Redacao Escrevendo Com Pratica

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SUMÁRIO UNIDADE 1 Início de trabalho: escrevendo o texto ............................................. 15 Exercícios ................................................................................................... 16 UNIDADE 2 Os mecanismos de coesão e coerência textuais ............................. 21 Capítulo 1: A coesão .................................................................................... 22 Exercícios ................................................................................................... 23 Capítulo 2: A coerência .............................................................................. 25 Exercícios ................................................................................................... 26 UNIDADE 3 A descrição ................................................................................................ 28 Capítulo 1: Descrição objetiva e subjetiva ............................................. 28 Exercícios ................................................................................................... 29 Capítulo 2: Descrição sensorial ................................................................ 32 Exercícios ................................................................................................... 33 Capítulo 3: Descrevendo a personagem: ............................................... 34 a) Descrição física e psicológica .......................................................... 34 b) Critérios de seleção na composição da personagem .............. 38

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  • SUMRIO

    UNIDADE 1Incio de trabalho: escrevendo o texto ............................................. 15Exerccios ................................................................................................... 16

    UNIDADE 2Os mecanismos de coeso e coerncia textuais ............................. 21

    Captulo 1: A coeso .................................................................................... 22Exerccios ................................................................................................... 23

    Captulo 2: A coerncia .............................................................................. 25Exerccios ................................................................................................... 26

    UNIDADE 3A descrio ................................................................................................ 28

    Captulo 1: Descrio objetiva e subjetiva ............................................. 28Exerccios ................................................................................................... 29

    Captulo 2: Descrio sensorial ................................................................ 32Exerccios ................................................................................................... 33

    Captulo 3: Descrevendo a personagem: ............................................... 34 a) Descrio fsica e psicolgica .......................................................... 34 b) Critrios de seleo na composio da personagem .............. 38

  • c) Critrios de seleo em benefcio da mensagem ..................... 41Exerccios ................................................................................................... 42

    Captulo 4: Descrio de ambiente e paisagem ................................... 43 a) Descrio de paisagem ...................................................................... 46 b) Descrio de ambiente fechado .................................................... 47 c) Descrio de cena ............................................................................... 48Exerccios ................................................................................................... 49Propostas de redao .............................................................................. 50

    UNIDADE 4A narrao .................................................................................................. 55

    Captulo 1: A tcnica narrativa ................................................................. 55Exerccios ................................................................................................... 57

    Captulo 2: O narrador ............................................................................... 60 a) Narrador em 1 pessoa ...................................................................... 60 b) Narrador em 3 pessoa ..................................................................... 60Exerccios ................................................................................................... 61

    Captulo 3: O discurso ................................................................................. 62 a) Discurso direto .................................................................................... 62 b) Discurso direto e os verbos de locuo ....................................... 62 c) Discurso indireto ................................................................................ 64 d) Trocando os discursos ...................................................................... 64 e) Discurso indireto-livre ....................................................................... 65Exerccios ................................................................................................... 66

    Captulo 4: Nveis de linguagem .............................................................. 70 a) Linguagem formal .............................................................................. 70 b) Linguagem informal ......................................................................... 70Exerccios ................................................................................................... 71

    Captulo 5: O tempo na narrativa ............................................................ 72 a) Tempo psicolgico ............................................................................. 72 b) Tempo cronolgico ........................................................................... 72Exerccios ................................................................................................... 74

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  • Captulo 6: O enredo e sua estrutura ..................................................... 75Exerccios ................................................................................................... 78

    Captulo 7: A estrutura narrativa ............................................................. 82 a) Manipulao ........................................................................................ 82 b) Competncia ....................................................................................... 82 c) Performance ............................................................................................ 82 d) Sano ................................................................................................... 82Exerccios ................................................................................................... 83

    Captulo 8: A organizao do texto narrativo ...................................... 85 a) Narrao objetiva ............................................................................... 85 b) Narrao subjetiva ............................................................................. 85 c) O conflito .............................................................................................. 89 d) Aes da personagem ....................................................................... 91 e) O fato novo .......................................................................................... 92Exerccios ................................................................................................... 93Propostas de redao ............................................................................. 94

    UNIDADE 5A dissertao ............................................................................................. 108

    Captulo 1: O texto dissertativo ................................................................ 108Exerccios ................................................................................................... 109

    Captulo 2: O ttulo e o tema no texto dissertativo ............................ 111Exerccios ................................................................................................... 112

    Captulo 3: O fato e a opinio .................................................................. 113Exerccios ................................................................................................... 113

    Captulo 4: O desenvolvimento da opinio .......................................... 115Exerccios ................................................................................................... 116

    Captulo 5: O planejamento do texto .................................................... 117Exerccios ................................................................................................... 118

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  • Captulo 6: A organizao das idias ....................................................... 119Exerccios ................................................................................................... 120

    Captulo 7: Escrevendo o texto dissertativo .......................................... 121 a) O pargrafo dissertativo ................................................................... 122 b) Desenvolvimento do texto: 1) enumerao, 2) causa/

    conseqncia, 3) exemplificao, 4) confronto, 5) dados estatsticos, 6) citaes ...................................................................... 123

    c) Concluso: 1) concluso-sntese, 2) concluso-soluo,3) concluso-surpresa........................................................................ 125

    Exerccios ................................................................................................... 127

    Captulo 8: A dissertao subjetiva .......................................................... 128Exerccios ................................................................................................... 130Propostas de redao .............................................................................. 135

    UNIDADE 6Apoio funcional ....................................................................................... 158

    Captulo 1: Acentuao grfica ................................................................. 159Exerccios ................................................................................................... 161

    Captulo 2: A crase ........................................................................................ 162Exerccios ................................................................................................... 165

    Captulo 3: O uso da vrgula ...................................................................... 167Exerccios ................................................................................................... 169

    Captulo 4: O uso dos pronomes ............................................................. 171Exerccios ................................................................................................... 174

    Captulo 5: Concordncia verbal ............................................................. 175Exerccios ................................................................................................... 181

    Captulo 6: Concordncia nominal ......................................................... 179Exerccios ................................................................................................... 181

    Bibliografia ...................................................................................................... 183

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  • UNIDADE 1: INCIO DE TRABALHO: Escrevendo o texto

    Penetra surdamente no reino das palavras.Carlos Drummond de Andrade

    comum ouvir das pessoas frases como essas: Escrever mui- to difcil, Eu no sei escrever, Redao uma das matrias

    mais dif-ceis da escola e outras parecidas.

    Ser possvel, realmente, aprender a escrever ou um dom natural?

    As respostas para as duas perguntas so positivas: possvel aprender a escrever; e escrever , tambm, um dom natural.

    No entanto, mesmo escritores que possuem o dom natural de escrever trabalham tecnicamente o texto. O trabalho de cor- reo e reescritura chega a ser rduo, porm o resultado com- pensador. Conclui-se, ento, que escrever uma tcnica e, dessa forma, pode ser aprendida.

    H em nossa literatura depoimentos de escritores sobre a tcnica da escrita:

    Esta a terceira vez ou quarta vez que ponho o papel na mquina e comeo a escrever: mas sinto que as frases pesam ou soam falso, e as palavras dizem de mais ou dizem menos e a escrita sai desentoada com o sentimento.

    (Rubem Braga)

    Escrevo trezentas pginas, aproveito no mximo trinta.(Fernando Sabino)

    Voc ir escrevendo, ir escrevendo, se aperfeioando, pro- gredindo, progredindo aos poucos: um belo dia (se voc agentar o tranco) os outros percebem que existe um grande escritor.

    (Mrio de Andrade)

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  • Percebemos pelos depoimentos que escrever no uma tarefa fcil, e a reside sua graa: o desafio de escrever.

    maravilhoso ver no papel a concretizao de um pensa- mento, de um sonho, de uma idia.

    Para isso, preciso um pouco de tcnica na escolha da pala- vra, do estilo do texto, do ponto de vista; estes recursos tcnicos sero trabalhados nos prximos captulos.

    Porm, antes, que tal comear o trabalho produzindo um texto?

    EXERCCIOS

    1) Leia as duas belas crnicas de dois dos maiores cronistas brasi- leiros: Rubem Braga e Fernando Sabino. A seguir, elabore uma redao expressando sua vontade sobre como quereria o seu texto.

    MEU IDEAL SERIA ESCREVER...Rubem Braga

    Meu ideal seria escrever uma histria to engraada que aque- la moa que est doente naquela casa cinzenta, quando lesse minha histria no jornal, risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse ai meu Deus, que histria mais engraada. E ento con- tasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou trs amigas para contar a histria; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficas- sem alegremente espantados de v-la to alegre. Ah, que minha histria fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moa reclusa, enlutada, doente. Que ela mes- ma ficasse admirada ouvindo o prprio riso, e depois repetisse para si prpria mas essa histria mesmo muito engraada!

    Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal tambm fosse atingido pela minha hist- ria. O marido a leria e comearia a rir, o que aumentaria a irritao da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua m vontade, tomas-

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  • se conhecimento da histria, ela tambm risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

    Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera, a minha histria chegasse e to fascinante de graa, to irresistvel, to colorida e to pura que todos limpassem seu corao com lgri- mas de alegria; que o comissrio do distrito, depois de ler minha histria, mandasse soltar aqueles bbados e tambm aquelas pobres mulheres colhidas na calada e lhes dissesse por favor, se compor- tem, que diabo! eu no gosto de prender ningum! E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontnea homenagem minha histria.

    E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse conta-da de mil maneiras, e fosse atribuda a um persa, na Nigria, a um australiano, em Dublim, a um japons, em Chicago mas que em todas as lnguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chins muito pobre, muito sbio e muito velho dissesse: Nun- ca ouvi uma histria assim to engraada e to boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido at hoje para ouvi-la; essa hist- ria no pode ter sido inventada por nenhum homem; foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que j estivesse morto; sim, deve ser uma histria do cu que se filtrou por acaso at nosso conheci- mento; divina.

    E quando todos me perguntassem mas de onde que voc tirou essa histria? eu responderia que ela no minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal comeara a contar assim:Ontem ouvi um sujeito contar uma histria...

    E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha histria em um s segundo, quando pensei na tristeza daquela moa que est doente, que sempre est doente e sempre est de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

    (BRAGA, Rubem. Meu ideal seria escrever.... 200 CrnicasEscolhidas. Rio de Janeiro, Record, 1977.)

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  • A LTIMA CRNICAFernando Sabino

    A caminho de casa, entro num botequim da Gvea para tomar um caf junto ao balco. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com xito mais um ano nesta busca do pito- resco ou do irrisrio no cotidiano de cada um. Eu pretendia ape- nas recolher da vida diria algo de seu disperso contedo huma- no, fruto da convivncia, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episdico. Nesta perseguio do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criana ou num incidente domstico, torno-me simples espectador e per- co a noo do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabe- a e tomo meu caf, enquanto o verso do poeta se repete na lem- brana: assim eu quereria o meu ltimo poema. No sou poeta e estou sem assunto. Lano ento um ltimo olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crnica.

    Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se numa das ltimas mesas de mrmore ao longo da parede de espe- lhos. A compostura da humildade, na conteno de gestos e pala- vras, deixa-se acentuar pela presena de uma negrinha de seus trs anos, lao na cabea, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou tambm mesa: mal ousa balanar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Trs seres esquivos que compem em torno mesa a instituio tradicional da famlia, clula da sociedade. Vejo, porm, que se preparam para algo mais que matar a fome.

    Passo a observ-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garom, inclinando-se para trs na cadeira, e aponta no balco um pedao de bolo sob a redoma. A me limita-se a ficar olhando imvel, vagamente ansio- sa, como se aguardasse a aprovao do garom. Este ouve, concen- trado, o pedido do homem e depois se afasta para atend-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da natura- lidade de sua presena ali. A meu lado o garom encaminha a ordem do fregus. O homem atrs do balco apanha a poro do bolo com a mo, larga-o no pratinho um bolo simples amarelo- escuro, apenas uma pequena fatia triangular.

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  • A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola e o pratinho que o garom deixou sua frente. Por que no comea a comer? Vejo que os trs, pai, me e filha, obe- decem em torno mesa a um discreto ritual. A me remexe na bolsa de plstico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fsforos, e espera. A filha aguarda tambm, atenta como um animalzinho. Ningum mais os observa alm de mim.

    So trs velinhas brancas, minsculas, que a me espeta capri- chosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola, o pai risca o fsforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mrmore e sopra com fora, apa- gando as chamas. Imediatamente pe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: parabns pra voc, parabns pra voc... Depois a me recolhe as velas, torna a a guard-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mos sfregas e pe-se a com-lo. A mulher est olhando para ela com ternura ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer inti- mamente do sucesso da celebrao. De sbito, d comigo a obser- v-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido vacila, ameaa abaixar a cabea, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

    Assim eu quereria a minha ltima crnica: que fosse pura como esse sorriso.

    (SABINO, Fernando. A companheira de viagem. 10 ed. Rio de Janeiro, Record, 1987, p. 169-71.)

    2) Leia o depoimento de Carlos Drummond de Andrade sobreComo comecei a escrever e imagine-se como um escritor de sucesso dando o seu depoimento de como comeou a escrever.

    A por volta de 1910 no havia rdio nem televiso, e o cine- ma chegava ao interior do Brasil uma vez por semana, aos domin- gos. As notcias do mundo vinham pelo jornal, trs dias depois de publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do correio aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. No dava para ler o papel transformado em mingau.

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  • Papai era assinante da Gazeta de Notcias, e antes de aprender a ler eu me sentia fascinado pelas gravuras coloridas do suplemen- to de domingo. Tentava decifrar o mistrio das letras em redor das figuras, e mame me ajudava nisso. Quando fui para a escola pblica, j tinha a noo vaga de um universo de palavras que era preciso conquistar.

    Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exerccios de redao. Cada um de ns tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder de expresso contido nos sinais reuni- dos em palavras.

    Da por diante as experincias foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a literatura. Alguns elo- gios da professora me animavam a continuar. Ningum falava em conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estava germinando. Meu irmo, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a viver entre eles. Depois, j rapaz, tive a sorte de conhecer outros rapazes que tambm gostavam de ler e escrever.

    Ento, comeou uma fase muito boa de troca de experin- cias e impresses. Na mesa do caf-sentado (pois tomava-se caf sentado nos bares, e podia-se conversar horas e horas sem inco- modar nem ser incomodado) eu tirava do bolso o que escrevera durante o dia, e meus colegas criticavam. Eles tambm sacavam seus escritores, e eu tomava parte nos comentrios. Tudo com naturalidade e franqueza. Aprendi muito com os amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que no desfrutam desse tipo de amizade crtica.

    (Como comecei a escrever. Carlos Drummond de Andrade. Apud Para Gostar de Ler, vol. 4, Ed. tica, 1992, pg. 6 e 7.)

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  • UNIDADE 2: OS MECANISMOS DE COESO E COERNCIA TEXTUAIS

    O certo saber que o certo certo.Caetano Veloso

    O texto no simplesmente um conjunto de palavras; pois se o fosse, bastaria agrup-las de qualquer forma e teramos um.

    O ontem lanche menino comeu

    Veja que neste caso no h um texto, h somente um grupo de palavras dispostos em uma ordem qualquer. Mesmo que colo- cssemos estas palavras em uma ordem gramatical correta: sujeito- verbo-complemento precisaramos, ainda, organizar o nvel semntico do texto, deixando-o inteligvel.

    O lanche comeu o menino ontem O nvel sinttico est perfeito: sujeito = o lancheverbo = comeucomplementos = o menino ontem

    Mas o nvel semntico apresenta problemas, pois no pos- svel que o lanche coma o menino, pelo menos neste contexto. Caso a frase estivesse empregada num sentido figurado e em outro contexto, isto seria possvel.

    Pedrinho saiu da lanchonete todo lambuzado de maionese, mostarda e catchup, o lanche era enorme, parecia que o lanche tinha comido o menino.

    A coeso e a coerncia garantem ao texto uma unidade de significados encadeados.

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  • CAPTULO 1

    A COESO

    H, na lngua, muitos recursos que garantem o mecanismo de coeso:

    * por referncia: Os pronomes, advrbios e os artigos so os elementos de coeso que proporcionam a unidade do texto.

    O Presidente foi a Portugal em visita. Em Portugal o presi- dente recebeu vrias homenagens.

    Esse texto repetitivo torna-se desagradvel e sem coeso. Observe a atuao do advrbio e do pronome no processo de e elaborao do texto.

    O Presidente foi a Portugal. L, ele foi homenageado.

    Veja que o texto ganhou agilidade e estilo. Os termos L eele referem-se a Portugal e Presidente, foram usados a fim de tornar o texto coeso.

    * por elipse: Quando se omite um termo a fim de evitar sua repetio.

    O Presidente foi a Portugal. L, foi homenageado.

    Veja que neste caso omitiu-se a palavra Presidente, pois subentendida no contexto.

    * lexical: Quando so usadas palavras ou expresses sinni- mas de algum termo subseqente:

    O Presidente foi a Portugal. Na Terra de Cames foi home- nageado por intelectuais e escritores.

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  • Veja que Portugal foi substituda por Terra de Cames para evitar repetio e dar um efeito mais significativo ao texto, pois h uma ligao semntica entre Terra de Cames e intelec- tuais e escritores.

    * por substituio: usada para abreviar sentenas inteiras, substituindo-as por uma expresso com significado equivalente.

    O presidente viajou para Portugal nesta semana e o ministro dos Esportes o fez tambm.

    A expresso o fez tambm retoma a sentena viajou paraPortugal.

    * por oposio: Empregam-se alguns termos com valor de oposio (mas, contudo, todavia, porm, entretanto, contudo) para tornar o texto compreensvel.

    Estvamos todos aqui no momento do crime, porm no vimos o assassino.

    * por concesso ou contradio: So eles: embora, ainda que, se bem que, apesar de, conquanto, mesmo que.

    Embora estivssemos aqui no momento do crime, no vimos o assassino.

    * por causa: So eles: porque, pois, como, j que, visto que, uma vez que.

    Estvamos todos aqui no momento do crime e no vimos o assassino uma vez que nossa viso fora encoberta por uma nvoa muito forte.

    * por condio: So eles: caso, se, a menos que, contanto que. Caso estivssemos aqui no momento do crime, provavelmen-

    te teramos visto o assassino.

    * por finalidade: So eles: para que, para, a fim de, com o objetivo de, com a finalidade de, com inteno de.

    Estamos aqui a fim de assistir ao concerto da orquestra muni- cipal.

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  • EXERCCIOS

    1) Use os mecanismos de coeso textual nas frases a seguir:a) O presidente esteve na Frana ontem. O presidente disse na

    Frana que o Brasil est controlando bem a inflao.b) Comprei muitas frutas e coloquei as frutas na geladeira.c) Acabamos de receber dez caixas de canetas. Estas canetas

    devem ser encaminhadas para o almoxarifado.d) As revendedoras de automveis no esto mais equipando os

    seus automveis para vender os automveis mais caro. O clien- te vai revendedora de automveis com pouco dinheiro e, se tiver que pagar mais caro o automvel, desiste de comprar o automvel e as revendedoras de automveis tm prejuzo.

    e) Eu fui escola, na escola encontrei meus amigos que h muito tempo no via, eu convidei alguns amigos da escola para ir ao cinema.

    f) O professor chegou atrasado e ele comeou a ditar matrias sem parar um instante, o professor meio estranho, ele mal conversa com a classe, a classe no gosta muito do professor.

    g) Minha namorada estuda ingls. Minha namorada sempre

    gostou de ingls.

    2) Ligue os perodos com auxlio de conjunes.a) Todos participaram das festas. Alguns no gostaram muito. b) Todos participaram das festas. Alguns gostariam de ter fica-

    do em casa.c) Estudamos muito para o vestibular. Conseguiremos a vaga

    tranqilamente.d) O ru no deps. No se sentia bem no dia.e) importante a contribuio de todos no revezamento de

    veculos. Possamos respirar um ar saudvel.f) O tempo vai passando, vamos ficando mais experientes.g) O fumo deveria ser proibido em locais pblicos. O fumo faz

    muito mal sade.h)Voc tenha tempo, aparea aqui para tomarmos um caf. i) Ela tem bastante dinheiro. Ela viajar nas frias.j) O professor de matemtica muito srio. O professor de

    redao um figuro.

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  • CAPTULO 2

    A COERNCIA

    muito confusa a distino entre coeso e coerncia, aqui entenderemos como coerncia a ligao das partes do texto com o seu todo.

    Ao elaborar o texto, temos que criar condies para que haja uma unidade de coerncia, dando ao texto mais fidelidade.

    Estava andando sozinho na rua, ouvi passos atrs de mim, assustado nem olhei, sa correndo, era um homem alto, estranho, tinha em suas mos uma arma...

    Se o narrador no olhou, como soube descrever a perso- nagem?

    A falta de coerncia se d normalmente:Na inverossimilhana, falta de concatenao e argu-

    mentao falsa.

    Observe outra situao:

    Estava voltando para casa, quando vi na calada algo que parecia um saco de lixo, cheguei mais perto para ver o que acon- tecia...

    Ocorre neste trecho uma incoerncia pois se era realmente um saco de lixo, com certeza no iria acontecer coisa alguma.

    Outro tipo de incoerncia: Ao tentar elaborar uma histria de suspense, o narrador escolhe um ttulo que j leva o leitor a con- cluir o final da histria.

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  • Um milho de dlaresEstava voltando para casa, quando vi na calada algo que

    parecia um saco de lixo, ao me aproximar percebi que era um pacote...

    O que ser que havia dentro do pacote? Veja como o narra- dor acabou com a histria na escolha infeliz do ttulo.

    A incoerncia est presente, tambm, em textos dissertativos que apresentam defeitos de argumentao.

    Em muitas redaes observamos afirmaes falsas e inconsis- tentes. Observe:

    No fundo nenhuma escola est realmente preocupada com a quali- dade de ensino.

    Estava assistindo ao debate na televiso dos candidatos ao governo de So Paulo, eles mais se acusavam moralmente do que mostravam suas propostas de governo, em um certo momento do debate dois candidatos quase partem para a agresso fsica. Dessa forma, isso nos leva a concluir que o homem no consegue conciliar idias opostas por isso que o mundo vive em guerras freqentemente.

    Note que nos dois primeiros exemplos as informaes so amplas demais e sem nenhum fundamento. J no terceiro, a con- cluso apresentada no tem ligao nenhuma com o exemplo argumentado.

    Esses exemplos caracterizam a falta de coerncia do texto. Finalizando, tanto os mecanismos de coeso como os de

    coerncia devem ser empregados com cuidado, pois a unidade do texto depende praticamente da aplicao correta desses meca- nismos.

    EXERCCIOS

    1) Imagine, para cada situao, uma complicao e uma soluo. a) Um rapaz deveria chegar s duas horas da tarde, na frente do

    colgio para um encontro com a namorada.b) Joo pediu o carro emprestado a um amigo e bateu em um

    poste.

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  • c) Eliana, uma menina de 15 anos, esqueceu-se do horrio com- binado e chegou s trs da manh em casa, seus pais estavam furiosos.

    2) Explique como poderamos solucionar estes problemas:a) Dois rapazes moram sozinhos em um apartamento, um deles

    encontrado morto no play-ground do prdio. A janela do apartamento estava aberta, na sala havia dois copos de usque e um tbua de frios, um dos quartos estava em ordem como se ningum tivesse dormido no local; no outro, o amigo havia dormido.

    b) O marido desconfia que sua esposa o trai com seu chefe, um colega mostra a foto dos dois, possveis amantes, em uma loja de roupas ntimas femininas.

    3) D um argumento para cada proposio.a) O menor de 18 anos deve ser punido pelos crimes cometidos. b) Qual a principal conseqncia da violncia na TV, no com-

    portamento de crianas e adolescentes?c) A doao de rgos deveria ser obrigatria?

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  • UNIDADE 3: A DESCRIOCAPTULO 1

    DESCRIO OBJETIVA E SUBJETIVA

    A Beleza, gmea da verdade, arte pura, inimi- ga do artifcio a fora e a graa na simplicidade.

    Olavo Bilac

    A descrio a representao, por meio de palavras, das caractersticas de um objeto que as distinguem de outros.

    A descrio tem por objetivo transmitir ao leitor uma ima- gem do objeto descrito. Podendo ser:

    Objetiva: quando retratamos a realidade como ela . Subjetiva: quando retratamos a realidade conforme

    nossos sentimentos e emoo.

    Descrio objetiva:A cmoda era velha, de madeira escura com manchas pro-

    vocadas pelo longo tempo de uso. As trs gavetas possuem puxa- dores de ferro em forma de conchas, nas duas laterais h orna- mentos semelhantes queles de esculturas barrocas, os ps so redondos e ornamentados.

    Descrio subjetiva:Dona Cmoda tem trs gavetas. E um ar confortvel de

    senhora rica. Nas gavetas guarda coisas de outros tempos, s para si. Foi sempre assim, dona Cmoda: gorda, fechada, egosta.

    (QUINTANA, Mrio, Sapo Amarelo, Porto Alegre MercadoAberto, 1984, p. 37).

    Como podemos observar, a cmoda foi descrita de duas ma- neiras diferentes.

    28

  • Na primeira descrio houve um retrato fiel do objeto; j na segunda, houve o ponto de vista do autor, o objeto foi descrito conforme ele o v.

    Observao:

    importante no confundir descrio e definio. Definir explicar a significao de um ser. Descrever retratar a partir de um ponto de vista.

    VEJA A DEFINIO DE UMA CMODA:

    CMODA: mvel guarnecido de gavetas desde a base at a parte superior.

    Note que na definio no h ponto de vista, o objeto des- crito de maneira geral, serviria para qualquer cmoda; j nas descries prevaleceram a particularidade, cada cmoda foi des- crita de forma diferente, sob pontos de vista diferentes.

    EXERCCIOS

    1) Elabore uma descrio objetiva e subjetiva dos seguintes objetos:a) um armrio.b) um guarda-chuva. c) um caderno.d) uma caneta.

    2) Leia o texto de Carlos Drummond de Andrade, observe o pro- cesso descritivo e faa o mesmo com um animal perdido.

    ANNCIO DE JOO ALVES

    Figura o anncio em um jornal que o amigo me mandou, est assim redigido:

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  • procura de uma besta A partir de 6 de outubro do ano cadente, sumiu-me uma besta vermelho-escura com os seguintes caractersticos: calada e ferrada de todos os membros loco- motores, um pequeno quisto na base da orelha direita e crina dividida em duas sees em conseqncia de um golpe, cuja extenso pode alcanar de 4 a 6 centmetros, introduzido por um jumento.

    Essa besta, muito domiciliada nas cercanias deste comrcio, muito mansa e boa de sela, e tudo me induz ao clculo de que foi roubada, assim que ho sido falhas todas as indagaes.

    Quem, pois, aprend-la em qualquer parte e a fizer entregue aqui ou pelo menos notcia exata ministrar, ser razoavelmente remunerado. Itamb do Mato Dentro, 19 de novembro de 1899.(a) Joo Alves Jnior.

    55 anos depois, prezado Joo Alves Jnior, tua besta verme- lho-escura, mesmo que tenha aparecido, j p no p. E tu mes- mo, se no estou enganado, repousas suavemente no pequeno cemitrio de Itamb. Mas teu anncio continua um modelo no gnero, se no para ser imitado, ao menos como objeto de admi- rao literria.

    Reparo antes de tudo na limpeza de tua linguagem. No escreveste apressada e toscamente, como seria de esperar de tua condio rural. Pressa, no a tiveste, pois o animal desapareceu a6 de outubro, e s a 19 de novembro recorreste Cidade de Itabira. Antes, procedeste a indagaes. Falharam. Formulaste depois um raciocnio: houve roubo. S ento pegaste da pena, e traaste um belo e ntido retrato da besta.

    No disseste que todos os seus cascos estavam ferrados; pre- feriste diz-lo de todos os seus membros locomotores. Nem esqueceste esse pequeno quisto na orelha e essa diviso da crina em duas sees, que teu zelo naturalista e histrico atribuiu com segurana a um jumento.

    Por ser muito domiciliada nas cercanias deste comrcio, isto , do povoado, e sua feirinha semanal, inferiste que no teria fugido, mas antes foi roubada. Contudo, no o afirmaste em tom peremptrio: tudo me induz a esse clculo. Revelas a a prudn- cia mineira, que no avana (ou no avanava) aquilo que no seja a evidncia mesma. clculo, raciocnio, operao mental e desapaixonada como qualquer outra, e no denncia formal.

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  • Finalmente deixando de lado outras excelncias de tua prosa til a declarao final: quem a aprender ou pelo menosnotcia exata ministrar, ser razoavelmente remunerado. No prometes recompensa tentadora; no fazes praas de generosida- de ou largueza; acenas com o razovel, com a justa medida das coisas, que deve prevalecer mesmo no caso de bestas perdidas e entregues.

    J muito tarde para sairmos procura de tua besta, meu caro Joo Alves do Itamb; entretanto essa criao volta a existir, porque soubeste descrev-la com decoro e propriedade, num dia remoto, e o jornal a guardou e tambm hoje a descobre, e muitos outros so informados da ocorrncia. Se lesses os anncios de objetos e animais perdidos, na imprensa de hoje, ficarias triste. J no h essa preciso de termos e essa graa no dizer, nem essa moderao nem essa atitude crtica. No h, sobretudo, esse amor tarefa bem-feita, que se pode manifestar at mesmo num ann- cio de besta sumida.

    (ANDRADE, Carlos Drummond de. Fala, amendoeira. u. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1978. p. 82-4.)

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  • CAPTULO 2

    DESCRIO SENSORIAL

    um tipo de descrio, conhecida tambm por sinestsica, que se apia nas sensaes. A descrio sensorial torna o texto mais rico, forte, potico; faz com que o leitor interaja com o narrador e com a personagem.

    As sensaes so:

    Visuais: relacionadas cor, forma, dimenses, etc.Era um olho amendoado, grande, dum azul celestial, de traos

    suaves...

    Auditivas: relacionadas ao som.O silncio tornara-se assustador, o zumbido do vento fazia

    chorar as janelas...

    Gustativas: relacionadas ao gosto, paladar.Tua despedida amarga, o sorrido irnico, insosso; deixaram-

    me angustiado.

    Olfativas: relacionadas ao cheiro.O cheiro de terra trazido pelo vento mido era prenncio de

    chuva.

    Tteis: relacionadas ao tato, contato da pele.As mos speras como casca de rvore, grossas, rspidas, secas

    como pedra.

    Veja o belssimo texto de Ceclia Meireles. Observe como as descries sensoriais so trabalhadas.

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  • NOITE mido gosto de terra, cheiro de pedra lavada, tempo inseguro do tempo! sobra do flanco da serra, nua e fria, sem mais nada. Brilho de areias pisadas, sabor de folhas mordidas, lbio da voz sem ventura! suspiro das madrugadas sem coisas acontecidas. A noite abria a frescurados campos todos molhados, sozinho, com o seu perfume! preparando a flor mais pura com ares de todos os lados. Bem que a vida estava quieta. Mas passava o pensamento... de onde vinha aquela msica? E era uma nuvem repletaentre as estrelas e o vento.

    (MEIRELES, Ceclia. Obra Completa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1967.)

    EXERCCIOS

    1) Retire do texto de Ceclia Meireles as descries sensoriais e classifique-as.

    2) Faa uma descrio em que voc passe para o leitor todas as sensa- es que o objeto descrito proporciona. Pode ser uma paisagem, o rosto da amada, o amanhecer, o anoitecer, o mar, a chuva...

    3) Descreva uma paisagem em que o cheiro o seu ponto forte.

    4) Elabore uma descrio em que prevaleam as cores.

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  • CAPTULO 3DESCREVENDO A PERSONAGEM

    A) A DESCRIO DE PERSONAGEM: FSICA E PSICOLGICA

    Ao descrever uma personagem, voc poder faz-lo de duas maneiras:

    a) aspectos fsicos corpo, voz, roupa, andar, etc.

    A pele suave daquela menina era como pssego maduro, colhido da rvore, os olhos negros e redondos faziam par com os longos e encaracolados cabelos, e o sorriso meigo dos lbios car- nudos eram um convite ao beijo.

    b) aspectos psicolgicos carter, estado de esprito, comporta- mento, etc.

    Era de uma bondade de fazer inveja, os olhos alegres brilha- vam como lamparinas em noite sem lua, a voz invadia os ouvidos como canto de flauta, se pudesse ficaria ali, prostrado a vida toda ouvindo os ensinamentos do mestre.

    Importante:

    sempre bom comear sua descrio de personagem retratando primeiro um aspecto de carter geral e em segui- da mesclar descries fsicas e psicolgicas.

    Deve-se, contudo, seguir uma certa ordem na descrio. Se voc comear a descrever uma personagem pela cabea por exemplo, procure descrever os cabelos, olhos, boca... sempre seguindo uma ordem lgica.

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  • Veja algumas descries de personagens em que se mistu- ram os aspectos fsicos e psicolgicos:

    Stela era espigada, dum moreno fechado, muito fina de cor- po. Tinha as pernas e os braos muito longos e uma voz ligeira- mente rouca.

    (Marques Rebelo)

    Sou um aleijado. Devo ter um corao mido, lacunas no crebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.

    (Graciliano Ramos)

    minha amada Que olhos os teus So cais noturnos Cheios de adeus So docas mansas Trilhando luzes Que brilham longe Longe nos breus...

    (Vincius de Moraes)

    Leia, agora, um fragmento de texto descritivo em que a auto- ra descreve um professor e as sensaes que este provoca:

    OS DESASTRES DE SOFIA

    Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o aban- donara, mudara de profisso e passara pesadamente a ensinar no curso primrio: era tudo o que sabamos dele.

    O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros con- trados. Em vez de n na garganta, tinha ombros contrados. Usa- va palet curto demais, culos sem aro, com um fio de ouro encimando o nariz grosso e romano. E eu era atrada por ele. No amor, mas atrada pelo seu silncio e pela controlada impacincia que ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Pas-

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  • sei a me comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com os colegas, interrompia a lio com piadinhas, at que ele dizia, ver- melho:

    Cale-se ou expulso a senhora da sala.Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me man-

    dar! Ele no mandava, seno estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se tornara doloroso para mim ser o objeto do dio daquele homem que de certo modo eu amava. No o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criana que tenta desastradamente proteger um adulto, com a clera de quem ainda no foi covarde e v um homem forte de ombros to curvos. (...)

    (LISPECTOR, Clarice. A legio estrangeira. So Paulo, tica,1977, p. 11.)

    OBSERVE A ANLISE ESTRUTURAL DO PROCESSO DESCRITIVO:

    aspectos gerais: Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profisso, e passara pesa- damente a ensinar no curso primrio: era tudo o que sabamos dele.

    aspectos fsicos: O professor era gordo, grande (...) de ombros contrados.

    Usava palet curto demais, culos sem aro, com fio de ouro encimando o nariz grosso e romano.

    aspectos psicolgicos: E eu era atrada por ele. No amor, mas atrada pelo seu silncio e pela controlada impacincia que ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Passei a me comportar mal na sala. Falava alto, mexia com os colegas, interrompia a lio com piadinhas...

    Note que cada caracterstica compe o tipo desejado; sua personagem tomar a vida que voc quiser, ao escolher de manei- ra harmnica caractersticas fsicas e psicolgicas.

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  • EXERCCIOS

    1) Leia os textos a seguir e faa as divises solicitadas:aspectos gerais: aspectos fsicos: aspectos psicolgicos: e outros:

    A fachada abria-se numa sucesso de portas envidraadas, refulgentes sob os reflexos dourados do sol e escancaradas tarde clida e ventosa, e Tom Buchanan, em seu trajo de montaria, acha- va-se de p, as pernas separadas, no alpendre fronteiro.

    Era um homem vigoroso, de trinta anos, cabelos cor de palha, boca um tanto dura e maneiras desdenhosas. Dois olhos vivos, arrogantes, estabeleceram domnio sobre o seu rosto, dando- lhe a aparncia de algum que estivesse sempre pronto a agredir. Nem mesmo o corte efeminado de suas roupas de montar conse- guia ocultar o enorme vigor daquele corpo; ele parecia encher as suas botas rebrilhantes at o ponto de forar os laos que as pren- diam na parte superior, e podia-se notar o grande feixe de mscu- los a retesar-se, quando seus ombros se moviam debaixo do casaco leve. Era um corpo capaz de levantar grandes pesos; um corpo cruel. (F. Scott Fitzgerald)

    (O Grande Gatsby, 7 ed. Rio de Janeiro. Record. Apud. Traba- lhando com Descrio. Ana H. C. Belline. tica, p. 27.)

    RETRATO

    Eu no tinha este rosto de hoje,assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos to vazios,nem o lbio amargo.

    Eu no tinha estas mos sem fora, to paradas e frias e mortas;eu no tinha este corao que nem se mostra.

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  • Eu no dei por esta mudana, to simples, to certa, to fcil: Em que espelho ficou perdida a minha face?

    (MEIRELES, Ceclia. Poesia. Rio de Janeiro, Agir, 1974, p. 19.)

    2) Faa o seu retrato.3) Invente uma personagem ou descreva um amigo.4) Baseando-se no texto Os desastres de Sofia, elabore um texto

    descritivo sobre um professor.

    B)CRITRIOS DE SELEO NA COMPOSIO DA PERSONAGEM

    1) A ESCOLHA DO TIPO DE PERSONAGEM

    Ao produzir sua personagem, voc dever fazer a escolha entre personagem linear ou complexa.

    Personagem linear aquela em que suas caractersticas so sim- ples e imutveis ao longo do texto, e personagem complexa aquela que ao longo do texto vai mudando suas caractersticas.

    Personagem linear:

    Desde menino era arteiro, gostava de fazer maldades, torcia rabo do gato, trocava nos potes sal por acar, acordava os outros com estouro de bombinhas... quando adulto no melhorou mui- to, continuava a maltratar os filhos, castigava-os por nenhum moti- vo, batia na mulher; sempre bbado, desleixado, barba por fazer, roupas desalinhadas, largas; um homem asqueroso.

    Personagem complexa:

    Quando criana era tmido, submisso aos caprichos da me, sempre obedecendo s ordens do pai, na adolescncia com a mor- te dos pais herdou a fazenda; a vontade de enriquecer, o dinheiro

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  • fcil e a bebida transformaram o rapaz num homem cruel, mal patro, e com a descoberta do adultrio da esposa, tornou-se o prprio diabo encarnado, mandou mat-la e ao amante, enterrou- os no chiqueiro, alimentou os porcos com carnes do corpo dos dois, a fazenda perdera o menino, a paz e o encanto.

    Perceba que as personagens descritas acima so diferentes. A primeira conservou seu jeito mal, seu carter nocivo; enquanto a segunda, devido a alguns acontecimentos em sua vida, foi-se trans- figurando, mudando sua conduta.

    2) A CONSTRUO DA PERSONAGEM

    Aps escolher o tipo de personagem que vai trabalhar em seu texto, voc ter que selecionar descries compatveis com o carter. A escolha do tipo fsico, as caractersticas psicolgicas, as roupas, a maneira de andar, falar, devem obedecer um critrio de identidade para que o leitor sinta a personagem profundamente.

    A PROFESSORA

    Um dia a professora organizou um passeio no campo, samos cedo, levando comida, mquina de retrato e violo, que ela tocava bem. Depois do almoo, debaixo de uma paineira, ela pegou o violo e comeou a cantar. Eu e Micuim tnhamos nos afastado para procurar gravat, de longe ouvimos a voz. Paramos e ficamos escutando. Era bonito demais. Eu queria elogiar, mas fiquei na moita. Quando notei que Micuim tambm estava gostando, arris- quei:

    Bonita voz, hein? Linda disse Micuim.Desistimos dos gravats e fomos nos chegando para a pai-

    neira. O ar limpo, o cheiro de campo, os passarinhos, a meninada sentada no cho em volta da professora, tudo isso me pegou de um jeito difcil de explicar, s sei que me senti muito feliz e com uma vontade forte de ficar perto da professora. Como quem no

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  • quer nada, fui me imiscuindo, carambolando, forando, at con- seguir um lugar ao lado dela.

    Vendo-a de perfil, notei que os olhos dela no eram feios, como pareciam atrs das lentes grossas dos culos. Eram de uma cor entre cinza e azul, o que confirmei uma hora que ela tirou os culos para enxugar os olhos. Quando reps os culos, olhou para mim e me reconheceu.

    Joaquim Maria! Que bom voc estar aqui pertinho. Voc tem um nome famoso. No pode deixar esse nome cair.

    Devo ter ficado corado, porque senti um calor nas orelhas. Isso acontecia sempre que uma mulher falava comigo. E as risadas dos colegas que estavam perto confirmaram que eu no estava normal. Ela ps o brao em meu ombro e disse:

    Confio muito em voc, Joaquim Maria.Com o movimento de erguer o brao, ela espalhou para o

    meu lado um cheiro que eu nunca tinha sentido igual, cheiro de suor de mulher limpa. Nem sei o que respondi, acho que no respondi nada, fiquei s farejando aquele cheiro.

    Mas o encantamento durou pouco. Ela pegou novamente o violo, que tinha ficado descansando no colo, e perguntou se algum queria cantar. Umas meninas ensaiaram, no ficou a mesma coisa, fizeram uma cantoria sem graa, que parecia no ter fim. Uma hora l o Micuim, que tinha conseguido chegar perto tambm, e que era mais despachado do que eu, disse que era melhor a professora cantar. Ela cantou mais umas duas msicas, uma que meu pai cantava s vezes, falava em luares brancos de prata, e enquanto ela cantava eu a olhei novamente de lado e decidi que era muito mais bonita que a moa que sal- tava do trapzio no circo e que tinha deixado saudades na meninada toda, chamava-se Solange Rosrio, vendia retratos autografados nos intervalos do espetculo, eu e meu irmo mais velho compramos um de sociedade, mas meu pai acabou toman- do e escondendo ou rasgando, porque vivamos brigando por causa dele.

    (VEIGA, Jos J. Di mais que quebrar a perna, Apud Curso Bsico de Redao, vol. 3, IBEP. Hermnio Sargentim, p. 27.).

    Note que ao montar as personagens, o autor deu a elas: aes, falas, pensamentos, sentimentos, caractersticas:

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  • aes: ela pegou o violo, comeou a cantar

    falas: Joaquim Maria! Que bom voc est aqui pertinho. Voc tem um nome famoso. No pode deixar esse nome cair.

    sentimentos: ... s sei que me senti muito feliz e com uma vontade forte de ficar perto da professora.

    caractersticas fsicas e psicolgicas: ... notei que os olhos dela no eram feios, como pareciam atrs das lentes grossas dos culos. Eram de uma cor entre cinza e azul, o que confirmei uma hora que ela tirou os culos para enxugar os olhos.

    EXERCCIOS

    1) Baseando-se no texto lido, crie uma situao em que voc fique ao lado de uma personagem. Descreva-a fsica e psicologicamen- te, mostre suas falas, suas aes e o sentimento que ela desperta.

    C)CRITRIOS DE SELEO NA CONSTRUODA PERSONAGEM EM BENEFCIO DA MENSAGEM:

    Agora que criou sua personagem, a outra preocupao escolher as descries que levaro o leitor a perceber o rumo do texto, o propsito das descries; pois no se faz revelia todo um trabalho de composio, cada passagem deve ter sua justificativa. Observe como o autor, no texto A professora, selecionou todos

    os detalhes a fim de que o leitor percebesse a atrao que oaluno sentia pela professora:

    Eu e Micuim tnhamos nos afastado para procurar gravat, de longe ouvimos a voz. Paramos e ficamos escutando. Era bonito demais.

    O ar limpo, cheiro de campo, os passarinhos, a meninada sentada no cho, em volta da professora, tudo isso me pegou de um jeito difcil de explicar, s sei que me senti muito feliz e com uma vontade forte de ficar perto da professora....

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  • ... notei que os olhos dela no eram feios, como pareciam atrs das lentes grossas dos culos. Eram de uma cor entre cinza e azul....

    Com o movimento de erguer o brao, ela espalhou para o meu lado um cheiro que eu nunca tinha sentido igual, cheiro de suor de mulher limpa (...) fiquei s farejando aquele cheiro.

    ... enquanto ela cantava eu a olhei novamente de lado e decidi que era muito mais bonita que a moa que saltava do trapzio no circo e que tinha deixado saudades na meninada toda....

    Notou como todo o trabalho de descrio de aes, pensa- mentos, sentimentos e caractersticas remetem o leitor a perceber o envolvimento do narrador-personagem com a professora; a cada momento este envolvimento vai crescendo at o ponto dele esque- cer o primeiro amor.

    Sendo assim, importante saber que ao elaborar um texto descritivo, voc precisa criar uma personagem com todas as carac- tersticas voltadas para a mensagem que pretende passar com o texto.

    EXERCCIOS

    1) Faa duas descries de personagens: uma linear e outra com- plexa. No se esquea de que os traos fsicos ou psicolgicos devem ter alguma influncia na caracterizao delas.

    2) Elabore um texto com uma das personagens descritas, procure utilizar as descries em benefcio da mensagem desejada, fazen- do com que o leitor gradativamente perceba o propsito do tex- to sem que voc mostre de modo explcito.

    Pode ser uma paixo, admirao ou mesmo dio pela perso- nagem; o importante selecionar as descries em benefcio do propsito do texto.

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  • CAPTULO 4

    A DESCRIO DE AMBIENTE E PAISAGEM

    Espao o lugar fsico onde se passa a ao narrativa, e ambien- te o espao com caractersticas sociais, morais, psicolgicas, reli- giosas, etc.

    Ao descrevermos um ambiente fechado, escuro, sujo, desar- rumado, normalmente sugerimos um estado de angstia da perso- nagem, ou solido, ou desleixo... j lugares abertos, claros, colori- dos, sugerem felicidade, harmonia, paz, amor...

    Portanto o ambiente descrito em seu texto dever fazer com que o leitor perceba o rumo da histria.

    A Praa da Alegria apresentava um ar fnebre. De um case- bre miservel, de porta e janela, ouviam-se gemer os armadores enferrujados de uma rede e uma voz tsica e aflautada, de mulher, cantar em falsete a gentil Carolina era bela, doutro lado da pra- a, uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de mos- cas, apregoava em tom muito arrastado e melanclico: Fgado, rins e corao! Era uma vendedeira de fatos de boi. As crianas nuas, com as perninhas tortas pelo costume de cavalgar as ilhar- gas maternas, as cabeas avermelhadas pelo sol, a pele crestada, os ventrezinhos amarelentos e crescidos, corriam e guinchavam, empinando papagaios de papel. Um ou outro branco, levado pela necessidade de sair, atravessava a rua, suando, vermelho, afoguea- do, sombra de um enorme chapu-de-sol. Os ces, estendidos pelas caladas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascveis, mordiam o ar, querendo morder os mos- quitos. Ao longe, para as bandas de So Pantaleo, ouvia-se apre- goar: Arroz de Veneza! Mangas! Macajubas! s esquinas, nas quitandas vazias, fermentava um cheiro acre de sabo da terra e aguardente. O quitandeiro, assentado sobre o balco, cochilava a

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  • sua preguia morrinhenta, acariciando o seu imenso e espalmado p descalo. Da Praia de Santo Antnio enchiam toda a cidade os sons invariveis e montonos de uma buzina, anunciando que os pescadores chegavam do mar; para l convergiam, apressadas e cheias de interesse, as peixeiras, quase todas negras, muito gor- das, o tabuleiro na cabea, rebolando os grossos quadris trmulos e as tetas opulentas.

    (AZEVEDO, Alusio de. O Mulato. Apud Curso de Redao, Harbra. Jorge Miguel, p. 67.)

    Note como todas as descries procuram mostrar para o lei- tor um ambiente em decadncia, miservel, fnebre:

    A praa da alegria apresentava um ar fnebre, de um case- bre miservel, de porta e janela, ouviam-se gemer os armadores enferrujados de uma rede ...

    Os ces, estendidos pelas caladas, tinham uivos que pare- ciam gemidos humanos...

    Leia este belo texto de Rubem Braga:

    RECADO DE PRIMAVERA

    Meu caro Vincius de Moraes:Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notcia grave:

    A Primavera chegou. Voc partiu antes. a primeira Primavera, de 1913 para c, sem a sua participao. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem trs garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera acho que voc aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costo sul da Ilha das Palmas. So violncias primaveris.

    O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui juntode minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele est fazendo ninho numa touceira de samambaia,

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  • debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, mui- to matreiro, um pssaro-preto, desses que chamam de chopim. No trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro j havia arrumado o ninho para ele pr seus ovos.

    Isto uma histria to antiga que parece que s podia acon- tecer l no fundo da roa, talvez no tempo do Imprio. Pois est acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Aconte- cendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde h moitas de azalias e manacs em flor; e em cada mocinha loira, uma espe- rana de Vera Fischer. Agora vou ao Maranho, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia voc tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua msica e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moas em flor. Adeus.

    (BRAGA, Rubem. Recado de Primavera, Record, setembro, 1980.)

    Note a beleza e preciso das descries, veja como o autor apresenta a primavera:

    O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costo sul da Ilha das Palmas. So violncias primaveris.

    ... ontem vi trs garotas de Ipanema que usavam minissaias.O sinal mais humilde da chegada da primavera vi aqui junto

    de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca no bico. Ele est fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira.

    O autor Rubem Braga em nenhum momento usou frases fei- tas para descrever a chegada da primavera:

    Os botes de rosa se abrem, O cu est mais azul. Prefe- riu trabalhar com o factual, com que estava vendo, mostrando que a simplicidade e originalidade so importantes no processo des- critivo. Alm disso, veja como realmente sentimos a chegada da primavera, como as descries so pertinentes e como o final faz um belo arremate no texto.

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  • EXERCCIOS

    1) Elabore duas descries de ambiente. Lembre-se de que a origi- nalidade tornar seu texto mais bonito, evite frases feitas, co- muns, repeties j desgastadas:a) Um local triste, desolado, abandonado. b) Um local alegre, festivo.

    A) DESCRIO DE PAISAGEM

    Alm de aplicar os recursos estudados nas lies anteriores, voc dever ficar atento perspectiva, sua posio diante do objeto de sua descrio.

    Um esquema o ajudar a trabalhar este tipo de descrio:1 pargrafo: Mostra-se a localizao, ou outra referncia de

    plano geral:Era um belo jardim, aquele do casaro antigo.

    2 e 3 pargrafos: Mostra-se o elemento mais prximo do observador. Pode-se generalizar e depois se aproximar de um s elemento, ou ir detalhando por ordem.

    Flores de todas as cores enfeitavam o terreno de terra preta, saud- vel. Nas laterais espinheiros cortados simetricamente em forma de arcos; no centro: crisntemos, lrios, rosas, dlias, uma infinidade de flores, e perdi- da entre elas pequenas violetas risonhas.

    4 pargrafo: Conclui-se mostrando a impresso que a paisa- gem causa em quem a v.

    Era de uma singeleza aquele jardim, adornava o velho casaro rstico, enchia-o de paz, acalmava o corao aflito de qualquer um que o contemplasse.

    EXERCCIO

    1) Seguindo o esquema dado, elabore uma descrio de uma pai- sagem de sua escolha. Como sugesto: o pr-do-Sol, uma lagoa, uma floresta, montanhas, jardim ...

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  • B) DESCRIO DE AMBIENTE: ESPAO FECHADO

    Ao descrever um lugar fechado, um quarto, uma sala, uma frente de casa, usa-se o mesmo procedimento da descrio de paisagem. No entanto, importante perceber que esta descrio deve ser gradativa e original para que o leitor acompanhe o objeto descrito, essa descrio se assemelha a uma filmagem onde se levado a contemplar o objeto aos poucos.

    Cheguei a casa, abri a porta, estava uma desordem: jor- nais espalhados pelo cho, na mesa de centro um copo com um pouco de cerveja e bordas mordidas de pizzas num prato; na estante, coberta de p, livros remexidos, um rdio-relgio pis- cando com a hora atrasada e uma xcara de caf perdida entre portas-retratos.

    Perceba: ao entrar com o narrador na casa, nota-se toda a baguna, a desordem, comeando pelo cho, subindo para a mesa de centro, terminando na estante. Tem-se um panorama total da casa.

    Observe a bela descrio de uma casa:

    Encosto a cara na noite e vejo a casa antiga. Os mveis esto arrumados em crculo, favorecendo as conversas amenas, uma sala de visitas. O canap, pea maior. O espelho. A mesa redonda com o lampio aceso desenhando uma segunda mesa de luz den- tro da outra. Os quadros ingenuamente pretensiosos, no h afe- tao nos mveis, mas os quadros tm aspiraes de grandeza nas gravuras de mulheres imponentes (rainhas?) entre paves e escra- vos transbordando at o ouro purpurino das molduras. Volto ao canap de curvas mansas, os braos abertos sugerindo cabelos de- satados. Espreguiamento. Mas as almofadas so exemplares, empertigadas no encosto de palhinha gasta. Na almofada menor est bordada uma guirlanda azul.

    O mesmo desenho de guirlandas desbotadas no papel spia da parede. A estante envidraada, alguns livros e vagos objetos nas prateleiras penumbrosas. (TELLES, Lygia Fagundes. Ap. Missa do Galo. So Paulo, Summus, 1977.)

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  • Note que neste caso no h uma enumerao em ordem lgica dos objetos descritos, pois como o texto trata-se de uma recordao, as imagens vo surgindo conforme as lembranas do narrador, dando maior veracidade ao texto.

    EXERCCIOS

    1) Faa duas descries:a) um quarto de um garotab) um quarto de uma empregada domstica

    2) Baseando-se no texto de Lygia Fagundes Telles, faa uma des- crio de uma casa ou cidade onde voc esteve h muito tem- po. Mostre suas recordaes das pessoas, do lugar em geral.

    3) Elabore um texto em que voc volta para uma cidade em que morou quando jovem. Mostre como era e como est agora e o que tudo isso provoca em voc.

    C) DESCRIO DE CENA

    Conhecida tambm como descrio dinmica ou animada, esse tipo muito semelhante narrao; pois inclui pessoas, ani- mais, veculos em ao.

    O guarda-noturno caminha com delicadeza, para no assus- tar, para no acordar ningum. L vo seus passos vagarosos, cadenciados, cosendo a sua sombra com a pedra da calada.

    (O anjo da noite. Apud Magda Soares, Novo portugus atra- vs de textos, p. 40, A DESCRIO.)

    O texto, alm de belssimo, mostra uma perfeita descrio de cena, detalhadamente vai retratando o andar macio do guarda- noturno.

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  • FUNERAL

    Uma cena me ficou na memria com uma nitidez inapa- gvel. Parado no meio-fio duma calada, no Passo de la Reforma, vejo passar o enterro de um bombeiro que se suicidou. Os tam- bores, cobertos de crepe, esto abafados e soam surdos. No se ouve sequer um toque de clarim. Atrs dos tambores marcham alguns pelotes. Os soldados de uniforme negro, gola carmesim, crepe no brao, marcham em cadenciado silncio. E sobre um carro coberto de preto est o esquife cinzento envolto na bandeira mexicana.

    Plan-rata-plan! Plan-rata-plan! L se vai o cortejo rumo do cemitrio. Haver outro pas no mundo em que um velrio seja mais velrio, um enterro mais enterro, e a morte mais morte?

    Plan-rata-plan! Adeus bombeiro. Nunca te vi. Teu nome no sei. Mas me ser difcil, impossvel esquecer o teu funeral. Plan- rat-plan!

    (VERSSIMO, rico. Mxico, apud J. F. Miranda,Arquitetura da redao.)

    O autor, neste fragmento, mostra, como se estivesse parado, a passagem de um enterro; perceba como a cena passa em seus mnimos detalhes.

    EXERCCIOS

    1) Descreva um quarto de adolescente, entre no quarto, d um panorama geral, em seguida detalhe esse panorama, procure dar uma ordem lgica para sua descrio.

    2) Elabore um texto descritivo em que voc se lembra de algum lugar que lhe foi muito marcante. Lembre-se de mostrar suas impresses sobre o lugar, no h necessidade de uma ordem nas enumeraes, porm procure enumerar de modo consci- ente para que o leitor percebe sua inteno.

    3) Descreva uma cena de assalto no centro da cidade.

    4) Descreva uma sada de escola.

    5) Descreva um dia de chuva no campo visto pela janela da casa.

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  • PROPOSTAS DE REDAO DESCRIO

    1) Elabore uma definio, uma descrio objetiva e uma subjetiva de um lpis e um relgio.

    2) Complete as frases, formando um pargrafo descrito:a) era to bonitab) no era muito bonitac) tinha um fsico atltico d) era mau-carter.

    3) Redija os seguintes anncios usando os processos descritivos estudados:a) vendendo um vestido de noiva b) um carroc) uma fazenda com casa e piscina.

    4) Observe a foto e descreva as cenas:

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  • 5) Descreva um intervalo na escola.

    6) Depois de muitos anos voc volta para o colgio em que estuda- ra quando criana. A sala est vazia, porm suas lembranas aos poucos vo trazendo de volta os amigos, professores, cadeiras, lousa, janelas, cortinas.... descreva este momento.

    7) Identifique os objetos descritos:a) mquina frigorfica adaptada a uma espcie de armrio

    onde se produz gelo, sorvetes, e onde se conservam alimen- tos, etc.

    b) instrumento com lentes que amplificam os objetos distantes do observador e que lhe permitem uma viso ntida dos mes- mos.

    c) veculo de duas rodas, sendo a traseira acionada por um sis- tema de pedais que movimentam uma corrente trans- missora.

    8) Faa descries de objetos:a) uma tesoura b) um avio

    9) a) Imagine dois estudantes: o primeiro possui agenda, onde marca direitinho todos os seus compromissos, escolares ou no. Nunca esquece seu material para as aulas. Seus livros e cadernos so encapados, possuem etiquetas com seu nome, nmero e srie. No h nada rabiscado ou amassado. O segundo justamente o contrrio: anota telefones de amigos e compromissos escolares em papeizinhos soltos, nas pgi- nas de cadernos e livros (seus ou no). Est sempre procu- rando alguma coisa perdida.Anote em seu caderno outras caractersticas que voc imagi- nar sobre estas duas personagens.

    b) Agora, imagine os quartos do primeiro e do segundo estu- dante. Faa uma lista das caractersticas e selecione as que achar mais importantes para dar a idia do modo de ser de cada um.

    c) Escreva um pargrafo mostrando cada quarto.

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  • 10) Os dois estudantes do exerccio anterior se conhecem. Por algum motivo, ficam muito amigos. Um dia, um vai visitar o outro.Escreva dois pargrafos diferentes:a) O estudante organizado descreve o quarto do estudante

    desorganizado.b) O estudante desorganizado descreve o quarto do estudante

    organizado.Mostre ao leitor as possveis sensaes e julgamentos que um estudante tem em relao ao quarto do outro.

    A DESCRIO NO VESTIBULAR

    11) Elabore textos descritivos seguindo as orientaes:a) (Faap-SP) Redija um texto em prosa sobre o seguinte

    tema: E o mundo ficou mais triste...b) (Fuvest) Suponha que voc foi surpreendentemente con-

    vidado para uma festa de pessoas que mal conhece. Conte, num texto em prosa, o que teria ocorrido, imaginando tam- bm os pormenores da situao. No deixe de transmitir suas possvel reflexes e impresses. Evite expresses desgastadas e idias prontas.

    c) (Unesp) Crianas na rua.d) (ITA-SP) A natureza esquecida.e) (Cesesp-PE) O dinheiro no compra tudo.f) (PUC-MG) Faa uma redao com o seguinte ttulo: Fim

    de festa.g) (FASP) Faa uma descrio, em prosa, em aproximada-

    mente 20 linhas sobre o tema: O dia-a-dia do paulistano.(Observao: se voc no for paulistano, adapte o tema sua realidade.)

    h)(PUCCAMP) A primeira frase da sua redao : Abriu os olhos e no conseguiu acreditar no que via. Continue a redao.

    i) (FATEC) Uma praa, quase garagem ao ar livre. rvores. Trs prdios. Encostado ao do meio, um grupo de mendi- gos. Ali seu ponto, seu pouso, seu repertrio.Voc tem que ir a um dos prdios e o caminho mais curto rente aos mendigos.

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  • Escreva o que passa pela mente: misto de revolta contra a sociedade, de medo de se envolver, de solidariedade, de repugnncia, de d.

    12) Faa uma descrio emotiva da cena abaixo.

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  • 13) Elabore um texto predominantemente descritivo baseando-se na imagem abaixo.

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  • UNIDADE 4: A NARRAOCAPTULO 1

    A TCNICA NARRATIVA

    Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra.

    Tradio popular

    A narrao uma forma de composio de textos que consis- te em relatar fatos ou acontecimentos com determinados persona- gens em local e tempo definidos.

    DOMINGO NO PARQUE

    O rei da brincadeira Jos O rei da confuso Joo Um trabalha na feira Jos Outro na construo Joo

    A semana passada, no fim da semana, Joo resolveu no brigar.No domingo de tarde saiu apressadoE no foi pra Ribeira jogarCapoeira.No foi pra l, pra Ribeira, Foi namorar.

    O Jos, como sempre, no fim de semanaGuardou a barraca e sumiu.Foi fazer, no domingo, um passeio no parque, L perto da Boca do rio.Foi no parque que ele avistouJuliana,

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  • Foi que ele viuJuliana na roda com Joo,Uma rosa e um sorvete na mo. Juliana, seu sonho, uma iluso. Juliana e o amigo Joo.

    O espinho da rosa feriu ZE o sorvete gelou seu corao. O sorvete e a rosa JosA rosa e o sorvete JosOi danando no peito JosDo Jos brincalho Jos O sorvete e a rosa Jos A rosa e o sorvete JosOi girando na mente JosDo Jos brincalho Jos

    Juliana girando oi girandoOi na roda-gigante oi girando Oi na roda-gigante oi girando O amigo Joo oi JooO sorvete morango vermelho Oi girando e a rosa vermelha Oi girando, girando vermelha Oi girando, girando olha a faca Olha o sangue na mo Jos Juliana no cho JosOutro corpo cado JosSeu amigo Joo Jos

    Amanh no tem feira Jos No tem mais construo Joo No tem mais brincadeira Jos No tem mais confuso Joo.

    Como podemos observar, o texto acima um exemplo claro e bem-feito de um texto narrativo. Logo na primeira estrofe, o autor apresenta as personagens envolvidas e suas caractersticas bsicas. Em seguida mostra o tempo, o local e os fatos:

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  • Personagens:

    Jos: sujeito brincalho, trabalhava na feira, nos finais de semana costumava ir ao parque encontrar sua namorada Juliana para se divertir.

    Joo: sujeito briguento, sempre arrumava confuso. Traba- lhava na construo civil, costumava ir Ribeira jogar capoeira.

    Tempo: um domingo.

    Local: um parque de diverses perto da Boca do rio.

    Fatos: Joo no final de semana resolveu no brigar, saiu apressado e foi para o parque namorar.

    Jos, como sempre, foi ao parque encontrar-se com sua namo- rada Juliana. Chegando, assustou-se: sua namorada Juliana e seu amigo Joo de mos dadas namorando.

    Aquela cena deixou Jos indignado e nervoso. Tomado pela emoo e raiva pegou uma faca e matou a namorada e o amigo.

    Uma histria trgica, porm contada com muita delicadeza e poesia por Gilberto Gil, que por meio de metforas entre sorvete, rosa, morango e sangue relatou um belo drama.

    EXERCCIOS

    Leia o texto abaixo:

    UM HOMEM DE CONSCINCIA

    Chamava-se Joo Teodoro, s. O mais pacato e modesto dos homens. Honestssimo e lealssimo, com um defeito apenas: no dar o mnimo valor a si prprio. Para Joo Teodoro, a coisa de menos importncia no mundo era Joo Teodoro.

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  • Nunca fora nada na vida, nem admitia a hiptese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo no quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor.

    Mas Joo Teodoro acompanhava com aperto de corao o deperecimento sensvel de sua Itaoca.

    Isto j foi muito melhor, dizia consigo. J teve trs mdicos bem bons agora s um e bem ruinzote. J teve seis advogados e hoje no d servio para um rbula ordinrio como o Tenrio. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca est-se aca- bando...

    Joo Teodoro entrou a incubar a idia de tambm mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca no tinha mesmo conserto ou arranjo possvel.

    isso, deliberou l por dentro. Quando eu verificar que tudo est perdido, que Itaoca no vale mais nada de nada, ento arrumo a trouxa e boto-me fora daqui.

    Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeao de Joo Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notcia como se fosse uma cacetada no crnio. Delegado, ele! Ele que no era nada, nunca fora nada, no queria ser nada, no se julgava capaz de nada...

    Ser delegado numa cidadezinha daquelas coisa serissima. No h cargo mais importante. o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai capital falar com o gover- no. Uma coisa colossal ser delegado e estava ele, Joo Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!...

    Joo Teodoro caiu em meditao profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada botou- as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu.

    Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador. Que isso, Joo? Para onde se atira to cedo, assim de

    armas e bagagens? Vou-me embora; respondeu o retirante. Verifiquei que

    Itaoca chegou mesmo ao fim. Mas, como? Agora que voc est delegado?

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  • Justamente por isso. Terra em que Joo Teodoro chega a delegado, eu no moro. Adeus.

    E sumiu.(LOBATO, Monteiro. Cidades mortas. 7 ed.

    So Paulo, Brasiliense, 1956, p. 185-6.)

    1) Faa a seguinte diviso:a) Mostre o trecho em que o autor apresenta a personagem. b) Caracterize a personagem.c) Descreva o local em que se desenrolam os fatos. d) Faa um relato dos fatos desta histria.

    2) Elabore uma narrativa em que suas personagens disputem algo. Esta histria deve ocorrer em local e tempo determina- dos pelo narrador.

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  • CAPTULO 2

    O NARRADOR

    Ao produzir um texto, voc poder faz-lo de duas maneiras diferentes, contar uma histria em que voc participa ou contar uma histria que ocorreu com outra pessoa. Essa deciso determi- nar o tipo de narrador a ser utilizado em seu texto.

    NARRADOR EM 1 PESSOA: Conhecido tambm por narrador-personagem, aquele que participa da ao. ....

    Pode ser protagonista quando personagem principal da his- tria, ou pode ser algum que presenciou o fato, estando no mes- mo local.

    Exemplo: Narrador-protagonista.

    Era noite, voltava sozinho para casa, o frio estava insuport- vel, no havia ningum naquela rua sombria, ouvi um barulho estranho no muro ao lado, assustei-me...

    Exemplo: Narrador 1 pessoa

    Estava debruado em minha janela quando vejo na esquina um garoto magro roubando a carteira de um pobre velho...

    NARRADOR EM 3 PESSOA: Conhecido tambm por narrador-observador, aquele que no participa da ao.

    Joo estava voltando para casa, noite, sozinho, quando ouviu, prximo ao muro, um barulho estranho.

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  • EXERCCIOS

    1) Indique o tipo de narrador dos textos a seguir:a) Alguns homens aparecem na porta do restaurante com suas

    esposas.b) No meio do caminho resolvi parar, sentia-me mal, provavel-

    mente por causa do peixe que comi no almoo.c) O menino foi abrindo o caminho com um pedao de ferro. d) Quando cheguei dei de cara com minha me na sala.

    2) Passe para narrador-personagem:De madrugada o homem acordou com a chuva castigando o telhado de zinco do seu barraco. Rolou na cama, virou pro lado, fingiu que no era com ele. Mas no tinha jeito de dor- mir. Experiente, o homem sabia que aquela chuva grossa e in- sistente era com ele mesmo.

    3) Elabore um pargrafo com narrador-observador (3 pessoa), seguindo a orientao:Um rapaz tentando pegar sua bola que caiu no quintal do vizi- nho. Este muito nervoso e tem um cachorro que adora mor- der bolas e dono de bolas.

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  • CAPTULO 3

    O DISCURSO

    Para relatar as falas e os pensamentos das personagens, o narrador pode usar o discurso direto, o indireto e o indireto-livre.

    A) DISCURSO DIRETO

    O narrador reproduz exatamente o que a personagem falou. Exemplos:

    O professor chamou Joozinho e perguntou: Voc sabe por que Napoleo perdeu a guerra?

    A me olhou para o filho e disse: Coma essa sopa logo.

    B) DISCURSO DIRETO E OS VERBOS DE ELOCUO

    Normalmente, o discurso direto marcado pela presena dosverbos de elocuo, para indicar a pessoa e o modo como falou.

    A garota aproximou-se do namorado e perguntou: Quem era aquela menina com quem voc estava conver-

    sando no intervalo?O namorado retrucou: Deixe de ser ciumenta. Ser que no posso conversar com

    ningum?

    Esses verbos podem ser usados depois ou antes do enuncia- do, ou ainda intercalados nele. Dependendo da escolha, mudar a pontuao.

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  • Observe:1 posio antes da fala separa-se por dois pontos: O professor chamou Pedrinho e perguntou: Voc trouxe o trabalho hoje?

    2 posio depois da fala separa-se por vrgula ou travesso: lgico que gosto de voc, disse-me beijando a testa.

    3 posio intercalada separa-se por vrgula ou travesso. E quer saber, continuou ela, eu no vivo sem voc.

    IMPORTANTE:

    Ao escrever, voc dever escolher o verbo de elocuo que melhor caracterize a fala da personagem. Sendo assim, seu texto ser mais preciso.

    Veja alguns verbos de elocuo:dizer, perguntar, responder, exclamar, pedir, aconselhar, ordenar.Observe, agora, outros mais especficos:afirmar, declarar, indagar, interrogar, retrucar, replicar, negar,

    questionar, objetar, gritar, rogar, sussurrar, murmurar, balbuciar, cochi- char, segredar, esclarecer, sugerir, solucionar, comentar, propor, convidar, cumprimentar, repetir, estranhar, insistir, prosseguir, acrescentar, concor- dar, consentir, anuir, intervir, repetir, berrar, protestar, contrapor, descul- par, justificar-se, rir, sorrir, gargalhar, chorar, choramingar...

    OBSERVAO:

    O uso dos verbos de elocuo no obrigatrio, podendo o narrador omiti-lo com o propsito de deixar o texto mais dinmico.

    CONVERSINHA MINEIRA

    bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo? Sei dizer no senhor; no tomo caf. Voc o dono do caf, no sabe dizer?

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  • Ningum tem reclamado dele no senhor. Ento me d caf com leite, po e manteiga. Caf com leite s se for sem leite. No tem leite? Hoje, no senhor. Por que hoje no? Porque hoje o leiteiro no veio. Ontem ele veio? Ontem no. Quando que ele vem? No tem dia certo no senhor. s vezes vem, s vezes no

    vem. S que no dia que devia vir, no vem. Mas ali fora est escrito Leiteria! Ah, isto est, sim senhor. Quando que tem leite? Quando o leiteiro vem.

    (Fernando Sabino)

    C) DISCURSO INDIRETO

    O narrador transmite com suas prprias palavras a fala da personagem.

    O professor chamou Joozinho e perguntou se ele sabia por que Napoleo havia perdido a guerra.

    A me olhou para o filho e disse para que ele comesse a sopa logo...

    D) TROCANDO OS DISCURSOS

    Ao passar do discurso direto para o discurso indireto, ou vice-versa, deve-se efetuar algumas modificaes:

    a) Discurso direto primeira pessoaEles perguntaram: O que devemos fazer?Discurso indireto terceira pessoaEles perguntaram o que deviam fazer.

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  • b) Discurso direto imperativoO professor pediu Venham ao quadro.Discurso indireto pretrito imperfeito do subjuntivoO professor pediu que fssemos ao quadro.

    c) Discurso direto futuro do presenteA me comentou Com calma, ganhar o presente.Discurso indireto futuro do pretritoA me comentou que com calma, ganharia o presente.

    d) Discurso direto presente do indicativoEle disse Eu escrevo a carta.Discurso indireto pretrito imperfeito do indicativoEle disse que escrevia a carta.

    e) Discurso direto pretrito perfeitoEle comentou No gostei daquele filme. Discurso indireto pretrito mais-que-perfeito. Ele comentou que no gostara do filme.

    E) DISCURSO INDIRETO-LIVRE

    Emprega-se o discurso indireto-livre para transmitir a fala interior da personagem; esta fala s vezes vem misturada fala do narrador.

    Para que ocorra o discurso indireto-livre so necessrias trs condies:

    a) Narrador em 3 pessoa.b) Devem ser omitidos os verbos de elocuo (disse que,

    pensou que...)c) O narrador deve mostrar o que se passa na conscincia da

    personagem.

    Exemplos:

    Ele continuou a caminhar, mas sua vontade era voltar, pedir para que sua amada o perdoasse, para viverem como era antes.

    O corao batia forte. Com medo? Mas era uma briguinha tola sem maiores conseqncias.

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  • Note que as primeiras frases pertencem ao narrador, no entanto as segundas so da personagem; entretanto, no h pala- vras que indiquem esta mudana, somente o contexto permite observ-la.

    Esse recurso torna a narrativa mais rpida e fluente, mostran- do tambm o domnio que o narrador possui sobre sua personagem.

    EXERCCIOS TIPOS DE DISCURSO

    1) Passe as frases para o discurso indireto:a) Ele reclamou: Devolva meu presente!b) O chefe disse: Fiquem tranqilos, tudo acabar bem. c) A filha respondeu me: Irei voltar tarde hoje.d) A moa questionou: E se nada der certo?e) O rapaz confirmou: Amanh seria o ltimo dia, mas o pra-

    zo foi prorrogado.f) O professor perguntou: Quem escondeu o lpis de Joo?g) A namorada reclamou: No posso ficar mais, meu pai no

    gosta que chego tarde.

    2) Passe para o discurso direto:a) Ela me disse que precisava ir embora cedo.b) O mdico indagou por que no trouxeram o paciente antes

    para a sala de cirurgia.c) O rapaz afirmou que j era tarde e que, se no se apressasse

    perderia o horrio do vo.d) A professora pediu s crianas que entrassem, pois a chuva

    j comeara a cair.e) Ele garantiu-me que aquela manobra tinha sido necessria. f) O policial perguntou quem era a testemunha do assalto.g) A menina pediu que no a deixassem sozinha naquela casa

    escura.

    3) Grife as passagens que apresentarem discurso indireto-livre:Nesse ponto as idias de Sinh Vitria seguiram o outro cami- nho, que pouco depois foi desembocar no primeiro. No era

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  • que a raposa tinha passado no rabo a galinha pedrs? Logo a pedrs, a mais gorda. Decidiu armar um mundu perto do po- leiro. Encolerizou-se. A raposa pagaria a galinha pedrs. Ladrona! Pouco a pouco a zanga se transferiu. Os roncos de Fabiano eram insuportveis, no havia homem que roncasse tanto. (Vidas Secas, Graciliano Ramos)

    4) Insira no texto, a seguir, o discurso indireto-livre:O rapaz foi ao encontro marcado mais cedo do que a hora combinada, estava ansioso para conhecer a garota que apenas conversara por telefone. Achou a situao engraada, nunca marcara encontro com quem no conhecia fisicamente. Pare- cia que os quinze minutos que chegou adiantado no passa- vam, andava de um lado para o outro, cada moa que aparecia era um frio na barriga.

    5) Conte a histria a seguir de duas formas diferentes:a) com discurso direto e com verbos de elocuo b) com discurso indireto

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  • 6) Imagine como deve ter sido o dilogo entre Pedrinho e a Pro- fessora. Reproduza-o:

    7) Leia a histria abaixo, e em seguida reescreva-a em 3 pessoa usando, tambm, o discurso indireto-livre. Faa as alteraes necessrias.

    NINGUM

    A rua estava fria. Era sbado ao anoitecer mas eu estava che- gando e no saindo. Passei no bar e comprei um mao de cigar- ros. Vinte cigarros. Eram os vinte amigos que iam passar a noite comigo.

    A porta se fechou como uma despedida para a rua. Mas a porta sempre se fechava assim. Ela se fechou com um som abafado e rouco. Mas era sempre assim que ela se fechava. Um som que parecia o adeus de um condenado. Mas a porta simplesmente se fechara e ela sempre se fechava assim. Todos os dias ela se fechava assim.

    Acender o fogo, esquentar o arroz, fritar um ovo. A gordura estala e espirra ferindo minhas mos. A comida estava boa. Estava realmente boa, embora tenha ficado quase a metade no prato. Havia uma casquinha de ovo e pensei em pedir-me desculpas por isso. Sorri com esse pensamento. Acho que sorri. Devo ter sorrido. Era s uma casquinha.

    Busquei no silncio da copa algum inseto mas eles j haviam todos adormecido para a manh de domingo. Ento eu falei em voz alta. Precisava ouvir alguma coisa e falei em voz alta. Foi s uma frase banal. Se houvesse algum perto diria que eu estava fican- do doido. Eu sorriria. Mas no havia ningum. Eu podia dizer o

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  • que quisesse. No havia ningum para me ouvir. Eu podia rolar no cho, ficar nu, arrancar os cabelos, gemer, chorar, soluar, perder a fala, no havia ningum para me ver. Ningum para me ouvir. No havia ningum. Eu podia at morrer.

    De manh o padeiro me perguntou se estava tudo bom. Eu sorri e disse que estava. Na rua o vizinho me perguntou se estava tudo certo. Eu disse que sim e sorri. Tambm meu patro me perguntou e eu sorrindo disse que sim. Veio a tarde e meu primo me perguntou se estava tudo em paz e eu sorri dizendo que estava. Depois uma conhecida me perguntou se estava tudo azul e eu sorri e disse que sim, estava, tudo azul.

    (VILELA, Luiz. Tremor de terra. 4 ed. So Paulo, tica, 1977, p. 93.)

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  • CAPTULO 4

    NVEIS DE LINGUAGEM

    Leia esta tira:

    Observe como o autor conseguiu um efeito humorstico alter- nando o nvel de linguagem nos quadrinhos; nos dois primeiros, a linguagem usada apresenta um nvel formal, seguindo a norma culta; j no ltimo, o nvel de linguagem informal, semelhante a grias usadas diariamente. Podemos, ento, definir os nveis de lin- guagem da seguinte maneira:

    Linguagem formal: aquela que se caracteriza pela correo gramatical, riqueza de vocabulrio, com ausncia de grias e ter- mos regionais.

    Linguagem informal: aquela que se caracteriza pela liberdade de expresso, sem convenes gramaticais. Esse tipo de linguagem geralmente apresenta diminutivos e aumentativos com sentido afe- tivo ou pejorativo; apresenta grias, regionalismos, vcios lings- ticos e termos usados no dia-a-dia.

    Ambos os nveis so corretos nas circunstncias adequadas. O autor, ao trabalhar o texto, dever adequar a linguagem per- sonagem para que o texto seja verossmil, isto , parecido com a realidade.

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  • Observe este exemplo:

    O rapaz posto para depor, o delegado olha-o com firmeza e pergunta:

    O Senhor confessa que estava promovendo badernas no bar? No dot, nis tava bebendo uns birinaiti, at qui o dono

    dissi qui tava na hora di fech o istabelicimento, ento nis reclamamu e ele cume a jog gua nu cho e molh os pacote di po qui eu ia lev pr patroa, fiquei invocado i dei uns catiri- papo nu vagabundo. Mas di leve.

    Como o senhor alega que a agresso foi, foi... de leve, o dono do bar apresentou muitos hematomas no rosto?

    Ema o qu? Hematomas, escoriaes, ferimentos...

    Veja que o narrador usou linguagem formal, ele sempre se utili- zar dela. J as personagens usam a linguagem devida. Perceba que o delegado usou linguagem formal e o rapaz usou a linguagem informal para que o texto seja o mais prximo possvel da realidade.

    EXERCCIOS

    1) Procure nos jornais Folha de So Paulo e Notcias Populares, que pertencem mesma empresa, duas notcias do mesmo assunto. Indique qual jornal apresenta linguagem formal e qual apre- senta linguagem informal. Explique o porqu do uso diferente do nvel de linguagem para cada jornal.

    2) Elabore uma narrao em terceira pessoa com discurso direto envolvendo personagens que utilizam nveis de linguagem dife- rentes.

    3) Escreva uma carta declarando o seu amor que h tempos voc escondia. No assine seu nome, porm deixe pistas descritivas a seu respeito.

    4) Escreva uma carta ao diretor do colgio, solicitando uma sala para que seja montado o Grmio Recreativo Alunos Unidos.

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  • CAPTULO 5

    O TEMPO NA NARRATIVA

    Uma histria deve se passar num determinado tempo que pode ser cronolgico ou psicolgico.

    Tempo cronolgico aquele marcado pelo relgio ou pela con- tagem dos dias, semanas, meses, anos.

    Acordei mais cedo no feriado, minha esposa viajara e levara meus filhos, fiquei s. Peguei meu chinelo velho que ela insistia em jogar fora, sentei na poltrona; acendi o cachimbo, ningum iria reclamar do cheiro, abri o jornal, li-o em paz. Foi minha me- lhor manh de feriado.

    Tempo psicolgico no marcado por nenhuma unidade de tempo, pois refere-se ao mundo interior da personagem, s suas lembranas, divagaes.

    com alegria que me lembro do antigo colgio, das estri- pulias, dos amigos, dos professores, do diretor...

    Felipo era o meu grande amigo, paquerador emrito, con- quistava todas as garotas que desejava. Eu era tmido, calado; deliciava-me com as conquistas dele. Tinha tambm Juliana, meu primeiro amor, secreto, dolorido; beijava-a todas as noites silen- ciosas, todos os dias de chuva; bastava estar s e l aparecia o rosto branco e suave de Juliana. Na classe os cabelos encaracolados emaranhavam minha viso, ficava perdido olhando-a, at o profes- sor me chamar e eu tomar um belo susto e servir de alvo para as brincadeiras dos colegas.

    Meu apelido era Da Lua, achavam-me distrado. Mas no era;apenas sonhava com Juliana...

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  • Veja o belo texto de Rubem Braga, note como o tempo trabalhado:

    O PADEIRORubem Braga

    Levanto cedo, fao minhas ablues, ponho a chaleira no fogo para fazer caf e abro a porta do apartamento mas no encontro o po costumeiro.