Rede Manchete_um Estudo de Caso

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Rede Manchete: um estudo de caso * Renan Milanez Vieira Universidade Estadual Paulista – Unesp Índice Introdução 1 1 Os primeiros passos da Rede Manchete 2 2 A contribuição histórica pela teledra- maturgia 3 3 A venda da Rede Manchete no final do Governo Collor (1992-1993) 5 4 A reestruturação por meio das novelas históricas 7 5 A Rede Manchete em 1998 8 6 Considerações sobre a trajetória da Rede Manchete 13 Referências 15 Resumo O objetivo deste artigo é verificar a tra- jetória da Rede Manchete de Televisão. A emissora foi fundada pelo empresário Adolpho Bloch em 1983 e foi uma das cinco maiores redes do Brasil. A Rede Manchete se destacou no jornalismo e na teledramatur- gia, além de contribuir na disseminação da cultura pop japonesa com a exibição de séries e animações japonesas. * Renan Milanez Vieira é graduado em jorna- lismo pela Universidade Estadual Paulista – campus Bauru/SP. Orientação: Prof. Ms. Maria Helena Gamas. [email protected]. Palavras-chave: história da televisão brasileira, TV Manchete, patrimônio his- tórico. Abstract The objective of this article is to tell the Rede Manchete trajectory. It was found by the business man Adolpho Bloch in 1983 and it became one of the biggest TV broadcast in Brazil. Rede Manchete stand out in Journa- lism and in soap operas. Over there, it con- tributed for the Japanese pop culture become popular with the exhibition of the cartoon about it. Key words: Brazilian television history, TV Manchete, history heritage. Introdução A DOLPHO BLOCH nasceu no dia 8 de outubro de 1908 na Ucrânia. Sua família era de origem judaica e seu pai, tipógrafo, tinha uma gráfica na cidade em que moravam. Na década de 20, em vir- tude da Revolução Russa, a Ucrânia foi alvo de várias manifestações políticas, que resul- taram na formação da República Soviética da Ucrânia. Foi também um período de várias perseguições a grupos sociais, como os de origem judaica. Temendo essa perseguição,

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Rede Manchete: um estudo de caso∗

Renan Milanez VieiraUniversidade Estadual Paulista – Unesp

ÍndiceIntrodução 11 Os primeiros passos da Rede

Manchete 22 A contribuição histórica pela teledra-

maturgia 33 A venda da Rede Manchete no final do

Governo Collor (1992-1993) 54 A reestruturação por meio das novelas

históricas 75 A Rede Manchete em 1998 86 Considerações sobre a trajetória da

Rede Manchete 13Referências 15

Resumo

O objetivo deste artigo é verificar a tra-jetória da Rede Manchete de Televisão.A emissora foi fundada pelo empresárioAdolpho Bloch em 1983 e foi uma das cincomaiores redes do Brasil. A Rede Manchetese destacou no jornalismo e na teledramatur-gia, além de contribuir na disseminação dacultura pop japonesa com a exibição deséries e animações japonesas.

∗Renan Milanez Vieira é graduado em jorna-lismo pela Universidade Estadual Paulista – campusBauru/SP. Orientação: Prof. Ms. Maria HelenaGamas. [email protected].

Palavras-chave: história da televisãobrasileira, TV Manchete, patrimônio his-tórico.

Abstract

The objective of this article is to tell theRede Manchete trajectory. It was found bythe business man Adolpho Bloch in 1983 andit became one of the biggest TV broadcast inBrazil. Rede Manchete stand out in Journa-lism and in soap operas. Over there, it con-tributed for the Japanese pop culture becomepopular with the exhibition of the cartoonabout it.

Key words: Brazilian television history,TV Manchete, history heritage.

Introdução

ADOLPHO BLOCH nasceu no dia 8 deoutubro de 1908 na Ucrânia. Sua

família era de origem judaica e seu pai,tipógrafo, tinha uma gráfica na cidade emque moravam. Na década de 20, em vir-tude da Revolução Russa, a Ucrânia foi alvode várias manifestações políticas, que resul-taram na formação da República Soviética daUcrânia. Foi também um período de váriasperseguições a grupos sociais, como os deorigem judaica. Temendo essa perseguição,

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a família de Adolpho Bloch decidiu sair dopaís para se refugiar em outro local. Em-bora tivessem intenção de ir para os Esta-dos Unidos, Adolpho e sua família acabamse refugiando no Brasil. Chegam ao Rio deJaneiro em 1922.

Após se instalarem na cidade, a famíliaBloch criou, no Rio de Janeiro, a gráficaJoseph Bloch & Filhos. Os serviços inicial-mente se restringem à impressão de folhetos,convites e mapas. Com o tempo, a gráficacresce e passa a imprimir publicações edito-riais de outros grupos de mídia, como revis-tas e suplementos.

Na década de 50, Adolpho Bloch, con-siderado como um empresário de sucessono ramo gráfico, tinha o sonho de ter suaprópria revista semanal. Nessa época, o em-presário já tinha publicado títulos em outrossegmentos editoriais, faltava-lhe mesmo umperiódico que cobrisse os principais acon-tecimentos históricos do mundo. Foi comesse objetivo que nasceu a revista Manchete.Logo na primeira edição, esclarece Oliveira(2004), Manchete já mostrou bons resultadosem vendas, a publicação esgotou nas bancasem três dias. O sucesso alcançado com arevista Manchete fez com que os negóciosde Adolpho Bloch crescessem, montandoa Bloch Editores, que além de Manchete,lançou outras revistas, como Pais e Filhos,Ele e Ela e Mulher de Hoje.

Os investimentos em rádio e televisãoocorreram a partir da década de 80. Foi nessaépoca que Adolpho Bloch lançou as redes derádio Manchete FM, com cinco emissoras noBrasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador,Brasília e Recife) e Manchete AM (Rio deJaneiro). Já o projeto da Rede Manchete detelevisão só se concretizou em 1983.

1 Os primeiros passos da RedeManchete

Adolpho Bloch desembolsou 50 milhões dedólares para o desenvolvimento inicial daRede Manchete. No dia 5 de junho de 1983,domingo, às 19h, iniciavam-se as transmis-sões da Rede Manchete. A emissora inicioucom um discurso do presidente da televisãoe do grupo Bloch, Adolpho Bloch, seguidopor depoimento de políticos. Em seguida,entrava no ar o show intitulado “MundoMágico”, seguido, às 22 horas, pela exibiçãodo filme “Contatos Imediatos de PrimeiroGrau”, de Steven Spielberg. A programaçãode estréia da TV Manchete saiu do ar à umada manhã. Quanto aos resultados, Mattos(2002) destaca que sua estréia abalou a lide-rança em audiência da Rede Globo:

A estréia da Rede Manchete foi ex-cepcional, atingindo picos de au-diência que incomodaram a RedeGlobo. “O Mundo Mágico”atingiu a marca de 33 pontosno ibope contra 35 do “Fantás-tico, o show da vida”, da Globo.O filme de Spielberg, por suavez, alcançou, naquele dia, aliderança de audiência, obtendo27 pontos contra apenas 12 daGlobo(MATTOS, 2002, p. 197).

A linha de programação da Manchete foi ade oferecer uma opção de qualidade na tele-visão, com atrações voltadas para as classesA e B, ou seja, para um público de maiorpoder aquisitivo. Pode-se dizer que os pi-lares de conteúdo eram o jornalismo, filmes,séries e a programação infantil.

O “Jornal da Manchete” era um dos prin-cipais programas da emissora. Essa primeira

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versão se destacava pela duração. O jornaltinha quase duas horas de duração e era divi-dido em vários blocos, como Manchete Es-portiva, Manchete Panorama, entre outros.Outro destaque veio com o programa Clubeda Criança, apresentado por Maria da GraçaMeneghel, mais conhecida como Xuxa. OClube da Criança foi o primeiro programa deauditório no Brasil totalmente formado porcrianças e alcançou grande sucesso.

Em 1984, a Rede Manchete adquiriu osdireitos de transmissão do carnaval do Riode Janeiro e transmitiu com exclusividadeos desfiles das escolas de samba na Mar-quês de Sapucaí. O grande evento garan-tiu a liderança em audiência e foi consider-ada a segunda vitória sobre a Rede Globo,a emissora líder em audiência no Brasil. Osucesso criou uma tradição da emissora dosBloch na cobertura do carnaval. No mês deagosto desse ano, ocorreu o primeiro investi-mento em teledramaturgia, com a minissérie“A Marquesa de Santos”.

A Rede Manchete acumulava desde a es-tréia um prejuízo de 80 milhões de dólares.Nessa mesma época a emissora tinha umadívida de 34 milhões de dólares. No mês desetembro, a emissora enfrentou sua primeiragreve de funcionários devido ao atraso nopagamento de salários. Foi também nessaépoca que a direção da televisão decidiu re-formular a programação, diversificando maissuas atrações. Desse modo, atrações maispopulares, como o programa “De Mulherpara Mulher”, de Clodovil Hernandes, e umshow de variedades comandado por PepitaRodrigues e Carlos Eduardo Dolabella, en-traram no ar. No entanto, essas estréiasnão alcançaram o sucesso esperado pela di-reção da Manchete, o que fez com que acrise se acentuasse mais. Para agravar ainda

mais a situação, a apresentadora do Clube daCriança, Xuxa, troca a emissora de AdolphoBloch pela Rede Globo. Como resultado dacrise, cem funcionários foram demitidos ea linha de shows, composta por programasmusicais e humorísticos foi desativada.

A situação da TV Manchete só melhorouno segundo semestre de 1987, com a estréiada nova apresentadora do programa Clubeda Criança, Angélica Ksyvicks. A fórmulapara o sucesso dessa nova fase, como destacaFrancfort (2008), estava no carisma da ap-resentadora e na exibição de um gênero deséries japonesas que se tornaram um grandefenômeno de audiência e popularidade no fi-nal da década de 80: “Além do carisma deAngélica, os desenhos e o lançamento deséries de heróis japoneses fizeram com queo Clube da Criança se tornasse uma alterna-tiva àqueles que só assistiam à Xuxa”.

2 A contribuição histórica pelateledramaturgia

A teledramaturgia foi outra área que marcoua história da Rede Manchete, junto com atransmissão do Carnaval e das séries japone-sas. Foi a partir da década de 80 que seiniciou o primeiro ciclo de superproduçõesde novelas, que alcançaram prestígio e reco-nhecimento pelo público e pela imprensa.

Em 19 de julho de 1989, a Rede Mancheteestreou a novela Kananga do Japão. Oenredo ocorria na região da Praça XI, centrodo Rio de Janeiro, mais precisamente numcabaré chamado Kananga do Japão, no anode 1929, a partir da grande crise econômicaque afetou o mundo. Dentro dos vários nú-cleos da novela, havia um que se destacava,pois contava a história da família Bloch e

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como se deu sua chegada ao Brasil. O de-sejo de Adolpho Bloch em mostrar para osbrasileiros sua história impulsionou os inves-timentos em Kananga do Japão, que tinhapor objetivo atrair faturamento para que aemissora pudesse investir mais no gênero.Kananga do Japão teve 208 capítulos e foiexibida até 25 de março de 1990. Como sucesso em audiência e faturamento aManchete alcançou condições para continuarproduzindo novelas com altos investimentos.

A direção da Manchete, ao definir qualseria a sucessora de Kananga do Japão, de-cidiu trabalhar com um texto de BeneditoRuy Barbosa, chamado Amor Pantaneiro. Aprodução dessa novela envolvia grandes in-vestimentos porque havia a necessidade dese fazer filmagens externas, uma vez que ascenas dessa história ocorriam na região doPantanal, na região do Mato Grosso.

Benedito Ruy Barbosa se inspirou para es-crever Amor Pantaneiro após fazer uma via-gem para o Mato Grosso, onde conheceu aregião do Pantanal. Admirado pelas belezasnaturais da região, decidiu que aquele lo-cal seria o palco de sua novela. Nessaépoca, o autor era contratado pela RedeGlobo, porém, a emissora não se interes-sou pelo projeto devido aos custos e riscosem se gravar na região do Pantanal. O au-tor, então, aceitou uma proposta para traba-lhar na Manchete em razão da oportunidadede produzir seu projeto no Pantanal. Nascedesse modo Pantanal, que, segundo, Franc-fort (2008), foi uma produção que marcouuma nova era na teledramaturgia, com ino-vações na forma de produzir novelas e como sucesso de público e crítica:

Ainda hoje, quando as pessoaslembram da Rede Manchete, in-

variavelmente se recordam dePantanal, seu grande sucesso.Muitos pesquisadores e jornalis-tas acreditam que existiu uma tele-visão antes de Pantanal e outra de-pois. Porque, pela primeira vez, ahegemonia da Globo era quebradapor outra emissora depois de dé-cadas. E exatamente na teledra-maturgia, o carro-chefe da Globo(FRANCFORT, 2008, p. 152).

Pantanal marcou uma nova linguagem naprodução de telenovelas ao explorar a faunae a flora do Pantanal nas imagens externas,além disso, a novela foi gravada realmentenessa região, não houve o uso de cenografiapara recriar a região localizada no MatoGrosso. Pantanal foi exibida de 27 de marçoa 10 de dezembro de 1990. Foi, de acordocom Francfort (2008), líder de audiência du-rante sua exibição e, por exemplo, no dia 26de abril de 1990, “bateu a Globo no Rio em51 pontos contra 30 e, em São Paulo, por 29pontos a 27”.

Quando Pantanal estava chegando ao final,criou-se o projeto de uma novela itinerante,cujo tema seria o mundo dos rodeios. Trata-se de A História de Ana Raio e Zé Trovão,obra escrita por Marcos Caruso e Rita Buz-zar. Com 251 capítulos a novela percor-reu cerca de 14 mil quilômetros, mostrandoalém de rodeios o mundo circense em todo oBrasil. Foi ao ar de 12 de dezembro de 1990a 13 de outubro de 1991. Segundo Francfort(2008), a novela alcançou média de 16 pon-tos de audiência, porém, mesmo com essebom resultado, não obteve o mesmo sucessoque sua antecessora, Pantanal.

Desse modo, na tentativa de repetir omesmo sucesso de Pantanal, buscou-se criar

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uma produção que reutilizasse dos mesmoselementos que fizeram da obra de Bene-dito Ruy Barbosa um sucesso, paisagens na-turais como palco de uma novela. O lo-cal escolhido agora seria a Amazônia. Anovela era uma adaptação do livro Galvez,O Imperador do Acre e estreou em 10 dedezembro de 1991 com o nome Amazônia.Devido aos altos custos com gravações naregião amazônica, Amazônia representavauma aposta de risco para a Rede Manchete.A direção da emissora decidiu investir nanovela, pois esta significava uma oportu-nidade de retomar o sucesso comercial dePantanal. Contudo a trama não agradou aopúblico, pois:

Tratava-se de uma produção com-plicadíssima, com altos custos que[...] na verdade não foi vistapor quase ninguém e transformou-se em um dos maiores fiascos datelevisão brasileira. A média doIbope patinava próxima a míserosdois pontos (FRANCFORT, 2008,p. 152).

Os investimentos perdidos em Amazôniafizeram com que a Rede Manchete entrasseem uma grave crise financeira no ano de1992. Nessa época, para garantir o paga-mento de uma dívida de 60 milhões dedólares, o Banco do Brasil embargou váriosbens da TV Manchete. Em um encontro nasede do Banco do Brasil em São Paulo como então presidente da instituição LafaieteCoutinho, Adolpho Bloch pediu a renegocia-ção da dívida, solicitando um prazo maiorpara saldá-la. Diante desse quadro, das di-ficuldades em se negociar as dívidas com oBanco do Brasil, dos investimentos perdi-dos com a novela Amazônia, Adolpho Bloch

começou a cogitar a venda da rede de tele-visão para solucionar esses problemas.

3 A venda da Rede Manchete nofinal do Governo Collor(1992-1993)

Hamilton Lucas de Oliveira nasceu em SãoPaulo, 1950. Sua família trabalhava no ramográfico e Hamilton também passou a tra-balhar na gráfica de sua família, chamadaTriunfo. A empresa se especializou emimprimir formulários contínuos, usados emcontabilidade bancária e empresarial e bi-lhetes de loteria. A estratégia para o cresci-mento da gráfica consistia na aquisição depequenas gráficas em dificuldade financeira.Logo depois de comprá-las, a família deHamilton investia nelas para sanar as dividase, a partir do momento em que começassema dar lucros, integravam o grupo gráfico. Foidesse modo que Hamilton uniu essas empre-sas e formou a Indústria Brasileira de For-mulários – IBF. A IBF de Hamilton, em1992, foi um dos grupos que mostrou inte-resse em adquirir a Rede Manchete de Tele-visão, após se tornar público o interesse deAdolpho Bloch em vender a emissora.

Após negociações, em 9 de junho de 1992passaram para as mãos de Hamilton Lucas deOliveira as cinco geradoras que compunhama TV Manchete, emissoras em São Paulo,Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e For-taleza, e as rádios que também pertenciamao grupo Bloch. O empresário proprietárioda IBF comprou por 70 milhões 49% da TVManchete e passou, pelo acordo, a adminis-trar a emissora de televisão. O controle dosoutros 51% da rede seriam repassados após a

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quitação de todas as parcelas estipuladas noacordo de venda.

Ficou estipulado também que caso adívida da televisão fosse superior a 140 mi-lhões de dólares, seria ressarcido pelo grupoBloch. Na época do acordo, ele foi infor-mado de que as dívidas estavam estimadasem 110 milhões de dólares, porém “ao entrarna Manchete, Oliveira descobriu que Blochtinha vendido quase todo o espaço publi-citário da emissora por quase um ano. Des-cobriu também que as dívidas eram muitosuperiores a 150 milhões de dólares”. Aindaassim, o grupo IBF assumiu a Manchete nomês de junho de 1992.

Diante da grave crise econômica her-dada da administração Bloch, logo no mêsde julho de 1992 a IBF demitiu 670 fun-cionários. Nessa época o único destaque daprogramação foi o programa Clodovil Abreo Jogo, apresentado pelo estilista ClodovilHernandes. A situação da Rede Mancheteagravou-se ainda mês no mês de novembro,quando os funcionários deixaram de receberseus salários e Hamilton, diante desse quadroe também pelo fato de o grupo Bloch nãoter cumprido a cláusula a respeito do valorda dívida da televisão, decidiu não pagar aúltima parcela do acordo de venda para osBloch.

Em 10 de fevereiro de 1993 a IBF de-via aos funcionários os salários de dezem-bro e janeiro. A rede nesse dia saiu doar por segundos em três ocasiões. Issofoi um aviso dos técnicos à diretoria daManchete para que seus salários fossem pa-gos. Nessa época, em todo o Brasil, havia700 funcionários em greve. No dia 15 demarço houve uma invasão de funcionários daManchete à sede da emissora durante uma

assembléia do Sindicato dos Jornalistas eRadialistas de São Paulo:

30 funcionários invadiram o hallde entrada da Manchete, subi-ram pelas escadas até o 4o an-dar, arrombaram a porta do se-tor de exibição [...] e colocaramno ar o sinal do gerador de ca-racteres. Um dos funcionários[...] digitou uma mensagem sobreo logotipo da Manchete: Estamosfora do ar, por motivos falta depagamento dos meses de dezem-bro, janeiro, fevereiro e parte dodécimo terceiro de 1992 (FRANC-FORT, 2008, p. 201).

O episódio foi assunto em diversos jor-nais na página principal em vários meios decomunicação e chegou ao conhecimento deAdolpho Bloch. O empresário, vendo a si-tuação grave da Manchete, envia uma cartaaberta à imprensa, fazendo um desabafo so-bre o episódio de venda da emissora parao grupo IBF. No texto Adolpho contou umpouco sobre sua carreira e disse que mesmoem crise mantinha os pagamentos da tele-visão e que achava que a venda para Hamil-ton seria a melhor saída para a rede. Aoconcluir, disse que entrou na Justiça pararescindir o contrato de cessão de cotas comHamilton Lucas de Oliveira para retomar ocontrole da televisão e que seria capaz de re-colocar a Rede Manchete em funcionamentopleno.

No dia 23 de abril, o presidente ItamarFranco cancelou a venda da TV Manchete edevolveu o controle da emissora a AdolphoBloch. Em resposta à decisão, Hamilton en-trou, em maio, com recurso na Justiça con-

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tra Adolpho Bloch. Mesmo com situação ju-rídica indefinida, o controle da Manchete fi-cou nas mãos dos Bloch. O grupo Bloch re-assumiu a TV Manchete com uma propostade pagar todos os salários que não foram pa-gos pela IBF em 30 dias. No entanto o paga-mento só ocorreu dois meses depois.

4 A reestruturação por meio dasnovelas históricas

O ano de 1994 foi para a Rede Mancheteuma época de reestruturação econômica,com o pagamento dos salários atrasados doperíodo da administração IBF. Isso se re-fletiu na programação da emissora, pois nãohavia, inicialmente, dinheiro para se investirna cobertura de eventos tradicionais, como aCopa do Mundo, por exemplo. Ainda assim,a Manchete conseguiu transmitir o Carnavaldo Rio de Janeiro. Quanto à teledramaturgia,em razão da ausência de recursos, produziua novela 74.5 Uma onda no ar em parceriacom uma produtora independente.

No final de 1994, com a popularidadeem alta graças ao fenômeno Cavaleiros doZodíaco, a emissora dos Bloch consegue le-vantar verba para a produção própria de no-velas. Entretanto, por causa de dívidas como Banco do Brasil e com o Governo Fe-deral, que em 1995 chegavam a 180 milhõesde reais, e também pelo receio da emissoravoltar às mãos do grupo IBF, foi criada aprodutora Bloch Som e Imagem, empresa dogrupo Bloch que respondia pela produção denovelas e pelos estúdios onde eram produzi-das. Desse modo, a Bloch Som e Imagemproduziu a novela Tocaia Grande, baseadano romance de Jorge Amado. Tocaia Grandemarca o retorno de produções próprias da

Manchete no campo da teledramaturgia, quedesde 1993 não produzia novelas.

Tocaia Grande foi ao ar de 16 de out-ubro de 1995 a 10 de setembro de 1996.A estréia da novela alcançou apenas 3 pon-tos no ibope, resultado abaixo do esperadoda direção da Manchete, que investiu 6 mi-lhões na produção. Diante desse resultado,Adolpho Bloch decidiu trocar de diretor econtrata Walter Avancini, que realizou alte-rações no roteiro da obra e trouxe mais a-gilidade para a história. Isso fez com quea audiência da novela aumentasse para umamédia de 12 pontos no ibope, segundo SiteRede Manchete – Qualidade em primeirolugar1. Os resultados positivos de TocaiaGrande permitiram que a TV Manchete am-pliasse os investimentos em novelas e pro-gramas de outros gêneros. No entanto, apósrealizar as alterações em Tocaia Grande,Adolpho Bloch, em novembro de 1995, foisubmetido a uma cirurgia para tratar de pro-blemas no pulmão e coração. Na madrugadado dia 18 para o dia 19, aos 87 anos fale-ceu o presidente do grupo Bloch, AdolphoBloch. Diante da morte de Adolpho, Pe-dro Jack Kapeller, seu sobrinho, assume apresidência do grupo e, conseqüentementeda TV Manchete. Uma das primeiras me-didas tomadas por Kapeller é investir napopularização da programação da Manchete,o que pode ser percebido a partir do anode 1996, com a estréia do Programa RaulGil, aos sábados, e também com programasjornalísticos, como Câmera Manchete e oNa Rota do Crime, que abordavam temaspolêmicos e sensacionalistas.

Um dos destaques nessa época foi o Na

1Rede Manchete – Qualidade em Primeiro Lugar.Acesso em 20 de novembro de 2009.

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Rota do Crime. Tratava-se de um pro-grama jornalístico que objetivava mostrar arealidade das periferias das cidades, acom-panhando junto com policiais operações deapreensão de drogas, assaltos e fugas de ban-didos, ou seja, apresentar cenas fortes parasegurar o telespectador. Segundo o diretor daatração, Emerson Lima2, a atração baseou-se em um programa de formato semelhanteda televisão americana e chamou a atençãoda direção da Manchete pelo baixo custo deprodução, 30 mil reais mensais, e pela au-diência, média de 11 pontos no ibope, nohorário em que era exibido, às sextas-feirasà noite.

No final de 1996, definiu-se que Xica daSilva seria a novela que substituiria TocaiaGrande. As chamadas para a estréia danovela começaram a ser veiculadas na TVManchete a partir de julho de 1996. Nodia 17 de setembro do mesmo ano, entra noar produção, assinada por Walcyr Carrascoe com direção de Walter Avancini. Logoque estreou a novela já demonstrava ser umgrande sucesso e era comparada como asucessora de Pantanal. Xica da Silva, deacordo com o Site Rede Manchete – Qua-lidade em primeiro lugar3, alcançou médiade 17 pontos no ibope.

O ano de 1997 seguia com o projeto de Pe-dro Jack Kapeller de popularização da pro-gramação da Manchete, com novelas, jorna-lismo polêmico e com as animações japone-sas. A emissora mantinha-se embalada nosucesso de Xica da Silva, os Cavaleiros do

2SEQUEIRA, Cléofe Monteiro de. Na Rota doCrime cobre a Realidade. In: LOPES, Dirceu Fer-nandes; SOBRINHO, José Coelho (org). Edição emjornalismo eletrônico. São Paulo: Edicon, 2000.

3Rede Manchete – Qualidade em Primeiro Lugar.Acesso em 20 de novembro de 2009.

Zodíaco ainda garantiam retorno, não tantocomo no início de sua exibição, em 1994 e1995, mas era também um dos destaques daemissora.

No mês de março de 1997 o projeto depopularização da Manchete prosseguia, comnovos programas de auditório, como o SulaMiranda Show e o Mexe Brasil; no jorna-lismo policial, Na Rota do Crime e CâmeraManchete; e um novo segmento feminino,com o programa Mulher de Hoje, exibido noperíodo da tarde.

Walter Avancini também decidiu a suces-sora de Xica da Silva.A próxima novela teriacomo tema o mundo dos cangaceiros e sechamaria Mandacaru. A produção estreouno dia 12 de agosto de 1997, com elencocomposto pela maioria dos atores que atua-ram em Xica da Silva. A trama baseava-se no universo do cangaço, na história deLampião e Maria Bonita. No primeiro mêsde exibição, Mandacaru não conseguiu man-ter a mesma audiência de Xica da Silva,garantindo uma média de oito pontos de au-diência durante seus 259 capítulos. Ainda noano de 1997, o escritor Paulo Coelho cedeuos direitos de sua obra Brida para uma versãoem telenovela. Brida seria então trabalhadacomo sucessora de Mandacaru.

5 A Rede Manchete em 1998Em março de 1998, a Rede Manchete refor-mulou sua grade de programação. O Jor-nal da Manchete, principal jornal da emis-sora, passou a ser exibido em três edições,às 12H30, 20H30 e 00H00, com cenário evinhetas padronizados. Claudete Troiano as-sumiu a apresentação do programa femininoMulher de Hoje. Além disso, a Mancheteinvestiu em atrações populares, com o pro-

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grama Magdalena Manchete Verdade e oDomingo Milionário, apresentado por LuizThunderbird, Marcelo Augusto e por J. Sil-vestre.

Dos programas citados, apenas oDomingo Milionário, devido a questõesde audiência não permaneceu na grade, foiretirado em abril. Em seu lugar, por meiode parceria com a produtora independenteTV Ômega, foi ao ar o Domingo Total,apresentado por Sérgio Mallandro, VirginiaNowicki e Otávio Mesquita. Durante oprograma eram realizados diversos sorteiosatravés do serviço telefônico chamado 0900,ou seja, tratava-se de concursos realizadospor meio de um número de telefone. Ostelessorteios estavam presentes em grandeparte da programação da Manchete e erauma das principais formas de a emissora ar-recadar dinheiro, inclusive nas transmissõesda Copa do Mundo de 1998.

Devido ao evento, o Jornal da Manchetefoi transmitido diretamente de Paris logo noinício dos jogos, em 10 de junho de 1998.Para garantir as transmissões do evento etambém dos telejornais, foram para a Françacerca de 140 profissionais. As transmis-sões da Manchete não alcançaram o retornodesejado em termos de audiência. Foraisso, a proibição do serviço de 0900 pre-judicou a emissora, que perdeu uma dassuas principais formas de arrecadação de re-ceita. Gastaldo (2001) compara as audiên-cias das principais emissoras brasileiras du-rante a final da Copa e destaca o fracasso daManchete na exibição dos jogos em questão:

Na Copa de 1998, a partida fi-nal entre Brasil e França teve,segundo dados do Ibope (Insti-tuto Brasileiro de Opinião Pública

e Estatística), uma audiência de94% dos televisores ligados, so-mando todas as emissoras de tele-visão aberta que transmitiram oevento, a saber: Bandeirantes,Globo, Manchete, Record e SBT.

A Rede Globo alcançou partici-pação média de 75% na audiên-cia (o que, projetado para o Brasil,representa cerca de 80 milhõesde telespectadores. Já a RedeManchete alcançou apenas 1% daaudiência neste jogo (o que repre-senta pouco menos de 1 milhão detelespectadores em todo o Brasil).Bandeirantes ficou com cerca de10% , SBT com 7% e Record com5% (GASTALDO, 2001, p. 6).

Após a exibição da Copa do Mundo, osinvestimentos da Manchete concentraram-se na novela Brida, que estreou no dia 11agosto, às 19h e teve seus primeiros capí-tulos gravados na Irlanda. Os investimentospor capítulo eram de 45 mil dólares. Comogarantia para atrair os anunciantes, foi fir-mado pela Manchete um contrato de riscocom as agências de publicidade. Se o ibopede Brida não chegasse a no mínimo 5 pon-tos no ibope, não haveria anúncios na no-vela. Além disso, a meta da Manchete erachegar a 10 pontos de média. Como Bridaalcançou apenas 2 pontos de média de au-diência, a emissora, pelo contrato, perderiaos anúncios. Porém, por meio de uma nego-ciação, recebeu os valores das cotas de pu-blicidade em troca da veiculação de anúnciosextras gratuitos.

Brida não trouxe somente prejuízo para aManchete, mas agravou ainda mais a crise fi-nanceira que se iniciara no período das trans-

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missões da Copa do Mundo. Logo após oprimeiro mês de exibição, a novela mudoude horário, fora exibida às 21h30, no entantoa mudança de horário não trouxe grandes re-sultados. O diretor Walter Avancini reali-zou também diversas alterações na trama, in-vestiu em erotismo, ainda assim em vão. Osaltos custos de Brida e a questão dos anún-cios extras prejudicaram também a progra-mação da Rede Manchete, que ficou semrecursos financeiros para seguir com a pro-duções de várias atrações da emissora.

Dessa forma, devido à perda de recursos, adireção da Rede Manchete decidiu extinguirvários programas, como o Domingo Total,o programa Magdalena Manchete Verdade eoutros jornalísticos. Bolaños (2004) acres-centa que a crise financeira da Manchete afe-tou o quadro de funcionários da televisão e aestrutura da rede:

Em 30 de setembro de 1998, a di-reção da emissora anunciara umcorte de 20% do seu total de 1900funcionários, perdendo apresenta-dores conhecidos e diretores, eacabando com praticamente todasas realizações próprias [...], de-pois de já ter perdido quase to-dos os que realizavam produçõesterceirizadas, além de várias afi-liadas. Um dos últimos a sairfoi Raul Gil, que voltou paraa Record. A partir daí, [...]a Manchete passou a apresen-tar uma programação repleta dereprises (BOLAÑOS, 2004, p.250).

No mês de outubro os atores da novelaBrida entraram em greve e foram até a

Justiça do Trabalho protestar contra o atrasono pagamento dos salários. No dia 15 deoutubro, os estúdios onde eram gravados asnovelas da Manchete foram desativados eos atores entraram com um processo contraa emissora devido às questões trabalhistas.Nessa situação, a direção da Manchete de-cidiu que Brida se encerraria no dia 23 deoutubro. A novela tinha previsão de ir atéo ano de 1999, mas, sem os atores e os es-túdios, não havia mais condições de seguircom as gravações. Na sexta-feira, 23 deoutubro, o locutor oficial da emissora, EloyDecarlo, narrou um resumo com o final datrama, intercalando com imagens congeladase com outras já gravadas dos personagens. Jána segunda-feira, dia 26, no mesmo horáriode Brida, a Manchete iniciou a reprise danovela Pantanal.

Os prejuízos obtidos com a transmissãoda Copa do Mundo e com a novela Bridaprejudicaram a grade de programação daemissora, que teve vários programas cance-lados. Fora isso, os funcionários da RedeManchete haviam recebido parcialmente ossalários referente ao mês de setembro de1998. Os estúdios onde eram produzidosas novelas foram desativados e a Manchetecomeçou a reduzir o quadro de funcionários.

Nesse quadro de crise, o jornal Folha deSão Paulo noticiou no dia 23 de outubrode 1998 que o empresário Hamilton Lucasde Oliveira, presidente do grupo IBF, en-trou na Justiça para derrubar a liminar quehavia passado o controle da emissora, em1993, para a família Bloch. A disputa ju-dicial só foi definida no dia 18 de dezem-bro de 199810, quando o juiz Marco AurélioFróes definiu que os donos da emissora sãoa família Bloch. Hamilton Lucas de Oliveira

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foi também condenado a pagar 6,5 milhõespor danos morais aos Bloch.

Em meio a essa crise, Pedro Jack Kapeller,presidente do grupo Bloch, recebeu uma pro-posta intermediada pelo banco Pactual de in-vestidores que teriam interesse em adquirira Rede Manchete. Tratava-se de uma ope-ração que inicialmente sanearia as dívidas daemissora para, em seguida, repassar a tele-visão aos novos proprietários. No entanto,a negociação não prosseguiu e a Mancheteentrou no ano de 1999 à procura de investi-dores para a realização de parcerias comerci-ais. Sendo assim, Pedro Jack Kapeller, assi-nou no dia 3 janeiro um acordo com a RedeGospel de Comunicação (RGC), empresapertencente à Igreja Renascer em Cristo. Noentanto, essa parceria ainda precisaria seraprovada pelo ministério das Comunicações.Segundo a Folha de São Paulo,

a RGC Produções Ltda. – quefaz os programas da Igreja Re-nascer exibidos na Manchete –passa a dividir a responsabilidadepela produção, operacionalizaçãoe comercialização das cinco emis-soras que compõem a rede. Oacordo estabelece que quem criaa programação, vende os comer-ciais e produz os programas é aRenascer, não mais o grupo Bloch.Em troca, a igreja deve pagar umarrendamento – espécie de aluguel–, que pode chegar a R $ 5 milhõesmensais, segundo apurou a Folha(Folha de São Paulo, 9 de janeirode 1999).

Pelo acordo, a RGC além de assumir agerência da Rede Manchete, ficaria também

responsável, junto com o grupo Bloch, pelopagamento dos salários dos funcionários,inclusive os que estavam atrasados desdesetembro de 1998. O contrato firmado en-tre a RGC e o grupo Bloch tinha por du-ração de 15 anos. Parte dos funcionáriosvoltaram ao trabalho após receberem um dossalários atrasados. Os programas Jornal daManchete, Programa de Domingo, Mulherde Hoje e Frente a Frente voltaram a ser a-presentados. Eles estavam fora do ar desde odia 22 de dezembro.

O presidente da RGC e da Fundação Re-nascer, Estevam Hernandes Filho, afirmouem reunião com o então ministro das Comu-nicações, Pimenta da Veiga o compromissode pagar as dívidas da Manchete. Contudoas dívidas da Manchete, em 1999, estavamestimadas em cerca de 500 milhões de reais,sendo que 250 milhões eram com o INSS. Asconcessões da TV Manchete estavam ven-cidas desde 1996 e o ministro Pimenta daVeiga estipulou que o grupo Bloch tinha atéo dia 18 de maio para regularizar suas dívi-das com o governo, sob pena perder as con-cessões da televisão.

No dia 13 de fevereiro12, a Folha noti-cia que a Manchete rompeu o contrato coma RGC. Os funcionários da emissora foramavisados por um comunicado escrito por Pe-dro Jack Kapeller, que também foi lido par-cialmente no Jornal da Manchete do mesmodia. Oficialmente, o grupo Bloch assumiu aemissora no dia 24 de fevereiro de 1999.

Já no início do mês de março, Kapellersubmeteu ao Ministério das Comunicaçõesuma proposta de uma empresa que estaria in-teressada em comprar a emissora. O inter-mediador nessa negociação foi o então mi-nistro das Comunicações Luiz Carlos Men-donça de Barros, que assumiu ministério no

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lugar de Pimenta da Veiga. A proposta decompra da TV Manchete, veio do grupoTeleTV, de Amílcare Dallevo. No entanto,o ex-proprietário da emissora Hamilton Lu-cas de Oliveira, do grupo IBF, havia con-seguido em março de 1998 uma liminar najustiça impedindo a venda da Manchete. Afamília Bloch deveria, então, derrubar essaliminar para poder negociar com o grupoTeleTV. A decisão sobre a propriedade daRede Manchete saiu no dia 05 de maio de1999, dando posse à família Bloch. Dessemodo, as negociações com a TeleTV re-tomaram somente em maio.

No processo de venda da Rede Manchete,as concessões, mesmo sendo um bempúblico, entraram em conjunto com a nego-ciação da venda da televisão. As empresasda família Bloch, que inclui as gráficas, e-ditora, a televisão e a produtora Bloch Some Imagem foram dividas da seguinte forma:a TV Manchete Ltda. ficou com as insta-lações (da rede manchete), acervo e dívidascom bancos, INSS e FGTS; a Bloch Editoresficou com a gráfica e os direitos de publi-cações de títulos como Manchete, Amiga ePais e Filhos; e a Bloch Som e Imagem fi-cou com os estúdios de Água Grande, ondeeram gravadas as novelas e com os direitosde novelas como Tocaia Grande, Xica daSilva, Mandacaru e Brida.

A proposta de Dallevo, para a transferên-cia das concessões dos cinco canais da rede,consistia em assumir da TV Manchete Ltda.as dívidas trabalhistas, do INSS e tambémdo FGTS. Todas essas pendências somariacerca de 330 milhões de reais. O restanteda TV Manchete Ltda, instalações, equipa-mentos, acervo e outras dívidas, na margemde 200 milhões de reais, seriam compradaspela empresa Hesed Participações S/C, de

Fábio Saboya. Dessa forma, as duas em-presas, TeleTV e Hesed, compraram a RedeManchete separadamente. A Bloch Som eImagem e a Bloch Editores continuariam nasmãos da família Bloch.

Com relação aos funcionários, o presi-dente Amílcare Dallevo submeteu uma pro-posta aos sindicatos dos radialistas do Riode Janeiro e de São Paulo o pagamento dossalários atrasados, desde outubro de 1998,em 12 parcelas. A folha de pagamento aser considerada seria a de agosto de 1998,isso significa que as demissões ocorridasem setembro, início da crise da Manchete,quando a emissora anunciou um corte decerca de 600 funcionários, seriam cance-ladas.

Um ponto relevante é que a própria BlochEditores ficou como uma espécie de fiadorada Hesed, de Fábio Saboya:

A TeleTV assumiu cerca de 1.600funcionários da Manchete e asdívidas previdenciárias e traba-lhistas, estimadas na época emcerca de R$ 250 milhões.

O banqueiro Fábio Saboya SallesJr. comprou o passivo da empresa,a parte "podre", forma como ospróprios executivos se referiram,aos equipamentos, imóveis e aoCGC da Manchete. Salles Jr. ar-cou com dívidas de cerca de R$100 milhões.

A Bloch Editores – parte do grupoque controlava a Manchete-, se-gundo o contrato firmado com obanqueiro, serviria de garantidorado negócio, uma espécie de fiadora(Folha de São Paulo, 4 de novem-bro de 1999).

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Pedro Jack Kapeller e Amílcare Dallevodirigiram-se no dia 9 de maio a Brasíliapara assinar a transferência das concessõesda Rede Manchete, seguindo o acordo fir-mado pelo presidente da TeleTV. O docu-mento de transferência foi assinado às duasda tarde e, a partir dessa data, as concessõesda Rede Manchete passaram a pertencer aogrupo TeleTV.

6 Considerações sobre atrajetória da Rede Manchete

Ao se analisar a história da TV Manchete,pode-se atribuir a falência da emissora a al-guns fatores, entre eles se destacam o mo-delo de administração da família Bloch ea evolução da dívida contraída pela emis-sora com bancos e instituições financeiras.A postura administrativa dos Bloch diantede um quadro de crise financeira era a deconcentrar todos os investimentos da emis-sora em uma atração. Essa atração, casofosse comercialmente bem-sucedida, garan-tia o resto da programação, ou seja, seriacomo uma espécie de sustentáculo para todaa programação. Caso os resultados ficas-sem aquém das expectativas, a rede não so-mente perderia esses investimentos, mas fi-cava sem capital para manter a programaçãoe a rede como um todo. Para sair da crisea emissora recorreu ao sistema bancário embusca de investimentos, no entanto, a redeprecisava de uma programação atrativa aomercado publicitário para garantir a sobre-vivência da rede e também o pagamento dosempréstimos, pois do contrário, o valor dadívida cresceria e a emissora acabaria fi-cando sem meios para seguir com investi-mentos. Osmar Gonçalves14, que foi dire-

tor da Rede Manchete, explica que havia trêsprincipais fontes de arrecadação, uma delasvinha pelas atrações jornalísticas, outra docampo da teledramaturgia e a terceira dasatrações infantis.

Logo na estréia da Rede Manchete, em1983, Adolpho Bloch investiu 50 milhões dedólares na estrutura e programação da emis-sora. Todo esse investimento, no entanto,não alcançou os resultados esperados. Trêsanos depois da estréia, em 1986, já haviasido contabilizado um prejuízo de 34 mi-lhões de dólares. Diante desse quadro, aadministração Bloch decidiu investir aindamais na emissora, buscando mais recursose investindo em atrações para as classesmais populares. O sucesso adquirido comas atrações infantis, principalmente com aexibição das séries TOKUSATSU a par-tir de 1988, trouxeram recursos para a TVManchete, fundamentais para a manutençãoda rede e para investimentos em outrasatrações. A teledramaturgia, pelo fato de es-tar em alta nos anos de 1989 a 1991, tambémpermitiu o crescimento da Rede Manchete efoi nessa época que houve os sucessos comKananga do Japão, Pantanal e A História deAna Raio e Zé Trovão.

No entanto, à medida que a Manchete al-cançou bons resultados no campo da teledra-maturgia, mais se investiu nesse campo. Épor esse motivo que se compreende o fatode o prejuízo da novela Amazônia ter pre-judicado tanto a rede. A baixa audiência danovela não só prejudicou o faturamento daemissora, mas a deixou sem verbas para seinvestir em outras produções. Dentro dessequadro, sem condições financeiras para in-vestir e com uma dívida crescente, AdolphoBloch decidiu vender a Rede Manchete, em1992.

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De posse da Rede Manchete, a adminis-tração IBF prejudicou a emissora em termosde programação e também em termos finan-ceiros. Funcionários da rede ficaram sem re-ceber seus salários, o que provocou grevese invasões dos funcionários à torre de trans-missão da emissora, tornando público a criseque a Manchete se encontrava. AdolphoBloch, ao ver esse quadro grave, conseguecancelar o contrato de venda e reassumiu adireção da Rede Manchete.

A família Bloch assumiu a televisão comuma situação econômica grave, com ossalários dos funcionários atrasados. Diantedessa situação, as esperanças da emissoraestavam investidas novamente em um pro-grama que atraísse audiência e faturamentopara a Manchete. E foi justamente nessaépoca que começou o fenômeno Cavaleirosdo Zodíaco. A exibição dessa animaçãojaponesa não só possibilitou o reestruturaçãoda emissora, como trouxe por meio das ani-mações japoneses vários aspectos da culturapop do Japão. Em seguida, o sucesso com anovela Xica da Silva também possibilitou arecuperação da Rede Manchete.

O ano de 1998, contudo, foi marcadopor vários investimentos equivocados. Odesgaste na programação fez com que nomês de março desse ano a grade da TVManchete fosse alterada. Fora isso, a emis-sora investiu muito na cobertura da Copa doMundo de 1998. A transmissão do eventonão alcançou os resultados esperados peladireção da emissora e trouxeram muito pre-juízo. Fora isso, a proibição do serviço detelessorteio 0900 fez com que a arrecadaçãoda televisão diminuísse.

Diante desse quadro, mais uma todas asesperanças e investimentos voltaram-se paraa novela Brida. O alto custo da nove-

la, a baixa audiência e o contrato com osanunciantes serviram para que a crise daManchete atingisse projeções preocupantes,com o não pagamento dos salários dos fun-cionários, em setembro de 1998. A partirdisso, passou por uma parceria com a Fun-dação Renascer, que durou um mês devidoao não cumprimento do contrato por parteda Renascer, até a venda da emissora parao grupo TeleTV.

Ao solicitar o pedido de autofalência daBloch Editores, Pedro Jack Kapeller enviaum documento à Justiça. Nesse documento,esclarece que a falência da TV Manchete temrelação direta ao modelo de administraçãoempregado na emissora:

Com o alto custo das opera-ções, o universo empresarialbrasileiro precisou recorrer aosistema bancário, uns mais outrosmenos, dentro da normalidadedo mercado. Assim, em 1991,a Rede Manchete de TelevisãoLtda. Obteve um empréstimo de 3milhões de dólares no Banco doBrasil. Foi o início do perversoprocesso que levou Adolpho Blocha vender a rede [...] A transaçãoacabou cancelada pela Justiça,levando a TV a ser devolvida àBloch com novas dívidas e com-promissos não cumpridos, e daexplosão dos juros sobre emprés-timos como mais um subprodutodas malsucedidas operações detransferência de ativos e passivosda TV. A tempestade que atingiua TV finalmente arrastou a Bloch(GONÇALVES, 2008, p. 418).

O modelo administrativo da TV Manchete

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influenciou diretamente a evolução das dívi-das da emissora. Esses débitos, devidos avários fatores, principalmente a investimen-tos mal sucedidos, prejudicaram a outras em-presas do grupo, como a Bloch Editores.Dessa forma, pode-se perceber os porquêsde Pedro Jack Kapeller enfatizar que a criseda TV Manchete ter afetado todo o grupoBloch.

Já concretizada a venda da TV Manchete,o jornal Folha de São Paulo denunciou, em2002, que o acervo da emissora, incluindoprogramas jornalísticos, como DocumentoEspecial, e novelas, como Pantanal, estáse deteriorando no prédio que era sede doGrupo Bloch. Esse local foi lacrado de-vido a questão jurídica envolvendo questãoda sucessão trabalhista da Rede Manchetepela Tele TV. Até a presente data essaquestão trabalhista ainda não foi resolvida eo patrimônio da emissora dos Bloch continualacrado pela Justiça. Perde-se dessa forma amemória televisiva do Brasil, do período quevai desde a saída do regime militar até a de-mocratização do país.

ReferênciasReferências Bibliográficas

BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Mer-cado brasileiro de televisão. São Paulo:EDUC, 2004.

FRANCFORT, Elmo. Rede Manchete:aconteceu, virou história. São Paulo:Imesp, 2008.

GASTALDO, Édison Luis. Narrando oFracasso: a locução esportiva na de-cisão da Copa do Mundo de 1998. In-tercom 2001.

MATTOS, Sérgio Augusto Soares.História da televisão brasileira:uma visão econômica, social e política.Petrópolis: Vozes, 2. ed., 2002.

OLIVEIRA, João Paulo; CASTRO, ThellFernando Gabriel; GODI JUNIOR,Wanderley. O nascimento, o auge ea decadência das redes Tupi, Excel-sior e Manchete. 2004. Trabalho deConclusão de Curso – Universidade deRibeirão Preto, São Paulo, 2004.

SEQUEIRA, Cléofe Monteiro de. NaRota do Crime cobre a Realidade.In: LOPES, Dirceu Fernandes; SO-BRINHO, José Coelho (org). Ediçãoem jornalismo eletrônico. São Paulo:Edicon, 2000.

Periódicos

Manchete é dos Bloch, diz Justiça do Rio.Folha de São Paulo. São Paulo, sexta-feira, 18 de dezembro de 1998. FolhaDinheiro.

Renascer quer que fiel pague por TV. Folhade São Paulo. São Paulo, sábado, 9 dejaneiro de 1999. Folha Ilustrada.

Manchete rompe contrato com Renascer.Folha de São Paulo. São Paulo,Sábado, 13 de Fevereiro de 1999. FolhaIlustrada.

Governo analisa a venda da Manchete.Folha de São Paulo. São Paulo, Terça-feira, 11 de Maio de 1999. Folha Di-nheiro.

GONÇALVES, José Esmeraldo; Barros, J.A. (org). Aconteceu na Manchete: as

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histórias que ninguém contou. Rio deJaneiro: Desiderata, 2008.

Webgrafia

Rede Manchete – Qualidade em PrimeiroLugar. Acesso em 20 de novembro de2009.

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