Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

34
Ministério Público do Estado de Minas Gerais Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher EXMO. DR. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE – MG Autos n.º 0024 06 256 038-8 EGRÉGIO TRIBUNAL COLENDA CAMARA, ÍNCLITOS JULGADORES, PRECLARO PROCURADOR DE JUSTIÇA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através de seu órgão de execução em pleno exercício nesta Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, no exercício de suas atribuições legais, nos autos Do Processo Crime supranumerado, não se conformando, “data venia”, com a r. Sentença de fls. 75/87, que rejeitou a denúncia, por acolher a retratação à representação feita pelas vítimas, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com 1

Transcript of Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Page 1: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

EXMO. DR. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE – MG

Autos n.º 0024 06 256 038-8

EGRÉGIO TRIBUNAL

COLENDA CAMARA,

ÍNCLITOS JULGADORES,

PRECLARO PROCURADOR DE JUSTIÇA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através de seu órgão de execução em pleno exercício nesta Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, no exercício de suas atribuições legais, nos autos Do Processo Crime supranumerado, não se conformando, “data venia”, com a r. Sentença de fls. 75/87, que rejeitou a denúncia, por acolher a retratação à representação feita pelas vítimas, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 581 do Código de Processo Penal, interpor o competente RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, para o reexame necessário por V. Exª da decisão exarada ou posterior apreciação pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, requerendo a apresentação das razões de seu inconformismo, nos seguintes termos:

O recorrido MÁRCIO AURÉLIO DA SILVA se vê processado pela prática de lesão corporal e ameaça, tendo como vítimas a sua esposa VERA LÚCIA MEIRA e o filho MARCELO VÍTOR MEIRA DA SILVA, com imputação nas sanções do artigo 147 c/c 129 § 9º do CPB, com Representação feita às folhas 11 e ECD às folhas 59.

A Denúncia não foi regularmente apreciada quando do oferecimento, tendo sido designada audiência para os fins do artigo 16 da Lei 11.340/06,

1

Page 2: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

na qual, conforme termo de audiência, a vítima expressamente informou livre e espontaneamente que não tem mais interesse no prosseguimento deste processo’.

A Decisão recorrida rejeitou a Denúncia oferecida, baseada no desinteresse expressado pela vítima.

Vieram-me os autos para ciência, oportunidade na qual avio o presente recurso.

É o necessário relatório.

Do prequestionamento:

O entendimento do MM. Juízo a quo, se operou em razão da retratação da ofendida ao direito de representação, argumentando a inexistência de condição de procedibilidade da ação penal, equivocadamente invocada para reconhecimento rejeição da Denúncia.

Com isto, acabou por negar vigência à Lei federal 11.340/06, bem como ao artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, que expressamente dispõe:

Art. 43.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.Parágrafo único.  Nos casos do no III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

Art. 25.   Art. 25.  A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.

Ocorre que a audiência do artigo 16 da Lei 11.340/06 foi designada mesmo havendo nos autos todos os elementos necessários à apreciação da Denúncia REGULARMENTE oferecida, inclusive a representação da vítima.

Assim, a referida audiência foi realizada depois do oferecimento da Denúncia e quando já estava em muito ultrapassado o prazo – preclusivo- decadencial de seis meses da data do fato.

2

Page 3: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Vale observar o que diz o STF:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE (CAPUT DO ART. 129 DO CP, C/C O ART. 88 DA LEI Nº 9.099/95). PEDIDO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL, POR MOTIVO DE RETRATAÇÃO DO ATO DE REPRESENTAÇÃO JUNTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE, NOS TERMOS DO ART. 25 DO CPP. ALEGADA NULIDADE DO JULGAMENTO DE HABEAS CORPUS IMPETRADO PERANTE TURMA RECURSAL. NORMA REGIMENTAL QUE PERMITE AO MAGISTRADO PROLATOR DO ATO IMPUGNADO INTEGRAR O QUÓRUM DE JULGAMENTO NA TURMA RECURSAL (REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS - CAPÍTULO II). INCONSTITUCIONALIDADE. GARANTIA DO JUIZ NATURAL. É irretratável a representação da vítima depois de oferecida a denúncia pelo Ministério Público (CPP, art. 25). Não gera a extinção do processo penal a retratação que, somente formalizada após o oferecimento da denúncia, tem como objetivo obstar a continuidade de feito já instaurado. Muito embora o inciso III do art. 252 do Código de Processo Penal não se aplique às Turmas Recursais integrantes dos Juizados Especiais (ante a inexistência de dualidade de instâncias), é de se ter como inconstitucional, por ofensiva ao inciso LIII do art. 5º da Constituição Federal, norma regimental que habilita o magistrado prolator do ato impugnado a participar, já no âmbito das Turmas Recursais, da revisão do mesmo decisum que proferiu. Revela-se obstativa da automática aplicação da garantia fundamental do juiz natural a autorização de que, entre os três integrantes de Turma Recursal, figure o próprio autor do provimento questionado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 3º do art. 6º do Regimento Interno das Turmas Recursais do Estado de Minas Gerais (redação dada pela Instrução nº 1, de 14 de agosto de 2002). Ordem concedida para que novo julgamento seja proferido, desta feita sem a participação da autoridade tida como coatora. HC 85056 / MG - MINAS GERAIS - HABEAS CORPUS - Relator(a): Min. CARLOS BRITTO - Julgamento: 17/11/2005 -Órgão Julgador: Tribunal Pleno STF

Assim, quando do oferecimento da Denúncia estavam presentes todas as condições de procedibilidade, sendo impossível juridicamente a renúncia ou retratação da representação.

A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas de assistência e proteção às mulheres em tais condições (art. 1º), ou seja, trata-se de lei federal, que traz em seu bojo normas de direito material e processual.

Assim, por se tratar se tratar de processo de natureza criminal, tem-se que a decisão contraria a Lei 11.340/06, nega vigência à lei federal, e

3

Page 4: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

interpreta norma federal em desacordo com outros tribunais, criando um lapso de tempo entre o oferecimento e o recebimento da Denúncia, lapso este inexistente no ordenamento jurídico e que não se justificaria, eis que presentes TODAS as condições de procedibilidade, razão pela qual deflui a idéia lógica que deve haver julgamento, questionamento, na decisão recorrida a respeito da matéria.

Tem-se, portanto, que no rito da Lei 11.340/06 não cabe audiência para induzir a vítima à renúncia ou desencorajá-la ao prosseguimento da Ação Penal, visto que este fato é juridicamente impossível diante da já oferecida Denúncia .

Oferecida a Denúncia, deve ser a mesma devidamente apreciada, recebida ou rejeitada por obediência aos termos do 41/43 do Código Processual Penal, em vista da ausência de previsão legal de qualquer outra medida.

Dito isto, impõe-se a nulidade dos atos praticados ao arrepio da Lei, tornando nulo e sem efeito qualquer ato processual posterior ao oferecimento da Denúncia, por negar vigência à lei federal.

Da impossibilidade da retratação:

É sabido que os delitos de vias de fato e lesão corporal são crimes de Ação Penal Pública Incondicionada e não se processam mediante representação. A fim de admitir a Ação Penal condicionada à representação, teria o legislador feito a mudança expressa do Código Penal quando nele inseriu o parágrafo nono. Mas não o fez, como se vê:

Lesão corporalArt. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:Pena - detenção, de três meses a um ano.§ 9o  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

A Doutrina abaliza a posição de que Lesão Corporal é crime de Ação Penal Pública Incondicionada:

4

Page 5: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

“Não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada etc.” (Marcelo Lessa Bastos - Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006)

Não há que se discutir o óbvio.

A Lei 9.099/95, quanto aos crimes que a ela se submetem, diferenciava a aplicação quanto aos crimes de lesão corporal leve e culposa, quando estabeleceu em seu art. 88 que estes crimes dependem de representação, sendo, portanto, de ação penal pública condicionada, porque os considerou de menor potencial ofensivo.

Diferentemente, a nova Lei 11.340/06, por sua vez, ao determinar expressamente que não se aplica a Lei 9099/95 para a violência doméstica contra a mulher, por força do artigo 41 da Lei 11.340/06, que efetivamente afasta toda a Lei anterior, inclusive o dispositivo em comento, por entender que está afastada do crime de violência doméstica a interpretação como crime de menor potencial ofensivo.

No entanto, apesar da Lei 11.340/06, em seu artigo 16, determinar que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida só será admitida a renúncia perante o juiz, tal situação não se aplica aos crimes de lesão corporal leve praticadas no âmbito doméstico, somente aos crimes em que o Código Penal expressamente determine que a ação seja condicionada à representação.

A interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando-se os princípios que regem a matéria, e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, induz à conclusão de que os crimes de violência doméstica não mais dependem da vontade das vítimas para seu processamento. Significa dizer, em última análise, que os crimes de lesão corporal cometidos contra mulher na violência doméstica não dependem de representação, ou seja, voltaram a ser considerados de ação penal pública incondicionada.

5

Page 6: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

“Nesses crimes, portanto, cometidos pelo marido contra a mulher, pelo filho contra a mãe, pelo empregador contra a empregada doméstica etc., não se pode mais falar em representação, isto é, a ação penal transformou-se em pública incondicionada (o que conduz à instauração de inquérito policial, denúncia, devido processo contraditório, provas, sentença, duplo grau de jurisdição etc.). Esse ponto, sendo desfavorável ao acusado, não pode retroagir (isto é: não alcança os crimes ocorridos antes do dia 22.09.06)”. (G. N.) (Luiz Flávio Gomes em: www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060911143243449&query=violência%20doméstica)

Ressalte-se, ainda, que a ação penal pública incondicionada é a regra geral, conforme dispõe o art. 100 do Código Penal, sendo exceção a lei que expressamente a declare privativa do ofendido. Assim como tem, também, natureza de Ação penal pública Incondicionada, o delito de Vias de Fato, por força do artigo 17 da LCP.

Pelas razões expostas não é possível a “desistência”, renúncia ou retratação da ofendida, depois do oferecimento da Denúncia, no caso de Ameaça, e, em hipótese nenhuma no caso de Lesão corporal ou vias de fato, mesmo que a desistência tenha sido feita em audiência ou por acordo entre as partes, sendo certo que não podem as partes transigir ao arrepio da lei 11.340/06, muito menos negar o Judiciário a aplicação da Lei e a efetividade do provimento jurisdicional pautado na legalidade e na observação irretocável do Princípio do Devido Processo Legal, que deve nortear a condução processual.

URGE OBSERVAR QUE A SENTENÇA NÃO SE APOIOU NAS PROVAS CONTIDAS NOS AUTOS, QUAIS SEJAM OS DEPOIMENTOS DAS PARTES NO QUAL A MATERIALIDADE ESTÁ CONCISA, BEM COMO DA AUTORIA COM AS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. EIS, PORQUE, TAMBÉM MERECE REFORMA O PROVIMENTO JURISDICIONAL.

Os elementos de prova colhidos nos autos sobre a ocorrência do fato delitivo, além da prova da materialidade e autoria, comprovam que o acusado, efetivamente, realizou a conduta delitiva pela qual foi denunciado.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR preconiza que o processo tem por finalidade solucionar o litígio à luz da verdade real, a qual será buscada pelo magistrado nas provas dos autos. Assim, concluímos que a finalidade da prova é solucionar o litígio que motivou a instauração do processo, de tal forma que, sempre que possível, a verdade real seja atingida e que o principal destinatário da prova é o juiz, que é o responsável por analisá-la e valorá-la. No caso em tela, a prova não foi relevada.

6

Page 7: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

No processo penal brasileiro o princípio da livre apreciação da prova encontra-se consagrado no art. 157: "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova".É necessário aplicar o livre convencimento motivado, apreciando as provas dos autos, sobretudo o Exame pericial, a fim de concluir a existência do fato típico que reclama justa punição pelo Estado.

A valoração dada pela vítima quando desiste do prosseguimento, não deve ser levada em conta, eis que não há, neste processo, igualdade de partes. Não cabe à parte definir o quanto e como deve o agressor ser punido, eis que há sempre hierarquia entre vítima e autor do delito de violência doméstica. Esta é tarefa do Estado por excelência e nisto se fundam as razões para que o delito seja de Ação penal Pública Incondicionada, a fim de efetivar a punição pelo Estado do agressor doméstico.

Fosse mantida a condicionalidade da representação nos crimes de lesão corporal e vias de fato ou fosse possível a retratação ou renúncia após o oferecimento da Denúncia nos delitos de ameaça, não haveria escopo na criação da Lei, uma vez que as vítimas continuariam apanhando, os agressores continuariam com os benefícios de conciliação, transação penal e cestas básicas, e o Estado continuaria com um vergonhoso quadro de Violência Doméstica.

Maria da Penha tem, em si a fundamentação expressa de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, realizada na calada do âmbito doméstico e familiar, quando no § 2º do artigo 3º a Lei afirma ser tarefa da Sociedade e do poder público criar condições necessárias aos efetivos direitos das mulheres em situação de violência doméstica, consigna ao aparelho estatal, nele incluso o Poder Judiciário, a tarefa de proteger a mulher, mais que proteger da lesão corporal, proteger da humilhação, da manipulação, da violência psicológica, da diminuição da auto-estima, da chantagem, do controle de suas ações por perturbação (previsão do artigo 7º), fatos que ocasionam a desistência da ação pela vítima, como ocorre no presente feito.

Ementa 110570 LESÕES CORPORAIS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONSIDERAÇÃO DE AGRESSÕES ANTERIORES SOFRIDAS PELA VÍTIMA PARA INCLUSÃO DO FATO NA ESFERA PENAL. ADMISSIBILIDADE: - EM SEDE DE LESÕES CORPORAIS PROVOCADAS NO ÂMBITO DOMÉSTICO, LEVANDO-SE EM CONTA AGRESSÕES ANTERIORES SOFRIDAS PELA VÍTIMA, TORNA-SE INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DO FATO DA ESFERA PENAL, UMA VEZ QUE DELITO DESTA NATUREZA PROVOCA REDISCUSSÃO NEGATIVA NO ÂMBITO FAMILIAR. TACRIM Recurso : APELAÇÃO Processo : 1168475 / 6 Órgão Julg.: 2. CÂMARA Relator : RULLI JÚNIOR Data : 27/01/2000

Por fim, cumpre expor que o fato de ter a vítima desistido de punir o agressor, não deve tangenciar a aplicação errônea da Lei, eis que seu conhecimento jurídico é incompleto, insuficientemente e seu vínculo com o agressor tem

7

Page 8: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

fundamento emocional intenso, de modo que não pode balizar a importância da efetividade da norma penal, eis que envolvida emocionalmente com a questão própria dos autos.

Cabe alertar que a cada 100 mulheres assassinadas, 70 foram mortas no ambiente doméstico/familiar (OMS – 2001), o que, por si é alarmante. A retratação da representação ou renúncia ao processo criminal representa uma situação dramática e angustiosa para as vítimas de violência doméstica, que pode significar o aumento da violência, ou até sua própria morte.

De fato, cerca de 55% das mulheres que tentam se separar dos parceiros, são assassinadas, segundo pesquisa desenvolvida pela Federação Internacional de Planejamento da Família, em parceria com a Associação Médica Americana. A Organização Mundial de Saúde-OMS estima que 70% das mulheres assassinadas no mundo são vítimas de seus próprios companheiros [Organização Mundial de Saúde, Informe Mundial sobre Violência e Saúde, 2002.

Sabe-se que no Brasil 66,3% dos acusados de homicídio contra mulheres no Brasil são seus parceiros, conforme Pesquisa realizada em 1998 pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos ("Primavera já partiu") e que entre 45% a 59% das mulheres que sofrem violência são mães de crianças que sofrem maus tratos [57]. Se uma mulher adulta - que, a princípio, poderia denunciar a agressão ou pedir socorro -, é violentada no lar, é óbvio que as crianças ou adolescentes sob sua responsabilidade estão sob perigo também. Estas geralmente vivem sob total dependência da vítima ou do próprio agressor, situação que, por si só, justifica uma intervenção, mesmo contra a vontade da mulher agredida. (AGENDE, 10 anos da adoção da Convenção Interamericana..., p. 12, citando pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos da América, pela Federação Internacional de Planejamento da Família em parceria com a Associação Médica Americana.).

Importante relatar que estes homicídios, normalmente, são precedidos de histórico de violência doméstica composto de ameaças e lesões nunca antes punidas... o que impõe a necessidade de romper o ciclo de impunidade, através da correta persecução penal.

DA JURISPRUDÊNCIA ATUAL:

A jurisprudência tem se delineado no sentido de que a lesão corporal é crime de Ação Penal Pública Incondicionada, conforme se vê (g.n.), inclusive já no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS:

8

Page 9: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

No Conflito Negativo De Jurisdição, N° 1.0000.07.449600-1/000, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, tendo como Relatora a Exmª. Srª. Desª. Maria Celeste Porto, com a qual votaram de acordo os Desembargadores: Vieira De Brito e Hélcio Valentim, votou expressando a incondicionalidade da Ação Penal quanto aos delitos de Lesão Corporal, o que reproduzimos em parte:

“enquadramento de tal conduta na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), porquanto a mesma, em sendo mais gravosa, só se aplicaria a delitos cometidos após sua entrada em vigor (dia 22/9/06).

De fato, esse novo instrumento jurídico-penal, que embora não tenha criado nenhuma figura penal nova, trouxe consideráveis mudanças na legislação penal e processual penal relativas a delitos praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, e surgiu para atender ao mandamento constitucional do parágrafo 8º, do art. 226, e também para satisfazer os termos da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação da mulher, de 1979, ratificada pelo Brasil em 01.02.84.

Assim, com o intuito de coibir a prática de crimes dessa natureza criou normas mais rigorosas, tais como, retirou os crimes do âmbito de incidência da Lei dos Juizados (Lei n. 9099/95); proibiu a aplicação de penas ou medidas alternativas previstas nessa lei, tais como cestas básicas ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa; a lesão corporal dolosa simples nestas hipóteses passou a ser pública incondicionada, etc.

Como se vê, esse novo instrumento legal, por ser indiscutivelmente mais severo, só se aplica aos fatos praticados a partir do seu advento, e o processamento das condutas anteriores a essa data permanecerão sob a égide da lei anterior, com possibilidade de transação etc, nos seus juízos de origem.

A Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XL, preceitua que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

E o art. 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos ratifica: "Ninguém pode ser condenado por suas ações ou omissões que, no momento de sua realização, não eram

9

Page 10: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

consideradas delitivas segundo o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave do que a aplicável no momento do cometimento do delito. Se, posteriormente ao cometimento do delito, a lei a este impuser uma pena mais leve, o delinqüente disto deverá beneficiar-se".

Também, na Apelação Criminal N° 1.0672.07.245986-6/001, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, tendo como Relator o Exmo. Sr. Des. Alexandre Victor De Carvalho, com o qual votaram de acordo os Desembargadores Maria Celeste Porto E Pedro Vergara, votou expressando a integral constitucionalidade da Lei 11.340/06, o que reproduzimos em parte:

“Com estas considerações, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO MINISTERIAL PARA DECLARAR INCIDENTALMENTE A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.340/06 TAMBÉM DENOMINADA LEI MARIA DA PENHA, CONFIRMANDO A VIGÊNCIA DE TODOS OS SEUS DISPOSITIVOS LEGAIS, DETERMINANDO AO MAGISTRADO MONOCRÁTICO A ANÁLISE DAS MEDIDAS CAUTELARES REQUERIDAS, AFASTADO O ARGUMENTO DA NEGATIVA DE VIGÊNCIA POR VIOLAÇÃO À CARTA MAGNA, PODENDO, SE ENTENDER NECESSÁRIO, DILIGENCIAR PARA INSTRUIR MELHOR O FEITO”.

TJMG:

EMENTA: LESÃO CORPORAL PRATICADA CONTRA ASCENDENTE. CONFIGURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU FAMILIAR. INCIDÊNCIA DA LEI Nº 11.340/06. PRELIMINAR. DESNECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO PARA O CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES. APLICAÇÃO DO ART. 41 DA LEI Nº 11.340/06. REJEITA-SE. CONFISSÃO. PROVA PERICIAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. DECOTE DA AGRAVANTE. CIRCUNSTÂNCIA JÁ CONTEMPLADA NO TIPO PENAL. ADEQUAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.- Ao crime de lesão corporal leve praticado no contexto de violência doméstica ou familiar não se exige representação da vítima como condição de procedibilidade da ação penal, eis que inaplicável a Lei dos Juizados Especiais, por força do art. 41 da Lei nº 11.340/06.- Não se considera circunstância agravante se a mesma já se encontra contemplada no tipo penal, sob pena de caracterizar "bis in idem". APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0026.07.026832-6/001 - COMARCA DE ANDRADAS - APELANTE(S): REGINALDO COELHO - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. HERCULANO RODRIGUES

10

Page 11: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Do referido julgado tem-se que:

“O recorrente invoca como sustentáculo da preliminar o entendimento por mim exposto no julgamento do Hábeas Corpus nº 1.0000.07.452886-0/000, às ff. 52/56, em que foi paciente, no sentido de que seria necessária a representação da ofendida nas hipóteses de lesões corporais de natureza leve. No entanto, após um melhor estudo acerca da matéria, e acompanhando o desenvolvimento da jurisprudência e a doutrina especializada, revi minha posição. É inegável que o crime de lesões corporais ora examinado foi praticado num contexto de violência familiar, atraindo a incidência da Lei nº 11.340/06 e, neste caso, é desnecessária a representação, Sua necessidade para que seja o agente processado pelo crime de lesão corporal de natureza leve está exposta no art. 88 da Lei 9.099/95, porém, com o advento da Lei 11.340/06, não se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar qualquer dispositivo existente na lei dos juizados especiais, desaparecendo a obrigatoriedade da representação. “

EMENTA: "HABEAS CORPUS" - Lei 11.340/2006 - NÃO-OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 16 - AUDIÊNCIA PRELIMINAR - RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - PREJUÍZO - INOCORRÊNCIA. Não há se falar em nulidade ou prejuízo para a defesa em procedimento que tramita regularmente por VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, no qual a vítima demonstrou claro interesse no seu prosseguimento, tendo, inclusive, ratificado em audiência preliminar não obrigatória (art. 16 da Lei 11.340/2006), a representação ofertada em sede inquisitorial, oportunidade em que requereu a sua admissão como assistente e medidas protetivas. Ordem denegada -HABEAS CORPUS N° 1.0000.08.470299-2/000 - COMARCA DE ITAGUARA - PACIENTE(S): ORLANDO DE OLIVEIRA COSTA - AUTORID COATORA: JD COMARCA ITAGUARA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ:

APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - AUDIÊNCIA PARA RENUNCIAR OU FORMALIZAR A REPRESENTAÇÃO - NÃO NECESSIDADE - AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA - CONDENAÇÃO - PROVAS SUFICIENTES - PALAVRAS DA VÍTIMA - LEGÍTIMA DEFESA NÃO DEMONSTRADA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES - CARACTERIZAÇÃO - PROVA BASTANTE - DESCLASSIFICAÇÃO INVIÁVEL. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO - MUNIÇÕES NA RESIDÊNCIA E NO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DO APELANTE - ATO PRATICADO NO CURSO DO PRAZO PARA REGULARIZAÇÃO - FATO TEMPORARIAMENTE

11

Page 12: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

ATÍPICO - ABSOLVIÇÃO - REFORMA DA SENTENÇA NESSA PARTE - REDUÇÃO DA PENA. PROVIMENTO PARCIAL. (TJPR - 3ª C.Criminal - AC 0456222-3 - Paraíso do Norte - Rel.: Juiz Conv. Rui Bacellar Filho - Unanime - J. 13.03.2008)

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO:

EMENTA: Lesão corporal de natureza leve. Violência doméstica. Condenação. Preliminar de nulidade da sentença, por não ter sido realizada prévia audiência preliminar entre a suposta vítima e o recorrente; a ausência de proposta da suspensão condicional do processo, e a inconstitucionalidade do artigo 41, da Lei 11.340/06, ao afastar os institutos despenalizadores da Lei 9099/95, para crimes considerados de menor potencial ofensivo. No mérito, a defesa postula a absolvição do ora apelante. O delito foi praticado contra a ex-companheira, tratando-se, portanto, de violência doméstica, ao qual se aplica o artigo 41, da Lei 11.340/06, que assim dispõe: Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Laudo pericial e prova testemunhal induvidosas. Penitência aplicada com ponderação, no mínimo legal, com aplicação do sursis, pelo prazo de dois anos. Preliminar rejeitada. Recurso improvido. 2008.050.01119 - APELACAO CRIMINAL – TJERJ - DES. SUELY LOPES MAGALHAES - Julgamento: 03/04/2008 - OITAVA CAMARA CRIMINAL

EMENTA: HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEI MARIA DA PENHA. IMPEDIMENTO LEGAL DE APLICAÇÃO DA LEI N. 9.099/95 AOS CRIMES PRATICADOS COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO. Writ impetrado sob alegação de coação ilegal, decorrente da negativa do Ministério Público em formular proposta de suspensão condicional do processo. Recusa do Parquet bem fundamentada e arrimada em impeditivo legal. Argüição da Defesa de inconstitucionalidade do artigo 41 da Lei n. 11.340/06, que veda a aplicação da Lei n. 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, que não procede. Precedentes jurisprudenciais. Ordem que se denega. DES. NILZA BITAR - Julgamento: 08/01/2008 - QUARTA CAMARA CRIMINAL – TJERJ - 2007.059.08104 - HABEAS CORPUS

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO:

Ementa: - PROCESSO PENAL. Imputação ao acusado de cometimento dos crimes de lesões corporais e de ameaça, contra sua amásia. (a) Alegação de nulidade ante a não designação da audiência prevista no artigo 16 da Lei n. 11.340/06. Afastamento. Primeiro, porque não se aplica ao

12

Page 13: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

crime de lesão corporal. Destarte, o crime de lesão corporal, quando cometido nas circunstâncias enunciadas no novo estatuto, é de ação pública incondicionada. Independe da vontade da ofendida - (cf. art. 41 da Lei n. 11.340/06). Ainda, não há que se falar na nulidade proclamada, porque, sendo aplicável no que diz respeito ao crime de ameaça, a não designação de audiência não traz prejuízo ao apelante. Tal audiência está prevista em lei como uma garantia para a própria vítima, para dificultar que seja coagida a desistir da representação já manifestada. Seria designada a requerimento da vitima ou com a finalidade de confirmar sua retratação espontânea e anteriormente firmada em sede de Inquérito Policial. f) Alegação de nulidade por falta de fundamentação da sentença no tocante à fixação do regime inicial de cumprimento de pena e à não substituição desta por pena restritiva de direitos. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. A r. sentença recorrida, nada obstante sucinta, tem fundamentação, nos exatos termos do artigo 381, incisos III, do CPP e não pode ser confundida com sentença sem fundamentação. II - DIREITO PENAL. Crimes de lesões corporais e de ameaça. Contra mulher. Materialidade das lesões corporais devidamente comprovada, bem como a autoria, em relação aos dois delitos. Sentença condenatória mantida. NÃO PROVIMENTO DO APELO. Apelação Criminal 10667643100 - Relator(a): Eduardo Braga - Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal do TJSP - Data do julgamento: 16/10/2007 - Data de registro: 26/10/2007.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS:

Órgão SEGUNDA TURMA CRIMINAL – TJDFT - HBC – HABEAS CORPUS Nº. Processo 2007.00.2.004002-2 - Impetrantes JOSÉ ALFREDO GAZE DE FRANÇA, CYNTHIA DE LACERDA BORGES - Paciente GILBERTO DE SOUZA DOURADO – EMENTA - HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CONTEÚDO POLÍTICO E SOCIAL DA LEI 11.340/2006. DELITOS DE LESÕES CORPORAIS LEVES E LESÕES CULPOSAS. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E PROTEÇÃO À FAMILIA. EFETIVADADE DA LEI. ORDEM DENEGADA. 1. O artigo 1º da lei nº 11.340/2006, conhecida

13

Page 14: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

como Lei Maria da Penha enuncia o conteúdo político social da recém norma editada, em atenção aos reclamos de ontem da sociedade brasileira ante o elevado índice de casos de violência contra a mulher no seio familiar e doméstico, exigindo uma resposta penal eficaz do Estado. 2. A sociedade há muito tempo sente-se incomodada com as práticas violentas no seio familiar contra a mulher, cujas medidas despenalizadoras previstas na lei 9.099/95 não foram suficientes para coibir e prevenir a violência contra a mulher. 3. A exegese que confere efetividade à repressão aos crimes de violência doméstica contra a mulher nos casos de lesões corporais leves e lesões culposas é o da não vinculação da atuação do Ministério Público ao interesse exclusivo da ofendida tal como previsto no art. 88 da Lei 9.099/95. 4. Na busca da concretização dos fins propostos pela lei 11.340/2006 prevalece o interesse público traduzido na coibição de violência doméstica, lastreada na garantia constitucional de ampla proteção à família e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 5. Essa orientação permite a compreensão do alcance, sentido e significado dos artigos 16 e 41 da lei nº 11.340/2006 para reconhecer que os delitos de lesão corporal simples e lesão culposa cometidos no âmbito doméstico e familiar contra a mulher são de ação pública incondicionada, reservando-se à aplicação do art. 16 àqueles crimes em que a atuação do Ministério Público fica vinculada ao interesse privado da vítima em punir o seu ofensor. 6. Ordem denegada. ACÓRDÃO - Acordam os Desembargadores da SEGUNDA TURMA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, NILSONI DE FREITAS CUSTÓDIO – Relatora, APARECIDA FERNANDES e ROMÃO C. DE OLIVEIRA – Vogal, sob a presidência do Desembargador ROMÃO C. DE OLIVEIRA, em DENEGAR A ORDEM. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília-DF, 28 de junho de 2007. (g.n.)

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS:

"Habeas Corpus. Lei 11.340/06. Lesão Corporal Leve. Ausência de Representação da Vítima Antes do Recebimento da Denúncia. Nulidade. Inocorrência. Crime de Ação Penal Pública Incondicionada. A Lei 11.340/06 afastou, por completo, a aplicabilidade da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra

14

Page 15: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

a mulher, incluindo a exigência de representação assinalada no art. 88, para que a vítima não mais sinta-se pressionada a abrir mão do direito de processar o seu agressor. A lesão corporal culposa e dolosa simples contra mulher em ambiência doméstica, familiar ou íntima, passou a ser, desde a edição da Lei Maria da Penha, de ação penal pública incondicionada, sendo, por isso, de todo descabido, que o magistrado, antes do recebimento da denúncia, intime a vítima para manifestar-se sobre eventual desejo de processar o seu agressor. Ordem denegada". Habeas-Corpus nº 30.479-1/217 (200704548318), 2ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS (TJ-GO). ACÓRDÃO DO DIA 06/01/2008.

“CORREICAO PARCIAL. RECLAMACAO. VIOLENCIA DOMESTICA E FAMILIAR. REPRESENTACAO DA OFENDIDA. RETRATACAO. INEXISTENCIA. AUDIENCIA PARA RATIFICACAO. DESNECESSIDADE. 1 - NOS CRIMES PRATICADOS COM VIOLENCIA DOMESTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, OFERECIDA A REPRESENTACAO PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL E DESDE QUE INEXISTENTE MANIFESTACAO EXPRESSA OU TACITA DE QUE A OFENDIDA PRETENDE RETRATAR-SE, O JUIZ DEVE, DE PRONTO, DELIBERAR A RESPEITO DA DENUNCIA OFERTADA CONTRA O AGRESSOR. 2 - A AUDIENCIA DE QUE TRATA O ARTIGO 16 DA LEI N. 11.340/06 SO E NECESSARIA QUANDO A VITIMA DEMONSTRA SEU INTERESSE EM RETRATAR-SE DA REPRESENTACAO, SENDO DESNECESSARIA SUA REALIZACAO PARA RATIFICAR A REPRESENTACAO JA OFERECIDA PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL. 3 - RECLAMACAO IMPROVIDA." "ACORDAM OS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, POR SUA SEGUNDA CAMARA CRIMINAL, NA CONFORMIDADE DA ATA DO JULGAMENTO E ACOLHENDO O PARECER DA PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA, A UNANIMIDADE, CONHECER DA CORREICAO E A IMPROVER, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR." 2A CAMARA CRIMINAL Goiânia - DJ 15070 de 24/08/2007 Recurso: 41-5/322 - CORREICAO PARCIAL Processo 200702266668 REQUERENTE: MINISTERIO PUBLICO REQUERIDO: JD DA 12A VARA CRIMINAL

15

Page 16: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

"CORREICAO PARCIAL. CRIME DE VIOLENCIA DOMESTICA. REALIZACAO DE AUDIENCIA PRELIMINAR. ARTIGO 16 DA LEI 11.340/06. IMPOSSIBILIDADE. REPRESENTACAO. AUSENCIA DE RETRATACAO. A AUDIENCIA ANTERIOR AO RECEBIMENTO DA DENUNCIA, DE QUE TRATA O ARTIGO 16 DA LEI MARIA DA PENHA, OBJETIVA A CONVALIDACAO DE ATO VOLITIVO DE ABDICACAO DE DIREITO EXERCIDO ANTERIORMENTE PELA OFENDIDA COM FITO NA EXTINCAO DA PUNIBILIDADE DO SEU AGRESSOR, SENDO IMPRESCINDIVEL PARA A SUA REALIZACAO A RETRATACAO DA REPRESENTACAO DA VITIMA NA FASE PRE-PROCESSUAL. CORREICAO PARCIAL INDEFERIDA, A UNANIMIDADE DE VOTOS." "ACORDAM OS INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL DO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, POR VOTACAO UNIFORME, ACOLHENDO O PARECER MINISTERIAL, EM CONHECER E INDEFERIR A PRESENTE CORREICAO PARCIAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR QUE A ESTE SE INCORPORA. CUSTAS DE LEI." 1A CAMARA CRIMINAL GOIANIA DJ 15066 de 20/08/2007Processo nº 200702266706 REQUERENTE: MINISTERIO PUBLICO REQUERIDO: JD DA 12A VARA CRIMINAL Recurso 42-3/322 - CORREICAO PARCIAL

"CORREICAO PARCIAL. PEDIDO DE RECONSIDERACAO. NOS TERMOS DO ART. 16, DA LEI 11.340/06, NAS 'ACOES PENAIS PUBLICAS CONDICIONADAS A REPRESENTACAO DA OFENDIDA DE QUE TRATA ESTA LEI, SO SERA ADMITA A RENUNCIA A REPRESENTACAO PERANTE O JUIZ, EM AUDIENCIA ESPECIALMENTE DESIGNADA COM TAL FINALIDADE, ANTES DO RECEBIMENTO DA DENUNCIA E OUVIDO O MINISTERIO PUBLICO'. DESTARTE, A AUDIENCIA MENCIONADA NAO E CONDICAO DE PROCEDIBILIDADE E APENAS DEVE SER REALIZADA SE A VITIMA MANIFESTAR DESEJO DE RETRATAR-SE, OCASIAO EM QUE SERA ORIENTADA PELAS AUTORIDADES MENCIONADAS DAS CONSEQUENCIAS DE SEU ATO. RECLAMACAO CONHECIDA E IMPROVIDA." "ACORDAM OS COMPONENTES DA TERCEIRA TURMA JULGADORA DA SEGUNDA CAMARA CRIMINAL DO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, A UNANIMIDADE DE VOTOS, ACOLHENDO O PARECER MINISTERIAL, EM

16

Page 17: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

CONHECER DA CORREICAO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. CUSTAS DE LEI." 2A CAMARA CRIMINAL GOIANIA DJ 15086 de 18/09/2007 Recurso 43-1/322 - CORREICAO PARCIAL Processo 200702290690 REQUERENTE: MINISTERIO PUBLICO REQUERIDO: JD DA 12A VARA CRIMINAL

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO:

EMENTA - - LESÃO CORPORAL LEVE QUALIFICADA (ART. 129, §9º DO CP) - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER (LEI Nº 11.340/2006) - PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - PRESENÇA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA E COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE - RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO - INADMISSIBILIDADE - AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO - ORDEM DENEGADA. O trancamento da ação penal por falta de justa causa constitui medida de caráter excepcional, só mostrando-se cabível na via estreita do writ quando se comprove primus ictus oculi, de modo inequívoco, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, circunstâncias não demonstradas na hipótese em exame. Com o advento da Lei nº 11.340/2006 o crime de lesão corporal leve que implique em VIOLÊNCIA DOMÉSTICA contra a mulher (art. 129, §9º, do CP) passou ser de ação penal pública incondicionada, tornando-se a retratação da vítima, portanto, insuficiente para justificar o arquivamento da ação. HABEAS CORPUS - IMPETRANTE(S): DR. ANTONIO FERNANDO FERREIRA NOGUEIRA - PACIENTE(S): A. L. P. P. - Número do Protocolo: 44813/2007 - Data de Julgamento: 19-6-2007 PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência da DESA. SHELMA LOMBARDI DE KATO, por meio da Turma Julgadora, composta pelo DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (Relator), DRA. GRACIEMA R. DE CARAVELLAS (1ª Vogal) e DESA. SHELMA LOMBARDI DE KATO (2ª Vogal), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, DENEGARAM A ORDEM. O PARECER É PELA DENEGAÇÃO.

17

Page 18: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Dos pedidos:

Pelo exposto, caso Vossa Excelência, no juízo de retratação, entenda por manter a decisão ora combatida, requer sejam os autos remetidos àquele Colendo Tribunal, a fim de recorrer o Ministério Público em sentido estrito, requerendo o que se segue.

1. Seja acolhida a preliminar de nulidade da audiência realizada, por expressa inaplicabilidade da audiência do artigo 16 norma aos crimes de Violência Doméstica de Ação Penal Pública Incondicionada, na incompatibilidade ressaltada pelo artigo 16 da Lei. 11.340/06, tornando nula a audiência realizada, bem como todos os atos dela decorrentes.

2. Alternativamente, seja reconhecido o recebimento da Denúncia, de forma tácita no despacho que dá prosseguimento ao feito.

3. Alternativamente, seja reformada a Decisão que rejeita a Denúncia com base na retratação da vítima, que no caso é inócua, uma vez que já oferecida a Denúncia quando da retratação da representação pela vítima, precluso o prazo, devendo a Denúncia ser recebida e ser dado ao feito o processamento regular.

Termos em que, pede deferimento.

Belo Horizonte, 12 de abril de 2023

LAÍS MARIA COSTA SILVEIRA DENISE GUERZONI COELHOPromotora de Justiça Promotora de Justiça

18

Page 19: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

EDUARDO HENRIQUE SOARES MACHADOPromotor de Justiça

EXMO. SENHOR DR. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DE BELO HORIZONTE

A Promotora de Justiça oficiante na Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica contra a Mulher, tendo em vista a decisão que rejeitou a denúncia oferecida, vem, no prazo legal, recorrer em sentido estrito de tal decisão, nos termos do artigo 581,I do Código de Processo Penal. Seguem em anexo as razões do recurso.

Requeiro, desde já, em sendo mantida a decisão recorrida, sejam os presentes autos remetidos ao Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para julgamento do recurso.

19

Page 20: Recurso Sentido Estrito - Violencia Domestica

Ministério Público do Estado de Minas GeraisPromotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Belo Horizonte, 12 de abril de 2023.

LAÍS MARIA COSTA SILVEIRA DENISE GUERZONI COELHOPromotora de Justiça Promotora de Justiça

FRANCIANE MARY DE SOUZATécnica do Ministério Público

20