiacutesicas bastante tradicionais podendo ser incluiacutedos nesse domiacutenio o problema mentecorpo o pro-blema da identidade pessoal e o da causaccedilatildeo mental que seratildeo tratados no Tema 2 Por outro lado os estudos atuais sobre a consciecircncia satildeo claramente interdisciplinares assim como os trabalhos sobre a motivaccedilatildeo A discussatildeo filosoacutefica se alimenta de vaacuterias ciecircncias mas tem uma abordagem proacutepria mais reflexiva e analiacutetica1

O ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no estudo da mente tem como pressuposto a hipoacutetese de que a Fiacutesica fornece um bom modelo de investigaccedilatildeo na pesquisa cientiacutefica Esse ideal tem sido alvo de criacuteticas por parte de muitos filoacutesofos inclusive de seu proponente original Hilary Putnam que em 1960 defendeu a tese da unidade metodoloacutegica da explicaccedilatildeo cientiacutefica tatildeo cara ao positivismo da primeira metade do seacuteculo XX (links) Em 1998 no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy) Putnam problematiza sua proacutepria concepccedilatildeo inicial da uni-dade metodoloacutegica das ciecircncias no estudo da mente considerando-a simplista Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60 ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de meacutetodos de investigaccedilatildeo no estudo de sistemas complexos como eacute o caso da mente

1 Cabe ressaltar que na concepccedilatildeo de Wittgenstein a mente natildeo eacute objeto de estudo para as ciecircncias empiacutericas

Mas sobre isso os wittgensteinianos apesar de influentes formam um grupo a parte

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

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seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

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Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

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Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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Ementa

A disciplina Filosofia da Mente tem por objetivo investigar os principais problemas relacio-nados agrave natureza da mente ndash dos eventos estados processos e das funccedilotildees mentais ndash bem como sua relaccedilatildeo com o corpo e o meio ambiente Diferentes tentativas de elucidaccedilatildeo desses proble-mas satildeo encontradas nas diversas vertentes da Filosofia da Mente entre as quais se destacam a abordagem analiacutetica (anglo-saxatilde) e a continental aleacutem daquelas que possuem influecircncia da filosofia oriental Dados os limites do presente curso apresentaremos apenas a abordagem ana-liacutetica tradicional da Filosofia da Mente Com esse objetivo seratildeo tratados os seguintes temas

Atraveacutes da anaacutelise dos temas 1 a 4 buscamos familiarizar os poacutes-graduandos com um campo instigante de investigaccedilatildeo filosoacutefica recente em nosso paiacutes Vaacuterias das hipoacuteteses aqui apresenta-das satildeo bastante controversas e muitas vezes elas se chocam com concepccedilotildees do senso comum e da tradiccedilatildeo filosoacutefica claacutessica sobre a natureza da mente Sugerimos que esta disciplina seja estudada com uma atitude que combine a anaacutelise rigorosa e a visatildeo criacutetica das hipoacuteteses aqui apresentadas

Disciplina Filosofiada Mente

Tema 1Introduccedilatildeo agrave Filosofia da

Mente

11 - Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

12 - Diferentes abordagens no estudo da mente

Tema 2 Problemas centrais da

Filosofia da Mente

21 - O problema mentecorpo

22 - O problema das outras mentes

23 - O problema da identidade pessoal

Tema 3 Modelos mecacircnicos

da mente

31 - A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 - Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

Tema 4 Intencionalidade e

Consciecircncia

41 - Intencionalidade originaacuteria e Intencionalidade derivada

42 - Consciecircncia e Subjetividade

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Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente

O tema 1 reuacutene reflexotildees introdutoacuterias sobre problemas centrais da Filosofia da Mente con-temporacircnea Ele estaacute estruturado em dois toacutepicos no primeiro os objetivos da Filosofia da Mente satildeo apresentados enfatizando-se duas de suas caracteriacutesticas preponderantes o naturalismo e a interdisciplinaridade No segundo toacutepico as seguintes abordagens satildeo apresentadas (a) Teoria da Identidade (b) Funcionalismo (c) Eliminativismo e (d) Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

A Filosofia da Mente eacute uma aacuterea de investigaccedilatildeo filosoacutefico-interdisciplinar que tem como objetivo investigar a natureza da mente seus processos estados funccedilotildees sua relaccedilatildeo com o corpo e com o meio ambiente Partindo de distintas perspectivas teoacutericas a Filosofia da Mente

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busca investigar processos mentais associados agrave cogniccedilatildeo memoacuteria percepccedilatildeo accedilatildeo vontade emoccedilatildeo dentre outros

Haacute duas caracteriacutesticas baacutesicas da Filosofia da Mente que merecem destaque

a Naturalismo - as concepccedilotildees contemporacircneas de mente na tradiccedilatildeo filosoacutefica analiacutetica anglo-saxatilde satildeo basicamente naturalistas em um sentido bastante amplo da expressatildeo Satildeo naturalistas porque consideram que os estados processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e natildeo podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo

b Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente satildeo interdisciplinares consi-dera-se que disciplinas como psicologia computaccedilatildeo linguiacutestica neurociecircncias biologia que tambeacutem estudam os processos mentais oferecem aportes necessaacuterios para a reflexatildeo filosoacutefica sobre tais processos Aleacutem disso existe um ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no tratamento de problemas investigados na aacuterea A filosofia da mente trata tambeacutem de questotildees metafiacutesicas bastante tradicionais podendo ser incluiacutedos nesse domiacutenio o problema mentecorpo o pro-blema da identidade pessoal e o da causaccedilatildeo mental que seratildeo tratados no Tema 2 Por outro lado os estudos atuais sobre a consciecircncia satildeo claramente interdisciplinares assim como os trabalhos sobre a motivaccedilatildeo A discussatildeo filosoacutefica se alimenta de vaacuterias ciecircncias mas tem uma abordagem proacutepria mais reflexiva e analiacutetica1

O ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no estudo da mente tem como pressuposto a hipoacutetese de que a Fiacutesica fornece um bom modelo de investigaccedilatildeo na pesquisa cientiacutefica Esse ideal tem sido alvo de criacuteticas por parte de muitos filoacutesofos inclusive de seu proponente original Hilary Putnam que em 1960 defendeu a tese da unidade metodoloacutegica da explicaccedilatildeo cientiacutefica tatildeo cara ao positivismo da primeira metade do seacuteculo XX (links) Em 1998 no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy) Putnam problematiza sua proacutepria concepccedilatildeo inicial da uni-dade metodoloacutegica das ciecircncias no estudo da mente considerando-a simplista Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60 ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de meacutetodos de investigaccedilatildeo no estudo de sistemas complexos como eacute o caso da mente

1 Cabe ressaltar que na concepccedilatildeo de Wittgenstein a mente natildeo eacute objeto de estudo para as ciecircncias empiacutericas

Mas sobre isso os wittgensteinianos apesar de influentes formam um grupo a parte

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Introduccedilatildeo agrave Filosofia da Mente

O tema 1 reuacutene reflexotildees introdutoacuterias sobre problemas centrais da Filosofia da Mente con-temporacircnea Ele estaacute estruturado em dois toacutepicos no primeiro os objetivos da Filosofia da Mente satildeo apresentados enfatizando-se duas de suas caracteriacutesticas preponderantes o naturalismo e a interdisciplinaridade No segundo toacutepico as seguintes abordagens satildeo apresentadas (a) Teoria da Identidade (b) Funcionalismo (c) Eliminativismo e (d) Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada

11 Caracterizaccedilatildeo da Filosofia da Mente

A Filosofia da Mente eacute uma aacuterea de investigaccedilatildeo filosoacutefico-interdisciplinar que tem como objetivo investigar a natureza da mente seus processos estados funccedilotildees sua relaccedilatildeo com o corpo e com o meio ambiente Partindo de distintas perspectivas teoacutericas a Filosofia da Mente

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busca investigar processos mentais associados agrave cogniccedilatildeo memoacuteria percepccedilatildeo accedilatildeo vontade emoccedilatildeo dentre outros

Haacute duas caracteriacutesticas baacutesicas da Filosofia da Mente que merecem destaque

a Naturalismo - as concepccedilotildees contemporacircneas de mente na tradiccedilatildeo filosoacutefica analiacutetica anglo-saxatilde satildeo basicamente naturalistas em um sentido bastante amplo da expressatildeo Satildeo naturalistas porque consideram que os estados processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e natildeo podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo

b Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente satildeo interdisciplinares consi-dera-se que disciplinas como psicologia computaccedilatildeo linguiacutestica neurociecircncias biologia que tambeacutem estudam os processos mentais oferecem aportes necessaacuterios para a reflexatildeo filosoacutefica sobre tais processos Aleacutem disso existe um ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no tratamento de problemas investigados na aacuterea A filosofia da mente trata tambeacutem de questotildees metafiacutesicas bastante tradicionais podendo ser incluiacutedos nesse domiacutenio o problema mentecorpo o pro-blema da identidade pessoal e o da causaccedilatildeo mental que seratildeo tratados no Tema 2 Por outro lado os estudos atuais sobre a consciecircncia satildeo claramente interdisciplinares assim como os trabalhos sobre a motivaccedilatildeo A discussatildeo filosoacutefica se alimenta de vaacuterias ciecircncias mas tem uma abordagem proacutepria mais reflexiva e analiacutetica1

O ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no estudo da mente tem como pressuposto a hipoacutetese de que a Fiacutesica fornece um bom modelo de investigaccedilatildeo na pesquisa cientiacutefica Esse ideal tem sido alvo de criacuteticas por parte de muitos filoacutesofos inclusive de seu proponente original Hilary Putnam que em 1960 defendeu a tese da unidade metodoloacutegica da explicaccedilatildeo cientiacutefica tatildeo cara ao positivismo da primeira metade do seacuteculo XX (links) Em 1998 no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy) Putnam problematiza sua proacutepria concepccedilatildeo inicial da uni-dade metodoloacutegica das ciecircncias no estudo da mente considerando-a simplista Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60 ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de meacutetodos de investigaccedilatildeo no estudo de sistemas complexos como eacute o caso da mente

1 Cabe ressaltar que na concepccedilatildeo de Wittgenstein a mente natildeo eacute objeto de estudo para as ciecircncias empiacutericas

Mas sobre isso os wittgensteinianos apesar de influentes formam um grupo a parte

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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TEMA 4

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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bull ______ Personal identity and racionality Synthese Toronto n 53 p 227-241 1982 Disponiacutevel

em lthttpindividualutorontocastafforiniparfitparfit_-_personal_identity_and_rationality

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bull RYLE G The concept of mind London Penguin 2000

bull SIDER T O conceito de identidade pessoal Traduccedilatildeo Vitor Guerreiro In CONEE E

SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

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bull BODEN M The artificial intelligence and the natural man Hassocks The Harvbester Press Ltd 1977

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

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bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DREYFUS H What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence Revised

edition New York Harper and Row 1979

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[Satildeo Paulo] Unesp 1996

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Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

XIX In EVORA F R R O seacuteculo XIX O nascimento da ciecircncia contemporacircnea Campinas

Unicamp 1992 (Coleccedilatildeo CLE)

bull GONZALEZ M E Q Accedilatildeo causalidade e ruiacutedo nas redes neurais auto-organizadas

DEBRUN M A GONZALEZ M E Q PESSOA JR O (Eds) Auto-organizaccedilatildeo

Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

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Acessado em 4 maio 2011

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bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

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bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

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bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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busca investigar processos mentais associados agrave cogniccedilatildeo memoacuteria percepccedilatildeo accedilatildeo vontade emoccedilatildeo dentre outros

Haacute duas caracteriacutesticas baacutesicas da Filosofia da Mente que merecem destaque

a Naturalismo - as concepccedilotildees contemporacircneas de mente na tradiccedilatildeo filosoacutefica analiacutetica anglo-saxatilde satildeo basicamente naturalistas em um sentido bastante amplo da expressatildeo Satildeo naturalistas porque consideram que os estados processos e eventos mentais fazem parte do contexto de eventos que ocorrem na natureza e natildeo podem ser creditados a entidades sobre-naturais de algum tipo

b Interdisciplinaridade - os estudos da Filosofia da Mente satildeo interdisciplinares consi-dera-se que disciplinas como psicologia computaccedilatildeo linguiacutestica neurociecircncias biologia que tambeacutem estudam os processos mentais oferecem aportes necessaacuterios para a reflexatildeo filosoacutefica sobre tais processos Aleacutem disso existe um ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no tratamento de problemas investigados na aacuterea A filosofia da mente trata tambeacutem de questotildees metafiacutesicas bastante tradicionais podendo ser incluiacutedos nesse domiacutenio o problema mentecorpo o pro-blema da identidade pessoal e o da causaccedilatildeo mental que seratildeo tratados no Tema 2 Por outro lado os estudos atuais sobre a consciecircncia satildeo claramente interdisciplinares assim como os trabalhos sobre a motivaccedilatildeo A discussatildeo filosoacutefica se alimenta de vaacuterias ciecircncias mas tem uma abordagem proacutepria mais reflexiva e analiacutetica1

O ideal de unificaccedilatildeo metodoloacutegica no estudo da mente tem como pressuposto a hipoacutetese de que a Fiacutesica fornece um bom modelo de investigaccedilatildeo na pesquisa cientiacutefica Esse ideal tem sido alvo de criacuteticas por parte de muitos filoacutesofos inclusive de seu proponente original Hilary Putnam que em 1960 defendeu a tese da unidade metodoloacutegica da explicaccedilatildeo cientiacutefica tatildeo cara ao positivismo da primeira metade do seacuteculo XX (links) Em 1998 no texto Renovando a Filosofia (Renewing Philosophy) Putnam problematiza sua proacutepria concepccedilatildeo inicial da uni-dade metodoloacutegica das ciecircncias no estudo da mente considerando-a simplista Concebendo os limites do projeto que inicialmente defendeu nos anos 60 ele argumenta em defesa de um perspectivismo que envolva uma multiplicidade de meacutetodos de investigaccedilatildeo no estudo de sistemas complexos como eacute o caso da mente

1 Cabe ressaltar que na concepccedilatildeo de Wittgenstein a mente natildeo eacute objeto de estudo para as ciecircncias empiacutericas

Mas sobre isso os wittgensteinianos apesar de influentes formam um grupo a parte

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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Apesar da polecircmica em torno dos meacutetodos de investigaccedilatildeo apropriados a interdisciplina-ridade constitui uma caracteriacutestica central da Filosofia da Mente na tradiccedilatildeo analiacutetica em decorrecircncia de seu vieacutes naturalista uma vez que se considera que a dinacircmica e a organizaccedilatildeo da mente estatildeo sujeitas agraves leis naturais para compreendecirc-las seraacute necessaacuterio utilizar dados obtidos pelas ferramentas investigativas das ciecircncias naturais aleacutem dos recursos proacuteprios da investigaccedilatildeo filosoacutefico-conceitual Eacute justamente esse naturalismo metodoloacutegico que faz com que a Filosofia da Mente e a chamada Ciecircncia Cognitiva estejam intrinsecamente relacionadas

A Ciecircncia Cognitiva eacute uma aacuterea interdisciplinar de pesquisa dos processos cognitivos tendo como alicerce a concepccedilatildeo mecanicista da mente O objetivo inicial desta ciecircncia era a produ-ccedilatildeo de modelos mecacircnicos explicativos dos processos associados ao pensamento inteligente Conforme ressalta Gardner (1985 p 6-7) satildeo cinco as principais caracteriacutesticas da Ciecircncia Cognitiva em seu estado de desenvolvimento na deacutecada de 1980

O estudo das atividades cognitivas humanas envolve necessariamente o estudo das represen-taccedilotildees mentais o que supotildee um plano de anaacutelise diferente do plano bioloacutegico ou neuroloacutegico

A hipoacutetese de que os modelos computacionais satildeo os mais apropriados para compreender como a mente funciona

O recorte metodoloacutegico adotado para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente natildeo considera inicialmente fatores como os emocionais culturais contextuais entre outros Esse fatores satildeo reconhecidamente importantes para a compreensatildeo do funcionamento da mente mas sua inclusatildeo naquele momento iria tornar muito complexa a modelagem computacional

Abordagem interdisciplinar da mente deve ser adotada As barreiras entre as diferentes disciplinas que compotildeem a Ciecircncia Cognitiva (Psicologia Computaccedilatildeo Linguiacutestica Neuro-ciecircncias Biologia etc) seratildeo idealmente transpostas pela adoccedilatildeo da modelagem computacional que unifica a Ciecircncia Cognitiva

A agenda da Ciecircncia Cognitiva seraacute estabelecida pelo conjunto de questotildees e preocupaccedilotildees que haacute muito satildeo investigadas pelos epistemoacutelogos na tradiccedilatildeo ocidental claacutessica

No Tema 3 comentaremos a evoluccedilatildeo da Ciecircncia Cognitiva a partir da deacutecada de 1980 No momento eacute suficiente observar que as caracteriacutesticas de um a cinco acima mencionadas tecircm sido

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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                                                                                1. Paacutegina 49

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objeto de questionamento bastante polecircmico nos estudos realizados pela Filosofia da Mente e pela Filosofia Ecoloacutegica (link) Assim por exemplo uma dificuldade enfrentada pelo mecanicismo diz respeito ao aspecto criativo que constitui uma marca inegaacutevel da mente Como explicar a criatividade atraveacutes de uma abordagem mecanicista Dificuldades da mesma envergadura satildeo enfrentadas quando se reflete acerca da natureza do livre arbiacutetrio da identidade pessoal da comunicaccedilatildeo significativa e das emoccedilotildees dentre outros Essas dificuldades satildeo pesquisadas a partir de perspectivas explicativas distintas no programa de pesquisa da Filosofia da Mente e da Ciecircncia Cognitiva No proacuteximo toacutepico passamos a apresentar algumas das perspectivas comuns a estas aacutereas de investigaccedilatildeo no que diz respeito agrave natureza da mente

12 Diferentes abordagens no estudo da mente

O interesse pela investigaccedilatildeo cientiacutefica sobre a natureza da mente comeccedila a delinear-se a partir do fim do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX simultaneamente ao desenvolvimento dos estudos da entatildeo jovem ciecircncia da Psicologia A Psicologia ainda se debatia entre as imposiccedilotildees de um vocabulaacuterio carregado de concepccedilotildees dualistas e intelectualistas de mente de um lado e de outro a necessidade de atender algumas exigecircncias da tradiccedilatildeo analiacutetica e de suas criacuteticas agrave metafiacutesica Curiosamente uma das primeiras grandes teorias psicoloacutegicas para explicar os processos cognitivos e a accedilatildeo inteligente (tradicionalmente considerados de responsabilidade da mente) foi o chamado behaviorismo Esta escola psicoloacutegica considerava que o caraacuteter natildeo--observaacutevel introspectivo dos processos mentais impedia sua investigaccedilatildeo rigorosa e a verifi-caccedilatildeo de seus resultados razatildeo pela qual a psicologia deveria focalizar apenas o comportamento observaacutevel em suas investigaccedilotildees

A despeito do grande esforccedilo explicativo empreendido pelos estudos behavioristas um pro-gressivo sentimento de insatisfaccedilatildeo foi manifestando-se em psicoacutelogos e filoacutesofos diante de uma abordagem que deixava de lado os aspectos ateacute entatildeo considerados tiacutepicos da vida mental quais sejam as crenccedilas os desejos as emoccedilotildees em geral e que dificilmente poderiam continuar a ser ignorados O behaviorismo procurou redefinir os estados mentais em termos de comportamentos e disposiccedilotildees tendo enfrentado vaacuterias criacuteticas Uma delas bastante conhecida eacute o ldquoargumento do super Espartanordquo este argumento supotildee que um guerreiro espartano (sabidamente trei-nado para suportar a dor e natildeo manifestaacute-la em campo de batalha) quando gravemente ferido supostamente teria a capacidade de ocultar seu estado mental de dor intensa Esta capacidade

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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de ocultamento inviabilizaria um estudo de seu estado de dor em termos comportamentais Uma possiacutevel refutaccedilatildeo desse argumento consiste em considerar o fator ldquotempo de observaccedilatildeordquo no estudo dos haacutebitos de accedilatildeo uma vez que haacute limites para a capacidade de fingimento ou ocultamento Dificilmente algueacutem conseguiria mentir ou simular sua dor por muito tempo para um olhar treinado

Aleacutem do mais o behaviorismo pressupotildee que aquilo que pode ser dito sobre o comporta-mento inteligente pode ser traduzido em uma linguagem que natildeo emprega termos mentalistas como ldquocrenccedilardquo ldquodesejordquo ldquosensaccedilatildeordquo entre outros A maioria dos filoacutesofos e psicoacutelogos julga que o programa de traduccedilatildeo do behaviorismo falhou uma vez que eles consideram que natildeo se pode definir uma noccedilatildeo mentalista ou intencional em termos natildeo intencionais Contudo eacute consenso entre os estudiosos da mente que natildeo se voltar a adotar perspectivas que natildeo sejam verificaacuteveis em alguma medida se se pretende uma abordagem rigorosa dos estados e processos mentais Diante desse impasse surge uma abordagem teoacuterica conhecida como Teoria da Identidade que passamos a apresentar

a Teoria da Identidade

Na Filosofia da Mente contemporacircnea haacute dois artigos considerados basilares para a formulaccedilatildeo da

Teoria da Identidade uma das mais fortes versotildees do naturalismo nessa aacuterea da investigaccedilatildeo Satildeo eles

o artigo A consciecircncia eacute um processo cerebral (Is consciousness a brain process) do psicoacutelogo e filoacutesofo U T

Place (1956) e o artigo Sensaccedilotildees e processos cerebrais (Sensations and brain processes) do filoacutesofo J J Smart

(1959) Eles pretendem propor uma teoria da mente que natildeo recaia nos abusos metafiacutesicos do dualismo

substancial de inspiraccedilatildeo cartesiana e nem no extremo em que acabou caindo o behaviorismo que em

seu esforccedilo por construir uma teoria cientiacutefica da psicologia acabou caracterizando os eventos e pro-

cessos mentais em termos comportamentais Em siacutentese Place e Smart procuraram evitar por um lado as dificuldades oriundas do dualismo substancial2 resultantes da incapacidade de explicar a interaccedilatildeo causal entre mente e corpo e por outro a suposta reduccedilatildeo do mental ao compor-tamental realizada pelo behaviorismo (natildeo cabe aqui uma longa exposiccedilatildeo sobre o behaviorismo

mas a despeito de todas as criacuteticas que lhe satildeo dirigidas por vaacuterias escolas e tradiccedilotildees filosoacuteficas tem a

nosso ver o inegaacutevel meacuterito de mostrar a relevacircncia do comportamento na compreensatildeo da inteligecircncia 2 O dualismo substancial consiste em propor que a mente e o corpo constituem substacircncias com propriedades

distintas a mente seria uma substacircncia imaterial e natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas e o corpo seria material e estaria subordinado

agraves leis fiacutesicas Esta concepccedilatildeo subjaz o pensamento de muitos filoacutesofos mas foi claramente formulada por Reneacute Descartes

na obra Meditaccedilotildees

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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e assim o de propor uma das primeiras abordagens externalistas (link) da mente Tampouco cabe aqui

uma anaacutelise detalhada do dualismo cartesiano que graccedilas a sua precisa formulaccedilatildeo possibilitou um

feacutertil debate sobre a natureza da mente e do corpo)

Segundo Place e Smart estados e eventos mentais satildeo em certo sentido internos e natildeo podem ser

simplesmente identificados ao comportamento ou agraves disposiccedilotildees comportamentais Os estados mentais

seriam internos natildeo porque sejam da alccedilada exclusiva da vida privada de um ldquofantasma na maacutequinardquo

mas porque estados e eventos mentais seriam idecircnticos numericamente um-a-um a estados e eventos

fiacutesicos que ocorrem no sistema nervoso

Place (1956) argumenta que uma psicologia cientiacutefica deveria identificar a consciecircncia a padrotildees de

atividade cerebral Assumindo que os estados e eventos mentais satildeo idecircnticos aos estados e eventos cere-

brais ele defende que os termos mentalistas e fisicalistas embora diferentes teriam o mesmo referente

cerebral (uma situaccedilatildeo anaacuteloga pode ser considerada atraveacutes do exemplo na Filosofia da Linguagem

das expressotildees estrela da tarde e estrela da manhatilde que apesar de possuir sentidos diferentes ambas se

referem ao planeta Vecircnus) Quando por exemplo sinto dor e digo ldquoestou sentindo dorrdquo esta descriccedilatildeo

na linguagem comum natildeo daacute conta de expressar o conjunto de eventos neurofisioloacutegicos responsaacuteveis

pela sensaccedilatildeo de dor Contudo segundo Place uma boa descriccedilatildeo em termos neurofisioloacutegicos (a ldquoati-

vaccedilatildeo das fibras crdquo) se referiraacute precisamente ao mesmo evento descrito pela frase ldquoestou sentindo dorrdquo

Isto porque ldquosentir dorrdquo eacute um processo cerebral (resultante da ativaccedilatildeo das fibras C) a ser investigado

rigorosamente pela neurofisiologia

Dando continuidade aos argumentos de Place em defesa da identidade menteceacuterebro Smart observa

que natildeo basta considerar que os eventos mentais estatildeo correlacionados a eventos cerebrais Ao contraacuterio

ele enfatiza que tal suposta correlaccedilatildeo implica introduzir de modo sutil teses dualistas na Psicologia

Isto porque soacute pode ser correlacionado aquilo que eacute distinto uma pegada deixada na cena do crime

pode ser correlacionada ao calccedilado do suspeito de tecirc-lo cometido mas isso soacute poderaacute ser feito porque a

pegada e o calccedilado satildeo objetos diferentes nenhum detetive iraacute correlacionar o suspeito consigo mesmo

A grande preocupaccedilatildeo de Smart (1959) quando procura refutar vaacuterios argumentos opostos agrave tese

da identidade postulada por Place eacute colocar na ordem do dia da abordagem fisicalista (link) os even-

tos e estados da consciecircncia Se ainda carecemos das ferramentas explanatoacuterias necessaacuterias para isso

segundo ele podemos perguntar por que natildeo poderaacute haver novas leis para a Psicologia como as leis da

eletricidade e do magnetismo que foram novidades do ponto de vista da mecacircnica newtoniana

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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                                                                                1. Paacutegina 49

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A despeito de suas excelentes intenccedilotildees poreacutem a teoria da identidade teve vida bastante curta no

cenaacuterio filosoacutefico contemporacircneo Mal estava ela procurando consolidar-se quando aparecem veementes

criacuteticas a suas teses em especial agravequela que identifica um-a-um os tipos de estados mentais e os tipos

de estados cerebrais Como veremos a seguir o funcionalismo surge como uma alternativa agraves propostas

explicativas de Place e Smart

b Funcionalismo

Uma das principais objeccedilotildees que satildeo dirigidas agrave teoria da identidade menteceacuterebro eacute conhe-cida como o argumento da realizabilidade muacuteltipla e foi apresentado por Hilary Putnam no iniacutecio da deacutecada de 1960 Esta criacutetica observa que a tese da identidade um-a-um natildeo daacute conta de explicar por que diferentes estruturas materiais instanciam (incorporam) o mesmo tipo de evento ou estado mental Se haacute uma estrita identidade entre estados mentais e cerebrais fica difiacutecil compreender por que por exemplo os estados neurofisioloacutegicos relacionados agrave dor nos ceacuterebros de diversas espeacutecies animais cada uma com anatomias distintas podem ser idecircnticos ao mesmo evento mental dor

O funcionalismo especialmente em sua vertente computacional torna-se preponderante na Ciecircncia Cognitiva e na Filosofia da Mente a partir do iniacutecio dos anos de 1970 Ele pode ser definido grosso modo como sendo uma abordagem dos estados e eventos mentais ligados ao comportamento inteligente que privilegia a funccedilatildeo desempenhada pelo sistema cognitivo independente de sua base material Estados mentais seriam efetivamente estados funcionais expressando relaccedilotildees causais de estiacutemulos sensoriais (inputs) entre outros estados mentais e comportamentos (outputs)

A abordagem funcionalista da mente seraacute apresentada com mais detalhes no Tema 3 desta disciplina No momento eacute importante compreender que o funcionalismo computacional tem nos modelos mecacircnicos da mente sua principal ferramenta explanatoacuteria Uma vez mais dificul-dades foram apontadas por filoacutesofos como Dreyfus (1979) Searle (1980) e Baker (1987) entre outros concernentes aos limites da concepccedilatildeo funcionalista da mente Tais dificuldades estatildeo relacionadas agrave inabilidade dos modelos mecacircnicos de explicitarem as nuances concernentes agraves dimensotildees subjetivas da experiecircncia qualitativa bem como os aspectos significativos da comu-nicaccedilatildeo humana Eacute nesse cenaacuterio que surge nos anos de 1980 o eliminativismo

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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TEMA 2

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

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Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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c Eliminativismo

Buscando superar as criacuteticas dirigidas agrave teoria da identidade e ao funcionalismo em meados dos anos de 1980 Patriacutecia Churchland e Paul Churchland (1988-2004) propotildeem uma con-cepccedilatildeo materialista radical de estudo dos processos cerebrais o eliminativismo (1988-2004) Para os eliminativistas a teoria da identidade menteceacuterebro foi fragilizada por sua tentativa equivocada de promover uma reduccedilatildeo interteoacuterica Como vimos essa reduccedilatildeo se daria pela identificaccedilatildeo entre descriccedilotildees de eventos e estados mentais expressos pelo vocabulaacuterio men-talista da linguagem comum (que utiliza os conceitos de crenccedila desejo intenccedilatildeo entre outros da psicologia popular) e as descriccedilotildees de eventos e estados neurofisioloacutegicos

Para os eliminativistas natildeo eacute gratuitamente que a teoria da identidade falhou em sua ten-tativa de identificar um-a-um estados mentais e estados cerebrais tal falha se deve a que as descriccedilotildees mentalistas da psicologia popular seriam falsas e totalmente enganosas e portanto irrelevantes para as explicaccedilotildees cientiacuteficas do comportamento humano pois a descriccedilatildeo dos estados e eventos cerebrais bastaria para isso O vocabulaacuterio mentalista constituiria para eles um entulho metafiacutesico que deveria ser eliminado do cenaacuterio explicativo sobre a natureza da mente

Podemos dizer na perspectiva eliminativista que as teses da psicologia popular como por exemplo que ldquosou levada a agir por minha forccedila de vontaderdquo ldquoestou triste porque meu gato morreurdquo natildeo auxiliam na explicaccedilatildeo das causas de minha accedilatildeo ou de meus estados neuroloacutegi-cos A psicologia popular forneceria explicaccedilotildees mitoloacutegicas ao supor a existecircncia de entidades misteriosas como ldquovontaderdquo e ldquotristezardquo dotadas de certa forccedila causal em minha conduta Para os eliminativistas a linguagem mentalista que atribui a crenccedilas e desejos os motores da nossa accedilatildeo seraacute retirada do cenaacuterio cientiacutefico e filosoacutefico futuro tatildeo logo as Neurociecircncias sejam reconhecidas

Ao desenvolverem seu aparato conceitual paradoxalmente os eliminativistas acreditam que uma descriccedilatildeo adequada dos processos cerebrais substituiraacute a linguagem mentalista da Psicologia popular Segundo eles ocorreraacute com a linguagem mentalista algo semelhante ao que ocorreu com o conceito de ldquoflogistordquo este conceito foi postulado na tentativa de explicar fenocircmenos ligados agrave combustatildeo no seacuteculo XVII (supostamente os corpos combustiacuteveis teriam em seu inte-rior o elemento ldquoflogistordquo que seria emanado em certas condiccedilotildees resultando na combustatildeo) e posteriormente eliminado do cenaacuterio teoacuterico da quiacutemica ao ser constatado inteiramente falso

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Cognitivos)

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bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

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Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

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2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

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Acessado em 4 maio 2011

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bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

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Cambridge University 1983

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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O projeto eliminativista de abolir a linguagem mentalista enfrente inuacutemeras dificuldades Uma das principais eacute como comunicariacuteamos nossas intenccedilotildees e estados mentais sem utilizar o vocabulaacuterio mentalista da Psicologia Popular Seraacute que passariacuteamos a afirmar ldquominhas fibras neuronais lsquocrsquo estatildeo ativadas hojerdquo quando normalmente diriacuteamos ldquoEstou com dor de cabeccedilardquo Ainda que seja chocante a proposta de um abandono total da linguagem mentalista a proposta eliminativista tem o meacuterito de suscitar discussotildees (preferencialmente de forma criacutetica) sobre a natureza dos estados mentais agrave luz de resultados obtidos pela neurociecircncia contemporacircnea

Entendemos que a utilizaccedilatildeo do vocabulaacuterio mentalista natildeo pode ser menosprezada mesmo porque a proacutepria dinacircmica da linguagem (cientiacutefica e comum) incorpora revisotildees nos termos de que se serve para modificar ou ateacute alterar inteiramente os proacuteprios pressupostos teoacutericos de nossa Psicologia popular O termo ldquovontaderdquo por exemplo pode vir a alterar gradualmente seu sentido (o que parece jaacute ter ocorrido pelo menos parcialmente) e deixar de designar uma faculdade da alma que autonomamente do corpo exerce o livre arbiacutetrio de que fomos dota-dos (como o era no seacuteculo XVII) para significar hoje uma capacidade cognitiva diretamente influenciada pela estrutura bioquiacutemica do organismo situado em um dado meio ambiente

d Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pres-suposto central a hipoacutetese de que os processos mentais e o comportamento inteligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as relaccedilotildees que o orga-nismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesica e historicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais especialmente na histoacuteria evolucionaacuteria dos organismos

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos Em especial tais modelos objetivam lidar de modo apropriado com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a diacuteade

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678946365302_redefor_d07_filosofia_tema02flv

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo haviam sido preteridos como ressaltamos no Toacutepico 11

Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos da cogniccedilatildeo que tenham efetivamente uma maior plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envol-vendo a multiplicaccedilatildeo e complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos organismos com o ambiente (e do ambiente com os organismos) ao longo da histoacuteria evolutiva dos seres vivos em nosso planeta

Em suma neste Tema foram brevemente apresentadas hipoacuteteses das principais teorias da mente que constituem o cenaacuterio filosoacutefico e cognitivista contemporacircneo cada uma delas com indiscutiacuteveis meacuteritos filosoacuteficos embora natildeo isentas de dificuldades No proacuteximo Tema tra-taremos de alguns problemas centrais da Filosofia da Mente sobre os quais estas diferentes abordagens se debruccedilaram atentamente mas que ainda natildeo receberam uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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[Satildeo Paulo] Unesp 1996

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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Problemas Centrais da Filosofia da Mente

Neste Tema discutimos alguns dos problemas centrais que satildeo investigados na Filosofia da Mente destacando

a O problema da relaccedilatildeo mentecorpo

b O problema das outras mentes e

c O problema da identidade pessoal

Estes trecircs problemas direcionaratildeo nossa reflexatildeo neste Tema Como jaacute apontamos eles vecircm sendo investigados de longa data na Filosofia desde os claacutessicos ocidentais (Platatildeo Aristoacuteteles Descartes Hume para citar apenas alguns) e orientais (como Confuacutecio Lao Tze Daikaku

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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entre outros) No entanto os estudos de (i) - (iii) nas pesquisas da Filosofia da Mente satildeo rea-lizados em novos contextos ontoloacutegico metodoloacutegico e epistecircmico

No que se refere ao contexto ontoloacutegico as concepccedilotildees de mente corpo e identidade pessoal tecircm sido tradicionalmente investigadas a partir perspectivas dualistas e antropocecircntricas Con-tudo desde a segunda metade do seacuteculo XIX e ao longo do seacuteculo XX a concepccedilatildeo de espeacutecie humana foi radicalmente modificada pela influecircncia da teoria evolucionaacuteria e da geneacutetica a espeacutecie humana passou a ser mais uma espeacutecie resultante de processos evolucionaacuterios naturais (DEWEY 1909 GONZALEZ BROENS 2011)

No contexto epistecircmico a possibilidade de conhecimento da mente enfrenta a dificuldade da mente ser o seu proacuteprio objeto de estudos trata-se da mente investigando a proacutepria mente o que coloca a questatildeo da objetividade em cheque pois como satisfazer o requisito fundamental da pesquisa cientiacutefica que exige o distanciamento do objeto de investigaccedilatildeo por parte do inves-tigador Para superar essa dificuldade pesquisadores buscam recursos metodoloacutegicos tais como a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente

No contexto metodoloacutegico diferentes modelos explicativos dos estados e processos mentais satildeo elaborados atraveacutes de novos instrumentos computacionais fornecidos pela ciecircncia e tecnologia contemporacircneas Com o auxiacutelio do computador modelos mecacircnicos satildeo construiacutedos na Ciecircncia Cognitiva os quais seratildeo apresentados no Tema 3

Embora existam outros aspectos relevantes delimitadores de visotildees de mundo e de progra-mas de investigaccedilatildeo os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal seratildeo abordados no presente Tema a partir dos novos contextos ontoloacutegico epistecircmico e metodoloacutegico a que nos referimos

21 O problema mentecorpo

Como indicamos na introduccedilatildeo o problema mentecorpo atualmente tratado na Filosofia da Mente tem suas raiacutezes na tradiccedilatildeo filosoacutefica que remonta pelo menos ateacute Platatildeo e Aristoacuteteles Contudo este problema eacute principalmente conhecido na versatildeo formulada por Reneacute Descartes no seacuteculo XVII

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

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Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

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Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

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com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

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Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

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Acessado em 4 maio 2011

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de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

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Paulo Edunesp 2001

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Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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Em vaacuterias de suas obras Descartes (1994) defende hipoacuteteses sobre a natureza da mente e sua relaccedilatildeo com o corpo argumentando que ambos satildeo substancialmente distintos O corpo eacute material extenso e divisiacutevel enquanto que a mente eacute imaterial indivisiacutevel e natildeo ocupa um lugar no espaccedilo Para ele a mente eacute responsaacutevel pelas atividades intelectuais e o corpo desempenha as atividades fiacutesicas ela eacute monopoacutelio do ser humano racional estando excluiacutedos por princiacutepio os animais e possivelmente as crianccedilas O corpo se move determinado por leis mecacircnicas e a mente eacute conduzida por leis loacutegicas e morais preservando o livre arbiacutetrio Ambos estatildeo intima-mente interligados constituindo um ldquouacutenico todordquo enquanto o corpo manteacutem sua funcionalidade

O problema mentecorpo consiste em explicar como eacute possiacutevel que a mente e o corpo intera-jam causalmente se eles possuem naturezas substancialmente distintas nossa mente seria livre para sonhar por exemplo que estamos voando mas nossa vontade eacute incapaz de forccedilar nosso corpo a voar como um paacutessaro pois ele natildeo tem as propriedades aerodinacircmicas que permitem que os corpos dos paacutessaros voem

Em suma para Descartes a mente e o corpo constituem substacircncias distintas o corpo estaacute sujeito agraves leis mecacircnicas e a mente eacute livre de determinaccedilotildees mecacircnicas sendo responsaacutevel pelo exerciacutecio do pensamento e da accedilatildeo Para explicar as relaccedilotildees da mente com o corpo Descartes sugere que haveria um local no ceacuterebro a glacircndula pineal na qual ocorreriam as interaccedilotildees entre mente e corpo Mas esta explicaccedilatildeo natildeo esclarece como substacircncias distintas podem interagir causalmente Essa dificuldade foi deixada como heranccedila para as geraccedilotildees posteriores tendo sido incorporada na agenda de pesquisa da Filosofia da Mente

No contexto da Filosofia da Mente anglo-saxatilde o problema da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em explicar como os estados processos e eventos mentais estariam relacionados com os esta-dos processos e eventos corporais Estados mentais frequentemente satildeo causados por eventos externos mas eles parecem possuir algo mais aleacutem das eventuais causas externas Assim por exemplo a alegria que sentimos quando encontramos um amigo depois de longa data poderia ser compreendida como resultante de fatores externos entre eles a presenccedila do amigo Mas pode ser argumentado que a alegria de encontrar um amigo querido resulta efetivamente da crenccedila de que aquela pessoa eacute amiga e natildeo de sua mera presenccedila fiacutesica centenas de outras pes-soas passam na rua mas nenhuma delas causa a alegria que sentimos ao encontrar um amigo Desse modo a causa da alegria seria a crenccedila referente agrave amizade daquela pessoa mas perma-

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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nece sem soluccedilatildeo o problema de explicar como tal crenccedila causa em nosso corpo o conjunto de movimentos responsaacuteveis por exemplo por abraccedilar nosso amigo

Uma outra possibilidade de lidar com o problema da relaccedilatildeo mentecorpo eacute considerar que os estados mentais efetivamente causam efeitos em nosso corpo porque eles satildeo estados fiacutesicos Esta abordagem do problema eacute conhecida como fisicalismo uma vertente do naturalismo estu-dado no Tema 1 Natildeo entraremos em detalhes sobre o fisicalismo mas os interessados podem consultar o texto de Abrantes (2004) que apresenta um quadro bem elaborado dos diferentes tipos de fisicalismo Cabe ressaltar aqui que o fisicalismo tambeacutem enfrenta dificuldades como as que apontamos em relaccedilatildeo agrave teoria da identidade se estados mentais satildeo estados fiacutesicos como compreender por exemplo um estado de alegria que sinto hoje o qual eacute muito semelhante agravequele que senti dez anos atraacutes Como explicar essa semelhanccedila em termos de meus estados fiacutesicos que hoje satildeo tatildeo diferentes daqueles de dez anos atraacutes

Uma terceira possibilidade de analisar as propostas de explicaccedilatildeo da relaccedilatildeo mentecorpo consiste em admitir que tanto o dualismo quanto o fisicalismo enfrentam dificuldades seme-lhantes uma vez que ambos constituiriam verso e reverso da mesma moeda Essa possibilidade eacute defendida pelo filoacutesofo inglecircs Gilbert Ryle1 em um texto considerado inaugural da Filosofia da Mente anglo-saxatilde intitulado The concept of mind (O conceito de mente) Ryle argumenta que tanto as teses dualistas substanciais quanto as materialistas sobre a natureza dos estados processos e eventos mentais incorrem no mesmo equiacutevoco loacutegico o chamado erro categorial O dualismo ontoloacutegico cartesiano e o materialismo cometem um erro categorial ao colocarem na categoria substacircncia aquilo que natildeo eacute uma substacircncia (seja ela pensante ou material)

Para ilustrar o erro categorial Ryle (2000 p 13) utiliza entre outros o seguinte exemplo jogar futebol exige que se jogue com espiacuterito de equipe podemos observar os jogadores chutando ou cabeceando a bola mas natildeo podemos observar ou cabecear ldquoo espiacuterito de equiperdquo pois ele consiste no empenho com que os jogadores realizam cada jogada O ldquoespiacuterito de equiperdquo natildeo eacute o mesmo que chutar ou cabecear a bola mas tampouco eacute algo diferente pois eacute indissociaacutevel de cada jogada Considerar que o ldquoespiacuterito de equiperdquo constitui uma atividade da mesma categoria que ldquochutarrdquo ou ldquocabecearrdquo eacute cometer um erro categorial Outro exemplo eacute dado pelo uso da frase ldquoestaacute na cabeccedilardquo podemos dizer por exemplo que nossa crenccedila na teoria evolucionaacuteria

1 Algumas das teses de Ryle foram apresentadas no Tema 4 da disciplina Teoria do Conhecimento quando foi

abordada a distinccedilatildeo entre o ldquosaber comordquo e o ldquosaber querdquo

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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estaacute ldquona cabeccedilardquo em um sentido figurado muito diferente daquele que aparece na frase ldquoum inseto entrou pelo ouvido e estaacute na cabeccedila de Antocircniordquo Confundir o sentido da expressatildeo ldquona cabeccedilardquo dessas duas frases (uma metafoacuterica e outra literal) tambeacutem constitui para Ryle um erro categorial

Em suma para Ryle a mente natildeo eacute uma substacircncia e a tentativa de situaacute-la no rol de subs-tacircncias leva a equiacutevocos loacutegicos e ontoloacutegicos Sem a pretensatildeo de elaborar uma teoria da mente ele sugere que ao inveacutes de ser compreendida em termos substancialistas a mente seria apropriadamente compreendida em termos funcionais

No vieacutes da anaacutelise proposta por Ryle entendemos que boa parte das discussotildees entre dualismo materialismo eliminativismo entre outros decorrem de um erro categorial Para evitar esse tipo de erro poderiacuteamos investigara a natureza da mente em termos relacionais e disposicionais

A concepccedilatildeo relacional de mente estaacute muito proacutexima da concepccedilatildeo de mente do senso comum (ou Psicologia Popular como vimos) quando este supotildee a relaccedilatildeo direta entre estados mentais e disposiccedilotildees no plano da accedilatildeo Como ressalta Ryle sabemos quando uma pessoa eacute inteligente estaacute pensando estaacute triste alegre ansiosa entre outros estados natildeo porque sejamos telepatas ou neurocientistas mas porque percebemos as disposiccedilotildees reveladas nos padrotildees de conduta das pessoas Sabemos por exemplo que a accedilatildeo de selecionar vegetais frescos frutas e legumes para uma alimentaccedilatildeo saudaacutevel ilustra um tipo de pensamento de algueacutem atento com sua sauacutede bem como a sua disposiccedilatildeo de preservar haacutebitos saudaacuteveis Inversamente a accedilatildeo pouco cuidadosa de um motorista que coloca em risco sua vida e a dos outros ilustra um estado mental de um ser pouco atento agrave dinacircmica das relaccedilotildees responsaacuteveis pela preservaccedilatildeo da vida bem como a possibilidade de gerar acidentes no seu percurso

Com os exemplos acima indicamos uma abordagem externalista (RYLE 2000 BURGE 1979 PUTNAM 1975 CLARK 2001 2008) do problema mentecorpo De acordo com essa abordagem mente e corpo constituem uma unidade situada ambientalmente cujas proprieda-des se caracterizam pela interaccedilatildeo coletiva de agentes que compartilham haacutebitos de conduta Esta abordagem externalista da mente nos remete a um outro problema conhecido como o ldquoproblema das outras mentesrdquo de que trataremos no toacutepico seguinte

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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22 O problema das ldquooutras mentesrdquo

O problema das outras mentes pode ser assim formulado como podemos justificar nossa crenccedila de que outros aleacutem de noacutes tecircm mentes (HYSLOP 2009) A dificuldade subjacente a este problema natildeo eacute propriamente a nossa crenccedila de que outras pessoas por exemplo possuem uma vida mental ela reside em como justificar tal crenccedila A importacircncia de buscar uma justi-ficaccedilatildeo dessa crenccedila fica mais clara em situaccedilotildees limite por exemplo quando perguntamos se uma pessoa em coma com seacuterias lesotildees sente dor ou preserva alguma vida mental Tal busca tambeacutem se mostra relevante quando se trata da indagaccedilatildeo sobre se organismos natildeo humanos ou modelos artificiais tecircm mentes

Os exemplos acima indicam que haacute pelo menos dois aspectos do problema das outras mentes a ser considerados ambos de natureza epistemoloacutegica O primeiro aspecto consiste na busca de justificaccedilatildeo para nossa crenccedila de que outras pessoas possuem uma vida mental O segundo diz respeito agrave dificuldade de formar um conceito de mente a partir de nossa vida mental pessoal (HYSLOP 2009) na medida em que a postulaccedilatildeo de um conceito supotildee a possibilidade de generalizaccedilatildeo

O primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes decorre da diferenccedila entre o acesso que temos agraves nossas proacuteprias experiecircncias e o acesso que cada um de noacutes tem das experiecircncias de outras pessoas Praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais em algum sentido Por exemplo se vemos uma pessoa chorando copiosamente com um ferimento na perna supomos que ela estaacute sentindo dor se observamos uma crianccedila rindo ao assoprar as velas em seu bolo de aniversaacuterio acreditamos que estaacute alegre e assim por diante Mas esse contato com a vida mental de outrem parece ser indireto e diferir do tipo de contato que temos com nossa proacutepria vida mental Conforme ressalta Hyslop (2009)

Nem sempre sabemos diretamente que estamos no estado mental em que nos encontramos mas eacute marcante que nunca tenhamos conhecimento direto do estado mental em que outros seres humanos se encontram qual-quer que seja ele Esta total assimetria gera o problema epistemoloacutegico das outras mentes

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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TEMA 4

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

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Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

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Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

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de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

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Paulo Edunesp 2001

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bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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Para Hyslop (2009) temos apenas acesso indireto aos estados mentais de outras pessoas podemos saber da vida mental de outrem apenas atraveacutes de intermediaccedilotildees como as narrativas ou as accedilotildees em geral Nesse sentido haveria duas propostas de soluccedilatildeo do primeiro aspecto epistemoloacutegico do problema das outras mentes

a A busca da melhor explicaccedilatildeo a suposiccedilatildeo de que outras pessoas tecircm uma vida mental parece explicar a sua conduta de modo mais satisfatoacuterio do que considerar que as pessoas agem independente de uma vida mental como seria o caso de um zumbi

b Inferecircncia por analogia este tipo de explicaccedilatildeo apela para as semelhanccedilas que existem entre as pessoas Se pertencemos agrave mesma espeacutecie tendemos a ter uma conduta semelhante em circunstacircncias parecidas Aleacutem disso dado que somos constituiacutedos pelo mesmo tipo de mateacuteria orgacircnica e temos possibilidades e limitaccedilotildees fiacutesicas semelhantes acreditamos que outras pessoas tecircm como noacutes desejos dores sensaccedilotildees entre outros anaacutelogos agraves nossas

No que se refere ao aspecto conceitual do problema das outras mentes Hyslop (2009) apresenta o seguinte exemplo ldquocomo posso estender meu conceito de dor para aleacutem de minha proacutepria dorrdquo Ele ressalta que a formulaccedilatildeo de um conceito exige algo a mais do que uma mera generalizaccedilatildeo indutiva de uma experiecircncia pessoal e uacutenica Embora tenhamos a competecircncia semacircntica para reconhecer o sentido do termo ldquodorrdquo tambeacutem temos frequentemente a impressatildeo de que a dor que sentimos em certas circunstacircncias natildeo eacute a mesma que outras pessoas sentem em circunstacircncias anaacutelogas

O problema das outras mentes tambeacutem se coloca na perspectiva ontoloacutegica com mais destaque nas abordagens internalistas as quais podem ser descritas em (pelo menos) duas maneiras De acordo com a primeira mais conhecida a mente eacute interna e acessiacutevel apenas ao seu portador atraveacutes de representaccedilotildees mentais abstratas O problema surge ao se admitir o caraacuteter interno e abstrato das representaccedilotildees se satildeo entidades abstratas elas natildeo ocupam um lugar no espaccedilo e como tal natildeo satildeo internas ou externas Aleacutem disso se por hipoacutetese tenho acesso agraves minhas proacuteprias representaccedilotildees atraveacutes da introspecccedilatildeo como percebecirc-las em outros seres

A segunda formulaccedilatildeo da abordagem internalista focaliza os aspectos neuroloacutegicos espe-cialmente os padrotildees de conectividade de redes neurais que constituiriam a sede dos estados

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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mentais O problema surge aqui com a dificuldade jaacute apresentada no Tema 1 de explicar a relaccedilatildeo menteceacuterebro como procuram fazer os Teoacutericos da Identidade e os Eliminativistas

As duas formulaccedilotildees da abordagem internalista do problema das outras mentes apesar de diferirem sobre a natureza do objeto investigado ndash seja ele caracterizado como uma representaccedilatildeo abstrata ou como um padratildeo de conectividade neuroloacutegica ndash ambas enfrentam dificuldades ateacute agora natildeo resolvidas Uma tentativa de evitar tais dificuldades eacute proposta pelos externalistas mencionados no Toacutepico 21 Aleacutem do Externalismo a Psicologia Popular tambeacutem oferece alternativas para enfrentar as dificuldades do problema das outras mentes

De acordo com a Psicologia Popular praacuteticas costumeiras em nossas interaccedilotildees sociais supotildeem a capacidade de prever condutas das pessoas porque conseguimos ldquolerrdquo seus estados mentais no plano da accedilatildeo Como indicamos esta abordagem eacute semelhante agravequela proposta por Ryle (2000) e discutida no Toacutepico 21 Como mencionado exemplos de accedilotildees habilidosas como as de uma trapezista que executa uma performance difiacutecil com graccedila e espontaneidade indicam que se trata de uma pessoa cautelosa e que ela estaacute atenta aos detalhes de seus movimentos Ainda que esta trapezista possa se acidentar em decorrecircncia de um mal estar repentino a regularidade de suas praacuteticas deixa marcas significativas de suas disposiccedilotildees habilidosas reveladoras de seus estados mentais de longa duraccedilatildeo Passado o mal estar ela poderia repetir com sucesso sua performance o que natildeo ocorreria com um novato qualquer

A partir da suposta capacidade de ldquoleiturardquo da mente a Psicologia Popular oferece uma ldquoteoria da menterdquo para explicar aspectos dos estados mentais e formas de agir em diferentes contextos Nesse sentido uma vez mais ela se aproxima da abordagem externalista natildeo duvidamos que as pessoas tenham mente e a observaccedilatildeo de sua conduta em diferentes contextos desempenha um importante papel em nossa capacidade de compreender seus estados mentais

Criacuteticos desta perspectiva podem alegar que as pessoas constantemente se enganam em sua ldquoleiturardquo de estados mentais quando assistimos a um filme por exemplo a atuaccedilatildeo dos atores pode ser tatildeo convincente que nos leve a acreditar que eles efetivamente estatildeo sentindo dor alegria tristeza ou felicidade enquanto representam Mas este engano se dissipa facilmente quando consideramos o contexto e lembramos que se trata de atores representando persona-gens durante certo tempo Situaccedilotildees de dissimulaccedilatildeo e de acidentes na vida cotidiana como no exemplo da trapezista tambeacutem tendem a ser dissipadas pelo fator temporal Depois de certo

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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TEMA 3

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

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[Satildeo Paulo] Unesp 1996

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Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

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Cognitivos)

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bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

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bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

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bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

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Acessado em 4 maio 2011

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de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

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bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

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bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

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bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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periacuteodo de tempo os acidentes as mentiras e as dissimulaccedilotildees tendem a ser descobertas por observadores atentos agraves incoerecircncias nas declaraccedilotildees dos indiviacuteduos e agraves mudanccedilas radicais nos seus padrotildees de accedilatildeo

Em siacutentese o problema das outras mentes tem sido analisado nas perspectivas internalista e externalista sem uma soluccedilatildeo consensual na comunidade filosoacutefica Neste toacutepico procura-mos indicar as dificuldades que ambas enfrentam destacando algumas possiacuteveis vantagens da abordagem externalista dada a sua eficaacutecia pragmaacutetica na antecipaccedilatildeo da conduta No proacuteximo toacutepico veremos como ambas as perspectivas tratam do problema de explicar a identidade pessoal

23 O problema da Identidade pessoal

Antes de tratar do problema da identidade pessoal vamos rapidamente esclarecer em que sentido podem ser entendidos os conceitos de identidade e de pessoa Em primeiro lugar o con-ceito de identidade tem pelo menos dois sentidos

(a) Identidade numeacuterica qual seja aquela que natildeo se confunde com nenhuma outra ela pertence ao gecircnero denotado pelo sinal de igualdade em expressotildees matemaacuteticas Assim por exemplo na expressatildeo ldquo1 + 1 = 2rdquo as expressotildees ldquo1 + 1rdquo e ldquo2rdquo representam o mesmo nuacutemero (SIDER 2010)

(b) Identidade qualitativa que ocorre quando duas coisas diferentes tecircm as mesmas propriedades

No que se refere por sua vez ao conceito de pessoa existem muitos sentidos utilizados em diferentes domiacutenios como o da Psicologia Direito Eacutetica Para comeccedilar nossa anaacutelise no entanto propomos o conceito de pessoa sugerido por Leclerc (2003) ldquoser uma pessoa [] eacute instanciar numerosas propriedades psicoloacutegicas relacionais e extriacutensecas enraizadas em um ambiente natural e socialrdquo Dentre essas propriedades podemos citar autoconsciecircncia autono-mia e capacidade de aprender

Em se tratando da identidade pessoal estamos supondo o conceito de identidade numeacuterica ou mesmidade (COSTA 2005) Feitos estes esclarecimentos iniciais podemos agora formular o problema da identidade pessoal do seguinte modo como eacute possiacutevel que uma pessoa permaneccedila

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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TEMA 3

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

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de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

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Paulo Edunesp 2001

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Cambridge University 1983

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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a mesma ao longo do tempo apesar das mudanccedilas bioloacutegicas culturais sociais dentre outras agraves quais estaacute sujeita

Por um lado temos a convicccedilatildeo de que somos hoje os mesmos que eacuteramos anos atraacutes por exemplo e estendemos essa convicccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves outras pessoas apesar das constantes transformaccedilotildees por que passamos durante nossas vidas Por outro lado haacute situaccedilotildees em que as mudanccedilas satildeo tatildeo profundas que essa convicccedilatildeo eacute abalada por exemplo quando algueacutem descobre repentinamente jaacute adulto que eacute filho adotivo e que seus pais e irmatildeos bioloacutegicos lhe satildeo totalmente desconhecidos

Como indicamos na introduccedilatildeo deste Tema o problema da identidade pessoal foi abordado por vaacuterios filoacutesofos claacutessicos especialmente Hume (2001) e Locke (1999) nos contextos epis-tecircmico ontoloacutegico e metodoloacutegico de sua eacutepoca A Filosofia da Mente contemporacircnea propotildee uma discussatildeo do problema em diferentes contextos que passamos a discutir

Do ponto de vista epistecircmico o problema da identidade pessoal se coloca em relaccedilatildeo aos criteacuterios de identidade Parfit (1971 1982) indica que existem dois criteacuterios de identidade pes-soal continuidade psicoloacutegica e continuidade fiacutesica O criteacuterio de continuidade psicoloacutegica eacute adotado por teorias que propotildeem existir um substrato psicoloacutegico (psique aparelho psiacutequico personalidade) que permanece o mesmo ao longo do tempo independente de fatores bioloacutegicos como o envelhecimento considerados contingentes

O criteacuterio de continuidade fiacutesica por sua vez eacute adotado por teorias comprometidas com o fisicalismo (a vertente do naturalismo a que nos referimos no Toacutepico 21) para o qual a perma-necircncia da identidade pessoal estaria associada agrave duraccedilatildeo de um mesmo corpo ou de um mesmo ceacuterebro ao longo da vida da pessoa Nesta perspectiva o problema da identidade pessoal se coloca em razatildeo das inevitaacuteveis mudanccedilas fiacutesicas a que estamos sujeitos Ao longo do tempo a constituiccedilatildeo fisioloacutegica da pessoa se altera radicalmente Assim por exemplo uma pessoa que na infacircncia tinha pele clara era alta e magra com abundante cabeleira na velhice passa a ser obesa sua altura se reduziu drasticamente sua pele foi queimada pelo sol e seus cabelos agora esbranquiccedilados estatildeo muito ralos Neste caso segundo o criteacuterio da continuidade fiacutesica estaremos diante da mesma pessoa Alguns que natildeo viram a pessoa durante muitos anos teriam dificuldade de reconhececirc-la Outros que acompanharam seu processo de envelheci-mento responderiam a pergunta afirmativamente

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Do ponto de vista ontoloacutegico o problema da identidade pessoal eacute tratado a partir de duas diferentes perspectivas substancial segundo a qual a identidade pessoal se manteacutem a mesma ao longo do tempo por ser atributo de uma substacircncia imaterial natildeo sujeita agraves leis fiacutesicas processual segundo a qual a identidade pessoal se atualiza ao longo do tempo por ser indissociaacutevel dos processos orgacircnicos que estatildeo relacionados aos fatores mentais fiacutesicos e contextuais ndash incluindo a concepccedilatildeo que outros fazem da pessoa Assim por exemplo um senhor cuja identidade eacute associada agrave benevolecircncia altruiacutesmo pacifismo entre outros pode ter sua identidade alterada a partir do momento em que aqueles que o conhecem descobrem que ele eacute um criminoso de guerra fugitivo Essa informaccedilatildeo pode afetar a maneira como a pessoa eacute vista e tratada em seu meio social vindo a alterar a sua presente identidade que passaraacute a incluir o sentimento de hostilidade por parte de sua comunidade

Esta uacuteltima perspectiva eacute considerada a mais promissora para o enfrentamento do problema da identidade pessoal uma vez que a perspectiva substancialista estaacute frequentemente associada agrave abordagem dualista e a todas as dificuldades que ela suscita

Por fim do ponto de vista metodoloacutegico o problema da identidade pessoal se coloca com muita forccedila especialmente em relaccedilatildeo ao uso de tecnologias contemporacircneas como as vaacuterias formas de implantes por exemplo o de estimulaccedilatildeo cerebral profunda empregado para a recu-peraccedilatildeo de habilidades motoras Segundo mostram Klaming amp Haselager (2010) a estimulaccedilatildeo eleacutetrica de certas aacutereas cerebrais atraveacutes do implante pode interferir na identidade da pessoa implantada na medida em que altera seus padrotildees de conduta A questatildeo sobre quais teacutecnicas satildeo apropriadas para auxiliar na manutenccedilatildeo das funccedilotildees fisioloacutegicas do organismo eacute relevante para o estudo do problema da identidade pessoal

Em siacutentese neste Tema investigamos os problemas da relaccedilatildeo mentecorpo das outras mentes e da identidade pessoal na Filosofia da Mente anglo-saxatilde Ainda que deixados sem soluccedilatildeo estes problemas revelam a natureza interdisciplinar necessaacuteria para sua abordagem Dada a caracteriacutestica intrinsecamente interdisciplinar da Filosofia da Mente vimos que esta aacuterea de investigaccedilatildeo trata desses problemas recorrendo natildeo apenas agrave Filosofia mas tambeacutem agrave Psicologia Popular a Neurociecircncia e como veremos no proacuteximo Tema agrave Ciecircncia Cognitiva e agrave Computaccedilatildeo entre outras

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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                                                                                1. Paacutegina 49

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Modelos mecacircnicos da mente

Ateacute agora apresentamos e discutimos problemas decorrentes da dificuldade de se elaborar uma explicaccedilatildeo satisfatoacuteria da natureza dos estados e processos mentais bem como da identidade pessoal Essa dificuldade parece ter suas raiacutezes no fato de que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente Como indicamos no Tema 2 essa circulari-dade pode comprometer em certa medida a objetividade e a universalidade tatildeo almejadas por alguns filoacutesofos e cientistas Diante dessa dificuldade o seguinte dilema se apresenta ou as pretensotildees de objetividade e universalidade no estudo da mente satildeo abandonadas ou se buscam recursos metodoloacutegicos que extrapolem os limites da mente humana para testar suas teorias Mas quais seriam esses recursos A proposta dos cientistas cognitivos eacute justamente fornecer um meacutetodo conhecido como Meacutetodo Sinteacutetico de Anaacutelise que possibilita a criaccedilatildeo de modelos mentais artificiais Conforme veremos na conclusatildeo deste Tema 3 o ideal de objetividade e

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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[Satildeo Paulo] Unesp 1996

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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de universalidade da explicaccedilatildeo cientiacutefica eacute bastante controverso (na contemporaneidade esse ideal passa a ser visto sob a oacutetica dos sistemas complexos que natildeo exclui o pesquisador do seu universo de investigaccedilatildeo)

Neste Tema discutimos o meacutetodo Meacutetodo Sinteacutetico de anaacutelise dos estados e processos men-tais vigente na Ciecircncia Cognitiva e aceito natildeo sem resistecircncia em grande parte da Filosofia da Mente Trata-se do instrumento fundamental subjacente agrave modelagem mecacircnica da mente jaacute mencionado na disciplina Teoria do Conhecimento A partir de uma breve caracterizaccedilatildeo desse meacutetodo analisamos os seguintes toacutepicos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo situada e incorporada

Os toacutepicos acima foram elaborados com o objetivo de fornecer subsiacutedios para um debate criacutetico acerca do seguinte problema que direcionaraacute as reflexotildees do presente Tema O pensa-mento humano eacute estritamente mecacircnico ou envolve elementos natildeo mecacircnicos Como os demais problemas discutidos na disciplina de Filosofia da Mente este tambeacutem natildeo possui uma soluccedilatildeo consensual entre os seus pesquisadores deixando em aberto possibilidades de investigaccedilatildeo futura apoiadas em testes empiacutericos

31 A maacutequina de Turing e a maacutexima ldquoPensar eacute computarrdquo

Conforme indicado na disciplina Teoria do Conhecimento Alan Turing elaborou a hipoacutetese que pensar eacute computar atraveacutes da manipulaccedilatildeo de siacutembolos Nessa perspectiva ele argumenta que a natureza do pensamento inteligente pode ser explicada atraveacutes de modelos mecacircnicos processadores de informaccedilatildeo simboacutelica que executam a atividade de resoluccedilatildeo de problemas Ao inveacutes de desenvolver um sistema teoacuterico explicativo sobre a natureza do pensamento inteligente ele propocircs um meacutetodo de elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos para efetivamente realizarem operaccedilotildees que envolvem inteligecircncia

No artigo Maacutequinas e Inteligecircncia (Computing Machinery and Intelligence) originalmente publicado em 1950 na revista Mind (entatildeo sob a direccedilatildeo de Gilbert Ryle) Turing defende a mencionada hipoacutetese de que pensar eacute computar Ele argumenta que uma forma de escapar dos

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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labirintos especulativos sobre a natureza da mente (existentes na Filosofia e na Psicologia por seacuteculos) seria a construccedilatildeo efetiva de modelos mecacircnicos do pensamento inteligente Turing parece incorporar a mencionada maacutexima de Vico (17441976) segundo a qual ldquosaber eacute fazerrdquo Para Turing saberemos efetivamente como funciona a mente ao construir uma maacutequina pensante

Turing descreve sua maacutequina conhecida como ldquoMaacutequina de Turingldquo capaz de manipular um repertoacuterio fixo de siacutembolos segundo regras dadas atraveacutes de uma fita dividida em ceacutelulas um leitor moacutevel de estados um registro de estados e uma tabela de comportamentos possiacuteveis

A maacutequina concebida por Turing natildeo deve ser entendida no sentido comum do termo como um aparelho eleacutetrico que realiza movimentos fiacutesicos semelhantes por exemplo aos de uma maacutequina de costura Embora ela possa ser implementada em mecanismos fiacutesicos a maacutequina de Turing eacute um sistema abstrato universal trata-se de uma estrutura simboacutelica que reuacutene elementos relacionais que podem (ou natildeo) assumir a forma de maacutequinas fiacutesicas como eacute o caso dos computadores

Turing apresenta os fundamentos de sua maacutequina universal em um texto de 1936 mas para os propoacutesitos da nossa anaacutelise vamos apenas discutir o seu conhecido Teste de Turing elabo-rado no texto de 1950 sob a forma de um ldquojogo de imitaccedilatildeordquo De acordo com esse teste se um computador puder se fazer passar por um ser humano inteligente num diaacutelogo testemunhado por um juiz ele teria que ser reconhecido como inteligente Para compreender essa proposta (agrave primeira vista bizarra) vamos considerar o seguinte exemplo sugerido por Turing

Imagine que vocecirc um ser inteligente esteja trancado em um quarto e que no quarto vizinho exista uma maacutequina Um juiz humano situado em um terceiro cocircmodo formularaacute problemas do tipo ldquopor favor componha um poemardquo ldquosome 2570 a 13720 e extraia a raiz quadrada dessa somardquo ldquoconte uma piadardquo ldquodescreva um entardecerrdquo ldquodescreva os principais lances do jogo de futebol de ontemrdquo etc Esses problemas seratildeo escritos e colocados em baixo da porta dos dois quartos sendo solicitado aos seus ocupantes que os resolvam da melhor forma possiacutevel Dado certo tempo o juiz recolheraacute a folha de respostas e caso ele natildeo consiga distinguir quem eacute o autor das respostas a maacutequina teraacute passado no teste de Turing

A moral da histoacuteria eacute que dado que vocecirc de fato eacute um ser inteligente que resolveu apropria-damente os problemas e admitindo que a maacutequina conseguiu resolvecirc-los de modo igualmente

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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inteligente entatildeo ela teria tambeacutem que ser considerada inteligente Como Turing indica tanto vocecirc quanto a maacutequina poderiam propositalmente tentar enganar o juiz declarando por exem-plo que natildeo sabem escrever poemas que natildeo assistiu o jogo de futebol ou que natildeo consegue fazer caacutelculos complicados Sendo admitida a dissimulaccedilatildeo ela natildeo constitui um entrave para a realizaccedilatildeo do teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil imaginar as inuacutemeras criacuteticas (filosoacuteficas teoloacutegicas socioloacutegicas psicoloacutegicas entre outras) sofridas por Turing com sua revolucionaacuteria proposta de modelagem da mente atraveacutes de maacutequinas O proacuteprio Turing adianta-se e discute possiacuteveis objeccedilotildees a sua proposta no texto de 1950 Dentre as objeccedilotildees mais conhecidas na Filosofia da Mente destacam-se as elaboradas por Dreyfus no livro O que os computadores natildeo podem fazer e por Searle no artigo Mentes ceacuterebro e programas (Minds brains and programs) de 1980

No texto O que os computadores natildeo podem fazer Dreyfus desenvolve criacuteticas veementes ao projeto mecanicista da mente que se iniciara na deacutecada de 1960 denunciando seu aspecto ide-oloacutegico Ele ressalta a importacircncia da corporeidade das sensaccedilotildees e emoccedilotildees como elementos fundamentais no estudo da mente as quais os computadores natildeo podem em princiacutepio ter dado que natildeo satildeo seres vivos e natildeo possuem um corpo vivo

No mesmo vieacutes criacutetico de Dreyfus mas em termos mais moderados no artigo texto Mentes ceacuterebros e programas Searle propotildee o argumento do ldquoQuarto Chinecircsrdquo problematizando o teste de Turing Ele sugere uma situaccedilatildeo hipoteacutetica em que uma pessoa que natildeo sabe mandarim estaacute dentro de um quarto com todas as instruccedilotildees em seu proacuteprio idioma para manipular siacutembolos chineses Essa pessoa recebe cartotildees com siacutembolos chineses por uma pequena abertura em seu quarto e graccedilas agraves instruccedilotildees que possui em seu proacuteprio idioma consegue dar respostas des-tituiacutedas de significado para elas que ignora o mandarim mas que para um juiz externo criam a ilusatildeo de serem respostas significativas e adequadas

Cabe ressaltar que a pessoa que manipulou os siacutembolos natildeo sabe mandarim e nem aprendeu o idioma enquanto seguia as instruccedilotildees em sua proacutepria liacutengua Neste sentido ela estaacute apenas seguindo instruccedilotildees como uma maacutequina que opera sem a compreensatildeo do significado do que estaacute fazendo Este exemplo ilustra segundo Searle que o processamento de informaccedilotildees dos modelos mecacircnicos se limita agrave manipulaccedilatildeo da sintaxe sem entrar no domiacutenio do significado indispensaacutevel ao estudo da mente

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Em resumo o argumento de Searle procura ressaltar que embora modelos computacionais possam constituir ferramentas para o estudo da inteligecircncia eles natildeo constituem um bom instrumento explicativo sobre o funcionamento da mente

As criacuteticas elaboradas por muitos filoacutesofos bem como o fato que ateacute o momento nenhuma maacutequina conseguiu passar no teste de Turing por um tempo satisfatoacuterio colocam em xeque a adequaccedilatildeo da proposta de Turing para o estudo da mente Contudo o teste de Turing eacute consi-derado uma das bases fundamentais da Ciecircncia Cognitiva nas suas trecircs vertentes (i) Inteligecircncia Artificial Simboacutelica (ii) Redes Neurais Artificiais e (iii) Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada No toacutepico 32 apresentamos as principais caracteriacutesticas dessas vertentes

32 Trecircs Vertentes da Ciecircncia Cognitiva

O projeto ambicioso de Turing de explicar a natureza da mente atraveacutes da elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos propiciou o surgimento da Inteligecircncia Artificial das Redes Neurais Artificiais e da Roboacutetica Cognitiva esta uacuteltima tambeacutem conhecida como Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada Essas aacutereas de investigaccedilatildeo constituem as trecircs vertentes da Ciecircncia Cognitiva elas possuem em comum o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujos pressupostos centrais satildeo

(i) A hipoacutetese de que a modelagem mecacircnica de processamento de informaccedilatildeo fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a explicaccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

(ii) Estados mentais devem ser analisados em termos internalistas eles satildeo internos aos sis-temas processadores de informaccedilatildeo

(iii) O teste de Turing eacute um balizador do sucesso de um modelo ndash ele indica a compreensatildeo por parte do programador das principais etapas do pensamento inteligente responsaacutevel pela resoluccedilatildeo de problemas

A partir dos pressupostos acima modelos mecacircnicos satildeo elaborados como substitutos de teorias explicativas da atividade mental inteligente Conforme ressalta Dupuy a noccedilatildeo de modelo assume na Ciecircncia Cognitiva uma nova dimensatildeo explicativa

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

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(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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[] se trata de uma idealidade no mais das vezes formalizada e matema-tizada que sintetiza um sistema de relaccedilotildees [] O modelo eacute como uma forma abstrata que vem encarnar-se ou realizar-se nos fenocircmenos (1996 p 23)

Parte do que se faz nesta aacuterea de pesquisa interdisciplinar que envolve tambeacutem a Compu-taccedilatildeo e a Roboacutetica tem interesse estritamente tecnoloacutegico e natildeo possui estreita relaccedilatildeo com as pesquisas propriamente filosoacuteficas Contudo o que interessa para o presente estudo eacute a sua parceria com a Filosofia da Mente e a Semioacutetica na medida em que ela fornece subsiacutedios para o estudo da natureza informacional dos processos de pensamento

Aleacutem do mencionado artigo de Turing (1950) outro texto escrito por Hilary Putnam em 1960 intitulado A natureza dos estados mentais (The nature of mental states) deu inicialmente sustentaccedilatildeo agrave hipoacutetese mecanicista da mente Nesse texto Putnam adota a perspectiva funcio-nalista jaacute mencionada da muacuteltipla realizabilidade

De acordo com a perspectiva da muacuteltipla realizabilidade diferentes estruturas fiacutesicas podem conduzir ao mesmo resultado funcional na realizaccedilatildeo de uma tarefa Assim por exemplo a operaccedilatildeo de adiccedilatildeo pode ser realizada atraveacutes do agrupamento de maccedilatildes da manipulaccedilatildeo de um aacutebaco de madeira ou de uma calculadora digital Nessa perspectiva Putnam (1960) argumenta que estados mentais satildeo estados funcionais que se estabelecem atraveacutes de relaccedilotildees causais entre estiacutemulos sensoriais (inputs) outros estados mentais e comportamentos (outputs)

Adotando a hipoacutetese da muacuteltipla realizabilidade os cientistas cognitivos dos anos de 1960 julgavam que para modelar processos mentais seria preciso entender os seus mecanismos funcio-nais e natildeo o substrato material que os instancia Essa concepccedilatildeo funcionalista da mente aliada agrave proposta mecanicista de Turing forneceu as ferramentas teoacutericas necessaacuterias para a modelagem de processos cognitivos entatildeo concebidos como capacidades funcionais de processamento de informaccedilatildeo O funcionalismo computacional constitui os alicerces da aacuterea de pesquisa conhecida como Inteligecircncia Artificial que adota o meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise na modelagem de processos que se supotildeem presentes no pensamento inteligente

Uma versatildeo do meacutetodo analiacutetico de grande interesse para Inteligecircncia Artificial e para as Redes Neurais Artificiais eacute denominado meacutetodo sinteacutetico de anaacutelise cujo pressuposto central eacute

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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a hipoacutetese de que a modelagem fornece subsiacutedios fundamentais para a compreensatildeo e a expli-caccedilatildeo da natureza dos estados e processos mentais

Explicitaremos neste Tema trecircs faces da modelagem mecacircnica da mente com vistas agrave tenta-tiva de explicaccedilatildeo de sua dinacircmica Inteligecircncia Artificial Conexionismo e Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada

(i) Inteligecircncia Artificial

A Inteligecircncia Artificial (IA) eacute tradicionalmente dividida em duas vertentes IA forte e IA fraca representadas pelos projetos de Simulaccedilatildeo Cognitiva e de Reproduccedilatildeo Cognitiva Ainda que natildeo exista uma linha niacutetida separando as duas vertentes podemos dizer que uma distinccedilatildeo baacutesica entre elas reside no suposto grau de realidade psicoloacutegica dos modelos elaborados pelos pesquisadores nos seus respectivos domiacutenios de estudo

Em resumo a diferenccedila central entre a IA fraca e a IA forte reside no pressuposto de que de acordo com a IA forte a modelagem computacional efetivamente apresenta um comportamento inteligente maacutequinas devidamente programadas pensam Em contraste os pesquisadores da IA fraca supotildeem que os modelos mecacircnicos apenas simulam adequadamente tais comportamentos

Apesar de distintos os projetos da IA forte e da IA fraca tecircm em comum a estrateacutegia de investigar as estruturas de siacutembolos supostamente responsaacuteveis pelo comportamento inteligente Enquanto a IA fraca se espelha no ser humano para elaborar os seus modelos os pesquisadores da IA forte pretendem explicar a natureza dos processos mentais responsaacuteveis pelo comporta-mento inteligente seja de uma maacutequina ou de um animal

Como indicado o estudo dos processos mentais eacute feito com o auxilio do meacutetodo sinteacutetico que permite a construccedilatildeo de modelos na forma de programas para explicar atraveacutes do computador digital segmentos do comportamento inteligente

O que deve ser entendido por ldquocomportamento inteligenterdquo eacute uma questatildeo controversa Contudo a tendecircncia geral dos pesquisadores da IA eacute considerar que uma caracteriacutestica baacutesica desse comportamento eacute a capacidade de resolver problemas Eacute nesse sentido que Margaret Boden em Inteligecircncia artificial e o homem natural (Artificial Intelligence and Natural Man) afirma

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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A inteligecircncia pode ser definida como a habilidade criativa de um sistema para manipular siacutembolos ou processos de informaccedilatildeo dadas as exigecircncias da tarefa em questatildeo (1977 p 17)

Tendo em vista essa concepccedilatildeo de inteligecircncia os trabalhos desenvolvidos na IA fraca dizem respeito agrave simulaccedilatildeo do comportamento humano durante a atividade de resoluccedilatildeo de problemas No caso da IA forte existe uma preocupaccedilatildeo menor por parte dos pesquisadores para com o grau de realidade psicoloacutegica humana dos modelos Retirando o ser humano do centro do universo cognitivo os defensores da IA forte como Newel e Simon (1972) e Minsky (1976 2006) por exemplo julgam ser de pouca relevacircncia a questatildeo de se os processos empregados pela maacutequina na execuccedilatildeo de tarefas que exigem inteligecircncia satildeo semelhantes (ou natildeo) agravequeles utilizados pelos seres humanos

Para realizar a modelagem os cientistas da IA elaboram um programa particular que possa realizar uma determinada tarefa e consideram a seguir quais aspectos desse programa seriam necessaacuterios para que um sistema qualquer executasse tal tarefa Como indica Gonzalez (1984) o pressuposto dessa teacutecnica de modelagem eacute a de que os macroprocessos manifestos no com-portamento inteligente podem ser devidamente explicados reduzindo-os a mecanismos simples aacutetomos hipoteacuteticos chamados ldquoprocessos elementares de informaccedilatildeordquo Os sistemas que executam tais processos satildeo conhecidos em IA como ldquosistemas de processamento de informaccedilatildeordquo

Apesar dos resultados alcanccedilados pelos modelos mecacircnicos construiacutedos a partir da deacutecada de 1970 durante os anos de 1980 o entusiasmo dos pesquisadores foi progressivamente diminuiacutedo diante das vaacuterias dificuldades que enfrentaram e que foram apontadas por filoacutesofos como Baker (1976) Dreyfus (1979) Searle (1980) que mostraram a fragilidade de pressupostos da IA na explicaccedilatildeo dos processos mentais Especial criacutetica sofreu o pressuposto estritamente simboacutelico da IA que desconsidera o papel do corpo nos processos cognitivos Para lidar com essa dificul-dade os modelos de redes neurais artificiais entraram em cena

(ii) Redes Neurais Artificiais

Na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pelos modelos tradicionais da IA de manipulaccedilatildeo de siacutembolos cientistas cognitivos (dentre os quais se destacam Hopfield 1982 Rumelhart e McClelland 1986 Kohonen 1989 dentre outros) propuseram a retomada de um

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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tipo de modelagem conhecido como Redes Neurais Artificiais Entre esses primeiros modelos estatildeo aqueles propostos por McCulloch e Pitts em 1943 Tais redes constituem a ferramenta de trabalho da vertente conhecida como Conexionismo elas possuem certa inspiraccedilatildeo bioloacutegica e possibilitam que leis fiacutesicas sejam consideradas no estudo da mente

As redes neurais artificiais satildeo modelos dotados da capacidade de processamento de infor-maccedilatildeo em paralelo tendo por base a interaccedilatildeo de unidades denominadas neurocircnio-siacutemile que lhes permitem aprender com treinamento e melhorar suas performances Um dos objetivos desta nova forma de modelagem eacute levar em consideraccedilatildeo aspectos fiacutesicos e natildeo apenas simboacutelicos como faziam os modelos da IA

Natildeo entraremos em detalhes teacutecnicos sobre os processos de treinamento de redes neurais mas julgamos interessante estabelecer um certo paralelo entre eles e a concepccedilatildeo humeana de formaccedilatildeo das ideacuteias Como sabemos para Hume (1996) as ideacuteias se formam atraveacutes da repe-ticcedilatildeo de dados sensoriais que se apresentam aos oacutergatildeos dos sentidos deixando uma impressatildeo no palco da mente Tais impressotildees inicialmente viacutevidas satildeo filtradas dando lugar agraves impres-sotildees menos viacutevidas e mais abstratas que constituem as ideacuteias Uma vez formadas as ideacuteias satildeo organizadas de acordo com trecircs princiacutepios fundamentais (a) Associaccedilatildeo (b) Causa e efeito (c) Contiguumlidade Esses mesmos princiacutepios podem ser encontrados em muitos dos modelos de redes neurais artificiais treinados para criar e reconhecer padrotildees informacionais nos estiacutemulos representativos de diversos objetos que lhes satildeo apresentados

Entre os modelos conexionistas mais interessantes se destacam as redes neurais de Kohonen (1989) que envolvem processos de auto-organizaccedilatildeo Tais redes aprendem de modo auto--organizado a criar e a reconhecer padrotildees informacionais em estiacutemulos representativos de diversos objetos Uma reflexatildeo filosoacutefica dos processos de auto-organizaccedilatildeo em redes neurais pode ser encontrado em Gonzalez (1992 1996) Interessa ressaltar aqui de forma resumida as seguintes caracteriacutesticas centrais dos processos de auto-organizaccedilatildeo presentes em redes neurais (1) eles se desenvolvem sem um centro direcionador especifico preestabelecido (2) eles resultam da interaccedilatildeo espontacircnea entre elementos distintos e (3) eles possibilitam a formaccedilatildeo de padrotildees ou sistemas que aprendem com a repeticcedilatildeo e com mecanismos de ajuste Incorporando os recursos (1)-(3) os modelos conexionista auto-organizados satildeo treinados para reconhecer faces objetos em geral padrotildees sonoros entre muitos outros independente de uma programaccedilatildeo fixa

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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estabelecida no plano simboacutelico (macroscoacutepico) de anaacutelise Os padrotildees que eles aprendem a reconhecer emergem da interaccedilatildeo entre as unidades neurocircnio siacutemile no plano fiacutesico micros-coacutepico de estruturaccedilatildeo da rede neural artificial

Os conexionistas argumentam que os padrotildees formados nas redes neurais artificiais reuacutenem elementos indicativos do conteuacutedo informacional dos objetos reconhecidos superando dessa forma as criacuteticas do tipo ldquoQuarto Chinecircsrdquo que enfraquecia o poder explicativo dos modelos da IA simboacutelica

Embora seja discutiacutevel o avanccedilo propiciado pelo projeto de pesquisa conexionista em sua tentativa de superaccedilatildeo dos problemas proacuteprios aos modelos da IA tradicional cabe destacar que modelos de redes neurais satildeo frequumlentemente instanciados em maacutequinas de Turing sem prejuiacutezo para sua performance Por tal razatildeo os defensores da IA tradicional alegam que no limite o processamento em paralelo das redes neurais pode ser reduzido ao processamento simboacutelico sequumlencial proacuteprio da maacutequina de Turing Se assim for a despeito dos esforccedilos dos idealizadores dos modelos de redes neurais de superarem problemas dos modelos simboacutelicos alguns deles reaparecem em alguma medida sobretudo relacionados agrave reduccedilatildeo funcional que propiciam

Ainda que permaneccedila em aberto a polecircmica sobre a relaccedilatildeo do conexionismo com o fun-cionalismo computacional da IA o fato eacute que ambos acabam por subestimar a relevacircncia da accedilatildeo efetiva dos modelos em sua fraacutegil relaccedilatildeo com o meio ambiente e com o corpo no estudo dos processos mentais Como veremos a seguir uma vez mais na tentativa de superar essa dificuldade uma nova vertente da Ciecircncia Cognitiva denominada Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada surge na deacutecada de 1990 em parceria com a roboacutetica

(iii) Cogniccedilatildeo incorporada e situada

Como indicamos esta perspectiva teoacuterica comeccedila a se delinear a partir dos anos de 1990 e tem como pressuposto central a hipoacutetese que os processos mentais e o comportamento inte-ligente estatildeo diretamente relacionados agrave complexa rede de interaccedilotildees entre os organismos e o meio ambiente Ao ressaltar o aspecto corporal dos processos mentais esta abordagem destaca a integraccedilatildeo e a interdependecircncia existente entre processos corpoacutereos em geral (metaboacutelicos hormonais etc) e os processos mentais Aleacutem disso esta abordagem chama a atenccedilatildeo para as

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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relaccedilotildees que o organismo estabelece com o meio ambiente em que estaacute fiacutesicamente situado e a influecircncia que caracteriacutesticas ambientais tecircm no desenvolvimento de processos mentais

Cognitivistas como Clark (2001 2008) e Haselager (2004) entendem que eacute preciso criar modelos roboacuteticos corpoacutereos e ambientalmente situados que sejam capazes de desempenhar performances inteligentes anaacutelogas agraves que efetuam os organismos bioloacutegicos A elaboraccedilatildeo de tais modelos visa ressaltar a importacircncia dos processos de auto-organizaccedilatildeo para lidar com os desafios e imprevistos que surgem em ambientes natildeo controlados Em especial a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada focaliza a relaccedilatildeo corpoambiente em sua permanente (e de dupla matildeo) busca por ajustes para a adaptaccedilatildeo agraves novas variaacuteveis que tal interaccedilatildeo dinacircmica gera Uma das grandes virtudes desta abordagem eacute que ela permite levar em consideraccedilatildeo uma multiplicidade de fatores hoje reconhecidos relevantes para a compreensatildeo dos processos mentais que ateacute entatildeo foram preteridos pelas vertentes da IA e das redes neurais artificiais

Na contemporaneidade a Cogniccedilatildeo Incorporada e Situada propotildee modelos dos processos e estados mentais que possuem uma certa plausibilidade bioloacutegica inclusive levando em conta fatores envolvendo a multiplicaccedilatildeo e a complexificaccedilatildeo das possibilidades de interaccedilatildeo dos modelos mecacircnicos (agora na forma de robocircs) com o ambiente e do ambiente com tais modelos

Em siacutentese o suporte filosoacutefico da Cogniccedilatildeo Situada e Incorporada eacute fornecida pelas teorias de Auto-organizaccedilatildeo da Filosofia Ecoloacutegica e da Neurofilosofia as quais investigam fenocircmenos emergentes da interaccedilatildeo dinacircmica entre elementos constituintes de sistemas complexos Con-tudo entendemos que apesar dos avanccedilos realizados nesta nova vertente da Ciecircncia Cognitiva ainda temos aqui os principais pressupostos do meacutetodo sinteacutetico quais sejam

1 A Cogniccedilatildeo eacute uma capacidade individual interna dos sistemas que processam informaccedilatildeo

2 Uma forma apropriada de verificar a forccedila explicativa das hipoacuteteses sobre a natureza dos processos e estados mentais reside na elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos robocircs auto-organizados

3 O sucesso da modelagem deve ser avaliado pelo teste de Turing

Natildeo eacute difiacutecil de se imaginar que a manutenccedilatildeo dos pressupostos do meacutetodo sinteacutetico e con-seguintemente da hipoacutetese mecanicista no estudo dos processos mentais continua gerando

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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grande indignaccedilatildeo entre filoacutesofos teoacutelogos psicoacutelogos entre outros Uma amostra dessa indig-naccedilatildeo pode ser percebida na seguinte passagem de Kravchenko

Tenho grande respeito por Alan Turing mesmo que seja por uma simples razatildeo poucos cientistas foram capaz de enfeiticcedilar de modo tatildeo profundo as mentes de outros pesquisadores no estudo da cogniccedilatildeo cegando-os em relaccedilatildeo a qualquer evidecircncia empiacuterica eou argumentos teoacutericos contra o famigerada hipoacutetese de que pensar eacute computar (2007)

Como indicamos no iniacutecio deste Tema a nossa problemaacutetica central que organizou a presente reflexatildeo consiste em apresentar evidecircncias sobre a plausibilidade da hipoacutetese mecanicista da natureza do pensamento Vimos que uma das motivaccedilotildees centrais para a elaboraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente na Ciecircncia Cognitiva reside na aparente dificuldade gerada pelo fato que os estudiosos da mente tecircm que recorrer agrave proacutepria mente para analisar a mente

Contudo o argumento da suposta dificuldade de a mente ser seu proacuteprio objeto de estudo natildeo parece ser uma autecircntica dificuldade Pois que tipo de problema teriacuteamos aiacute Falta de distanciamento do objeto de estudo Talvez seja interessante diferenciar objetividade e natildeo--envolvimento Seraacute que o envolvimento em um tema compromete seriamente a objetividade do sujeito Haacute inuacutemeros contraexemplos para desafiar esta crenccedila Os melhores historiadores costumam ser filhos da proacutepria cultura que estudam e natildeo raro testemunhas dos acontecimen-tos que descrevem Um aviatildeo consegue medir sua proacutepria velocidade com excelente precisatildeo atraveacutes de inferecircncias dentre muitos outros exemplos

Alguns criacuteticos admitem que se o fato de a mente ser concomitantemente instrumento e objeto de estudo constitui um problema seacuterio natildeo fica claro por que ou como modelos mecacircnicos da mente ajudam a superar esta dificuldade Em Direito os juiacutezes tendem a rejeitar testemunhas que tenham grau de parentesco com o reacuteu nem tanto pelo fato de haver envolvimento emo-cional (a viacutetima tambeacutem costuma ter envolvimento emocional com o reacuteu e no entanto seu testemunho costuma ser muito valorizado) mas principalmente porque por questotildees de lealdade ou solidariedade com o reacuteu os parentes podem produzir falsos testemunhos Poreacutem se a uacutenica testemunha de um crime eacute um parente de primeiro grau do reacuteu ou da viacutetima seu depoimento eacute levado em conta pelos juiacutezes

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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Aleacutem das objeccedilotildees acima eacute importante lembrar que nos estudos atuais dos sistemas com-plexos meacutetodos recorrentes nos quais aparentemente haacute uma circularidade satildeo amplamente utilizados seja na matemaacutetica na computaccedilatildeo na engenharia etc (por ex para calcular o fatorial de qualquer nuacutemero eacute muito comum usar algoritmos com recorrecircncia) Computado-res satildeo utilizados para fabricar outros computadores ou para fazer um autoteste (para detectar possiacuteveis problemas) Animais fazem autoexames e tomam decisotildees para superarem algum problema de sauacutede

As consideraccedilotildees acima sugerem que o problema em discussatildeo natildeo parece ser de objetividade e universalidade Ele parece ser de outra natureza da falta de conhecimento baacutesico elementar sobre como seres dotados de mente armazenam e resgatam informaccedilotildees significativas e como elas auxiliam na organizaccedilatildeo do pensamento e da accedilatildeo Somente o conhecimento da regiatildeo de ativaccedilatildeo de um mecanismo ou de sua interaccedilatildeo mecacircnica com o meio natildeo parece ser suficiente para explicar o funcionamento desse complexo sistema de relaccedilotildees

Conforme sugere Edgar Morin no livro Ciecircncia com Consciecircncia a nova ciecircncia seja da mente ou de qualquer outro objeto de investigaccedilatildeo exige que se inclua natildeo apenas o olhar do observador em suas investigaccedilotildees mas e principalmente a Consciecircncia desse olhar que marca a caracteriacutestica central dos sistemas complexos Entretanto como entender a natureza da ldquoconsci-ecircnciardquo Trata-se como eacute consensual na Filosofia da mente do problema (realmente) difiacutecil que passaremos a discutir no Tema 4 A nossa sugestatildeo no presente Tema eacute que os poacutes-graduandos discutam criticamente as hipoacuteteses aqui apresentadas para que entatildeo possam compreender o mais difiacutecil dos nossos objetos de investigaccedilatildeo a natureza da consciecircncia

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Tema 2

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bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

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University 2008

bull COSTA C Filosofia da mente Rio de Janeiro Zahar 2005

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior 3 ed Rio

de Janeiro Bertrand Brasil 1994

bull DEWEY J The influence of darwinism on philosophy New York Henry Holt 1910

Disponiacutevel em lthttpwwwarchiveorgstreaminfluenceofdarwi00deweuoftpagen3

mode2upgt Acesso em 03 maio 2011

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bull LECLERC A A concepccedilatildeo externalista de pessoa In BROENS M C MILIDONI C B

Sujeito e identidade pessoal estudos de filosofia da mente Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2003

bull LOCKE J Ensaio sobre o entendimento humano Introduccedilatildeo notas e traduccedilatildeo de Eduardo

Abranches Soveral Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1999

bull PARFIT D Personal identity The Philosophical Review Durham (USA) v 80 n 1 1971 p 03-27

bull ______ Personal identity and racionality Synthese Toronto n 53 p 227-241 1982 Disponiacutevel

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pdfgt Acesso em 11 maio 2011

bull PUTNAM H Mind language and reality Cambridge Cambridge University 1975

bull RYLE G The concept of mind London Penguin 2000

bull SIDER T O conceito de identidade pessoal Traduccedilatildeo Vitor Guerreiro In CONEE E

SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

Tema 3

bull BAKER L R Saving Belief a critique of phsicalism [New Jersey] Princeton University Press 1987

bull BODEN M The artificial intelligence and the natural man Hassocks The Harvbester Press Ltd 1977

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University Press 2001

bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DREYFUS H What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence Revised

edition New York Harper and Row 1979

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TEMASU

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bull DUPUY JP Nas origens das ciecircncias cognitivas Traduccedilatildeo de Roberto Leal Ferreira Manha

[Satildeo Paulo] Unesp 1996

bull GONZALEZ M E Q Metodologia da descoberta cientiacutefica e inteligecircncia artificial 1984

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

XIX In EVORA F R R O seacuteculo XIX O nascimento da ciecircncia contemporacircnea Campinas

Unicamp 1992 (Coleccedilatildeo CLE)

bull GONZALEZ M E Q Accedilatildeo causalidade e ruiacutedo nas redes neurais auto-organizadas

DEBRUN M A GONZALEZ M E Q PESSOA JR O (Eds) Auto-organizaccedilatildeo

Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

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bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

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Paulo Edunesp 2001

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bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

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bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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TEMASU

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bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

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Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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Intencionalidade e Consciecircncia

No tema anterior indicamos algumas das principais tendecircncias contemporacircneas para a ela-boraccedilatildeo de modelos mecacircnicos da mente Umas das dificuldades enfrentadas por essa agenda de pesquisa a qual pressupotildee que ldquocompreender eacute fazerrdquo diz respeito agrave tentativa de explicitar nesses modelos duas caracteriacutesticas inegaacuteveis da mente a saber a Intencionalidade e a Consci-ecircncia No presente Tema vamos analisar as concepccedilotildees concernentes a estas duas caracteriacutesticas a partir de trecircs problemas centrais (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os principais componentes dos estados atos e eventos intencionais (iii) A Intencionalidade eacute uma caracte-riacutestica da consciecircncia Estes trecircs problemas direcionaratildeo nosso estudo neste tema

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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41 Intencionalidade originaacuteria e intencionalidade derivada

Haacute vaacuterias controveacutersias na Filosofia da Mente em torno da possibilidade de haver uma intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca Por intencionalidade originaacuteria se entende uma Intencionalidade (com ldquoIrdquo maiuacutescula) capaz de conferir intencionalidade (a capacidade de representar) a outras representaccedilotildees mas que tira por assim dizer de seu proacuteprio fundo a capacidade de representar As representaccedilotildees mentais (crenccedilas desejos intenccedilotildees lembranccedilas etc) teriam essa capacidade de representar por si soacute enquanto outras representaccedilotildees em geral representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas derivam a capacidade de representar dessa Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria da mente

Se de um lado alguns eventos mentais natildeo parecem prima facie intencionais (como as dores e outras experiecircncias sensoriais) por outro lado enfrentamos agora um problema diametralmente oposto coisas que natildeo satildeo mentais exemplificam a propriedade de serem acerca de algo e assim satildeo intencionais Exemplos de tais coisas satildeo palavras e frases graacuteficos partituras retratos fotografias desenhos mapas dentre muitos outros Assim o nome ldquoDilma Rousseffrdquo refere--se agrave Dilma Rousseff a palavra ldquocadeirardquo refere-se agraves cadeiras a curva de um graacutefico impresso no jornal pode representar o aumento da intenccedilatildeo de voto em um determinado candidato a governador e uma fotografia em preto e branco de minha casa eacute acerca de minha casa Como isso eacute possiacutevel Como coisas fiacutesicas podem ldquose lanccedilar fora de sirdquo em direccedilatildeo a outros objetos

A resposta mais oacutebvia eacute que a intencionalidade dessas representaccedilotildees fiacutesicas eacute derivada da intencionalidade originaacuteria ou intriacutenseca da mente que as concebeu ou construiu A fotografia de minha casa eacute uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica mas o que existe realmente eacute um pedaccedilo de papel e tinta distribuiacuteda em pontos pretos na superfiacutecie branca do papel Minha casa natildeo estaacute realmente na fotografia em branco e preto mas ela estaacute representada nela para quem olha e tem recursos conceituais suficientes para identificar uma casa

As representaccedilotildees fiacutesicas e puacuteblicas pressupotildeem capacidades representacionais de agentes cognitivos e seus estados atos e eventos mentais Dizer desses estados atos e eventos mentais que eles satildeo intrinsecamente intencionais pode ser uma maneira de evitar uma regressatildeo infinita (a capacidade de representar de certas representaccedilotildees natildeo pode depender sempre da capacidade de representar de outras representaccedilotildees) Um problema conhecido como ldquoo problema de Bren-tanordquo deve ser mencionado aqui Ele pode ser assim formulado Como um sistema fiacutesico um

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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organismo digamos um ceacuterebro ou sistema nervoso completo pode produzir e manter estados que satildeo acerca de outras coisas De onde vem a capacidade dos estados mentais de representar de ser acerca de algo Uma resposta possiacutevel seria que essa capacidade resulta em uacuteltima ins-tacircncia da atividade eletroquiacutemica do ceacuterebro

Os fisicalistas propotildeem uma explicaccedilatildeo ldquode baixo para cimardquo dos neurocircnios para os estados mentais intencionais Poreacutem nada do que acontece no ceacuterebro pode ser descrito como sendo acerca de algo O ceacuterebro eacute um produto da evoluccedilatildeo e o que acontece nele satildeo eventos e fatos brutos

A ideacuteia de que existe uma intencionalidade intriacutenseca foi fortemente criticada por Hilary Putnam (1981) que assemelha essa maneira de ver a uma versatildeo da concepccedilatildeo maacutegica da lin-guagem Noacutes vemos regularmente no cinema maacutegicos recitando foacutermulas usualmente em liacutenguas mortas e a pronuncia o som produzido tem poderes causais desencadeia processos que desafiam as leis da fiacutesica As palavras que usamos satildeo compostas de sons e marcas graacuteficas que tecircm propriedades intriacutensecas Posso escrever a palavra ldquoLuardquo num quadro com um pedaccedilo de giz a soma de todas as moleacuteculas de giz tem de fato uma certa massa e outras proprieda-des que os fiacutesicos e quiacutemicos poderiam descrever No entanto nenhuma dessas propriedades determina as condiccedilotildees normativas de aplicaccedilatildeo do termo ldquoLuardquo (seu sentido) e o fato de essa palavra ter o sateacutelite da Terra como referente

A relaccedilatildeo entre um nome (uma representaccedilatildeo puacuteblica) e o que ele designa eacute contingente convencional a posteriori e natildeo depende em nada das propriedades intriacutensecas de uma inscriccedilatildeo concreta sonora ou graacutefica do nome em questatildeo Por que seria diferente com as representaccedilotildees mentais Como Donald Davidson (2001) observa a palavra ldquoserpenterdquo passou a ser usada para referir a serpentes porque ela foi usada em contextos onde serpentes estavam presentes Por-tanto o que confere um significado ou a capacidade de representar a uma representaccedilatildeo fiacutesica e puacuteblica satildeo relaccedilotildees causais com elementos no ambiente e o fato dessas representaccedilotildees serem usadas regularmente e de forma padronizada por agentes cognitivos A tese dos externistas como Putnam e Davidson eacute que o mesmo vale para as representaccedilotildees mentais privadas e subjetivas

Muitos de nossos pensamentos envolvem relaccedilotildees causais diretas ou indiretas com objetos ou substacircncias no ambiente Os filoacutesofos chamam esses pensamentos de ldquopensamentos de rerdquo (do latim significando ldquoda coisardquo) Eles envolvem o proacuteprio objeto e natildeo uma representaccedilatildeo

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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dele Posso querer um barco especifico que eu vi recentemente na marina da minha cidade ou posso querer um barco que ainda natildeo existe aquele que eu gostaria de construir um dia No segundo caso meu desejo tem um caraacuteter geral algo um certo barco que ainda natildeo existe eacute qualquer X que poderia satisfazer meu desejo No primeiro caso a situaccedilatildeo eacute totalmente dife-rente o barco existe eu o vi eacute esse que eu quero natildeo qualquer um que satisfaz certas condiccedilotildees O que temos aqui eacute a motivaccedilatildeo para a distinccedilatildeo tradicional entre atitudes de re e atitudes de dicto (do latim significando ldquoda palavrardquo ndash ou frase ou conceito) Uma crenccedila ou desejo de dicto eacute geral e tem conteuacutedo conceitual enquanto uma crenccedila ou desejo de re envolve o proacuteprio objeto da crenccedila ou do desejo O desejo amoroso eacute do tipo de re qualquer pessoa apaixonada ficaria muito decepcionada ao descobrir que numa certa noite estaacute namorando natildeo a pessoa amada mas um clone ou uma soacutesia A identidade do estado mental neste caso depende da identidade do objeto

Vamos imaginar que estou visitando um museu com um amigo e diante da tela de uma grande mestre holandecircs bem ao lado do amigo que estaacute olhando a mesma tela eu digo ldquoImpressio-nanterdquo Meu amigo sabe imediatamente qual eacute o objeto intencional o foco da minha emoccedilatildeo O conteuacutedo representacional do meu estado mental nesta situaccedilatildeo envolve uma relaccedilatildeo direta com o objeto e natildeo por meio de um conceito ou conteuacutedo representacional Eacute faacutecil imaginar uma situaccedilatildeo em que algueacutem refere sem querer a algo depois de um dia difiacutecil por exemplo eu penso e digo ldquoHoje foi um dia difiacutecilrdquo Sem saber formei essa crenccedila e essa afirmaccedilatildeo alguns segundos depois de meia noite e passei sem saber a me referir ao dia seguinte Alguns filoacuteso-fos (SEARLE 1983 CHISHOLM 1981) acreditam que toda referecircncia a um objeto sempre pressupotildee um conteuacutedo representacional completo isto eacute um conteuacutedo proposicional e que toda atitude eacute sempre de dicto Outros mais numerosos seguem Burge (1977) e admitem atitudes de re Por enquanto essa discussatildeo estaacute ainda em aberto com certa vantagem para os partidaacuterios das atitudes de re e da referecircncia direta As crenccedilas e desejos de re representam uma forma mais primitiva de intencionalidade que nos coloca mais diretamente em interaccedilatildeo com o mundo

Em siacutentese neste tema tratamos da Intencionalidade segundo Brentano e Searle para os quais ela eacute uma caracteriacutestica fundamental da mente No primeiro toacutepico trecircs questotildees guiaram nossa exposiccedilatildeo (i) O que eacute a Intencionalidade (ii) Quais satildeo os componentes essenciais dos atos e estados intencionais (iii) Eacute a Intencionalidade uma caracteriacutestica da consciecircncia ou se alguns estados inconscientes natildeo seriam tambeacutem intencionais Em seguida examinemos as

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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formas de Intencionalidade originaacuteria e derivada e uma critica importante a proacutepria ideacuteia de Intencionalidade intriacutenseca ou originaacuteria Consideremos tambeacutem uma forma de relaccedilatildeo mais direta a um objeto que envolve necessariamente conceitos O debate sobre Intencionalidade na filosofia contemporacircnea evoluiu levantando essas questotildees que permanecem na ordem do dia nos estudos da Filosofia da Mente

42 Consciecircncia e subjetividade

(i) No que diz respeito ao primeiro problema a partir das concepccedilotildees de Brentano (1944) e Husserl (1969) a Intencionalidade pode ser definida de maneira simples por meio da caracteriacutestica de atos eventos e estados mentais conterem um objeto representado (existente ou natildeo) ou de serem acerca de algo ou ainda de serem orientados para um objeto (ou estado de coisas ou fato) Assim por exemplo numa lembranccedila de meu pai ele eacute representado na minha mente minha percepccedilatildeo de uma maccedilatilde eacute percepccedilatildeo de uma maccedilatilde jaacute no ato de imaginar uma sereia algo natildeo existente eacute representado Nestes exemplos temos objetos representados sejam eles existentes ou natildeo Aleacutem disso esses objetos agraves vezes remetem a acontecimentos passados ou futuros como eacute o caso da crenccedila de que a seleccedilatildeo brasileira ganhou a Copa do Mundo de 2002 e minha intenccedilatildeo de visitar Londres na qual vaacuterias atividades futuras a serem realizadas satildeo representadas como visitar o Museu Britacircnico o Palaacutecio de Buckingham etc Natildeo seria um exagero dizer que sem essa caracteriacutestica fundamental de nossa mente muitos filoacutesofos adeptos da concepccedilatildeo de Brentano (1944) Husserl (1969) ou de Searle (1983) consideram que natildeo haveria um mundo para noacutes natildeo poderiacuteamos assistir e participar do espetaacuteculo do mundo

No estudo da Intencionalidade os trabalhos de Franz Brentano (1838-1917) constituem um ponto de referecircncia central ao introduzir a noccedilatildeo de Intencionalidade na filosofia contemporacircnea como caracteriacutestica distintiva do mental ou de todos os ldquofenocircmenos psiacutequicosrdquo Brentano falava da ldquoinexistecircncia intencionalrdquo Trata-se simplesmente de admitir a possibilidade da existecircncia de algo apenas enquanto representado na mente (na crenccedila no desejo na lembranccedila na percepccedilatildeo etc) independentemente de sua efetiva materialidade O prefixo ldquoinrdquo de ldquoinexistecircnciardquo eacute um prefixo de localizaccedilatildeo natildeo de negaccedilatildeo a palavra ldquoinexistecircnciardquo significa o mesmo que ldquoexistir emrdquo mais precisamente existir em uma representaccedilatildeo Em uma fotografia de meu filho por exemplo na medida em que eacute apenas uma representaccedilatildeo ele inexiste intencionalmente (mas natildeo realmente) na foto Nenhum fenocircmeno fiacutesico exibe essa caracteriacutestica proacutepria dos estados

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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atos e eventos mentais (subjetivas) e de outras representaccedilotildees fiacutesicas (puacuteblicas) de ter em si um conteuacutedo que representa algo A Intencionalidade eacute para Brentano o que delimita o domiacutenio da Psicologia e da Filosofia da Mente Ela eacute a marca do ldquomentalrdquo (BRENTANO 1944)

A tese de Brentano eacute precisamente a tese de que todo fenocircmeno psiacutequico eacute intencional tudo o que eacute mental tem essa caracteriacutestica Seu disciacutepulo mais famoso Edmund Husserl (1859-1938) o fundador da Fenomenologia fez da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia a consciecircncia segundo Husserl eacute sempre consciecircncia de algo e cada ato de pensar (cogito) ou cada ldquovivecircncia intencionalrdquo comporta em si seu objeto pensado (cogitatum) seu objeto intencional (HUSSERL 1969)

Na tradiccedilatildeo fenomenoloacutegica de BrentanoHusserl a referecircncia mental a um objeto na percepccedilatildeo na memoacuteria na imaginaccedilatildeo ou em geral no pensamento depende exclusivamente da mente que parece ldquose lanccedilarrdquo fora de si para alcanccedilar seu objeto A intencionalidade eacute um ldquodirigir-se a algordquo Como eacute perfeitamente possiacutevel dirigir-se a algo que natildeo existe ela natildeo eacute uma relaccedilatildeo propriamente dita Uma relaccedilatildeo pressupotildee a existecircncia de todos os seus termos (relata) assim se a causa b a e b devem existir e o mesmo vale de outras relaccedilotildees assimeacutetricas do tipo x eacute mais alto que y x eacute anterior a y x fica entre y e z etc que satildeo autecircnticas relaccedilotildees

Em contraste o ato de imaginar um cavalo alado ou um porco voador ou ainda o evento mental de alucinar um poccedilo drsquoaacutegua fresca no deserto natildeo satildeo relaccedilotildees apesar da similitude formal (x imagina y x alucina y etc) Muitos atos estados ou eventos mentais (como miragens deliacuterios alucinaccedilotildees dentre outros) pressupotildeem soacute a existecircncia do agente cognitivo e muitas pessoas morreram procurando em vatildeo o Eldorado uma montanha de ouro a Fonte de juventude e outros lugares miacuteticos pois natildeo eacute possiacutevel se relacionar realmente com algo que natildeo existe Eacute por isso que Brentano chamava a Intencionalidade de ldquoquase-relaccedilatildeordquo

(ii) Husserl e o filoacutesofo estadunidense John Searle distinguem os mesmos componentes na estrutura de um ato ou estado intencional Usando a terminologia de Searle (1983) os com-ponentes satildeo trecircs o modo psicoloacutegico o conteuacutedo representacional e o objeto intencional O modo psicoloacutegico determina o tipo de ato evento ou estado mental se eacute do tipo crenccedila ou desejo intenccedilatildeo percepccedilatildeo lembranccedila receio expectativa juiacutezo decisatildeo etc O conteuacutedo representacional do ato eacute o que distingue um estado intencional de quaisquer outros do mesmo tipo eacute o sentido do ato que determina quais os objetos propriedades ou fatos satildeo visados no

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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ato Em outras palavras o conteuacutedo representacional determina qual eacute o objeto intencional e portanto qual eacute o foco do ato ou estado mental Assim a crenccedila de que a porta estaacute fechada e o desejo que a porta esteja fechada tecircm o mesmo conteuacutedo mas satildeo de tipos diferentes enquanto a crenccedila de que vai chover e a crenccedila de que o Pico da Neblina eacute a montanha mais alta do Brasil pertencem ao mesmo tipo (satildeo crenccedilas) tecircm o mesmo modo psicoloacutegico mas o conteuacutedo representacional natildeo eacute o mesmo Finalmente o objeto intencional eacute o objeto determinado pelo conteuacutedo representacional do ato o objeto representado Isso nos daacute um criteacuterio de identidade para atos e estados intencionais se dois atos intencionais a1 e a2 tecircm o mesmo modo psicoloacutegico o mesmo conteuacutedo representacional e o mesmo objeto intencional entatildeo a1 = a2

Um objeto intencional eacute um tipo especial de objeto Os objetos intencionais natildeo tecircm uma natureza proacutepria e distinta dos outros Observamos que alguns objetos intencionais natildeo exis-tem sereias Peacutegaso o Eldorado muitos de nossos sonhos (desejos) nunca se realizam e pessoas podem passar a vida toda tentando realizaacute-los Os objetos intencionais natildeo formam uma classe ou conjunto no sentido da teoria dos conjuntos pois uma mesma classe natildeo pode abrigar ele-mentos que existem ao lado de outros que natildeo existem Posso imaginar um unicoacuternio conceber uma propriedade que nunca foi instanciada (como a propriedade de viajar mais raacutepido do que a luz) pensar em um estado de coisas abstrato (se o nuacutemero 247 eacute ou natildeo um nuacutemero primo) posso tambeacutem perceber uma laranja (ou qualquer objeto de tamanho meacutedio) etc

A uacutenica caracteriacutestica comum dos objetos intencionais eacute a caracteriacutestica extriacutenseca de ser objeto do pensamento ou objeto dos atos estados e eventos mentais Meu computador tem neste momento a propriedade de ser visto por mim mas essa propriedade extriacutenseca e relacional natildeo serve para determinar a natureza do objeto e natildeo seria apropriada em qualquer classificaccedilatildeo cientiacutefica Karl Von Linneacutee (1701-1778 ndash criador da classificaccedilatildeo cientiacutefica e ldquopai da taxonomiardquo) certamente nunca pensou em usar propriedades como por exemplo ldquoser de uma espeacutecie que jaacute vi nas feacuterias com a famiacuteliardquo ou ldquoser uma espeacutecie da qual me lembrei anteontemrdquo para classificar as espeacutecies do reino animal ou vegetal Os objetos intencionais portanto satildeo simplesmente objetos de nossas atitudes de nossos pensamentos de nossos atos eventos e estados men-tais A Segunda Guerra mundial natildeo eacute um objeto em nenhum sentido substancial mas posso pensar sobre ela pesquisar o assunto etc A noccedilatildeo de objeto aqui natildeo tem nada de substancial como a noccedilatildeo de objeto ldquomaterialrdquo ou de objeto ldquoabstratordquo A ideacuteia de objeto intencional eacute a

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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ideacuteia de objeto num sentido esquemaacutetico comparaacutevel ao sentido de ldquoobjetordquo quando falamos do ldquoobjeto direto de um verbo transitivordquo

O movimento fenomenoloacutegico e o movimento analiacutetico satildeo os dois principais movimentos filosoacuteficos que nasceram no seacuteculo XX Mas nesse uacuteltimo a noccedilatildeo de Intencionalidade entrou em cena soacute no final da deacutecada de cinquumlenta com o filoacutesofo estadunidense Roderick M Chisholm Chisholm (1957) procurava na linguagem uma marca loacutegico-linguumliacutestica do ldquomentalrdquo isto eacute criteacuterios para determinar se uma frase descreve ou atribui um estado mental Infelizmente este projeto de encontrar tal marca do ldquomentalrdquo fracassou frases como ldquoPedro vecirc um cachorrordquo ldquoPonce de Leoacuten acreditava que a Fonte de Juventude se encontrava na Floacuteridardquo ldquoEacutedipo queria casar com a Rainha de Tebasrdquo e outras similares contendo verbos denotando atos eventos ou estados mentais ou natildeo possuem uma caracteriacutestica comum ou essa caracteriacutestica inclui frases que natildeo tecircm nada de psicoloacutegico

Na tradiccedilatildeo analiacutetica a teoria da Intencionalidade se enriqueceu de novas questotildees novos temas e debates especialmente na Filosofia da Mente Vamos agora examinar algumas dessas questotildees que surgiram nas uacuteltimas deacutecadas particularmente a questatildeo de saber se a Intenciona-lidade eacute a caracteriacutestica mais fundamental da consciecircncia como pensavam Brentano e Husserl

(iii) Todo ato estado ou evento mental eacute intencional A tese de Brentano eacute verdadeira Alguns filoacutesofos como Searle (1983) acreditam que nem todo estado ou evento mental eacute intencional Um mal-estar difuso por exemplo eacute uma experiecircncia sensorial e como toda experiecircncia sen-sorial consciente ela natildeo seria (ou natildeo parece ser) acerca de algo Meu mal-estar eacute mal-estar de quecirc Eacute acerca de quecirc Se assim for como experiecircncias sensoriais satildeo claramente ldquomentaisrdquo a tese de Brentano seria falsa pelo menos alguns fenocircmenos mentais natildeo seriam intencionais O que chamamos de ldquoconsciecircncia fenomenalrdquo reuacutene as sensaccedilotildees visuais taacuteteis auditivas todos os aspectos qualitativos e subjetivos dos quais somos conscientes (ou dos quais podemos nos tornar conscientes como a pressatildeo difusa natildeo especiacutefica que o peso de meu corpo exerce sobre meus peacutes dentre outros) Tudo isso invalidaria a tese de Brentano na medida em que natildeo temos aiacute pelo menos aparentemente um objeto (existente ou ldquoinexistenterdquo)

Outros filoacutesofos analiacuteticos como Michael Tye (1995) e Tim Crane (2001) acreditam que a dor e as experiecircncias sensoriais em geral satildeo intencionais pois elas envolvem um tipo diferente de representaccedilatildeo representaccedilotildees sensoriais Representaccedilotildees sensoriais representam estados

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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fiacutesicos internos ou externos do corpo mais precisamente mudanccedilas desses estados Assim por exemplo a dor seria uma representaccedilatildeo sensorial de danos ou desordens corporais que ocorreram recentemente no corpo Segundo eles as experiecircncias sensoriais em geral indicam algo ou apontam para algo por exemplo para uma localizaccedilatildeo no corpo onde a dor eacute sentida (TYE 1996)

Uma dor de cabeccedila eacute uma representaccedilatildeo sensorial e ela eacute bem diferente da representaccedilatildeo sensorial que corresponde a uma dor no joelho ou agravequela que corresponde a um prazer intenso Esses conteuacutedos natildeo satildeo conceituais mas satildeo ldquoconteuacutedosrdquo mesmo assim Noacutes distinguimos os diversos prazeres e as dores pelo conteuacutedo (natildeo conceitual) da mesma maneira que distinguimos pelo conteuacutedo conceitual ou proposicional uma crenccedila de outra um desejo de outro etc

A experiecircncia do membro fantasma (que ocorre quando pessoas continuam a sentir dor ou coceira em um membro que foi amputado) fortalece essa visatildeo da intencionalidade das expe-riecircncias sensoriais Da mesma forma que podemos procurar coisas que natildeo existem podemos sentir dor num membro amputado jaacute faz algum tempo

A experiecircncia visual por sua vez representa superfiacutecies externas com certas qualidades e nosso aparelho visual construiria mecanicamente (ver Tye 1996) representaccedilotildees dessas quali-dades (cores contrastes de luminosidade brilho etc) de acordo com as mudanccedilas no ambiente imediato A informaccedilatildeo sobre o ambiente natildeo eacute fornecida conceitualmente e sim diretamente atraveacutes de um processo de co-variaccedilatildeo causal A variedade e a riqueza dessas informaccedilotildees eacute tal que nem os melhores poetas agraves vezes conseguem capturaacute-las Se Tye e Crane estiverem certos a tese de Brentano segundo a qual todos os atos estados e eventos mentais satildeo intencionais e a tese de Husserl que faz da Intencionalidade uma caracteriacutestica fundamental da consciecircncia ainda continuam firmes e verdadeiras

A partir do que foi explicitado aqui sobre a Intencionalidade podemos agora discutir um outro aspecto de nosso terceiro problema haveria estados inconscientes (crenccedilas desejos) que poderiam ser descritos como intencionais

Agraves vezes consideramos tambeacutem como mentais certas disposiccedilotildees como capacidades (reconhecer rostos) habilidades (falar uma liacutengua dirigir um carro adicionar dividir multiplicar mental-mente etc) ou ainda ter senso de humor ser honesto ou mentiroso etc Quando formamos uma

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

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GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

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Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

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rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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intenccedilatildeo de fazer algo daqui a um ano (uma viagem agrave China ou qualquer coisa que requer um planejamento de longo prazo) ou quando formamos uma crenccedila sobre um princiacutepio bastante oacutebvio ou uma verdade da aritmeacutetica ou quando ficamos desejando uma coisa por muito tempo o estado mental correspondente (intenccedilatildeo crenccedila desejo) tambeacutem permanece durante um certo intervalo de tempo (ou para a vida toda como a crenccedila que 2 +2 = 4) a tiacutetulo de disposiccedilatildeo Natildeo tem nada de errado em atribuir a uma pessoa que dorme a crenccedila que 2 + 2 = 4

A psicanaacutelise ensina que temos desejos inconscientes Um desejo inconsciente seria certa-mente intencional mas natildeo eacute ldquoconscienterdquo (pelo menos natildeo o tempo todo) Deveriacuteamos por causa disso considerar a tese de Husserl (ldquoToda consciecircncia eacute consciecircncia de algordquo) como falsa

As disposiccedilotildees natildeo satildeo conscientes apesar de poderem se tornar conscientes quando recebe-mos um estiacutemulo apropriado e relevante num contexto ndash por exemplo se algueacutem afirmasse que 2 + 2 = 5 eu iria provavelmente formar de novo quase como um reflexo a crenccedila que 2 + 2 = 4 para corrigir o erro Uma crenccedila que se torna consciente desta forma eacute uma crenccedila ocorrente o resto do tempo ela eacute uma disposiccedilatildeo

Disposiccedilotildees pressupotildeem uma base fiacutesica para existir A fragilidade do vidro e a solubilidade do accediluacutecar existem na estrutura molecular do vidro e do accediluacutecar Da mesma forma nossas habi-lidades capacidades competecircncias e aptidotildees existem nas estruturas de nosso ceacuterebro Quando deixo de pensar ativamente que 2 + 2 = 4 o que acontece com essa crenccedila Ela deixa de ser consciente para permanecer como estaacute no inconsciente numa espeacutecie de limbo a ser explicado entre a neurofisiologia e a psicologia Ou o ceacuterebro simplesmente toma conta dela como dispo-siccedilatildeo ldquofiacutesicardquo ateacute o proacuteximo estimulo relevante ldquoacordaacute-lardquo para ser usada de acordo com nossos fins Os filoacutesofos da mente hoje tendem a rejeitar a primeira alternativa

O sentido da palavra ldquoconsciecircnciardquo que nos interessa aqui foi esclarecido pelo filoacutesofo estadunidense Ned Block (1995) Quando estamos acordados e nossas mentes nos representam o mundo ambiente somos conscientes no sentido da consciecircncia-F (consciecircncia fenomenal) diferente da consciecircncia de acessibilidade (consciecircncia-A) Jaacute discutimos sobre a consciecircncia-F e as experiecircncias ou representaccedilotildees sensoriais e subjetivas Um estado mental eacute A-consciente quando ele eacute acessiacutevel agrave consciecircncia da pessoa ou quando ela pode fazer dele um uso cognitivo isto eacute usaacute-lo no controle racional da accedilatildeo Um tal estado A-consciente pode a princiacutepio ser

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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verbalizado e seu conteuacutedo pode entrar como premissa no raciociacutenio de um agente cognitivo Todo nosso conhecimento proposicional (como saber que 2 + 2 = 4) eacute desse tipo eacute consciente nesse sentido

Em resumo a tese de Brentano de que a Intencionalidade eacute a marca do mental e a tese de Husserl de que toda consciecircncia eacute consciecircncia de algo natildeo satildeo realmente ameaccediladas A consciecircncia fenomenal eacute tambeacutem intencional como vimos e as crenccedilas desejos e outras atitudes podem ser concebidas como disposiccedilotildees ou haacutebitos que satildeo A-conscientes e podem se tornar conscientes (como atitudes ocorrentes) em circunstacircncias apropriadas

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BibliografiaTema 1

bull BAKER L R Saving Belief a critique of phsicalism Princeton University Press 1987

bull CHURCHLAND P (1988) Mateacuteria e consciecircncia Satildeo Paulo Unesp 2004

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University Press 2001

bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DESCARTES R Obra escolhida Introduccedilatildeo de Giles Gaston-Granger Prefaacutecio e notas de Gerard

Lebrun Trad J Guinsburg e Bento Prado Junior 3 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1994

bull DREYFUS H (1972) What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence

Revised edition New York Harper and Row 1979

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da Ciecircncia

Cognitiva In FERREIRA A GONZALEZ M E Q A COELHO J G (eds)

Encontros com as ciecircncias cognitivas Satildeo Paulo [s n] 2004 p 105-120 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos) v 4

bull HODGES A Turing ndash Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Unesp 2001

bull PLACE UT Is Consciousness a Brain Process British Journal of Psychology p 44-50 n 47 1956

bull PUTNAM H (1960) The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an

anthology 2nd ed Oxford Blackwell Publications 1999

bull RYLE G (1949) The concept of mind London Penguin 2000

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bull SEARLE J R (1980) Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences p 417-457

v 3 n 3 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull SMART J J C Sensations and Brain Processes Philosophical Review p 141-156 n 68 1959

Tema 2

bull ABRANTES P Naturalismo em filosofia da mente In FERREIRA A GONZALEZ M E Q

COELHO J G Encontros com as ciecircncias cognitivas Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2004 v 4

bull BURGE T Individualism and the mental In FRENCH P et al Studies in metaphysics

Minneapolis University of Minnesota 1979 (Midwest Studies in Philosophy v 4)

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University 2001

bull ______ Supersizing the mind embodiment action and cognitive extension Oxford Oxford

University 2008

bull COSTA C Filosofia da mente Rio de Janeiro Zahar 2005

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior 3 ed Rio

de Janeiro Bertrand Brasil 1994

bull DEWEY J The influence of darwinism on philosophy New York Henry Holt 1910

Disponiacutevel em lthttpwwwarchiveorgstreaminfluenceofdarwi00deweuoftpagen3

mode2upgt Acesso em 03 maio 2011

bull GONZALEZ M E Q BROENS M C Darwin e a virada naturalista na filosofia In

MORAES J Q (Org) Darwin e a origem do homem Campinas UNICAMP 2011

bull HUME D Tratado da natureza humana Satildeo Paulo UNESP 2001

bull HYSLOP A Other minds In Stanford Encyclopedia of Philosophy [online] Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesother-mindsgt Acesso em 25 maio 2011

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TEMASU

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bull KLAMING L HASELAGER W F G Did my brain implant make me do it Neuroethics

[online] Sep 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwspringerlinkcomcontentk115710337804xq6

fulltextpdfgt Acesso em 03 maio 2011

bull LECLERC A A concepccedilatildeo externalista de pessoa In BROENS M C MILIDONI C B

Sujeito e identidade pessoal estudos de filosofia da mente Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2003

bull LOCKE J Ensaio sobre o entendimento humano Introduccedilatildeo notas e traduccedilatildeo de Eduardo

Abranches Soveral Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1999

bull PARFIT D Personal identity The Philosophical Review Durham (USA) v 80 n 1 1971 p 03-27

bull ______ Personal identity and racionality Synthese Toronto n 53 p 227-241 1982 Disponiacutevel

em lthttpindividualutorontocastafforiniparfitparfit_-_personal_identity_and_rationality

pdfgt Acesso em 11 maio 2011

bull PUTNAM H Mind language and reality Cambridge Cambridge University 1975

bull RYLE G The concept of mind London Penguin 2000

bull SIDER T O conceito de identidade pessoal Traduccedilatildeo Vitor Guerreiro In CONEE E

SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

Tema 3

bull BAKER L R Saving Belief a critique of phsicalism [New Jersey] Princeton University Press 1987

bull BODEN M The artificial intelligence and the natural man Hassocks The Harvbester Press Ltd 1977

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University Press 2001

bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DREYFUS H What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence Revised

edition New York Harper and Row 1979

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bull DUPUY JP Nas origens das ciecircncias cognitivas Traduccedilatildeo de Roberto Leal Ferreira Manha

[Satildeo Paulo] Unesp 1996

bull GONZALEZ M E Q Metodologia da descoberta cientiacutefica e inteligecircncia artificial 1984

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

XIX In EVORA F R R O seacuteculo XIX O nascimento da ciecircncia contemporacircnea Campinas

Unicamp 1992 (Coleccedilatildeo CLE)

bull GONZALEZ M E Q Accedilatildeo causalidade e ruiacutedo nas redes neurais auto-organizadas

DEBRUN M A GONZALEZ M E Q PESSOA JR O (Eds) Auto-organizaccedilatildeo

Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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TEMASU

nespRedefor bull M

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bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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                                                                          1. Bot_Tema9
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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

BibliografiaTema 1

bull BAKER L R Saving Belief a critique of phsicalism Princeton University Press 1987

bull CHURCHLAND P (1988) Mateacuteria e consciecircncia Satildeo Paulo Unesp 2004

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University Press 2001

bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DESCARTES R Obra escolhida Introduccedilatildeo de Giles Gaston-Granger Prefaacutecio e notas de Gerard

Lebrun Trad J Guinsburg e Bento Prado Junior 3 ed Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1994

bull DREYFUS H (1972) What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence

Revised edition New York Harper and Row 1979

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da Ciecircncia

Cognitiva In FERREIRA A GONZALEZ M E Q A COELHO J G (eds)

Encontros com as ciecircncias cognitivas Satildeo Paulo [s n] 2004 p 105-120 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos) v 4

bull HODGES A Turing ndash Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Unesp 2001

bull PLACE UT Is Consciousness a Brain Process British Journal of Psychology p 44-50 n 47 1956

bull PUTNAM H (1960) The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an

anthology 2nd ed Oxford Blackwell Publications 1999

bull RYLE G (1949) The concept of mind London Penguin 2000

BLOCO 3

53

TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull SEARLE J R (1980) Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences p 417-457

v 3 n 3 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull SMART J J C Sensations and Brain Processes Philosophical Review p 141-156 n 68 1959

Tema 2

bull ABRANTES P Naturalismo em filosofia da mente In FERREIRA A GONZALEZ M E Q

COELHO J G Encontros com as ciecircncias cognitivas Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2004 v 4

bull BURGE T Individualism and the mental In FRENCH P et al Studies in metaphysics

Minneapolis University of Minnesota 1979 (Midwest Studies in Philosophy v 4)

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University 2001

bull ______ Supersizing the mind embodiment action and cognitive extension Oxford Oxford

University 2008

bull COSTA C Filosofia da mente Rio de Janeiro Zahar 2005

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior 3 ed Rio

de Janeiro Bertrand Brasil 1994

bull DEWEY J The influence of darwinism on philosophy New York Henry Holt 1910

Disponiacutevel em lthttpwwwarchiveorgstreaminfluenceofdarwi00deweuoftpagen3

mode2upgt Acesso em 03 maio 2011

bull GONZALEZ M E Q BROENS M C Darwin e a virada naturalista na filosofia In

MORAES J Q (Org) Darwin e a origem do homem Campinas UNICAMP 2011

bull HUME D Tratado da natureza humana Satildeo Paulo UNESP 2001

bull HYSLOP A Other minds In Stanford Encyclopedia of Philosophy [online] Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesother-mindsgt Acesso em 25 maio 2011

54

TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull KLAMING L HASELAGER W F G Did my brain implant make me do it Neuroethics

[online] Sep 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwspringerlinkcomcontentk115710337804xq6

fulltextpdfgt Acesso em 03 maio 2011

bull LECLERC A A concepccedilatildeo externalista de pessoa In BROENS M C MILIDONI C B

Sujeito e identidade pessoal estudos de filosofia da mente Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2003

bull LOCKE J Ensaio sobre o entendimento humano Introduccedilatildeo notas e traduccedilatildeo de Eduardo

Abranches Soveral Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1999

bull PARFIT D Personal identity The Philosophical Review Durham (USA) v 80 n 1 1971 p 03-27

bull ______ Personal identity and racionality Synthese Toronto n 53 p 227-241 1982 Disponiacutevel

em lthttpindividualutorontocastafforiniparfitparfit_-_personal_identity_and_rationality

pdfgt Acesso em 11 maio 2011

bull PUTNAM H Mind language and reality Cambridge Cambridge University 1975

bull RYLE G The concept of mind London Penguin 2000

bull SIDER T O conceito de identidade pessoal Traduccedilatildeo Vitor Guerreiro In CONEE E

SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

Tema 3

bull BAKER L R Saving Belief a critique of phsicalism [New Jersey] Princeton University Press 1987

bull BODEN M The artificial intelligence and the natural man Hassocks The Harvbester Press Ltd 1977

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University Press 2001

bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DREYFUS H What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence Revised

edition New York Harper and Row 1979

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull DUPUY JP Nas origens das ciecircncias cognitivas Traduccedilatildeo de Roberto Leal Ferreira Manha

[Satildeo Paulo] Unesp 1996

bull GONZALEZ M E Q Metodologia da descoberta cientiacutefica e inteligecircncia artificial 1984

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

XIX In EVORA F R R O seacuteculo XIX O nascimento da ciecircncia contemporacircnea Campinas

Unicamp 1992 (Coleccedilatildeo CLE)

bull GONZALEZ M E Q Accedilatildeo causalidade e ruiacutedo nas redes neurais auto-organizadas

DEBRUN M A GONZALEZ M E Q PESSOA JR O (Eds) Auto-organizaccedilatildeo

Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

56

TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull SEARLE J R (1980) Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences p 417-457

v 3 n 3 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull SMART J J C Sensations and Brain Processes Philosophical Review p 141-156 n 68 1959

Tema 2

bull ABRANTES P Naturalismo em filosofia da mente In FERREIRA A GONZALEZ M E Q

COELHO J G Encontros com as ciecircncias cognitivas Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2004 v 4

bull BURGE T Individualism and the mental In FRENCH P et al Studies in metaphysics

Minneapolis University of Minnesota 1979 (Midwest Studies in Philosophy v 4)

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University 2001

bull ______ Supersizing the mind embodiment action and cognitive extension Oxford Oxford

University 2008

bull COSTA C Filosofia da mente Rio de Janeiro Zahar 2005

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior 3 ed Rio

de Janeiro Bertrand Brasil 1994

bull DEWEY J The influence of darwinism on philosophy New York Henry Holt 1910

Disponiacutevel em lthttpwwwarchiveorgstreaminfluenceofdarwi00deweuoftpagen3

mode2upgt Acesso em 03 maio 2011

bull GONZALEZ M E Q BROENS M C Darwin e a virada naturalista na filosofia In

MORAES J Q (Org) Darwin e a origem do homem Campinas UNICAMP 2011

bull HUME D Tratado da natureza humana Satildeo Paulo UNESP 2001

bull HYSLOP A Other minds In Stanford Encyclopedia of Philosophy [online] Disponiacutevel em

lthttpplatostanfordeduentriesother-mindsgt Acesso em 25 maio 2011

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull KLAMING L HASELAGER W F G Did my brain implant make me do it Neuroethics

[online] Sep 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwspringerlinkcomcontentk115710337804xq6

fulltextpdfgt Acesso em 03 maio 2011

bull LECLERC A A concepccedilatildeo externalista de pessoa In BROENS M C MILIDONI C B

Sujeito e identidade pessoal estudos de filosofia da mente Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2003

bull LOCKE J Ensaio sobre o entendimento humano Introduccedilatildeo notas e traduccedilatildeo de Eduardo

Abranches Soveral Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1999

bull PARFIT D Personal identity The Philosophical Review Durham (USA) v 80 n 1 1971 p 03-27

bull ______ Personal identity and racionality Synthese Toronto n 53 p 227-241 1982 Disponiacutevel

em lthttpindividualutorontocastafforiniparfitparfit_-_personal_identity_and_rationality

pdfgt Acesso em 11 maio 2011

bull PUTNAM H Mind language and reality Cambridge Cambridge University 1975

bull RYLE G The concept of mind London Penguin 2000

bull SIDER T O conceito de identidade pessoal Traduccedilatildeo Vitor Guerreiro In CONEE E

SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

Tema 3

bull BAKER L R Saving Belief a critique of phsicalism [New Jersey] Princeton University Press 1987

bull BODEN M The artificial intelligence and the natural man Hassocks The Harvbester Press Ltd 1977

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University Press 2001

bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DREYFUS H What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence Revised

edition New York Harper and Row 1979

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull DUPUY JP Nas origens das ciecircncias cognitivas Traduccedilatildeo de Roberto Leal Ferreira Manha

[Satildeo Paulo] Unesp 1996

bull GONZALEZ M E Q Metodologia da descoberta cientiacutefica e inteligecircncia artificial 1984

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

XIX In EVORA F R R O seacuteculo XIX O nascimento da ciecircncia contemporacircnea Campinas

Unicamp 1992 (Coleccedilatildeo CLE)

bull GONZALEZ M E Q Accedilatildeo causalidade e ruiacutedo nas redes neurais auto-organizadas

DEBRUN M A GONZALEZ M E Q PESSOA JR O (Eds) Auto-organizaccedilatildeo

Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull KLAMING L HASELAGER W F G Did my brain implant make me do it Neuroethics

[online] Sep 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwspringerlinkcomcontentk115710337804xq6

fulltextpdfgt Acesso em 03 maio 2011

bull LECLERC A A concepccedilatildeo externalista de pessoa In BROENS M C MILIDONI C B

Sujeito e identidade pessoal estudos de filosofia da mente Satildeo Paulo Cultura Acadecircmica 2003

bull LOCKE J Ensaio sobre o entendimento humano Introduccedilatildeo notas e traduccedilatildeo de Eduardo

Abranches Soveral Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1999

bull PARFIT D Personal identity The Philosophical Review Durham (USA) v 80 n 1 1971 p 03-27

bull ______ Personal identity and racionality Synthese Toronto n 53 p 227-241 1982 Disponiacutevel

em lthttpindividualutorontocastafforiniparfitparfit_-_personal_identity_and_rationality

pdfgt Acesso em 11 maio 2011

bull PUTNAM H Mind language and reality Cambridge Cambridge University 1975

bull RYLE G The concept of mind London Penguin 2000

bull SIDER T O conceito de identidade pessoal Traduccedilatildeo Vitor Guerreiro In CONEE E

SIDER T Enigmas da existecircncia uma visita guiada agrave metafiacutesica Lisboa Bizacircncio 2010

Tema 3

bull BAKER L R Saving Belief a critique of phsicalism [New Jersey] Princeton University Press 1987

bull BODEN M The artificial intelligence and the natural man Hassocks The Harvbester Press Ltd 1977

bull CLARK A Mindware an introduction to the philosophy of cognitive science Oxford Oxford

University Press 2001

bull CLARK A Supersizing the Mind Embodiment Action and Cognitive Extension Oxford

Oxford University Press 2008

bull DREYFUS H What Computers Canrsquot Do The Limits of Artificial Intelligence Revised

edition New York Harper and Row 1979

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull DUPUY JP Nas origens das ciecircncias cognitivas Traduccedilatildeo de Roberto Leal Ferreira Manha

[Satildeo Paulo] Unesp 1996

bull GONZALEZ M E Q Metodologia da descoberta cientiacutefica e inteligecircncia artificial 1984

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

XIX In EVORA F R R O seacuteculo XIX O nascimento da ciecircncia contemporacircnea Campinas

Unicamp 1992 (Coleccedilatildeo CLE)

bull GONZALEZ M E Q Accedilatildeo causalidade e ruiacutedo nas redes neurais auto-organizadas

DEBRUN M A GONZALEZ M E Q PESSOA JR O (Eds) Auto-organizaccedilatildeo

Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

57

TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull DUPUY JP Nas origens das ciecircncias cognitivas Traduccedilatildeo de Roberto Leal Ferreira Manha

[Satildeo Paulo] Unesp 1996

bull GONZALEZ M E Q Metodologia da descoberta cientiacutefica e inteligecircncia artificial 1984

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia)- Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de

Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia e Ciecircncia Humanas Campinas 1984

bull GONZALEZ M E Q O nascimento da ciecircncia cognitiva e suas raiacutezes na fiacutesica do seacuteculo

XIX In EVORA F R R O seacuteculo XIX O nascimento da ciecircncia contemporacircnea Campinas

Unicamp 1992 (Coleccedilatildeo CLE)

bull GONZALEZ M E Q Accedilatildeo causalidade e ruiacutedo nas redes neurais auto-organizadas

DEBRUN M A GONZALEZ M E Q PESSOA JR O (Eds) Auto-organizaccedilatildeo

Estudos Interdisciplinares Campinas [Unicamp] 1996 p 1-23 v 18 (Coleccedilatildeo CLE)

bull HASELAGER WFG O mal estar do representacionismo sete dores de cabeccedila da ciecircncia

cognitiva In A FERREIRA MEQ GONZALEZ amp JG COELHO (eds) Encontros

com as ciecircncias cognitivas Campinas [Unicamp] 2004 p 105-120 v 4 (Coleccedilatildeo Estudos

Cognitivos)

bull KOHONEN T Self-Organization and Associative Memory Berlin Springer- Verlag 1989

bull KRAVCHENKO AV Whence the autonomy A response to Harnard and Dror Pragmatics amp

Cognition v 15 n 3 p 587-598 Special Issue

bull HUME D Investigaccedilatildeo acerca do entendimento humano Satildeo Paulo Unesp 1996

bull MINSKY M Automation and Artificial Intelligence In Science Technology and the Modern

Navy Arlington Office of Naval Research 1976

bull MINSKY M The Emotion Machine Common sense Thinking Artificial Intelligence and the

Future of the Human Mind New York Simon amp Schuster 2006

bull MORIN E Uma ciecircncia com consciecircncia Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2003

bull NEWELL A Simon H A Human problem solving Englewood Cliffs NJ Prentice-Hall 1972

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull PUTNAM H The nature of mental states In LYCAN W Mind and cognition an anthology

2nd ed Oxford Blackwell Publications 1960-1999

bull SEARLE J R Minds brains and programs Behavioral and Brain Sciences v 3 n 3 p 417-

457 1980 Disponiacutevel em lthttpwwwbbsonlineorgPreprintsOldArchivebbssearle2htmlgt

Acessado em 4 maio 2011

bull TURING A lsquoComputing Machinery and Intelligencersquo Mind n 59 p 433ndash460 1950

bull DESCARTES R Obra escolhida Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Bento Prado Junior introduccedilatildeo

de Giles Gaston-Granger prefaacutecio e notas de Gerard Lebrun 3 ed Rio de Janeiro Bertrand

Brasil 1994

bull HODGES A Turing Um filoacutesofo da natureza Traduccedilatildeo de Marcos Barbosa de Oliveira Satildeo

Paulo Edunesp 2001

Tema 4

bull Benoist Jocelyn Sens et sensibiliteacute lrsquointentionnaliteacute en contexte Paris Les Editions du Cerf 2009

bull BLOCK Ned et al (Org) The nature of consciousness Cambridge USA MIT 1995

bull BRENTANO Franz Psychologie drsquoun point de vue empirique Paris Aubier-Montaigne 1944

bull BURGE Tyler ldquoBelief de rerdquo Journal of Philosophy Columbia USA v 74 n 6 jun 1977 p 338-362

bull CHISHOLM Roderick M Perceiving a philosophical study Ithaca USA Cornell University 1957

bull ______ The first person an essay on reference and intentionality Minneapolis University of

Minnesota 1981

bull CRANE Tim Elements of mind Oxford Oxford University 2001

bull Davidson Donald Subjective intersubjective objective Oxford Oxford University 2001

bull Dretske Fred Naturalizing the mind Cambridge USA MIT 1995

bull HUSSERL Edmund Meacuteditations carteacutesiennes Paris Librairie Philosophique Vrin 1969

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nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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TEMASU

nespRedefor bull M

oacutedulo IV bull D

isciplina 07

bull JACOB Pierre Lrsquointentionnaliteacute problegravemes de philosophie de lrsquoesprit Paris Odile Jacob 2004

bull ______ What minds can do intentionality in a non-intentional world Cambridge USA

Cambridge University 1997

bull MONTAGUE Michelle Recent work on intentionality Analysis v 70 n 4 out 2010 p 765-782

bull Putnam Hilary Reason truth and history Cambridge USA Cambridge University 1981

bull SEARLE John Intentionality an essay in the philosophy of mind Cambridge USA

Cambridge University 1983

bull TYE Michael Ten problems of consciousness Cambridge USA MIT 1996

Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

seCretaria estadUal da edUCaCcedilAtildeO de sAtildeO paUlO (seesp)

SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

FUndUnesp

Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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Unesp ndash Universidade estadUal paUlistaProacute-Reitoria de Poacutes-GraduaccedilatildeoRua Quirino de Andrade 215CEP 01049-010 ndash Satildeo Paulo ndash SPTel (11) 5627-0561wwwunespbr

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO Secretaria de Estado da EducaccedilatildeoSecretaria Estadual da Educaccedilatildeo de Satildeo Paulo (SEESP) Praccedila da Repuacuteblica 53CEP 01045-903 ndash Centro ndash Satildeo Paulo ndash SP

GOvernO dO estadO de sAtildeO paUlO

GovernadorGeraldo alckmin

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SecretaacuterioHerman Jacobus Cornelis voorwald

Universidade estadUal paUlistaVice-Reitor no Exerciacutecio da Reitoria Julio Cezar duriganChefe de GabineteCarlos antonio Gamero

Proacute-Reitora de Graduaccedilatildeosheila Zambello de pinhoProacute-Reitora de Poacutes-GraduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeProacute-Reitora de PesquisaMaria Joseacute soares Mendes Giannini

Proacute-Reitora de Extensatildeo UniversitaacuteriaMaria ameacutelia Maacuteximo de arauacutejoProacute-Reitor de Administraccedilatildeoricardo samih Georges abi rachedSecretaacuteria GeralMaria dalva silva pagotto

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Diretor Presidente luiz antonio vane

rede sAtildeO paUlO de FOrMaCcedilAtildeO dOCenteProacute-Reitora de Poacutes-graduaccedilatildeoMarilza vieira Cunha rudgeCoordenadora Acadecircmicaelisa tomoe Moriya schluumlnzenSub-coordenadorantocircnio Cezar leal (FCtpresidente prudente)Equipe Coordenadoraana Maria Martins da Costa santosClaacuteudio Joseacute de Franccedila e silvarogeacuterio luiz buccelliCoordenadores dos CursosArterejane Galvatildeo Coutinho (iaUnesp)Filosofialuacutecio lourenccedilo prado (FFCMariacutelia)Geografiaraul borges Guimaratildees (FCtpresidente prudente)InglecircsMariangela braga norte (FFCMariacutelia)QuiacutemicaOlga Maria M de Faria Oliveira (iQ araraquara)SecretariaAdministraccedilatildeovera reisEquipe Teacutecnica - Sistema de Controle Acadecircmicoari araldo Xavier de Camargovalentim aparecido parisrosemar rosa de Carvalho brena

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nUacuteCleO de edUCaCcedilAtildeO a distAcircnCia da UnespCoordenador Geral Klaus schluumlnzen Junior SecretariaAdministraccedilatildeosueli Maiellaro Fernandesaline Gama GomesJessica pappJoatildeo Menezes Mussolinisuellen arauacutejosueli Maiellaro FernandesTecnologia e Infraestruturapierre archag iskenderian andreacute luiacutes rodrigues Ferreiraariel tadami siena HirataGuilherme de andrade lemeszenskiMarcos roberto Greinerpedro Caacutessio bissettirodolfo Mac Kay Martinez parenteProduccedilatildeo veiculaccedilatildeo e Gestatildeo de materialCauecirc Guimaratildeesdalner Mori palomoelisandra andreacute Maranheerik rafael alves FerreiraFabiana aparecida rodriguesJeacutessica Miwa Joatildeo Castro barbosa de souzalia tiemi Hiratomilili lungarezi de Oliveiraluciano nunes Malheiro Maacutercia debieux Marcos leonel de souzapamela bianca Gouveia tuacuteliorafael Canoletti buciottirodolfo paganelli Jaquettosoraia Marino salum

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