Recuperando uma Abordagem Adventista à Vida e Missão da Igreja Local _2

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Recuperando uma Abordagem Adventista à Vida e Missão da Igreja Local Russell C. Burrill Tradução: Josiane Kraft Dionisio Fonseca

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Recuperando uma Abordagem Adventista à Vida e Missão da Igreja

Local Russell C. Burrill

Tradução: Josiane Kraft Dionisio Fonseca

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- Conteúdo -

PREFÁCIO................................................................................................................................... 5 INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 6

Parte 1 A Missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia

1. A Grande Comissão e o Fundamento da Missão............................................................ 9

A Primazia da Grande Comissão..................................................................................... 9 O Produto da Grande Comissão.................................................................................... 11 Definição Bíblica de “Discípulo”.......................................................................................15 Resumo.......................................................................................................................... 23

2. A Igreja Primitiva e o Entendimento de Missão............................................................. 24

Pentecoste e o Entendimento de Missão...................................................................... 24 A Organização da Igreja do Novo Testamento como Reflexo de Sua Ordem de Missão ......................................................................................................... 25 Diferenças Culturais a Fim de Cumprir a Missão ......................................................... 28 Plantação de Igrejas como Foco da Estratégia de Missão ........................................... 31 Um Modelo de Igreja Não-dependente ......................................................................... 33 Resumo ......................................................................................................................... 37

3. Os Fundamentos da Missão Adventista ........................................................................ 38

A Parousia como Fundamento para a Missão Adventista ............................................. 38 Um Entendimento de Apocalipse 14: 6-12 como Base para o Entendimento do Discipulado na Igreja Adventista ....................................................... 41

Parte 2 A Função do Clero e o Cuidado com o Membro na Era do Novo Testamento

4. Um Entendimento dos Termos Bíblicos para Clero ....................................................... 51

Sacerdote ...................................................................................................................... 52 Apóstolo ........................................................................................................................ 54 Anciãos/Bispo ................................................................................................................ 58 Diácono/ Ministro ........................................................................................................... 62 Pastor ............................................................................................................................ 66 Conclusão Sobre o Clero como Cuidadores Primários ................................................. 68

5. Um Entendimento Sobre o Cuidado com o Membro na Era do Novo Testamento .............................................................................................. 71 As Circunstâncias do Antigo Testamento para Comunidade Bíblica ............................ 72 A Comunidade do Ministério de Jesus .......................................................................... 76

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A Igreja em Pequenos Grupos no Livro de Atos como Base para o Cuidado ao Membro ............................................................................... 80 O Entendimento do Apóstolo Paulo de Prover o Cuidado ao Membro Através dos Pequenos Grupos .................................................................................... 84 Comunidade nos Pequenos Grupos como Estratégia do Novo Testamento .............. 90 Cuidado Mútuo como Fonte Primária do Cuidado ao Membro no Novo Testamento ........................................................................................................ 92 Resumo ....................................................................................................................... 94

Parte 3 A Função do Clero e o Cuidado com o Membro na Igreja Adventista Primitiva

6. Contexto Histórico para o Surgimento do Adventismo .................................................. 96

Partindo do Plano do Novo Testamento para o Cuidado com o Membro ................... 102 Metodismo e o Impacto no Entendimento Adventista do Função do Clero e o Cuidado com o Membro ............................................................. 106

7. A Função do Clero no Início do Adventismo ............................................................... 111 Função do Clero como Evangelistas Itinerantes e Fundadores de Igrejas ................. 112 Estrutura Organizacional Desenvolvida para a Realização da Missão ....................... 113 Ellen White e a Função do Clero ................................................................................. 119 A Perda da Função do Clero como Plantação de Igrejas ............................................ 121

8. Cuidado com o Membro no Início do Adventismo ....................................................... 133 Os Pioneiros Adventistas e o Encontro Social ............................................................ 133 Ellen White e os Encontros Sociais ............................................................................. 138 Ellen White e os Pequenos Grupos ............................................................................. 143 Conclusões sobre o Cuidado com o Membro no Início do Adventismo ...................... 147

Parte 4 Um Modelo Para Um Adventista Ou Associação Direcionado Para Missão Baseando-Se

Nas Origens Históricas e Bíblicas

9. O Retorno às Raízes Históricas e Bíblicas .................................................................. 152 Por que os Adventistas Deveriam Voltar a Ser uma Igreja Dirigida à Missão ............. 153 Por que os Adventistas Deveriam Voltar à Função Bíblico do Clero ........................... 154 Por que os Adventistas Precisam Votar à Função Bíblica do Cuidado ao Membro .... 155

10. Um Modelo de Estrutura de Igreja Baseado nas Raízes Bíblicas e Históricas ........... 158 Fazendo Discípulos no Novo Modelo .......................................................................... 158 A Estrutura da Igreja Modelo, Incluindo a Função Pastoral e o Cuidado com o Membro .............................................................................................. 165 Estrutura de Conferência em uma Igreja Construída no

Emilio Abdala
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Modelo Histórico/Bíblico ........................................................................................... 172 Resumo .................................................................................................................... 174

11. Como Voltar ao Modelo Bíblico/ Histórico ................................................................ 175 Educação no Novo Modelo ...................................................................................... 175 Fundando uma Nova Igreja no Novo Modelo ........................................................... 176 A Transição de Uma Igreja Já Existente para o Novo Modelo ................................. 177 O Que Fazer com as Igrejas Existentes que Não Desejam Fazer a Transição ....... 181 Resumo ..................................................................................................................... 182

12. Resumo o Conclusão ................................................................................................ 184

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- Prefácio -

Recuperando uma Abordagem Adventista à Vida e Missão da Igreja Local é um poderoso desafio do Dr. Russel C. Burril para a igreja Adventista do Sétimo Dia. Provê uma estrutura histórico/teológica que ajuda a dar forma aos seus livros anteriores, Revolutionized In The Church Of The 21th Century (1997) e Rekindling a Lost Passion: Recreating a Church Planting Movement (1999). Dr. Burrill descobre no Novo Testamento um igreja que foi condicionada por sua missão. O foco de sua estratégia missionária era fundar igrejas. O clero era formado por pregadores itinerantes. As congregações fundadas não eram dependentes de pastores e cresciam e multiplicavam sob liderança leiga. O resultado foi uma rápida propagação do cristianismo a todo o mundo conhecido na época. Uma das mais valiosas contribuições do Dr. Burill em Recuperando uma Abordagem Adventista é precisamente uma recuperação de um capítulo quase esquecido da estratégia de crescimento da igreja Adventista do Sétimo Dia. Seguindo o modelo apostólico, até as primeiras décadas do século vinte, os ministros Adventistas do Sétimo Dia eram evangelistas itinerantes e fundadores de igrejas, não sendo aqueles que zelavam pelas igrejas locais. O cuidado com o membro era responsabilidade da congregação, com o “encontro social” como fator significativo. Durante esse período, a Igreja Adventista experimentou seu mais rápido crescimento. O livro conclui com um chamado à Igreja Adventista para recuperar suas raízes históricas e bíblicas centradas na missão. Mas isso não implica em um esforço indiscriminado para fazer o relógio voltar no tempo. Com sensibilidade e realismo, Dr. Burril sugere uma estratégia que também deixa espaço para aqueles que não compreendem totalmente as questões em jogo. Dr. Burril surgiu como um dos líderes Adventistas do pensamento e da prática do crescimento da igreja e de plantação de igrejas. Em Recuperando uma Abordagem Adventista ele nos desafia a olhar novamente para a missão da igreja pela perspectiva de seus fundadores. Berrien Springs, Michigan Novembro, 1998

Werner Vyhmeister, Dean Seminário Teológico da IASD

Universidade Andrews

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- Introdução - Há quase dois mil anos atrás, um grupo de onze discípulos, cheios de incertezas, encontrou Jesus em uma montanha bem antes de Sua ascensão ao céu. Lá, Jesus entregou a eles o que ficaria conhecido por Grande Comissão (Mateus 28: 16-20). Obedecendo a essa comissão, dentro dos próximos cem anos, aqueles primeiros discípulos criaram novos discípulos em toda nação por eles conhecida. Hoje, muitos dos que professam seguir a Jesus, dão pouca atenção a ordem da Grande Comissão. Igrejas existem sem nenhum real foco no ministério. Muitas elas parecem existir apenas para perpetuação de si própria. Apenas tentativas esporádicas são feitas para criar novos discípulos. Igualmente, a Igreja Adventista do Sétimo Dia surgiu na metade do século dezenove com uma clara missão de proclamar sua mensagem única às partes mais remotas do planeta Terra. Com zelo irrestringível, eles atravessaram o globo e plantaram o Adventismo por todo mundo nos primeiros quarenta anos de sua fundação. A Igreja Adventista continuou seu explosivo crescimento durante todo o século vinte, com um índice de 7% ao ano, resultando em quase dez milhões de membros atualmente. Porém, quando alguém examina o crescimento da Igreja Adventista, rapidamente descobre um crescimento desproporcional da Igreja. O terceiro mundo explode com taxas de crescimento de 10 a 15% ao ano, enquanto América do Norte, Europa e Austrália (países ocidentalizados) estão crescendo menos de 2% ao ano. As estatísticas de membros dos primórdios da Igreja Adventista na América do Norte são reflexo do comprometimento dos membros, considerando que, nos dias de hoje na América do Norte, a função dos membros estão grosseiramente cheios de si. Em contraste, a vibrante Igreja do terceiro mundo ostenta grande freqüência do que membros em muitas áreas. A Igreja Adventista da América do Norte se tornou muito dependente de seu pastor, atentando para o fato de que grande parte das igrejas no terceiro mundo não possui um pastor fixo. De fato, muitos pastores possuem de trinta a quarenta igrejas sob sua supervisão. Por necessidade, essas igrejas passaram a ser lideradas e capacitadas por leigos, em contraste com o modelo dependente de pastor da América do Norte e outras nações ocidentalizadas. O propósito desta dissertação é examinar os fundamentos bíblicos em que a Igreja Adventista do Sétimo Dia construiu sua eclesiologia. Prestaremos atenção em particular à missão bíblica confiada à Igreja, a função do clero em cumprir essa missão, e o função da laicato em cumprir tanto a missão quanto cuidar dos cristãos já existentes. Em acréscimo, pesquisaremos o Adventismo primitivo para descobrir a eclesiologia do princípio da Igreja Adventista e sua relação com esse entendimento de missão, função pastoral e cuidado ao membro. Desses princípios, descobertos bíblica e historicamente, a dissertação tentará propor um modelo para que as igrejas Adventistas sigam no século XXI. Esse modelo será baseado nas raízes bíblicas e históricas do Adventismo primitivo. Visiona uma igreja guiada pela missão, capacitada por leigos e independente do clero para cuidados de um pastor. A Igreja Adventista na América do Norte está reexaminando seriamente sua função evangelística e tenta tornar-se novamente uma Igreja guiada pela missão. Em 1997, no Encontro de Fim de Ano, a Divisão Norte Americana passou quase três dias discutindo e explorando maneiras em que a Igreja Norte Americana poderia se tornar um movimento de

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plantação de igrejas. A presente estrutura eclesiológica torna isso difícil. A distribuição de fundos favorece as igrejas existentes e manutenção do status quo. A despeito dos insuperáveis obstáculos que envolvem patrocinar a plantação de igrejas, a Igreja se comprometeu a se voltar novamente para um movimento de plantação de igrejas. No contexto de liberação de fundos para plantação de igrejas, a ideia de redefinição da função do clero ganha seu espaço. Essa função redefinida prevê que o clero como treinador/provedor mais que aquele que toma conta. Poderia começar assemelhando-se à função do clero no terceiro mundo ao invés do modelo institucional das denominações mais ocidentalizadas. Enquanto poucos, hoje em dia, conseguem imaginar pastores com trinta ou quarenta igrejas, muitos prevêem que as igrejas serão menos dependentes dos pastores e mais centradas no leigo. Por causa da profunda dependência da Igreja Adventista nas Escrituras como única regra de fé e prática, assim como seu profundo compromisso com a missão, o modelo sugerido nessa dissertação, ao mesmo tempo em que desafia, pode ser executado. É a esperança sincera do autor que essa dissertação tenha um papel de ajuda para que a Igreja possa ser novamente, centrada na missão, uma organização que planta igrejas. O desafio de alcançar milhares de pessoas sem igreja na América do Norte deve impulsionar a Igreja adiante para o cumprimento da comissão dada por Deus. Em resumo, o propósito dessa dissertação é definir claramente a missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia, tanto bíblica quanto historicamente, e examinar a eclesiologia sobre a qual a missão no início do Adventismo foi cumprida. O modelo desenvolvido nas raízes bíblicas e históricas da eclesiologia irá capacitar a Igreja Adventista Norte Americana do próximo século a se tornar uma igreja que realmente alcance as pessoas perdidas, integrando-os à amável confraternização Adventista, e enfim vê-los salvos no Reino de Deus. O modelo aqui desenvolvido prevê igrejas Adventistas não dependentes de pastores surgindo por toda a América do Norte, fazendo discípulos em todos os grupos possíveis.

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- PARTE 1 - A Missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia

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– Capítulo 1 –

A GRANDE COMISSÃO E O FUNDAMENTO DA MISSÃO

Os onze discípulos foram para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes indicara. Quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra.

Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em

nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu Lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”. Mateus 28: 16-20 (NVI)

Então, terminou a curta permanência de Jesus, de acordo com o relato de Mateus. Na comissão aos discípulos, Jesus preparou o terreno para tudo que ainda estava para acontecer com a nova igreja, que foi estabelecida por essa ação.

A PRIMAZIA DA GRANDE COMISSÃO

A Grande Comissão é “Carta Magna” da igreja cristã. É a razão de sua existência. É chamada de a “Grande Comissão” Por causa da magnitude de sua comissão. Está tudo incluído. Frederick Bruner fala sobre os cinco “tudo” que formam essa comissão: “Toda [pasa] autoridade,” “toda [panta] nação,” “em nome [de todo Deus],” “tudo [panta] o que Lhes ordenei,” “em todos [pasas] os dias.”

Essa cena na montanha é similar a uma cena ocorrida cento e cinquenta anos antes quando Jeová reuniu os escravos recém libertos no Monte Sinai. Foi lá que Deus falou e comissionou Israel para ser Seu povo sob Sua lei. Agora Jesus está prestes a comissionar o novo Israel. O Jesus ressuscitado não surge para provar que ressuscitou dos mortos, mas sim para revelar que Seu estado de “ressuscitado” Lhe dá a autoridade de dizer a comissão que Ele está para dar.

Essa nova visão de Jesus com autoridade desafia os discípulos a se ajoelharem em adoração a Ele. Ainda assim, surpreendentemente, havia pessoas entre os discípulos que duvidavam. Nem todos estavam prontos para adorá-lO. Não foi apenas Tomé que duvidou do Senhor ressuscitado; outros dos onze ainda duvidavam no dia da ascensão. Ao aparecer para esse grupo de adoradores e desconfiados, Jesus não ignora os que ainda duvidam, mas os inclui. Ele vai a eles em seu ato de adoração ou dúvida. Isso mostra que Jesus aceita as pessoas assim como elas são, mesmo quando elas têm dúvidas e problemas. Jesus não pede para que tenham uma fé madura quando cumprirem a Grande Comissão. Todos podemos adorar, e todos podemos ser discípulos e fazer outros discípulos. Jesus está aqui guiando a Grande Comissão não apenas para os discípulos que creem, mas também para os que duvidam.

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Vendo o Senhor ressuscitado, os discípulos ouvem fascinados às suas, quase inacreditáveis, palavras: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra,” (Mateus 28:18 NVI). Dessa vez, Jesus não veio como antes, perguntando aos Seus discípulos: "Quem os outros dizem que o Filho do homem é?" (Mateus 16:13 NVI). Agora declara que Ele é o que possui toda autoridade sob o céu e a terra. Ele não tem autoridade parcial; Ele é autoridade total. Jesus está dizendo que é o CEO (Executivo Chefe) do universo. Essa é a afirmação com mais autoridade que Jesus fez em Seu ministério aqui na Terra.

No Monte Sinai, Deus se revelou ao povo de Israel em sons de trovões para acentuar Sua autoridade e poder. Jesus agora reinterpreta essa cena para a comissão para a igreja Novo Testamento. Não é apenas Jesus, mas o Jesus com autoridade que ordena a Grande Comissão. Essa poderosa afirmação da autoridade de Jesus é suficiente para dar grande ênfase a essa comissão. Não pode ser tomada de maneira inconseqüente. Não é apenas um mandamento entre aqueles que Jesus dá, mas em certo sentido, é o mandamento de Jesus, pois engloba Seus outros mandamentos. Ser desobediente a essa comissão é ser infiel a autoridade de Jesus, o executivo chefe do universo. Não ousamos desobedecer a essa missão que esse Jesus possui total, completo e insuperável autoridade.

Tendo Jesus declarado que é o possuidor exclusivo de insuperável autoridade, Ele ordena a comissão do verso 19. O comando é incrível. Como poderia um bando de onze homens muito pobres e meio desconfiados, completar tão grandioso esquema – fazer discípulos em todas as nações? A única maneira de ser possível realizá-lo é através do poder de Jesus com toda a autoridade.

A audaciosa divindade do verso dezoito torna possível o audacioso internacionalismo do verso dezenove. “Na posição de Jesus de poder sobre todo o mundo (v.18) está a razão de Sua ordem de missão ao mundo todo [v.19]” (K1. 232; cf Sand, 798). Já que Jesus é o plenipotenciário do universo, os discípulos mudam para dizer que sim.

As bases da missão estão enraizadas profundamente, portanto, na completa divindade de Jesus Cristo como Senhor absoluto do céu e da terra. A razão da missão cristã para as nações só pode ser entendida no contexto de Jesus ressuscitado, que venceu a morte. Subjacente a essa comissão está o inegável pensamento de que esse mesmo Jesus irá prover poder e meios de cumprir a missão que Ele deu a eles. É por isso que Ele declara na parte final da comissão que estará com eles até o final dos tempos (v.20). Estando com eles por causa das nações que precisavam ser alcançadas.

Os discípulos não deveriam apenas ir às nações; eles deveriam ir “por essa razão”, pois Cristo possui total autoridade sobre as nações. Eles não deveriam ir adiante sem a presença dEle,

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que tem toda a autoridade. Inerente ao chamado da Grande Comissão é a promessa de que o Espírito se manifestará totalmente no Pentecostes.

Outros escritores sinópticos do evangelho apresentam uma ênfase maior na presença do Espírito com os discípulos ao completarem a comissão de Cristo. Embora a descrição de Marcos não possua autenticidade total, está paralelo com a tradução de Mateus, ainda dá mais ênfase ao Espírito. Ao invés de ter Jesus dizendo que Ele possui toda a autoridade, Marcos indica que os discípulos de Jesus terão um ministério com autoridade que é autenticado por sinais que os acompanharão no ministério por Jesus. Inerente à descrição de Marcos está a mesma presença de Jesus com os discípulos, capacitando-os para cumprir Sua missão através de Seu poder e autoridade, não com forças humanas.

O relato de Lucas, igualmente, contém a promessa do poder do Espírito acompanhando os discípulos ao saírem pelo mundo. Cada um dos evangelhos sinópticos relata o mesmo pensamento como sendo inerente a Grande Comissão: o poder do Espírito Santo capacitando-os para cumprir a missão do Senhor ressuscitado. Na verdade, o poder do Espírito era tão necessário para o cumprimento da missão que Jesus ordenou que eles esperassem até receberem esse poder antes de irem às nações antes em Sua autoridade.

O PRODUTO DA GRANDE COMISSÃO

O comando comissionado por Jesus é amplamente diferente do comando dado ao povo de Israel. Eles foram comissionados a criar uma comunidade atenciosa que refletisse o verdadeiro Deus. Eles foram colocados no centro da civilização, onde todas as nações poderiam vir até eles e aprenderem do verdadeiro Deus. Em contraste com todas as nações virem até Israel, as comissões de Cristo para o novo Israel era ir a todas as nações.

A ênfase do Antigo Testamento não era em Israel saindo em uma missão, mas em todas as nações convergindo em Jerusalém. Eles eram atraídos pela evidência do Deus de Israel presente, de modo único e glorioso, no meio de seu povo. Então eles vinham prestar respeito a uma divindade estrangeira, não forçados pela conquista, mas convencidos pela aliança que Deus estabeleceu com Israel e estende ao mundo.

Alguns escritores sobre crescimento de igrejas sugeriram que a ênfase deveria estar em fazer discípulos em vez de em atividade. Eles sentem que a igreja tem colocado muito de sua ênfase no enviar discípulos ao invés de fazer discípulos. Isso Pode ser verdade, mas isso também deve estar em harmonia com o texto bíblico, que parece colocar mais ênfase em enviar do que

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em fazer discípulos. Isso não diminui o fazer discípulos como objetivo, mas que esse fazer discípulos deve ser conseguido no processo do “ir”, ao invés da igreja ficar esperando alguém chegar até ela, assim como existia no paradigma do Antigo Testamento.

A tendência da igreja tem sido ficar satisfeita com o que conseguiu e falhar em continuar. Jesus não poderia ter usado um imperativo mais poderoso que o que Ele usou na Grande Comissão. Ele ordena aos discípulos para irem:

Por causa do imperativo esse verbo (poreutenthes) é usado três outras vezes nesse Evangelho para mandar as pessoas irem fisicamente a algum lugar (2:8; 11:4; 28:7), o “movimento” é provavelmente um comando dinâmico também, não apenas um auxiliar casual. (Desse modo, poreutenthes não deveria ser traduzido por “ao ir”; é parte do comando missionário e significa “mexa-se!”). Por ser Jesus o Senhor, os discípulos deveriam tomar extensivas decisões, estendendo a mão, procurando maneiras de estar em contato com as pessoas.

Esse não é um comando que os discípulos poderiam ignorar. Não está sendo pedido para eles irem às nações; é uma ordem para irem, e há uma urgência nessa atividade. Outras passagens indicam que eles esperariam pelo poder, mas esse esperar seria por apenas dez dias. Depois disso, o Pentecostes aconteceu, o Espírito Santo desceu, e o poder para cumprir a missão foi dado à igreja. Não havia mais necessidade de esperar. O poder que desceu no Pentecostes estava totalmente disponível aos discípulos. Então, a urgência da Grande Comissão compele a igreja a estar envolvida na missão de Cristo.

Que tipo de missão? De acordo com a comissão, é fazer discípulos, batizá-los e ensinar a eles tudo o que Jesus ordenou. A missão descrita na comissão se centra nesses três trabalhos: fazer discípulos, batizar e ensinar. A missão não está completa até que esses três trabalhos estejam completos. Apenas quando a igreja cumpre esse tríplice comando pode dizer que está cumprindo a comissão do evangelho. Então, se a igreja batiza pessoas sem o discipulado, ou o ensinamento, está desobedecendo a Cristo. Se uma igreja faz o discipulado e falha em batizá-los, é igualmente desobediente. Se uma igreja ensina os mandamentos de Cristo, mas não faz o discipulado, nem batiza, falha em Jesus. Até mesmo se uma igreja faz o discipulado, batiza, mas falha em continuar os ensinamentos dos mandamentos de Jesus, está desobedecendo a Cristo. O foco desse comando é amplo. Exige que a igreja crie uma igreja reprodutora de discípulos completos, não cristão meio convertidos.

A ordem de nosso Senhor parece ser muito clara para ser mal compreendida, e ainda assim é a mais mal compreendida no cristianismo moderno. A igreja falhou miseravelmente em cumprir a Grande Comissão, não porque não tenham proclamado com fé e batizado, mas porque não viu a necessidade de assegurar as três ações.

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A origem da igreja está inerente na comissão de Jesus; a origem do poder para o cumprimento da comissão está no evento do Pentecostes. Mas o Pentecostes por si só, desvinculado da Grande Comissão, resulta muitas vezes em um uso egoísta do Espírito, ao invés de ver o Espírito como aquele que dá o poder à igreja ao completar a missão da Jesus. Mesmo sem tentar não diminuir a Grande Comissão, Ray Anderson tenta colocar o Pentecostes como sendo uma força maior para a teologia missionária do que a Grande Comissão:

O Pentecostes é a força da teologia missionária da igreja, mesmo que a teologia missionária leve diretamente a uma teologia da igreja. Assim sendo, uma teologia da igreja emerge de uma missão conforme a igreja compreende que sua natureza está fundamentada na própria missão da Deus, inaugurada em Israel e consumada em Cristo. Isso significa que missão tem uma prioridade teológica em determinar a natureza da igreja e sua relação com a missão de Deus para o mundo.

Bouer argumenta persuasivamente que o Pentecostes, não a Grande Comissão, foi um ingrediente consciente na missão, falando sobre a igreja primitiva. Isso é colocado em contraste com muito da ênfase na missão moderna, que tenta localizar o imperativo da missão da igreja em obediência à Grande Comissão, ao invés do Pentecostes.

Enquanto a ênfase de Anderson no Pentecostes é recomendável, esse autor acredita que erra ao colocar a Grande Comissão sujeita ao Pentecostes, ao invés do Pentecostes sendo uma extensão da Grande Comissão. O estabelecimento da igreja está claro na Grande Comissão, como esse capítulo revelou. Porém, o Pentecostes é a capacitação da igreja para o cumprimento da Grande Comissão. A igreja é fundada por Cristo (Grande Comissão), não pelo Espírito Santo (Pentecostes). O trabalho do Espírito Santo é prestar testemunho de Cristo, e por conseqüência o Espírito habilita o que Crista já havia estabelecido. Colocar o Pentecostes acima da Grande Comissão é colocar o Espírito Santo acima de Cristo.

Se Anderson está correto em colocar o Pentecostes acima da Grande Comissão como origem da igreja, então a confirmação do Espírito Santo se torna o decididor do que ensinar, ao invés de Cristo e a Palavra, pois a testemunha do Espírito se torna superior à Palavra. Essa não é a intenção de Anderson, mas é o resultado natural de tal pensamento.

A continuidade apostólica da igreja deve ser encontrada sob o poder transformador e a presença de Cristo ao invés de sua conformidade a forma da igreja no primeiro século...

Aqueles que procuram restaurar o estado original do cristianismo do primeiro século como base para o regime, adoração e estilo da igreja no presente século, na verdade torna-se não apostólica e finalmente irrelevante para a missão apostólica da igreja hoje. Como Pannenberg

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sugere, o que pode ter sido apostólico no primeiro século pode ser um obstáculo para a missão apostólica da igreja hoje.

Aparentemente, Anderson reverteu a ordem bíblica. A origem da igreja está na Grande Comissão; o Pentecostes então habilita a igreja a cumprir essa missão. Nessa noção, o autor pode concordar com Anderson:

A igreja existe como o povo missionário de Deus – essa é a sua natureza. A missão da igreja é incorporar em sua vida e ministério coletivos, a contínua natureza messiânica do Filho de Deus através da habitação do Espírito Santo. A natureza da igreja é determinada em sua existência como missão de Deus no mundo. A natureza da igreja, assim como seu ministério e missão, tem a sua fonte no Deus triuno – Pai, Filho e Espírito Santo.

Até aqui, descobrimos que a Grande Comissão é primordial para a origem da Igreja Cristã. Essa comissão está enraizada no Cristo ressuscitado que ordena que Seus seguidores façam discípulos, então batize os discípulos, e continue a ensinar os discípulos de todas as nações. Para que isso seja cumprido, Ele prometeu que estaria com estaria com os discípulos nessa iniciativa missionária, e então cumpriu essa promessa dando o Espírito no Pentecostes. Desse modo, o Pentecostes está enraizado na Grande Comissão e Server para capacitar a igreja a completar essa comissão. A Grande Comissão é primaria, o Pentecostes é secundário.

É nesse sentindo que os Adventistas do Sétimo Dia nuca poderão ser Pentecostais. O Espírito Santo é dado para o cumprimento da Grande Comissão. O Espírito Santo não é o fim em Si mesmo: Ele serve ao Cristo ressuscitado, capacitando Seu corpo para cumprir a Grande Comissão. O Espírito nunca poderá substituir Cristo ou a Palavra. Ele pode apenas testemunhar.

O propósito dessa discussão não é subestimar o Espírito Santo; apenas colocá-lO em Seu lugar apropriado. Um dos perigos que os Adventistas enfrentam é a tentativa de permitir que o Espírito seja aquele que tem a autoridade de decidir o que é certo na missão e na prática. O perigo aqui é que um falso espírito esteja trabalhando. Os Adventistas devem avaliar o Espírito continuamente pela Palavra eterna. Apenas quando a teologia e a prática são colocadas sob o ácido teste da Palavra revelada é que os Adventistas estarão seguros. Quando o Espírito é autenticado pela Palavra de Deus, Ele pode habilitar a igreja de hoje para que cumpra a missão de Cristo retratada na Grande Comissão.

A verdadeira igreja de Jesus nos dias de hoje, então, deve ser uma igreja da Grande Comissão. Deve ser uma igreja que quer verdadeiramente cumprir a Grande Comissão. A

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origem da igreja está na Grande Comissão, então sua vida e prática devem girar em torno do cumprimento dessa comissão como razão para sua existência. É nessa base que a igreja de Jesus nos dias de hoje deve tornar-se verdadeiramente o povo missionário de Deus por causa de todas as nações.

UMA DEFINIÇÃO BÍBLICA DE “DISCÍPULO”

Já que a ordem da Grande Comissão constitui a razão para a existência da igreja, e essa comissão diz para igreja fazer discípulos, é importante que entendamos o que realmente é um discípulo, com fundamentação bíblica. Muitas definições são dadas em literatura sobre crescimento da igreja, mas essas parecem que foram parar lá por razões missiológicas ao invés de definições estritamente bíblicas. Mesmo assim, algo tão crucial para o cumprimento da Grande Comissão como fazer discípulos exige que seja entendido como Jesus definiu. Deveria ser essa definição que Jesus tinha em mente quando disse aos seus seguidores para que fossem e fizessem discípulos. Como evangelismo pode ser entendido se o produto que está tentando produzir não é claro. De acordo com a Grande Comissão, esse produto é um discípulo.

A palavra “discípulo” é uma tradução do grego mathetes. Sua origem foi na Grécia, quando um estudante se ligava a um professor com o propósito de adquirir conhecimento prático e teórico. É usado no Novo Testamento para indicar total ligação de alguém com o discipulado.

Pois aprendizado não é um mero processo intelectual em que alguém adquire conhecimento de Cristo. Implica na aceitação de Cristo, rejeição da velha existência e o começo de uma nova vida com o discipulado.

Ser discípulo, então, é viver em um relacionamento com Aquele que o está discipulando. Nesse relacionamento, essa pessoa deve estar constantemente aprendendo sobre essa pessoa e ao mesmo vivendo em sujeição a essa pessoa. A palavra em si não sugere uma rápida conversão à pessoa, mas um lento processo em que essa pessoa é feita discípulo.

A palavra descreve estudantes sentados ao redor de um professor mais do que penitentes ajoelhando-se em um altar – um processo educacional e não uma crise evangelística, uma escola e não um reavivamento. O prosaico caráter da palavra relaxa e diz com efeito: “Trabalhe com pessoas por um período de tempo no processo educativo de ensinar sobre Jesus.” Somente o Cosmocrata pode fazer grandes coisas como converter, vencer, trazer ao arrependimento, fazer com que uma pessoa

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se decida – toda autoridade nele somente. Mas discípulos poder fazer coisas pequenas como “discipular” outros – isto é, eles passaram um bom tempo com as pessoas – com a segurança de que, cedo ou tarde, o Cosmocrata criará nessas pessoas a decisão pelo batismo (ou em culturas cristãs, a decisão para o próprio batismo) e então seguir a Jesus.

A explicação de Bruner para a palavra “discípulo” carrega um peso evangelístico. Se, como Bruner sugere, a volta de Cristo é um ato de Deus, então os seres humanos não podem trazer pessoas à fé em Cristo. Tudo o que os humanos podem fazer é criar um ambiente de educação para que as pessoas fiquem cientes de Cristo e Sua Palavra. Nesse ambiente de discipulado eles podem ser trazidos à fé em Cristo. Mesmo assim, eles o fazem de uma sólida educação na vida e ensinamentos de Cristo, e não um entendimento apressado do que significa ser cristão.

Bruner depois elabora o que significa ser um discípulo ao distinguir entre fazer discípulos levando-os ao batismo e a continuação do discípulo depois do batismo, o que está mais em harmonia com o “aperfeiçoamento” de McGravan. Entretanto, vê mais o discipulado inicial do que McGravan:

“Discípulo!” (matheteusate) no imperativo aorist é o verbo que soma todas as responsabilidades missionárias. Então, os dois verbos no presente do particípio “batizando” e “ensinando” (perceba a similaridade na estrutura: baptizontes e didaskontes) tornam fora do comum os dois objetivos práticos do discipulado – batismo, o objetivo do evangelismo; ensinar, os meios para educação... Discipular alcança seu primeiro objetivo “em seu ato de batismo e [o discipulado é continuado] através da contínua atividade de ensinar.”... Assim, a Grande Comissão diz aos cristãos tanto os meios de iniciação (batismo), quanto os meios de continuação (ensinamentos de Jesus).

De acordo com essa evidência, parece que o discipulado seja tanto um trabalho inicial quanto um trabalho contínuo na vida da pessoa que está sendo discipulada. A questão que nos preocupa agora é, Qual é o trabalho inicial de discipulado que deve ser feito antes da pessoa ser batizada? De acordo com a Grande Comissão, as pessoas são feitas discípulos e então batizadas, e enfim mais ensinadas. Há pouco desacordo entre os cristãos no fato de que as pessoas precisam de ensino contínuo após o batismo. A área de desacordo está em o que deve ser ensinado antes do batismo. É com esse pensamento que desejamos examinar as

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declarações de Jesus relativas a tornar-se um discípulo. Seriam essas afirmações que Jesus teria em mente quando ordenou que Seus seguidores fizessem discípulos.

A primeira passagem, detalhando o que significa ser um discípulo de Jesus, está em Mateus 10: 24-25 (NVI):

O discípulo [mathetai] não está acima do seu mestre, nem o servo acima do seu senhor. Basta ao discípulo ser como o seu mestre, e ao servo, como o seu senhor. Se o dono da casa foi chamado Belzebu, quanto mais os membros da sua família!

Aquele que se torna um discípulo de Jesus deve esperar ser tratado como Jesus foi tratado – incompreendido e perseguido. Quando as pessoas acabaram de se tornar cristãs, é difícil para elas enfrentar circunstâncias desafiadoras por sua fé. Se, como esse texto sugere, aquele que é o discípulo pode resistir esses ataques, então essa pessoa está em maturidade básica da fé em Cristo, antes de se tornar um discípulo. Então, parte do processo evangelístico de fazer discípulos é ajudar essa pessoa a criar uma fé madura o suficiente para resistir a perseguição e a zombaria.

A segunda passagem mais importante no entendimento de Jesus de se tornar um discípulo está em Lucas 14: 26, 27, 33 (NVI):

Se alguém vem a mim e ama o seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até sua própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo. E aquele que não carrega sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo... Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo.

Essa passagem está falando sobre as grandes multidões que seguiam a Jesus (v.25). Se Jesus acreditasse em movimentos de massa de pessoas não convertidas tornando-se fiéis, então, com essa afirmação, Ele deu uma resposta muito inapropriada e desencorajadora às massas. Há um custo em seguir a Jesus. Ele não quer seguidores pela metade; Ele deseja indivíduos totalmente comprometidos. Aqueles que decidirem se tornar Seus discípulos devem desistir de tudo, incluído lar, família, parentes, riqueza e posição para que possam segui-lO.

De acordo com o conceito de movimento de pessoas de McGravan, Jesus deveria receber toda a multidão e não se preocupar com o compromisso – Ele poderia fazê-lo depois. Mas essa não era a abordagem de Jesus. Até mesmo quando o jovem rico veio até Jesus, Ele o desencorajou ao exigir total comprometimento antes de conceder discipulado a ele. A teologia de McGravan teria aceitado o jovem rico como ele estava, faria dele um discípulo e então esperaria por comprometimento da parte dele. Isso, porém, não era o padrão de Jesus. Para Ele, o pré-requisito para o discipulado era a total entrega e a disposição de desistir de tudo para segui-lO.

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Tornar-se um discípulo, Jesus declara, é estar disposto a carregar “a cruz de Cristo”. Note que não é “minha cruz”, mas a “a cruz de Cristo”. Na crucificação, aquele que seria crucificado normalmente carregaria sua própria cruz até o local da crucificação. Já que os crucificados eram escravos ou pessoas que haviam cometido os crimes mais terríveis, geralmente eles eram odiados e desprezados pela sociedade. Então carregar a cruz não é apenas fazer o que Jesus fez quando Ele carregou a cruz – suportar sem reclamar ou lamentar o olhar de desdém dos familiares e amigos e carregar a repreensão de Cristo com paciência e humildade. Para se tornar um discípulo, a pessoa deve ter o desejo de carregar a “cruz de Cristo”. O discípulo tem uma suprema comunhão com Cristo em Seus sofrimentos. Não há maior honra para qualquer pessoa.

A religião que Cristo oferece, quando convida pessoas a se tornarem Seus discípulos, não é de fácil submissão aos desejos, mas de carregar a cruz. Isso não quer dizer que o cristão passe pela vida mal-humorado ou infeliz, mas sim que aquele que se tornar um discípulo encontra a felicidade na aflição e nos problemas causados pela fidelidade a Cristo, como sendo um privilégio sofrer por Cristo. Ele não promete comodidade e prazeres nesse mundo, mas promete paz interior e felicidade. Para assegurar isso, os discípulos de Jesus carregam, alegremente, a “Sua cruz”. Orlando Costas sugere que essa vida de sofrimento como custo do discipulado como sendo uma herança do chamado para nos tornamos discípulos:

Todas essas imagens, inspiradas pelas palavras do Jesus histórico e representando uma tradição em desenvolvimento na igreja primitiva, testemunham a mensagem da cruz como uma afirmação da vida através do sofrimento e da morte.

A terceira passagem que trata de como ser discípulo de Jesus está em João 8:31-32:

Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.

Nessa passagem, Jesus está falando às pessoas que já creem nEle. Novamente, se Jesus aceitasse a definição de McGravan para discípulo como o “início da volta de Cristo,” então essas pessoas já seriam consideradas discípulos. Contudo, Jesus declara que não basta apenas crer nEle. Ser um discípulo significa agarrar-se aos Seus ensinamentos. Isso iria novamente sugerir, como Bruner fez anteriormente, que ser um discípulo envolve um processo mais longo que apenas vir até Cristo.

O resultado de continuar atendo-se aos ensinamentos de Cristo seria, como Jesus prometeu, conhecer a verdade. Jesus declarou, um pouco depois em João, que Ele é a verdade (João 14:6). Aquele que será um discípulo de Jesus, então, seria uma pessoa que realmente conhece a Jesus como a verdade suprema na vida. Para que isso ocorra, evangelisticamente, o neófito deve receber os ensinamentos básicos sobre Jesus antes do discipulado. Realmente, a Versão Amplificada sugere que um discípulo é aquele que rapidamente se agarra aos ensinamentos de Jesus e vive de acordo com eles. Um discípulo, então, é alguém obediente ao que Jesus disse,

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guardando os mandamentos. Obviamente, ele está guardando os mandamentos de Jesus por seu amor por Ele, e não por obrigação. Novamente, isso sugere uma forte ligação com Jesus como base do discipulado e obediência aos Seus ensinamentos como um fruto externo dessa ligação. A falta desse fruto externo indicaria que o discipulado não ocorreu.

Um discípulo é aquele que ouve o chamado de Jesus e se junta a Sua companhia. Em seu contexto judeu significa muito mais do que no grego secular. No grego significa estudante, pupilo ou aprendiz. No Novo Testamento significa total fidelidade. Isso é refletido na ênfase do ensinamento de fazer discípulos.

A próxima passagem em discipulado é bem curta e é encontrado em João 13:34 (NVI):

Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros.

O amor é o teste absoluto e infalível do discipulado e alguém. Você pode dizer que uma pessoa é um discípulo quando ela ama como Jesus ama, incondicionalmente. Não significa que o amor é totalmente aperfeiçoado, mas o amor ágape de Jesus deve ser encontrado, pelo menos embrionariamente, na vida daquele que é um discípulo. Se a Grande Comissão diz para que façamos discípulos, então, produzir pessoas que chamaremos de cristãos, mas que não têm o amor de Cristo continuamente no coração é deturpar o evangelho de Cristo.

O fantástico sucesso da igreja primitiva não era devido apenas a sua metodologia correta tanto quanto o testemunho consistente ao exemplificar em suas vidas a marca do discipulado que Jesus moldou para eles. É uma tragédia quando essas “massas” são levadas à igreja, como membros, sem essa clara evidência de discipulado. Isso destrói o testemunho natural da igreja e enfraquece o cristianismo. A instrução de Jesus, para fazer discípulos como trabalho da igreja, parece ter sido projetada para prevenir o desenvolvimento de uma igreja que comprometeria seu testemunho. Jesus está preocupado com o alcance as massas, mas quer que eles sejam alcançados com a “coisa verdadeira”, não com um cristianismo artificial.

A passagem final em que Jesus se refere a fazer discípulos é João 15:8 (NVI):

Meu Pai é glorificado pelo fato de vocês darem muito fruto; e assim serão meus discípulos.

Conexão com Cristo significa produzir frutos. É o resultado inevitável de tal união. Por ser inevitável, se o fruto não está lá sabemos que o discipulado não está acontecendo.

Aqui está outro teste de Jesus para que a igreja possa medir se uma pessoa tornou-se um discípulo. A pessoa deve estar produzindo frutos. O que é esse fruto? Alguns podem sugerir que Jesus se refere ao fruto do Espírito enunciado por Paulo em Gálatas. Porém, Jesus está falando antes de Paulo. No contexto dessa passagem, Jesus está se referindo a Ele como a

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videira e Seus seguidores como os ramos. O trabalho dos ramos é produzir frutos por causa de sua conexão viva com a videira. De outra forma, eles são cortados por serem improdutivos.

Todo o contexto dessa passagem parece ser centrado em um entendimento de missão. O cristão que não está produzindo ao criar outros discípulos, não é um discípulo verdadeiro. Então, é impossível ser um seguidor de Cristo e não compartilhar Cristo com outros. Discípulos não devem apenas compartilhar, mas também fazer outros discípulos, ou não podem ser considerados discípulos. Não é para ser um converso casual, uma vez na vida. O discipulado de Jesus convida as pessoas para uma vida de constante discipulado. Jesus quer que produzamos muito fruto.

Inerente, então, ao chamado para ser discípulo de Jesus, está o chamado para ser um cristão frutífero e, por extensão, uma igreja frutífera, reprodutiva e que se perpetua. Nesse sentido, Jesus está declarando que o discipulado cristão não pode existir a não ser que a pessoa esteja envolvida em fazer discípulos, nem uma igreja pode existir se não for uma igreja que faz discípulos.

Todo cristão crescer até a maturidade do discipulado e então reproduzir outros discípulos. Cada discípulo deveria ser um pai espiritual para outros discípulos em crescimento, então um avô, e então um bisavô. Todo discípulo nasce no reino de Deus como um missionário. Conversão nesse sentido é a mudança daqueles que são “não um povo” para se tornar um povo que ministra de Deus, o corpo de Cristo, ativos, envolvidos e ao serviço... Poder-se-ia fazer um argumento de que a conversão completa, no sentido bíblico, é um processo de três partes, envolvendo (1) conversão a Deus em Jesus Cristo; (2) conversão à igreja, o corpo de Cristo e (3) conversão ao ministério no mundo pelo qual Jesus morreu.

Isso iria sugerir que na metodologia evangelística e na preparação para ser membro da igreja, deve ser dado ao discípulo informação suficiente e ter uma experiência desenvolvida o suficiente para que a reprodução de discípulos possa começar. Esse processo precisa tornar-se inerente ao chamado inicial para ser um cristão. Alguém nunca deveria ser chamado ao discipulado sem ter a experiência do chamado para fazer discípulos. Isso sugere um processo que leva à conversão ao invés de uma rápida resposta ao chamado para aceitar Jesus e ser batizado.

Examinando as passagens que falam sobre discipulado é revelado o seguinte sobre o entendimento de Jesus sobre o que significa ser um discípulo:

1. Um discípulo é alguém que deseja enfrentar a perseguição e zombaria por amor a Cristo.

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2. Um discípulo é alguém que vive em total fidelidade à Nobreza de Cristo, tendo desejo de renunciar a tudo – propriedade, família, amigos, etc. – pela causa de Cristo.

3. Um discípulo é alguém que entende e guarda os ensinamentos básicos de Jesus.

4. Um discípulo é alguém que ama incondicionalmente com o amor ágape de Cristo, recebido dEle.

5. Um discípulo é alguém que produz frutos ao criar outros discípulos para Cristo.

Se os cinco pontos citados acima são o que Jesus quis dizer por “discípulo”, então Seu comando na Grande Comissão para fazer discípulos significaria que a metodologia evangelística empregada e a igreja estabelecida como resultado da tarefa de fazer discípulos, de alguma maneira assemelhar-se a Sua definição de discípulo, como enumerado nesses cinco pontos. Isso é mais que uma “ida inicial a Cristo”. Há uma sólida fé desenvolvida nas pessoas que são feitas discípulos. O desenvolvimento de tal fé não ocorre na noite para o dia. Requer um processo de tempo, que é o pensamento sugerido pelo uso do termo “discípulo” para descrever o que Jesus desejou que sua igreja cumprisse.

A ordem do Mestre para a igreja cristã está claramente descrita em Mateus 28:19. Ela requer um processo de desenvolvimento da fé que leva as pessoas a um lugar onde elas podem exemplificar os sinais do discipulado, como enumerado acima. Qualquer igreja evangelizadora que falha em dedicar-se ao discipulado básico, está usando uma metodologia imperfeita e irá produzir uma igreja improdutiva. As pessoas não podem ser ganhas como massas, mas devem ser trazidas ao discipulado individualmente. Essa atenção individualizada é consistente com o chamado do Mestre na Grande Comissão. Tal instrução individual pode ser completa somente quando cada discípulo é visto como um fazedor de discípulos. Se tivermos que contar com o clero para prover tal instrução, isso nunca aconteceria. É por isso que todos os cristãos são ministros e fazedores de discípulos no Novo Testamento

O chamado a conversão é um convite ao discipulado... se toma a forma direta do chamado de Jesus para segui-lO ou a forma apostólica da participação através da fé na comunidade messiânica... Isso gira em torno do reino. Consequentemente, envolve uma comunidade que está engajada num discipulado ativo no mundo.

Até McGravan percebe que os Adventistas que têm praticado um processo pré-batismal mais forte mantêm mais conversos que aqueles grupos que apenas ensinam uma inicial ida a Cristo:

Mas se Kessler e Money estiverem certos, e o crescimento Adventista no Peru deve-se em grande parte ao ensinamento efetivo do que eles

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consideram essencial para a salvação, por que não poderia qualquer cristão, copiando essa parte do programa Adventista, ensinar efetivamente o que eles consideram essencial para a salvação.

Desse modo, discipulado é muito mais que simplesmente ser doutrinado em uma igreja ou denominação em particular; discipulado é primeiramente sobre o compromisso com Cristo. Somente pessoas comprometidas devem ser batizadas na comunhão da igreja.

De acordo com a comissão de Jesus, primeiro as pessoas devem ser feitas discípulos e então serem batizadas no corpo de Cristo, que no Novo Testamento é claramente definido com a igreja de Jesus. Nesse sentido, é impossível ser batizado sem se tornar um membro da igreja. O pré-requisito para ser membro é um discipulado inicial, como definido por Jesus, que provê uma clara base teológica para o batismo do crente.

Adiar o batismo até que as evidências do discipulado estejam aparentes na vida é contrário a maioria dos planos para crescimento nos dias atuais. Ainda assim, é melhor ter um crescimento sólido que fazer discípulos confere, do que o crescimento pobre que outros planos permitiriam. A igreja deve lembrar que a ordem da Grande Comissão é fazer discípulos, não aumentar o número de membros da igreja. Apesar disso, aqueles que são feitos discípulos devem ser batizados imediatamente, se a igreja é fiel à Grande Comissão.

O batismo precisa ser entendido como mais que um símbolo de perdão dos pecados. Há fortes evidências no Novo Testamento de que o batismo também carrega o símbolo da ordenação de todos os crentes ao ministério. Discuti sobre isso no meu livro Revolution in the Church (Revolução na Igreja). O capítulo 7 indica que o Novo Testamento dá fortes evidências ligando o impor as mãos com o evento batismal para indicar a iniciação de cada crente no ministério. Para estar em harmonia com a teologia da missão do Novo Testamento, a igreja de hoje precisará recapturar em todos os fiéis essa ordenação ao sacerdócio como parte da iniciação ao cristianismo. Se o batismo simboliza, assim como o de Jesus, a entrada ao ministério, então fazer discípulos antes do batismo deve preparar as pessoas para a entrada no ministério de Cristo. Isso em si impede um rápido batismo depois do reconhecimento de Cristo como Salvador. Aquele que é batizado deve ser preparado para entrar no ministério de Cristo, assim como é encontrado nos fiéis que Ele já reuniu em Sua igreja.

Quando congregações missionárias vêem a si mesmas como povo de Deus, elas devem mudar sua definição de ordenação. Como discípulos de Jesus que são confirmados como membros do corpo de Cristo, devem reconhecer que nessa confirmação há uma ordem para ministro na Igreja e no mundo. Ordenação se torna a separação das pessoas daqueles que irão motivar, equipar e mobilizar os membros para o ministério e a missão. De alguma maneira a ordenação, então, irá

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separar aqueles que auxiliarão os membros a confirmar seu chamado como povo missionário de Deus.

Além disso, a igreja deve continuar o processo de ensinamento após a conversão, de acordo com a Grande Comissão. Em seu elemento final, que as igrejas tendem a negligenciar, as pessoas são esquecidas, por muitas vezes, uma vez que foram batizadas. Ao contrário, os neófitos devem ser colocados em um ambiente de ensinamento, onde eles continuem a aprender todos os ensinamentos de Jesus, e crescer em seu relacionamento com o Cristo ressuscitado.

Acima de tudo, o Jesus Mateano busca guardadores de mandamentos. Essa ênfase impede os cristãos de entenderem Jesus em outros termos morais; dessa maneira, nem êxtases, causas, idéias ou qualquer outra coisa boa irá tomar o lugar do melhor – a obediência a Jesus que garante a autenticidade do discipulado.

Assim, o ácido teste daqueles que são discipulados e batizados é visto na contínua obediência aos ensinamentos de Jesus. Vidas mudadas será a evidência naqueles que entraram no discipulado batizado. Eles serão diferentes.

RESUMO

Nesse capítulo mostramos claramente que o foco da igreja primitiva era o cumprimento da Grande Comissão. O Pentecostes assegurou à igreja infante a presença do Cristo ressuscitado, como manifestado no poder do Espírito, para cumprir essa missão, mas a fundamentação da igreja, claramente, está na Grande Comissão. O foco dessa comissão está em fazer discípulos. Qualquer outro produto final é inaceitável a Jesus. Ele ordenou que a igreja produzisse discípulos, e é isso que as igrejas obedientes deveriam estar fazendo.

Descobrimos posteriormente a definição de Jesus para “discípulo”. Essa definição, dada por Jesus histórico, centra na ligação a pessoa de Cristo, a quem o indivíduo prometeu total fidelidade, com isso fazendo de Cristo o Senhor de sua vida. Fazendo esse compromisso, o discípulo é batizado para uma vida de constante instrução e aprendizado sobre Jesus. Esse é um ensinamento bíblico que Jesus deu a ordem à Sua igreja. Ele comissionou isso na existência para o propósito de fazer discípulos, batizando esses discípulos e continuamente mantê-los fiéis em Seus ensinamentos. Somente quando a igreja retorna a essa visão bíblica do discipulado, ela poderá ser adequadamente e fielmente obediente a Grande Comissão. Somente assim ela poderá tornar-se uma igreja produtiva.

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– Capítulo 2 –

A IGREJA PRIMITIVA E O ENTENDIMENTO DE MISSÃO

A era do Novo Testamento começa com o desafio da Grande Comissão tocando nos ouvidos dos discípulos. Ansiosos para cumprir essa comissão, eles se apressaram em obedecer às instruções do mestre. Os próximos dez dias foram passados em ávida antecipação, esperando pelo prometido derramamento do Espírito que os capacitaria para a missão: fazer discípulos entre todas as pessoas. Dez dias depois o grande evento do Pentecostes aconteceu e a igreja começou o processo de cumprimento da Grande Comissão.

ENTENDIMENTO DE MISSÃO E PENTECOSTES

Jesus instruiu os discípulos para esperarem pelo poder do Espírito Santo. Alguns sugeriram que a igreja atual precisa esperar por esse poder antes de sair em missão. O resultado é que muitas igrejas estão perdendo todo o tempo esperando e não vão às nações. A espera, que Jesus falou, aconteceria apenas uma vez, e foi executada pelos discípulos. Essa espera foi recompensada pelo evento do Pentecostes. Não há necessidade de esperas futuras. Estamos vivendo no tempo da distribuição do Espírito. O Espírito já foi derramado. Esse derramamento está disponível para todos os fiéis. Assim que alguém vem para o discipulado em Cristo, o poder do Espírito Santo está imediatamente disponível para ajudar os novos cristãos a testemunhar aos outros.

Às vezes, talvez haja a necessidade de uma igreja esperar pelo Espírito, mas somente porque temos vagado longe do Espírito para a delegação de poder do ministério. Podemos precisar de tempo para voltar ao estado de ânimo para receber o Espírito para esse propósito. Entretanto, isso não é por que Deus não deseja nos enviar o poder do Espírito para o ministério, mas porque não estamos desejando permitir que o Espírito Santo nos use em um ministério cheio do Espírito.

O resultado do derramamento do Espírito sobre a igreja foi a imediata proclamação da mensagem de Jesus para o propósito de fazer discípulos. Os resultados tangíveis foram vistos nos três mil que foram batizados naquele dia. Esses, com certeza, foram o resultado do ministério de ensinamento de Jesus durante seus três anos e meio de ministério. Agora, sob a influência do Espírito Santo, essas sementes foram transformadas em frutos.

O Pentecostes também resultou em derramamento de dons do Espírito, especialmente, dom de línguas. Esse dom capacitou a igreja primitiva a começar a fazer discípulos entre as várias nacionalidades representadas em Jerusalém naquele tempo. Os dons do Espírito podem ser propriamente entendidos somente contra o pano de fundo dos eventos dos Pentecostes, e o Pentecostes só pode ser entendido somente contra o pando de fundo da Grande Comissão.

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Então, os dons do Espírito, e especialmente o dom de línguas, são dados à igreja com o propósito do cumprimento da Grande Comissão e fazer discípulos. Utilizar os dons do Espírito para qualquer outro propósito é usá-los inapropriadamente. Tal uso inapropriado na igreja de Coríntios produziu uma repreensão do apóstolo Paulo.

Jesus indicou que o processo de fazer discípulos deve começar em Jerusalém e, então, continuar a todas as nações. Os discípulos seguiram esse padrão pelos primeiros anos. Então, se levantou o perigo de que a igreja recém formada se tornasse apenas uma seita judaica, e não compartilhar a mensagem universal a todas as nações. Com uma sólida base, já formada em Jerusalém, o Espírito Santo deve dirigi-los às nações para fazer discípulos. Esse é o progressivo trabalho do evento do Pentecostes na vida diária da igreja do Novo Testamento:

A perseguição que veio sobre a igreja em Jerusalém resultou em grande ímpeto para o trabalho. O sucesso acompanhou o ministério da palavra naquele lugar, e havia o perigo de que os discípulos ficassem muito tempo por lá, esquecendo-se da comissão do Salvador de ir a todas as nações. Esquecendo-se de que a força para vencer o mal é obtida através de um trabalho agressivo, eles começaram a pensar que não tinham um trabalho mais importante do que defender a igreja de Jerusalém dos ataques do inimigo. Ao invés de educar os novos conversos a levar o evangelho àqueles que nunca ouviram falar, eles estavam no perigo de tomar um caminho que os levaria a ficarem satisfeitos com o que haviam conseguido. Para espalhar seus escolhidos a outros lugares, onde poderiam trabalhar por outros, Deus permitiu que eles fossem perseguidos. Levados de Jerusalém, os crentes “foram a todos os lugares pregando a palavra.”

A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA DO NOVO TESTAMENTO COMO REFLEXO DE SUA ORDEM DE MISSÃO

A perseguição em Jerusalém resultou na rápida difusão do cristianismo entre as nações. O extraordinário ministério de Paulo resultou rapidamente na internacionalização do cristianismo. Antes de examinar o ministério de Paulo às nações, vamos prestar atenção em uma observação geral sobre a Igreja do Novo Testamento. Parece estar consumido com um único propósito: cumprir a Grande Comissão. Nada poderia desviá-lo desse grande objetivo:

Cada cristão via em seu irmão a divina semelhança de benevolência e amor. Um interesse se superou. Um objeto engoliu todos os outros. Todo coração batia em harmonia. A única ambição dos fiéis era revelar a semelhança do caráter de Cristo, e o trabalho para aumentar Seu reino.

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Essa unidade de propósito pelo bem da missão revela que a igreja do Novo Testamento entendeu que a razão para sua existência estava em fazer discípulos entre todas as nações. A prioridade da missão era a impressionante compaixão dessa igreja primitiva. Na verdade, a igreja primitiva não poderia se compreendida sem sua consciência da missão. Abrangia tudo o que faziam, pois a igreja existia somente pelo cumprimento da Grande Comissão de Cristo, nosso Senhor: fazer discípulos em todas as nações.

Alguém pode imaginar como uma igreja nessa época poderia dizer ser a igreja de Jesus Cristo quando não está engajada na missão de Cristo, em que o próprio Jesus definiu estritamente em fazer discípulos. Quando uma igreja perde sua razão de existir, pode se tornar um clube social, mas não uma igreja de Jesus Cristo. Apenas uma igreja engajada vigorosamente no processo de fazer discípulos pode dizer que é uma igreja que Jesus fundou para expressar o propósito de fazer discípulos.

Qualquer um que conhece Jesus Cristo, como seu Senhor e Salvador, deve desejar ardentemente que outros compartilhem esse conhecimento, e deve regozijar quando o número daqueles que o fazem é multiplicado. Onde faltam esse desejo e esse regozijo, devemos perguntar se não há algo errado com o centro da vida da igreja.

Já que muitas igrejas não evidenciam a característica de missão da igreja primitiva, deve haver algo muito errado. O que está errado é a falta de uma mentalidade de missão. Os pastores de hoje tentam envolver as pessoas no ministério da igreja, mas encontram apatia relutância. Muitos deles lançam mão das “táticas de culpa”, ainda assim, as pessoas permanecem na letargia de Laodiceia. Primeiramente, é necessário desenvolver a mentalidade de missão; de outra forma, a igreja está condenado para sempre ao não envolvimento. Essa centralidade na missão deve ser readquirida pela igreja de hoje, se ela desejar ser fiel a tarefa dada pelo próprio Mestre. A igreja de hoje deve, mais uma vez, entrar no negócio de fazer discípulos. Isso quer dizer que a igreja deve avaliar tudo o que fizer, do ponto de vista do cumprimento da missão de Cristo.

O que a igreja faz internamente sem a intenção de impactar o mundo lá fora, não é uma missão em si. O que esquecemos com frequência, porém, é que não faz sentido para a proclamação evangelística ser feita pelos discípulos de Cristo apenas para os discípulos de Cristo, dentro dos limites da igreja local. A proclamação só é kerigmática quando é intencionalmente direcionada àqueles que não aceitaram a Jesus como salvador. A Igreja não poder o Corpo de Cristo, por completo, o povo de Deus, a não ser que ministrem ao mundo.

A igreja, centrada na missão, do Novo Testamento foi organizada pelo propósito da missão, enquanto que a igreja de hoje está se organizando para preservar os santos. O resultado é que, a maioria das igrejas gasta maior parte de seu tempo, energia, talento e recursos apenas

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para sobreviver. Mas essa não é a visão de Deus para Sua igreja. A visão de Deus para a igreja é de constante expansão, de movimento contínuo, de suas paredes seguras para o mundo, que precisa desesperadamente da mensagem de salvação do discipulado em Jesus.

“Portanto, saiamos até ele, fora do acampamento, suportando a desonra que ele suportou.” (Hebreus 13:12-13). Essa é uma exortação concreta. Não devemos deixar nosso ministério evangelístico dentro e sim do lado de fora das nossas paredes de conforto da segurança de nossa igreja. Iremos aos cruzamentos da vida, entre os excluídos, não santificados, proclamando Cristo com suor, sangue e lagrimas.

A mentalidade de bairro pobre tem consumido a igreja de hoje. O resultado é uma igreja que está satisfeita em “brincar de igreja” enquanto Roma se queima. Os cristãos vivem em um ambiente de igreja. Seus amigos estão “seguros” na igreja. Suas atividades extra estão centradas na igreja, e simulam programas para eles no prédio da igreja. O “discípulo” moderno, de alguma maneira, divorciou seu trabalho no mundo de seu trabalho para Cristo. Então, o cristão típico não vê função missionária em sua vida no mundo durante a semana.

Com esse divórcio entre o mundo de trabalho e o mundo da igreja, o cristão tem pouco impacto no mundo lá fora. E aqueles de fora da igreja baixam a igreja a um nível que não tem contato com o mundo presente, uma relíquia dos dias que se foram. Tal é o resultado natural da negligência da igreja com a missão de Cristo. Igrejas que deveria estar centradas na missão estão centradas em si mesmas, e pouco crescimento ocorre.

Quando crescimento não acontece, o erro não está na comissão de Deus. É a omissão das pessoas. Seja qual for o organismo vivo, a igreja, não está saudável e crescendo, é porque o povo falhou em seguir o Mestre. Esqueceram de seguir a vontade do Mestre... Felizmente existe o arrependimento. O crescimento da igreja acontece quando o povo de Deus dá as costas para a omissão e segue a comissão de Deus.

A necessidade da igreja de hoje é recuperar a noção de missão que dirigiu a igreja primitiva a fazer discípulos, a missão que está centrallizada em cumprir a Grande Comissão. Nesse sentido McGravan está correto. A igreja de hoje não deve desenvolver a teologia do “buscar”, mas uma teologia em que o foco seja fazer discípulos. O trabalho da igreja não é apenas de proclamar as boas novas, mas também trazer os perdidos a Cristo; deve fazê-los discípulos no mais puro sentido bíblico.

A igreja primitiva não apenas procurou pelos perdidos, eles os encontraram. A igreja cresceu rapidamente, pois eles viram sua responsabilidade de encontrar os perdidos e fazê-los discípulos. “O principal e insubstituível propósito da missão é o crescimento da igreja.” Essa tendência de missão controlava a vida na igreja do Novo Testamento. Assim, a estrutura organizacional da igreja era projetada para facilitar sua missão às nações. A missão não era apenas mais um programa de uma igreja institucionalizada; a igreja inteira era organizada e distribuída para cumprir sua ordem de missão: fazer discípulos em todas as nações.

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DIFERENÇAS CULTURAIS EM PROL DO CUMPRIMENTO DA MISSÃO

O propósito do Mestre de fazer discípulos deveria ser cumprido entre todas as nações, significando que o cristianismo não deveria ser localizado no judaísmo, mas ser uma igreja internacional. Essa internacionalização da igreja aconteceu muito rapidamente na experiência do cristianismo primitivo. Durante a vida dos apóstolos originais, o cristianismo já havia deixado de ser uma seita judaica e havia se tornado uma igreja internacional que clamava através das linhas culturais.

Essa internacionalização não teria acontecido se o cristianismo não se tornasse culturalmente relevante a várias nações. Se a igreja insistisse em praticar o cristianismo de acordo com os costumes judeus, a ordem de Cristo de fazer discípulos entre todas as nações seria difícil de cumprir.

O primeiro vislumbre das diferenças culturais acontece em Atos 6, logo após o Pentecostes, quando cristãos grego-judeus reclamaram que a comunidade que falava em aramaico negligenciava suas viúvas na distribuição diária de alimento. Interessantemente, não era a comunidade aramaica que reclamava, mas a comunidade grega. Por quê? A comunidade aramaica seria os cristãos originais; a comunidade grega seria o grupo mais novo. Mesmo que ambos tivessem origem judaica, havia diferenças culturais que deveriam ser resolvidas.

O exemplo mais impressionante da igreja primitiva se tornando culturalmente relevante aos grupos que foram evangelizados é visto no Conselho de Jerusalém (Atos 15). A rápida expansão do cristianismo além das suas raízes judaicas, especialmente pelo apostolo Paulo e seu ministério aos gentios, resultou na plantação de muitas igrejas cristãs entre pessoas que não tinham base judaica. Será que os costumes judeus deveriam ser impostos aos crentes gentios? Em outras palavras, os gentios deveriam, primeiramente, tornarem-se judeus para depois se converterem ao cristianismo?

Para poder responder a essa mais básica das questões, a igreja deveria definir o que era, em essência, o cristianismo. Uma das coisas mais difíceis para uma igreja fazer é separar cultura de essência. Atos 15 revela que a igreja primitiva conseguiu fazer essa separação. Como resultado, aumentaram os discípulos pelo mundo romano e o cristianismo deixou de ser apenas uma seita judaica, já que os gentios que se converteram superavam o número de judeus convertidos.

Assim também, o Adventismo experimentou a internacionalização da igreja. Tendo se originado na Nova Inglaterra americana e culturalmente conservadora, foi difícil para a igreja conceber uma expressão de Adventismo diferente da deles mesmos. Já, com o Adventismo internacionalizado, a igreja na América perdeu controle em muitas partes do mundo. Como o Adventismo se tornou nativo em muitas culturas locais e a liderança local tomou conta, a igreja cresceu mais rapidamente do que quando estava sob o controle americano. O mesmo fenômeno da igreja primitiva aconteceu com o Adventismo. Como resultado, hoje os adventistas não americanos supera em número os adventistas americanos na proporção de onze para um.

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Como o Adventismo se adaptou a várias culturas, diferentes expressões culturais de Adventismo se desenvolveram ao redor do mundo. O culto, especialmente, é diferente em muitas igrejas não americanas. Isso é perturbador para muitos Adventistas americanos, que vêem isso como apostasia da fé. O problema que eles enfrentam é muito parecido com o que o cristianismo primitivo passou. Eles devem aprender como separar a cultura da essência da fé, pois, se falharem ao fazer isso, irão reprimir o crescimento da igreja de Deus.

Somente quando a igreja do Novo Testamento permitiu diferentes expressões culturais de cristianismo, ela pode se tornar uma igreja internacional, fazendo discípulos em todas as nações. Essas diferentes expressões culturais são absolutamente necessárias para o cumprimento da Grande Comissão. Porém, para tornar o cristianismo relevante, a igreja não deve aceitar e seguir uma cultura caída. Já que todas as culturas, incluindo a americana anglo-saxônica, são caídas, fica difícil para a igreja determinar o que é culturalmente aceitável e o que não é. A tendência de muitos cristãos é determinar a aceitabilidade como definido pela cultura dominante. Mas biblicamente, o que deve ser o determinante do certo é a Palavra de Deus. A cultura só pode ser afirmada ou negada, em sua conformidade com a Bíblia.

Talvez precisemos mudar as formas e as técnicas de apresentação do cristianismo para se ajustar ao nosso tempo; mas a Bíblia diz que a missão cristã foi comissionada na história, continua através da história, e encontra o fim apenas quando a história se findar.

Muitos escritores modernos de crescimento de igreja perceberam a necessidade de adaptação cultural da apresentação do evangelho ao grupo que a igreja está tentando alcançar. Muito dessa estratégia foi construída ao redor do exemplo de Paulo:

Porque, embora seja livre de todos, fiz-me escravo de todos, para ganhar o maior número possível de pessoas. Tornei-me judeu para os judeus, a fim de ganhar os judeus. Para os que estão debaixo da Lei, tornei-me como se estivesse sujeito à Lei (embora eu mesmo não esteja debaixo da Lei); a fim de ganhar os que estão debaixo da Lei. Para os que estão sem lei, tornei-me como sem lei (embora não esteja livre da lei de Deus, e sim sob a lei de Cristo); a fim de ganhar os que não têm a Lei. Para com os fracos tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns. Faço tudo isso por causa do evangelho, para ser co-participante dele. (1 Coríntios 9: 19-23 NVI)

Claramente, a estratégia de Paulo era tornar o evangelho culturalmente relevante para cada grupo que ele tentava alcançar. Paulo não comprometia o que ele acreditava ser o básico do cristianismo, apenas para alcançar as pessoas, mas ele definitivamente compreendia as partes que eram culturalmente neutras e então adaptou sua apresentação para ir de encontro a mente das pessoas que viviam naquela cultura.

Para que pudesse manter a mensagem central, Paulo reconheceu que a forma (não o conteúdo!) precisava mudar para conseguir resultados. Ele percebeu que

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precisava fazer mudanças ao ir até diferentes grupos, fazendo com que o Evangelho entrasse em seus ouvintes. O fim justificava o uso de qualquer estratégia, contanto que não fosse pecado. Paulo era flexível em sua comunicação visando o resultado. A natureza da linguagem necessita que os cristãos de todas as épocas façam o mesmo.

Seria muito mais fácil para a igreja de hoje, se ela tivesse uma percepção profética do que constitui uma prática do cristianismo culturalmente aceitável. Ao invés de disso, a igreja deve continuar lutando com esse assunto, e ao mesmo tempo tentar, continuamente, harmonizar-se para ser culturalmente relevante àquelas culturas que busca penetrar. Essa é a parte difícil. É esse medo de comprometer a fé através da aculturação que força a igreja a tornar-se irrelevante. Então, a igreja deve trabalhar duro dos dois lados: tornar-se culturalmente relevante e não comprometer sua fé.

Quando o conteúdo é o Evangelho, ele não deve mudar. Então, quando os receptores mudarem, o meio deve mudar. Senão, a relevância e a potência do Evangelho serão perdidas para os ouvintes.

Essa é a atual luta da Igreja Adventista Norte Americana. Al McClure, presidente a Igreja Adventista Norte Americana, recentemente reiterou a grande necessidade da Igreja Norte Americana de se tornar culturalmente relevante, sem comprometer o Evangelho:

Não estamos aqui para discutir como acomodar nossa teologia a uma cultura doente. Não estamos falando sobre fazer concessões aos claros ensinamentos das Escrituras, para que de alguma maneira possamos parecer mais atraentes e menos únicos... .

Entretanto, enquanto nossa teologia é inflexivelmente bíblica. Nossa metodologia precisa ser predominantemente cultural... .

Se avaliarmos esses perdidos, fora da igreja, como Jesus avaliou a geração perdida de Seus dias, então é imperativo que desejemos desenvolver novos odres de vinho para servir como veículos para a água da vida. Senão não poderemos nos defender das críticas que fazem das nossas tradições mais importantes que a missão de Cristo... .

Mas devemos ser intencionais sobre alcançar aqueles que falam outras línguas – etnicamente ou culturalmente – mesmo se significar fundar um novo e diferente tipo de igreja... .

Não temos o direito de esperar que aqueles que estão fora da igreja venham até nós, em nossos termos e se ajuste a nossa cultura única. A igreja madura deve desejar colocar de lado suas preferências culturais e individuais para que possa alcançar os perdidos.

Manter o equilíbrio entre ser culturalmente relevante e comprometer o evangelho não será fácil, mas toda igreja, através da história, que foi guiada por Deus pode cumprir. Na verdade, quando uma igreja para de ser culturalmente relevante, Deus para de usar essa igreja com o mesmo

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poder do passado. “Aculturação aguda parece ser o que caracteriza as igrejas que não estão crescendo.”

Zunkel está correto em afirmar que a igreja não deve ser culpada de aculturação aguda ao ponto que compromete sua teologia, mas se falha em tornar sua metodologia relevante, compromete a missão do evangelho. A chave, como Al McClure afirmou tão claramente, está em manter-se firme nas convicções bíblicas, e ao mesmo tempo, ser culturalmente relevante ao grupo que a igreja tenta alcançar.

Nas sub-culturas das várias culturas, a Palavra deve ser espalhada na linguagem e na forma cultural da sub-cultura se deseja que se torne essência.

Algo que a igreja precisa resguardar, quando tenta fazer sua mensagem culturalmente relevante ao mundo atual, é a tendência de se adaptar à cultura simplesmente porque assim funciona. Nossas razões para sermos culturalmente relevantes devem derivar da consciência missionária da igreja primitiva e da Grande Comissão. Cumprindo a Grande Comissão “a todas as nações” requer uma igreja internacional que está culturalmente sintonizada às culturas que procura alcançar. A igreja não deve se adaptar às culturas porque deseja simplesmente ser relevante a sociedade atual. Ela deve se adaptar visando a missão de Cristo. Muito da aculturação que está acontecendo atualmente deixa de lado a ordem de missão. Sensibilidade cultural faz sentido apenas no contexto da missão de Cristo como delineado na Grande Comissão.

A Grande Comissão e a centralização na missão da igreja primitiva requerem uma igreja culturalmente relevante nos dias de hoje. É na mesma sólida base teológica que Paulo anunciou sua teologia culturalmente relevante em 1 Coríntios 9 que a igreja deve construir seus alicerces teológicos para ter um crescimento na igreja que seja culturalmente relevante nos dias atuais.

PLANTAÇÃO DE IGREJAS COMO FOCO DA ESTRATÉGIA DA MISSÃO

Já que a ordem da Grande Comissão visualizava discípulos entre todos os grupos, não seria surpresa que a igreja primitiva desenvolvesse uma estratégia deliberada para fundar igrejas sensíveis a cultura em cada grupo que encontravam. A igreja primitiva rapidamente se tornou um movimento de plantação de igrejas, pois era isso que eles imaginavam que Cristo queria que fizessem quando deu a Grande Comissão. Não poderiam cumprir a comissão se não se tornassem um movimento de plantação de igrejas. Igualmente, a igreja Adventista nos dias de hoje, deve novamente tornar-se um movimento de plantação de igrejas ou não será mais uma igreja da Grande Comissão.

A estratégia da plantação de igrejas no Novo Testamento é melhor ilustrada pelo apóstolo Paulo que aparentemente fez uma estratégia de plantação de igreja para boa parte do mundo Mediterrâneo enquanto estava em Antioquia. David Hesselgrave traça uma estratégia de dez

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passos para plantação de igrejas, baseado em um estudo dos empenhos de Paulo na plantação de igrejas.

1. A igreja comissionou missionários para plantar igrejas. Atos 13:1-4; 15:39,40.

2. Os plantadores de igrejas entraram em contato com a audiência que eles esperavam alcançar. Atos 13:14-16; 14:1.

3. O plantador da igreja procurava comunicar o evangelho às pessoas que eram receptivas. Atos 13:16-41.

4. Eles não apenas apresentavam o evangelho; os ouvintes eram convertidos a Cristo. Atos 13:48; 16:14-15.

5. Novos fiéis eram congregados. Atos 13: 43.

6. Os novos fiéis eram então estabelecidos em sua fé. Atos 14:21-22; 15:41.

7. Líderes eram escolhidos e consagrados nas novas igrejas. Atos 14:23.

8. A liderança era totalmente transferida aos novos lideres e o plantador da igreja ia embora. Atos 14:23; 16:40.

9. Paulo continuava com um relacionamento com as igrejas que fundava. Atos 15:36; 18:23.

10. Novas igrejas eram parte da congregação de igrejas e representantes eram enviados a vários conselhos da igreja. Atos 14:26,27; 15:1-4.

Pode parecer que essa era uma estratégia definida da igreja do Novo Testamento. Toda a organização apoiava o movimento de plantação de igrejas, pois sentiam a necessidade de que a plantação de igrejas ocorresse para o cumprimento da Grande Comissão. A plantação de igrejas não era uma das muitas estratégias da igreja do Novo Testamento; era a estratégia, por causa de sua ligação com a missão de Cristo. A igreja centralizada na missão, no sentido do Novo Testamento, será um movimento de plantação de igrejas.

A ordem dada aos Adventistas do Sétimo Dia é muito semelhante àquela que foi dada a igreja primitiva. Assim como a igreja do Novo Testamento tornou a plantação de igrejas o foco de sua estratégia de missão, também os Adventistas foram aconselhados por Ellen White a fazer da plantação de igrejas o foco de sua estratégia de missão.

Sobre todos os que creem, Deus colocou o cargo de levantar igrejas. Novas igrejas devem ser estabelecidas, novas congregações organizadas.

Nesse momento, deveria haver representantes da verdade presente em cada cidade e em todas as mais remotas partes da terra.

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O evangelho deve ser proclamado em todos os países e cidades... . Igrejas devem ser organizadas e planejamento de trabalho deve ser dado aos membros das igrejas recém organizadas.

Lugar após lugar deve ser visitado; igreja após igreja deve ser fundada. O estabelecimento de igrejas, a edificação de casas de encontro e prédios

escolares, se estenderia por cada cidade, e o dízimo aumentaria para levar o trabalho adiante. Plantas não eram feitas em apenas um lugar, mas em vários lugares e o Senhor estava trabalhando para aumentar Suas forças.

Não deixemos o trabalho de estabelecer memoriais para Deus em vários lugares ser difícil e fatigante porque os meios necessários são negados.

Em cada cidade onde a verdade é proclamada, igrejas devem ser levantadas. Em algumas grandes cidades, deve haver igrejas em várias partes da cidade.

Uma rápida olhada nessas citações revela imediatamente que a igreja Adventista do Sétimo Dia foi comissionada para uma existência como um movimento de plantação de igrejas. De acordo com o Novo Testamento, e de acordo com Ellen White, Deus deseja que a plantação de igrejas seja o foco de Sua igreja ao cumprir a comissão do evangelho. É por isso que o foco da evangelização, no Novo Testamento e no princípio do Adventismo, estava em fazer discípulos nativos, enquanto o clero estava relativamente livre para continuar plantando mais igrejas.

UM MODELO DE IGREJA NÃO-DEPENDENTE

A igreja primitiva não criou uma abordagem culturalmente relevante para a plantação de igrejas apenas porque queria cumprir a Grande Comissão, mas também desenvolveu uma estratégia de crescimento fundamentado no conceito de fazer discípulos ao invés de convertidos que eram dependentes do clero. O foco da igreja primitiva estava no fazer discípulos, para que as pessoas que fossem discipuladas se tornassem uma igreja nativa e pudesse levar o evangelho a outros sem a ajuda de fora. A estratégia deles foi programada deliberadamente para reprodução nativa.

Esse era o foco que estava por trás da estratégia de plantação de igrejas de Paulo, assim como em todo o crescimento do Novo Testamento. A estratégia de Paulo era plantar uma nova igreja em um novo grupo. Ele ficava com a igreja o tempo suficiente para saber que discípulos haviam sido feitos, líderes haviam sido treinados, e que os novos discípulos estavam ocupados fazendo outros discípulos. Então, ele saia para levantar uma nova igreja. Ele não fazia igrejas que seriam dependentes dele ou de outros apóstolos. Uma vez que recebessem o evangelho, eles recebiam também total autoridade para continuar a levar o evangelho a todo o seu território e além. Dessa maneira a igreja primitiva cresceu poderosamente.

Se no primeiro século da igreja, ela tentasse plantar igrejas da maneira como fazemos hoje, escolhendo um pastor para cuidar da congregação, o resultado seria igrejas fracas compostas de cristãos imaturos, que não eram discípulos. Essa não era a abordagem utilizada. Jesus

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disse que o trabalho deles era fazer discípulos. Esses discípulos não seriam conversos mornos, indiferentes, mas discípulos no mais verdadeiro sentido da definição que Jesus entendia. Para ser discípulo, a pessoa deve ser autosuficiente, e não depender de outros para se manter espiritualmente viva. Os cristãos do Novo Testamento mantiveram-se espiritualmente ao continuar trabalhando por outros discípulos. Só assim a fé se mantinha viva. Como Roland Allen observou:

Onde as igrejas foram mais ajudadas, elas eram fracas, sem vida e impotente...

Nada é mais enfraquecedor que o hábito de depender dos outros para aquelas coisas que poderíamos suprir para nós mesmos.

A igreja do Novo Testamento, e especialmente Paulo, entenderam a preocupação expressa por Allen de que a dependência produz cristãos fracos. Mesmo assim, a maioria das igrejas, nos dias de hoje, trabalha com o modelo de dependência. Muitos administradores se opõem a plantação de igrejas, simplesmente porque a igreja não possui dinheiro para auxiliar o pastor para a nova congregação. A igreja do Novo Testamento não estava preocupada com tais questões, já que não auxiliavam os pastores das congregações locais. Dessas congregações eram escolhidos líderes, que eram treinados, mas esses líderes não eram a contraparte de nosso pastor protetor dos dias modernos. Eles eram leigos. A igreja local operava independente de pastores pagos. Se a igreja do novo testamento tivesse sancionado um acordo de pastores pagos acima da congregação, seu crescimento teria sido anulado.

Em contraste, reprimimos o crescimento das novas igrejas plantadas ao escolher pastores que não são nativos. Fazer isso é admitir que não estamos fazendo o trabalho da Grande Comissão; não tornamos esses novos crentes em discípulos. Consequentemente, eles precisam de babás. Se, porém, fizermos o trabalho que Jesus ordenou na Grande Comissão – fazer discípulos – a nova igreja poderá existir por si mesma.

Se no momento em que virmos qualquer pessoa fazendo algo espontaneamente, mandamos alguém pago fazer isso por ela, paramos o seu trabalho e impedimos que outros sigam seu exemplo. Se quisermos ver uma expansão espontânea devemos estabelecer igrejas nativas, livres do nosso controle. Os ministros deveriam ser dados a uma igreja, e não a igreja ser dada ao ministro.

O apóstolo Paulo e aqueles que seguiram seu exemplo passaram um tempo considerável com uma igreja, fazendo discípulos e treinando uma liderança nativa. Eles não enviaram a liderança para ser treinada longe da igreja para ser educada; eles o treinavam em seu próprio ambiente. O apóstolo Paulo moldou o método de Cristo para um treinamento prático.

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Ele treinou poucos com quem tinha uma relação próxima; treinamos muitos que apenas passam por nossas escolas com uma visão de pesquisa e uma indicação. Cristo treinou Seus líderes no meio de seu povo, para que a intimidade desse relacionamento com as pessoas próximas não fosse danificada e eles pudesse se movimentar livremente entre eles, como se fossem um deles; treinamos nossos líderes em uma estufa e a intimidade e o relacionamento com seu povo está tão danificado que, a partir de então, eles nunca poderão viver como um deles, ou compartilhar seus pensamentos.

Alguns líderes de igreja se preocupam com tal plano. Eles temem que, se não tivermos um controle pastoral sobre as igrejas, as heresias se arrastariam para dentro dela. Entretanto, a atual igreja, dependente do pastor, não está imune das heresias. A apostasia ainda acontecerá. Na verdade, as heresias são mais capazes de surgir entre aquelas igrejas que não estão envolvidas na ordem de missão de Cristo. Claro, também precisamos nos lembrar que Cristo é a cabeça da igreja. Esse é a Sua igreja. Será que não deveríamos crer nEle sobre isso?

As grandes heresias da igreja primitiva não surgiram da rápida expansão que foi o resultado desses professores desconhecidos; mas naquelas igrejas que já existiam a mais tempo, e nas quais os cristãos não estavam tão ocupados em converter os gentios que ao redor deles.

Então, de uma base teológico-missionária, a igreja do Novo Testamento plantou igrejas que não eram dependentes de pastores. A base era a Grande Comissão. Ordenava fazer discípulos. “Discípulos,” como eles entendiam o termo das palavras de Jesus, envolvia fazer fiéis que estaria continuamente discipulando outros, e que não precisariam de cuidado constante e supervisão. Em outras palavras, a missão deles de levantar igrejas que não eram dependentes de pastores veio do entendimento da ordem da Grande Comissão de fazer discípulos de verdade.

Também inerente na teologia da Grande Comissão está a estratégia prática, da igreja primitiva, de plantar igrejas entre todos os grupos de pessoas. A Grande Comissão não ordenou apenas que fizessem discípulos, mas especificou que deveriam ser feito em todas as nações. Apenas uma estratégia sólida de plantação de igrejas poderia cumprir isso. O fato de Paulo levar o evangelho e fazer discípulos no mundo romano veio da teologia da Grande Comissão.

Assim, o programa cristão de plantação de igrejas é encontrado nas proclamações e promessas de Deus. Quando colocamos as promessas de Deus ao lado da Grande Comissão, temos ambas as garantias e direções que são poderosamente convincentes.

Jesus ordenou que os discípulos fossem feitos em todas as ethne. Esse termo tem um significado muito mais amplo que “nações” da terra simplesmente. Brown define ethnos da seguinte maneira:

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Ethnos, derivado de ethos, costume, hábito, significa um grupo que é mantido unido por costumes, um clã; então, grupo, companhia, pessoas. A palavra pode ser usada no sentido derrogatório de pessoas comuns.

Então, a Grande Comissão requer que sejam feitos discípulos em cada subgrupo de pessoas da terra. Uma igreja em uma nação ou cidade não irá alcançar todos os grupos. A igreja que é fiel à Grande Comissão estará plantando igrejas continuamente em novos grupos de pessoas até que Jesus volte.

“A crescente margem de denominações em sua maioria são de novas congregações.” As antigas igrejas murcham e morrem. As novas são frescas e vivas. Então, qualquer denominação que deseja seriamente cumprir a Grande Comissão irá desejar seriamente ser um movimento de plantação de igrejas. “Acima de tudo isso está o fato de que nunca iremos cumprir a Grande Comissão sem a multiplicação de igrejas.”

Na verdade, a plantação de novas igrejas é o objetivo de toda estratégia de missão. Plantar uma nova igreja deveria ser o objetivo de toda congregação. Somente quando uma prioridade de plantação de igrejas é restabelecida na igreja, e novas igrejas estão constantemente sendo plantadas em novos grupos de pessoas, poderemos ver realmente o fantástico crescimento idealizado pela Grande Comissão.

Considere, por exemplo, uma macieira. Normalmente, consideraremos a maçã como fruto da macieira, mas isso é apenas parte do quadro. A maçã é apenas uma embalagem para as sementes que tem a intenção de produzir o fruto final – mais macieiras. O corpo de Cristo é como uma macieira – produzindo discípulos individuais e mais congregações.

Todos os recursos da igreja primitiva eram colocados na missão da igreja: fazer novos discípulos através da plantação de novas igrejas em novos grupos de pessoas. Cada fiel da igreja primitiva era um fazedor de discípulos. Fazer discípulos não era algo limitado ao clero; era uma atividade leiga.

Allen criticou a missão contemporânea como estando muito distante dos padrões do Novo Testamento, especialmente como retratado pela experiência e pelos escritos do Apóstolo Paulo. A visão de Allen era de que a igreja primitiva havia se espalhado espontânea e organicamente através da participação de muitos membros leigos ao invés de apenas especialistas. Em contraste com os contemporâneos de Allen, Paulo evitou criar uma relação de dependência entre ele e a nova igreja.

Nada menos que o movimento de liberação das pessoas leigas será adequado para liberar os recursos humanos da Igreja que irão de encontro aos desafios e oportunidades no mundo atual.

Inerente ao entendimento teológico da igreja primitiva estava o conceito de que todo cristão estava envolvido em um ministério. Esse entendimento veio da Grande Comissão. Exigia que

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cada discípulo fosse um fazedor de discípulos. Ao invés de criar uma igreja dependente do clero, os cristãos do Novo Testamento, em obediência à Grande Comissão, criaram uma igreja de controle leigo. O sacerdócio pago expandia continuamente a igreja em novas áreas, mas a responsabilidade de expandir a igreja, em áreas onde ela já estava estabelecida, era dos membros leigos.

Nos primeiros duzentos anos de vida, a igreja era um movimento local. Construções especiais para os cultos não haviam sido feitas até o fim do segundo século.

A igreja local capacitou a Igreja do Novo Testamento a expandir em uma velocidade fenomenal com o mínimo de recursos humanos.

RESUMO

Nesse capítulo, examinamos as várias estratégias do Novo Testamento que vieram da igreja primitiva e de seu entendimento da Grande Comissão. Essas estratégias envolviam o seguinte:

1. Uma prioridade na missão da igreja.

2. Uma organização adequada para o cumprimento da missão.

3. Uma mensagem acondicionada culturalmente e projetada para implantar o cristianismo em cada grupo cultural.

4. Um foco na plantação de novas igrejas e uma organização que apóia essa prioridade.

5. Um modelo de igreja local que não seja dependente, sem pastores fixos, pois todos os cristãos são discípulos.

6. Uma igreja que cresceu principalmente através de movimentos leigos.

A missão da igreja primitiva estava clara. A Grande Comissão era o principal ímpeto da missão daquela igreja primitiva. Essas estratégias se desenvolveram por causa da consciência da Grande Comissão. O resultado foi a rápida disseminação do cristianismo por toda a terra. Somente quando a igreja atual voltar as suas raízes no Novo Testamento, fundamentado na Grande Comissão, poderá ser fiel ao Senhor em sua geração. Se os Adventistas professam ser o povo que guarda os mandamentos de Deus, como podemos continuar desobedecendo a Grande Comissão? Os Adventistas devem voltar a ser um movimento de plantação de igrejas.

Então, obedecer a Grande Comissão não será simplesmente algo que você fará por qualquer que seja o benefício que possa trazer a sua igreja. Devemos fazer pelo simples fato de que Deus ordenou.

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– Capítulo 3 –

AS BASES DA IGREJA ADVENTISTA

Nos capítulos anteriores discutimos uma teologia bíblica de missão baseado na Grande Comissão dada pela autoridade de Jesus. Essa missão, autorizada pelo Espírito Santo, dada pelo evento do Pentecostes, capacitou a igreja do primeiro século a plantar a mensagem do Senhor ressuscitado através de todo o império romano em uma geração. Seu foco era fazer discípulos em todos os grupos de pessoas. Para alcançar esse objetivo, a igreja se adaptava às várias culturas confrontando-as, sem mudar sua mensagem básica. Por sua ênfase em fazer discípulos, seu foco estava em plantar igrejas locais que não tinham pastores fixos. Ao invés disso, as igrejas eram lideradas por pessoas leigas que discipulavam outras. Dessa maneira, as igrejas cresciam localmente e fora do país.

O Adventismo professa ser um movimento bíblico, clamando que a Bíblia é sua única regra de fé e prática. Se assim for, então o Adventismo deve ter uma teologia missionária e praticar o que está em total harmonia com o modelo do Novo Testamento. Se o Adventismo não estiver centrado no cumprimento da Grande Comissão, sua afirmação de ser uma igreja do Novo Testamento não terá crédito.

O início da igreja Adventista foi, claramente, motivado pelo desejo de cumprir a Grande Comissão. A estratégia evangelística desenvolvida por aqueles Adventistas, similar àquela da igreja do Novo Testamento, foi quase que totalmente perdida na atual igreja Adventista norte americana. Não é nossa preocupação resgatar a forma, meramente, do início do Adventismo, mas sim resgatar o espírito da igreja Adventista inicial e do princípio do cristianismo.

A PAROUSIA COMO BASE PARA A MISSÃO ADVENTISTA

A missão adventista tem sido alimentada tanto por Mateus 24:14 como pela Grande Comissão. A Igreja não ignorou a Grande Comissão, mas seu argumento para o cumprimento da Grande Comissão, assim como sua motivação, tem sido o cumprimento de Mateus 24:14:

E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo como testemunho a todas as nações, e então virá o fim. (NVI)

No coração da missão Adventista está a pregação da mensagem de Cristo a todas as nações para apressar o advento do nosso Senhor. A parousia tem sido a faísca que inflama a missão adventista por mais de cento e cinquenta anos. Às vezes, a motivação para essa missão está, principalmente, em terminar o trabalho de Cristo, para que ele volte, ao invés da salvação do perdido. O incentivo posterior não foi negligenciado, apenas não é a motivação principal na

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mente da maioria das pessoas. É por isso que Mateus 24:14 deve ser misturado com Mateus 28:16-20.

Entretanto, a preocupação de Jesus estava em salvar os perdidos mais do que em apenas o cumprimento de uma tarefa missionária para que Ele voltasse. Se a igreja apenas compreendesse o sofrimento de Deus por aqueles que estão perdidos, ela perceberia a paixão de Jesus pela humanidade perdida. Essa paixão só pode ser compreendida se olharmos a encarnação e o calvário. O saudoso coração de Deus foi totalmente revelado nos eventos de Belém e do Gólgota. O retorno de Cristo, sendo a esperança da igreja, nunca deve encobrir a Grande Comissão e a paixão de Deus por alcançar os perdidos.

Assim, a esperança da parousia, quando usada apropriadamente, pode ser uma enorme faísca para ajudar a igreja a focar na responsabilidade de sua missão. Se, como os adventistas acreditam, a volta de Cristo está próxima, então é essencial que discípulos sejam feitos rapidamente ao redor do mundo, já que o fim da provação está tão próximo. Jesus está voltando! Aqueles que não se tornarem discípulos estarão perdidos! Esse é um pensamento insuportável para Jesus, e para mim, especialmente se os perdidos são pessoas que conheço. Então, eu, individualmente, e a igreja, coletivamente, devem evolver-se em fazer discípulos no fim dos tempos.

A missão adventista pode ser compreendida corretamente apenas no contexto da parousia. Os adventistas vêem sua igreja como se tivesse sido chamada a existência por Deus para proclamar uma mensagem especial e única a todo o mundo. Essa mensagem não é apenas o anúncio das “boas novas” da salvação em Cristo, mas também as “boas novas” de que nosso Redentor está para voltar! A mensagem do adventismo foi projetada por Deus para preparar as pessoas para que elas estejam prontas para que encontrem o Rei que está voltando. A mensagem do Adventismo é de preparação, que se encaixa bem com a descrição de Jesus de discípulos. A definição dada anteriormente para discípulos é o que significa para os adventistas estar preparado para volta de Jesus. Estar preparado não é apenas aceitar a Jesus como Salvador, mas também ter entrado em um processo de discipulado em que Jesus está se tornado o Senhor da vida de alguém. Então, o trabalho da igreja Adventista ao preparar um povo para a volta de Cristo é idêntico àquele dos cristãos primitivos que saiam para fazer discípulos. A tarefa tornou-se mais urgente nos dias atuais pela proximidade da parousia.

Orlando Costas observa a conexão entre evangelização e preparação para a parousia:

O objetivo da evangelização não é apenas promover o crescimento da igreja ou meramente ajudar indivíduos a encontrar a salvação. Mais exatamente, o objetivo universal da evangelização é tornar conhecido o Reino de Deus como manifestado em Jesus Cristo e feito presente pelo Espírito Santo. Fazendo-se isso, a evangelização prepara o caminho para a revelação do reino de glória.

O segundo texto em uma compreensão da parousia e da missiologia adventista está em Apocalipse 14:6-12. Essa passagem descreve a mensagem especial dos três anjos, planejada para preparar um povo para a volta de Cristo. Essa passagem, então, tornou-se o coração do

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Adventismo, ao ponto de que aquele desenho dos três anjos foi usado com logotipo da igreja. A missão adventista não pode ser compreendida separadamente da mensagem desses três anjos:

Então vi outro anjo, que voava pelo céu e tinha na mão o evangelho eterno para proclamar aos que habitam na terra, a toda nação, tribo, língua e povo. Ele disse em alta voz: "Temam a Deus e glorifiquem-no, pois chegou a hora do seu juízo. Adorem aquele que fez os céus, a terra, o mar e as fontes das águas".

Um segundo anjo o seguiu, dizendo: "Caiu! Caiu a grande Babilônia que fez todas as nações beberem do vinho da fúria da sua prostituição!"

Um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: "Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber a sua marca na testa ou na mão, Um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: "Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber a sua marca na testa ou na mão, e a fumaça do tormento de tais pessoas sobe para todo o sempre. Para todos os que adoram a besta e a sua imagem, e para quem recebe a marca do seu nome, não há descanso, dia e noite". Aqui está a perseverança dos santos que obedecem aos mandamentos de Deus e permanecem fiéis a Jesus (Apoc. 14:6-12 NVI).

Essa passagem será analisada em detalhes mais adiante nesse capítulo. Entretanto, nesse momento, quero que observem esse texto como uma extensão de Mateus 24:14 e Mateus 28:16-20.

Se os adventistas concentram-se somente em Mateus 24:14, isso os leva a compreender a missão como se fosse principalmente de proclamação. Nesse sentido, contanto que o evangelho seja proclamado, sem levar em consideração se é aceito ou rejeitado, a missão está cumprida. Mesmo assim, Mateus 24:14 não pode ser tomado como um objetivo isolado da Grande Comissão em Mateus 28:19, que a é de fazer discípulos. A beleza da passagem de Apocalipse 14 é que junta todos os elementos dos dois textos de Mateus em um composto completo. Aqui está a pregação do evangelho eterno. Essa proclamação é mundial. Não é apenas proclamado; há resultados. A pregação dessa mensagem produz paciente resistência nos santos que guardam os mandamentos de Deus. Essa é uma clara passagem que fala sobre fazer discípulos.

Em acréscimo ao objetivo dessa passagem que é fazer discípulos, há também a urgência expressada em Mateus 24:14. Essa mensagem especial do evangelho eterno deve ser proclamada em vista da iminente parousia. Seus avisos apocalípticos são usados para dar urgência à tarefa de preparar um povo que guarda os mandamentos de Deus e permanecem fiéis a Jesus.

O Adventismo deve ver como base de sua missão essa passagem de Apocalipse 14:6-12. Assim, a passagem só pode ser propriamente compreendida contra o histórico da Grande

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Comissão. Apocalipse 14 deve ser visto como uma extensão do comentário de João na Grande Comissão, nas circunstâncias de ser realizada nos últimos dias da história da humanidade. O objetivo das mensagens dos três anjos é idêntico ao objetivo da Grande Comissão. O objetivo é fazer discípulos que guardem os mandamentos de Deus e permaneçam fiéis a Jesus.

COMPREENDENDO APOCALIPSE 14:6-12 COMO BASE PARA COMPREENDER O DISCIPULADO NA IGREJA ADVENTISTA

A missão adventista está consolidada e fundamenta na esperança da segunda vinda de Jesus Cristo. A base dessa missão é e deve continuar sendo a pregação da mensagem dos três anjos de Apocalipse 14, para preparar as pessoas para a volta de Cristo. Essa compreensão de missão mostra a urgência e a direção à missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

A Igreja não deve apenas entender o que fagulha sua noção de missão; ela deve entender o que espera alcançar como resultado da proclamação das mensagens dos três anjos. O produto final está inerente nas mensagens dos três anjos. Apocalipse 14:12 declara que essas mensagens produzem pessoas que guardam os mandamentos de Deus e permanecem fiéis em Jesus.

Os Adventistas também vêem uma conexão entre a pregação dessa mensagem e os 144.000 mencionados nos primeiros cinco versos de Apocalipse 14:

Então olhei, e diante de mim estava o Cordeiro, em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil que traziam escritos na testa o nome dele e o nome de seu Pai. Ouvi um som dos céus como o de muitas águas e de um forte trovão. Era como o de harpistas tocando seus instrumentos. Eles cantavam um cântico novo diante do trono, dos quatro seres viventes e dos anciãos. Ninguém podia aprender o cântico, a não ser os cento e quarenta e quatro mil que haviam sido comprados da terra. Estes são os que não se contaminaram com mulheres, pois se conservaram castos e seguem o Cordeiro por onde quer que ele vá. Foram comprados dentre os homens e ofertados como primícias a Deus e ao Cordeiro. Mentira nenhuma foi encontrada em suas bocas; são imaculados. (Apocalipse 14:1-5 NVI).

No entendimento adventista, os 144.000 não são um número literal, mas sim um número simbólico. Eles representam o número de pessoas que estarão prontos para encontrar Jesus no momento do segundo advento. Eles são o Israel espiritual. Esse grupo não é exclusivo; pelo contrário, esse deve ser um grupo de pessoas que inclui pessoas de todas as nações da terra que estão prontas para encontrar seu Rei que está voltando. Os Adventistas entendem que a pregação das três mensagens angélicas foi feita para gerar pessoas que são descritas nesses versos.

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Então, o objetivo da missão adventista não é apenas proclamar uma mensagem, mas gerar pessoas que o número 144.000 seja simbolicamente completo. Observe as características desse povo que está pronto para a parousia, como João as enumera na passagem:

1. Eles têm o nome do Pai escrito na testa (v.1). Essas pessoas estão vivendo em total comprometimento com Deus; então, o Pai pode colocar Seu nome nelas, significando que elas pertencem totalmente a Ele.

2. Eles foram comprados (v. 3). Eles pertencem a Deus porque foram comprados pelo sangue do Calvário. Apenas os pecadores que foram comprados pelo sangue podem estar prontos para encontrar Jesus.

3. Eles possuem a fé pura. Em contraste com aqueles que receberam o vinho da Babilônia e permitiram-se os adultérios, essas pessoas não foram manchadas pela Babilônia a Grande. Não tomaram seu vinho, nem cometeram adultério com ela. Apesar das devastadoras apostasias dos últimos dias, apostasias que as Escrituras declararam que poderiam enganar os escolhidos, o povo que manteve a pura fé de Jesus.

4. Eles seguem a Jesus por todo o caminho. Em contraste àqueles que seguem a besta e sua imagem, o Apocalipse retrata um povo que segue a Jesus. Eles o seguem completamente. Eles não foram apenas ensinados, mas também seguem tudo o que Jesus ordenou.

5. Eles se mantém sem defeito ante o trono de Deus, irrepreensíveis na visão dEle. Eles não se mantêm em sua própria justiça, mas são santos, pois foram comprados, como dito acima. Eles estão cobertos pela justiça de Cristo, então o julgamento justificou-os como prontos para encontrar Jesus e entrar no céu.

As cinco características daqueles que respondem às três mensagens angélicas são reminiscentes das características dos verdadeiros discípulos que Jesus enumerou nos evangelhos. Essas pessoas, que estão vivendo em total comprometimento com a liderança de Cristo em sua vida, seguem-nO em total obediência. Tudo o que a Grande Comissão enumerou, é especificado aqui em maior detalhe. Apocalipse 14:1-12 não apenas especifica o tipo de pessoa que é objeto da missão da igreja nos fins dos tempos, mas também cita a mensagem que deve ser pregada para que produza uma pessoa que viverá em total discipulado com Jesus Cristo.

O custo do discipulado nos fins dos dias não é diferente de nenhum outro período da história da humanidade. Deus espera que Seus discípulos produzam discípulos verdadeiro, genuínos e em total compromisso com Ele, em todas as épocas da igreja. Isso acontece especialmente no fim dos tempos, quando Deus trará a missão de Cristo à consumação com Sua segunda vinda.

Se o objetivo da missão adventista é produzir as pessoas descritas em Apocalipse 14:1-5, então sua estratégia evangelística deve seguir o padrão de Apocalipse 14:6-12. Os adventistas devem pregar essa mensagem única no contexto do eschaton. A ordem evangelística, originada na Grande Comissão, e elaborada pela mensagem especial de Apocalipse 14, deve

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ser a diretriz para o cumprimento da missão adventista. Portanto, os adventistas nunca devem estar satisfeitos em simplesmente trazer pessoas para uma fé inicial em Cristo e não em total discipulado. A missão adventista só pode ser compreendida se colocada sob o pano de fundo de Apocalipse 14 e a ordem de fazer discípulos da Grande Comissão.

Nos últimos anos no Adventismo, existem sugestões para que se divida a vinda inicial a Cristo e o discipulado que vem em seguida. Assim, o batismo viria depois da vinda inicial a Cristo e seria desconectado do rol de membro da igreja. Depois que a pessoa fosse ensinada sobre a mensagem adventista, ela poderia se tornar um membro, se assim desejasse.

Mas, um batismo separado da entrada na igreja é estranho e contrário ao Novo Testamento, que liga o batismo como cerimônia inicial de entrada ao rol de membros da igreja. Também é estranho e contrária a instrução dada por Jesus em Mateus 28:19, em que ordena que Seus seguidores façam discípulos, definindo que seria mais que apenas aceitar a Cristo. Jesus declarou que esse “discipulado” deve ser feito antes do batismo, não depois. Uma vez que a pessoa se torna um discípulo, ela deve ser ensinada continuamente – ser instruída em como viver como um discípulo – para que o novo discípulo possa gerar outros discípulos.

O foco em separar a vinda a Cristo do discipulado também está fazendo com que os adventistas percam o foco de Apocalipse 14:1-12 como objetivo e mensagem adventista. Se o objetivo é simplesmente trazer pessoas para uma fé embrionária em Cristo, então nossa metodologia evangelística não precisa falar sobre a parousia e sobre a preparação para o eschaton. A igreja pode trazer pessoas para a fé em Cristo, separado do total compromisso e esperar que eles, em algum momento, entrem no discipulado. Isso, porém, colocaria a igreja em violação certa com Grande Comissão, que ordena que sejam feitos discípulos como pré-requisito ao batismo. A entrada de cristãos fracos na igreja será o resultado final de uma estratégia evangelística que enfatiza apenas a aceitação a Cristo como Salvador e não o compromisso com Ele como Senhor. Esses fracos cristãos eventualmente diluirão o testemunho vivo da igreja.

A igreja Adventista deve voltar às raízes wesleyanas. Wesley e Whitfield pregaram na mesma época. Ambos eram evangelistas bem sucedidos, mas muitos dos conversos de Whitfield não permaneceram, enquanto os de Wesley prosperaram. A diferença estava na metodologia evangelística. Whitfield levava seus ouvintes apenas a aceitarem a Jesus, enquanto que Wesley envolvia seus conversos em encontros de classe, onde eles poderiam fazer discípulos.

Raramente (se alguma vez), ele convidava as pessoas para aceitarem a Cristo imediatamente... . Na maioria das vezes, ele convidava as pessoas para freqüentarem uma aula – às vezes, uma nova aula, onde poderiam se encontrar todas as noites.

Já que Wesley se concentrava em fazer discípulos, seu método era mais de acordo com a Grande Comissão do que o de Whitfield. O entendimento adventista sobre missão está muito mais em harmonia com Wesley do que com Whitfield. É essa a razão de um extraordinário crescimento adventista para quase dez milhões de membros. Através dos anos, os adventistas

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têm enfatizado mais o discipulado do que a simples aceitação a Cristo como base para estar no quadro de membros. É por isso que a igreja adventista é melhor, que muitas igrejas, em manter a colheita que Deus lhe dá. Hoje, porém, os adventistas estão enfrentando mais dificuldades em manter os conversos. Quanto menor a ênfase no discipulado, maior será o número de pessoas que falharão em permanecer na igreja. O Adventismo começa a seguir pelo caminho de Whitfield ao invés de Wesley:

“Meu irmão Wesley agiu de maneira correta. As almas que ele despertou sob seu ministério colocou-as em uma aula, e assim preservou os frutos de seu trabalho. Negligenciei isso, e meu povo é uma corda de areia” (citado em Ayling, 1979 p. 201).

Então, é imperativo que a Igreja Adventista do Sétimo Dia retorne ao modelo crescimento de igrejas, fazendo discípulos, se realmente possui o desejo de cumprir essa missão, como delineado em Apocalipse 14:1-12 e Mateus 28:16-20.

Examinamos a compreensão adventista sobre Apocalipse 14:1-5, como uma descrição do produto final do discipulado e Apocalipse 14:6-12, como a mensagem que irá produzir o discípulo do fim dos tempos. Agora, queremos examinar Apocalipse 14:6-12 na tentativa de descobrir como os ensinamentos proclamados pelas três mensagens angélicas geram o povo discipulado de Apocalipse 14:1-5.

O primeiro anjo começa sua mensagem com a proclamação do evangelho eterno. A linguagem usada aqui é reminiscente daquela da Grande Comissão. Isso poderia indicar que as três mensagens angélicas são uma ampliação daquela comissão, como ela deveria ser cumprida nos últimos dias. A mensagem começa com o anúncio do evangelho eterno – a mesma mensagem do evangelho que tem sido pregada desde o início dos tempos. O evangelho não muda. A mensagem indica que nos fins dos tempos, antes do eschaton, o mesmo evangelho, que foi pregado desde o início do cristianismo, deveria ser proclamado com força.

O evangelho são as “boas novas” de que Jesus Cristo perdoa os pecados das pessoas por causa de Sua morte no monte do Calvário. São notícias extremamente boas. Os seres humanos nada podem fazer para conseguir o perdão de seus pecados; apenas o sacrifício de Cristo pode realizar esse feito. Os pecadores são feitos justos não pelos trabalhos que realizam, mas somente em razão do sangue por Cristo derramado.

Os adventistas não devem pregar um novo evangelho. Se eles quiserem cumprir Apocalipse 14: 6-12, devem pregar do evangelho eterno da salvação somente pela graça. Pode ser feito no cenário da breve volta de Cristo, mas nada pode ser adicionado ao fundamento da salvação: a fé somente em Cristo. O discipulado não deve ser realizado como fundamento da salvação, mas como fruto desta. Assim, ninguém deve ser levado ao discipulado se, primeiramente, não aceitar a Jesus Cristo como Salvador de sua vida.

O primeiro passo, para preparar as pessoas para o retorno de Cristo, é levá-los ao pé da cruz e a completa aceitação de Jesus, Aquele que os veste com belas vestes de Sua imaculada

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justiça e os salva do pecado. Eles alcançam essa justiça não por méritos próprios, mas somente pela graça de Deus.

Umas vez que essas pessoas são trazidas a um relacionamento de salvação com Jesus, elas devem ser discipuladas. Esse discipulado envolve uma restauração daqueles que aceitaram o dom gratuito da justiça de Cristo à imagem de Deus. A raça humana foi criada a imagem de Deus, fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Essa imagem foi danificada pelo pecado. Os seres humanos pecaram antes mesmo de compartilharem do fruto proibido:

Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também (Gen. 3:6 NVI).

O pecado começou na mente de Eva antes que ela praticasse o ato em si. Comer o fruto foi o resultado natural de sua natureza caída. Desse modo, a raça humana, que foi criada a imagem de Deus, se distanciou dessa imagem: fisicamente, Eva viu que a árvore era agradável ao paladar; espiritualmente, ela viu a que a árvore era atraente aos olhos (os olhos são um símbolo da natureza espiritual – veja Apocalipse 3:18); e mentalmente, ela viu que era desejável para se obter discernimento. A queda de nossos pais estava completa; fisicamente, espiritualmente e mentalmente eles haviam se distanciado da imagem divina. As tentações encontraram um caminho no coração humano e seus pés imperceptivelmente se viraram para o mal.

O plano de salvação idealizava a completa restauração do ser humano a imagem de Deus, através do trabalho redentor de Cristo no Calvário. Jesus entrou na história com o perfeito exemplo. No deserto da tentação, Jesus examinou o mesmo território em que nossos primeiros pais falharam e conseguiu vitória total e completa sobre o inimigo. Ele conseguiu a vitória física quando recusou a primeira tentação, tornar pedras em pães. Ele conseguiu a vitória no mesmo ponto em que nossos primeiros pais falharam. Na segunda tentação, Jesus conseguiu a vitória mental para a raça humana, ao resistir à tentação do orgulho presunçoso, recusando-se a pular do pináculo do templo. Na terceira tentação, Jesus conseguiu a vitória espiritual ao recusar ajoelhar-se em falsa adoração. A vitória de Jesus estava completa em todos os aspectos: físico, mental e espiritual. Tudo o que Adão e Eva haviam perdido foi totalmente restaurado em Cristo. É a Sua vitória que Ele oferece àqueles que aceitarem o evangelho eterno. Ele tem esse direito por causa do Calvário.

O propósito do evangelho eterno é introduzir a vitória de Cristo na vida daqueles que O aceitam com Salvador. Essa vitória é o primeiro passo no processo do discipulado para aqueles que foram restaurados na aliança com Deus. Tendo aceitado Jesus, os novos conversos precisam ser apontados a vitória através do desejo de Cristo de restaurar neles Sua imagem divina. Jesus não deseja simplesmente nos salvar de nossos pecados, Ele prevê completa vitória sobre o pecado para Seu povo através de Seu poder vitorioso. Apocalipse 14:7 fala dessa restauração como resultado da proclamação do evangelho eterno do verso 6:

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Ele disse em alta voz: "Temam a Deus e glorifiquem-no, pois chegou a hora do seu juízo. Adorem aquele que fez os céus, a terra, o mar e as fontes das águas". (Apocalipse 14:17 NVI).

As três injunções desse verso – “temam a Deus”, “glorifiquem-no” e “adorem aquele” – conduzem uma mensagem de restauração pregada no cenário do evangelho eterno, em preparação para a parousia. O chamado para temer a Deus nessa passagem é reminiscente da definição dada por Salomão, o homem sábio, “O temor do Senhor é o princípio do conhecimento” (Prov. 1:7). O chamado para temer a Deus prevê a restauração mental do povo remido a imagem de Deus. Chama os remidos para serem discipulados, limpando suas mentes, pensando naquilo que é verdadeiro, puro, nobre, amável e admirável. Na poluição mental da era do tempo do fim, o chamado para o discipulado requer que as pessoas que responderem ao evangelho purifiquem a mente ao juntar-se aos nobres aspectos do Senhor. Ao preparar as pessoas para a vinda de Cristo, o padrão cristão sobre a santidade da mente não pode ser negligenciado.

A segunda injunção de Apocalipse 14:7 apela para que as pessoas deem glórias a Ele. Mesmo que haja muitas maneiras para os cristãos glorificarem a Deus, o apóstolo Paulo enumera uma que não pode ser negligenciada:

Acaso não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo que habita em vocês, que lhes foi dado por Deus, e que vocês não são de si mesmos?

Vocês foram comprados por alto preço. Portanto, glorifiquem a Deus com o seu próprio corpo. (1 Cor. 6:19-20)

Esse chamado para glorificar a Deus está claramente relacionado à restauração da raça humana, com a compreensão de que o corpo é o templo de Deus. Perceba, novamente, que o contexto do corpo, como templo divino, é o cenário de uma pessoa remida, comprada pelo preço do calvário. Cristo encontrou moradia permanente no corpo daqueles que foram resgatados pelo Senhor. Esses remidos respeitam seu corpo como moradia de Cristo. Mostram seu respeito ao abster-se de imoralidades sexuais e preocupam-se com seu corpo-templo. Esse foi o cenário em que os adventistas desenvolveram sua filosofia de saúde de preocupar-se com seu corpo-templo ao abster-se daquilo que é prejudicial e sendo moderados com o que é bom. Isso é visto como parte da restauração física à imagem de Deus. Repetindo, isso nunca deve ser apresentado como meio de salvação, já que as Escrituras claramente indicam que a preocupação pelo corpo como templo é dada, somente, àqueles que foram remidos.

A terceira injunção de Apocalipse 14:7 é para “adora-lO.” Obviamente, esse chamado lida com a restauração espiritual à imagem de Deus. Os remidos através do evangelho eterno não são chamados para adorar simplesmente, mas para “adorar Aquele que fez o céu e a terra.” Está chamando um povo remido a voltar a ter um relacionamento com o seu Criador. Isso parece ser uma citação direta do quarto mandamento do decálogo:

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Adorem aquele que fez os céus, a terra, o mar e as fontes das águas (Apoc. 14:7 NVI). Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou. (Êxodo 20:11 NVI)

A mensagem adventista sobre a guarda do sábado é vista aqui como um das três mensagens angélicas. Os remidos são restaurados à imagem de Deus através da guarda do sábado, como o sétimo dia original da criação. Guardar o sábado, como outros assuntos sobre restauração, não devem ser vistos como meios de salvação, mas como uma atividade dos remidos que buscam ser discípulos completos em Jesus.

O sábado não foi dado como um símbolo de descanso para a raça humana, mas como símbolo do descanso de Deus. Os humanos remidos são convidados a entrar no descanso de Deus através da guarda do sábado. O propósito desse descanso é visto quando o Sábado é dado aos primeiros humanos no Éden sem pecados. De acordo com a história da criação em Gênesis, Adão e Eva foram criados no sexto dia da semana da criação. O primeiro dia completo deles na Terra foi o Sábado. Eles não precisavam de descanso, já que não tinham trabalhado. Ao invés disso, eles foram convidados a entrar na celebração do descanso de Deus, para conhecerem melhor seu Criador.

Os cristãos, que estão se preparando para vinda de Cristo, desejam entrar no descanso do Senhor. Então eles param seu trabalho físico no sétimo dia para desenvolver um relacionamento melhor com o seu Criador. O Sábado tem muito mais a ver com relacionamentos do que com qualquer outra coisa. A história humana alcançou um ponto em que é totalmente necessário que as pessoas tomem o tempo necessário para terem um relacionamento com Deus, para que o discipulado ocorra. O Sábado nos concede essa pausa, vinte e quatro horas a cada semana para que os indivíduos estejam livres das perseguições do mundo e pode passar horas de qualidade conhecendo a Deus.

O Sábado é o coração do processo de restauração por causa da grande necessidade de desenvolver um profundo relacionamento com Deus. Já que o Sábado é tempo designado para a construção de um relacionamento, cristãos recém-convertidos dos últimos dias buscarão ansiosamente o descanso do Sábado como parte do processo de discipulado, porque descobriram que o segredo da restauração está no tempo que se passa com Deus. Ao invés de passar apenas uma hora com Deus, Ele declara, através do Sábado, que a humanidade precisa de vinte e quatro horas a cada semana para desenvolver com Ele o profundo relacionamento tão necessário o tumultuoso período dos últimos dias.

O chamado do primeiro anjo, então, declara que o evangelho eterno redime o povo a Cristo e começa o trabalho de restauração. Exige uma tríplice restauração à imagem de Deus, limpando a mente, mantendo o corpo em boa saúde e livre de imoralidade sexual, e tomando tempo para desenvolver um profundo relacionamento com Cristo, através da guarda do Sábado.

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Um aspecto final de Apocalipse 14:7 precisa ser dito: a razão para o chamado ao discipulado restaurativo, é que “chegou a hora do seu juízo” (Apoc. 14:7 NVI). O julgamento falado aqui já começou. A compreensão adventista desse julgamento pré-advento é que ele começou em 1844, na conclusão da profecia dos 2300 dias de Daniel 8:14. Interessantemente, a declaração do primeiro anjo de que o julgamento começou está incluso como parte do evangelho eterno. Em outras palavras, o julgamento de Apocalipse não é incoerente com o evangelho; é, na verdade, o evangelho. São as “boas novas” que Deus está justificando contra as acusações de Satanás.

A mensagem do julgamento deve ser apresentada aos que são novos na fé em Cristo. Essas “boas novas” os ajudam a entender o ministério de Cristo no santuário celestial, onde Jesus apresenta os nomes dos remidos perante os anjos do céu, antes de retornar à terra. Essa apresentação em julgamento não é para saber quem está salvo ou quem está perdido, pois Deus já sabe isso. O propósito desse julgamento é para inocentar os justos das acusações de Satanás diante dos seres não-caídos do universo. Não deveria provocar temor, mas alegria aos justos. Eles se alegraram porque têm a segurança de que Cristo, o seu advogado, os absolveu ante o trono dos céus. A compreensão adventista desse julgamento pré-advento poderia dar segurança da vitória final em Cristo àqueles que são novos na fé nEle.

A mensagem do segundo anjo alerta as pessoas contra a Babilônia e sua fornicação, ou falsificação do evangelho. Babilônia é simbolizada por aqueles que colocam os méritos e trabalhos humanos no lugar do evangelho da graça gratuita. Ela também é simbolizada por aqueles que barateariam o evangelho ao não seguir o discipulado rigorosamente como ordenado pela mensagem do primeiro anjo. A tragédia é que grande parte do mundo foi cativados pelo vinho da Babilônia. Então, Deus estende um convite aos remidos para que saiam da Babilônia. O chamado de Apocalipse 18:4, então, é uma extensão do chamado de Apocalipse 14:7 – um chamado ao genuíno discipulado ao invés de um falso discipulado.

O terceiro anjo dá um alerta ainda mais forte contra a besta, seu número e sua marca. Aqueles que responderem a mensagem do primeiro anjo têm o nome do Pai escrito em sua testa. Apocalipse 7:3 declara que eles têm o selo de Deus em sua testa. Ambos mostram pessoas que pertencem a Deus em total discipulado. Em contraste, o terceiro anjo alerta contra o falso discipulado, centralizando a besta e sua marca. Ter a marca da besta é viver em discipulado com a besta, assim como ter o sinal ou marca de Deus é viver em discipulado com o Cordeiro.

O resultado da proclamação dessas três mensagens especiais no contexto do fim dos tempos é a produção de pessoa que são realmente discípulos de Jesus. Eles O seguem onde ele for; eles guardam os mandamentos de Deus e se mantêm fiéis a Jesus. Eles são discípulos no sentido mais verdadeiro da palavra, pois fazem o que foi previsto por Jesus na Grande Comissão; eles foram ensinados e fazem tudo o que Jesus ordenou. A guarda dos mandamentos não é uma guarda da lei legalística, mas um relacionamento de fé que vem de um contínuo relacionamento com Jesus que é nutrido pelo estudo diário da Bíblia, oração diária e guarda semanal do sábado.

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O entendimento adventista da verdade bíblica, centrado nas três mensagens angélicas de Apocalipse 14, prepara o povo para um discipulado honesto. A mensagem adventista do evangelho de graça gratuita, seguido do discipulado que restaura as pessoas à imagem de Deus através da limpeza da mente, vida saudável, e guarda do sábado para construir um relacionamento profundo com Cristo, leva a discipulado completo. A mensagem do julgamento pré-advento é desenvolvida para dar segurança da vitória final de Cristo e de Seus seguidores através do trabalho final de Cristo no santuário celestial. Essa mensagem deve ser apresentada no cenário apocalíptico do fim dos tempos para preparar as pessoas para a volta de Cristo. Os alertas negativos sobre a Babilônia e a besta devem ser visto como auxílios para levar as pessoas para longe do falso discipulado e para o discipulado genuíno. Tudo isso deve ser cumprido em todas as nações no cenário do eschaton. Essa é a missão adventista.

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– Parte Dois –

O PAPEL DO CLERO E O CUIDADO COM O MEMBRO NA ERA DO NOVO TESTAMENTO

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– Capítulo 4 –

UMA COMPREENSÃO DOS TERMOS BÍBLICOS PARA CLERO

A Parte Um estabeleceu o cumprimento da Grande Comissão no cenário da vinda do eschaton como missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A razão para a igreja existir é missionária. A igreja cristã primitiva, os que originaram essa consciência de missão, organizou sua igreja para o cumprimento da Grande Comissão. O clero e o leigo trabalhavam juntos para o cumprimento da missão de Cristo. A função do clero era realizada de modo que melhorasse a missão da igreja. Assim também, os membros leigos cumpriam suas tarefas para que a missão fosse cumprida.

Quase dois milênios se passaram desde que Jesus nos deus a Grande Comissão. Quase metade do mundo ainda não ouviu falar de Jesus e a maioria dos que vivem em um “mundo cristão” estão fora da igreja. O desafio missionário que o cristianismo do primeiro século enfrentou ainda é enorme no final do século vinte. Com esses desafios que a igreja enfrenta, alguém poderia esperar uma ótima organização para o cumprimento dessa missão, mas a igreja Adventista, assim como outras denominações cristãs hoje, parece perder a consciência da Grande Comissão.

Ao invés de uma organização missionária, a igreja parece possuir uma operação babá. Parece mais preocupada com o cuidado dos santos do que alcançar o mundo para Cristo. Nutrir tomou o lugar alcançar como função principal da igreja. Mesmo com toda a nutrição que a igreja tem recebido, ela parece estar com a saúde espiritual débil. Em contraste, a igreja primitiva, preocupada com o alcance, parece ter a saúde espiritual forte

Quando alguém examina a igreja nos dias de hoje, é óbvio que a maior parte do tempo, talento e tesouros estão sendo gastos na preservação dos santos, que já conhecem o evangelho, ao invés de alcançar aqueles que não acreditam no evangelho de Cristo. A maioria das igrejas adventistas de hoje gasta 95% de seu orçamento pagando contas de manutenção, ou mantendo os filhos de membros da igreja em escolas adventistas. É raro encontrar alguma igreja que coloca mais de 5% de seu orçamento local em programas de evangelismo.

Os membros, que podem doar quantidades significativas de tempo ao trabalho da igreja, passam a maior parte do tempo em atividades que não são relacionadas com a missão. Eles realizam muito bons trabalhos e provêem serviços necessários à comunidade de fé, mas essas coisas têm pouco haver com o cumprimento da missão de Cristo. Grande parte de tais atividades são feitas para aqueles que já conhecem a Cristo.

Até mesmo a liderança da igreja assumiu um papel que é estranho à igreja primitiva. Pastores das igrejas locais passam maior parte de seu tempo nutrindo os membros que foram colocados sob o seu cuidado. Na maioria das congregações, o pastor se tornou o chefe em tomar conta na igreja. A função do membro da igreja passou a ser de observador, que vê o pastor pregando

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a cada Sábado pela manhã, e então paga por seu apoio. As congregações exigem que as associações lhes ofereçam um pastor, baseando-se no fato de que pagam dízimo suficiente às associações para garantir um pastor em tempo integral. As associações responderam com uma formula em que quando ela recebe certa quantidade de dízimo, a igreja local consegue um pastor em tempo integral.

O resultado de toda essa estrutura da igreja não é voltado para a missão, mas primariamente para a manutenção da organização e a proteção do seu “gramado.” A missão fica mais difícil de ser cumprida quando esse modelo de operação está cada vez mais afixado na estrutura da igreja. Uma reestruturação radical da estrutura da igreja local é necessária. O papel do pastor que toma contar deve ser substituído pelas igrejas locais que novamente assumem o papel do Novo Testamento de cuidador chefe

Muito da ênfase e do treinamento pastoral, do seminário à associação, tem sido no pastor como cuidador chefe. Muitos pastores não vêem outro papel para si mesmo além desse. Como resultado, muitos pastores se sentem ameaçados pelo novo paradigma, pensando que papel teriam se a igreja os substituísse no “seu trabalho” como cuidador chefe da igreja local. Muitos inclusive se perguntam se o seu trabalho seria até mesmo necessário.

O papel pastoral, porém, é essencial para o paradigma da missão. Esse é o papel definitivo que o clero deve fazer, mas não é o de principal cuidador da igreja. Ao invés disso, os pastores devem aprender o modelo de ministério de treinador/o que equipa/plantador de igrejas. Eles precisam abandonar o modelo pastoral de ministério, e assumir o modelo fazendeiro.

Já que o novo paradigma apresentado aqui é uma partida radical da função normal do clero, é essencial que exploremos as bases bíblicas para essa função do clero. Esse capítulo irá explorar as várias palavras usadas tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos para se referir a clero, em uma tentativa de descobrir uma sólida base bíblica para a função do clero na igreja. Ao examinar essas palavras, compreenderemos como a igreja do Novo Testamento era organizada, talvez ela não tivesse uma organização tão desenvolvida como muitas igrejas de hoje. Na verdade, a igreja não era organizada ao redor de posições ou poder, mas sim ao redor dos dons dos membros. Acreditando no sacerdócio de todos os féis fez com que a igreja tivesse uma estrutura organizacional baseada nos dons, ao invés de um sistema hierárquico.

SACERDOTE

De todas as palavras utilizadas para se referir a clero, no Antigo Testamento, nenhuma supera “sacerdote”. É a palavra mais utilizada nos tempos pré-cristãos para se referir ao clero, tanto em Israel quanto no mundo não-hebreu. Nitidamente, a função desses sacerdotes era executar um ministério para pessoas que não poderiam fazê-lo por si mesmas. Assim, os sacerdotes eram os que ofereciam sacrifícios. Apenas eles poderiam entrar no santuário, e apenas o sumo sacerdote poderia entrar no Lugar Santíssimo, onde era permitido entrar uma vez ao ano, no Dia da Expiação.

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Se os escritores do Novo Testamento desejassem nos dar uma palavra que distinguisse o clero das pessoas, eles escolheriam a palavra “sacerdote,” que era muito usada no Antigo Testamento e em toda a literatura antiga. Ainda assim, estranhamente, os escritores do Novo Testamento falharam em usar essa palavra para descrever o clero do Novo Testamento.

O fato da palavra sacerdote (iereus) não ser aplicado no Novo Testamento a um “funcionário” da Igreja de Cristo, essa é uma circunstância sem significado. Não foi um acidente.

Esse não é um mero argumento de silêncio. Os escritores do Novo Testamento não usaram o termo “sacerdote”, mas quando utilizaram esse termo antigo, eles o impregnaram com um novo significado para se referir ao sacerdócio de todos os fiéis. Esses textos mostram que Cristo, em virtude de Seu ministério de redentor da cruz, criou um reino completo de sacerdotes. Ao invés dos sacerdotes serem uma classe especial do clero, como no Antigo Testamento, essas passagens indicam que o “sacerdote” tornou-se um termo para representar todo o povo de Deus, incluindo tanto o clero quanto o leigo. Esse conceito de todo o povo de Deus ser sacerdote é sugerido em um pensamento embrionário no Antigo Testamento.

Pode parecer que o propósito original de Deus era estabelecer Israel como uma nação de sacerdotes, mas a rebelião no Sinai evidentemente fez com que Ele usasse um segundo plano através do qual os filhos de Levi foram nomeados para serem os sacerdotes do povo. No Novo Testamento, Cristo novamente busca estabelecer uma igreja em que os sacerdotes não são uma classe privilegiada, mas que todas as pessoas tenham acesso total a Deus. O apóstolo Pedro, mais adiante, estabelece a invocação de todo o povo de Deus para o sacerdócio, ao declarar que todos os cristãos estão sendo fortalecidos em um “santo sacerdócio” e um “sacerdócio real”.

Essas passagens indicam, claramente, que os escritores do Novo Testamento não ligaram a palavra “sacerdote” ao seu significado no Antigo Testamento. Pelo contrário, eles colocaram o significado que era a intenção original de Deus para Israel. Assim, no Novo Testamento, todo o povo de Deus é sacerdote e não há uma classe especial de clero que possuem um acesso a Deus que não é desfrutada pelos fiéis “comuns”. Já que o propósito desse capítulo é explorar os termos para clero no Novo Testamento, não mais exploraremos o uso do termo “sacerdote”, que foi usado para nomear os leigos no Novo Testamento. Nitidamente, não há papel sacerdotal para o clero no Novo Testamento e a palavra não deve ser usada para conduzir a função do clero que celebra uma cerimônia religiosa na Igreja Cristã:

Mas o sacerdócio popular, ou o sacerdócio de fiéis, é peculiar ao cristianismo, enquanto o ofício pastoral é uma instituição única de Cristo. Não existe em nenhum outro sistema religioso.

Além disso, se a igreja do Novo Testamento estava tentando estabelecer um sacerdócio, o mais lógico é que os sacerdotes judeus, que se converteram a nova fé, fossem escolhidos para o cargo. Apesar de o Novo Testamento indicar que tais sacerdotes se tornaram parte da igreja primitiva, não há nenhum sinal de que eles continuaram no papel de sacerdotes, uma vez que

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se tornaram cristãos. Pelo contrário, a posição deles era a mesma de todos os cristãos; eles entraram no sacerdócio de todos os fiéis:

No judaísmo, assim como no paganismo, existem os sacerdotes. No Novo Testamento o sacerdócio pertence somente a Jesus Cristo. É verdade que toda a Igreja compartilha dessa opinião, mas não se aplica a um indivíduo ou grupo que os distinguiria de outros membros da igreja, não sacerdotais.

Ainda assim, o apóstolo Paulo parece indicar que há um serviço sacerdotal de sacrifício que acontece na igreja do Novo Testamento. Em Romanos 12:1, Paulo aconselha os romanos a oferecer seus corpos a Deus como sacrifício vivo e então prossegue no restante do capítulo em uma discussão sobre os dons espirituais. Nos escritos de Paulo existe uma ênfase no ministério como serviço sacerdotal. Paulo considerou a recepção do evangelho pelos gentios como sua oferenda a Deus. Mas seu serviço sacerdotal nesse incidente não é diferente daquilo que já havia aconselhado todos os cristãos a fazer. Assim o ministério sacerdotal está ligado ao propósito da missão evangelística da igreja primitiva. A função do clero nos termos sacerdotais não seria fazer algo pelos fiéis, mas sim alcançar os não-cristãos, trazendo-os a Cristo e oferecê-los como sacrifício a Deus. Tais atos não são exclusivos ao trabalho do clero, mas de todos os cristãos.

Paulo utilizou imagens sacerdotais e de sacrifício para descrever o serviço de cada cristão a Deus. Todos os fiéis agem como sacerdotes assim como são responsáveis por apresentarem-se como sacrifícios vivos a Deus. Eles fazem essa oferta como resposta as diversas misericórdias de Deus conhecidas nos evangelhos (Rom. 12:1).

APÓSTOLOS

O termo mais comum para a liderança da igreja na igreja primitiva é “apóstolo”. É usada mais que qualquer outro termo para denotar aqueles que estão exercendo autoridade sobre outros fiéis no Novo Testamento. Como tal, é o termo mais comumente usado para denotar o clero na era o Novo Testamento. Outras palavras também denotam a função do clero, mas “apóstolo,” é definitivamente a favorita. Assim, a missão dos apóstolos era a mesma que dos outros fiéis: compartilhar as boas novas de Jesus ao mundo perdido. Ser um apóstolo não mudava o foco ministerial daquele de todos os fiéis.

Muito desacordo e discussão podem ser encontrados relacionados ao uso desse termo. Alguns sentem que ele deveria ser usado apenas para designar os doze discípulos que Jesus escolheu. Outros acham que inclui mais do que os doze originais. Alguns acreditam que o termo e sua função acabaram com a era do Novo Testamento, enquanto outros vêem como um contínuo ministério na igreja:

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Somos compelidos pela complicada quantidade de tentativas de soluções para a conclusão de que a penumbra que existe sobre o início do apostolado da igreja cristã primitiva não pode mais ser iluminada com certeza.

Consideramos que o aprendizado do NT não leva suficientemente em conta o significado do verbo apostello como o ponto de partida para uma solução.

Vamos considerar uma breve compreensão dessa palavra como base para o entendimento do papel do clero na era do Novo Testamento. O significado básico de απoστoλoς é “aquele enviado em uma missão”. O uso desse termo, para denotar os líderes que Cristo escolheu para formar, organizar e liderar a jovem igreja, indica a base missionária da nova organização que Cristo estava estabelecendo. A Grande Comissão começou com palavra “vão”; agora, os líderes do grupo que iria cumprir a Grande Comissão são chamados de “os enviados”. Inerente ao nome que Cristo deu a liderança do Novo Testamento é sua função missionária.

Se Jesus quisesse transportar a continuidade da função do clero do Antigo Testamento para a unidade familiar de fé, Ele teria escolhido a palavra “sacerdote”. Ainda assim, Jesus escolheu “apóstolo”, porque os líderes do Novo Testamento deveriam existir por um propósito missionário. Eles foram enviados ao mundo para compartilhar as alegres notícias de Cristo. Inerente a esse primeiro termo clerical está uma forte inclinação missionária. John Knox observou que os apóstolos eram, basicamente, evangelistas itinerantes.

Algumas autoridades creditaram à palavra judaica salîah a origem do termo “apóstolo”. Ele foi aquele que foi enviado por alguém em autoridade para representar essa pessoa àqueles para quem foi enviado. Era um termo legal, mas poderia ser usado no sentido religioso. É possível que a igreja do Novo Testamento tenha tomado emprestado o apostolado desse conceito. Assim como o ministério de Jesus era uma extensão do Pai, também aqueles que Ele enviou eram uma extensão de Seu ministério. Até mesmo a Grande Comissão foi, possivelmente, dada num cenário em que o homem judeu pudesse comissionar seu salîah:

Vale recordar que a comissão de Jesus aos Doze para a missão galileana envolveu uma representação similar; eles foram enviados como mensageiros de Jesus, mas eram, ao mesmo tempo, representantes do Deus que enviou a Jesus. Assim, Jesus poderia dizer a eles: "Quem recebe vocês, recebe a mim; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou (Mateus 10:40).

É nesse sentido que Cristo deu autoridade aos Seus apóstolos. Já que foram comissionados para representá-lO, eles o fazem com a mesma autoridade que Ele possuía, que veio do Pai. Essa não era uma autoridade ilimitada, mas uma autoridade delegada. Eles apenas tinham essa autoridade ao seguir a Jesus. Assim, nos séculos que se passaram, essa autoridade se tornou ilimitada e formou a base da separação do clero e do leigo, provendo, eventualmente, o fundamento para o poder, que o clero exercia sobre o laico. Até mesmo a doutrina da sucessão apostólica pode ser traçada a uma distorção desse processo.

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Quando período do Novo Testamento se desenvolveu e a igreja cresceu, o número de apóstolos também aumentou. Alguns sugeriram que o termo “apóstolo” iria terminar com a morte dos doze originais. Porém, outros, além dos Doze, foram chamados de apóstolos. Além disso, “apóstolo” era um dos dons espirituais que o Espírito Santo implantou na igreja cristã.

E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo (Efésios 4:11-13).

Se o dom de apóstolo fosse limitado à era Novo Testamento, assim também seria com o dom de profetas, evangelistas, pastores e professores. O texto acima declara enfaticamente que todos os dons espirituais devem existir até que a igreja conquiste total unidade e maturidade; uma condição que ela não alcançará neste lado da eternidade.

A visão que busca limitar os apóstolos ao primeiro século talvez esteja operando em uma má-compreensão da função do clero na igreja primitiva. Isso também pode contar com mau uso da função do clero na igreja atual. Uma vez que alguém elimina a função missionária da igreja como seu principal motivo de existência, então a função de apóstolo se torna desnecessária. Se o ministério de cristão é principalmente para os “santos”, então por que seriam necessários os “apóstolos” como “aqueles que foram enviados”? Entretanto, se a função missionária de liderança é primária, então os “apóstolos” são necessários.

Inerente à comissão da liderança, assim como foi dada por Cristo, é a função missionária. Aqueles chamados ao clero são chamados à missão. Os que serviram como apóstolos na igreja primitiva não era os cuidadores primários dos féis. Os fiéis primitivos tentaram fechar esse trabalho nos primeiros apóstolos, mas eles rapidamente removeram essa descrição de seu trabalho.

Eles declaram a resolução de reter o ministério que é oficialmente deles, e comprometem aos outros um ministério que eles desejam ser substituídos.

Os Doze tinham um lugar de importância na vida da igreja primitiva. Eles eram os que decidiam sobre as doutrinas, que julgavam as pessoas, os objetos de todos os ataques à igreja. Isso indicaria que a igreja primitiva possuía um clero que realizava funções diferentes das do sacerdócio do Antigo Testamento:

Nada pode ser mais claro que o fato que... os apóstolos de Jesus Cristo...ocuparam uma posição de governo, de autoridade, de supervisão, de risco.

Todavia, os Atos dos Apóstolos provam que a distinção que existia entre apóstolos e adeptos antes da Ressurreição, continuou depois dela; não foi

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eliminado pelo Pentecostes, mas sim aprofundado, e aceito por Igrejas que eram plantadas por ação independente, e em lugares que eram muito distantes.

Assim, a função dos apóstolos era claramente uma liderança superintendente para a função de missão da igreja. Todas as igrejas cristãs reconheceram sua autoridade e preeminência. Eles foram reconhecidos como “apóstolos que eram de Jerusalém” (Atos 8:14). Esse relato indicaria que haveria outros que eram apóstolos, mas que não eram de Jerusalém, como eram os Doze.

A presença de outros apóstolos sugere que dois grupos de apóstolos operavam na igreja primitiva. Os primeiros Doze ocupavam a liderança administrativa de toda a igreja. Além disso, outros foram chamados de apóstolos, mas não faziam parte dos Doze e não pareciam ter a autoridade universal deles. Pode parecer que a diferença entre os dois tipos de apóstolos não era a autoridade, mas o controle. Os Doze estavam acima de toda a igreja, enquanto que os outros apóstolos exerciam autoridade sobre uma área mais limitada.

Paulo alerta sobre os “falsos apóstolos” e João recomenda a igreja que julgue pessoas que diziam ser apóstolos para descobrirem se mentirosos. Se o número de apóstolos era limitado aos doze, não haveria a necessidade de alertar sobre falsos apóstolos ou julgar a declaração dos falsos apóstolos, já que todos saberiam que existiam apenas doze e eles seriam facilmente identificados. A existência de uma grande quantidade de apóstolos, além dos doze, seria a única razão para haver um alerta contra os falsos apóstolos. Também, tal alerta seria desnecessário se os apóstolos fossem limitados a igreja primitiva.

O Novo Testamento reconhece e chama muitos outros pelo nome de apóstolos; o mais importante deles era Paulo, que se intitula apóstolo. Evidentemente, há aqueles que questionam o apostolado de Paulo. Ainda assim, Paulo nunca disse que era um dos Doze. Mesmo não sendo um deles, ele não era inferior: “Eu devia ser recomendado por vocês, pois em nada sou inferior aos "super-apóstolos", embora eu nada seja (2 Cor. 12:11). Esse fascinante texto concede crédito à teoria dos dois tipos de apóstolos. Os “super-apóstolos” é uma referência óbvia aos Doze. Aqueles que não são os “super-apóstolos” seriam o segundo grupo, cuja autoridade e jurisdição parecem ser mais limitada. Outros que são chamados de apóstolos no Novo Testamento são Barnabé, Ândronico e Júnias.

Uma das mais interessantes nomeações de apóstolos é a de Gálatas 1:19, em que Tiago, irmão de Jesus, é classificado como apóstolo. A passagem parece indicar que Tiago era um dos doze que estavam em Jerusalém. Ainda assim, Tiago, irmão de Jesus, não é um dos Doze originais. Evidentemente, o Doze foi adicionado ao número original, o que pode indicar que nada tem de sagrado ou limitado pelo número doze.

Um dos antigos livros não-canônicos, o Dediche (90 – 110 D.C.), menciona os apóstolos operando na igreja. Já que o Didache foi escrito depois da morte da maioria dos Doze originais, indicaria que o ofício de apóstolo continuou na igreja primitiva mesmo depois do primeiro século. Esses apóstolos não moravam mais em Jerusalém, ao contrário, eles passavam de igreja em igreja, indicando a continuidade da presença de um clero itinerante ao final do primeiro século.

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A evidência do Novo Testamento também parece apontar para o fato de que os apóstolos eram pagos. Paulo faz uma eloqüente defesa do direito dos apóstolos serem pagos por seu trabalho, fazendo até uma comparação com os sacerdotes do Antigo Testamento. Essa passagem apóia o pagamento ao clero que já estava trabalhando no primeiro século. O fato dos apóstolos serem pagos por seu trabalho indicaria que eles eram considerados como clero pela igreja primitiva.

Dessa discussão podemos extrair as seguintes conclusões, considerando a era dos apóstolos do Novo Testamento:

1. Os apóstolos eram especiais e únicos e tinham uma posição de autoridade com a jurisdição universal na igreja primitiva.

2. O apostolado não estava limitado aos Doze; outros apóstolos também tinham funções na igreja, mas não possuíam a jurisdição universal.

3. Os apóstolos eram o clero da igreja primitiva. Eles recebiam salário por seu trabalho, embora Paulo tenha recusado pagamento por muitas vezes.

4. A descrição do trabalho dos apóstolos incluía preservar a pura doutrina, decisões sobre controvérsias doutrinárias e proclamar a Cristo. Era deles a função de liderança que incluía supervisionar a expansão missionária da igreja primitiva.

5. Os apóstolos não eram os principais cuidadores da igreja primitiva.

6. Os apóstolos, assim como os pastores, evangelistas e professores deveriam equipar os fiéis para o seu ministério.

Se fôssemos usar uma terminologia moderna para o papel do apóstolo na igreja adventista atual, o apóstolo seria o líder da Associação Geral, que opera no mesmo sentido dos doze apóstolos originais. Outros que caberiam no papel, que os apóstolos fizeram na igreja primitiva, seriam aqueles que trabalham na presidência das associações locais, etc. A jurisdição deles não era tão ampla quanto a liderança da Associação Geral, mas ainda assim ocupam uma função apostólica similar a de Paulo, Barnabé, Júnias e outros na igreja primitiva.

Até aqui, vimos os apóstolos como o equivalente ao clero de hoje que servem em funções de líderes superintendentes. Há evidências de outras funções de clero na igreja local, além dos apóstolos, que seja mais parecido com a função pastoral na igreja de hoje? Ao continuarmos nossa busca de termo do Novo Testamento para o clero, devemos procurar descobrir se o clero ocupava uma função na igreja local e, se assim for, qual era a descrição desse trabalho na igreja primitiva.

PRESBÍTERO/BISPO

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Os termos bíblicos para “presbítero” e “bispo” estão intimamente ligados e muitos estudiosos fazem pouca distinção entre eles. As duas palavras em grego, πρεσβυτρος e επισκοπος, são traduzidas como “presbítero”. Esses termos marcam pré-datam a chegada dos hebreus à palestina e são usados quando Jetro fez com que Moisés escolhesse setenta presbíteros. Por toda a era do Antigo Testamento as palavras são usadas principalmente como “guardião”. Eles se referiam àqueles que estavam no controle das comunidades locais dos israelitas. Eles não eram sacerdotes e, portanto, não eram clero, e serviam em uma função mais secular, embora fosse difícil separar os dois em Israel. Presbíteros eram escolhidos para cada cidade que Israel residia. Eles se tornaram juízes de disputas em Israel. Consequentemente, o ofício se formalizou e ficou mais poderoso, tanto que poderiam escolher a futura liderança de Israel. Depois do cativeiro, o ofício de presbítero foi restabelecido, e os presbíteros voltaram a exercer a função de administradores.

No período intertestamento, um novo desenvolvimento ocorreu no conselho de setenta/setenta e um presbíteros. Durante esse período, o termo “presbíteros” parece ter adquirido uma referência principalmente aos membros leigos do conselho do que aqueles do lado de sacerdócio. É nesse ambiente que a igreja primitiva começa a utilizar a palavra “presbítero”. Simultaneamente com as origens cristãs está o duplo uso da palavra para se referir tanto ao presbítero leigo quanto ao profissional. Possivelmente, os primeiros fiéis usaram a palavra, como prática corrente, para se referir ao presbítero leigo e do clero, em cada caso havia os presbíteros leigos pagos e não pagos da igreja. Ao leitor moderno isso poderia gerar confusão.

Depois de 70 D.C. a sociedade judaica limita a palavra “presbíteros” aos teólogos e aos presidentes de sinagogas, ligando, assim, a palavra a uma conotação mais eclesiástica. Porém, isso foi depois do desenvolvimento do cristianismo, embora, depois do primeiro século o cristianismo poderia ser influenciado por essa tendência. Seja o que mais tenham feito, os presbíteros de Israel não eram cuidadores como função primordial. A função deles era de liderança na comunidade local. A igreja do Novo Testamento escolhia presbíteros para igrejas com recém batizados no contexto do Antigo Testamento.

O Novo Testamento usa duas palavras quase sinônimas para se referir aos presbíteros. A palavra principal é πρεσβυτρος (usada sessenta e cinco vezes) e a palavra secundária é επισκοπος. A palavra principal é usada para se referir aos líderes das igrejas locais. Paulo adverte a igreja para que escolha presbíteros para cada igreja que se forme. Já que eram formadas pela colheita, sugere esses presbíteros deveriam ser leigos e não do clero. Mais de um presbítero deveria ser escolhido em cada igreja, o que dá credibilidade ao fato de serem presbíteros leigos. Que igreja poderia pagar vários presbíteros, se as igrejas primitivas eram em casas, com no máximo trinta membros. A descrição do trabalho desses presbíteros locais foi definido, com clareza, por Pedro:

Portanto, apelo para os presbíteros que há entre vocês, e o faço na qualidade de presbítero como eles e testemunha dos sofrimentos de Cristo, como alguém que participará da glória a ser revelada: pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como

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Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho. Quando se manifestar o Supremo Pastor, vocês receberão a imperecível coroa da glória (1 Pedro 5:1-4).

Os presbíteros leigos locais tinham a responsabilidade de ver se a igreja era bem pastoreada, porém nada é dito sobre os presbíteros terem que fazer todo o trabalho de pastor. O trabalho deles parecia ser o supervisionar o processo, e não o de ser o principal cuidador. A passagem indica que era um trabalho voluntário, que não era feito por “ganância”. Então, eram posições sem ganhos financeiros. Até aqui, o cuidado do rebanho não era feito por apenas uma pessoa, mas por todos os presbíteros. Pedro é enfático ao dizer que o pastoreio que ele incumbiu que fizessem era para ser uma prática de “cuidar”. Mesmo se alguns queiram usar esse texto para se referir aos pastores de hoje, ele não garante que a descrição de um cuidador principal.

O uso do termo “presbítero” se torna ainda mais confuso quando vemos que também é usado para se referir aos apóstolos. Se Pedro e João eram πρεσβυτρος e απoστoλoς, então, é possível que o termo tenha múltiplos significados no uso do Novo Testamento. Paulo sugere isso ao escrever para Timóteo:

Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino, pois a Escritura diz: "NÃO AMORDACE O BOI ENQUANTO ESTÁ DEBULHANDO O CEREAL" e "o trabalhador merece o seu salário" Não aceite acusação contra um presbítero, se não for apoiada por duas ou três testemunhas. (1 Tim. 5:17-19).

Esses presbíteros tinham uma função de liderança e poder e não aquela de cuidadores principais das igrejas locais. Em contraste aos presbíteros de Pedro, esses são pagos. Eles também pregam e ensinam. Assim parece que tais presbíteros eram clero pago, e os presbíteros de Pedro eram obreiros leigos e voluntários.

Esses presbíteros realizavam a função de pregar e ensinar. Não está claro se a pregação e o ensino eram realizados na congregação local, ou se referem aos presbíteros que pregavam e ensinavam, como Paulo, na formação de novas congregações. A estrutura organizacional das pequenas igrejas/casas primitivas poderiam sugerir que esse ensinamento e pregação estaria se referindo aos pregadores itinerantes da igreja primitiva, que eram, principalmente, plantadores de igrejas. Esses presbíteros, provavelmente, lembram a atual função pastoral, mais próxima que qualquer outra posição do Novo Testamento, mas mesmo assim, eles não são os principais cuidadores das congregações locais.

A palavra πρεσβυτρος nos leva à conclusão de que havia dois grupos de presbíteros trabalhando na igreja primitiva. Primeiro, havia os presbíteros assalariados, que pregavam e ensinavam e formavam novas congregações, e talvez estivessem encarregados de certas grandes áreas geográficas, entretanto, há pouca evidência para apoiá-lo posteriormente. É fácil tentar encontrar nossa moderna função pastoral aqui no Novo Testamento, mas a evidência, de

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que isso deveria ser feito, não está clara. Depois, havia o grupo de presbíteros locais que eram escolhidos por cada igreja local, similar, pelo menos no título, ao trabalho dos anciãos locais na igreja Adventista moderna. Esses não são pagos por seu trabalho, mas seu trabalho principal parece ser a supervisão do cuidado do rebanho que lhes foi confiado.

Não é fácil decidir o que era exatamente o ministério dos presbíteros. De acordo com Timóteo 5:17 eles são guardiães, deles, apenas alguns são confiados com a pregação e o ensinamento.

Já que o Novo Testamento não é claro e as evidências são esparsas, seria inapropriado montar uma descrição do trabalho do clero sobre as igrejas como principais cuidadores baseando-se nas limitadas evidências. Não são exatas as evidências de que o clero estava localizado nas igrejas durante o primeiro século. A igreja adventista moderna também usa o termo “presbítero” (ancião), tanto para os presbíteros do clero, quanto para os obreiros leigos, não seria de se surpreender se a igreja do Novo Testamento também o fizesse. Isso não significa que devemos ler o equivalente moderno no texto original, mas aponta para a possibilidade de dois grupos na igreja usando o mesmo título ao mesmo tempo. Se pode acontecer atualmente, também poderia ter acontecido no primeiro século.

A outra palavra do Novo Testamento traduzida na igreja como “presbítero”, επισκοπος, também é traduzida como “bispo”. Seu uso original no grego faz referência àquele que zela pelas pessoas. Depois, foi usado por aqueles enviados aos estados subjugados para conduzir assuntos de estado; por conseqüência, o ofício se tornou de finanças. O termo é usado no sentido religioso na comunidade de Qumran para descrever o fiscalizador da comunidade. É nesse sentido que o Novo Testamento parece pegar a palavra emprestada e utiliza para se referir aos guardião/guardiães. Aquele que foi chamado para ser bispo deve fiscalizar o grupo. É nesse sentido que o bispo é o “guardião” do rebanho: “Pois vocês eram como ovelhas desgarradas, mas agora se converteram ao Pastor e Bispo de suas almas.” (1 Pedro 2:25).

Aqui, “pastor” e “guardião” (bispo) são combinados e referem-se a Jesus como o guardião primordial ou o bispo de nossas almas. Todos os que servem no ofício de bispos estão submetidos ao bispo chefe. Eles são guardiães do rebanho, não principais cuidadores. Seu trabalho era proteger a igreja dos erros e dos lobos que poderiam destruí-la. Evidentemente, o trabalho de guardião, na compreensão bíblica, está mais na linha de proteção da igreja das forças exteriores que poderiam destruí-la, do que prover o cuidado primordial ao rebanho.

A palavra “bispo” é frugalmente usada no Novo Testamento, às vezes usada alternadamente com “presbíteros”. Paulo avisa Tito para escolher presbíteros (πρεσβυτρος) em cada igreja. Então, ele prossegue dando os requisitos daqueles que forem escolhidos para serem presbíteros, mas ele os chama de “επισκοπος”. Parece que επισκοπος é principalmente ao dar qualificações daqueles chamados para o ofício. Isso revela que a igreja local nesse momento já tinha uma função de presbítero claramente definida, já que havia qualificações para aqueles que serviam.

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Na lista de qualificações para esse cargo, podemos ter alguma ideia do que é esperado para daqueles que são chamados para essa função. A maior parte das qualificações lida com habilidade de liderança e fidelidade ao evangelho. Elas seriam de grande auxílio na função de guardião, na qual o presbítero protegeria a igreja da heresia. Apenas uma qualificação citada poderia se aplicar àquele que é cuidador, a hospitalidade. Ainda assim, a hospitalidade deve existir em todos os líderes, então nem a lista de qualificações ordena que o ofício de presbítero seja o de cuidador. Além disso, não sabemos se essas qualificações se aplicam ao presbítero da igreja local ou aos presbíteros do clero, ou ambos.

Em nossa análise de ambos os testamentos, os usos de “presbítero” não revelam nenhuma indício de que o trabalho de presbítero consista em ser o cuidador primordial da igreja. Ao invés disso, ao presbítero era dada a responsabilidade de cuidar ou proteger a comunidade local. O período inter-testamento testemunhou a palavra assumindo uma conotação mais laica que de clero.

Evidências do Novo Testamento revelam que o ofício de presbítero logo assumiria um papel mais significativo na igreja primitiva. Também descobrimos que a palavra poderia ser usada de duas maneiras: para referir-se aos presbíteros do clero que eram assalariados, e os presbíteros leigos locais que não recebiam salário. Timóteo e Tito devem ter sido presbíteros assalariados que exerciam mais autoridade sobre as congregações locais que os presbíteros locais, mas que evidentemente viajavam com muita frequência. Aparentemente, não ficavam em um único local como o pastor moderno. Na epístola de Pedro, assim como nas últimas epístolas pastorais escritas próximo do fim da vida de Paulo, a função de presbítero estava se tornando mais definida, mas mesmo nessa época esses presbíteros eram itinerantes, e não de pastores fixos.

Na verdade, parece haver algo como circuitos distribuídos aos presbíteros individuais. Mas o título honorário de rei e sacerdote é dado, não a indivíduos como esses, mas à igreja como um todo, ao qual o sacerdócio não é um ministério de reconciliação, mas de louvor e pregação (2.9). Portanto, aqui também, não há distinção entre clero e leigo.

Porém, em todos os casos, não há indício não descrição de trabalho, seja de presbítero local, seja de clero, que inclua ser o cuidador principal da igreja local. Se esses presbíteros são o correspondente do pastor moderno, então ele está operando sob uma descrição diferente dos antigos presbíteros, que tinham a função de guardar e não ser o cuidador principal. Na verdade, a principal descrição da função dos presbíteros pagos era pregar e ensinar. Seria fácil concluir que o pregar e ensinar eram direcionados aos santos, pois é assim que é feito nos dias de hoje, porém na orientação missionária e cultural da igreja primitiva, eles estavam direcionados mais provavelmente às pessoas não alcançadas do que aos membros da igreja. Não há evidência no Novo Testamento de um pregador pago em uma congregação existente com regularidade.

Enquanto esses presbíteros tinham uma supervisão geral das congregações, eles também estavam envolvidos no estabelecimento de novas congregações e na extensão da igreja em

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novos territórios. Muitos, como Timóteo e Tito, ficaram por trás de Paulo, com seu dom de evangelismo, fizeram o trabalho inicial de plantar a igreja. Eles ajudavam a solidificar os novos conversos e organizá-los em uma igreja em atividade. No contexto da igreja primitiva, é comum que esses presbíteros realizassem uma função missionária ao invés de uma função de nutrir.

Volz sugere que alguém que nutria as novas congregações eram os profetas, entretanto, ele não oferece nenhuma prova bíblica para essa declaração. Pode parecer, pelas evidências aqui apresentadas, que isso era feito pelos presbíteros que pregavam e ensinavam, como Timóteo e Tito. A não ser que os consideremos profetas, eles são aqueles a quem Paulo confiou a tarefa de nutrir as novas congregações. Mas devemos lembrar que eles eram nutridos para ter auto-suficiência e não dependência. Inclusive Volz percebe que os profetas eram itinerantes e não os alimentadores permanentes das congregações locais, no período do Novo Testamento.

DIÁCONO/ MINISTRO

Já que a palavra διακουος é traduzida como diácono e ministro, está incluso como um termo clérigo, apesar de “diácono” ser mais reconhecido como um trabalho leigo. Porém, atualmente, “ministro”, às vezes, é usado como um termo clérigo, mesmo sendo a tradução da mesma palavra. Διακουος significa, “prover ajuda pessoal aos outros.” O uso no grego antigo referia-se àqueles que serviam as mesas; é um termo que denota ações amorosas aos irmãos e vizinhos. Na igreja primitiva eram aqueles que ficavam ao lado dos bispos e presbíteros como auxiliares. O cuidado às igrejas delegado aos diáconos como auxiliares dos presbíteros. Schweizer observa que a palavra é usada, no Novo Testamento, de uma conotação puramente secular:

Assim, o Novo Testamento escolhe de maneira uniforme uma palavra que é totalmente não-bíblica e irreligiosa e nunca inclui associação com uma posição ou dignitário em especial.

Esse é o primeiro termo que estudamos que possui referência direta com o ato de cuidar. Se uma palavra fosse escolhida para mostrar que o clero seria o principal cuidador na igreja, essa é a palavra que eles provavelmente teriam usado. Portanto, esse é um termo significante para o estudo. Incrivelmente, apenas duas passagens traduzem a palavra como “diácono” para indicar um ofício específico na igreja primitiva.

Ambos os textos indicam que o ofício de diácono era uma posição estabelecida na igreja primitiva. As qualificações para o serviço são dadas e o ofício era ligado ao do guardião como uma posição reconhecida na igreja. O termo διακουος é usado apenas para se referir ao ofício na igreja local; é um termo puramente local e não possui nenhuma característica de uma função do clérigo. Não indícios de que os diáconos eram pagos ou que sua jurisdição estava além dos limites da igreja local. Eles deveriam ser escolhidos para essa posição pela congregação local. Eles deveriam ocupar uma função muito importante na igreja local, mas esse parece ter sido uma função leiga.

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Διακουος também é traduzido como “servo” por cinco vezes. Duas dessas vezes se referem literalmente a servos; as outras três vezes descrevem a atitude dos discípulos deveriam ter em relação à liderança. Em outras palavras, todos que servem no trabalho de Cristo devem ter atitude de διακουος.

O maior entre vocês deverá ser servo. (Mateus 23:11). Assentando-se, Jesus chamou os Doze e disse: "Se alguém quiser ser o

primeiro, será o último, e servo de todos". (Marcos 9:35). Quem me serve precisa seguir-me; e, onde estou, o meu servo também

estará. Aquele que me serve, meu Pai o honrará. (João 12:26). Todos os que seguem a Cristo são chamados de διακουος. O ministro não deve pertencer apenas ao clero, mas ao contrário, deve pertencer a todo o povo de Deus, incluído o clero. Assim, todo o clérigo são ministros, mas nem todo ministro é clérigo. Todos que pertencem a Cristo são chamados para uma vida de serviço. Esse é o conceito de liderança em serviço, ao invés de um governo arbitrário, que deveria caracterizar todos os seguidores de Cristo.

Cinco outras passagens traduzem διακουος como “ministro”. O primeiro diz apenas que Jesus não é o ministro do pecado. O segundo se refere às autoridades civis ao ministrarem as pessoas, e as três últimas referem-se ao clero que ministra no contexto da vida como cristãos, não em uma função especial do clero. Esses textos iluminam o fato de que o clero também serve como ministros, não porque fazem parte do clérigo, mas acima de tudo porque são ministros chamados por Jesus para a salvação através da graça de Deus. O uso do termo διακουος no Novo Testamento indica que todos os cristãos são chamados para um ministério de serviço por serem cristãos. Não há indícios de que esse seja um termo clérigo. O único ofício que esse termo se refere é o ofício leigo. Ao serem chamados, como cristãos, para cuidar, não indícios de que inclusive os diáconos tenham a responsabilidade de principais cuidadores da igreja local. O cuidado sempre foi responsabilidade de toda a congregação.

Até mesmo a posição bíblica de diácono não deve ser vista como se desse um estado especial na posição de clérigo. Aos cristãos primitivos, ministrar era responsabilidade de todos e o cuidado não deveria ser delegado a um ofício com poder e prestígio:

A escolha dessa palavra, que inclui a ideia de uma atividade humilde, prova que a Igreja deseja denotar a atitude de uma pessoa que está a serviço de Deus e seus companheiros, e não uma posição de cuidado com seus direitos e poderes.

Outras duas palavras gregas são traduzidas como “ministros” no Novo Testamento: υπηρετης

e λειτουργος. O primeiro é usado apenas uma vez no Novo Testamento. Seu significado original era “um remador”. Disso, passou a significar “servo,” “ajudante,” “acompanhante.” Em seu único uso no Novo Testamento, Paulo usa a palavra para descrever sua experiência de conversão, como um chamado de Deus para ministrar e testemunhar. Esse é um chamado à conversão, não um chamado ao clero. Já que Deus o chama para ministrar e testemunhar, e o

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testemunho é reconhecido como um chamado a todos os cristãos, é razoável concluir que o chamado de Paulo ao ministério é igual ao chamado ao ministério que todos os cristãos experimentam. Assim, essa passagem não denota uma posição de ministro clérigo na igreja do Novo Testamento.

O significado de λειτουργος era “fazer trabalho público a custo próprio.” Tornou-se um conceito político, quase legal. O Septuaginto adotou a palavra do grego clássico e usou para os sacerdotes, cujo dever era liberar o serviço sacerdotal ou do templo. No Novo Testamento, a palavra foi usada cinco vezes como um substantivo. Não há indicação de que se refira exclusivamente ao clero. Em todas as instâncias pode se referir a ambas, ou quando se refere ao clero, o faz como se referisse a qualquer membro leigo. Se existe uma palavra que pode, facilmente, ser transformada pela igreja primitiva em uma palavra de clero cultuado, seria λειτουργος, por suas origens de culto. Ainda assim, esse uso não parece ter se originado na igreja primitiva.

λειτουργος é usado para descrever o ministério de Jesus no santuário celestial. O que Jesus

é, Seus seguidores podem se tornar. Assim, se Jesus é nosso λειτουργος no céu, Seus

discípulos poder ser λειτουργος nesse mundo. Até dos anjos também é dito como

λειτουργος. Paulo declara que Deus o chamou para ser um ministro (λειτουργος) aos gentios. Se tomada isoladamente, essa passagem poderia indicar que certos indivíduos seriam chamados ao serviço sagrado do sacerdócio, como o mais antigo λειτουργος. Mas, alguns versos depois, Paulo usa a mesma palavra para indicar que, agora, os gentios deveriam servir como λειτουργος. A única outra passagem, em que a palavra é usada, refere-se a Epafrodito como ajudante ou ministro de Paulo.

Disso tudo, concluímos que υπηρετης e λειτουργος são usados de maneira similar a

διακουος. Em todas essas instâncias, porém, essas palavras não mostram um ofício específico, exceto diácono, que é centrado na igreja. Parece descrever, primordialmente, a atividade dos membros do corpo. Todos os cristãos, seja clero ou leigo, devem ser ministros.

Todas essas palavras também são usadas como verbos. No Novo Testamento, não há nenhum caso em que a forma verbal seja usada para descrever o exclusivo trabalho clérigo do ministro. O clero deveria ministrar, não porque era clero, mas, primeiramente, porque eram cristãos, e ministrar é a prerrogativa de todos os cristãos. Também, ministrar era um dos dons espirituais de Paulo. Interessantemente, esse dom de ministrar não está na lista dos dons do povo de Efésios 4:11, mas sim aparece entre os dons dos romanos, dons que todos reconhecem estar disponíveis a todos os cristãos. Pedro declara: “Cada um exerça o dom que recebeu para servir os outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas formas” (1Pedro 4:10). Os cristãos devem ministrar uns aos outros através do uso de seus dons espirituais. Já que Pedro declara que todos os cristãos receberam um dom, o que vem a seguir é que todos os cristãos são, portanto, ministros.

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Essa compreensão de “ministro” do Novo Testamento é completamente diferente do Antigo Testamento. Lá, o termo é usado para referir-se àqueles que realizavam serviços sacerdotais no tabernáculo. Até a forma verbal é usada extensivamente no Antigo Testamento para referir-se ao trabalho dos sacerdotes. O Antigo Testamento usou o termo quase que exclusivamente para o clero.

Isso faz do uso do Novo Testamento para essa palavra ainda mais significante. A igreja primitiva estava tentando que o clero não mais deveria ser o único a fazer todo o ministério, mas que ele agora pertencia a todo o povo de Deus. Já que, no contexto do Novo Testamento, todas as pessoas são sacerdotes, a lógica é que todos seriam ministros também. As palavras de clero “sacerdote” e “ministro” do Antigo Testamento tornam-se palavras leigas para todas as pessoas no Novo Testamento. Referir-se ao clero como “ministros” é como chamar “sacerdotes” clérigos. Ambas são anátemas no Novo Testamento por causa do sacerdócio de todos os fiéis.

Em vista do grande número de termos disponíveis, a evidência da escolha das palavras é inequívoca. Antes de existir qualquer reflexão teológica, todas as testemunhas do Novo Testamento estão certas de um fato decisivo: sacerdócio oficial, que existe para conciliação e mediação entre Deus e a comunidade, é encontrado no judaísmo e no paganismo; mas desde que Jesus Cristo tornou-se o único em tal ofício – aquele de Jesus em Si mesmo. É compartilhado por toda a igreja, e nunca por um membro da igreja, diferente dos demais. Aqui, portanto, há, sem exceção, o sacerdócio comum, sem laico.

PASTOR

A última palavra que iremos examinar é ποιµην, traduzida como “pastor”. O uso vernáculo refere-se literalmente ao pastor de rebanho de ovelhas, mas também é usada na Grécia antiga como nome do líder, comandante ou governador, e até mesmo legislador.

Já que “pastor” é o título dado às pessoas que são colocadas nas igrejas de hoje, e já que a analogia do pastor que cuida das ovelhas é usada para justificar a função pastoral como a de principal cuidador, devemos examinar cuidadosamente o termo. No uso do grego antigo, o termo estava mais associado com “líder” do que com “cuidador,” apesar desse ser um significado possível.

No Antigo Testamento, ποιµην ou seus derivados são usados para chefes, como Moisés. Jeremias usa a palavra para representar generais. De acordo com Blunt, apenas os escritores pós-exílio fazem aplicação da palavra para homens em um ofício religioso. Ainda assim, Jeremias parece usar a palavra para pessoas em ofício religioso. Na verdade, todos os textos traduzidos como “pastor” na versão King James são do livro de Jeremias e se referem a homens em um ofício religioso. Jeremias até castiga aqueles que ele afirma serem falsos pastores que levaram Israel a adorar Baal. O uso indica que pastores eram idênticos a

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sacerdotes, presbíteros ou até mesmo governadores de Israel. Claramente, essas são pessoas que foram escolhidas para supervisionar Israel. Entretanto, eles enganaram o povo de Israel e Deus, através de Jeremias, chama-os a prestar contas. Essas referências do Antigo Testamento para pastor, então, não tem haver com ser cuidador, mas sim a supervisão geral ou liderança que a pessoa deveria ter sobre a congregação.

A função de liderança do pastor é vista com clareza nas passagens traduzidas como “pastor” (de ovelhas). A maioria é messiânica. O Messias será o verdadeiro pastor de Israel, aquele que poderá realmente alimentar Israel. O Novo Testamento coloca a responsabilidade de alimentar o rebanho no clero, como principais cuidadores, ou a coloca nos ombros de todos os cristãos?

É muito significativo que todas as passagens do Novo Testamento traduzidas como “pastor” referem-se a Cristo, assim como a maioria das passagens do Antigo Testamento traduzidas como “pastor” são messiânicas. Cristo, sem dúvida, é o único que poder, verdadeiramente, pastorear a igreja. Ninguém mais, por si só, poderia prover o tipo de cuidado que Jesus dá a Suas ovelhas.

ποιµην é usado apenas uma outra vez em todo o Novo Testamento. Aqui está a única vez que ele é usado para outra pessoa que não seja divindade. Devemos ser cuidadosos para não construirmos uma doutrina pastoral inteira nesse texto das Escrituras:

E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. (Efésio 4:11-13)

A palavra pastor encontrada nesse texto refere-se a uma posição mantida pela igreja local, ou é uma referência geral as funções realizadas por pessoas, em muitas outras posições? A evidência textual parece indicar que “pastor” não está sozinho nesse texto, mas emparelhado com “mestre”. Assim, aquele que possui o dom de pastorear aqui, também possui o dom de ensinar. A construção grega sugere que Paulo está falando das duas fases de um ofício. Outros comentaristas reconhecem nessa passagem uma posição estabelecida na igreja do primeiro século.

Muitos comentaristas sugerem que o “pastor” de Efésios 4:11 trata-se de um pastor fixo em uma igreja, muito parecido com os pastores dos dias de hoje. Porém, esse autor deve discordar desses distintos comentaristas, pois não oferecem nenhuma prova de que pastor/mestre deve ser um líder fixo na igreja local. Se o pastor/mestre é o pastor fixo, então também devem ser os apóstolos, profetas e evangelistas, já que não há nenhuma evidência no texto que diferencie o pastor/mestre das três funções anteriores. O problema desses comentaristas é que eles tentam ler a visão moderna do pastor em textos antigos. Isso não é apenas má exegese, mas perpetua uma função não-bíblica ao pastor. Como Schwiezer observou, não há diferença entre a função de pastor e a de bispo.

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As evidências foram claramente apresentadas nesse capítulo de que a função de apóstolo não foi exercida em nenhuma igreja. Nem a função de profeta. Não sabemos sobre a função de evangelista, já que esse é o único texto que o menciona. Já que as duas funções conhecidas não são funções locais, é mais seguro afirmar que a função de pastor/mestre tinha prestígio similar da função de apóstolo. Se o texto diferenciasse entre os dois, ou se o Novo Testamento mencionasse a função de pastor/mestre em qualquer outro lugar, poderíamos, mais facilmente, concordar com esses comentaristas, mas não o faz. Outros comentaristas apóiam o escritor, nessa conclusão. Assim, devemos concluir que não compreendemos, em qualquer nível de certeza, quem eram os pastores/mestres mencionados nessa passagem, com exatidão.

A passagem, porém, dá-nos uma descrição do trabalho daqueles que servem nesses ofícios. Na verdade, essa é a única passagem, do Novo Testamento, que dá uma descrição do trabalho de uma função do clero. Essa descrição diz para “preparar os santos para a obra do ministério” (Ef. 4:12). Se o pastor/mestre fosse um pastor fixo, não é uma questão tão grande quanto a da descrição do trabalho. A função não seria aquela do principal cuidador, como o pastor moderno. As Escrituras são claras sobre quando o clero lida com igrejas, sua função é preparar os santos para o ministério. A função de treinamento/ preparação é dada aqui como a principal descrição do trabalho daquele que estão engajados como clero.

Nessa base, é seguro admitir que a função dos pastores na igreja primitiva, juntamente com os profetas, evangelistas e apóstolos, não era, principalmente, a realização do ministério, mas o treinamento de outras pessoas para que o ministério de toda a igreja possa ser aprimorado. As Escrituras sempre determinam que o cuidado com a igreja deve ser realizado por todas as pessoas de Deus, não pelo pastor apenas. O pastor provê o cuidado porque ele é parte do povo de Deus, mas essa não é a razão pela qual os pastores são contratados. Eles são contratados para treinar e preparar os santos para o ministério. É apenas dessa maneira que a igreja pode expandir.

CONCLUSÕES SOBRE O CLERO COMO PRINCIPAIS CUIDADORES DA IGREJA

Tendo examinado todos os possíveis termos clérigos no Novo Testamento, podemos traçar, com segurança, as seguintes conclusões:

1. Três dos termos – “diácono”, “ministro” e “sacerdote” – não se referem ao clero, mas a um trabalho leigo na igreja local, ou o sacerdócio de todos os fiéis, referindo-se assim a todos os cristãos.

2. O termo “pastor” é ambíguo, podendo referir-se a uma posição específica na igreja local, ou uma designação geral de liderança.

3. Apenas três palavras referem-se ao clero: αποστολς, πρεσβυτερος e επσκοπος. Desses, os dois últimos termos referem-se ao mesmo grupo básico, os presbíteros. Dois tipos de presbíteros/bispos parecem executar funções na igreja primitiva; um

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possui uma função leiga junto à igreja local e o outro é uma posição do clero, referindo-se àqueles que ensinavam e pregavam. Apóstolo é apenas usado para o clero.

Já que a igreja primitiva era organizada para uma função missionária, e não de nutrição, compreende-se que o clero na igreja primitiva servia em uma capacidade missionária, mesmo que seu trabalho seja supervisionar as igrejas. Essa função missionária era a razão primordial para a existência da igreja, e era uma responsabilidade sagrada do clero ter certeza de que a igreja não perdesse sua orientação missionária.

As evidências textuais parecem confirmar que os apóstolos eram os supervisores gerais da igreja, com jurisdição universal. Em adição aos Doze, outros apóstolos devem ter servido em jurisdições mais localizadas; a função deles era administrativa e evangelística. Sob esses apóstolos haviam outros clérigos, referidos como presbíteros que ensinavam e pregavam, e que mantinham contato com as igrejas locais ao pregar e levantar novas igrejas. Eles não eram presbíteros fixos, que tinham residência em um único lugar.

Do nosso estudo de palavras para clero, no Novo Testamento, a conclusão inevitável é que a igreja do Novo Testamento tinha um clero definido, mas o trabalho deles era diferente do trabalho principal do clero atual, especialmente na cultura ocidental. O clero do Novo Testamento evangelizava e administrava, mas não provia o cuidado primordial a nenhuma congregação em especial. Esse trabalho era designado aos líderes leigos.

Linhas de autoridade e poder não eram claramente desenhadas na era do Novo Testamento, exceto, talvez, através do ministério dos Doze. Nas igrejas locais da metade do primeiro século, parece não haver um sistema hierárquico de liderança. Não há ofício “leigo”, apenas um ofício de “sacerdote,” ao qual pertencem todos os membros da comunidade cristã.

A igreja do Novo Testamento não possuía um ministério, era o ministério. Todos os membros da comunidade participavam no único ministério da igreja. Era organizada em volta dos dons dos membros ao invés de uma hierarquia de autoridade e poder.

O Novo Testamento não tinha uma forma exclusiva ou terminologia para ministério. Algumas igrejas tinham bispos e diáconos, enquanto outras não. Umas tinham presbíteros, enquanto outros oficiais são chamados profetas, professores, pastores e evangelistas (Efésios 4:11). Paulo e Barnabé, que são chamados de apóstolos, foram comissionados por profetas e professores na Antioquia (Atos 13:1). Bispo parece ser sinônimo de presbítero (Tito 1:5-7) e as esses líderes foi acrescentado os que realizam milagres, os que têm o dom de curar, os que têm o dom de prestar ajuda, os que o dom de administrar e os que falam em diversas línguas (1 Cor. 12:28). O termo que compreende tudo e descreve todos os dons de liderança é o ministério (diakonia). Todos são “ministros de uma nova aliança” (2 Cor. 3:6), ou “ministros de Cristo” (2 Cor. 11:23), ou “ministros da igreja” (Col. 1:25).

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A correspondência, às vezes, é dirigida simplesmente a “igreja de Deus” (1 Cor. 1:2), ou aos santos” (Ef. 1:2), implicando que nenhum líder único seria reconhecido. A literatura do Novo Testamento no leva a acreditar que a igreja primitiva ainda não era altamente organizada ou estratificada em vários tipos de clero e leigo. Ao invés de ofícios, encontramos pessoas que possuíam dons ou tinham funções de serviço, as quais Paulo se refere como “diversidade de ministérios” (1 Cor. 12:5). Todos esses dons de serviços eram entendidos como dons dados pelo Espírito, que partilhava “individualmente, a cada um, como quer.” (1 Cor. 12:11).

Por seus recursos não serem colocados em responsabilidades de acalentar, a igreja primitiva podia devotar, continuamente, seu tempo, talento e tesouros para plantar novas igrejas e evangelizando os perdidos para Cristo. É precisamente porque a igreja atual teve que colocar todos os seus recursos para nutrir as congregações locais que não possui dinheiro ou pessoal disponível para estabelecer novas congregações e evangelizar efetivamente as comunidades. Talvez um retorno ao modelo de ministério clérigo do Novo Testamento capacitará a igreja de hoje para recapturar o sentido de sua missão dada por Deus para evangelizar o mundo para Jesus Cristo.

A evidência do Novo Testamento, predominantemente, revela que não há uma só pessoa que tenha sido contratada como principal cuidadora da igreja local. Cuidado pastoral nunca foi designado como função principal do clero. Todas as evidências do Novo Testamento indicam que o cuidado pastoral era responsabilidade de todo o povo de Deus. O clero irá realizar algum cuidado pastoral, pois é parte da comunidade de fé, mas não porque é clérigo. Esse conceito será mais desenvolvido no próximo capítulo.

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– Capítulo 5 –

UMA COMPREENSÃO DO CUIDADO AO MEMBRO NA ERA DO NOVO TESTAMENTO

A maioria das igrejas norte-americanas parecem mortas perto da vitalidade das igrejas do Novo Testamento. Reclamações sobejam sobre pastores que não visitam fielmente seus membros. As igrejas se tornaram muito dependentes dos pastores que se tornaram os principais cuidadores da igreja. Ainda assim, as igrejas do Novo Testamento não eram dependentes do clero para que sustentassem sua vida espiritual. Esse capítulo irá explorar o cuidado ao membro e a comunidade cristã na era do Novo Testamento, especialmente à luz do fato de que a maioria, para não dizer todas, as igrejas do Novo Testamento não possuíam uma pastor fixo provendo o cuidado.

A tese desse capítulo é que a comunidade bíblica seria melhor conquistada em um cenário de pequeno grupo. Mesmo que seja reconhecido que os pequenos grupos não são a panacéia para todas as enfermidades da igreja. Pequenos grupos não salvarão uma igreja moribunda ou rejuvenescerão uma igreja em declínio; apenas o Espírito Santo pode fazer isso. Ainda assim, pequenos grupos podem ser um importante veículo para facilitar o derramamento do Espírito Santo. Apenas a presença de Jesus pode transformar as pessoas, e Sua presença é manifestada através do Espírito Santo, que facilita o crescimento dos indivíduos e da missão da igreja, através das comunidades dos pequenos grupos.

O duro individualismo americano faz com que os americanos pensem que podem servir a Deus separados de qualquer ligação com a comunidade de fiéis. Um pesquisador afirma que quase oitenta por cento dos americanos acreditam que podem ser bons cristãos sem fazer parte de uma igreja. Tal pensamento, como descobriremos, é absolutamente estrangeiro ao pensamento dos cristãos do primeiro século.

Seria esse envolvimento em uma comunidade de crentes o que a maioria dos cristãos americanos precisa desesperadamente nos dias de hoje? Ao invés de uma opção para os cristãos, a tese desse capítulo é que seria impossível ser um cristão do Novo Testamento e não estar envolvido na comunidade. Cristãos isolados não são cristãos, mesmo que seus nomes estejam no livro das nossas igrejas. Comunidade não é obtida ao tornar-se membro, mas também não é obtida sem tornar-se membro. Comunidades cuidadosas onde pessoas verdadeiramente ministram uns aos outros são a base em que toda missão real pode acontecer nas igrejas adventistas ao findar do século vinte.

As igrejas adventistas modernas tornaram-se muito dependentes dos pastores que, em grande parte das igrejas, sem ele nenhum ministério é possível. Como resultado, os adventistas possuem um clero frustrado e esgotado, em que muitos excelentes pastores deixam seus

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postos a cada ano. Os desafios de pastorear, ao entrarmos no século vinte e um, não serão resolvidos se pedirmos para que os pastores tornem-se mais qualificado em mais áreas. Não precisamos adicionar mais nada a sua frustração; precisamos tirar sua frustração e libertá-los para o ministério que Deus os chamou para fazer. Carl George descreveu a necessidade da maioria das igrejas:

Mostre-me uma igreja grande e centralizada no pastor e eu lhe mostrarei uma equipe de clero cansada. Mostre-me uma igreja grande, dirigida por leigos, organizada de maneira simples onde o clero não está exausto por estar trabalhando demais, e eu lhe mostrarei uma igreja não irá parar de crescer, pois serão capazes de cuidar muito bem ao chamar Deus a uma nova vida através disso.

Os pequenos grupos são a resposta? Não, mas eles podem ser um dos meios que podem ser usados para revolucionar a igreja. O objetivo principal é criar uma comunidade que se preocupa, ao sair para compartilhar a Cristo com aqueles que não O conhecem. Uma das melhores maneiras de conseguir isso, esse autor acredita, é através do início de um ministério de pequenos grupos. O desenvolvimento dessa comunidade atenciosa, como base para o cumprimento da missão de Cristo, será explorado nesse capítulo através de um breve olhar à comunidade ideal do Antigo Testamento como visto na explicação da criação, e mais profundamente a comunidade do Novo Testamento.

O CENÁRIO DO ANTIGO TESTAMENTO PARA A COMUNIDADE BÍBLICA

Enquanto a estrutura em pequenos grupos parece ser um fenômeno moderno, a origem dos grupos como base, através da qual Deus trabalha, é a essência de Deus das primeiras revelações da Divindade nas Escrituras. Deus existiu antes da humanidade, e a unidade desse Deus era expressada na trindade. O Deus bíblico nunca nos é apresentado como uma unidade singular, mas uma pluralidade que é um. Não entendemos a unidade de Deus separada da pluralidade dessa unidade. Esse é o porque muitos escritores referem-se a Trindade como o primeiro pequeno grupo. Assim, a essência de Deus é a comunidade. No centro do coração de Deus está toda a ideia de comunidade. Ninguém pode compreender a Deus separado de Sua existência em comunidade. Deus não existe sozinho, assim também não poderia ser com Seu povo.

A primeira atividade do Deus de comunidade sobre o planeta Terra foi a criação, e em especial a criação do ser humano a Sua imagem, no sexto dia. O ser humano é criado a imagem do Deus Triuno. Portanto, a humanidade é chamada para viver em comunidade, assim como o Deus Triuno vive em perfeita comunidade. “Essa imagem não é de isolamento.” Os humanos não foram criados para viverem sozinhos; eles foram criados para viver em comunidade, uns com os outros e com Deus. A essência do pecado é a tentativa de viver separado da comunidade, isolado dos outros. Os seres humanos não estão completamente separados da confraternização com os outros.

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Os adventistas com frequência proclamam que Deus quer restaurar a humanidade a Sua imagem. Se for assim, então, no coração do Adventismo deve haver o desejo de restaurar as comunidades quebradas em comunidades que reflitam a imagem divina. Portanto, a igreja adventista deve estar a frente de qualquer movimento que busque restaurar as comunidades quebradas a imagem de Deus. Ainda assim, dentro do Adventismo há um forte espírito independente. Teria o Adventismo, que nasceu na América, aceitado o duro individualismo americano como evangelho? Será que os Adventistas, que tanto falam sobre a criação, falharam em ver o principal propósito de Deus, na criação de nossos primeiros pais, era que vivêssemos em comunidade uns com os outros e com Deus? Por que aqueles que estão na igreja rivalizam uns contra os outros para criar um sucesso próprio, ao invés do sucesso da comunidade? Como Julie Gorman observou:

A auto-suficiência e a independência pessoal que caracterizam nossa presente avaliação de sucesso é totalmente estranha à Divindade que existe na comunidade interdependente.

Se iremos refletir a imagem divina em nossa igreja, é fundamental que desenvolvamos uma igreja que tenha respeito pela comunidade, e disposição para viver sendo dependentes uns dos outros, assim como nossa comunidade está em dependência da Divindade. Devemos banir qualquer recompensa às conquistas individuais e apoiar a ideia de conquista em grupo. Deus quer que vivamos em interdependência e não em competição. Esse conceito de interdependência em comunidade está fundamentado no Deus Triuno e na criação que Ele fez a Sua imagem. Deus não cria sociedades de uma pessoa, Ele cria comunidades. O Deus que vive em grupo, cria grupo.

A ramificação prática de enxergar a Deus como o Criador da comunidade é ver nossa total necessidade de viver em comunidade com outros cristãos. É nesse sentido que é impossível ser um cristão e viver isoladamente. O fracasso em fazê-lo é viver separado da imagem de Deus e Seu propósito para a humanidade.

Ao pôr-do-sol daquela Primeira sexta-feira, Deus anunciou o início de Seu Sábado – o sétimo dia. Naquele momento, Deus separara o sétimo dia como sagrado repouso, um dia para que a humanidade passasse tempo com Ele e uns com os outros. Os adventistas têm passado muito tempo falando do “sétimo dia” do Sábado, e corretamente o fazem, mas, esperançosamente, no processo de enfatizar o dia, não nos esqueçamos do propósito desse dia.

Na agenda agitada dos dias modernos, temos a tendência de enfatizar o valor do descanso do sábado como uma folga do caos da vida moderna. Como resultado, temos falado muito sobre “descansar” no Sábado. Ainda assim, essa não foi a função original desse dia, nem deveria ser o principal foco nos dias de hoje. Adão e Eva não tinham necessidade de descanso. Eles nem tinham trabalhado ainda. O primeiro dia deles no planeta foi o sábado.

Ao dar o Sábado como um presente à humanidade, Deus refere-se a ele como “Meu Sábado”. Não é um sábado para celebrarmos o descanso da humanidade. É a celebração do descanso de Deus. A humanidade é convidada para entrar no descanso de Deus ao parar seus próprios

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trabalhos, assim como Deus fez com o Seu, no sétimo dia. Por que Deus convida a humanidade para entrar em Seu Sábado de descanso? Para que possam passar tempo desenvolvendo comunidade com Deus e uns com os outros. Adão e Eva precisavam conhecer melhor o Deus que os havia criado. Assim, Deus convidou-os para que passassem as primeiras vinte e quatro horas em comunidade com Ele.

Nosso Deus é um Deus de relacionamentos. Ele é um Deus de comunidade. É fundamental que os adventistas, que enfatizam o sábado, falem sobre a função do sábado, como um dia em que a humanidade e Deus entram em relacionamento um com o outro. Esse é o porquê da mensagem do sábado é tão necessária para os dias de hoje. Não é apenas que o ritmo caótico da sociedade atual que necessita de um dia de descanso, mas é que deve haver um dia especial para enfatizar a comunidade. No Sábado, Deus quer a humanidade saia de toda a comunidade quebrada que eles participam durante a semana, para que possam participar de comunidade que está sendo renovada através de um relacionamento com Deus. Muitas vezes, a tragédia humana acontece porque a comunidade não está sendo desenvolvida nas igrejas, no sábado. Muitas vezes, as pessoas “guardam” o sétimo dia, mas estão totalmente divorciados da construção de um relacionamento com Deus e com outros cristãos. Assim, guardar o sábado somente, não é guardar sábado nenhum, pois o propósito desse dia é desenvolver um relacionamento com Deus no cenário da comunidade com outros cristãos.

Como Karl Barth sugeriu, a comunidade nasceu do “Sexto Dia” da criação e foi chamado para a “comunidade sabática” de Deus no “sétimo dia”. O objetivo da criação, e ao mesmo tempo, o início de tudo que veio a seguir, é o acontecimento da liberdade do sábado de Deus, dia de descanso e de alegria, ao qual [humanidade] também foi intimada a participar.

O Deus de relacionamentos criou a humanidade não apenas para viver em comunidade uns com os outros, mas também com Ele. Além disso, Ele oferece um tempo especial, que foi separado no Éden, para que a raça humana deixe a destruição e devastação das comunidades de trabalho humano e entrar na alegria do descanso do sábado, tomando tempo para desenvolver um relacionamento vertical com Deus e um relacionamento horizontal com a humanidade. Apenas assim, a imagem divina poderá ser restaurada. De todos os cristãos, os adventistas deveriam estar pregando e mostrando os resultados de viver em comunidade no sétimo dia.

Tais comunidades não são desenvolvidas ao estarmos em um grande grupo na igreja, no sábado pela manhã, ouvindo o pregador expondo a palavra, enquanto os adoradores examinam a parte de trás das cabeças dos outros. Essa é a antítese da verdadeira comunidade. Tal compreensão de Deus e da humanidade em comunidade no sábado pode indicar que precisamos descobrir uma nova maneira de “fazer igreja”, que seja diferente do modelo sem participação, atualmente em uso. Sendo o culto do sábado pela manhã a principal atividade da maior parte dos adventistas hoje, pode significar criar um modelo inteiramente novo de igreja de sábado de manhã. O sábado deve ser usado com o propósito de construir um relacionamento com Deus em comunidade uns com os outros. Todas as atividades devem ser

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examinadas à luz dessa função. O apóstolo João afirma, sucintamente, que esse é o propósito básico para a igreja reunida: ter comunhão com Deus e com os outros. A Palavra é pregada, não para fortalecer a aprovação intelectual a certos dogmas, mas para que a comunidade (comunhão) possa ser restaurada, para Deus e para a humanidade. De acordo com João, essa é a essência da história da criação e da missão de Cristo. Não há como haver igreja se uma comunidade não é criada.

Tendo examinado o ideal de desenvolvimento de comunidade, inerente à criação, olharemos agora a tentativa de Deus de estabelecer uma comunidade em Israel, através das sugestões do sogro de Moisés, Jetro. Moisés tinha acabado de livrar o povo de Israel do Egito e levado-so até o Sinal, quando Jetro visitou o acampamento e levou Zípora para se encontrar com Moisés. Ele imediatamente percebeu que havia um problema grave com o estilo de liderança de seu genro. Moisés havia adotado o estilo de liderança pirâmide, com o qual havia crescido no Egito. Como resultado, Moisés estava exausto e não tinha tempo para sua família; e o povo não estava em comunidade uns com os outros, nem com Deus. Moisés passava todo o tempo decidindo disputas entre as pessoas. Ele estava agindo como muitos pastores, nos dias de hoje, que gasta todo o seu tempo ministrando às pessoas, cuidando delas e criando uma igreja totalmente dependente do pastor. Moisés havia criado a igreja moderna.

A sugestão de Jetro era muito simples, mas era a antítese da teoria de liderança de grupo, ensinada naqueles dias e atualmente. Jetro disse que Moisés deveria distribuir seu poder ao outorgar poder a seu povo. Ele deveria fazer isso de maneira que ninguém ficaria responsável por mais de dez pessoas ou famílias. Aconteceu que o poder foi reduzido ao tamanho do que hoje chamamos de “pequeno grupo”.

O resultado para Moisés era liberdade para lidar com problemas maiores. Ele foi resgatado do esgotamento, e deu liberdade ao povo, ao habilitá-los para que resolvessem seus próprios problemas. O modelo de Jetro é modelo de ministério muito bom para a igreja de hoje. Ao invés do pastor ser o principal cuidador da igreja, ele entrega essa função aos membros, que cuidam uns dos outros. Esse sistema de cuidado funciona muito melhor que qualquer pastor poderia fazer adequadamente.

O propósito dos pequenos grupos é distribuir o poder e o sacerdócio. Descentralização significa distribuir o sacerdócio. Nessa base, as igrejas precisam avaliar a estrutura de seus pequenos grupos. Eles concentram o poder ou distribuem-no? Pequenos grupos genuínos distribuem o poder ao invés de centralizá-lo no pastor ou em outra pessoa que estiver no controle. Líderes que distribuírem o sacerdócio terão mais tempo para suas famílias. Foram o estresse e as longas horas de trabalho que fizeram com que Moisés aceitasse o novo sistema de liderança. Talvez o alto estresse e as longas horas de trabalho, que muitos pastores enfrentam hoje, façam com que os pastores reavaliem como “fazem a igreja”, considerando a possibilidade de desenvolver um novo estilo de ministério, que distribua o sacerdócio. Quando fazem isso, os pastores habilitam seu povo a ministrar uns aos outros ao invés de serem dependentes do pastor para ser o realizador chefe do ministério na congregação.

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Um sistema que distribui o poder requer uma estrutura de apoio para seus líderes. Jetro nos deu tal sistema quando instruiu Moisés a criar líderes de dez, cinquenta, cem e mil. Um estilo circular de liderança operando em uma igreja, nos dias de hoje, dará uma base de apoio a todos os líderes. Quando os membros da igreja percebem que o poder não está centralizado em uma pessoa, eles terão mais desejo de ajudar uns aos outros na resolução de problemas. O “meu” problema se torna um problema da comunidade, ao reconhecermos que todos estamos juntos.

No modelo de Jetro, Moisés foi de ser aquele que julgava a todos, àquele que supervisionava o julgamento dos outros. Quando as igrejas adotam o modelo de liderança de Jetro, o pastor não será mais o chefe cuidador e aquele que toma todas as decisões na igreja. Ao contrário, a liderança será dividida entre as pessoas e todo o povo de Deus está habilitado para o ministério. A igreja deve se tornar um sacerdócio de todos os crentes.

O modelo de Jetro teve um efeito duradouro em Israel durante o período dos juízes, e depois teve implicações no estabelecimento das sinagogas judaicas, que poderiam ser estabelecidas com dez pessoas. Intrínseco ao chamado de Deus à nação de Israel está a ideia de difundir a liderança entre as pessoas. A apostasia de Israel aconteceu quando copiaram as nações ao redor deles e, contrariando o propósito divino, desenvolveram o ofício de rei para governá-los. Vemos a paciência de Deus ao permitir que Israel formasse um reinado, que era totalmente contrário ao seu desígnio. Às vezes, Deus permite que aprendamos da maneira difícil, ao cometermos erros que a liderança hierárquica cria.

O Antigo Testamento revelou a ideia de comunidade como sendo inerente na criação da humanidade e amplamente demonstrada na história de Israel. O plano de Deus para Seu povo é a comunidade e uma difusão do poder das mãos de umas poucas pessoas às mãos de várias. Ao examinarmos o Novo Testamento, observaremos Deus procurando estabelecer a igreja do Novo Testamento nesse fundamento de comunidade do Antigo Testamento, inerente à criação.

A COMUNIDADE NO MINISTÉRIO DE JESUS

Enquanto o Antigo Testamento apresenta uma teologia de comunidade intrínseca à Divindade, o Novo Testamento nos dá um melhor retrato de como a comunidade pode ser praticada na vida diária da igreja. Ao findar da era do Novo Testamento, novamente, a igreja como comunidade havia se perdido na busca pelo poder dos Fariseus e outros que estavam mais preocupados com o poder do que com o desenvolvimento de uma comunidade. Nesse cenário Jesus apareceu, e construiu um movimento baseado diretamente na comunidade e na liderança dividida com pessoas habilitadas.

Ao falar a grandes multidões, ocasionalmente, Jesus passava a maior parte de Seu tempo, e colocando Sua vida, com um pequeno grupo de doze pessoas. Mesmo assim, Jesus mudou o mundo para sempre. A maioria das igrejas de hoje concentra-se em dispensar seu sangue e

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vida com as multidões e então se perguntam por que não parecem causar tanto impacto no mundo ao seu redor. Talvez seja tempo de olhar à metodologia de Jesus à luz de Sua teologia de comunidade.

Sendo inicialmente organizada como um pequeno grupo, não deveria ser surpresa que os discípulos de Jesus estabelecessem uma igreja como pequeno grupo. Esse era o modelo que haviam herdado de Jesus, e que por eles foi seguido. Jesus revelou que a maneira de alcançar as massas era através dos pequenos grupos que estaríamos conhecendo a verdadeira comunidade. O grupo de doze era a organização de Jesus para levar adiante a Grande Comissão. Ele não deu esquemas elaborados, nem grandes diagramas organizacionais; Ele simplesmente organizou e treinou um pequeno grupo. E Ele mudou o mundo. Jesus não estava preocupado em organizar grandes instituições, mas preocupava-Se em construir pessoas. Construir relacionamentos era a essência do reinado que Jesus anunciou.

Por causa do envolvimento de Jesus com um pequeno grupo e o Seu exemplo de empregar a maior parte de seu tempo desenvolvendo esse grupo, é fundamental que as igrejas de hoje envolvam-se no ministério de pequeno grupo. Dessa maneira, eles padronizam o ministério depois de Jesus. É inimaginável que uma igreja construída no fundamento das Escrituras possa existir sem um ministério de pequeno grupo, sendo os pequenos grupos a essência do estilo ministerial de Jesus.

Jesus não apenas escolheu os Doze e capacitou-os para que pudessem, individualmente, realizar o ministério. A maior parte de Seu tempo era gasto em tentativas de criar comunidade entre eles. No início, eles não confiavam uns nos outros. Não estavam abertos e vulneráveis na relação mútua, mas julgavam uns aos outros. Jesus teria que mudar tudo isso se eles fossem representar a nova comunidade que Ele estava criando – o novo Israel. Para enfatizar a comunidade que desejava criar, Jesus usou palavras de família para descrever o relacionamento que deveriam ter. Eles deveriam chamar uns aos outros de “irmão” e “irmã”. Uma das afirmações de Jesus que foram mais mal-compreendidas foi sua redefinição de família.

A nova comunidade de Jesus transcendeu a família natural. Pessoas que são levadas a Ele, devem tornar-se parte de Sua família. O fato de Jesus ter usado termos de família para descrever o relacionamento que os crentes deveriam ter uns com os outros e com Ele é uma indicação de que os relacionamentos são o coração dessas novas comunidades. Jesus tentou estabelecer uma nova comunidade – o Éden restaurado – onde os relacionamentos eram mais importantes do que a estrutura hierárquica. Assim, para salvar a humanidade, Deus cria a comunidade. Os laços que devem existir na comunidade cristã devem ser os mesmos laços que existem nas famílias naturais.

Nas muitas ocasiões em que Jesus aconselhou seus discípulos originais, Ele se referiu a eles como Seus servos, dessa maneira indicando que eles deveriam continuar Seu ministério nos padrões que Ele havia ensinado. Como Kruse disse: “Eles devem estar preparados para ser servos de homens/ uns dos outros.” Jesus não modelou um ministério que tenha o controle sobre as pessoas; pelo contrário, Ele ensinou um ministério de unicidade, em que os

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seguidores ministravam uns aos outros sem exercitar o mínimo de poder ou controle. Sendo Jesus o criador do cristianismo, pareceria lógico que o plano do cuidado ao membro fosse modelado de acordo com Aquele que demonstrou o estabelecimento da comunidade como o principal foco de Seu ministério. Seus discípulos, então, deveriam ir e criar comunidades de cuidado mútuo e liderança serviçal, sem as estruturas hierárquicas tão aparentes nas religiões de Seus dias.

Ao ministrar dentro de novas comunidades que havia desenvolvido, Jesus ensinou as pessoas a se relacionarem com as outras. Eles não deveriam viver no vazio. Jesus também os enviou para ministrar a outros, pois faz parte, quando se está em uma comunidade, ministrar àqueles que estão fora da comunidade. Porém, Jesus não enviou ninguém para ministrar sozinho. Ele os enviou em pares, de dois em dois, pois apenas uma comunidade pode criar outras comunidades. Talvez seja nossa falta em seguir a regra de “dois em dois” de Jesus que produziu tantos cristãos individualistas. Quando as pessoas são ganhas para Cristo, uma a uma, elas falham em desenvolver uma comunidade. O fato de Jesus sempre ministrar em um grupo e enviar Seus discípulos em grupos de pelo menos dois, deveria nos fazer questionar nossa maneira solo de trabalhar.

Alguns podem imaginar como conseguiríamos pagar o salário para dois trabalhem juntos. Entretanto, talvez deveríamos perceber que não podemos pagar pelo fracasso daquele que não trabalha com o ambiente de comunidade. Além disso, poderemos precisar pensar em uma nova maneira de pagar o empregado que trabalha em ambiente de comunidade ao invés de ter um ambiente individualista. Isso pode significar uma reestruturação da função do clero ao voltarmos a um paradigma apostólico.

Jesus declarou que estaria conosco especialmente quando nos reunimos em grupos de dois ou três. Ele se manifestaria nessa comunidade reunida em Seu nome. Quando Jesus pensou na igreja como ecclesia ou comunidade reunida, Ele tinha um pequeno grupo em mente. Hoje, usamos esse texto como uma moda apologética quando a frequência é escassa. Jesus proclamou essas palavras para ajudar-nos a compreender que o pequeno grupo é a essência da igreja. Não podemos ter uma igreja sem ter o pequeno grupo como um lugar especial em que Jesus habita.

As palavras igreja (ecclesia, v. 17) e assembleia (v. 20) identificam-se de modo contextual com a promessa de que “onde dois ou três estiverem reunidos” Jesus estará presente com eles. Tal reunião de um pequeno grupo possui uma excepcional influência, poder e responsabilidade.

A resposta de Jesus aos discípulos nesse contexto sugeria que não havia quem fosse o maior, mas que “onde dois ou três estiverem reunidos” – onde houver um pequeno grupo reunido em inocência, entendimento, perdão, reparação e reconciliação – Jesus no meio deles traria grandeza a todos juntos.

Jesus está nos dizendo que o pequeno grupo é a igreja, não apenas uma parte da igreja, mas a essência dela. É essa comunidade reunida dos Doze que se torna a igreja. Na igreja

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moderna, olhamos os pequenos grupos como apenas mais um programa para ser acrescentado. Jesus, porém, idealizava um pequeno grupo cuidadoso como a igreja por completo. O modelo de igreja que Ele criou não era o de grandes e super igrejas, mas o de pequenos grupos que vivem em comunidades abertas e honestas.

No coração de Jesus, o ministério dos pequenos é a ideia de comunidade. O pequeno grupo não existe em favor do pequeno grupo. É apenas o veículo para o estabelecimento da comunidade. Jesus reconheceu que o pequeno grupo é o meio para o cumprimento desse objetivo. Através de Seu ministério, Jesus queria a comunidade se desenvolvesse entre Seus seguidores. Essa parece ser uma das mais importantes tarefas que Jesus tentou realizar.

A preocupação de Jesus pela comunidade deriva de Seu relacionamento com a Divindade e a restauração da imagem de Deus na humanidade. Se o processo de redenção envolve a completa restauração da humanidade a imagem de Deus, então é imperativo que a comunidade seja estabelecida na igreja que Cristo construiu na terra. A compreensão de Jesus sobre “igreja” está em contraste direto com a compreensão americana-ocidental individualista de igreja. O americano que diz que pode adorar a Deus sozinho, sem a igreja, perde a essência da compreensão de Jesus de que a igreja é uma comunidade. Não há lugar para o monasticismo, ou servir a Deus em isolamento, no entendimento de Jesus sobre comunidade. Para Jesus, a essência da igreja era envolvimento com a comunidade, e Ele não poderia idealizar a igreja em nossa compreensão ocidental individualista.

Evidentemente, o envolvimento em uma comunidade não é uma opção para o cristão; é o cristianismo. Os adventistas têm sido os maiores expoentes do sacerdócio de todos os crentes. Não é apenas parte de herança da Reforma, mas o direito do Novo Testamento. A igreja claramente compreendeu o sacerdócio para indicar a cada habilidade cristã para ir diretamente a Deus sem nenhum Mediador a não ser Cristo. Porém, há outro lado em ser sacerdote que os sacerdotes jamais devem esquecer: as pessoas não podem ser sacerdotes longe da comunidade a que servem. Não existe algo como ser sacerdote de si próprio. Ser sacerdote significa estar em comunidade. Sendo o sacerdote alguém que serve aos outros da comunidade, e sendo que todos os crentes na comunidade são sacerdotes, então o sacerdócio de todos os crentes é um chamado para todos os cristãos ministrarem uns aos outros. É nesse sentido que a passagem do “uns aos outros” no Novo Testamento torna-se muito significativa, pois descrevem o ministério do sacerdote, um ministério de cuidado mútuo. Esse tipo de cuidado só pode ser oferecido em uma comunidade.

Foi nesse entendimento do novo sacerdócio que Jesus estabeleceu os pequenos grupos que se tornaram a ecclesia do Novo Testamento, Ele estabeleceu o novo modelo de igreja. É um modelo que ensina os crentes a depender uns dos outros ao invés de si próprios. Esse modelo é totalmente desenvolvido nas igrejas caseiras descritas em Atos.

Jesus é um dos maiores expoentes dos pequenos grupos, mesmo que nunca tenha ordenado que a igreja tivesse pequenos grupos. Entretanto, por todo Seu ministério, Ele demonstrou o desenvolvimento da comunidade como objetivo primário.

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Assim, a comunidade cristã é um lugar em que podemos começar a praticar a vida cristã juntos. Precisa ser um lugar onde podemos ser bem sucedidos ou fracassarmos em uma atmosfera de aceitação e aderência à Lei de Deus.

É plano de Deus e desejo de Jesus que os cristãos cresçam nos pequenos grupos. O propósito destes não é de apenas encontros de estudo da Bíblia. O propósito dos grupos é para que os cristãos tenham um lugar para crescerem juntos. Se apenas o conhecimento intelectual está sendo alcançado, então, o pequeno grupo é um fracasso, pois o seu propósito é o crescimento espiritual, e não o alcance intelectual.

Na busca pelos pequenos grupos no Adventismo, a preocupação tem sido expressa sobre grupos relacionais. “Os pequenos grupos são bons, contanto que permanecem no estudo bíblico,” alguns dizem. Parece que os adventistas estão com medo de desenvolver relacionamentos profundos com outros na comunidade. Mesmo assim, essa seja a essência que todo o pequeno grupo deve ter, de acordo com Jesus. Os grupos que optam por buscas intelectuais no estudo bíblico são, em certo sentido, disfuncionais. O propósito dos grupos, para Jesus, era o desenvolvimento dos relacionamentos. Precisamos estar em um grupo para que possamos ser responsáveis pela nossa vida em Cristo, para nos preocuparmos realmente uns com os outros e para testemunhar de Cristo. Tudo isso requer grupos relacionais. Esse é o coração do cristianismo e deve ser o coração da igreja adventista se os adventistas realmente querem ser a igreja de Jesus, pois a igreja de Jesus é relacional. Uma igreja relacional é uma das maiores necessidades em um mundo que está faminto por relacionamentos. Assim também, o desenvolvimento de uma igreja relacional é uma das maiores necessidades atuais.

A IGREJA EM PEQUENOS GRUPOS DO LIVRO DE ATOS COMO BASE PARA O CUIDADO AO MEMBRO

Jesus modelou Seus discípulos para uma igreja relacional, vivendo juntos em uma comunidade restaurando a humanidade. Dessa nova comunidade familiar, o evangelismo deveria acontecer. Com a explosão do poder do Espírito Santo no Pentecostes, a igreja cresceu em número assim como em espiritualidade. Como era essa nova comunidade de crentes? Era um grande número de pessoas que se encontrava aos sábados pela manhã para adorarem a Deus?

Os que aceitaram a mensagem foram batizados, e naquele dia houve um acréscimo de cerca de três mil pessoas. Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações (Atos 2:41-42).

Essa é a descrição mais antiga da vida na igreja apostólica. Assim que as pessoas eram batizadas, elas eram envolvidas em quatro coisas: estudo, comunhão, alimento e oração. As pessoas não eram apenas envolvidas, mas as Escrituras dizem que elas devotavam-se a essas quatro coisas. Duas, comunhão e alimento, eram inquestionavelmente atividades em grupo. Essas duas precisavam de um ambiente de pequeno grupo, portanto, podemos assumir

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que as outras duas atividades, ensino e oração, também aconteciam nesse ambiente. Isso é reforçado na passagem que segue:

Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração (Atos 2:44-46).

Aqui, descobrimos que a partilha dos alimentos era feita nos lares, o que implica que esses encontros não eram feitos em uma única casa, mas em várias, embora os grupos também se encontrassem regularmente no templo. Porém, esses encontros parecem acontecer principalmente nos lares. Evidentemente, os três mil foram, imediatamente, divididos em pequenos grupos, lugar onde eram alimentados e educados pelos cento e vinte.

A igreja estabelecida no Pentecostes não se encontrava como um grande grupo em um único lugar. Ela, imediatamente, tornou-se uma igreja de pequeno grupo, obedecendo ao modelo de Jesus. Seria impossível ser um cristão na igreja primitiva e não fazer parte de um pequeno grupo. As atividades dos pequenos grupos da igreja primitiva consistiam de quatro coisas: estudo dos ensinamentos de Jesus, que eles haviam aprendido com os apóstolos; comunhão; o partir do pão; e oração. Essas eram atividades de grupos pequenos. Nesse ambiente de pequeno grupo a igreja primitiva fazia estudo bíblico. Como poucas pessoas presentes, não era uma conversação de mão única, mas um diálogo, em que os crentes poderiam fazer perguntas. Sem dúvida, enquanto acontecia o ensinamento didático, era feito em um forte ambiente de pequeno grupo.

O segundo aspecto da vida da igreja primitiva era a comunhão. Os cristãos não apenas se reuniam para estudar e iam embora. Junto do estudo havia o tempo para comunhão. A forma de comunhão não aparece nas Escrituras, mas os resultados são claros. Atos diz que, imediatamente, eles começaram a compartilhar tudo o que tinham em comum. De certa forma, através do ensinamento que era compartilhado, eles viam a necessidade imediata de cuidar uns dos outros. Os crentes, voluntariamente, vendiam suas posses para que pudessem ajudar os irmãos crentes. Esse é o máximo de uma comunhão. Jesus havia ensinado que a igreja deveria ser uma família, uma comunidade que curava a destruição da humanidade. A comunhão que acontecia nessa igreja primitiva demonstrava que os ensinamentos de Jesus estavam em ação. As Escrituras dizem que “eles tinham muito em comum.” A sociedade deles era totalmente aberta. O “estar escondido” do Éden caído foi removido, e os crentes podiam falar, abertamente, de suas dúvidas, seus sofrimentos, seus problemas. Não havia julgamentos, mas cuidado verdadeiro de uns para com os outros. Todos os aspectos de uma comunidade disfuncional que foram desenfreados no mundo foram sendo removidos pela comunhão desses cristãos.

O terceiro aspecto da vida da igreja primitiva era que eles comiam juntos. Uma das principais maneiras de um grupo se unir é comer juntos. Está de mãos dadas com a comunhão. A comunhão desses cristãos era tão boa que eles comiam juntos todos os dias. Não era uma

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reunião grande com um simbólico partir do pão, mas uma comunhão real compartilhando o alimento.

O quarto, e último, aspecto da vida da igreja primitiva é descrito como momento de oração. Orar juntos constrói uma comunidade e espiritualidade fortes. Quando as pessoas partilhavam suas necessidades de oração umas com as outras, o grupo se tornava cada vez mais fortificado. A oração acontecia todos os dias nos pequenos grupos, portanto, podemos imaginar que essa atividade unia ainda mais os crentes em harmonia.

Essa é a igreja nascida da evangelização inicial dos discípulos no evento do Pentecostes. Não era uma igreja grande em um único lugar, mas uma igreja que consistia de muitos grupos. A igreja do Novo Testamento do livro de Atos não é uma igreja com pequenos grupos, mais uma igreja que é pequenos grupos. Comunhão real – koinonia – estava acontecendo entre os discípulos.

Mas a koinonia representa algo novo e independente. Denota a unanimidade e unidade produzida pelo Espírito. O individual foi totalmente sustentado pela comunidade.

Essa era a real comunhão. A comunidade havia sido restaurada. A destruição da queda havia sido restaurada. A missão de Jesus de curar aquele que estava quebrado, libertar aquele que estava preso, foi cumprida na igreja recém criada.

Existia um equilíbrio entre instrução, comunhão, atividades comuns (refeições) e responsabilidades espirituais (oração). A atmosfera era estimulante. Uma sensação de adoração, unidade e louvor prevalecia. As pessoas buscavam umas as outras. Eles vendiam suas propriedades e posses e compartilhavam com aqueles em necessidade. Essa situação dinâmica trazia a aprovação de todas as pessoas. Era evidente o crescimento espiritual e numérico. Deus estava agindo no meio deles.

Alguns podem considerar a ideia de a igreja primitiva realizava as reuniões em casa por causa da perseguição que existia. Entretanto, nos primeiros dias, o cristianismo era considerado uma seita do judaísmo, portanto, não era fora da lei. Isso aconteceu depois. É verdade que os cristãos eram perseguidos pelos judeus, mas não parece haver nada de secreto nas reuniões dos crentes. Três mil pessoas se reunindo diariamente em casas de uma única cidade, não teria como ser segredo. Eles poderiam ter encontrado, facilmente, um local maior, onde todos pudessem se reunir. Havia outras opções além das reuniões em casa, mas a igreja primitiva escolheu se reunir em casas porque elas limitavam o tamanho do grupo. “Boas” casas naquela era poderiam acomodar de trinta a trinta e cinco pessoas. Muitas casas deveriam ser muito menores, acomodando grupo de dez a quinze pessoas. Para acomodar três mil pessoas, muitas casas seriam necessárias. Eram inumeráveis as casas de reunião, o que rapidamente daria a impressão de que os cristãos estavam em todos os lugares.

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Por que os cristãos escolheram se encontrar nos lares? Porque Jesus havia modelado esse tipo de comunidade, e eles simplesmente seguiram Seu exemplo. Como Banks disse, o caráter familiar da igreja primitiva fazia com que as reuniões acontecessem em lares, pois os lares proviam a esses cristãos primitivos a atmosfera mais favorável para dar a expressão à fé que eles tinham em comum.

As reuniões em pequenos lares continuaram sendo a prática da igreja primitiva ao se estabelecer por todo o império romano. O lar continuou sendo o principal local de encontro da igreja primitiva. A natureza do local de encontro fez com que a igreja se mantivesse pequena e multiplicar os grupos durante o crescimento, ao invés de centralizar:

Seriam as igrejas caseiras grupos independentes de crentes, ou parte de grandes igrejas, não temos certeza. É certo, porém, que essas confraternizações em pequenas casas eram os tijolos que construíram a igreja em cada cidade ou região. Os primeiros discípulos se encontravam em grupos pequenos o suficiente para que coubessem em casas normais (para constar, Priscila e Áquila faziam tendas e provavelmente não eram ricos – Atos 8:3).

Provavelmente, os adventistas aceitariam o fato de que essas igrejas faziam parte de uma igreja e de alguma maneira eram ligadas através dos doze apóstolos. Porém, elas parecem ser uma comunidade independente. Elas não precisavam reunir-se com um grande grupo para serem uma igreja, pois Jesus havia declarado que onde dois ou três estivessem reunidos em Seu nome, Ele estaria presente. Isso faria, de que cada reunião em lares, uma igreja no sentido completo mesmo que eles fossem ligados a um corpo maior. Tudo seria parte uma comunhão que todos se beneficiavam em Cristo, mas a comunhão mais próxima aconteceria quando os crentes se reunissem nos lares.

Esse ambiente de pequeno grupo continuou por aproximadamente trezentos anos, até que a igreja fosse institucionalizada, na época de Constantino. A coisa mais maravilhosa é que a igreja teve a capacidade de crescer e se multiplicar mais rapidamente sem muitos prédios, instituições ou encontros de massa. A igreja centralizada em comunidades era a regra para os cristãos nos primeiros três séculos.

Outro fator que deve ser considerado é que esses lares-igrejas tornaram-se o centro de toda atividade cristã. Quando a igreja se espalhou para além de Jerusalém, os líderes primitivos iniciavam uma igreja, treinavam os presbíteros para que cuidassem dela, e iam embora. Não havia uma imposição de um pastor vindo de fora. Uma igreja institucionalizada com um grande número de reuniões em um único lugar poderia não ter provido a nutrição necessária. Teria de ser descentralizada, e as reuniões em pequenos grupos eram ideais. Essa igreja poderia refletir a comunidade de Cristo sem interromper os recursos da igreja, mantendo uma congregação espiritualmente saudável. O clero estava livre para continuar plantando novos grupos de crentes ao redor do mundo, treinando-os no ambiente de pequeno grupo para serem comunidades de fé que administravam o cuidado mútuo.

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Hoje a igreja não pratica a regra do Novo Testamento. Nossas igrejas institucionais fracassam ao prover comunidade, e nós rejeitamos as igrejas caseiras como uma relíquia de dias passados. Ainda assim, o movimento moderno de pequenos grupos pode ajudar a revitalizar e restabelecer essa parte esquecida da missão de Cristo: cuidado mútuo ao membro através das comunidades bíblicas de fé.

A COMPREENSÃO DO APÓSTOLO PAULO SOBRE PROVER CUIDADO AO MEMBRO ATRAVÉS DOS PEQUENOS GRUPOS

O apóstolo Paulo plantou a maior parte das igrejas mencionadas no livro de Atos. Ele continuou a plantá-las no modelo pentecostal de igrejas caseiras, existindo pelo bem da comunhão. O apóstolo poderia ter estabelecido igrejas institucionais nos padrões das sinagogas judaicas, mas ele escolheu, deliberadamente, pelo contrário, plantar igrejas caseiras baseadas na comunidade. Foi isso que Jesus os ensinou, e eles simplesmente obedeceram-nO.

Paulo começou suas jornadas missionárias em comunidade com outros discípulos, obedecendo à instrução de Cristo de trabalharem em duplas. Às vezes era Paulo, Barnabé e Marcos; em outras, ele estava acompanhado de Silas. Paulo e sua companhia não procuram meramente discipular indivíduos, mas também alcançar o oikos daquele que ele evangelizava. A igreja primitiva praticava o ministério de equipe. Não há trabalho solo no primeiro século da igreja porque o evangelismo era feito em comunidade. Ainda assim, no século vinte, o evangelismo tornou-se um assunto solo, como os indivíduos trabalhando sozinhos para ganhar almas uma a uma.

O evangelismo no primeiro século do cristianismo sempre era feito por uma comunidade com foco na comunidade. A razão para isso era que Cristo havia comissionado uma nova comunidade e modelado o evangelismo nessa comunidade através de Seu ministério. Os discípulos primitivos não podiam evitar – eles foram treinados por Jesus e praticavam o que Ele havia ensinado. No modelo de igreja primitiva não havia cristianismo sem comunidade, nem poderia haver um cristão sem que este fizesse parte de uma comunidade.

Dessa forma, Paulo fundava igrejas que eram designadas a serem comunidades. Elas não deveriam ser fortalezas ou grandes catedrais, mas sim pequenas igrejas caseiras onde os cristãos pudessem ter contato de comunidade uns com os outros. Isso não era acidente, mas uma estratégia deliberada de Paulo, em obediência ao modelo de Cristo.

A afirmação mais definitiva de Paulo sobre comunidade são as passagens paralelas de Romanos 12 e 1 Coríntios 12, nas quais os discípulos discutem os dons espirituais no ambiente da unidade de comunidade:

Assim como cada um de nós tem um corpo com muitos membros e esses membros não exercem todos a mesma função, assim também em Cristo nós, que somos muitos, formamos um corpo, e cada membro está ligado a todos os outros (Romanos 12:4-5).

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Aqui, Paulo declara, enfaticamente, que todos os cristãos são membros de um corpo; eles existem em comunidade uns com os outros. Todos possuem funções diferentes de acordo com seus dons, mas são mutuamente dependentes. Não há espaço para cristãos isolados. Ser cristão, para Paulo, é estar em comunidade com outros cristãos. Eles não são apenas membros individuais, mas cada membro “está ligado a todos os outros.” A preocupação de Paulo não é apenas com os membros, mas que os crentes sejam levados à dependência dos outros em comunidade. Se Paulo está correto, então os indivíduos que são membros de igrejas, mas que não estão vivendo em comunidade com outros cristãos, mutuamente dependentes, não são cristãos, no sentido do Novo Testamento. Ser um cristão é ser membro de um grupo que cuida uns dos outros. Qualquer grupo que não seja uma comunidade de cuidado mútuo, não é uma igreja cristã, não importando a verdade que pregue. Esse é o coração da compreensão de Paulo sobre a comunidade:

O amor deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem-se ao que é bom. Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios. Nunca lhes falte o zelo, sejam fervorosos no espírito, sirvam ao Senhor. Alegrem-se na esperança, sejam pacientes na tribulação, perseverem na oração. Compartilhem o que vocês têm com os santos em suas necessidades. Pratiquem a hospitalidade. Abençoem aqueles que os perseguem; abençoem, e não os amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram. Tenham uma mesma atitude uns para com os outros. Não sejam orgulhosos, mas estejam dispostos a associar-se a pessoas de posição inferior Não sejam sábios aos seus próprios olhos. Não retribuam a ninguém mal por mal. Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos. Façam todo o possível para viver em paz com todos (Romanos 12:9-18).

Esse é o coração das passagens “uns aos outros” do Novo Testamento. Tais passagens vêm da compreensão teológica de Paulo sobre a comunidade. É nessa comunidade que o cuidado real um pelo outro acontece. Os cristãos não são chamados para servir a Deus singularmente, mas em comunidade com outras pessoas, um lugar onde possam cuidar, amar regozijar uns com os outros. Esses são as marcas de uma genuína comunidade cristã.

Em 1 Coríntios 12, Paulo continua a discutir os dons espirituais da igreja. O Espírito pode dar dons a pessoas individualmente, mas os dons não devem ser usados independentemente, e sim em comunidade. Se todos os cristãos estão usando os seus dons, a igreja estará completa, mas se qualquer membro falhar em utilizar seus dons, o corpo sofre. Ela continua a existir, mas não poderá funcionar com a eficiência que teria se todas as partes estivessem funcionando juntas. Outra passagem principal de Paulo, sobre dons espirituais, Romanos 12, mesmo não usando a linguagem do “corpo”, enuncia o princípio da igreja como um todo orgânico, que é “uma unidade espiritual feita por ‘cristãos com dons’”. Essa é a essência da visão de Paulo sobre igreja – um corpo, com diferentes membros com funções, trabalhando juntos em harmonia com Cristo, que é a cabeça:

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Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um só corpo, assim também com respeito a Cristo. Pois em um só corpo todos nós fomos batizados em um único Espírito: quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um único Espírito. O corpo não é feito de um só membro, mas de muitos (1 Coríntios 12: 12-14).

Aqui está o coração da teologia de Paulo sobre comunidade. Os cristãos são batizados em um só corpo. Não há nenhuma sugestão que fale sobre batismo sem tornar-se parte da comunidade. Alguns adventistas sugerem que as pessoas sejam batizadas, mas que não precisam entrar para o rol de membros da comunidade. Para Paulo, isso seria uma heresia. O batismo era o ritual que unia o crente à comunidade. O que Paulo visualiza aqui, porém, não é apenas a filiação de um membro, mas a participação na comunidade que ele já definiu em Romanos 12, como sendo mutuamente dependente e cuidadosa. Também envolve cuidado por aqueles que são a parte mais fraca da comunidade. Na verdade, os mais fracos deveriam receber uma atenção especial. Eles são objetos de um cuidado especial e um trabalho intensivo.

Na verdade, no sentido do Novo Testamento, nenhum ministério realmente acontece separado do corpo de Cristo. Paulo não está chamando a igreja para um ministério individualista, mas para um ministério de comunidade.

Para resumir, em oposição à abordagem individualista dos entusiastas, Paulo enfatiza que a experiência cristã do Espírito forma o corpo (continuamente), e orientou ao bem comum do corpo formado (12:7). Se essa interpretação de 1 Coríntios 12 é aceita, a realidade que faz da figura do corpo de Cristo a unidade dos cristãos no Espírito. É chamada de o corpo de Cristo (ao invés de corpo do Espírito) porque é o Espírito de Cristo que os une. Essa conclusão é importante para a presente investigação, pois capacita-nos a dizer que, por Paulo, o ministério na comunidade cristã é dependente de (do Espírito de) Cristo que concede os dons ministeriais e (ao mesmo tempo e ao fazê-lo) cria uma unidade de pessoas com dons espirituais e dependentes inter-relacional e mutuamente, que podem ser chamados de corpo de Cristo.

Kruser, mais adiante, detalha nesse corpo com dons espirituais que Cristo criou ao afirmar que um corpo é dependente para que possa existir sobre a charismata do Espírito. Essas concessões do Espírito, equipando cada pessoa de maneira diferente para um ministério mutuamente dependente, forçam a igreja a um ministério de dependência uns dos outros, ao invés de um ministério de comando sobre os outros. É um ministério de dependência mútua, que é único no mundo religioso, não apenas no primeiro século, mas também nos dias de hoje. Em Efésios 4, Paulo detalha as articulações que mantém o corpo unido em amor. Essas articulações são as ações de amor e cuidado que os membros têm uns com os outros. É através desse amor mútuo que Cristo, como a Cabeça, nutre e fortalece a igreja. Ao examinar a carta de Paulo ao Colossenses, Kruse conclui que a metáfora do corpo é usada para delinear

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a liderança de Cristo sobre a igreja, assim nutrindo-a através dos membros do corpo, que estão todos conectados a Cabeça. De acordo com Paulo, Cristo fundou uma igreja de dependência mútua.

Até mesmo os dons pessoais que Deus deu a igreja, de acordo com Efésios 4, são dados para esse ministério de mútua dependência. Como Kruse observa:

Então, também em Efésios, o serviço de Cristo não privilégio apenas de ministros especiais da Igreja, mas é um privilégio compartilhado por todos os crentes: a fiel aplicação das responsabilidades do estado de vida é o serviço aceitável por Deus.

Depois de examinar a contribuição singular de Paulo para a compreensão sobre o cuidado ao membro na era do Novo Testamento, Kruse conclui que o uso da imagem do corpo é exclusivo de Paulo e que seus escritos não mostram nenhum sinal de desenvolvimento evolutivo em sua compreensão da vida do corpo. Isso não deve ser uma surpresa à luz do desenvolvimento de comunidade de Jesus e Seus discípulos. O que Paulo desenvolve teologicamente demonstrou, claramente, ter vindo da compreensão de Jesus da igreja como comunidade. Paulo apenas desenvolve os ensinamentos de Jesus.

A base de um ministério mutuamente dependente, norma da igreja do Novo Testamento, é aquela dirigida pela charismata. Não é de impressionar que Satanás tenha abusado do uso da charismata, forçando assim os cristãos a negarem um ministério baseado nos dons espirituais, o que resultaria no aprendizado da dependência mútua. Deus não favoreceu uma igreja para que possuísse todos os dons. Ele os espalhou pelo corpo para criar a dependência uns dos outros. Colocar uma pessoa acima da igreja para que seja o provedor de cuidado é como um dardo jogado bem no coração da igreja do Novo Testamento. Qualquer tentativa de desenvolver uma teologia e uma prática de igreja que ignore um ministério baseado nos dons não seria estranha apenas para o Novo Testamento, mas tal teologia e prática seriam consideradas uma heresia pela compreensão da igreja do Novo Testamento baseado no corpo e dependente da comunidade.

Por causa da necessidade de dependência mútua e a concessão de dons espirituais como base para um ministério mutuamente dependente, não há lugar no entendimento de igreja do Novo Testamento para que um pastor ou qualquer outro líder seja contratado para realizar o trabalho da igreja. Fazê-lo seria destruir a estrutura básica da igreja do Novo Testamento, construída em comunidade:

Dessa maneira, não há no Novo Testamento uma gestão monárquica da Igreja; tal ação é conhecida apenas pelos oponentes. Isso não significa apenas que todos que estão no serviço da igreja têm pessoas ao seu lado possuem outros dons concedidos, mas que ninguém realiza seu ministério se não for em cooperação com outras pessoas. O apóstolo, realmente, é marcado dos restantes por seu chamado pelo Senhor ressuscitado; mas ele é aquele que considera seu ministério como um trabalho de grupo com companheiros

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autorizados para o trabalho. Paulo sabe que ele é um elo da corrente da tradição (1 Cor. 15:3; cf 3.5 f.); isso não muda até o período sub-apostólico. Exceto pelo ministério apostólico, que é único através de um chamado especial, nenhum ministério no Novo Testamento é proibido a qualquer membro da Igreja.

As duas passagens clássicas de Paulo para falar de comunidade reforçam nossa compreensão de que a teologia de Paulo é consistente com a ideia de comunidade de Jesus. Ele veio para formar uma nova comunidade em que as pessoas realmente se importavam umas com as outras. A igreja primitiva fundou igrejas caseiras que eram pequenas o suficiente para que as pessoas se conhecessem e cuidassem das outras. Paulo, o teólogo, nos dá o pano de fundo teológico para compreendermos porque a igreja formava igrejas de pequenos grupos. As igrejas caseiras não eram formadas apenas pela conveniência de um local para se encontrarem, ou porque a igreja era muito pequena para ter um prédio grande. A formação das igrejas caseiras era em resposta a teologia da comunidade como sustentada por Jesus primeiramente, e agora por Paulo. Apenas em pequenos grupos as pessoas poderiam conhecer umas as outras tão bem para que uma comunidade real se desenvolva. O pequeno grupo da igreja do Novo Testamento não foi um acidente; era um desígnio divino.

O envolvimento em um grande grupo no sábado pela manhã é considerado uma obrigação compulsória dos cristãos e o envolvimento em pequenos grupos, na maioria das igrejas, é opcional. Essa compreensão deve ser revertida se a igreja pretende seguir o modelo do Novo Testamento. Havia momentos em que todas as igrejas caseiras de uma cidade se reuniam, mas a implicação é que a igreja que compreendia todos os pequenos grupos da cidade e apenas ocasionalmente se reuniam como um grande grupo.

Se a igreja primitiva existiu primariamente em pequenos grupos, poderia implicar em uma maneira totalmente diferente de fazer igreja ao contrário do que é feito nos dias atuais. Hoje, a atividade principal da igreja acontece no sábado pela manhã, em que os crentes se reúnem para o culto de adoração a Deus. Em uma igreja típica, o padrão é mesmo, tenha cinco ou cinco mil pessoas presentes. Os membros sentam-se em bancos ou cadeiras olhando em direção ao púlpito. Eles olham para a parte de trás das cabeças das pessoas e ouvem em silêncio enquanto o pastor apresenta um sermão por trinta ou quarenta minutos. Talvez eles cantem algumas músicas, mas o culto é um esporte de espectador. Em tal ambiente é possível frequentar sem nem se quer falar com outras pessoas. Não há comunidade. Mas ainda assim o cristianismo é comunidade. É verdade que muitas pessoas encontram comunidade na igreja, mas normalmente não no culto. Estaria tudo bem se as pessoas frequentassem outros eventos, mas o culto do sábado pela manhã é o único evento que a maioria dos “cristãos” frequenta. A triste verdade é que poucas preciosas pessoas estão realmente cumprindo o desejo de Cristo para a comunidade.

Alguns sentem que a igreja foi criada para adorar a Deus, então, as pessoas não frequentam a igreja para comunhão, mas para adorar. Por isso deveríamos ficar em silêncio durante a hora do culto, deixando a comunhão para outros momentos. Tal teologia também é estranha ao Novo Testamento. Na verdade, a igreja do Novo Testamento não se encontrava para adorar a

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Deus, mas para a comunhão. Jesus deu a eles uma nova compreensão de adoração quando conversou com a mulher do poço de Samaria:

Jesus declarou: "Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém. Vocês, samaritanos, adoram o que não conhecem; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade" (João 4:21-24).

O lugar não seria o mais importante na adoração cristã. As pessoas não precisam ir a um lugar sagrado para adorar. A verdadeira adoração é definida como obediência a Cristo em todos os atos da vida. Adoração não é algo que as pessoas fazem uma vez por semana no sábado de manhã, mas sim uma atividade que as pessoas praticam durante a semana. Adoração é a vida de obediência que pessoas vivem pelo Mestre. Paulo detalha essa nova teologia de adoração:

Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês (Romanos 12:1).

Paulo elabora os ensinamentos embrionários de Jesus sobre adoração ao declarar que adoração é a vida inteira do cristão. É o ministério que o cristão faz pelo Mestre em harmonia com seus dons espirituais. Na verdade, essa compreensão de adoração como sendo a utilização dos dons espirituais aparecem no início da principal passagem teológica descrevendo a igreja como comunidade. De acordo com Paulo, a igreja não se encontra para adorar a Deus; especialmente, adora a Deus em tudo o que os membros fazem. Isso não significa que não adoram quando vão à igreja, mas que eles adoram lá apenas porque faz parte de vida deles, e tudo o que fazem na vida é adoração. Então, seria um uso errôneo do nome dizer que a principal atividade da igreja é o “culto”. Tal conceito distorce a verdadeira compreensão bíblica de adoração e a reduz a uma atividade da igreja institucional ao invés de ser uma obediência de vida.

O propósito das reuniões na igreja não é em prol da adoração, já que o cristão deve adorar a todo o momento, mas pela comunhão. Se esse é o raciocínio bíblico para as reuniões da igreja, então a igreja deve ser composta de pequenos grupos de comunhão em que os indivíduos possam encontrar verdadeira comunidade uns com os outros. As grandes reuniões da igreja, como o principal lugar onde os cristãos se encontram, devem ser mudadas. Isso não significa que as grandes reuniões não sejam importantes, mas elas não devem ser o principal lugar de reuniões, pois as pessoas não encontram comunidade em tais encontros. Na verdade, os grandes encontros são significativos apenas quando os relacionamentos já tenham sido construídos nos encontros dos pequenos grupos da igreja.

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Como eram as reuniões da igreja primitiva? Infelizmente, as Escrituras não nos dão detalhes, apenas esboços. A principal atividade deles parece ser devotar-se aos ensinamentos dos apóstolos (estudo bíblico), comunhão, repartir o pão e adoração. Eles também incluíam o cantar os salmos, hinos e canções espirituais. Essas são atividades conjuntas não de espectadores. Parece não haver indicação no período do Novo Testamento de um pregador que apresentasse sermões regularmente a uma congregação de crentes. A pregação é sempre vista no contexto da apresentação evangelística de Cristo a não-cristãos. No cenário evangelístico, pregar era a norma. Apenas em raras ocasiões as congregações do Novo Testamento são registradas como ouvintes de pregação fazendo parte de uma reunião regular.

Sendo esse um argumento do silêncio, não significa que pregações não ocorriam ou que era errado uma igreja ter pregações. Apenas não há registros das pregações fazerem parte de uma atividade regular da igreja primitiva. Porém, sob a luz do fato de que a pregação não é mencionada como uma parte regular da adoração do Novo Testamento, parece estranho que a igreja atual tenha feito da pregação o foco principal do culto cristão. Não significa que a igreja deva abandonar toda a pregação e se tornar apenas uma igreja relacional. Tanto o estudo bíblico cognitivo quanto o relacional são necessários. Entretanto, a pregação não era a principal maneira que os apóstolos passavam os ensinamentos aos crentes, mas sim aos descrentes.

O apóstolo Paulo aumentou nossa compreensão do modelo que Jesus deu de comunidade como norma para a igreja cristã. Ele nos deu base teológica e modelos práticos para tal comunidade nas igrejas que ele implantou. Paulo trabalhou em comunidade com outros; ele ganhava pessoas em grupos (comunidades) e então colocava os novos crentes nas novas comunidades que ele estabelecia. Ele então modelou e desenvolveu um modelo de igreja radicalmente diferente da adoração judaica de seu tempo. Ele fez isso transformando a igreja de uma atividade espectadora para uma atividade participativa. A igreja sob a liderança de Paulo se tornou não um culto que se freqüentava, mas uma comunhão na qual se entrava.

A COMUNIDADE EM PEQUENOS GRUPOS COMO UMA ESTRATÉGIA DO NOVO TESTAMENTO

Não foram apenas Jesus e Paulo que enfatizaram o cristianismo como comunidade. Era uma estratégia de todos os apóstolos e da igreja do Novo Testamento. O apóstolo João nos dá uma das mais definitivas declarações sobre a função da igreja como uma agência evangelística e baseada na comunidade. A razão para pregar o Evangelho de Jesus Cristo, de acordo com João, é para estabelecer comunidade. Não era só para salvar pessoas individualmente, mas para que pudessem ter comunhão com os que já viviam em comunhão com o Pai e Seu Filho. Do mesmo modo que o Pai e o Filho existem em comunidade com a igreja que Cristo estabeleceu assim os que se unem a Cristo existem em comunidade com os outros que já foram trazidos à comunidade.

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O propósito de nosso evangelismo é trazer pessoas à comunidade. Se tudo que fazemos é trazer as pessoas a um conhecimento da salvação e verdade, mas falhamos em trazê-las à comunidade, temos falhado em nossa missão cristã. Aqui, novamente João está de acordo com Jesus e Paulo. A igreja não é um prédio; não é um credo – é comunhão. Existe com a finalidade de trazer outras pessoas à sua comunhão. Contudo não é uma comunhão de qualquer indivíduo, mas de indivíduos que também estão em comunhão com o Pai e o Filho.

João declarou que a comunhão vertical e horizontal não pode ser separada. Se vivermos em comunhão com o Pai e o Filho, viveremos em comunhão uns com os outros. Aqui está um retorno à idéia original de comunidade em Gênesis, quando Deus, que vivia em comunidade com o Filho e o Espírito, aumentou a comunidade criando Adão e Eva para viverem em eterna comunhão com a Trindade. O pecado quebrou esse relacionamento, mas agora, através de Jesus, foi restaurado. Assim como Deus criou Adão e Eva para aumentar Sua comunhão, do mesmo modo proclamamos a Cristo com o propósito de aumentar essa comunhão. O aumento da comunhão pelo ato da criação agora é realizado através da aceitação do ato da redenção.

João usa a palavra koinonia para comunhão, uma comunhão em fé. A comunhão com Cristo é impossível sem a comunhão com outros cristãos. João declarou que se andamos na luz temos comunhão uns com os outros e o resultado é que o sangue de Cristo nos limpa do pecado. Até a purificação do pecado ocorre em comunidade. Os que são purificados são colocados em comunidade, porque só assim podemos ser responsáveis por não repetir aqueles pecados.

A afirmação definitiva de João para o propósito da igreja, como uma comunhão de crentes vivendo em comunidade com Deus e uns com os outros para que aumente a comunhão, está no coração da compreensão do Novo Testamento sobre a igreja como comunidade. A comunhão não é uma atividade secundária, mas a essência do que significa ser cristão. Uma pessoa não pode ser um cristão em isolamento dos outros, pois Deus nos criou para vivermos em comunidades de dependência mútua.

Uma comunidade cuidadosa em que membros ministram aos outros é uma ferramenta evangelística. Ao ver uma comunidade restaurada, em que as pessoas realmente se preocupam umas com as outras, os não-cristãos irão se aglomerar para fazerem parte disso. Essas comunidades, amáveis e preocupadas, são o cartão de visitas do evangelismo. As pessoas irão abrir um caminho para chegar à porta das igrejas que vivem em uma comunidade do Novo Testamento. Talvez tenha sido essa uma das razoes para o sucesso da igreja primitiva. Atualmente, as pessoas vivem em comunidades quebradas que estão ávidos por pertencer das comunidades genuínas e redentoras que Cristo imaginou para Sua igreja. É precisamente porque a igreja tem falhado em ensinar ao seu povo a vida da genuína comunidade, que a igreja se tornou uma comunidade quebrada que precisa de redenção. Quando novamente a igreja começar a viver em comunidade, ela se tornará uma agência evangelística. Uma pessoa não pode viver em uma genuína comunidade do Novo Testamento e não ser evangelista.

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Os pequenos grupos devem ser um lugar de atividade evangelística. Um pequeno grupo que se fecha e nutri apenas de seus membros, falhando em alcançar outros, irá morrer. Grupos introspectivos são disfuncionais. Quando as pessoas pertencem a um pequeno grupo, elas têm a permissão do Espírito Santo para estender a mão e tocar pessoas feridas, trazendo-as para a atmosfera restauradora e redentora de seu pequeno grupo. Além disso, Jesus ordenou que Seus discípulos evangelizassem em duplas, pois o ministério deveria acontecer em comunidade. Os indivíduos também precisam do apoio do grupo ao evangelizar. Não podemos evangelizar em isolamento, mas somente através do apoio do grupo. Apenas a comunidade pode produzir comunidade.

A imperfeição teológica é que esses cristãos se reúnem sozinhos, depois vão testemunhar sozinhos. Que maravilha seria se eles incluíssem uns aos outros nesses relacionamentos com os descrentes, e incluíssem esses descrentes em seus grupo de convivência também.

O modelo do Novo Testamento indica que os discípulos são melhores quando se relacionam com outros discípulos, o que indica que, de modo ideal, todos os novos crentes deveriam fazer parte de um pequeno grupo e todos os pequenos grupos deveriam consistir de crentes e descrentes. O envolvimento do grupo deve ser visto como parte do processo evangelístico. Não mais devemos evangelizar em isolamento, pois os discípulos são feitos em relacionamentos.

A estratégia evangelística do Novo Testamento era claramente centralizada no desenvolvimento da comunidade não deveria ser de acalentar e sim de evangelizar. O grupo do Novo Testamento era evangelístico. Se a igreja atual for padronizar os pequenos grupos de acordo com o exemplo, então esses grupos devem ser evangelísticos. Grupos que se focam apenas em acalentar produzem religiosos fracos. As pessoas são acalentadas nos grupos ao cumprir a comissão de Jesus de fazer discípulos entre todas as pessoas. Isso deve ser feito em uma comunidade que apóia o fazer de discípulos e proporciona um lugar “seguro” para os novos ou prováveis discípulos.

O CUIDADO MÚTUO COMO A PRINCIPAL FONTE DO CUIDADO AO MEMBRO NO NOVO TESTAMENTO

Na organização da igreja na era do Novo Testamento, o pastor não era o principal cuidador. Pelo contrário, a teologia de comunidade era desenvolvida de maneira que a base do cuidado ao membro era o cuidado mútuo um pelo outro. A igreja primitiva não negligenciava o cuidado ao membro, eles proporcionavam o cuidado real. Novos cristãos, assim como os antigos, precisavam de acalento e cuidado, regularmente. O problema não era se isso poderia acontecer, mas como aconteceria.

O Novo Testamento deixa claro que a responsabilidade de proporcionar o cuidado ao membro não pertence ao clero, mas é responsabilidade de todos os cristãos. Essa obrigação é inerente

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ao chamado para ser um cristão e não é dado a nenhum grupo especial de pessoas, deixando assim os outros membros livres da responsabilidade de prover cuidado. Todos os crentes devem ser sacerdotes e ministros. Contratar uma pessoa para realizar o ministério é negar o sacerdócio de todos os crentes e roubar das pessoas de algo que Deus deu para que se mantivessem cristãos saudáveis.

A Igreja do Novo Testamento era organizada em um padrão totalmente diferente da igreja do Antigo Testamento. Não era padronizada a partir do modelo de sacerdócio levítico, mas no modelo de comunidade ensinado por Jesus e todos os escritores do Novo Testamento. No Antigo Testamento, Deus comissionou Israel para que fosse um modelo do Seu Reino. Israel foi colocado nos cruzamentos da civilização para que todas as nações pudessem ver o que Deus fez por esse povo. Esse modelo de organização ministerial era ajustado ao redor daqueles que se reuniam em Israel. Entretanto, o modelo do Novo Testamento era de dispersão. A igreja não deveria se reunir um único lugar, mas espalhar sua mensagem a todos os ethnos, então a estrutura organizacional deveria ser diferente, isto é, missionária. É por isso que a função do clero na igreja do Novo Testamento não deveria realizar o ministério, mas treinar o povo de Deus, capacitando-os a ir a qualquer lugar e evangelizar. Isso liberava os recursos da igreja para sua principal função: evangelismo.

Todas as passagens do Novo Testamento que lidam com o cuidado dos cristãos já existentes são direcionadas a todos os cristãos e não ao clero. A maioria delas são passagens que falam de “uns aos outros”. No Antigo Testamento o termo nunca é usado para se referir ao ministério de cuidado mútuo, mas no Novo Testamento a frase é usada extensivamente e exclusivamente para se referir a pessoas cuidando umas das outras.

Essas são as frases usadas para designar o cuidado ao membro. Observe que cada uma delas é direcionada a todos os cristãos. Eles devem confessar suas faltas uns aos outros, devem perdoar uns ao outros, devem ser bondosos e complacentes perdoando uns ao outros. Membros não devem provocar, invejar ou julgar uns aos outros. Eles não devem morder ou devorar ou falar mal uns dos outros.

Muitos desses textos falam sobre das coisas positivas que os membros devem fazer uns pelos outros, como amar uns aos outros, sejam bondosos e afetuosos uns com os outros, e em honra escolhendo uns aos outros. Eles deveriam mostrar compaixão e estar em paz com os outros. Deveriam confortar, edificar e exortar uns aos outros.

Algumas das passagens “uns aos outros” falam da ligação que os membros devem ter um para com os outros. Eles são membros uns dos outros. Cada membro tem o mesmo cuidado um pelo outro. Os membros deveriam se submeter uns aos outros, admoestar uns aos outros, considerar uns aos outros, ajudar a levar as cargas uns dos outros, sujeitarem-se uns aos outros e ter comunhão uns com os outros. Como símbolo dessa união tão próxima que os membros deveriam ter, eles deveriam se cumprimentar com um santo beijo. Para demonstrar sua sujeição como servos ou ministros, eles deveriam seguir a prática de Jesus ao lavar os pés uns dos outros.

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Finalmente, como mais uma demonstração de que o ministério pertencia a todo o povo de Deus, os crentes primitivos deveriam ensinar e admoestar uns ao outros. Essas funções de ensinar e encorajar, assim como a correção, eram responsabilidade de todo o povo de Deus e não apenas do clero. Todos os membros deveriam ministrar o dom da hospitalidade uns aos outros e oferecer hospitalidade sem reclamar.

Tais passagens indicam claramente que o ministério de cuidado pertence a todo o povo de Deus. Se essas passagens bíblicas fossem específicas ao clero, poderíamos concluir que o clero é o principal cuidador. Entretanto, o Novo Testamento não sugere que esses atos sejam de domínio exclusivo do clero. Essas passagens indicam que o cuidado é responsabilidade de toda a igreja de Deus, o clero e o leigo.

Ao se tornar o principal cuidador da igreja, o clero rouba da igreja aquilo que pertence a todo o corpo de crentes. Isso poderia enfraquecer a igreja espiritualmente. Sendo que a igreja ocidental criou essa falsa função do clero como principal cuidador da igreja local, o resultado será uma igreja doente e fraca. Consequentemente, pessoas leigas são vistas como apoio necessário ao clero, financeiramente e fazendo as funções do clero, mas raramente realizando a função de principais cuidadores do corpo. Quando os membros do corpo não são usados, eles se tornam fracos, débeis e, por fim, sem utilidade.

RESUMO

Esse exame do Antigo e do Novo Testamentos revelou claramente o ideal de Deus de comunidade. As pessoas na era do Novo Testamento levaram a sério o que Jesus disse e formaram uma igreja organizada para abrigar a comunidade. O que Deus visualizou na criação foi quase que perfeitamente desenvolvido na igreja primitiva: uma comunidade em que as pessoas realmente se importavam umas com as outras. Os membros cuidavam uns dos outros na comunidade, pois o cuidado mútuo era confiado a eles. A pequena igreja caseira da era do Novo Testamento proporcionou a moldura para esse ministério de cuidado mútuo.

A única conclusão que podemos chegar é que o ministério leigo é um conceito do Novo Testamento. Não estava claro no Antigo Testamento, mas no Novo Testamento está muito claro. A razão para essa mudança era para evitar que o clero ficasse preso, sendo babás dos cristãos fracos, e libertá-los para criarem novos cristãos. As igrejas que estabeleciam seriam saudáveis, pois os membros cuidavam uns dos outros, e esse cuidado mútuo seria um cartão de visita para os não-cristãos. Ao verem os cristãos como o corpo de Cristo, cuidadoso e preocupado, os descrentes abriram um caminho para a porta da igreja. Nesse sentido, o cuidado dos cristãos, uns pelos outros, é parte da estratégia de evangelismo da igreja do Novo Testamento.

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– Parte Três –

O PAPEL DO CLERO E O CUIDADO AO MEMBRO NA IGREJA ADVENTISTA PRIMITIVA

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– Capítulo 6 –

AS BASES HISTÓRICAS AO SURGIMENTO DO ADVENTISMO

O cristianismo do Novo Testamento se desenvolveu no mundo romano como um movimento missionário. A igreja existia pela missão, e a expansão da missão fez com que a igreja florescer por todo lugar. Ao fim do primeiro século, o cristianismo havia sido implantado em todo o império romano. Seu clero, seu leigo e suas igrejas eram organizados e estruturados para o cumprimento da missão.

A estrutura do Novo Testamento, como examinado nos capítulos anteriores, libertou o clero de serem os principais cuidadores da igreja, capacitando-os a focalizar suas energias no evangelismo e na plantação de igrejas. A mudança não acontece da noite para o dia, e a mudança na descrição de trabalho do clero foi gradual. Ainda assim, já no segundo século as sementes foram plantadas para o que, finalmente, tornar-se-ia o clero da Idade Média, do qual a igreja moderna derivou a descrição de trabalho do pastor como o principal cuidador da igreja.

A prática do clero se tornando sacerdotes, destruindo assim o conceito do Novo Testamento do sacerdócio de todos os membros, começou na segunda metade do segundo século. No primeiro século, o clero era principalmente itinerante ao invés de pastores fixos em congregações. A supervisão de igrejas locais era delegada aos presbíteros (anciãos) escolhidos. Quando a igreja se espalhou rapidamente no primeiro século, sentiu-se a necessidade de uma supervisão mais estruturada das congregações. Mesmo não havendo uma clara evidência para provar o fato, podemos supor que os anciãos locais buscaram mais poder ao mudar-se para o nível do clero.

Quando o cristianismo foi implantado no império romano, havia menos necessidade de um clero itinerante. Ao invés de buscar, além do império romano, lugares para evangelizar, ou buscar por uma expansão dentro do império, a igreja começou a focalizar na retenção ao invés da expansão. A mudança de uma base missionária para uma direcionada ao cuidado precisou de uma reestruturação da função do clero de ministros itinerantes a permanentes, locais. Referindo-se a época de Justino Mártir, no segundo século, Lefroy comenta:

“Eles ministram a você o ministério dos profetas e professores.” Essa passagem indica o ponto de transição. Os profetas estão morrendo. Os itinerantes estão diminuindo... . O ministério permanente está crescendo. O ministério da Proclamação e o ministério do Poder espiritual estão se movendo na direção da fixação, da localização.

Lefroy diz que no segundo século o ministério itinerante estava decaindo e os ministros permanentes estavam se tornando o clero principal. O clero itinerante estava se fixando em um local e pastoreando uma única igreja ou os membros leigos estavam se tornando clero. Uma coisa estava clara: uma transação estava acontecendo no papel funcional do clero, no segundo

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século. “A transição avançou... o itinerante deu lugar ao permanente, e um ministério de geral a local.” Lefroy cita Schaff para indicar que os anciãos (presbíteros) locais estavam começando a tomar o lugar dos apóstolos na estrutura organizacional.

O período do Novo Testamento termina sem qualquer indicação de mudança na função do clero estabelecida por Jesus, Paulo e os outros fundadores da igreja primitiva. Ainda assim, em um curto período de tempo – no início do segundo século – já há uma indicação de uma saída do modelo bíblico, de um clero itinerante, para o modelo de um clero localizado, e o desenvolvimento da função do líder local como principal cuidador. Sua origem está no começo do século II, sendo que estaria em estabelecido em todos os lugares no fim desse mesmo século.

A mais antiga indicação de um clero que supervisionava uma igreja vem de Inácio (110 d.C.). Ele retrata um clero altamente desenvolvido, sugerindo até que onde não há um bispo, não há uma igreja e a obediência ao bispo era obediência a Cristo. Na verdade, o poder do bispo local era tão desenvolvido em Inácio que parece improvável que tal poder tenha se desenvolvido em tão pouco tempo. Já que existem questões acadêmicas sobre a autenticidade dos escritos de Inácio, é mais seguro assumir que esses pensamentos façam parte de um período posterior.

Provavelmente, a primeira carta de Clemente e o Pastor de Hermas reflitam melhor o período do segundo século. Nos dois trabalhos, descobrimos um clero menos desenvolvido que em Inácio, embora o movimento em direção a uma hierarquia esteja começando. Em Clemente, a ligação da liderança do Novo Testamento com o sistema do Antigo Testamento está começando. Como resultado, Clemente é o primeiro na literatura cristã a sugerir uma distinção entre clero e leigo, assim como uma hierarquia de posição. As razões para isso, de acordo com Clemente, é que a ordem e a posição na igreja só poderiam ser concedidas na igreja local. Ainda assim, os primeiros bispos eram bispos da igreja local apenas, não possuíam uma jurisdição mais ampla.

Por que a igreja primitiva abandonou o modelo de igreja estabelecido por Jesus e por Paulo? As razões são variadas e de certa maneira obscuras, mas John Knox nos oferece algumas boas possibilidades:

Um sistema de governos através de um concílio de presbíteros pode ser enfadonho; e com o aumento da complexidade das operações das congregações e a crescente necessidade de unidade e eficiência em face da crescente perseguição feita pelo estado e as atividades mais vigorosas feitas pelo professores gnósticos – em tal situação, a concepção de uma igreja com um único líder, o guardião de sua unidade e o agente responsável por suas decisões, teria atraído muitas congregações.

Volz acrescenta que o surgimento de heresias, como o Montanismo, forçou a igreja a decidir sobre os líderes, levando a igreja na direção do líder único.

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Essa mudança na função do clero no século II estava começando a levar a igreja na direção da função moderna de pastor, como principal cuidador da igreja. O fato de que o segundo século tenha visto a mudança na função do clero é mais uma indicação de que a função moderna não é a do Novo Testamento. Muitos historiadores, como Volz, argumentam que essa mudança foi um ajuste favorável. Volz argumenta que os presbíteros locais e os bispos tinham mais contato com a congregação local do que os itinerantes, então, para eles, era um desenvolvimento natural crescer em poder e prestígio. Esse escritor questiona tal conclusão. Havia uma razão missionária para o papel do clero no Novo Testamento, e quando esse papel mudou, o clero perdeu sua função missionária. Quando uma igreja ou seu clero perdem a função missionária, perdem sua razão de existir. O que resta é a luta por poder, que é o que acontece quando a igreja passa a ter um modelo tradicional de igreja.

Temos uma grande autoridade para afirmara que os diáconos estavam insatisfeitos com a posição primitiva que tinham. Harnack fez um bom trabalho ao chamar atenção para seus primeiros e prolongados esforços para ganhar poder e proeminência ao custo dos presbíteros. Eles o fizeram, provavelmente, por causa da associação com os bispos, quem, entretanto, não tinham a capacidade de elevar os diáconos a proporção de seu próprio avanço. Com o estabelecimento do mono-episcopado foi a doutrina de que certo poder sacerdotal inerente do ofício de bispos, que eram os sucessores não apenas dos apóstolos, mas também dos sumo sacerdotes do Antigo Testamento.

Nos séculos III e IV, o desenvolvimento de um clero fixo e com poder sacerdotal é completo, então na época de Nicéia (325), torna-se uma característica reconhecida da igreja cristã ao se encaminhar para era de Constantino. Considerando que no ministério da igreja do Novo Testamento, em que as funções ministeriais eram diversificadas dentro do corpo, uma única pessoa foi gradualmente tomando o controle e agora realizam as funções para as pessoas. O resultado é o desenvolvimento de um sacerdócio.

Mas gradualmente o principal oficiante da re-encenação da Santa Ceia tornou-a muito associada a Cristo (Inácio de Antioquia) no sacrifício do calvário e sua comemoração litúrgica, a Eucaristia, que por contágio e imputação o presidente eucarístico se considerou análogo ao sumo sacerdote da Antiga Aliança e o porta-voz de todo o sacerdócio real que é a igreja. Apesar de ser apenas mais um dos presbíteros, o presidente de cultos adquiriu, através de sua supervisão dos diáconos, uma preeminência sobre os outros presbíteros em sua capacidade coletiva como o concílio “municipal” dos cristãos que possuíam cidadania celestial.

Lentamente, o bispo, mesmo havendo ainda um pastor local, começou a mudar a direção de sua autoridade e funções para paróquias vizinhas que não tinham cuidado episcopal. Isso fez desses presbíteros padres, abrindo caminho para que os bispos exercessem autoridade sobre essas igrejas vizinhas. Como William observa:

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Assim, o ministério tornou-se mais uma carreira e não um chamado. O ministrante deixou de ser um órgão da igreja local e um porta-voz de Deus e passou a ser um profissional clérigo, apropriadamente treinado e promovido, inclusive de uma paróquia para outra.

A ordenação do clero começou por volta de 200 d.C. Lentamente, a organização da igreja é ligada e depois amarrada ao Antigo Testamento. O resultado disso foi que o clero assumiu o poder do sacerdote do Antigo Testamento, até que eles alegaram ter o poder de perdoar pecados. A primeira vez que usaram o termo “padre” foi um pouco antes de Nicéia em 325.

No século IV, é claro que essa mudança tinha acelerado grandemente. As descrições dadas acima sobre a luta entre diáconos e presbíteros é totalmente estrangeira às preocupações do clero da igreja primitiva. Pelo contrário, elas são preocupações de uma igreja que havia parado de se organizar para uma missão evangelística e estava gastando a maior parte de seu tempo debatendo as complicações do poder do clero. Até mesmo os diáconos estavam tentando possuir uma posição no clero, como os anciãos locais tinham feito nos séculos anteriores.

O desenvolvimento do poder do clero foi acelerado em grande parte pela conversão de Constantino. O clero agora tinha status de isenção de impostos e também tinham poder civil. Até mesmo conselheiros civis solicitavam o status de clero. Os padrões agora eram estabelecidos para dar controle hierárquico e poder sobre outros clérigos, assim como o direito de não reconhecer o que consideravam como bispos hereges. Por fim, a primazia de um bispo sobre todos os outros se desenvolveu através de Leão o Grande, levando a criação do primeiro papa medieval, Gregório o Grande, que deu o tom para o cuidado pastoral através da Idade Média.

Depois que o cristianismo se tornou a religião oficial do império em 390, sob o comando do imperador Teodósio, a hierarquia cristã herdou as posições sociais e autoridade que anteriormente pertenciam aos bispos e sacerdotes pagãos, incluindo os títulos e até mesmo os trajes. A casula, a dalmática, o sudário e outras peças foram emprestados do magistrado romano e, em cada município onde havia um flâmine para cuidar da adoração do imperador, agora havia um bispo que herdou seus privilégios. Isso incluía um salário imperial, um lugar no concílio da cidade, o direito a acesso direto ao imperador e ocupava o segundo lugar no governo da província. Os bispos eram agora pessoas de grande influência, acompanhados de um séquito de servos que levavam a insígnia de seu cargo em procissões, que já não era mais a águia do império romano, e sim a cruz.

Na época da conversão de Constantino ao cristianismo, no século IV, o clero já havia degenerado de sua função evangelística para uma de poder e controle. O ambiente em que a igreja funcionava também estava mudando drasticamente nesse tempo. Antes de Constantino, a igreja era uma seita proibida. A “conversão” de Constantino e a “conversão” de uma multidão de pagãos do império romano, em obediência a Constantino, significaram que a igreja não mais enfrentava um mundo de descrentes. Acabou a necessidade de um clero para supervisionar o

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ministério e trabalho dos membros para levantar novas igrejas e evangelizar pessoas perdidas, já que todos no império romano logo se tornaram totalmente “evangelizados”, era o que a igreja imaginava.

Percebemos duas transições do modelo do Novo Testamento. A primeira foi o movimento de um ministério itinerante para um permanente, o que mudou a função do clero para mais localizada. A segunda transição aconteceu depois de Constantino. Mais adiante, ele separa o clero do laico e lhes dá poderes que Deus nunca teve intenção de dar e que não possuem bases no Novo Testamento. A igreja começou a padronizar seu ministério de acordo com o modelo sacerdotal do Antigo Testamento, em que os sacerdotes faziam pelas pessoas o ministério que elas não poderiam realizar por elas mesmas, ao invés do clero ser o facilitador do ministério de leigos.

Essas transições resultaram de uma mudança de ambiente da igreja de um campo missionário para uma localização estabelecida. Com a ênfase missionária não sendo mais proeminente e principal, era necessário que a igreja se reorganizasse para manter o ministério. Esse foi um desenvolvimento lógico para uma igreja que havia perdido sua função missionária. Sempre que uma igreja nomeia o clero como seu principal cuidador, ela perde sua consciência missionária.

A aceitação de Constantino ao cristianismo e sua subsequente proliferação por todo o império romano resultaram em uma importante mudança do paradigma da função do clero de missionária para a de cuidador. Loren Mead descreve essa mudança de uma perspectiva política. Nos primeiros séculos da cristandade, Mead sustenta, o cristianismo enfrentou um mundo hostil que era estanho ao evangelho. Entretanto, com a aceitação do cristianismo pelo império, a igreja e o mundo se tornaram a mesma coisa. Isso necessitava de uma mudança na função do clero de evangelista para cuidador e do leigo de ministro para observador. O evangelismo nesse cenário se tornou a função do soldado profissional que conquistando novas terras e então forçando os habitantes a se tornarem cristãos. Sendo que a missão era responsabilidade de profissionais, e sendo que em todas as comunidades havia “cristãos”, a igreja não tinha função de missão local, apenas a função de nutrir. Porém, Mead indica que no mundo moderno nós temos retornado a uma sociedade mais parecida com a do Novo Testamento, pois algumas partes do mundo são hostis, outras são indiferentes e algumas que apóiam. Essa mudança social, ele declara, precisa de um novo paradigma tanto para o ministério do clero quanto para o leigo.

Mead sustenta que o paradigma mudou da ênfase missionária para a de acalentar quando o império se tornou igreja. Porém, esse escritor sustenta que o paradigma mudou primeiro e a identificação da igreja com o império foi um resultado natural dessa mudança. Começou no segundo século, muito antes da igreja se identificar com o império. O papel do pastor como cuidador foi assertivamente estabelecido no tempo de Constantino. O resultado natural dessa mudança de paradigma, na luz da aceitação do imperador ao cristianismo, é se mover diretamente para o caminho que Mead sugere que a igreja fez.

Porém, se a igreja tivesse mantido ou recapturado o paradigma apostólico, poderia ter evitado as armadilhas que aconteceram durante a Idade Média. A apostasia da igreja durante essa

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época obscura pode ser traçada por um total abandono da compreensão do clero e do leigo no Novo Testamento. Assim, a adoção da igreja da Idade Média e do império como um só, foi casual e sim uma consequência.

Enquanto a igreja se identificava cada vez mais com o império, vários grupos, dentro da igreja, foram para a clandestinidade e criaram a igreja dissidente da Idade Média. Esses grupos tinham líderes fortes e via o mundo “cristão” como seu ambiente “hostil”, e por consequência não aceitavam o abandono do ministério leigo da igreja estabelecida. Pelo contrário, a maioria dos membros desses grupos estava engajado no ministério. Esse ministério dos leigos foi responsável pelo rápido crescimento desses grupos na Europa papal. Um ótimo exemplo disso foram os Valdenses, que se disfarçaram de mercadores, mas que tinham o real propósito de compartilhar as boas novas.

Durante o período do paradigma cristão de Mead, quando o mundo e a igreja eram idênticos, havia grupos dentro do império romano que se recusavam a aceitar o novo paradigma, mas continuavam com a ênfase missionária. É essa a preocupação que muitos têm de identificar a igreja com o mundo que talvez motive alguns cristãos de hoje a forçar o estado a impor uma obrigação religiosa. O ponto de vista desse escritor é que isso é o resultado do abandono do modelo bíblico de clero e leigo.

Não eram apenas as mudanças sociais que estavam afetando a igreja, embora não possamos negar que elas tiveram seu papel, mas o presente estado da igreja é resultado do abandono do modelo de ministério do Novo Testamento. Tal modelo deve ser readquirido, não apenas porque a sociedade está mais parecida com o mundo do Novo Testamento, mas porque é o modelo bíblico. Nunca foi apropriado, nem na Idade Média, que a igreja adotasse o modelo “reino igreja”, como Mead argumenta.

Esse escritor é grato a Mead por suas percepções da mudança do paradigma, mas discorda que a mudança social tenha acontecido primeiro. Pelo contrário, ao abandonar o modelo do Novo Testamento, a igreja voluntariamente aceitou a mudança social da Idade Média. Mesmo que seja verdade que a sociedade tenha de certa forma se tornado novamente “hostil” ao cristianismo, essa não deve ser a razão principal para abandonarmos o modelo tradicional de igreja. Certamente, ajudará a fazer a transição mais rápida, mas a mudança deve ocorrer por ser biblicamente correta.

A Reforma Protestante do século XVI foi primordialmente teológica, mas também teve ramificações práticas, embora seja provável que tenha existido apenas embrionariamente. A grande ênfase de Lutero na justificação pela fé certamente recebeu bastante atenção. Entretanto, Lutero também redescobriu a doutrina do sacerdócio de todos os crentes e fez disso a marca do protestantismo.

Enquanto Lutero tirava do clero a intermediação entre o povo e Deus, ele falhou em trazer a reforma para um nível mais prático de mudança de paradigma na função do clero e do leigo. Lutero viu claramente que o sacerdócio de todos os crentes necessitava do envolvimento de cada cristão no ministério, mas falhou em ver a nova função para o clero. Como resultado, não

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houve mudança no ministério leigo, já que o papel do clero, derivando do modelo da Idade Média que não era bíblico, continuava em seu lugar.

Provavelmente, essa tenha sido a principal razão que fez com que a maioria dos primeiros reformadores falhasse em separar a igreja do estado. Por operar sob um paradigma não-bíblico na Idade Média, Lutero, Zwingli, Calvin e outros procuraram criar um reino bíblico governado pelo estado. Todos dentro desse reino se tornavam cidadãos de sua igreja, e como líderes políticos do reino mudaram sua religião, então a religião do estado mudou. Como resultado, muitos dos reformadores falharam em desenvolver um modelo verdadeiramente missionário de igreja. Já que a maioria das religiões descende desses reformadores, cada um deles falhou em desenvolver um modelo missionário de igreja, mas mantiveram intacto o modelo tradicional.

Foram os anabatistas que descobriram que a igreja e o estado não poderiam se unir. Sempre que o espiritual e o político eram unidos, havia corrupção. Então os anabatistas foram os primeiros reformadores a abandonar o conceito da Idade Média que unia império e igreja. Interessantemente, não parece haver se desenvolvido entre os anabatistas um forte movimento clérigo, como aconteceu com outros reformadores. Pelo contrário, os anabatistas desenvolveram uma organização mais missionária e as denominações que descendem deles são mais missionários que aqueles que descendem dos reformadores principais.

O renascimento wesleyano, derivando da comunhão anglicana, também desenvolveu um sistema mais missionário. Porém, diferente do anglicanismo, eles não buscavam uma igreja-estado, mas existiam principalmente como um grupo dissidente dentro da igreja anglicana. Examinaremos o movimento metodista mais detalhadamente no próximo capítulo.

SAINDO DO PLANO DE CUIDADO AO MEMBRO DO NOVO TESTAMENTO

A perda do plano de cuidado ao membro do Novo Testamento seguiu um caminho idêntico a perda do papel bíblico do clero. Na verdade, o papel missionário do clero e o conceito de cuidado ao membro do Novo Testamento são, inevitavelmente, ligados. Uma vez que um é redescoberto, o outro rapidamente surgirá. Da mesma maneira, quando um se perde, o outro rapidamente se perderá também. Então, já que o clero se tornou localizado e permanente, e a função missionária da igreja terminou, trabalhos deveriam ser criados para o clero, que não são mais missionários. Assim, surge o pastor como principal cuidador dos cristãos existentes.

No fim da era do Novo Testamento, a igreja foi construída como comunidade. Até mesmo no final do século I, o apóstolo João declara que isso deve ser a base sobre a qual a igreja era construída. Pelos próximos duzentos anos a igreja continuou no paradigma das igrejas caseiras. Durante esse período a igreja experimentou um crescimento substancial e parecia estar espiritualmente saudável, apesar da constante perseguição. Isso continuou a acontecer mesmo com o clero tornando-se localizado.

Durante essa época, a igreja cristã não havia construído igrejas. Eles continuavam a se reunir em lares, cavernas ou catacumbas. A igreja não estava centralizada em grandiosas estruturas

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ou construções. Era construída na vida comunitária dos crentes que se importavam e apoiavam uns aos outros ao compartilharem sua amizade aos companheiros pecadores.

Não temos nenhuma evidência até século III de que havia construções especialmente para as reuniões dos cristãos e, ainda assim, eram feitos nos moldes de salões para receber convidados, típicos dos lares romanos e gregos.

No século III, pela primeira vez os cristãos começam a construir locais para as reuniões cristãs, porém eles eram bem pequenos. Nas escavações de cidades palestinas, esse autor viu as ruínas de igrejas do terceiro século. Elas não eram maiores que a maioria das casas, e algumas pequenas cidades possuíam entre três e quatro igrejas como essa. Evidentemente, quando as igrejas saiam das casas, local das principais reuniões, eles não erguiam catedrais, mas pelo contrário, elas eram formadas como os lares, e é claro, muitos cristãos continuavam a se reunir nas casas.

Com a conversão de Constantino no início do século IV, o cristianismo passou a ser tolerado e então passou a ser a única religião do império. Esse foi o divisor de águas no estabelecimento de igrejas institucionais e a morte da igreja de pequenos grupos. A mudança de paradigma que começou no século II e foi totalmente estabelecido no século IV durou um total de dezessete séculos, e hoje ainda sofremos com as apostasias sancionadas por Constantino. A maneira como fazemos a igreja hoje é mais um paradigma do império romano da Idade Média do que o cristianismo do Novo Testamento.

Não foram mais de três séculos depois dessa dramática aparição do movimento apostólico dos pequenos grupos na história da salvação que a forma e o “caráter” da igreja repentinamente mudaram. A ecclesia como uma comunidade de pequeno grupo desapareceu e a igreja como instituição formal surgiu. Essa transição foi a maior mudança de paradigma da natureza da presença de Deus na terra. Hoje em dia, teólogos, historiadores e eclesiólogos geralmente afirmam que a igreja está uma dramática “mudança de paradigma” na história. Nos últimos 1.700 anos, o domínio de Deus tem sido fortemente guiado por esse ancoradouro institucional e organizacional precipitado pela conversão de Constantino em 313 d.C. “Ao invés da congregação ser um pequeno grupo que constituía a igreja naquele lugar, a compreensão de congregação havia crescido para incluir tudo no império. A congregação era a igreja; a igreja era o império.

A perda de um clero missionário, que possuía como principal função a evangelização e plantação de igrejas, ocorreu primeiro. Mesmo que o clero tenha se tornado localizado e permanente, a igreja cresceu e, de certa maneira, continuou saudável espiritualmente durante os próximos duzentos anos. Quando o papel do pastor continuou a mudar em favor do clero, que eram os principais cuidadores e buscavam o poder, as igrejas locais começaram a crescer em tamanho e influência. Eles saíram das casas para pequenos prédios, depois para prédios maiores, até que na época de Constantino a pequena igreja baseada na comunidade havia

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desaparecido, e a igreja institucional começara a florescer. As igrejas maiores que se desenvolveram nesse período mudaram os cultos cristãos de comunhão para cerimônia. A pregação foi do foco nas necessidades das pessoas para a oratória. No principio da igreja do Novo Testamento, não havia nem um líder fixo para o culto cristão de adoração. Esse conceito surgiu na época de Justino (160 d.C). Quando o tamanho das igrejas aumentou, assim também aconteceu com o clero. Assim como o papel do clero, a igreja em pequenos grupos não emerge novamente até o reavivamento metodista.

A mudança para um clero localizado e faminto por poder começou no século II, assim como a mudança de cuidado mútuo para cuidado pastoral. No início do século II, Policarpo impôs aos presbíteros que visitassem os doentes, etc. Na época de Cipriano (250 d.C) o papel pastoral desenvolveu-se mais adiante na interação com cristãos que decaíam durante as épocas de perseguição e que agora desejam reentrar na igreja. No princípio, era dada as pessoas apenas uma oportunidade de arrependimento após o batismo, com penitência pública. Nos séculos seguintes, isso se desenvolveu para o confessionário. Para esse propósito do clero da Idade Média desenvolveu uma lista de pecados, que a igreja primitiva nunca havia se preocupado. Isso não significa que o clero medieval não estava preocupado com as almas; eles estavam. Eles cuidavam dos pecados das pessoas para que elas não fossem para o inferno, mas eles o faziam através do poder e do controle e não cuidado amoroso mútuo.

O movimento que forçou o clero a um papel cuidar dos pecados das pessoas parece sair da mudança de padrões, como o requerimento de Tertuliano que exigia que as mulheres não usassem jóias ou cosméticos. Para forçar tais padrões era exigido que o clero se mantivesse alerta. Outro trabalho que se inicia no século III refere-se ao pastor na imagística de pastor de ovelhas. Mas Volz aponta:

Por mais que achemos a imagem pastoral cativante, no curso do tempo ela foi levada a uma interpretação autoritária do domínio e governança. Chrysostom alertou contra fazer uma identificação muito literal com os pastores (de ovelhas) com o clero, pois “pastores têm poder total para compelir as ovelhas a aceitarem o tratamento se elas não se submeterem de acordo com o que eles querem... mas você não pode tratar o homem com a mesma autoridade que um pastor trata uma ovelha.

Thomas Oden favoravelmente desenvolve um raciocínio pelo que é considerado o cuidado pastoral clássico. Seu raciocínio completo é construído sobre os pais da igreja ao invés do Novo Testamento. Suas incontáveis citações dos pais claramente revelam que esse modelo não é baseado nos ensinamentos de Jesus e Paulo, mas em um desenvolvimento posterior, que mostramos ser um raciocínio do cuidado mútuo ao membro. Oden aponta cinco características do cuidado pastoral clássico: exato, enfático no ouvir; franqueza congruente para que autorrevelação seja encorajada; incondicional, aceitação amorosa; auto-exame rigoroso; e percepção cômica de narrativa. Esses são serviços realizados por uma pessoa em nome da congregação. Essa é a clássica abordagem do cuidado ao membro; uma pessoa é contratada para realizar esse cuidado pelos membros, enquanto a igreja do Novo Testamento

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desenvolveu um plano de cuidado mútuo ao membro. Isso é visto mais adiante nas metáforas que Oden usa para descrever o trabalho do pastor: conselheiro, médico, guia, libertador e educador.

Outra definição do clássico cuidado pastoral também revela sua natureza substitutiva:

O ministério da cura das almas, ou cuidado pastoral, consiste em atos de auxílio, alguns por pessoas cristãs representativas, dirigido a cura, sustento, guia e o reconciliar de pessoas com problemas vindos do contexto dos significados e preocupações derradeiros.

O trabalho mais definitivo na formação do cuidado pastoral na Idade Média foi o de Gregório o Grande, o primeiro papa medieval. Seu trabalho tem o foco nas dificuldades pastorais, a vida do pastor, como lidar com as enfermidades das pessoas, e avisa sobre as fraquezas do pastor.

Sendo o cuidado pastoral na Idade Média focado nos atos realizados por pessoas representativas, o cuidado pastoral desenvolveu uma base sacramental.

A graça sacramental não apenas serviu para que restaurasse o homem e a mulher medieval para que assumissem uma condição anterior de saúde, mas também concedia poder para o crescimento espiritual voltado para o desiderato da bem-aventurança eterna.

Enquanto o período da Reforma restaurou a doutrina do sacerdócio de todos os crentes, o cuidado pastoral sobre o rebanho continuou a ser de domínio do clero. A principal função do clero do período da Reforma tornou-se a pregação. O termo chave para clero passou a ser “pastor” ao invés de “sacerdote”. Ao eliminar a função sacerdotal, Lutero e os outros reformadores falharam em devolver o ministério às pessoas, em especial o cuidado mútuo ao membro. Isso, como mencionado anteriormente, era, em parte, resultado da continuidade da união da igreja e do estado. Lutero percebeu que necessitava do apoio do estado para que para colocar sua reforma em prática. Então, os reformadores mantiveram a tradição do cuidado pastoral que haviam herdado da Idade Média. Eles requisitaram que os pastores controlassem e moldassem o comportamento das pessoas e que, pelo menos uma vez ao ano, também visitassem cada lar da paróquia. A principal diferença do clero protestante era que a autoridade do clero era determinada pela congregação local, que, também, era confirmada pelo estado.

Assim, o modelo tradicional de cuidado pastoral, aquele em que o pastor é visto como principal cuidador da igreja, começou a se desenvolver no início do século II e foi totalmente implantado na Idade Média. O período da Reforma herdou o modelo da Idade Média, sem saber de sua origem pós Novo Testamento. Hoje, o modelo tradicional ainda aleija a igreja, impedindo a volta completa ao modelo de cuidado mútuo do Novo Testamento. É difícil expurgar das expectativas, do clero e do leigo, algo que existe há dezenove séculos.

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O METODISMO E SEU IMPACTO NA COMPREENSÃO DO PAPEL DO CLERO E DO CUIDADO AO MEMBRO NO ADVENTISMO

Os reavivamentos de Wesley na América deixaram uma marca indelével na história religiosa americana. A maneira metódica deles, ao não apenas pregar de Cristo, mas organizando os novos crentes em pequenos grupos ou classes, em que os membros cuidavam uns dos outros, provavelmente, foi a razão para o impacto duradouro do metodismo no cenário americano. Em contraste, grandes reavivamentos também seguiram pregadores como John Whitfield, porém muitos de seus conversos não perduravam. Uma razão possível para isso pode ser o fato de que Whitfield fazia um reavivamento do clero, mas falhava em dar continuidade a um ministério leigo; enquanto os reavivamentos de Wesley resultavam em conversos que se mantinham no grupo. Não havia dúvida de que Wesley organizava reuniões em classes, lideradas por leigos.

As reuniões de classes de Wesley parecem ser a principal razão para o sucesso inicial do metodismo. Essas reuniões, lideradas por leigos, resultaram no cuidado aos membros como o principal responsabilidade do grupo e não do clero. Esse é um dos primeiros movimentos para reiniciar o ministério leigo e voltar ao ideal do Novo Testamento. Como resultado, a maior parte do clero inicial do metodismo era de montadores de circuito ao invés de pregadores estacionados. Uma vez que o plano do Novo Testamento, de cuidado mútuo ao membro, é restabelecido, a necessidade de haver um pastor para cada igreja irá terminar, e o clero estará livre para evangelizar novamente.

Wesley oferecia a experiência em dois tipos de pequenos grupos: as classes e os grupos. Os grupos eram opcionais; as classes eram um requisito para todos aqueles que desejavam permanecer no rol de membros. O resultado era um estabelecimento de sistema de cuidado pastoral em constante movimento.

Cada grupo consistia de dez a doze pessoas da mesma vizinhança, que se reuniam semanalmente por uma hora pelo menos.

Os líderes eram pessoas leigas – alguns eram homens, mas a maioria eram mulheres – escolhidas por sua alta moral, caráter espiritual e senso comum.

É interessante notar que a maioria dos líderes das reuniões de classe da igreja primitiva metodista eram mulheres. Isso é especialmente esclarecedor quando se percebe que a maior igreja do mundo, a igreja do Dr. Paul (David) Cho, em Seul, Coréia, é construída em pequenos grupos liderados, principalmente, por mulheres. Evidentemente, as mulheres fazem um melhor trabalho que os homens, em relação aos pequenos grupos.

Como eram essas reuniões de classe metodistas? Naqueles dias você não poderia pertencer a sociedade metodista sem ser membro e frequentar a classe regularmente. Falhar em frequentar a classe regularmente era suficiente para ser retirado do rol de membros. Wesley acreditava tanto nessas reuniões de classe, que ele tornou isso uma condição para ser membro. Hoje, na maioria das denominações, esse tipo de requerimento é considerado opressivo. Ainda assim, tal requerimento era, obviamente, uma parte do cristianismo. As

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pessoas não podem ser cristãs se falharem em viver em comunidade com outros cristãos, e o pequeno grupo relacional é o lugar ideal para que a comunidade aconteça.

Nas reuniões de classe do metodismo, a ênfase não estava nas doutrinas, mas no discipulado. O grande propósito dessas reuniões era manter as pessoas responsáveis por sua vida em Cristo. Wesley, sabiamente, compreendeu o princípio bíblico de que os cristãos não cresceram em isolamento de uma comunidade de outros cristãos que podem mantê-los responsáveis. Ele formou essas classes para que os conversos crescessem em maturidade espiritual. A ênfase era claramente relacional e o propósito era o discipulado.

Wesley foi convencido de que somente através de uma comunhão responsável o discipulado cristão poderia ser nutrido e tornado efetivo, e é nesse contexto que o desenvolvimento do regime metodista deve ser entendido.

O metodismo wesleyano era um movimento de santidade e Wesley implantou um forte desejo nos cristãos para que não aceitem meramente a Cristo como Salvador, mas que amadureçam seu relacionamento com Ele. Wesley percebeu que um crescimento espiritual acontece melhor em um ambiente onde pode haver apoio mútuo e encorajamento para aqueles que buscam uma vida de santidade. Qual era o conteúdo dessas reuniões?

Todos deveriam falar “livremente, francamente e concisamente o quanto pudessem para mostrar como estava o seu coração, com suas muitas tentações e libertações, desde a última vez que se encontram.”

Mas, a cada reunião, havia cinco questões que deveriam ser perguntadas a todos os presentes:

• Qual Pecado você cometeu desde a última Reunião?

• Que tentações você tem enfrentado?

• Como você se libertou delas?

• O que você pensou, disse ou fez, mas tem dúvidas se seria um Pecado ou não?

• Não há nada que você deseje manter em segredo?

Tal abertura seria desconhecida de muitos cristãos atualmente. Nosso individualismo americano consideraria esse questionamento como uma invasão de nossa privacidade. O metodismo do século XVIII não considerava sob essa luz. Eles viam esse questionamento como um meio de ajudar as pessoas a serem responsáveis. Ainda assim, até mesmo os metodistas do princípio reconhecem que essas perguntas poderiam ser um pouco forte demais, por isso foi logo modificado, porém a intenção continuava a mesma. O propósito das reuniões de classe era manter as pessoas responsáveis por sua vida em Cristo. Essa seja uma das maiores necessidades da igreja atual, mas ainda assusta as pessoas, pois a sinceridade exigida é estranha ao cenário cultural atual. É irônico como a sinceridade, que deveria haver na

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igreja, existe em muitos grupos de auto-ajuda, como os Alcoólicos Anônimos. O fato desses grupos desfrutarem dessa sinceridade indica que as pessoas estão famintas por sinceridade e responsabilidade sem julgamentos. Se verdadeiramente desejamos crescer em Cristo, deveremos deixar de lado nosso individualismo americano e desenvolvermos uma sólida comunidade novamente, para que possamos experimentar uma verdadeira vida em Cristo.

Eram os grupos opcionais que continuaram com o questionamento mais direto de seus membros. As reuniões de classe, requeridas, não tinham um questionamento tão direto. O propósito inicial dessas reuniões a cada semana era receber as ofertas. Mas, rapidamente, a comunidade se desenvolveu nessas reuniões, também:

Foi concordado que os membros de cada classe deveriam se reunir uma vez por semana, não apenas para coletar as contribuições semanais, mas também para dar conselhos, repreensão ou encorajamento, conforme a necessidade. Uma dinâmica da comunhão cristã rapidamente se desenvolveu, pois os membros passaram a “carregar os fardos uns dos outros” e a “cuidar uns dos outros.” A sinceridade que era produzida pelas reuniões levou a um “sentimento mais admirado” entre os membros, e eles se sentiam livres para serem honestos uns com os outros.

Essas reuniões de classe rapidamente desenvolveram um estilo próprio de encorajar as pessoas para serem francas e apoiarem uns aos outros. Perguntas são feitas, mas elas não são tão específicas quanto nas reuniões iniciais.

Depois de uma arenga como essa, o líder procedia a perguntar sobre o estado da alma de cada pessoa presente, dizendo: “Bem irmã, ou bem irmão, como você acha que está a sua alma essa noite?” O membro então começa, sem levantar, a confessar o que está em sua mente para o líder; como foi dito várias vezes, não era uma confissão detalhada, mas uma recapitulação geral do que lhe passou pela mente durante aquela semana.

Apesar de tudo, o ponto a ser levantado aqui é que as classes gostavam dessa comunhão precisamente porque eles tinham a responsabilidade como primeiro propósito. Inicialmente, poderia haver algum tipo de estranhamento quando o processo de catequização fosse implantado, e as pessoas poderiam ficar tímidas para responder perguntas tão diretas e avaliadoras. Mas ao exercitarem a responsabilidade, eles começavam a perceber que com certeza estavam em uma jornada comum – e assim a responsabilidade mútua não era pejorativa, mas dava apoio. A comunhão era rica, pois eles entendiam o propósito real da reunião; e as reuniões eram informais porque a estrutura estava assegurada.

Os cristãos modernos temeriam uma reunião como essa. Isso porque faríamos essas perguntas para julgar os que estão sendo perguntados. Não conhecemos a alegria apoio mútuo, nem a sinceridade que os primeiros metodistas gozavam. Ainda assim, lá no fundo,

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muitos cristãos modernos desejam experimentar o que resta da vida da igreja cristã primitiva. Que maravilhoso seria se pudéssemos eliminar nossos julgamentos e a igreja pudesse voltar a ser um ambiente apoiador. Pequenos grupos, como comunidade relacional, podem ser uma parte da resposta.

A morte de Wesley levou ao fim as reuniões de classe como parte da experiência metodista. A partir do século XIX, a requisição passou a ser menos exigida, até que foi eliminada como condição para entrar no rol de membros em 1889. Houve uma amarga divergência sobre a reunião de classes, até que conseguiram chegar a um acordo: As reuniões de classe continuariam, mas o fato de não frequentar com regularidade não seria mais motivo para que a pessoa fosse retirada do rol de membros da igreja Metodista.

E nos dias de Wesley, eles eram meios de “evangelismo e conservação – o recrutamento e a assimilação de novos membros.” A primeira metade do século XIX viu a perda de ambas as funções... As referências às reuniões de classe, na autobiografia Metodista, caem abruptamente a partir de 1830, e o papel que elas tinham até aqui serviu como porta para entrada na sociedade foi tomada pelos encontros de oração – especialmente nas reuniões de oração após a pregação, no corrimão de comunhão ou na sacristia. É verdade que a vitalidade espiritual tornou, em geral, mais frequentemente relacionada com as reuniões de oração do que com as de classe. Elas eram encontros menos estruturados e mais espontâneos, e eram mais adaptáveis às atividades institucionais da capela do que a espiritualidade interpessoal das reuniões de classe.

É importante observar que, quando o adventismo estava surgindo, as reuniões de classe estavam em processo de declínio, e por fim dando lugar às reuniões de oração. Ainda assim, o metodismo que moldou o pensamento de pioneiros adventistas como Ellen White, que saiu do metodismo naquele momento, seria o metodismo das reuniões de classe, em que definitivamente havia implicações relacionais e responsabilidade com sua vida por Cristo. O capítulo 8 examinará o desenvolvimento das reuniões sociais adventistas que tiveram suas origens nas reuniões de classe metodistas e nas reuniões de oração que estavam emergindo quando o adventismo estava no início.

Watson oferece essa conclusão ao seu estudo sobre a reunião de classe metodista:

Porém, por mais produtivo que tenha sido como um método de alcance e colheita, esse não era seu propósito inicial. O método mais efetivo de evangelismo nos dias de Wesley foi, na verdade, a pregação em campo, que aparece de forma destacada na autobiografia do metodismo inicial como ponto de contato com aqueles que passaram a frequentar a sociedades. A classe servia como um locus do evangelismo e estimulava somente porque seu propósito prévio de sustentar a reação ao alcance evangelístico ao favorecer um discipulado fiel através da responsabilidade mútua. Aqueles que eram levados a um compromisso cristão através das reuniões semanais foram expostos às realidades do discipulado como os membros relatavam suas próprias

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peregrinações e a autenticidade da testemunha leiga em seu desejo – e necessidade – de tomar conta uns dos outros em amor.

Assim, o metodismo primitivo desenvolveu todo o essencial dos pequenos grupos relacionais que se encontravam regularmente para apoio mútuo e encorajamento e manter uns aos outros responsáveis por sua vida em Cristo. A reunião de classe metodista tinha todos os elementos dos pequenos grupos. Essa era a primeira vez, desde a apostasia de Constantino e o estabelecimento da igreja institucional, que uma igreja, que foi erguida por pequenos grupos relacionais, ganhara tal apoio popular. Não devemos esquecer que muito da eclesiologia do adventismo foi emprestada dos fundamentos metodistas. A organização da associação adventista é essencialmente metodista em sua origem. Até mesmo os pregadores itinerantes do início do adventismo podem ser rastreados até os fundamentos metodistas.

Examinando as reuniões de classe metodistas vimos o retorno a uma eclesiologia mais bíblica: a construção de uma igreja baseada mais na comunidade do que no desenvolvimento de grandes instituições. O início do Adventismo, por outro lado, tentou construir uma igreja como uma instituição e como uma comunidade ao mesmo tempo. Aparentemente, eles foram bem sucedidos, mas por fim o institucionalismo parece ter ganhado. O Adventismo moderno reverteu-se somente para uma igreja institucional e perdeu de vista a igreja baseada na comunidade. É por essa razão que re-examinaremos o início do Adventismo, que manteve tão bem o equilíbrio entre instituição e comunidade.

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– Capítulo 7 –

O PAPEL DO CLERO NO INÍCIO DO ADVENTISMO

Surgindo como consequência do grande despertar para a segunda vinda de Jesus na metade do século XIX, a Igreja Adventista do Sétimo Dia desenvolveu uma estrutura que mantém uma semelhança considerável com o modelo do primeiro século. Os primeiros adventistas acreditavam que, se eles fossem se organizar, deveriam fazê-lo de maneira bíblica ao invés de simplesmente copiar estruturas organizacionais já existentes. Obviamente, eles não podiam deixar de ser influenciados por tais estruturas, mas a que mais os influenciou era a mais bíblica – a organização metodista. Então, eles desenvolveram uma igreja dirigida por leigos, independente do clero e baseada na comunidade.

Há três razões para esse desenvolvimento. Primeiro, a igreja adventista surgiu com uma ordem clara para a missão. Na sequência do grande desapontamento de 1844, os adventistas enfrentaram a zombaria e a ridicularização de um mundo hostil. Essa situação era a mesma da compreensão de Mead sobre a relação da igreja com o mundo no século I, como observado no capítulo anterior. Com um mundo tão hostil a mensagem deles, rapidamente, eles desenvolveram uma estratégia missionária para sua existência.

A segunda razão para que a igreja Adventista desenvolvesse um modelo de ministério leigo está nos fundamentos do metodismo. Muitos dos primeiros adventistas eram metodistas; a frente deles estava Ellen White. Então, o sistema de organização desses primeiros adventistas era semelhante ao da igreja metodista. A maioria das primeiras igrejas adventistas não passava de pequenos grupos de crentes organizados muito similarmente às reuniões de classe metodistas. O pregador adventista se tornou um evangelista itinerante, muito semelhante ao pregador em circuito do metodismo.

A terceira razão para a igreja adventista adotar um modelo de ministério leigo foi inspirada na orientação de Ellen White. Ela não é considerada como uma fonte de teologia no Adventismo, mas a Sra. White é respeitada pela orientação que deu a infante igreja na área prática do ministério.

Sua defesa do clero como treinadores/equipadores, e os leigos como realizadores do ministério na igreja, fez muito para levar a igreja adventista de volta para o modelo do Novo Testamento. Já que as visões de Ellen White foram tão poderosas no início da igreja Adventista, examinaremos cuidadosamente muitas de suas afirmações mais adiante nesse capítulo.

Das três razões citadas para que o Adventismo recapturasse o modelo do século I, a mais poderosa deve ser a primeira, reforçada pela terceira. Foi, claramente, a visão evangelística que fez com que os primeiros pioneiros criassem uma estrutura missionária em sua ênfase. Apoiando esses desenvolvimentos estruturais estava a orientação inspirada de Ellen White,

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que possuía o papel principal na criação da estrutura e depois a revisão desta na Sessão da Associação Geral em 1901.

Os primeiros adventistas enfaticamente acreditavam que Jesus estava voltando em breve. Mesmo não marcando uma data exata para o acontecimento, os Adventistas do Sétimo Dia insistiam que a volta do Senhor estava próxima. Sendo assim, era absolutamente necessário que o mundo fosse alertado sobre o retorno do Rei. Cada centavo que fosse conseguido com esforço deveria ser usado para espalhar a mensagem do advento. Nenhum dinheiro deveria ser poupado para cuidar dos adventistas já existentes, pois eles deveriam levar a mensagem ao mundo o mais rápido possível.

O PAPEL DO CLERO COMO EVANGELISTAS ITINERANTES E PLANTADORES DE IGREJAS

Pelos primeiros sessenta ou setenta anos de sua existência, a Igreja Adventista do Sétimo Dia possuía um clero itinerante. A principal função deles era levantar igrejas e supervisionar várias congregações locais, que cuidavam de si próprias. Não havia pastores fixos que seriam os cuidadores chefe da igreja local. Nesse sentido, a estrutura era muito similar com a da igreja do primeiro século.

Quando a igreja foi organizada, os anciãos locais e leigos eram escolhidos para supervisionar a congregação, e o clero saía para começar novas congregações. Já que as igrejas eram pequenas, e os crentes espalhados, era desnecessário escolher um clero para uma igreja individual. A única exceção poderia ser a igreja central de Battle Creek, Michigan, onde milhares de adventistas se reuniam. Nessa igreja de milhares de membros havia um pastor fixo por volta do final do século XIX. Tiago White serviu como pastor da Igreja de Battle Creek, enquanto também era o presidente da Associação Geral e diretor do trabalho das publicações. Entretanto, essa não parece ser a mesma posição de pastor dos dias de hoje. Significava, meramente, que ele pregava lá uma vez ou outra.

Assim, nos primeiros anos do Adventismo, a estrutura da igreja era muito similar a da igreja crista do primeiro século. A igreja foi claramente organizada para o cumprimento de sua missão. Mesmo sem o sistema de dízimo estar totalmente desenvolvido nesse primeiro estágio, os membros davam dinheiro para sustentar o clero. Ainda assim, a função principal do clero era estabelecer novas igrejas e não supervisioná-las.

A única função de acalentar do clero nos primeiros dias foi durante os encontros campais. Membros de todo o estado se reuniam em um único local para essa convocação anual. O clero comparecia e pregava aos crentes. Porém, ainda aqui, a principal função dos encontros campais era evangelística. Os sermões pregados durante os dias da semana eram principalmente para os membros, mas nas noites e nos finais de semana a audiência aumentava grandemente com o comparecimento de descrentes e a igreja cumpria sua função

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evangelística. Nenhuma atividade da Igreja Adventista primitiva saía da ordem evangelística. A missão era a força que dirigia a igreja e esta era organizada para o cumprimento dessa missão.

A Igreja Adventista foi organizada deliberadamente para funcionar como a igreja do Novo Testamento – para o cumprimento da missão de Cristo, fazendo discípulos em todo o mundo. Examinaremos agora o desenvolvimento do modelo de clero itinerante através do desenvolvimento organizacional da igreja

A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PLANEJADA PARA O CUMPRIMENTO DA MISSÃO

Pelos primeiros dezenove anos, o pequeno grupo de pessoas que adotaram o Adventismo do Sétimo Dia recusou a se organizar como uma igreja ou denominação, considerando que toda organização fazia parte da Babilônia. Porém, em 1863, devido, principalmente, a influência de Tiago e Ellen White, a igreja foi organizada na Associação Geral.

Antes mesmo de sua organização, porém, a igreja inexperiente havia desenvolvido uma descrição de trabalho para o clero, em que o pastor não era o principal cuidador, mas estava totalmente envolvido na missão da igreja. J. N. Loughborough, um contemporâneo adventista, historiador do século XIX, descreve o trabalho do clero na igreja durante os dias pré-organização:

No verão de 1854, os Adventistas do Sétimo Dia começaram a usar grandes tendas para realização de reuniões. Era raro, naquela época, ver tendas sendo usadas para esse propósito; consequentemente, multidões de pessoas compareciam a essas reuniões.

Esse aumento de interesse na mensagem tornou necessário o chamado de ministros que poderiam devotar todo seu tempo ao trabalho do evangelho. Isso eles poderiam fazer sem alguns meios de apoio, além de seu próprio trabalho braçal.

Loughborough afirma que a razão para o aumento do clero foi o aumento do interesse no Adventismo, e não o cuidado pelos crentes. Essa preocupação missionária era uma parte vital do início do Adventismo e a razão para a existência de seu clero.

Como parte do esforço pela organização no início de 1860, um documento foi preparado para formar a base para a organização da Associação Geral. Nesse documento, duas classes de oficiais são delineadas. Primeiro, há aqueles que são chamados especialmente por Deus, os apóstolos e evangelistas. Segundo são as posições leigas escolhidas pela igreja: anciãos, bispos, pastores e diáconos.

De acordo com esse documento, esses primeiros pioneiros adventistas colocaram o pastor juntamente com os anciãos e diáconos, como parte da liderança leiga da igreja, limitando assim o clero às funções de apóstolo e evangelista. Incrivelmente, essa é a estrutura básica que

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descobrimos na igreja cristã primitiva do primeiro século. Na verdade, esse documento passa um tempo considerável examinando a base do Novo Testamento para a organização da igreja e chega a conclusão que, baseado no modelo do Novo Testamento, a organização da igreja deveria ser missionária. Aparentemente, a organização da Igreja Adventista como um movimento leigo, sem pastores fixos, não foi um acidente ou uma disposição temporária, devido ao tamanho da igreja, mas uma tentativa teológica deliberada para retornar a eclesiologia missionária do Novo Testamento. Note a definição que o documento dá para ancião (presbítero):

Ancião (presbítero). Esse ofício também pode ser expresso pelas palavras, bispo, pastor e supervisor. Para mostrar que esses são termos intercambiáveis para o mesmo que nos referimos, primeiro para Tito 1:5,7: “A razão de tê-lo deixado em Creta foi para que você pusesse em ordem o que ainda faltava e constituísse presbíteros em cada cidade, como eu o instruí. Por ser encarregado da obra de Deus, é necessário que o bispo seja irrepreensível,” etc. A palavra ancião no verso 5, vem de presbuteros, e significa primariamente, de acordo com Robinson, “uma pessoa anciã, veterana; como oficial da igreja significa os anciãos das igrejas cristãs, presbíteros, que possuíam o compromisso com a direção e governo das igrejas individualmente; justamente o mesmo que episcopos – os que vêem.” A palavra bispo do verso 7 vem da palavra episcopos, e é definida pelo mesmo autor da seguinte maneira: “No Novo Testamento, falando dos ofícios da igreja primitiva como supervisores, superintendentes. Essa era a palavra comum no original grego para o ofício de prebuteros, que depois tornou-se um termo judeu.” Os anciãos e os bispos são idênticos, isso também é mostrado em Atos 20:17, 28. A palavra presbíteros (anciãos) do verso 17 é presbuteros, e a palavra bispos no verso 28 vem de episcopos. O termo pastor vem de poimem e significa literalmente um pastor, um professor, um guia espiritual de uma igreja em particular. A definição desse termo mostra que ela significa o mesmo ofício que presbuteros (ancião) e episcopos (bispo), um ofício local que fica limitado a uma igreja em particular.

A sabedoria bíblica desses pioneiros é maravilhosa. A conclusão de que o ofício de pastor é uma função leiga e local como a do ancião, foi um claro resultado de sólida sabedoria. Está muito claro, de acordo com esse documento, que o pastor, naquele tempo, era o mesmo que um ancião de igreja atualmente, e não uma parte do clero. Consequentemente, o papel do clero (apóstolos e evangelistas) deveria ser administrativo e evangelístico. Interessantemente, eles não escolheram a palavra “apóstolos” para o clero, mas sim um termo mais moderno, “presidente”. Essa foi uma tentativa deliberada de modelar seu clero sob o modelo apostólico – “apóstolo” sendo aqueles que estão na liderança da igreja.

O outro termo bíblico usado pelos primeiros adventistas, para o clero, era “evangelista”. Estes eram clero itinerante que passavam a maior parte de seu tempo levantando novas igrejas. Aqui está a definição de um evangelista, de acordo com o documento:

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Um pregador do evangelho, que não estaria fixo em qualquer lugar, mas viajando como um missionário para pregar o evangelho e estabelecer igrejas.

De acordo com o documento de organização, aqueles que serviam nos cargos do clero também poderiam servir em funções leigas, como ancião ou diácono.

Do que foi dito, veremos que os oficiais da igreja, que forem escolhidos pela igreja unicamente, são reduzidos a dois, a saber, anciãos e diáconos. De onde vem tanta confusão a respeito desse assunto? Deve ser do fato que os nomes, pastor, bispo e ancião, são aplicados ao mesmo ofício, e também do princípio de que uma pessoa, que possua qualquer dos ofícios superiores, está qualificada para oficiar qualquer dos inferiores; e, ao realizar as obrigações de tal ofício, é chamado pelo título aplicado a isto. Assim, Pedro, mesmo sendo um apóstolo, se chama de ancião (1Pedro 5:1); e Paulo, levando as liberalidades dos irmãos e irmãs de Jerusalém (Atos 11:30), pode, com igual propriedade, ser chamado de diácono... Evangelistas também são chamados presbíteros. Paulo diz a Timóteo: “Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino” (1Tim. 5:17). Aqui está algum trabalho na palavra e na doutrina, que são chamados anciãos, mas tal trabalho mostra que eles são evangelistas, como trabalho principal; por conseguinte, os evangelistas às vezes são chamados de anciãos; mas somente, claro, quando agem para essa posição.

A Igreja Adventista primitiva, então, era deliberadamente organizada sem pastores fixos. Isso era feito em uma tentativa de criar uma organização similar a do Novo Testamento. Todo o clero era formado por pregadores itinerantes, cujo trabalho era levantar novas igrejas ou administrar os assuntos da igreja. Era esperado que a igreja cuidasse de si mesma. Ela deveria receber uma visita ocasional de alguém do clero, mas ninguém era designado como principal cuidador dessa igreja. As igrejas estabelecidas eram nativas, sem nenhum líder vindo de fora para supervisionar a igreja. Como resultado, era esperado que os anciãos locais presidissem a igreja local, quase que da mesma maneira que os pastores fazem atualmente.

Essa era a estrutura organizacional básica em operação na igreja Adventista por todo século XIX, e até o início do século XX. Isso levou a igreja Adventista na América do Norte, e também ao redor do mundo, a um crescimento explosivo. Todos os recursos da igreja foram canalizados para a expansão da igreja ao invés ser usado para o cuidado dos membros existentes. O Adventismo era, principalmente, um movimento de plantação de igrejas.

Loughborough descreveu a reunião anual do clero nos primeiros dias como um momento em que todos os pedidos para um novo trabalho naquela área eram apresentados ao clero. Então era pedido para que os pastores passassem um tempo em oração, pedindo que Deus mostrasse onde Ele queria que eles fossem. Depois, eles voltavam para a reunião geral e declaravam onde deveriam plantar igrejas durante o ano vindouro. Apenas depois que cada pessoa presente tivesse certeza que esse era um chamado de Deus, os indicações eram feitas.

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Em uma reunião da Associação do Estado da Califórnia, em 1874, foi feita uma discussão sobre quem deveria possuir credenciais e licenças ministeriais.

O ancião Butler foi direto ao assunto, recitando a necessidade imperativa de mais trabalhadores no campo, para que essas verdades evidentes, mas impopulares, possam ser espalhadas... que se não for àqueles que trabalham nessa direção para benefício da causa, as Associações, geralmente, não sentem a obrigação de pagar pelo seu tempo e esforços.

Observe essa função missionária do clero, indicada pelas palavras do ancião Butler. O clero era pago para que levantasse novas igrejas. Se falhassem nessa tarefa, eles simplesmente não seriam pagos. A Igreja Adventista primitiva não sentia a necessidade de pagar trabalhadores para que estes simplesmente cuidassem de igrejas que eram compostas por crentes.

Durante esses primeiros dias, o plano de benevolência sistemática era introduzido para que pudesse sustentar o clero. Depois se desenvolveu para o sistema de dízimos. Era original neste que todo o dízimo era enviado para a associação local e a associação pagaria o clero. Isso acontecia devido ao fato de que a igreja local não possuía um pastor fixo, então não havia necessidade de manter o dinheiro do dízimo na igreja para pagar pastores locais. Ao invés disso, o dízimo era usado exclusivamente para pagar aqueles que administravam e evangelizavam.

Os primeiros adventistas estavam tão preocupados em espalhar a mensagem, que as associações não impediam que seu clero trabalhasse apenas para as associações que os sustentava. Ainda em 1903, as associações locais empregavam ministros em outros estados. Na sessão de 1903, a Associação da Califórnia divulgou que em sua folha de pagamento havia cinquenta e cinco trabalhadores, trinta e dois eram ministros ordenados e seis deles trabalhavam em terras estrangeiras. Também incluía nove licenciados, dos quais, três trabalhavam na Grã-Bretanha, mas eram pagos pela Califórnia.

A igreja primitiva não era paroquial em seu pensamento. Eles compartilhavam trabalhadores em todos os lugares, pois a missão era a tarefa principal da igreja. Além disso, eles nem consideravam um pedido para um clero em uma área onde já havia uma grande quantidade de membros Adventistas do Sétimo Dia. Eles poderiam evangelizar em seu próprio território. Essa era a responsabilidade da igreja local e de seus membros. O dízimo que sustentava o clero não era usado para mimar congregações locais, mas ao contrário, servia para deixar o clero livre para levantar novas igrejas.

Esses pioneiros sempre se referiam à base bíblica para não haver pastores fixos. Tiago White, fazendo referência à conferência de 1859, declarou:

Não temos pastores fixos em nossas igrejas, mas nossos ministros são todos missionários, como eram os ministros Jesus Cristo, por consequência eles passam a maior parte do tempo privados das bênçãos do lar. Pelo amor a Cristo

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e pela salvação de seus companheiros, eles sacrificam a sociedade de seus queridos em casa, saem para um mundo frio e egoísta e desgastam sua vida na pregação da impopular verdade bíblica. Deus os abençoe! Mas eles precisam ser sustentados ao sair nessa missão de amor, e Deus fez com isso fosse dever da igreja.

Paulo não era o que hoje conhecemos como “pastor fixo”, ainda assim, em Corinto “ele continuou um ano e seis meses, ensinando a palavra de Deus entre eles” Atos xvi,1, 11. Esses primeiros professores do cristianismo permaneciam em uma cidade ou lugar, até que estimulassem as pessoas, e houvesse um corpo de cristãos, e os tivesse estabelecido na doutrina de Cristo. Depois, tudo era colocado em ordem, para que esses membros pudessem sustentar a adoração a Deus. Então, os ministros poderiam ir para outro campo de trabalho. Essas igrejas não eram carregadas nos ombros de seus ministros, mas eram deixadas para sustentar a adoração a Deus entre eles. Ocasionalmente, eles passavam e visitavam os irmãos e irmãs, para exortá-los e confortá-los.

Claramente, os pioneiros sentiam que era mais vantajoso, e bíblico, não ter pastores fixos. Eles poderiam colocar pastores para cuidar das igrejas, mas não o faziam por razões bíblicas. Na verdade, quando jovens mostravam potencial para pregação, eles os desencorajavam a pregar em suas igrejas. Eles deveriam provar seu chamado saindo e levantando novas igrejas. A plantação de igrejas era o teste supremo para o chamado para a função no clero. Se você não pudesse levantar uma igreja que fosse auto-sustentada, você poderia não ser pago:

Não há uma maneira melhor de um pregador provar-se a si próprio, do que ao entrar em novos campos. Lá ele poderá ver os frutos de seu trabalho. E, se ele for bem sucedido ao levantar igrejas, e estabelecendo-as, para que possam produzir bons frutos, mostrará aos seus irmãos e irmãs a melhor prova de que ele é um enviado do Senhor.

Algumas pessoas que se unem aos Adventistas do Sétimo Dia começam a pregar imediatamente aos irmãos e irmãs, muitos dos quais estando bem mais avançados que eles. E nossos irmãos e irmãs muitas vezes erram ao insistir que tais pessoas passem seu tempo pregando para eles. Deixe que, primeiramente, tais ministros sejam instruídos adequadamente por aqueles que possuem experiência na mensagem, então os deixe sair para novos campos, confiando em Deus para obter auxílio e sucesso. E, quando tiverem levantado igrejas, instruindo-os apropriadamente, então a igreja irá sustentá-los. Se eles não levantarem igrejas e amigos para sustentá-los, então a causa da verdade não precisa deles, e eles teriam as melhores razões para concluir que cometeram um triste engano quando pensaram que Deus os havia chamado para ensinar sobre a mensagem do terceiro anjo.

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Outra razão para não terem pastores fixos era porque o tempo era curto e há via um trabalho a ser feito. A esperança entre os pioneiros adventistas do iminente retorno do Senhor influenciou o desenvolvimento organizacional deles, dando maior ênfase missionária.

Uma evidência posterior para essa singular organização missionária do Novo Testamento da igreja pode ser vista nos escritos apologéticos dos primeiros escritores adventistas. A função ministerial deles era radicalmente diferente das outras denominações, por isso, os adventistas precisavam, continuamente, explicar essa singular função do clero para o benefício de um mundo não-adventista. Em uma entrevista para um jornal local em 1886, G. B. Starr, um evangelista adventista, explica a razão para o grande crescimento de adventistas:

“Bem, em primeiro lugar,” respondeu o Ancião, “não temos pastores fixos. Nossas igrejas são ensinadas a cuidar de si próprias, enquanto que quase todos nossos ministros trabalham como evangelistas em novos campos.”

Os Batistas do Sétimo Dia, que eram em número muito maior que os Adventistas do Sétimo Dia na época da organização do Adventismo, foram ofuscados por esse rápido crescimento do Adventismo. Quando os Batistas do Sétimo Dia refletiram sobre esse rápido crescimento no início do século XX, eles ofereceram a seguinte razão:

Todos os clérigos Adventistas do Sétimo Dia são missionários – e não pastores localizados – e estão ocupados pregando, ensinando e organizando ao redor do mundo.

O irmão D. M. Canright, um antigo ministro da igreja Adventista, que depois deixou a igreja e passou a escrever contra ela, fez com que a igreja respondesse a diversas acusações feitas por ele a Igreja Adventista. Uma dessas acusações era de que ele era um proeminente ministro da Igreja Adventista porque havia pastoreado dezoito igrejas. A resposta oficial a essa afirmação enganosa explicou o trabalho do ministro adventista:

Na citação retirada o Telégrafo de Kalamazoo, encontramos a seguinte afirmação: “Na época em que encerrou sua ligação com eles, era responsável por dezoito igrejas em Michigan.” As verdades, nesse caso, são essas: as igrejas Adventistas do Sétimo Dia mantêm seus cultos regulares sem a assistência de qualquer pastor local, deixando todo nosso ministério livre para que trabalhem como evangelistas em novos campos. Como consequência, nossas igrejas passam longos períodos sem qualquer pregação, assim, os conselhos de associação tem como objetivo conseguir trabalho no estado, para que, ocasionalmente, os ministros tenham a liberdade de visitar as igrejas, ajudando-os e encorajando-os na vida cristã com algumas reuniões.

Assim, sob essas circunstâncias, Canright tinha dezoito igrejas, mas com certeza não era um pastor fixo sobre elas, pois a igreja Adventista não possuía pastores fixos.

O clero do princípio da igreja Adventista trabalhava sob a direção da associação, e o propósito principal deles era levantar igrejas e desenvolver trabalhadores evangelísticos dentro das congregações locais. Até mesmo a maior igreja da denominação, o Tabernáculo de Battle

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Creek, onde se sentavam três mil pessoas, não possuía um pastor local até o início do século XX.

ELLEN WHITE E O PAPEL DO CLERO

Visto que Ellen White teve um papel muito importante no desenvolvimento do Adventismo e porque seus conselhos eram respeitados como vindos do próprio Deus, ela merece um tratamento especial. Na seção previa, ficou claramente demonstrado que o clero do início do Adventismo não tinha pastores fixos, mas, primordialmente, trabalhadores evangelísticos. Ellen White confirma esse sistema? Qual era a sua visão sobre a descrição do trabalho do clero? Em primeiro lugar, ela percebeu que o papel do clero de treinar/equipar:

Deixe o ministro devotar mais de seu tempo a educação do que a pregação. Deixe-o ensinar como dar aos outros o que ele recebeu.

Não é o propósito do Senhor que os ministros tenham que fazer a maior parte do trabalho de plantar as sementes da verdade.

Ao trabalhar em lugares onde já há alguns na fé, o ministro não deve primeiramente buscar converter os descrentes, mas treinar os membros da igreja para uma cooperação aceitável.

Deus não deu aos Seus ministros o trabalho de arrumar as igrejas. Tão logo esse trabalho esteja feito, aparentemente, ele terá que ser feito novamente. Desse modo, os membros da igreja que são cuidados e trabalhados para se tornarem fracotes religiosos. Se nove décimos do esforço que têm sido colocados naqueles que conhecem a verdade tivessem sido oferecidos àqueles que nunca ouviram a verdade, o avanço seria muito maior!

Algumas vezes, os ministros fazem coisas demais; eles buscam abraçar todo o trabalho apenas com os seus braços. Isso os absorve e os encolhe; ainda assim, eles continuam a pegar tudo. Parecem pensar que somente eles podem fazer o trabalho da causa de Deus, enquanto os membros da igreja ficam inativos. Em nenhum momento essa é a ordem de Deus.

Ensinar as pessoas a trabalhar para Deus e depender dEle, e não dos ministros, é a melhor ajuda que pode ser dada.

Enquanto membros da igreja na fazem esforço algum de dar aos outros a ajuda dada a eles, o resultado deve ser uma grande debilidade espiritual.

Na opinião de Ellen White, quando o clero trabalhava na igreja, sua função era treinar os membros. Isso se encaixa com o paradigma de cristianismo do século I e com a organização da Igreja Adventista feita no século XIX. Lembrem-se, todas suas afirmações são feitas no contexto histórico de uma Igreja Adventista sem pastores fixos. Esse fato torna suas

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afirmações ainda mais impressionantes. Evidentemente, ela também achou que os ministros do século XIX estavam gastando muito tempo “flutuando” sobre as igrejas.

Ellen White via os membros da igreja como pessoas que deveriam estar ativamente engajadas no ministério de alguma maneira. Isso era necessário para o fortalecimento espiritual e crescimento cristão dos membros. Assim, o melhor acalento que os pastores poderiam dar as igrejas seria colocar seus membros para trabalhar ao invés de realizar o ministério por elas. Esse argumento de Ellen White sobre não ter pastores fixos não é apenas missionário, mas de cuidado. Falando da igreja primitiva, Ellen White afirmou:

Esquecidos de que a fortaleza para resistir ao mal é melhor obtida pelo trabalho intenso, começaram a pensar que não havia para eles trabalho tão importante como o de proteger a igreja de Jerusalém dos ataques do inimigo. Em lugar de instruir os novos conversos para levarem o evangelho aos que ainda não o haviam ouvido, estavam em perigo de tomar um caminho que os levaria a se sentirem satisfeitos com o que já tinha sido alcançado. A fim de espalhar Seus representantes por outras partes do mundo, de maneira que pudessem trabalhar por outros, Deus permitiu que lhes sobreviesse a perseguição. Expulsos de Jerusalém, os crentes "iam por toda a parte anunciando a Palavra".

Os que desejam ser vencedores precisam ser alijados de si mesmos; e a única coisa que efetuará esta grandiosa obra é interessar-se vivamente pela salvação dos outros.

Uma igreja saudável, na visão de Ellen White, era aquela em que todos os membros estavam ativamente engajados no ministério. Essa visão não tinha apenas traços missionários, mas claramente, resultava em cristãos saudáveis. Ela era enfática ao afirmar que apenas esse modelo de ministério leigo poderia tornar os membros da igreja em vencedores.

Ellen White tinha a intensa compreensão sobre o clero treinar e equipar ao invés de serem os executores do ministério, e ela até afirma que pastores que estiverem executando o ministério, ao invés de ensinar os membros a ministrar, deveriam ser demitidos. Novamente, isso não foi escrito no contexto atual, de pastores fixos, mas no contexto de um clero itinerante.

A maior preocupação de Ellen White sobre pastores fixos teria duas razões: a missão da igreja e o discipulado dos cristãos. Claramente, sua visão era de que qualquer igreja que fosse dependente de um pastor seria imatura e não havia sido discipulada, e o pastor que tinha levantado aquela igreja tinha falhado em seu trabalho, pois não havia criado uma igreja que pudesse ser independente.

Meu coração se encheu de tristeza ao examinar o campo e ver lugares improdutivos. O que isso significa? Quem se mantém como representante de Cristo? Quem sente uma aflição pelas almas que não recebem a verdade até que alguém leve a eles? Nossos ministros estão flutuando sobre as igrejas,

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como se o anjo da misericórdia não estivesse fazendo esforços para salvar almas.

Deus deixou esses ministros responsáveis pela alma daqueles que estão na escuridão. Ele não os chama para ir a campos que não precisam de médicos. Estabelecer suas igrejas com entendimento de que não precisam de um ministro que cuida ou fica alimentando-os constantemente. Eles possuem a verdade; sabem o que a verdade é. Eles devem ter raízes em si mesmos. Isso deveria abatê-los profundamente, para que alcancem mais e mais alto. Eles devem estar enraizados e fundamentados na fé.

Igrejas devem ser plantadas. Não devem ser feitos grandes centros, como em Battle Creek; e ainda assim, haverá algumas igrejas importantes estabelecidas, e casas de reunião em cidades grandes favoráveis em acomodar os crentes em cada localidade. Não deve haver um chamado por pastores fixos em nossas igrejas, mas deixe que o poder vivificante da verdade impressione os membros a agir, conduzindo um eficiente trabalho missionário naquela localidade. Como a mão de Deus, a igreja deve ser educada e treinada para realizar um trabalho efetivo. Seus membros devem ser devotos ao Senhor, trabalhadores cristãos. A igreja é demasiada unilateral.

Ellen White claramente entendeu que os membros locais deveriam ser cuidados. Sua compreensão era de que esse trabalho não deveria ser feito por um clero pago. Anciãos leigos serviam como pastores locais, pois pastorear era considerado uma responsabilidade leiga, e era necessária para a saúde da igreja.

O Tabernáculo de Battle Creek, a maior igreja da denominação, não teve um pastor fixo por todo o século XIX. Tiago White, enquanto era presidente da Associação Geral, e dirigente da casa publicadora, às vezes também servia como pastor do Tabernáculo de Battle Creek. Em 1906, Ellen White aconselhou A. G. Daniells, então presidente da Associação Geral, a também assumir a responsabilidade de pastorear o Tabernáculo de Battle Creek.

Parece que os ancião e diáconos leigos eram os que estavam em controle da igreja local naqueles primeiros dias. Ellen White até aconselhou que os pastores itinerantes não deveriam ser enviados para a mesma igreja a cada ano, por medo de que se criasse uma dependência dos ministros e impedisse o desenvolvimento da vida espiritual dos membros. Em Battle Creek, o primeiro ancião George Amadon, um obreiro leigo, selecionava os pregadores do Sábado pela manhã entre os muitos ministros que moravam em Battle Creek. Vários clérigos pregavam, dependendo de quem estava na cidade.

A PERDA DA FUNÇÃO DO CLERO COMO PLANTADORES DE IGREJA

Quando a igreja foi entrando no século XX, uma mudança na descrição do trabalho do pastor estava no horizonte. Aqueles que claramente entendiam o papel singular do clero Adventista

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preveniram das terríveis conseqüências pela denominação copiar o modelo tradicional de pastor protestante. Um desses era A. G. Daniells, presidente da Associação Geral durante os vinte primeiros anos do século xx. Evidentemente, havia alguns em seus dias que defendiam ter pastores fixos. Em resposta a essas pessoas Daniells fez a seguinte afirmação profética:

Não mantemos ministros fixos como pastores em igrejas em qualquer extensão. Em algumas igrejas muito grandes, temos elegido pastores, mas como regra temos nos mantido prontos para o trabalho em campo, trabalho evangelístico, e nossos irmãos e irmãs têm se mantido prontos para conduzir os cultos e os trabalhos sem um pastor fixo. E espero que nunca deixe de ser a ordem em todos os assuntos dessa denominação, pois quando pararmos nosso movimento de avanço, e começarmos a nos fixar nas igrejas, pensando e orando por eles e fazendo o trabalho que deveria ser feito por eles, então nossas igrejas irão enfraquecer, perder seu espírito e sua vida, tornando-se paralisada, fossilizada e o trabalho será feito como refúgio.

Assim, ainda em 1912, a Igreja Adventista ainda operava no modelo de igreja do Novo Testamento. A afirmação defensiva de Daniells sugere que algumas das igrejas maiores já possuíam pastores fixos, e movimentos estavam a caminho para que a prática fosse estendida a congregações menores. Porém, nesse período as igrejas não eram dependentes de pastores; pelo contrário, os pastores operavam no modelo treinar/equipar. J. O. Corliss, um pastor de San Francisco, respondendo ao chamado de Ellen White para que não se fixasse em nenhuma igreja, descreve como era a vida em uma igreja com pastor:

Não, senhor; não se fizermos o trabalho de buscar os perdidos. Um homem pode ficar em uma igreja, e simplesmente pregar a uma igreja até que esta seja totalmente dependente de sua pregação; mas a nossa igreja não faz isso. Nossa igreja está trabalhando. Mas o pastor que ter uma mente diferenciada, ao conversar com diferentes membros da igreja, apenas para saber em que cada indivíduo se encaixa. Acredito que possamos fazer isso.

Então, ele começa a descrever o trabalho que a igreja estava fazendo: cultos no primeiro e terceiro domingos na casa dos Seaman, tentado levá-los a Cristo; um ministério na prisão, também no terceiro domingo; e uma noite de quinta-feira com conversa sobre saúde com médicos. Além disso, os membros vão até os pobres da cidade e compartilham da vida saudável com os necessitados e falam de Jesus para eles; outros levam roupas e alimento para os pobres. Comissões de pessoas visitam os doentes e os idosos, e outros distribuem e vendem cerca de 250 exemplares de Sinais dos Tempos, a cada semana. Eles também conduzem trabalhos chineses e japoneses na cidade. Qual é o papel do pastor nessa situação?

Todas essas comissões fazem um relatório para as reuniões semanais dos trabalhadores. Tenho pouco a fazer nesses planos de trabalho a não ser aconselhar aqueles que estão engajados em realizá-los. Isso é necessário, havendo muitos engajados no trabalho, para que se preserve a harmonia e a unidade de propósito.

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Qual era o resultado de todos os membros trabalharem diligentemente na igreja e o pastor trabalhando como treinador/ equipador, assim como o coordenador do trabalho dos membros? Veja Corliss descrevendo os resultados:

Sim, e nós temos em média três batismos em um mês. Nunca falhamos em termos pelo menos um batismo ao mês, de pessoas que encontram a verdade. Isso é feito pelo trabalho externo. O ministro não recebe crédito por isso, e não merece nenhum. A sinceridade dos trabalhadores e seus cuidadosos métodos recomendam a verdade aos outros. Não demora muito para que comecem a indagar sobre os Adventistas do Sétimo Dia, e o que eles acreditam, dizendo, “Sempre achei que o sétimo dia era o Sábado.” Você não precisa argumentar com essas pessoas. Pregamos sobre Cristo, e deixamos tudo agrupar-se sobre Ele, e centralizamos nEle. Em cada discurso, Cristo é o tema, e o Sábado é colocado de maneira que não se fale muito nele, para que, quando as pessoas aceitarem a Cristo, aceitem ao Sábado junto com Ele. O Sábado é uma importante parte dessa mensagem. Mas, chegamos a uma época em que podemos pregar mais fortemente do que discorrer longamente na diferença dos dois dias. As pessoas querem que o Sábado venha do próprio Salvador.

A vida, até mesmo nas igrejas com pastores fixos na primeira parte do século xx, não parecia em nada com hoje em dia. Os pastores estavam no modo bíblico de treinar/equipar. E as igrejas continuaram a crescer, independente de ter pastores fixos. Ellen White e A. G. Daniells estavam preocupados com essa nova tendência, mesmo que, naquele momento, estivesse funcionando, pois a tendência de ter um pastor fixo poderia levar a uma dependência pastoral. Então, quando confrontada com a questão dos pastores fixos no início do século xx, Ellen White normalmente era contra. Por quê? Porque significaria uma perda na missão, e poderia resultar em um declínio espiritual da igreja.

Muita energia espiritual tem sido despendida na igreja de Battle Creek. Aqueles que têm ouvido a preciosa verdade que tem sido emanada de uma maneira tão livre como lá, têm geralmente falhado em receber ou apreciar a luz que é dada. Eles falham em comunicar o que receberam... O grande gasto causado por esses institutos, que tem sido defendido com freqüência, poderia ter trazidos melhores resultados se fosse despendida em manter os ministros em alguma parte negligenciada do vinhedo de Deus, onde não há guardadores do Sábado... O evangelho deve ir a toda nação, língua e povo, e os ministros não devem devotar seus trabalhos inteiramente às igrejas, que já conhecem a verdade. Tanto ministros quanto pessoas perdem muito ao seguir esse modelo de trabalho.

Ellen White, assim como A. G. Daniells, continua com o clarim do chamado para que a Igreja Adventista do Sétimo Dia mantivesse sua estrutura organizacional do Novo Testamento e não voltasse ao paradigma de dependência pastoral da Idade Média:

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Não deve haver um chamado por pastores fixos em nossas igrejas, mas deixe que o poder vivificante da verdade impressione os membros a agir, conduzindo um eficiente trabalho missionário naquela localidade. Como a mão de Deus, a igreja deve ser educada e treinada para realizar um trabalho efetivo. Seus membros devem ser devotos ao Senhor, trabalhadores cristãos.

Evidentemente, no início do século xx, alguns estavam pedindo que a Igreja Adventista tivesse “pastores fixos” nas igrejas. Tanto Ellen White, quanto Daniells, resistiam enfaticamente a esse chamado. Suas preocupações, como observado por Ellen White, nas afirmações abaixo, eram missionárias e educacionais.

Não dependam de seus ministros para fazer todo o trabalho em sua igreja ou vizinhança. Os pastores devem buscar as ovelhas perdidas, e vocês devem ajudá-lo. E enquanto os ministros são chamados para trabalhar em outros lugares do vinhedo, o povo de Deus deve ter a luz dentro de si, falando uns aos outros com salmos e hinos de louvor, cantando com graça em nosso coração, e fazendo melodia para o Senhor. Você deveria respeitar os ministros por causa de seu trabalho, você não deve confiar neles como seu salvador, mas construam-se a si mesmos a fé santíssima. Quando reunirem-se na casa do Senhor conte suas experiências, e assim você crescerá fortalecido. Enquanto falar em uma reunião, você estará ganhando uma educação que irá capacitá-lo a trabalhar para os outros.

Muitos parecem pensar que o declínio da igreja, o crescente amor ao prazer, é devido ao desejo de ter o trabalho pastoral. Verdade, a igreja deve providenciar guias fiéis e pastores. Os ministros devem trabalhar ardentemente pela juventude que ainda não entregou sua vida a Cristo, e também pelos outros, que, mesmo tendo o nome no rol de membros da igreja, mas são irreligiosos e não têm Cristo. Mas os ministros podem fazer seu trabalho de maneira correta e fiel e ainda assim irão conquistar pouco se os pais negligenciarem seu trabalho.

Quando os homens aprenderem a ser servos de Cristo, eles compreenderão que em cada igreja trabalhadores devem ser escolhidos para supervisão das ações. Pastores e professores devem trabalhar com inteligência em suas linhas de ação, instruindo os membros da igreja a como trabalhar nas frentes médico-missionárias. Quando os professos seguidores de Cristo têm um Salvador em seu coração eles acabarão fazendo como Cristo fez. Não terão a oportunidade de enferrujar-se pela inatividade.

Os pastores de igreja são negligentes no ministrar, em ensinar fielmente os membros da igreja.

Com freqüência tem sido apresentado que deve haver menos sermões sobre ministros agindo simplesmente como pastores locais, e que grandes esforços pessoais deveriam ser aplicados. Nosso povo não precisa ser achar que precisa

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ouvir um sermão a cada sábado. Muitos dos que ouvem sermões com freqüência, mesmo que a verdade seja mostrada claramente, aprendem muito pouco. Com freqüência seria muito mais proveitoso se a natureza das reuniões de sábado fosse de estudo bíblico.

A comissão dada aos discípulos também é dada a nós. Hoje, assim como naquele tempo, um Salvador crucificado e ressuscitado deveria ser exaltado ante aqueles que não têm Deus ou esperança no mundo. O Senhor chama por pastores, professores e evangelistas. De porta em porta, Seus servos devem proclamar a mensagem da salvação. As novas do perdão através de Cristo devem ser levadas a toda nação, semelhante, língua e povo. A mensagem não deve ser dada com um discurso sem vida e enfadonho, mas com um discurso claro, decidido e empolgante. Centenas estão esperando pelo alerta para escapar por suas vidas. O mundo precisa ver nos cristãos uma evidência do poder do cristianismo. Mensagens de misericórdia são necessárias não apenas em alguns lugares, mas em todo o mundo.

Esse exame da contribuição de Ellen White para a teologia prática do Adventismo revela uma forte base evangelística e teológica para ter pastores itinerantes. Sendo essa a norma para a igreja no século xix, a maioria dessas afirmações foi escrita no início do século xx, quando muitos estavam pedindo por pastores fixos nas igrejas. Ellen White e Daniells trabalharam muito para impedir a mudança. Entretanto, depois que sua caneta foi calada pela morte em 1915 e Daniells saiu da presidência da Associação Geral em 1920, nada podia deter a onda. A Igreja Adventista do Sétimo Dia norte-americana, então, abandonou o modelo missionário da igreja e começou a mudar para o modelo mais tradicional, que os adventistas haviam abandonado na metade do século xix.

Uma afirmação final de Ellen White, e talvez a mais forte de todas, escrita em 1901, revela sua paixão pelo assunto da igreja ter um pastor fixo:

As igrejas estão morrendo, e querem um pastor que lhes pregue. Devem ser ensinados a dar fielmente o dízimo a Deus, para que os possa

fortalecer e abençoar. Devem ser postos em ordem de trabalho, para que possam receber o alento do Senhor. Deve-se-lhes ensinar que, a não ser que possam permanecer por si sós, sem um pastor, precisam converter-se, sendo de novo batizados. Necessitam nascer de novo.

Claramente, Ellen White acreditava em uma igreja nativa. A igreja não deveria depender de um pastor vindo de fora para sustar sua vida espiritual. Se esse era o caso, a igreja não era convertida e aqueles que a levantaram não discipularam as pessoas. Para discipular, a pessoa deve criar independência. Essa é uma afirmação poderosa e deve motivar as pessoas da Igreja Adventista atual a novamente voltar a criar uma igreja autosuficiente. Não parece haver nenhuma ação definitiva que muda a Igreja Adventista do modelo missionário para o modelo tradicional do Adventismo moderno. Pelo contrário, parece ter havido uma mudança gradual durante algumas décadas. Lentamente, começando na década

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de 1920, eram dados distritos de igrejas para que os pastores adventistas cuidassem, mas ainda se esperava que realizasse o trabalho evangelístico. O plano de atribuição de igrejas foi totalmente implementado em 1950. Nas décadas de 1960 e 1970, a igreja continuou a colocar pastores nas igrejas, até que a maioria das igrejas, independente do tamanho, tinha seu próprio pastor. Apenas as igrejas menores dividiam um pastor. Com dificuldades financeiras, no fim da década de 1980 e início de 1990, as associações locais deram um passo atrás na contínua adição de pastores e passaram a aumentar o tamanho dos distritos. Agora, algumas das associações possuem distritos com cinco ou seis igrejas. Entretanto, até mesmo nesses, o pastor possui o papel de principal cuidador.

Alguns devem imaginar como a igreja Adventista, com sua forte crença na inspiração de Ellen White, pôde abandonar o modelo de cuidado mútuo pelo modelo tradicional de cuidado clérigo. A tragédia do Adventismo é não ter seguido consistentemente os conselhos de Ellen White, nem mesmo enquanto ela estava viva. Um excelente exemplo é o conflito de 1888 sobre a justificação pela fé. A liderança daquela época teve dificuldade de abandonar seu legalismo pela pureza do evangelho, como Ellen White estava afirmando, mesmo acreditando em sua inspiração. O poder do coração carnal é forte.

Nos últimos quinze anos da vida de Ellen White, como documentado nesse capítulo, havia contínuos pedidos por pastores fixos. Ellen White resistiu, mas quando sua voz foi calada pela morte, uma mudança lentamente aconteceu. Precisamos lembrar que, mesmo nos primeiros vinte anos do século xx, pastores estavam sendo colocados para cuidar de igrejas, mesmo apesar dos protestos de Ellen White. Esses pastores não eram os principais cuidadores – isso aconteceu depois, assim como na igreja primitiva. Sem seu protesto, nada poderia parar a mudança. Não houve ações oficiais mudando a função do clero.

Em 1925, um editorial apareceu na Review and Herald e continha um protesto velado contra a mudança no papel do clero:

As mesas precisam ser servidas, os pobres não podem ser negligenciados e o maquinário da igreja deve ser mantido operando, mas não podemos acreditar que qualquer maneira moderna de pregar o evangelho pode ser superior do que aquela ordenada pelo Senhor e realizado por Seus apóstolos sob a direção do Espírito Santo. Que Deus nos salve de um ministério dividido; e que Ele nos salve de um ministério divergido. Ambos, ou um deles, diminuirá o padrão divino da pregação eficaz e cheia do Espírito, os meios ordenados por Deus pelos quais a salvação do homem deve ser trabalhada.

Há um grande perigo naqueles que foram separados para o ministério sagrado em conexão com esse movimento, serão divergidos de seu maior objetivo, o perigo de que eles deixem o ministério da palavra para servir mesas.

Mas, de alguma maneira, não podemos reprimir a convicção de que fugimos da simplicidade do plano do evangelho. Passamos muito tempo planejando que temos pouco tempo para executar nossos planos. E então, temos um grande

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temor – possivelmente nasceu de nossa consciência pessoal das deficiências – de que nos tornamos dependentes de planos e resoluções para o cumprimento desse trabalho ao invés da dependência do poder de Deus.

Como resultado dos pastores se fixarem nas igrejas (servindo mesas), o ministro corria o risco de ser divergido de sua tarefa – a pregação do evangelho. Quando os que se lembravam do modelo primitivo gradualmente morreram, o modelo tradicional tornou-se fortificado no Adventismo. H. M. S. Richards, decano dos pregadores adventistas e fundador do programa de rádio da Voz da Profecia, começou seu ministério no princípio do século xx. Em 1957, muito depois do conceito de pastores fixos ter se fortificado no Adventismo, Richards falou na primeira palestra em pregação H. M. S. Richards, no Colégio Missionário de Washington e no Seminário da IASD. Nessas palestras ele se refere ao tempo em que não havia pastores fixos. Referindo-se ao artigo da Review citado acima, mas atribuindo significado para aquilo que apenas supúnhamos:

Então, ele começou a escrever sobre algo que é difícil para entendermos, hoje, e sentirmos como ele se sentiu. Ele menciona o que chamou de “a infeliz tendência de crescimento na direção de termos pastores fixos em nossa denominação.” O tempo, de muitos de nossos pregadores, ao invés de ser usado para levar a mensagem a novos lugares, está sendo utilizado para resolver dificuldades de igrejas e no trabalho por homens e mulheres que deveriam ser torres de força e não objeto de trabalho.

Quando fui batizado, me tornando depois um jovem pregador, nós achávamos que as igrejas que precisavam de pastores fixos, pastoreando cada rebanho, eram decadentes. A maioria de nossos pregadores estava na linha de fogo, realizando reuniões, ganhando pessoas para Cristo e levantando novas igrejas. Então, de tempos em tempos, eles visitavam as igrejas que haviam sido estabelecidas. De acordo com a nossa visão, essa era parecia ser o plano da igreja apostólica.

Richards confirma o que estava por trás do artigo, de 1925, da Review. Foi o último protesto contra o ataque do modelo tradicional de cuidado pastoral e do pastoreado fixo. Mais adiante, na mesma palestra, Richards faz um protesto final contra o pastoreado fixo. Aqui estão citações de um estudioso adventista, que ele prefere não citar:

Nesse momento estamos sob grande exposição. Por exemplo, há um livro sensacional, escrito por um padre francês que nos examinou profundamente, e devo dizer particularmente imparcial. Seu objetivo não é nos criticar ou atacar, mas descobrir como um católico francês poderia se tornar um Adventista do Sétimo Dia... É significante que, ao analisarmos a “psicologia do sectário” como ele coloca, ele disse (e eu estou apenas citando de memória) que quando os Adventistas eram um movimento – quer dizer, quando eles não tinham templos, nem instituição – nós católicos os temíamos; mas eles se estabilizaram e se organizaram e falam muito sobre dinheiro. Na verdade, o autor diz que os

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Adventistas se parecem mais com os católicos do que todos os outros protestantes, porque eles falam mais que todos sobre dinheiro! O fato é que quando um movimento para de se mover, e se assenta, não apenas em sua organização, mas também em seu pensamento, é hora de tomar mais cuidado.

Essas sombrias palavras desafiam a Igreja Adventista atual a ser séria sobre a razão de sua existência novamente. O Adventismo seguiu o padrão geral de saída do modelo ministerial de Jesus e Paulo, quase que da mesma maneira que a igreja primitiva. Se o Adventismo continuar seguindo nessa direção, eventualmente teremos as mesmas lutas por poder clérigo, assim como a igreja enfrentou no século iv.

Em resumo, primeiro a igreja colocou pastores para cuidarem das igrejas maiores, apesar dos protestos de Ellen White. Então, depois da morte dela, lentamente a descrição do trabalho desses pastores fixos passou a ser de principais cuidadores. Depois, as igrejas menores passaram a exigir um pastor. A mudança foi tão gradual que ninguém protestou. Logo o tradicional modelo de cuidado pastoral estava entrincheirado no Adventismo.

A visualização pode nos ajudar a compreender os resultados da adoção do modelo tradicional da Igreja Adventista do século xx. Por favor, veja o gráfico 1, abaixo. Ele registra o crescimento líquido de membros por pastor para cada década.

GRÁFICO 1

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Enquanto a igreja mantinha o modelo de pastores não-fixos, havia um crescimento significante por pastor em cada década. Nenhuma outra década do século xx se compara com essas quatro décadas de uma igreja não-dependente de pastores. Quando a igreja discutiu e debateu sobre mudar desse paradigma no período entre 1900 e 1910, a taxa de crescimento foi praticamente zero. Por causa do constante trabalho de Ellen White durante esse período, subiu novamente entre 1910 e 1919. Da década de 1920 em diante, a igreja mudou para o pastorado fixo, e o crescimento é de apenas um terço ou um quarto do que era quando a igreja operava sem pastores fixos. Claramente, a mudança para pastores fixos não acentuou o crescimento da Igreja Adventista. É como se quanto mais pastores eram adicionados, menor era a taxa de crescimento da igreja. Outro fator a se ter em mente ao olhar esse gráfico é que nos dias de hoje os membros não são retirados do rol de membros como eram antigamente. Se os registros de hoje refletissem exatamente o ganho de membros atual, o contraste seria ainda mais assustador.

O gráfico 2 retrata por década o número de igrejas para cada pastor ordenado na Igreja Adventista do Sétimo Dia.

GRÁFICO 2

Isso não significa que os pastores eram designados para as igrejas, antigamente. Eles não eram. Isso revela uma tendência nítida, começando na década de 1920 e continuando até a década de 1970, de colocar mais pastores por igrejas, e mudou levemente devido a dificuldades financeiras das duas últimas décadas. A Igreja Adventista não apenas colocou mais pastores, como também mudou a descrição de trabalho deles, o que, em retorno, afetou o

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crescimento da Igreja Adventista na América do Norte. Devemos notar que a mudança no trabalho do pastor aconteceu na América do Norte e não, em sua maioria, no restante da igreja mundial. Surpreendentemente, aqueles que não adotaram essa mudança de função continuaram a crescer com taxas similares àquelas das primeiras quatro décadas da igreja na América do Norte.

O gráfico 3, abaixo retrata o aumento em igrejas por ano na década. Interessantemente, a Igreja Adventista da América do Norte, estava começando mais igrejas por ano nas décadas do século xix, com menos de 75 mil membros, do que atualmente, com mais de 800 mil membros. Obviamente, a plantação de igrejas era a prioridade no século xix, e deixou de ser no século seguinte. Notável é o fato de que quando a igreja abandonou o modelo ministerial leigo e passou a ter o modelo de dependência pastoral, houve uma queda no número de igrejas por década. A década de 1920 é quando o movimento começou a exigir que cada igreja tivesse seu próprio pastor. Os resultados são óbvios. O Adventismo deixou de ser um movimento de plantação de igrejas.

GRÁFICO 3

O gráfico 4, abaixo, talvez seja o mais dramático. Ele registra o número de pastores necessários para levantar uma única igreja. Quando o Adventismo era um movimento de plantação de igrejas com pastores itinerantes, cujo principal trabalho era levantar igrejas, nunca

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foi necessário mais que dez pastores para levantar uma igreja a cada ano (em muitos anos eram necessários menos de dez pastores). Uma vez que a mudança para o modelo de pastores fixos foi feita, o número de pastores necessários para levantar uma igreja aumentou drasticamente, e até hoje mais de 122 pastores são necessários para esse trabalho. Se os adventistas de hoje plantassem igrejas na mesma taxa do século xix, esses seriam os números de igrejas plantadas por ano: Se, pela taxa de 1860, 376 por ano; se pela taxa de 1870, 1822 por ano; se pela taxa de 1880, 629 por ano; e se pela taxa de 1890, 768 por ano.

GRÁFICO 4

A evidência é devastadora. O crescimento da igreja, visto pelo aumento dos membros e de igrejas plantadas, foi dramaticamente impactado pela mudança da função pastoral de plantador de igreja para principal cuidador. Esse impacto foi significantemente negativo. Hoje, o resultado é que a Igreja não está mais plantando igrejas e não está mostrando um crescimento significativo. Ainda mais, a Igreja está com a saúde espiritual pobre, mesmo com tanto cuidado dos pastores.

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Assim, o papel do pastor adventista mudou nesse século; de evangelista e plantador de igrejas, para principal cuidador da igreja local. O problema moderno está combinado com o fato de que muitas associações ainda esperam que os pastores exerçam as duas funções, mas as necessidades das congregações forçam o pastor a negligenciar a função evangelística. Apenas quando o ministério for restaurado às pessoas, o pastor pode deixar de ser o principal cuidador. Enquanto os pastores continuarem a na presente função, as pessoas serão roubadas do ministério confiado a eles por Deus, e a igreja norte-americana continuará estagnada.

Interessantemente, enquanto os Adventistas norte-americanos abandonaram o modelo clérigo do Novo Testamento nesse século, o terceiro mundo, provavelmente por razões financeiras, continuaram no modelo bíblico. Lá, os pastores adventistas geralmente são responsáveis por vinte e cinco ou mais igrejas e os anciãos locais fazem todo o pastoreado. Nesses países o clero ainda é responsável pelo batismo de novos conversos e por levantar novas igrejas. O resultado é o crescimento explosivo do Adventismo no terceiro mundo. Talvez uma recaptura do modelo ministerial do início do Adventismo possa reiniciar a organização missionária da igreja do século xxi.

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– Capítulo 8 –

O CUIDADO AO MEMBRO NO INÍCIO DO ADVENTISMO

Sem ter pastores fixos cuidando de cada igreja, como as primeiras igrejas adventistas se mantinham? Lemos que eles eram treinados para cuidarem de si mesmos, mas como eles faziam isso? Este capítulo irá explorar as maneiras pelas quais a Igreja Adventista do Sétimo Dia, em seus primeiros anos, manteve a boa saúde espiritual, mesmo na falta de pastores fixos. Já descobrimos que a igreja cristã primitiva ganhava força espiritual através das pequenas igrejas caseiras que eles estabeleciam. Da mesma maneira os metodistas primitivos eram mantidos através das reuniões de classe, com pouca ajuda do clero.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia surgiu na metade do século XIX, na mesma época em que as reuniões de classe metodistas foram substituídas pelas reuniões de oração. Anteriormente, era exigido que todos os metodistas participassem das reuniões de classe semanais, uma reunião em lares, na qual as pessoas confiavam sua vida em Cristo uns aos outros. Agora, porém, a reunião de oração emergia como veículo para completar a vitalidade espiritual. Essas reuniões de oração eram realizadas depois de um culto de pregação.

Aparentemente, os primeiros adventistas, muitos vindos de raízes metodistas, pegaram emprestado a ideia das reuniões sociais das reuniões de oração como eram na transição das reuniões de classe. Muitos das primeiras reuniões sociais adventistas realizavam-se após o culto de pregação e dava a oportunidade para que as pessoas compartilhassem o que o sermão significara para elas. Esse conceito era utilizado em conexão com as reuniões evangelísticas. Entretanto, muitas vezes as reuniões sociais eram realizadas separadamente, ao invés de apenas após o culto.

Todas essas reuniões sociais pareciam ser conduzidas de maneira muito semelhante às reuniões de oração metodistas no momento de transição das reuniões de classe. Enquanto as reuniões de oração continuaram a declinar na igreja metodista, as reuniões sociais se tornaram uma característica diferenciada do início do Adventismo, ao se espalhar pelo mundo. Há duas fontes de informação sobre as reuniões sociais da igreja adventista: os escritos de pioneiros adventistas e os de Ellen White. Examinaremos essas duas fontes para entendermos as reuniões sociais do início do Adventismo, e então chegaremos a uma conclusão sobre sua função na igreja adventista inicial e como se relaciona com o cuidado ao membro.

OS PIONEIROS DO ADVENTISMO E AS REUNIÕES SOCIAIS

As reuniões sociais eram uma parte habitual da atividade da igreja adventista primitiva. Quando alguém lê com atenção a primeira edição do jornal da igreja, Advent Review and Sabath Herald, é obvio que as reuniões sociais eram consideradas uma parte habitual da vida da igreja

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para a maioria dos adventistas. Na verdade, parece que as reuniões sociais eram mais importantes para os primeiros crentes que os cultos de pregação. A pregação poderia, e muitas vezes era, omitida, mas as reuniões sociais nunca deveriam ser negligenciadas.

Está claro que essas reuniões sociais eram relacionais por natureza. Pouco, ou quase nenhum, estudo bíblico acontecia nelas. Os crentes não negligenciavam seus estudos bíblicos pessoais, mas poderiam segui-lo de uma reunião social em que poderiam compartilhar sua vida em Cristo. As reuniões sociais tinham a forma de testemunhos, pois os crentes compartilhavam com os outros suas lutas e vitórias na vida cristã e confiavam uns aos outros sua vida em Cristo. Uriah Smith, diretor de longa data da Review, definiu a reunião social adventista dessa maneira:

Uma reunião caracterizada por testemunhos espirituais e encorajadores, olhos brilhantes, a voz do louvor, a exortação honesta e emocionante, e geralmente as lágrimas – cenas em que o amor e a fé flamejando de maneira nova.

Nas seguintes citações, pode-se pegar o espírito dessas reuniões sociais adventistas:

As reuniões sociais eram marcadas por grande solenidade. Pecados eram confessados com lágrimas, e havia um sucumbir geral ante Deus, e pedidos de perdão e uma condição para encontrar o Senhor em Seu retorno. E os humildes discípulos do Senhor não buscavam Sua face em vão. Antes que a reunião terminasse, centenas testemunhavam com lágrimas de alegria por ter buscado e encontrado o Senhor, e haviam experimentado a doçura de ter os pecados perdoados.

Se eles tinham algo a dizer nas reuniões sociais, além da fórmula sempre recorrente, “Quero ser um cristão, para que eu possa ser salvo,” eles contam apenas uma experiência passada, da alegria que tiveram quando aceitaram ao Senhor. Da alegria do Deus vivo, e caminhar com Ele por fé, eles não conheciam, e aquele que fala disso, fala para eles em uma língua estranha.

Na noite depois do primeiro encontro em uma reunião social, nos reunimos para compartilharmos o pão. Havia um espírito de trabalho pela igreja, e alguns que foram amarrados na descrença, foram libertados, e foram preenchidos com paz, alegria, esperança e fé. Foi uma reunião gloriosa.

Oração e reunião social aos sábados deveriam ser sustentadas pelo espírito. Uma energia santa e vigorosa que brota do coração do cristão deveria marcar seu progresso. De semana a semana o seguidor consistente do Senhor deleita-se em ser encontrado, com pontualidade e fidelidade, em sua posição, executando, com alegria, a sua parte, e de um rico fundo de experiência diária, ele lança em ações comuns suas orações de agradecimento e súplica, palavra de exortação, hinos de louvor, tudo para a edificação de seus irmãos e irmãs.

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Essas afirmações são típicas de muitas descrições do que acontecia durante as reuniões sociais adventistas. Testemunhos eram oferecidos livremente. Pecados eram confessados e o perdão era conseguido gratuitamente. Havia uma franqueza nessas reuniões que dificilmente seria possível acontecer nessa sociedade individualista dos dias de hoje. As pessoas compartilhavam abertamente suas esperanças e sonhos, assim como suas lutas. Esse compartilhar comum, não de verdades doutrinárias, mas de experiência cristã, foi uma parte vital do início do Adventismo.

Aparentemente, essas reuniões sociais variavam, mas os elementos comuns eram oração, testemunhos, palavras de encorajamento aos outros e louvor. Os testemunhos eram curtos e iam direto ao ponto. Entretanto, às vezes alguns utilizavam da “pregação” como parte de seu testemunho. Isso geralmente provocava admoestações para que os testemunhos fossem curtos e diretos ao ponto. Assim, uma boa reunião social era concisa, mesmo se gabando de ter 117 testemunhos em 53 minutos.

A reunião social era uma parte tão vital da igreja adventista que, muitas vezes, era a única reunião religiosa disponível aos crentes. Sem pastores fixos, raramente os adventistas ouviam um sermão, exceto talvez nas reuniões campais. De outra forma, eles recebiam nutrição ao ler sermões na Review semana e estudando a Bíblia sozinhos.

Porém, quando os crentes se reuniam, eles sempre tinham uma reunião social. Às vezes, eles tinham Escola Sabatina, mas era seguido por uma reunião social e não por um culto com pregação. Os anciãos locais não pregavam, eles simplesmente lideravam as reuniões sociais. Era primordialmente através das reuniões sociais que a vida religiosa era sustentada no Adventismo. Dessa forma, eles criavam uma comunidade entre si.

Aqui está um delineamento inspirado de certas responsabilidades cristãs; responsabilidades estas que, se descarregados apropriadamente, nos farão mais fortes no Senhor e do poder de Sua força. E uma delas é a fidelidade na oração e nas reuniões sociais. Então, de acordo com essa injunção, quando a igreja observa o dia do Senhor se aproximando, eles devem exortar uns aos outros para que vejam.

Querido irmão White: Poderia você perceber a total solidão de alguns de nossos irmãos, distantes daqueles iguais na fé, ninguém com quem possam conversar sobre suas aflições, ninguém com quem possam unir confiantemente suas vozes em oração; sem a satisfação das reuniões sociais daqueles cujo coração se une e incendeia por dentro ao se encontrarem e cantarem e orarem, e falarem de suas alegrias, suas esperanças, seus desafios, falar com nosso Grande Sumo Sacerdote, do novo céu e da nova terra e a doce paz proporcionado a eles ao obedecer todos os mandamentos de Deus.

Está claro que os primeiros adventistas não eram isolados em sua experiência cristã. Essa carta impressa em uma antiga Review revela um membro isolado e seu grande desejo de ter

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uma comunhão em reuniões sociais com outros crentes. Era difícil manter a vida espiritual distante da comunhão das reuniões sociais.

Os adventistas eram tão fortes em sua convicção sobre as reuniões sociais que o consideravam uma responsabilidade do cristão frequentar regularmente as reuniões sociais. Na verdade, essa era uma das primeiras responsabilidades que eles sentiam que as Escrituras havia imposto para eles. Não havia dúvida sobre a freqüência. Pode não ter sido exigida, mas com certeza era esperada de todos os crentes. Qualquer um que deliberadamente faltasse às reuniões sociais era considerado em necessidade de auxílio espiritual.

Dois exemplos da vida no princípio da igreja adventista são revelados por cartas enviadas a Review por membros descrevendo a vida de suas igrejas aos sábados. Aparentemente, eles se reuniam para oração e reuniões sociais. Eles também se encontravam no início do sábado, na sexta à noite, e novamente no sábado pela manhã, para uma reunião social e classe bíblica.

Na falta de um clero residente, os primeiros adventistas eram sustentados através das reuniões sociais, a Escola Sabatina, e a classe bíblica. Tudo isso, com certeza, atividades de pequenos grupos. Os crentes participavam dessas atividades; eles não eram meros espectadores. As reuniões sociais, como vimos, eram momentos relacionais. Isso apesar do fato de que os primeiros adventistas também passavam muito tempo estudando a Bíblia para descobrir a verdade. Com uma grande ênfase no cognitivo, alguém pode imaginar que eles negligenciavam o relacional, mas não o faziam. Na verdade, as reuniões regulares das igrejas lidavam mais com o relacional que com o cognitivo. Um conhecimento da verdade sem uma experiência sustentada com Deus era anátema dos primeiros adventistas; então, as reuniões sociais eram de grande importância para eles. Lá, a verdade que eles tinham descoberto era validada por uma profunda experiência com Deus. Não era a verdade apenas em prol da verdade, mas a verdade que levava a um profundo relacionamento com Deus, que eles testemunhavam livremente nas reuniões sociais.

Quando as novas igrejas eram organizadas, os líderes da igreja pareciam estar mais preocupados com a experiência relacional dos crentes do que com pureza doutrinária deles. Isso parece maravilhoso para os adventistas modernos, mas é revelado muito claramente na seguinte afirmação do historiador da igreja J. N. Loughborough ao definir a base pela qual as igrejas adventistas deveriam ser organizadas:

Onde corpos de crentes são apresentados nas verdades em novos lugares, recomendamos a imediata formação de uma igreja. Em tais casos, um líder deve ser escolhido (isso pode ser feito de melhor maneira pelo evangelista, quanto este levanta a igreja), e deixe as reuniões continuarem até que todos os indivíduos se tornem conhecidos uns dos outros e identificam-se com aqueles com quem querem ter comunhão, e que estão qualificados para importantes responsabilidades de oficiais da igreja. Quanto à maneira especial de organização de uma igreja, quando o tempo apropriado chegar, devemos permitir auxiliar a nós mesmos na experiência de vários ministros que já adotaram o seguinte plano e testemunham que ele funciona bem.

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Evidentemente, esse era um plano de organização por todo o século XIX, e até mesmo durante o século XX. Aqui novamente, as reuniões sociais parecem ser os principais cultos dos crentes adventistas. Antes que uma igreja fosse organizada, era importante que as pessoas se conhecessem relacionalmente, e a maneira para fazer isso acontecer, segundo Loughborough, era tendo reuniões sociais.

A prática de realizar reuniões sociais continuou depois da organização. Essas reuniões não eram apenas para a manutenção da igreja na falta de um pregador. Os primeiros adventistas expressaram pesar pelo fato da igreja de Battle Creek estavam perdendo muitas bênçãos por depender dos sermões de pregadores ao invés das reuniões sociais.

A igreja de Battle Creek precisa menos desses pregadores do que qualquer igreja do Estado, pelo fato de ter mais membros ativos do que em qualquer outra igreja no estado, muitos deles com muita experiência e honesto julgamento. Nós, algumas vezes, pregamos a eles, mas geralmente sentimos que se fosse uma reunião social seria melhor. E frequentemente, há o caso de, ao voltarmos depois de passar um sábado com outra igreja, nos contarem que houve uma maravilhosa reunião, a melhor de muitos sábados. Qual é a necessidade de pregadores, como nós, entrando no caminho de membros tão experientes?

Alguém pode apenas imaginar o que aconteceria nas igrejas de hoje se as antigas reuniões sociais acontecessem no lugar dos tradicionais cultos. No início do Adventismo, o clero era necessário para o estabelecimento de novos crentes. Os antigos crentes não precisam ouvir constantes pregações. As reuniões sociais com seus testemunhos, orações, canções e palavras de encorajamento, eram capazes de sustentar a fé muito melhor que os sermões dos melhores pregadores da denominação, mesmo em Battle Creek.

A prática de realizar reuniões sociais prevaleceu não apenas na igreja local, mas também como uma parte vital de todos os encontros adventistas, até mesmo nas sessões da Associação Geral. Examinando a agenda da Associação Geral nos primeiros dias, revela que um momento era separado para as reuniões sociais, como parte de negócios formais e uma agenda devocional. Mesmo nesses grandes encontros, as reuniões sociais eram necessárias. Os crentes precisavam ter um tempo separado com uma teologia para unir suas vidas a Cristo. Para facilitar os testemunhos nesses grandes encontros, a congregações eram divididas em vários grupos.

Esse breve exame dos pioneiros e as reuniões sociais revelam que as reuniões sociais eram consideradas vitais para os primeiros adventistas. Elas eram o meio de sustentar a vida espiritual dos crentes na falta de um pregador na igreja local. Parece claro na evidência que examinada que os primeiros adventistas estavam tão preocupados com a comunhão assim como eram preocupados com a doutrina. Enquanto as doutrinas distintas eram pregadas em um ambiente evangelístico, os conversos eram rapidamente ensinados a conduzir as reuniões sociais para unir relacionalmente. Os primeiros adventistas mantiveram um equilíbrio entre o relacional e o cognitivo, enquanto os adventistas modernos parecem ser principalmente cognitivos, negligenciando o relacional. Talvez seja o momento dos adventistas redescobrirem

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a vida equilibrada do cognitivo e relacional. Talvez seja a hora de menos sermões e mais comunhão.

ELLEN WHITE E AS REUNIÕES SOCIAIS

Talvez ninguém tenha escrito tanto sobre reuniões sociais do início do Adventismo do que Ellen White. Ela não apenas participava dessas reuniões, mas dava muitos conselhos sobre como elas deveriam ser conduzidas. As quase trezentas referências às reuniões sociais encontradas em seus escritos nos dão um quadro fiel da vida na igreja adventista relativo às reuniões sociais.

Ellen White confirma os conceitos de outros pioneiros sobre as reuniões sociais, mas ela dá outras percepções às reuniões. Para Ellen White, as reuniões sociais eram primordialmente um culto de testemunhos, em que breves testemunhos sobre a jornada espiritual dos indivíduos eram dados:

Tínhamos então uma reunião social. Muitos testemunhos nasciam e muitas confissões eram feitas molhadas por lágrimas. Era uma reunião bem proveitosa.

A reunião social das cinco da manhã, hoje, foi a melhor que já tivemos. O irmão estava ajoelhado confessando a outro irmão; havia corações partidos, lágrimas, perdão e regozijo. Esperamos ver mais da salvação de Deus antes que essa reunião termine.

Dessas experiências, é evidente que as reuniões sociais consistiam em mais que testemunhos. Era um momento de confissão. As pessoas se sentiam a vontade para compartilhar seus problemas e confessar os pecados que haviam cometido contra os membros da igreja. Está bem evidente que o Espírito Santo era o maior motivador por trás dessas confissões, e que o ambiente das reuniões sociais permitiam que o Espírito Santo fosse manifestado em maior medida que nos cultos de pregação. Hoje, pensamos ter um maior apelo ao final do sermão; naqueles dias o apelo estava nas reuniões sociais, em que todos os que desejassem tinham a oportunidade de compartilhar e responder quando o Espírito Santo impressionasse seu coração.

A reunião social era de tal importância para o Adventismo que, quando Ellen White viajou para a Europa de 1885 a 1887 e descobriu que os europeus ainda não haviam sido introduzidos a essas reuniões, ela imediatamente procedeu para iniciá-los a fim de criar uma vida espiritual na igreja de lá. Ela sentia que as reuniões sociais eram o melhor lugar para que eles “pudessem ser treinados e educados para serem testemunhas para Cristo.”

Ellen White considerava a reunião social vital para a vida espiritual da igreja. Ela não conseguia imaginar a igreja sem essas reuniões. A expansão da igreja, da qual ela participou pessoalmente, sempre incluía conduzir uma reunião social. Mas a reunião social consistia em mais que apenas confissão. Também era um momento em que os crentes compartilhavam sua vida em Cristo, com suas alegrias e tristezas. Isso era feito para seu próprio encorajamento, e o encorajamento de outros:

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Tivemos uma boa, proveitosa reunião social. Então, essa irmã aflita falou comigo sobre seu filho, que haviam enterrado algumas semanas atrás, morrendo sem esperança, e a tristeza e sofrimento que ela sentiu.

Você pode ver a partir desse texto que a carga da reunião social não ficava sobre um indivíduo, mas sobre todos. Devemos falar uns aos outros.

A cada reunião social nasciam muitos testemunhos para a paz, conforto e alegria que as pessoas haviam encontrado na luz recebida.

Em nossa próxima reunião social, quase todos aqueles que testemunharam expressaram sua gratidão a Deus pelas bênçãos que haviam recebido no dia anterior. Alguns afirmaram que, pela primeira vez, eles podiam dizer que seus pecados estavam perdoados. Com certeza, esse foi um sábado abençoado para aqueles que se reuniram para adorar a Deus nesse acampamento.

Essas descrições claramente indicam que as reuniões sociais eram um momento de compartilhar as alegrias e tristezas da vida. Era o momento em que as pessoas se sentiam a vontade para falar sobre detalhes de sua vida e testemunhar da esperança em Cristo. Como resultado dessas reuniões relacionais em que pessoas compartilham tantas intimidades, muitas delas deixavam o local com a certeza de que seus pecados estavam perdoados.

Muitas vezes, uma reunião social era realizada nos maiores eventos adventistas, como as campais e nas sessões da Associação Geral. Era talvez nesses eventos, mais que nas reuniões sociais realizada nas igrejas locais, que Ellen White mais participava. Na sessão da Associação Geral de 1888, quando a igreja debatia profundamente sobre o assunto da justificação pela fé, muitos líderes se opunham abertamente ao endossamento de Ellen White na salvação somente em Cristo. Os sentimentos eram profundos e os líderes estavam divididos. Foi na reunião social, realizada às cinco e meia da manhã, quando a maré começou a virar em favor de uma nova experiência com Cristo. Ouçam como Ellen White descreve a cena:

Nessa manhã toda a natureza parecia estar cheia de alegria. Reunimo-nos às cinco e meia para uma reunião social. O Espírito do Senhor estava em nosso meio. Muitos afirmaram que vieram para a reunião com o coração duro como pedra, mas assim que moveram os lábios para confessar sua fé no amor de Jesus, a luz entrou e os corações foram derretidos e dominados pelo amor de Jesus. Um irmão disse que ele daria seu testemunho, pois sabia que estava certo, mas não tinha sentimento. Mas seu coração foi quebrado; ele caiu sobre a Rocha e foi tão impressionado pelo amor de Jesus que chorou alto. Os ministros testemunharam que ao vir para a reunião estavam frios e com o coração duro, mas quando, pela fé, confessaram suas apostasias sentiram que haviam sido perdoados e estavam felizes, novamente convertidos, e agora tinham um testemunho que era livre e alegre.

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Quando apresentei a bondade, o amor e a compaixão de nosso Pai Celestial, senti que o Espírito do Senhor não estava apenas sobre mim, mas também sobre todas as outras pessoas. Luz e liberdade e bênçãos veio aos ouvintes e houve uma resposta sincera às palavras ditas. A reunião social seguinte evidenciou que a Palavra havia encontrado alojamento no coração dos ouvintes. Muitos testemunharam que esse dia havia sido o mais feliz de suas vidas, e com certeza foi uma temporada preciosa, pois sabíamos que a presença do Senhor Jesus estava presente e abençoava. Sabia que essa especial revelação do Espírito de Deus tinha um propósito, que era apagar as dúvidas, baixar a onda da descrença que havia sido aceita no coração e na mente.

A reunião social era o que capacitava esses primeiros adventistas a desenvolverem uma comunidade entre os crentes. Esses encontros relacionais, em que pouco estudo bíblico acontecia, davam a eles a oportunidade de compartilhar e confessar, encorajar e ser encorajado. As reuniões sociais eram a cola que mantinha esses primeiros crentes unidos. Eles conseguiam tolerar as diferenças entre eles, pois sabiam que eram amigos peregrinos na jornada. Eles não tinham medo de admitir que as vezes estavam errados. Quando percebiam que estavam sem harmonia uns com os outros, era através da reunião social que a harmonia seria restaurada. A reunião social os forçava a lidar com as diferenças existentes entre eles, ao invés de acolhê-las.

As reuniões sociais eram uma parte tão vital da igreja adventista, que Ellen White sempre aconselhava a igreja se certificasse que esses momentos de comunhão relacional não fossem negligenciados. Na verdade, ela chegou ao ponto de declarar que um cristão é aquele que é ativo nas reuniões sociais, indicando assim que aquele que não frequentar a reunião social não é um cristão verdadeiro:

Um cristão é um homem ou mulher semelhante a Cristo, que são ativos no serviço de Deus, que estão presentes na reunião social, e cuja presença irá encorajar outros. Religião não consiste em trabalhos, mas trabalhos religiosos; não estão dormentes.

E que todos os que chamam pelo nome de Cristo tenham um testemunho para apresentar na reunião social.

Claramente, Ellen White sentiu que a reunião social era de suma importância para o cristão. Ela não sabia nada de um cristianismo intelectual que era tudo sobre conhecimento. O cristianismo de Ellen White era um equilíbrio entre mente e coração, entre o cognitivo e o relacional. Por todo seu ministério, e especialmente depois de 1888, encontramos Ellen White trabalhando para que os crentes desenvolvessem uma experiência relacional com Cristo. Isso ela fazia primordialmente através das reuniões sociais. A única maneira de desenvolver uma vida relacional é viver em comunidade com outros cristãos que serão responsáveis pelo crescimento espiritual uns dos outros. Era por isso que Ellen White foi tão insistente para que a igreja realizasse reuniões sociais regularmente.

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As reuniões sociais eram tão importantes para Ellen White que ela chegou a sugerir que seria melhor se a igreja deixasse de fazer os cultos de pregação e realizasse apenas as reuniões sociais. Se a igreja não fizesse o culto, mas realizasse a reunião social, estava tudo bem, só que o contrário não:

Se menos palavras de sabedoria humana, e mais palavras de Cristo, fossem ditas, se houvesse menos sermões, e mais reuniões sociais, encontraríamos uma atmosfera diferente permeariam nossas igrejas e encontros campais. Períodos de oração deveriam ser realizados para o derramamento do Espírito Santo.

Além disso, Ellen White aconselhou que conduzir reuniões sociais deveria fazer parte do treinamento dos ministros mais jovem. Eles também deveriam ajudar ao treinar o povo de Deus para o trabalho. A reunião social, com a exigência de compartilhar a vida em Cristo entre todos os crentes, foi vista como absoluta necessidade para o desenvolvimento da habilidade para trabalhar para o Mestre. Ninguém poderia esperar ser envolvido no trabalho de Deus fora do apoio de uma comunidade em que as pessoas compartilhavam a vida em Cristo. Para a mente de Ellen White, a atividade missionária surgiu do compartilhamento relacional que ocorria na reunião social.

Um testemunho de uma pessoa sobre sua vida em Cristo, nas reuniões sociais, não apenas fortalecia a fé da pessoa que dava o testemunho, mas também capacita outros para reacender sua fé. Ellen White trabalhou continuamente contra a noção de que a igreja local precisava de constante atenção do pregador para que pudesse sobreviver. Na verdade, ela aconselhava repetidamente que apenas o oposto poderia ocorrer se a igreja se tornasse dependente do pregador – ela sentia que a igreja poderia se encher de “fracotes espirituais.” A vida na igreja local não deveria ser mantida por cultos de pregação, mas sim por reuniões sociais relacionais:

Deixe que cada um considere o valor das reuniões sociais, e não deixe que grandes ou pequenas companhias de crentes pensem que não possam ter um período agradável a não ser que estejam sendo entretidos por um pregador. Onde essa dependência no ministro exista, as pessoas falham em obter a vigorosa experiência religiosa, que eles tanto precisam. Se apenas o ministro faz todo o testemunho, então aqueles que são novos na fé se tornam apequenados e débeis por causa da falta de oportunidades de usar seus músculos espirituais. Eles têm a necessidade de aprender como testemunhar, como orar, como cantar, para a glória de Deus: mas falhando ao fazer isso, eles têm uma experiência incompleta.

É através da reunião social que os membros conquistam a experiência necessária para se sentir livre para testemunhar por sua fé no mundo. Talvez seja essa a razão pela qual poucos cristãos compartilham sua fé atualmente. Eles não têm a experiência regular de compartilhar sua fé em um ambiente seguro, que a reunião social proporciona. A perda da reunião social não apenas afetou a qualidade da vida relacional da igreja, mas também afetou grandemente o potencial de testemunho da igreja na grande comunidade. Ao descobrirmos, no capítulo

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anterior, que a Bíblia estabelece que compartilhar a fé sempre aconteceu em comunidade. O início do Adventismo conseguiu executar a comunidade da mesma maneira que a igreja cristã primitiva no Novo Testamento.

Ellen White nos descreveu as reuniões sociais; ela também aconselhou na maneira como essas reuniões deveriam ser conduzidas, para não serem entediantes. Ela estava vitalmente preocupada que as reuniões fossem espiritualmente vivas quando as pessoas compartilhavam umas com as outras. Os testemunhos dados deveriam ser curtos e positivos. Eles não deveriam acontecer no estímulo do momento; eles exigiam preparação. O responsável não deveria apenas planejar a reunião, mas certificar que não sairia do controle, como uma pessoa monopolizando a reunião, ou pessoas dando testemunhos secos e formais. A reunião social deveria ser espiritualmente viva. Não deveria ser um momento de reclamar ou semear a escuridão.

Em grande reuniões sociais, Ellen White aconselhava que a congregação deveria ser dividida em pequenos grupos para que todos tivesse a oportunidade de falar. Um líder deveria ser escolhido para cuidar de cada grupo. Ela ainda aconselhou que os pais tornassem as reuniões sociais de grande interesse para as crianças. Os cordeiros do rebanho deveriam ser parte da comunidade de fé nas reuniões sociais. Finalmente, Ellen White estava preocupada que as orações proferidas durante as reuniões fossem curtas e diretas ao ponto, e cheias do espírito de vida:

Na reunião social, a oração deve ser proferida de maneira que todos sejam edificados; os que tenham parte nesse exercício devem seguir o exemplo dado pela bela oração do Senhor ao mundo. Essa oração é clara, simples, abrangente, mas ainda assim não era longa nem desanimada, como às vezes são as orações proferidas em público. É melhor que essas orações sem vigor não sejam ditas; pois são meras formalidades, sem poder vital, e falham em abençoar e edificar.

Ellen White dá uma última percepção sobre as reuniões sociais adventistas. Elas eram parte do processo evangelístico. Nos dias de hoje, nunca pensaríamos em usar uma reunião de testemunhos como parte de um evento evangelístico público, ainda assim, Ellen White indica que era exatamente isso que os primeiros adventistas faziam. Pessoas eram levadas para serem informadas intelectualmente e conectadas relacionalmente. Vemos aqui, novamente, o equilíbrio já notado nos conselhos de Ellen White. As reuniões sociais que eram conduzidas durante os encontros evangelísticos eram usadas para ajudar as pessoas a tomar a decisão por Cristo:

Depois do discurso havia uma reunião social e muitos testemunhos nasciam, mas sentia que as almas estavam em perigo. As almas estavam indecisas e eu encorajei que aqueles que não estavam totalmente ao lado do Senhor deveriam tomar a decisão naquele dia – deveriam quebrar as correntes do poder de Satanás e ser completamente do Senhor.

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As reuniões sociais “fazem mais que pregar para aprimorar o trabalho.”

Ellen White também testemunha que as reuniões sociais eram uma parte regular das reuniões corporativas adventistas nos primeiros anos. Como mencionado por outros pioneiros adventistas, as reuniões sociais eram reuniões regulares quando não havia pregadores disponíveis. E mesmo se um pregador estivesse disponível, normalmente havia uma reunião social. Isso acontecia tanto em igrejas grandes como nas pequenas:

No Sábado, alguns amigos se reuniram na sala de estar de Edson para uma Escola Sabatina. Havia quatro famílias – doze pessoas no total – que normalmente se encontravam para adorar. Depois da Escola Sabatina havia uma leitura da Bíblia ou oração e reunião social. É assim que deveria ser.

Edson White, filho de Ellen, era um pregador. Ainda assim, nessa pequena igreja ele não pregava quando tão poucos estavam presentes. A Escola Sabatina era seguida de uma reunião social. Essa era a regra. E Ellen White declara que é assim que deveria ser.

ELLEN WHITE E OS PEQUENOS GRUPOS

Enquanto as reuniões sociais do início do Adventismo nem sempre eram pequenos grupos, as dinâmicas da reunião tinham em si todos os elementos que a maioria das pessoas de hoje definem como pequeno grupo. Pequenos grupos modernos podem ser uma das melhores avenidas para uma recuperação do elemento relacional no Adventismo moderno. O conselho de Ellen White sobre as reuniões sociais era extensivo. Do mesmo modo, ela falou muitas vezes sobre pequenos grupos. Esse termo não era de uso popular, por isso ela raramente usa. Entretanto, ela falou sobre o conceito e se referiu a esses pequenos grupos como “pequenas companhias.” O significado dos dois termos é idêntico. Sua afirmação mais enfática sobre pequenas companhias é essa palavra definitiva de Deus:

A formação de pequenas companhias como uma base do esforço cristão foi apresentada a mim por Aquele que não erra. Se há um grande número na igreja, deixe os membros formarem pequenas companhias, para trabalhar, não apenas para os membros da igreja, mas também para os descrentes. Se em um lugar há apenas dois ou três que conhecem a verdade, deixem que formem, por si sós, um grupo de trabalhadores. Deixe que mantenham seu vínculo de união intacto, estimulando o amor e a união, encorajando uns aos outros a avançar, e ganhando coragem e força da assistência dos outros. Deixe-os revelar o autodomínio próprio de Cristo e paciência, não falando rapidamente, usando o talento de falar para levantar uns aos outros na mais santa fé. Deixe-os trabalhar em amor parecido ao de Cristo por aqueles que estão fora de sua congregação, esquecendo-se de si em seu empenho para ajudar aos outros. Ao trabalhar e orar em nome de Cristo, seus números irão aumentar; pois o Salvador diz: “Se

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dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus” Mateus 18:19.

Tendo lido a maioria dos livros disponíveis sobre pequenos grupos, esse autor é incapaz de encontrar uma melhor definição para pequenos grupos do que essa de Ellen White. Ela declara inequivocamente que a ideia de dividir a igreja em pequenas companhias foi dada por Aquele que não erra. Isso, para os Adventistas do Sétimo Dia, é uma autenticação dos pequenos grupos. Nada poderia ser mais claro que o sonoro endossamento que Ellen White dá ao ministério do pequeno grupo. Ela então continua definindo o que deveria acontecer nos pequenos grupos e indica que eles deveriam se preocupar com o evangelismo, oração, estudo bíblico, encorajamento mútuo e cuidado, e acima de tudo deveriam construir uma comunidade.

Essa afirmação deve provar ser falso qualquer receio que algum adventista tenha sobre o ministério de pequenos grupos. Ellen White não poderia ter expressado esse caso de maneira mais clara. A igreja adventista deve ser construída sobre o ministério dos pequenos grupos. Se existem grandes igrejas, elas devem ser divididas em pequenos grupos. Se há apenas dois ou três na igreja, ainda assim, eles devem formar um pequeno grupo. O fato de ela defender o pequeno grupo até mesmo para dois ou três membros indica que o propósito não é apenas formar grupos menores, mas que a organização do pequeno grupo forme uma comunidade.

Quando uma igreja é construída sobre o ministério de pequenos grupos, ela não precisa mais que uma pessoa do clero esteja no controle. Quando os membros cuidam de si mesmos, o clero está livre para alcançar novas pessoas e levantar novas igrejas. Os pequenos grupos proporcionam uma base para o progressivo cuidado, que é muito superior ao cuidado do clero:

O trabalho de Deus deve ser feito da maneira dEle e em Seu Espírito. Em vários lugares as pequenas companhias devem ser consagrar-se a Deus, corpo, alma e espírito; e pertencendo ao trono de Deus pela fé, eles devem trabalhar com entusiasmo, mantendo suas almas no amor de Deus. O processo vital de seu amor irá enfraquecê-lo, e será reconhecido no céu pelos bons trabalhos por seu povo. Aquelas pequenas companhias que conhecem a verdade, em uma voz devem oferecer seu ministério para ir buscar das ovelhas perdidas da casa de Israel. Cada um deveria buscar fazer um trabalho individual pelo outro. Ninguém que tenha provado da bondade, da misericórdia, do amor de Deus, pode se isentar do trabalho pelas almas de outras pessoas.

Quando os membros da igreja conduzem sua vida em pequenos grupos, constroem uma comunidade que se mantém forte pela fé. Eles não precisam de um pregador para sustentar sua vida espiritual, pois esta seria fortalecida pela comunidade. Assim, ela os convida para suplicar para que seu pastor trabalhe por outros. Perceba que a razão que ela dá para não termos pastores fixos era a formação de pequenas companhias ou grupos.

O conselho para transformar a igreja em pequenos grupos foi repetido em muitos livros e artigos escritos por Ellen White, o que revela que esse não era um pensamento passageiro,

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mas uma importante preocupação. Cada uma dessas referências repete o pensamento de que essa ideia foi dada a ela por “Aquele que não erra.”

Ellen White também falou em favor da prática de, em grandes eventos, dividir a congregação em pequenos grupos para oração e encorajamento mútuo. Ela não desencorajou grandes encontros, pois gostava deles, mas sentia que algo estava faltando se o elemento do pequeno grupo não estivesse incluído.

Ellen White também anteviu o dia em que, por causa da perseguição, as grandes igrejas não poderiam mais existir, e a única maneira que a igreja poderia sobreviver seria através dos pequenos grupos. A história do cristianismo provou que foi verdadeira no passado, e tem se mantido verdadeira no presente, ao descobrir como a igreja conseguiu sobreviver o comunismo. A única maneira possível era através das igrejas em pequenos grupos nos lares.

Algumas das afirmações mais fortes de Ellen White sobre os pequenos grupos estão relacionadas ao uso destes como base para o evangelismo. Ela não advogava o evangelismo “solo”, mas, como nos tempos do Novo Testamento, o evangelismo deveria ser conseguido através de uma base comunitária. Então, não é de surpreender que ela falasse tanto de pequenas companhias como base para o trabalho evangelístico.

Em Nova York deve haver diversas pequenas companhias estabelecidas, e os trabalhadores devem ser enviados. Isso não se segue, pois um homem que não é ordenado como pregador, ele não pode trabalhar para Deus. Deixe que esses sejam ensinados a trabalhar, então os envie ao trabalho. Ao retornarem, deixe-os contar o que fizeram. Deixe-os louvar ao Senhor por Suas bênçãos, e então saiam novamente. Encoraje-os. Algumas palavras de encorajamento serão uma inspiração para eles.

Note que Ellen White defende os pequenos grupos, em especial, para o trabalho em cidades grandes. Os trabalhadores, que ela considera trabalhadores leigos assim como o clero, devem formar pequenos grupos como a base para o seu trabalho. Quando voltarem de seu trabalho, devem relatar à comunidade (pequeno grupo) que os enviou. Ela via os pequenos grupos como uma excelente maneira de certificar que as pessoas não ficassem esgotadas no ministério, mas pelo contrário, recebessem o apoio necessário para sustentá-los. O pequeno grupo em si deveria ser uma unidade:

Cristo buscou as pessoas onde elas estavam e colocou diante delas as grandes verdades sobre Seu Reino. Ao ir de um lugar ao outro, Ele abençoou e confortou os que sofriam, e curou os doentes. As pequenas companhias devem ir adiante, fazendo o trabalho que Cristo mostrou aos Seus discípulos. Ao trabalhar como evangelistas, eles podem visitar os doentes, orando com eles e, se for necessário, tratando-os, não com medicamentos, mas com remédios vindos da natureza.

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Os lugares que ainda não foram trabalhados deverão ser penetrados e almas devem ser ganhas pela verdade. Pequenas companhias de trabalhadores, sob a sábia liderança de professores consagrados, devem sair aos campos necessitados. Em todos os lugares em que esse trabalho é feito com dedicação e honestidade, movimentos cuidadosos devem ser feitos.

Ellen White tinha uma visão equilibrada sobre os pequenos grupos, como visto na definição anterior. Ela tinha uma compreensão bem detalhada dos grupos. Eles não incluíam apenas o evangelismo, mas também reuniões para estudo da Bíblia e oração. Como na igreja do Novo Testamento, Ellen White viu que a igreja real existia em comunidade, com estudo bíblico e oração sendo conduzida em pequenos grupos.

Deixe as pequenas companhias se reunirem à noite, ao meio dia, ou bem cedinho para estudar a Bíblia. Deixe-os ter um período de oração, para que sejam fortalecidos, iluminados e santificados pelo Espírito Santo. Deus quer que esse trabalho seja feito no coração de cada trabalhador. Se você abrir suas portar para recebê-lo, uma grande benção cairá sobre você. Anjos de Deus irão estar em sua reunião. Você se alimentará das folhas da árvore da vida. Que testemunhos você terá sobre o amoroso relacionamento feito com seus amigos trabalhadores nesses preciosos períodos que buscam as bênçãos de Deus. Deixe-os contar sua experiência em palavras simples. Isso trará mais conforto e alegria para a alma do que qualquer som de instrumentos que possam ser levados a igreja. Cristo irá ao seu coração. É por esses meios, apenas, que você pode manter sua integridade.

Ela imaginou essas que os encontros dessas pequenas companhias fossem em vários horários do dia, ao invés de um único horário, assim como os grupos modernos fazem. Além disso, enquanto o estudo bíblico deve acontecer nesses grupos, a citação acima deixa bem claro que essa é apenas uma pequena parte da atividade do grupo. Também há tempo para oração, para os testemunhos, para compartilhar da vida em Cristo. Na verdade, as reuniões descritas acima parecem muito mais com aquelas reuniões sociais discutidas anteriormente. A questão aqui é Ellen White defende que essas coisas sejam feitas em pequenas companhias, não apenas em grandes encontros.

Ellen White falou em grande profundidade sobre a oração no ambiente de pequeno grupo. Ela sentia que o pequeno grupo era o lugar para as pessoas orarem juntas.

Deixe que a igreja de Los Angeles tenha períodos especiais de oração, diariamente, pelo trabalho que está sendo feito. As bênçãos do Senhor caíram sobre os membros que participam do trabalho, reunindo-se diariamente em pequenos grupos para orar pelo sucesso da obra. Assim, os crentes obterão graça para si mesmos, e o trabalho do Senhor irá avançar.

O Senhor prometeu que onde dois ou três estivessem reunidos em Seu nome, ali Ele estará no meio deles. Aqueles que se reúnem em oração receberão uma

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unção dAquele que é Santo. Há uma grande necessidade de oração secreta, mas também há uma necessidade de que várias reuniões de cristãos, para unirem com seriedade suas petições a Deus. Nessas pequenas companhias Jesus está presente, e o amor às almas é aprofundado no coração, e o Espírito produz sua poderosa energia, para que os agentes humanos possam exercitar em razão da salvação daqueles que estão perdidos.

Como resultado da oração dos pequenos grupos, Ellen White viu orações sendo respondidas e o Espírito Santo sendo derramado. O resultado final de toda essa oração nos pequenos grupos era a salvação de almas. Então, para Ellen White, os pequenos grupos não eram pequenos grupos em prol destes. Eles eram instrumentos que uniam os cristãos para receberem o Espírito Santo, que desencadeou o poder dos céus para ganhar almas para Cristo.

Por que os crentes não sentem uma preocupação mais profunda, mais honesta, por aqueles que estão longe de Cristo? Por que dois ou três não se reúnem suplicam a Deus por alguém em especial, e então por outra? Deixe que pequenas companhias sejam formadas em nossas igrejas para o serviço. Permita que os diferentes se unam no trabalho de pescadores de homens. Deixe que tirem almas da corrupção do mundo para a pureza do amor salvador de Cristo.

É a reunião dos pequenos grupos, suplicando a Deus, que libera o poder dos céus. Aqui, os crentes são aconselhados a orar pela salvação das pessoas perdidas e solicitar que o pequeno grupo ore continuamente por eles, até que venham para a fé em Cristo. O poder da oração no pequeno grupo não deve ser subestimado. Ela é a vida do grupo. É a ascensão dessas orações a Deus, feitas através dos séculos pelos pequenos grupos, que Deus repara no julgamento.

Além disso, Ellen White também defende que os pequenos grupos sejam usados no trabalho de publicações, assim como na escola adventista e o trabalho educacional. Os pequenos grupos eram restritos a igreja. Os pequenos grupos eram um plano abrangente e deveriam estar presentes em cada seção de trabalho da igreja. É a base para que o ministério fosse conduzido. Para Ellen White, os pequenos grupos não eram apenas um programa da igreja, eles eram um grande princípio organizacional do trabalho da igreja. Ter uma igreja sem o trabalho dos pequenos grupos era um anátema para Ellen White, já que a igreja deveria ser construída sobre os pequenos grupos.

CONCLUSÕES SOBRE O CUIDADO AO MEMBRO DO ADVENTISMO PRIMITIVO

A vida no princípio da igreja Adventista era mantida apenas através dos pequenos grupos e das reuniões sociais. Os membros eram bem cuidados dessa maneira. Eles não dependiam do pastor, para que este cuidasse deles, mas de acordo com o modelo do Novo Testamento, proporcionavam cuidado mútuo. A igreja adventista primitiva era organizada como uma igreja

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nativa, em que os membros cuidavam uns dos outros em pequenos grupos relacionais e o clero ficava livre para evangelizar e plantar igrejas.

A reunião social da igreja adventista primitiva, o coração desse cuidado ao membro, era muito semelhante à reunião de oração metodista, que estava se desenvolvendo da reunião de classe quando o Adventismo estava começando. Assim, é seguro supor que a estrutura básica foi emprestada dos metodistas, sancionada por Ellen White, e então se tornou uma parte vital da eclesiologia da igreja adventista. A comum menção dessas reuniões nas primeiras Reviews e a extensiva menção delas nos escritos de Ellen White e de outros pioneiros testifica que elas eram uma parte vital da vida do Adventismo primitivo.

As reuniões sociais e os pequenos grupos iam de encontro às necessidades relacionais dos adventistas primitivos. Era um momento em que as pessoas poderiam abrir seu coração uns aos outros sem julgamentos. Eles sentiam que era seguro compartilhar seus problemas e buscar a ajuda dos outros, sabendo que receberiam auxílio, sem condenação. A sinceridade com que esses crentes compartilhavam, tão evidente nessas reuniões sociais, parece estranho para os adventistas modernos, pois os adventistas, assim como a maioria dos outros cristãos, escondem-se atrás de suas máscaras. Certamente, havia coisas que estavam escondidas entre esses adventistas primitivos, mas com certeza havia mais abertura do que existe nos dias de hoje.

As reuniões sociais e os pequenos grupos não eram primordialmente estudos bíblicos. Eram reuniões em que as pessoas compartilhavam o que estava acontecendo em sua vida pessoal e espiritual. O propósito não era transmitir conhecimento, mas ajudar os membros a compartilhar a comunidade. Sua função era de edificação, não de instrução. Em um capítulo intitulado “Reuniões Sociais”, Ellen White claramente define os propósitos dessas reuniões como um lugar para compartilharmos sentimentos e pensamentos:

Qual o objetivo dessa reunião? É para informar a Deus, instruí-lO ao contar tudo o que sabemos em oração? Reunimo-nos para edificarmos uns aos outros através da troca de pensamentos e sentimentos, para juntar forças, e luz, e coragem para nos tornarmos familiares das esperanças e aspirações do outro; e com nossas orações sinceras, oferecidas em fé, receberemos refrigério e vigor da Fonte de nossa força. Essas reuniões devem ser os momentos mais preciosos e devem ser interessantes para todos que apreciam assuntos religiosos.

Cada indicação dos escritos de Ellen White fala que as reuniões sociais lidariam com a área relacional. Ela via que essas reuniões eram essenciais para a vida e saúde da igreja. Elas eram os meios pelos quais os adventistas primitivos mantinham sua fé. Eles não tinham a “desvantagem” de ouvir um pregador a cada sábado; então, eles foram forçados a desenvolver sua própria vida espiritual em conjunto, sem a interferência do clero. O resultado era uma igreja espiritualmente saudável.

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Quando examinamos a vida espiritual da igreja adventista primitiva, é evidente que era um padrão do modelo da adoração do Novo Testamento. Como na igreja primitiva do Novo Testamento, o Adventismo primitivo se sustentava sem pregadores regulares na igreja local. A igreja deles era uma comunidade baseada na comunhão ao invés de somente a doutrina. Certamente, Ellen White era uma grande influência para manter a igreja adventista primitiva em harmonia com o equilíbrio entre o cognitivo e o relaciona da igreja do Novo Testamento.

Depois da morte de Ellen White, em 1915, as reuniões sociais foram gradualmente desapareceu e foi substituída pela reunião de oração. Consequentemente, as igrejas adventistas começaram a padronizar seus cultos, semelhante a outras igrejas protestantes e o clero foi escolhido para cuidar da congregação. Logo, a reunião de oração se degenerou. Ao invés de ser um momento para que as pessoas orassem e testemunhassem, tornou-se outro momento para que o pastor pregasse ou desse outro estudo bíblico cognitivo, seguido de um momento de oração. Na maioria das igrejas, o elemento relacional foi inteiramente perdido. Uma ênfase desequilibrada no cognitivo e, por conseqüência, até um medo do relacional substituiu o belo equilíbrio do Adventismo primitivo. O plano bíblico para o cuidado ao membro e para o papel do clero foi perdido. Esses dois conceitos andam juntos. Com um pastor, como cuidador principal, nas igrejas, o pequeno grupo relacional se torna desnecessário e até um obstáculo para o trabalho do clero.

Em visão profética Ellen White viu um grande reavivamento ocorrendo na igreja de Deus no fim dos tempos. Quando esse reavivamento ocorrer, a igreja novamente se reunirá em pequenos grupos para buscar a Deus:

Na igreja houve um reavivamento do espírito missionário. Foi demonstrado um grande desejo de aprender a trabalhar pelo Senhor. Pequenas companhias se reuniram para oração e estudo da Bíblia. Todos avançam com ação harmoniosa. Crentes foram a lugares onde as pessoas não têm oportunidade de ouvirem a Palavra de Deus e reuniram as crianças para a Escola Sabatina. Esforços foram feitos para ajudarem famílias isoladas. Foram traçados planos para essas famílias se reunirem com outras famílias para o estudo da Bíblia. Assim foi aberto o caminho para que a luz brilhasse da Palavra de Deus.

Chamas de reavivamento! Quão desesperadamente a igreja atual necessita de tal reavivamento. Como então podemos ousar resistir entrar no ministério dos pequenos grupos? É inconcebível para a igreja de Deus, no fechamento da história da humanidade, pretender dar continuidade ao seu ministério à parte da ênfase nos pequenos grupos. Um dos resultados do reavivamento é se reunirem em pequenos grupos para orarem e encorajarem-se uns aos outros. Não pode haver um genuíno reavivamento sem tais reuniões. Ao nos prepararmos para esse reavivamento, comecemos nos reunindo em pequenos grupos agora.

Ellen White deu à igreja adventista um ressonante endosso para pequenos grupos relacionais se reunirem para oração, estudo bíblico, testemunhos, encorajamento mútuo, e cuidado. Todas essas experiências de pequenos grupos resultam em crentes trabalhando pelos outros em evangelismo. Opor-se ao ministério dos pequenos grupos na igreja adventista é rejeitar o

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conselho que Deus nos deu através da pena inspirada de Ellen White. É hora da igreja Adventista do Sétimo Dia restaurar o ministério dos pequenos grupos ao seu devido lugar como o princípio organizador central. Apenas assim a igreja adventista pode ser fiel às Escrituras, à Ellen White e à nossa herança adventista.

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– Parte Quatro –

UM MODELO PARA UM ADVENTISTA OU ASSOCIAÇÃO DIRECIONADO PARA MISSÃO BASEANDO-SE NAS ORIGENS

HISTÓRICAS E BÍBLICAS

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– Capítulo 9 –

RETORNANDO ÀS ORIGENS BÍBLICAS E HISTÓRICAS

A igreja adventista do sétimo dia nasceu como uma forte orientação missionária. Todos os recursos da igreja adventista primitiva eram dedicados a promoção da mensagem. As finanças, o pessoal, o tempo e os esforços da igreja – todos dirigidos para missão. Quando a igreja cresceu, continuou a ter uma forte ênfase na missão, especialmente na igreja mundial, mantendo um crescimento constante de 7% ao ano. Porém, a Divisão Norte-americana, assim como os componentes Europeus e Australianos, têm uma taxa de crescimento de 2% ou menos.

A tese dessa dissertação é que a razão do baixo crescimento da igreja na América do Norte se deve ao modelo tradicional do papel de pastor. O autor reconhece que as influências sociais têm um papel na baixa taxa de crescimento, mas sente que muitas vezes as razões sociais são usadas como uma desculpa pela falta de crescimento, quando este seria possível se a igreja retornasse para o modelo de ministério pastoral do Novo Testamento. Toda divisão da igreja mundial que utiliza o modelo tradicional de ministério pastoral tem mostrado um crescimento lento, enquanto que aquelas que estão usando o modelo do Novo Testamento continuam a revelar padrões de crescimento excelentes. A experiência pastoral deste autor corrobora que as taxas de crescimento da América do Norte podem se igualar às do terceiro mundo quando o modelo do Novo Testamento, de pastor como treinador/equipador, é colocado em seu lugar.

A pesquisa aqui documentada indica que o papel do clero que foi desenvolvido durante o período do Novo Testamento era, primordialmente, de missionários e supervisores itinerantes. Os apóstolos eram os guardiões da pureza da doutrina e supervisionavam as igrejas, enquanto que os anciãos viajantes eram responsáveis por levantar novas igrejas. Esses parecem ser o único clero pago. O clero não era o principal cuidador, mas a função deles era estender a igreja e esse era o propósito pelo qual eram pagos, não para serem babás dos cristãos já existentes.

O cuidado ao membro era a experiência mútua na congregação. Ao exercitar o cuidado pelos outros, os membros cresceriam espiritualmente, e se manteriam espiritualmente vivos. Os conselhos dados ao cuidado ao membro eram dirigidos ao leigo e não ao clero. No Novo Testamento, a única função do clero relacionada ao cuidado era a responsabilidade dos líderes leigos. Esses anciãos leigos e diáconos não eram clero; eram escolhidos pelo clero e tinham responsabilidade com o clero, mas eram obreiros leigos cuja responsabilidade era local e leiga.

O resultado da abordagem do Novo Testamento foi que o cristianismo se espalhou por todo o mundo romano em uma geração. Entretanto, nos séculos subseqüentes, os anciãos locais aspiravam sua entrada para o clero, e consequentemente o fizeram. Na Idade Média as paróquias eram cuidadas pelo clero, que era pago para cuidar do rebanho. Sob esse modelo, a responsabilidade do chefe dos membros era pagar o clero e vê-los trabalhar. Depois de mil anos de história, esse modelo era difícil de espalhar, mesmo sob a luz da Reforma Protestante,

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e então a maioria das igrejas protestantes, inadvertidamente, aceitaram o modelo tradicional de igreja.

A Igreja Adventista primitiva, na busca pelo retorno ao modelo do Novo Testamento, criou um sistema organizacional parecido com o modelo missionário do Novo Testamento. A igreja adventista primitiva era única entre os corpos protestantes, ao limitar seu clero na supervisão de múltiplas congregações e dando prioridade a plantação de igrejas. Esse modo de agir continuou pelos primeiros cinquenta ou sessenta anos da história adventista. A razão para essa organização era dupla: primeiro, proporcionava pessoal adequado para capacitar a igreja para proclamar sua mensagem a todo lugar. Segundo, permitindo que os membros cuidassem uns dos outros criava uma igreja muito mais saudável que quando o pastor era o principal cuidador.

Nas primeiras duas décadas do século xx, a igreja adventista abandonou o modelo do Novo Testamento, sob os vigorosos protestos de Ellen White e A. G. Daniells. Nas próximas quatro décadas, a igreja criou um modelo de igreja dependente do pastor, que não é, significantemente, diferente do modelo das igrejas protestantes de hoje. Afortunadamente, ainda existe um forte desejo por parte de muitos do clero e dos leigos na igreja adventista de recapturar o espírito de missão, que a igreja uma vez possuiu, mas não sabe como fazê-lo.

POR QUE O ADVENTISMO DEVERIA VOLTAR A SER UMA IGREJA VOLTADA PARA MISSÃO

No coração da recriação do modelo ministerial do Novo Testamento está a recriação de uma igreja voltada para a missão. A razão para a existência desse modelo de não-dependência pastoral é apenas compreendido sob a perspectiva da Grande Comissão, que é o coração e a alma por trás da estrutura organizacional da igreja primitiva e do Adventismo primitivo. A menos que a espinha dorsal da Grande Comissão esteja presente, a igreja habilitada por leigos nunca poderá recomeçada nessa geração.

A igreja primitiva buscava fazer discípulos que vivessem em absoluta obediência a Cristo. Assim também, a ordem adventista demanda um alto nível de discipulado que se centra não apenas no relacionamento com o Cristo ressuscitado, mas também na esperança da breve volta dEle. Então, a metodologia evangelística adventista de centrar-se em fazer o tipo de discípulo que a Grande Comissão e as três mensagens angélicas ordenaram. Essa metodologia deve ter um prazo mais longo do que o protestantismo concebeu ter o processo evangelístico. A preparação para o batismo e a entrada no rol de membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia devem estar em harmonia com o chamado de Jesus de que as pessoas devem ser feitas discípulos e então batizados. Depois do batismo, eles devem ser continuamente ensinados para que possam ser autosuficientes em sua vida espiritual, e não dependentes de clérigo pago.

No entendimento adventista sobre discipulado, seria raro que uma pessoa entrasse na igreja, professasse a Cristo e fosse batizado, tudo no mesmo dia. O discipulado implica em um longo

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processo de gestação. Pode amadurecer rápido, mas o discipulado implica em um ensinamento bíblico sólido, como preparação para o batismo. A metodologia evangelística adventista deve dar tempo suficiente às pessoas para que desenvolvam o relacionamento necessário para se tornarem discípulos de Jesus. No próximo capítulo iremos sugerir uma metodologia evangelística em harmonia com a Grande Comissão.

Se a Igreja Adventista do Sétimo Dia professa ser a igreja verdadeira de Jesus Cristo com uma mensagem especial e única para levar ao mundo nessa última geração, então deve tornar a ser uma igreja da Grande Comissão. Uma mente voltada para a missão deve novamente alcançar não apenas a liderança da igreja, mas os leigos também. Essa mente voltada para a missão fará com que a igreja faça as mudanças necessárias para o cumprimento da Grande Comissão.

POR QUE O ADVENTISMO DEVE VOLTAR AO PAPEL BÍBLICO DO CLERO

A necessidade de voltar ao modelo do Novo Testamento, e talvez abandonar totalmente o modelo tradicional, deve ser a maior preocupação da Igreja Adventista Norte-Americana. A razão para isso é tripla: teológica, evangelística e ensino.

A primeira razão para uma volta ao modelo do Novo Testamento é teológica. O Adventismo é um movimento bíblico, baseado na bíblia, e os adventistas dizem que todas as suas crenças e práticas devem vir das Escrituras e ter base bíblica. Ainda assim, o papel do pastor como principal cuidador não é bíblico. O Novo Testamento demanda um clero evangelístico, e não um clero cuidador. O cumprimento da Grande Comissão é ordem pessoal de Cristo ao clero. Assim sendo, há uma forte base teológica para abandonar o modelo tradicional de pastor como cuidador principal.

A segunda, o modelo tradicional deve ser abandonado se estivermos comprometidos com o avanço evangelístico da igreja. Na maioria das igrejas adventistas locais de hoje, o tempo do clero é gasto no cuidado com os membros, não há horário na agendo do pastor para uma atividade evangelística. O resultado de tudo isso é que a maioria dos pastores está fazendo cultos sobre evangelismo apenas na teoria, por causa da enorme pressão que sentem de seus membros para que ofereçam o cuidado e a supervisão de que necessitam. As associações estão chegando ao seu limite financeiro na tentativa de prover pastores para todas as igrejas. Há pouco interesse em plantar novas igrejas, mesmo que os presidentes das associações vejam a necessidade disso. A razão dada por eles é que não há dinheiro para pagar um pastor para a nova igreja, nem há dinheiro disponível para enviar um pastor para levantar uma nova igreja. Se o Adventismo está querendo alcançar as cidades norte-americanas deve embarcar em uma grande estratégia de plantação de igrejas. Para que isso se cumpra, os pastores devem ser liberados do cuidado pastoral e novamente assumir o papel evangelístico com sua função principal.

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Terceiro, uma volta ao papel bíblico de pastor é essencial para a saúde da congregação. É irônico que quanto mais pastores são colocados para cuidar da igreja, mais doentes a igrejas se tornam. A visão “profética” de A. G. Daniells, em 1912, de que isso seria o resultado de colocar pastores para cuidarem das igrejas, provou ser verdadeira. Hoje, o adventista comum é considerado como sendo de boa reputação na igreja, contanto que pague o dízimo para sustentar o clero e freqüente o culto de sábado de manhã, para ver o clero em seu desempenho semanal. Essa situação é patética. Não é saudável e está resultando em cristãos doentes.

Além disso, um pastor não pode proporcionar cuidado adequado para os membros da congregação. Hoje, há um clérigo para cerca de duzentas e trinta e seis membros. Isso inclui todos os que estão na administração e na linha de trabalho, além dos pastores locais; excluindo-os faria o quociente ser ainda mais alto. É impossível uma pessoa proporcionar cuidado adequado para duzentas e trinta e seis pessoas. Simplesmente não pode ser feito. Não é de admirar que os pastores estejam se sentindo sobrecarregados e frustrados. O argumento desse trabalho não é que os membros não devam ser cuidados; eles devem. O argumento é que esse cuidado não deve ser o clero que irá suprir essa necessidade, mas o leigo. Então devemos desenvolver uma nova estrutura na igreja local para que um cuidado adequado seja proporcionado ao membro. De qualquer maneira, estes proporcionam um melhor cuidado. Então, o abandono do modelo tradicional e a adoção do modelo do Novo Testamento deverão resultar uma igreja muito mais saudável e evangelística, na América do Norte.

POR QUE OS ADVENTISTAS PRECISAM VOLTAR AO PAPEL BÍBLICO DE CUIDADO AO MEMBRO

Por causas das raízes bíblicas do Adventismo, como mencionado anteriormente, a igreja deve desenvolver um plano de cuidado ao membro que seja bíblico. A igreja não pode simplesmente abandonar o papel do clero como cuidador principal sem substituir por um plano bíblico de cuidado ao membro. Bíblica e historicamente, descobrimos que os pequenos grupos são a base de toda organização da igreja.

A igreja não deve ser construída como uma corporação. Não deve ser gerenciada por uma pessoa no topo. Deve ser dividida em pequenos grupos onde a liderança está dispersa e o laicato autorizado. A estrutura hierárquica que temos na igreja local, com um pastor responsável, precisa mudar para um plano mais “circular” de organização. O pastor existirá, mas como um igual. Na verdade, muitas congregações pequenas podem nem mesmo precisar de um pastor. Ao invés, como na igreja primitiva e na igreja adventista primitiva, os crentes serão ensinados a manter sua espiritualidade sem a ajuda do clero. O clero então, estará livre para fazer a obra que Deus ordenou que fizessem, que é evangelizar e implantar novas igrejas.

O modelo bíblico que examinamos não indica que devemos acrescentar os pequenos grupos como outro programa na agenda já lotada da igreja. Muitas igrejas tentaram fazer isso, e o

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plano falhou. Quando é feito assim, os pequenos grupos se tornam populares por certo tempo, mas rapidamente morrem, porque não são vistos como o princípio organizador sobre o qual toda a igreja deve estar fundada.

Para sermos fiéis à nossa herança bíblica e histórica, devemos reestruturar completamente a igreja local para que pequenos grupos se tornem o principal princípio organizador. Pequenos grupos não podem ser opcionais, contudo, na maioria das igrejas hoje são considerados assim. O culto no sábado de manhã é considerado “o evento” que todos os crentes devem freqüentar. Na igreja do futuro, deve se garantir que o pequeno grupo seja “o evento” que todos devem freqüentar cada semana. O culto no sábado de manhã está mais apto a ser opcional. Isso seria um modelo mais bíblico de igreja.

A igreja deve ter um laicato treinado. Os pastores devem treinar seus membros para o ministério, trabalhar até não ter mais o que fazer, e então sair para implantar novas igrejas. Esse quadro bíblico do clero é um que precisa ser recuperado pela igreja adventista moderna. Nesse paradigma, como uma igreja local se mantém sem um pastor estabelecido? Adotando o modelo bíblico de pequenos grupos. Foi isso que a igreja do Novo Testamento e a igreja adventista primitiva fizeram. Se funcionou para eles, deve funcionar para nós, mesmo no sofisticado século vinte e um.

Como seria a igreja de pequenos grupos? Não seria dependente de prédios grandes para sua existência. Em algumas áreas pode, na verdade, ser uma igreja lar sem conexão organizacional com qualquer igreja. Poderia ser uma igreja sozinha. Em locais maiores, a igreja local pode consistir de muitos pequenos grupos. Podem ou não ter um prédio. Podem alugar um prédio para as ocasiões em que reunissem todos os pequenos grupos. O prédio é opcional porque o ministério verdadeiro ocorrerá não nas grandes reuniões da igreja, mas nos pequenos grupos. Nesse caso, a igreja seria mais como aquela dos adventistas primitivos, que se reuniam regularmente nas reuniões sociais de pequenos grupos e então ocasionalmente, talvez por ocasião das reuniões campais, se reuniam como um grupo maior. Na igreja do futuro, essa reunião pode não ser tão grande como algumas de nossas reuniões campais se tornaram, mas todos os pequenos grupos em uma cidade em particular, qualquer que seja seu número, podem se reunir em um grande grupo.

Nessa igreja bíblica do século vinte e um, as pessoas se uniriam à igreja através do pequeno grupo. O pequeno grupo evangelizaria, cuidaria, e então apoiaria as pessoas em seu ministério pelo Mestre no mundo. As pessoas trariam outras pessoas para o pequeno grupo para serem cuidadas como elas o foram. Hoje as pessoas entram para a igreja pela impessoal porta da frente de um grande culto. Como resultado elas não constroem relacionamentos no pequeno grupo e não entram em comunidade. Na igreja do futuro, as pessoas entrariam na igreja através dos relacionamentos no pequeno grupo.

Como será essa igreja? No próximo capítulo tentaremos desenvolver um modelo moldado de acordo com o modelo bíblico que foi desenvolvido por todo esse trabalho, e revisado nesse capítulo. Será um modelo em que o clero irá retornar a sua posição de evangelizadores e plantadores de igrejas e os membros proporcionarão cuidado mútuo, assim como no Novo

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Testamento e no Adventismo primitivo. Será uma igreja direcionada para a missão, uma igreja com paixão pela pessoa perdida. Essa paixão irá levá-los a reestruturar a maneira que fazem a igreja para que possam cumprir a Grande Comissão, e levar as pessoas perdidas para o lugar onde possam se tornar autênticos discípulos do Senhor Jesus Cristo.

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– Capítulo Dez –

UM MODELO DE ESTRUTURA PARA A IGREJA BASEADO NAS RAÍZES BIBLICAS E HISTÓRICAS

Com setenta a oitenta anos de história no modelo tradicional, será difícil mudar como os adventistas “fazem igreja”. Ainda assim, a mudança é absolutamente necessária se os adventistas forem leais as suas raízes bíblicas e históricas e preparam um povo que é verdadeiramente discipulado e pronto para encontrar o Senhor que está voltando. Porém, essa reformulação não deve acontecer de um dia para o outro. Abandonar o modelo tradicional imediatamente iria deixar as igrejas adventistas uma bagunça. Os membros não sabem como cuidar uns dos outros, e a rápida mudança poderia resultar na perda de muitos membros. Isso é impensável. A mudança deve ser gradual.

Como esse novo tipo de igreja seria? Nas próximas páginas iremos explorar cinco áreas: o fazer discípulos nesse novo tipo de igreja, estrutura da igreja local, papel do pastor, cuidado ao membro e um possível estrutura de associação. Nesse capítulo tentaremos criar uma situação ideal, enquanto que no próximo capítulo iremos explorar maneiras de mover-se na direção do ideal. Mesmo que nunca cheguemos ao ideal, devemos pelo menos trabalhar nessa direção.

O FAZER DE DISCÍPULOS NO NOVO MODELO

A base desse modelo deve ser o desejo insaciável de desenvolver o tipo de discípulos que Jesus desejaria produzir quando Ele deu a Grande Comissão. Esse modelo de igreja não pode ser construído sobre indiferentes adeptos de Cristo; deve ser construído sobre aqueles que desejam entrar em um discipulado radical com Jesus. Então, o modelo tem que começar com o produto final que desejamos alcançar. A maneira como evangelizamos afeta o produto final. Por isso, nossa metodologia evangelística deve refletir nosso produto final.

A compreensão adventista do processo evangelístico é melhor enunciada por Ellen White:

O mundo necessita atualmente daquilo que tem sido necessário já há mil e novecentos anos - a revelação de Cristo. É preciso uma grande obra de reforma, e é unicamente mediante a graça de Cristo que a obra de restauração física, mental e espiritual se pode efetuar.

Unicamente os métodos de Cristo trarão verdadeiro êxito no aproximar-se do povo. O Salvador misturava-Se com os homens como uma pessoa que lhes desejava o bem. Manifestava simpatia por eles, ministrava-lhes às necessidades e granjeava-lhes a confiança. Ordenava então: "Segue-Me." João 21:19.

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É necessário pôr-se em íntimo contato com o povo mediante esforço pessoal. Se se empregasse menos tempo a pregar sermões, e mais fosse dedicado a serviço pessoal, maiores seriam os resultados que se veriam. Os pobres devem ser socorridos, cuidados os doentes, os aflitos e os que sofreram perdas confortados, instruídos os ignorantes e os inexperientes aconselhados. Cumpre-nos chorar com os que choram, e alegrar-nos com os que se alegram. Aliado ao poder de persuasão, ao poder da oração e ao poder do amor de Deus, esta obra jamais ficará sem frutos.

Aqui, Ellen White afirma o que através dos anos tem sido a base adventista para metodologia missionária no mundo. Nem sempre tem sido seguido, mas a maioria reconhece que esse é o coração da metodologia evangelística adventista. Ao pregar a mensagem da restauração do fim dos tempos, a igreja não negligencia ministrar às necessidades físicas das pessoas. Isso não é evangelho social, mas um evangelho que resulta em ir de encontro às necessidades das pessoas para ganharmos sua confiança e assim a igreja consegue o direito de compartilhar o evangelho com os descrentes.

O evangelho, de acordo com Ellen White, não deve ser compartilhado fora de um relacionamento. É por isso que a igreja precisa colocar mais ênfase em ir de encontro com a necessidade das pessoas ao seu redor. Os adventistas têm tentado fazer isso, mas ao fazê-lo não conseguiram conversos para o cristianismo, apenas tornaram “saudáveis” os pecadores. Muitas vezes os adventistas ganham a confiança das pessoas, desenvolvem um relacionamento confiável com elas, mas falham ao compartilhar do evangelho. Como resultado, a Igreja não tem colhido daquelas que necessitam de evangelismo. Os membros da igreja temem, sem razão, que irão prejudicar o relacionamento se falarem de Cristo. Ainda assim, isso não acontece se o evangelho for compartilhado com tato e uma atitude de aceitação.

Às vezes, os adventistas separam a necessidade de evangelismo, da proclamação do evangelismo. Em vez disso, a igreja precisa ver que um alimento o outro. Quando as necessidades das pessoas são satisfeitas, elas podem ser introduzidas a proclamação do evangelho, e então serem levadas para o início do discipulado. Entretanto, é impossível levar pessoas ao discipulado se os membros da igreja falharem em colocar em prática a confiança que ganharam ao ministrarem as necessidades das pessoas. De outra forma, a necessidade de evangelismo pode ser apenas outro nome para evangelho social. Como George Hunter sugeriu:

De fato, provavelmente mais pessoas foram libertadas das condições opressivas e de desvantagem através do discipulado do que através de campanhas de reforma social.

Em outras palavras, a igreja é chamada para ser uma extensão da encarnação de seu Senhor, receptivo e com compaixão às necessidades das pessoas que sofrem.

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O modelo de igreja deve ser orientado pela necessidade. Além disso, a estrutura, que será analisada na próxima seção, deve apoiar a transição de pessoas seculares que tiveram as necessidades satisfeitas, no mundo da igreja. A atual estrutura, provavelmente, iria alienar a maioria das pessoas de fora da igreja, já que não há uma maneira de assimilá-las.

Os adventistas também precisam tomar cuidado para que seu evangelismo não se degenere, simplesmente preenchendo a necessidade das pessoas. Haverá um tempo em que essas pessoas deverão ser convidadas para o processo de discipulado. De outra maneira, a igreja estaria sendo infiel a Grande Comissão:

Precisamos ter isso em mente para um dia quando a “missão da igreja” às vezes é reduzida a mero diálogo, projetos de serviço ou lutar por justiça. Não estamos negando a justiça de nenhum desses valiosos programas, mas reconhecemos que são totalmente necessários para os verdadeiros e essenciais trabalhos do evangelho. Mas eles não são substitutos para a difusão da experiência de salvação e para a incorporação em uma comunhão daqueles que experimentaram a salvação.

Tendo alcançado as pessoas através de suas necessidades, Ellen White diz que o discipulador deve passar a maior parte com tempo pessoal com as pessoas do que com sermões. Nesse modelo de igreja é mais importante para o discipulador construir um relacionamento sólido com a pessoa do que pregando para ela, dar estudos bíblicos, ou convidá-las para um sermão evangelístico. Isso não exclui o que foi dito acima, simplesmente indica que a construção de um relacionamento é a tarefa mais importante do discipulador.

Ellen White não exclui a apresentação cognitiva da verdade, mas declara que a verdade cognitiva do evangelho só deve ser apresentada no contexto de um relacionamento com a pessoa que está buscando discipular. É por isso que ela afirma que “acompanhado pelo poder da persuasão, o poder da oração, [e] o poder do amor de Deus” o trabalho do discipulador não será infrutífero. Isso sugere uma metodologia que seja pessoal, em que pessoas sejam amadas e aceitas, assim como a apresentação cognitiva da verdade persuade as pessoas a se tornarem discípulos de Jesus.

Essa afirmação também sugere que parte da metodologia adventista de evangelismo é oração intensa pelo não convertido, o que reflete o envolvimento da comunidade na oração pelo não convertido. A oração pode alcançar muito mais do que esforços humanos. É muito fácil para os adventistas ficarem dependentes de grandes metodologias humanas que eles confeccionaram para compartilhar o evangelho, e para negligenciar o poder do Espírito Santo que é essencial para convencer e converter as pessoas, e é liberado através das orações do povo de Deus. “Ao estudar casos de igrejas em crescimento, há um fator recorrente – todas elas são igrejas que oram.”

A apresentação cognitiva da mensagem da salvação e o discipulado sempre devem permanecer como uma parte característica da metodologia evangelística adventista. Não deve haver uma transgressão da mensagem nesse modelo de igreja. A mensagem cognitiva que os

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adventistas sentem o chamado para apresentar para o propósito de trazer pessoas para o discipulado com Jesus Cristo incluirá o seguinte:

1. Salvação pela graça apenas.

2. Aceitação de Jesus como Senhor e Salvador.

3. Garantia de salvação e vitória final através do trabalho final de julgamento de Cristo no santuário celestial.

4. A esperança de uma ressurreição literal do corpo na segunda vinda, ao invés de uma existência imaterial do espírito depois da morte.

5. A mensagem de total restauração, física, mental e espiritual conseguida através do chamado para limpar a mente, a mensagem de vida saudável e a verdade de desenvolver um relacionamento profundo com Jesus através da guarda do sábado.

6. Uma compreensão da verdade profética, como ilustrada através das profecias apocalíptica de Daniel e Apocalipse. Essas verdades proféticas criam a urgência de entrar no discipulado em preparação para a volta de nosso Senhor.

Se alguém comparar os seis pontos listados acima com a compreensão de “discípulo”, como iluminado por Jesus, e elaborado pelas três mensagens angélicas, fica claro que a mensagem adventista é singularmente criada para produzir o tipo de discípulo que Jesus visualizou. O problema adventista é que essas verdades têm sido apresentadas de maneira separada, independentes umas das outras, não sendo vistas como parte do processo de discipulado.

É sobre o entendimento desses seis conceitos básicos de discipulado que as pessoas são convidadas a serem batizadas e se tornarem parte da Igreja Adventista do Sétimo Dia. A aceitação desses pontos indica claramente que as pessoas estão certas sobre tornarem-se discípulos, que elas reconhecem a Jesus como Senhor de sua vida e que desejam abandonar tudo para seguir a Jesus. Tradicionalmente, a apresentação evangelística adventista dessa mensagem cognitiva acontece em reuniões com sete a oito semanas de duração. É mais um ministério de ensino, do que um ministério profético, que está mais em harmonia com o entendimento de “discípulo” que definimos anteriormente. Esse ministério de ensino não deve ser negligenciado na igreja modelo.

Porém esse é apenas o início do processo de fazer discípulos. Nesse momento as pessoas podem ser batizadas, mas agora elas devem entrar em uma vida de aprendizado constante sobre Jesus, que é a parte final da Grande Comissão. Eles devem aprender tudo o que Jesus nos ordenou para que se tornem independentes e sejam capazes de discipular outros. É nesse momento que a metodologia norte-americana tem falhado. Os adventistas têm presumem que se as pessoas aceitam a mensagem cognitiva, o restante do discipulado segue sem esforço intencional. O resultado é a produção de cristãos cabeça ao invés de cristãos coração. Eles conhecem a verdade, mas não conhecem a Verdade.

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Os adventistas têm feito um trabalho razoável na porta da frente da igreja; milhares de pessoas entram nas igrejas todo ano. Porém, muitos não vão, em seu discipulado, além da instrução pré-batismal. Na maioria das igrejas não há um planejamento intencional para um discipulado futuro. Sem dúvida, isso é um resquício do passado quando a maiorias dos americanos eram cristãos, então se presumia que as pessoas que se uniam a igreja possuíam um cristianismo básico. Com o secularismo dominando o cenário americano, atualmente, a maioria dos novos conversos que estão entrando na igreja possui histórico de nunca ter entrado em uma igreja, então é imperativo que a igreja modelo desenvolva um plano de discipulado intencional para aqueles que são novos na fé em Cristo.

Rick Warren sugere um plano para fazer discípulos que possui quatro pontos. Ele utiliza como exemplo a forma de diamante de um campo de beisebol. A primeira base envolve um compromisso com Cristo e com o rol de membros da igreja; na segunda base está o crescimento em Cristo e o desenvolvimento das disciplinas espirituais; terceira base é a descoberta dos dons e saber como colocá-los em ministério; por fim, na última base, a base do batedor, envolve um compromisso com a missão de Cristo e o envolvimento em ganhar outros para o trabalho. Seu objetivo é que todos consigam passar por todas as bases sem deixar ninguém parado em alguma delas.

O exemplo de Warren é útil para os adventistas ao elaborarem uma igreja modelo. Os adventistas se saem muito bem na primeira base, e um trabalho razoável na base do batedor, um trabalho fraco na terceira base e nenhuma tentativa de trabalho com a segunda. Portanto, o discipulado adventista deve começar com o desenvolvimento da segunda base. Apenas quando a segunda base for desenvolvida as pessoas poderão avançar para a terceira base, que estará totalmente elaborada, e, por conseguinte, a base do batedor. Isso significa que os esforços intencionais devem ser produzidos para auxiliar as pessoas a desenvolverem as disciplinas espirituais. Não mais se deve presumir que as pessoas já sabem como orar e estudar a Bíblia, sozinhas. Se o objetivo é ter cristãos independentes, sem pastor, então os novos conversos devem ser ensinados a como viver uma vida espiritual. De outra forma, os adventistas estariam apenas ensinando as pessoas a serem dependentes da nutrição espiritual que recebem do pastor no sábado pela manhã. A igreja nunca será livre da dependência pastoral a não ser que ensine as pessoas a como viver uma vida espiritual.

Esse ensinamento pode estar na forma de um seminário, mas a melhor maneira de fazê-lo é através de um discipulado individual. Quando um discipulador ensina um novo converso a como orar e estudar a bíblia, essa pessoa pode compartilhar o que funcionou em sua própria vida. Essa nutrição da espiritualidade também pode ser feita em um pequeno grupo. A maneira como é feita não é tão importante quanto o fato de estar sendo feita. Aqui, a igreja modelo deve ser intencional.

Tendo desenvolvido a vida espiritual básica, como sugerido por Warren, a pessoa está pronta para passar para as próximas bases. Esse discipulado progressivo deve consistir das seguintes áreas, todas se baseando no desenvolvimento da vida espiritual que já aconteceu:

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1. A pessoa deve ser colocada, imediatamente, em um pequeno grupo atencioso. Isso deve ser feito imediatamente após a conversão, se ela já não pertencer a tal grupo. É no ambiente do pequeno grupo que ela poderá ser ensinada e desenvolver-se. A igreja está educando as pessoas a terem cuidado mútuo, portanto, o envolvimento em um pequeno grupo é indispensável.

2. As pessoas devem ser ordenadas no ministério no momento de seu batismo, através da imposição das mãos, como foi ensinado no Novo Testamento. As pessoas devem entrar na igreja com a compreensão de que Cristo os chamou para o ministério. Eles devem ver seu batismo como uma ordenação ao ministério, e não apenas um símbolo do perdão dos pecados.

3. As pessoas devem ser levadas a descobrirem seus dons espirituais. Entretanto, eles não devem descobrir apenas seus dons, mas também devem ser colocadas em um ministério em harmonia com esses dons. A oportunidade ministerial não deve estar restrita aos ministros da igreja. Os ministros no mundo também devem ser considerados válidos para os cristãos.

4. A pessoa deve ser levada a identificar, imediatamente, sua família estendida e começar o processo de discipular dentro de sua rede de contatos, que foi aberta por sua vinda a Cristo. Uma pessoa não é um discípulo até que se torne um fazedor de discípulos. A igreja modelo não deve permitir que os novos conversos apenas se sentem e sejam acalentados. Ela deve colocá-los para trabalhar imediatamente para alcançar outros. A melhor maneira de ser discipulado é discipulando outros. É aqui que esse autor discordaria de Warren. O discipulador não deve esperar até que a segunda ou terceira base estejam completas para começar a trabalhar na base do batedor. O trabalho de alcançar outros irá acrescentar a segunda e a terceira bases.

5. As pessoas devem ser ensinadas a não serem dependentes da visitação do pastor ordenado e assalariado, ou de sermões desse pastor, como fonte de sua vida espiritual. Elas devem ter vida em si mesma. Portanto, a igreja modelo não deve esperar que as pessoas ouçam mais de um sermão por semana, a não ser que sejam circunstâncias incomuns. Em alguns casos poderão passar semanas sem nenhum sermão. Sendo que muitos cristãos passam a maior parte de seu tempo de “igreja” ouvindo sermões ou em reuniões, eles têm pouco tempo para o ministério de verdade. Por termos um tempo limitado, este precisa ser liberado para que os cristãos se envolvam no ministério. Isso colocaria a igreja em total harmonia com Ellen White, que defendia a menor dependência do sermão mesmo na igreja adventista primitiva.

Além dessas abordagens pessoais ao evangelismo, a igreja adventista modelo que é fiel à Grande Comissão e às três mensagens angélicas também deve estar engajada nas seguintes atividades:

1. A igreja tentará alcançar pessoas em diferentes grupos culturais, modificando sua abordagem, para que se tornem tudo para todos, a fim de trazê-los a Cristo. Na herança

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de Wesley, a igreja fará coisas, mesmo que sejam desconfortáveis, para que se alcancem as pessoas. Não irá comprometer sua fé, mas se relacionará de maneira diferente com tipos variados de pessoas:

Charles era um poeta e músico refinado com elevado gosto estético para igreja mas colocava suas preferências de lado escrevendo hinos em harmonia com as canções de bêbados ignorantes, cantadas nos bares da Inglaterra! E John, depois de trinta e três anos de pregação ao ar livre, confessou que “até hoje, a pregação em campo ‘e um fardo para mim. Mas conheço minha comissão e não vejo outra maneira de ‘pregar o evangelho a toda criatura’.” (George Hunter, Journal, Setembro 1772.)

2. A igreja colocará uma prioridade em fazer discípulos. Essa prioridade se manifestará no orçamento, no tempo do pastor, e no tempo dos membros.

Se é para ser a igreja, que seja a igreja de Cristo. E se é a igreja de Cristo, então que seja para toas as pessoas. Assim, levará em si uma paixão pelos que estão do lado de fora. O membro nunca deverá dizer, “Já estamos muito cheios”. A questão não é o quanto “nossa” irmandade está confortável, mas se estamos cumprindo a missão para qual fomos chamado de forma correta. O “movimento e a magnificência” não são nossos, mas dEle. (C. Wayne Zunkel, Church Growth Under Fire, 1987.)

Wesley tinha seus padrões para a ordenação para o clero a serviço da missão apostólica. Realmente, a organização da igreja como um todo deveria servir a essa missão... Além disso, Wesley nos lembraria que, quando o metodismo era um movimento contagioso, os pregadores eram escolhidos estrategicamente para avançar os objetivos apostólicos do movimento e não essencialmente ser recompensada pelos avanços ou pessoas mais importantes. (George Hunter 60-61)

3. A igreja que é sincera sobre cumprir a Grande Comissão também coloca como prioridade a implantação de novas igrejas. A ordem de Jesus compele a igreja a estar continuamente plantando novas igrejas entre novos grupos de pessoas. A Grande Comissão e as três mensagens angélicas exigem isso. Levar isso a sério significa que toda igreja deve ser considerada infiel a essa tarefa se não se reproduzir ao menos a cada década. A única exceção seriam as pequenas áreas rurais em não há uma grande base populacional. Mesmo ali, porém, a igreja deveria estar se multiplicando.

4. Igrejas em crescimento que são fiéis à Grande Comissão e estão verdadeiramente fazendo discípulos, não mais precisarão de clérigo pago para cuidar da congregação. Tal congregação libertará seu pastor para plantar novas igrejas e assim acelerar a propagação do evangelho ao mundo. Os pastores de tais igrejas treinarão tão bem seu laicato que ficarão sem trabalho. Como o Dr. D. James Kennedy observou, é mais importante treinar ganhadores de almas do que ganhar uma alma.

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Os elementos listados nesse capítulo estão em consonância com, e uma conseqüência, da teologia referida na primeira seção desse livro. Se os adventistas realmente acreditassem que Deus os chamou para preparar pessoas para a volta de Jesus, pessoas que seriam discípulos de verdade, então sua metodologia incluiria as áreas enumeradas aqui. Pode haver várias maneiras pelas quais esses elementos podem ser realizados por várias igrejas, mas nenhum elemento pode ser deixado de lado se a igreja quiser cumprir o que Deus pediu que fosse realizado nesses últimos dias da história da terra. A igreja modelo visionada aqui inclui todos esses elementos.

O Adventismo do Sétimo Dia é um movimento de missão. Está baseado, edificado e nutrido com uma mentalidade de missão. Ao crescer e amadurecer, a Igreja aumenta seu risco de perder essa mentalidade missionária. Se isso acontecer nesse momento em sua história seria desastroso. Deus não chamou a igreja para fracassar, Ele chamou para a realização fiel de sua missão:

As imagens da igreja no Novo Testamento não falam contra a estrutura, organização ou prédios. Essas imagens, porém, enfatizam que a igreja é mais que isso. É um organismo vivo, e pode ser saudável ou doente. Pode morrer. Tem um Senhor que está no comando. Crescimento e reprodução são funções contínuas de um organismo. O crescimento da igreja é natural. É sobrenatural. A igreja está viva!

A igreja está viva! Está viva e bem não fim do século xx, mas precisa de alguns ajustes para que se mantenha viva. Nunca deve se afastar de sua teologia de missão se deseja se manter viva. Deve sempre se lembrar que está no negócio de fazer discípulos. Nada mais deveria ser permitido para consumir o tempo e a atenção da igreja de Deus. A iminência do advento do Senhor chama a igreja para a fidelidade em sua hora final. É a esperança desse autor que essa ordem de missão capacite a igreja para fazer a necessária mudança organizacional da próxima seção.

A ESTRUTURA DA IGREJA MODELO INCLUINDO O PAPEL DO PASTOR E O CUIDADO AO MEMBRO

A estrutura de uma igreja modelo centrada na missão e fazedora de discípulos irá adotar o ideal da não-dependência pastoral e o cuidado mútuo dos cristãos já existentes, como elaborado nesse trabalho. A estrutura então apoiará a missão da Grande Comissão ao invés de ser o obstáculo para o cumprimento da missão de Cristo. Sendo que a não-dependência pastoral e o cuidado mútuo estão inseparavelmente ligados nesse modelo, ambos serão considerados nessa seção.

Para a ação, esse modelo necessitará de um novo desenvolvimento estrutural no nível da igreja local: o pequeno grupo. O movimento de pequeno grupo ainda não capturou a

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imaginação da maioria dos adventistas, apesar de muitas tentativas nessa direção. Há duas razões básicas para essa estagnação: o individualismo americano e o contínuo uso do modelo de dependência pastoral. A primeira razão é social, e a igreja só pode educar as pessoas em uma comunidade bíblica. A segunda é um problema estrutural que precisará ser lidado com a igreja. Sendo que o pastor é visto como o principal cuidador, os membros não sentem a necessidade de estarem envolvidos em um pequeno grupo. É o ponto de vista desse autor que será impossível implementar a estratégia de ministério de pequeno grupo na igreja Adventista até que a esta aceite o modelo do Novo Testamento de que o clero deve ser treinar/ equipar e o laicato deve ser o realizador do ministério.

Outro problema que os adventistas enfrentam na implementação do ministério de pequenos grupos é que muitos adventistas falham em ver a necessidade de grupos relacionais. Eles sentem que as reuniões dos pequenos grupos deveriam proporcionar uma experiência cognitiva. A tendência adventista é que se alguém não aprende algo, não vale à pena. Adventistas precisarão de educação em relação aos conselhos bíblicos e Ellen White para o desenvolvimento de uma pessoa completa, fisicamente, espiritualmente, intelectualmente e socialmente. O Adventismo primitivo conseguiu ir de encontro a essas necessidades através das reuniões sociais.

Muitas experiências adventistas com pequenos grupos falharam porque os pequenos grupos são vistos como mais um programa adicionado aos programas já existentes da igreja. Como resultado, as pessoas se tornam sobrecarregados e desencorajados com os pequenos grupos. Para poder mudar para o novo paradigma do modelo do Novo Testamento, será necessário organizar a igreja em pequenos grupos e não simplesmente oferecer os pequenos grupos como outra opção na igreja. É impossível se unir a uma igreja de pequenos grupos e não fazer parte de um pequeno grupo. A vida inteira de uma igreja se origina nos pequenos grupos. É baseado em pequenos grupos e não em programas. Esse é um modelo delineado por Ralph Neighbour. Sua estrutura organizacional é o esboço do modelo de meta igreja de Carl George.

Na igreja de pequenos grupos, o cuidado é responsabilidade dos grupos celulares e não do pastor. Isso deixa o pastor livre para nutrir os líderes dos pequenos grupos e estarem envolvidos em atividade evangelística. Se esses grupos devem proporcionar cuidado, eles devem ser relacionais, e não outro exercício de realização intelectual. Os membros adventistas já ouviram pregações demais e já estão mais que educados. Para a maioria dos adventistas a atividade principal é passiva: ouvir a um sermão ou seminário, que é prontamente esquecido. O pequeno grupo não pode ser simplesmente adicionado as numerosas responsabilidades carregadas por tão poucos membros. Esses membros devem ser aliviados para que possam ter tempo de cuidar.

Com o que se parece uma igreja em células? Sendo que a célula é o bloco básico da construção de todos os organismos, a igreja em células deve ser o bloco básico da construção da vida igreja. Em uma igreja baseada em programas, é possível frequentar o culto de adoração semanal e não estar envolvido em nenhum outro programa da igreja. Em uma igreja em células, isso é impossível.

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A igreja em células é organizada ao redor de suas células. As células devem se encontrar periodicamente para adoração, mas vida da igreja está nas reuniões das células e não no culto de adoração. O encontro semanal do grupo celular deixa tempo para a adoração, o compartilhar de experiências da vida, prestação de contas, etc. Da força conseguida através dessas reuniões, os membros das células patrocinam vários ministérios. Por exemplo, Deus pode levar um grupo a patrocinar um grupo de recuperação de alcoólicos. Outro grupo pode patrocinar um grupo de auxilio a divorciados. A escolha de um ministério em particular seria baseada nos interesses dos membros do grupo e nas necessidades da comunidade. Às vezes, o grupo pode patrocinar um evento, como um seminário sobre estresse, mas dar sequência com um ministério permanente para pessoas estressadas. Seu objetivo é trazer essas pessoas para as reuniões normais do grupo. A reunião do grupo de recuperação é uma reunião adicional a cada semana ou mês. Não pode ser freqüentada por todos os membros da célula, mas sua principal função ministerial de uma célula em particular.

Quando as células crescem e se multiplicam, a nova célula pode desejar patrocinar um novo ministério ou auxiliar a célula-mãe na continuação daquele ministério de recuperação em particular. Dessa maneira o ministério pode crescer ou o ministério da igreja pode ser expandido em novas áreas. Já que as novas células têm mais de um ministério, as pessoas não ficarão exaustas, pois a igreja não tentará expandir seus ministérios utilizando as mesmas pessoas. O ministério acontecendo em células oferecerá expansão ilimitada de ministérios sem esgotamento.

Quando as pessoas dos grupos de recuperação passar a frequentar as reuniões regulares da célula e começam a mostrar interesse por Cristo e pela igreja, algum membro da célula que possui o dom do evangelismo começa a oferecer estudos bíblicos pessoais ou convida essas pessoas para uma reunião evangelística ou um seminário sobre profecias, então o indivíduo será ensinado sobre a mensagem. Porém, a nutrição da pessoa na fé acontece primariamente na célula.

As células, em uma igreja celular, são totalmente direcionadas para a missão. Todas as células devem reproduzir uma nova célula, preferencialmente, a cada ano. Células que se mantém unidas sem se multiplicar, logo irão se degenerar em grupos de contemplação e tornam-se lixívias da igreja. A filosofia de multiplicar todos os grupos deve ser discutida antes da célula começar.

Na estrutura da igreja modelo, deverá haver uma base para apoiar os líderes dos grupos. Isso exigiria contínuo treinamento de novos e já existentes líderes de pequenos grupos. Essa seria uma das responsabilidades do clero nesse novo paradigma. Numa grande área, onde há muitos pequenos grupos, uma pessoa do clero que fosse residente teria que estar envolvida nesse treinamento contínuo, na supervisão dos muitos pequenos grupos e ser responsável às vezes quando os pequenos grupos se reunissem. As grandes reuniões poderiam ocorrer semanalmente, mensalmente ou trimestralmente. Não faria diferença, já que os pequenos grupos, e não as grandes reuniões, são o sangue de vida da igreja.

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O cenário acima manteria o pastor residente, mas mudaria o seu papel e o relacionamento com a igreja estaria mais de acordo com a comunidade bíblica e a herança adventista. Ao residir em uma área, o pastor não seria mais visto como alguém que realiza um ministério semanal e cuida dos membros.

Em grandes áreas com múltiplos pequenos grupos a igreja pode desejar desenvolver uma estrutura de apoio similar à que Moisés desenvolveu sob orientação de Jetro, onde havia líderes de dez, cinqüenta, cem, e mil. O líder dos dez nesse modelo seria o líder do pequeno grupo, o líder dos cinqüenta seria um leigo que supervisionaria cinco líderes de pequenos grupos, o líder dos cem supervisionaria dez líderes de pequenos grupos, e os líderes dos mil provavelmente seria a pessoa do clero que supervisionaria e treinaria os líderes dos cinqüenta e dos cem.

Outra maneira de organizar a igreja no modelo de pequenos grupos é oferecida por Ralph Neighbour, e pode muito bem ter outras além dessas. O propósito dessa obra não é explorar profundamente esses planos organizacionais. Outros fizeram-no adequadamente. A finalidade desse livro é dispor claramente o fato de que esse é o paradigma bíblico para a igreja do futuro. Cada igreja local deve descobrir como recriar o modelo de pequenos grupos, mas o importante é que deve fazer do pequeno grupo o centro de sua organização. A vida da igreja deve se centralizar nos pequenos grupos.

O que acontece nos pequenos grupos? Tudo que acontecer nas igrejas bíblicas organizadas ao redor de pequenos grupos será relacional. Pode-se, e deve-se estudar a Bíblia nesses pequenos grupos, mas questões relacionais não serão negligenciadas. Na verdade, questões relacionais serão uma parte principal da vida dos pequenos grupos. Nesse sentido eles serão como as primitivas reuniões sociais adventistas. Naquela época, as igrejas não tinham pregadores regulares. Em vez disso, os crentes se reuniam para um estudo bíblico na Escola Sabatina e então tinham uma reunião social que era totalmente relacional. Os pequenos grupos na igreja bíblica do futuro igualmente passarão tempo com a Palavra de Deus. Os adventistas jamais podem negligenciar o estudo da Bíblia. É o fundamento de nossa fé. Jamais devemos abandonar o estudo da Bíblia numa tentativa de nos tornarmos relacionais, mas também não podemos abandonar o aspecto relacional em nossa tentativa de sermos bíblicos. Fazer assim seria contra os princípios bíblicos.

Deixe-me sugerir dois cenários para a vida na igreja de pequenos grupos. O primeiro é de uma igreja que tem seu próprio prédio e continua a se reunir ali todos os sábados. Os membros são encorajados a passar tempo estudando a Palavra nas classes da Escola Sabatina que podem consistir de dois ou três pequenos grupos que se reúnem para uma classe de Escola Sabatina maior. Esses grupos podem ter multiplicado de um grupo original, e a classe da Escola Sabatina fornece o momento quando podem voltar a se reunir e ter comunhão juntos. Os grupos então se reúnem no santuário para um culto cheio do Espírito. Como foram vitalizados pelo ministério de pequenos grupos, os cultos serão mais direcionados ao louvor, enquanto os crentes louvam a Deus por sua vida espiritual em Cristo e uns com os outros. O seco formalismo acabou – vitalidade substituiu o repetitivo enfado. Um sermão pode ser pregado,

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mas em muitos sábados os membros dos diversos grupos compartilharão o que está acontecendo em sua vida espiritual como resultado do tempo passado em seus pequenos grupos. Os visitantes não freqüentarão os cultos para seu primeiro contato, mas entrarão na igreja através do grupo. Portanto, no sábado de manhã, geralmente haveria poucos visitantes que vieram pela primeira vez.

A vida dessa igreja realmente ocorre nos pequenos grupos. Ser membro de um grupo nessa igreja não é opcional. Como Ellen White indicou no capítulo sobre as reuniões sociais, um cristão é uma pessoa que freqüenta as reuniões sociais. Se isso é verdade, é difícil imaginar uma pessoa ser um cristão e não estar envolvido num pequeno grupo.

Os pequenos grupos dessa igreja se reúnem durante a semana na casa dos membros. Durante o período de uma hora e meia a duas que passam juntos, os membros compartilham alimento num momento de se conhecer e conversar sobre o que aconteceu em sua vida na semana passada. As pessoas são abertas umas com as outras. Há responsabilidade. Um membro mencionou numa ocasião anterior que ela está lutando com o problema de raiva no emprego, então nessa reunião outro membro pergunta gentilmente como está a luta. Um pai indicou anteriormente que estava frustrado em lidar com seus adolescentes, e alguém pergunta como estão se saindo. Não há pensamentos de vergonha ou crítica, mas somente um sentimento de confiança, sabendo que os colegas de jornada no pequeno grupo estão vitalmente interessados no desenvolvimento espiritual dos membros.

Depois de compartilharem sua vida da semana passada, os crentes passarão algum tempo orando uns pelos outros e pela salvação das pessoas perdidas. Essas não serão orações mecânicas, mas orações sinceras e do coração que revelam a profundidade de sua experiência mútua em Cristo. Pode haver alguns momentos para o estudo da Bíblia na reunião dos pequenos grupos, mas se houver, será de natureza relacional e não cognitiva. O estudo cognitivo da Bíblia é reservado para a Escola Sabatina. Aqui a ênfase é sobre o que a Bíblia nos diz pessoalmente. Aqui os crentes aplicam a Bíblia à sua vida diária.

Algum momento nessa reunião semanal do pequeno grupo relacional haverá uma discussão sobre o ministério coletivo do grupo. Eles podem compartilhar o que estão fazendo individualmente, mas cada pequeno grupo terá um ministério que compartilham coletivamente. Talvez o grupo realiza aulas sobre o gerenciamento do estresse como seu ministério. É dado tempo para organizar e planejar para o ministério.

Talvez um membro trouxe uma visita pela primeira vez. Será tomado tempo para criarem um vínculo com esse indivíduo. Enquanto essa pessoa continua a vir para o pequeno grupo, uma pessoa dotada com o dom do evangelismo programará estudos bíblicos para compartilhar as grandes verdades bíblicas com ele ou ela. O novato também será convidado a compartilhar na experiência do grupo aos sábados de manhã. Eventual, e esperançosamente, a pessoa aceitará a Cristo como Salvador, será discipulado pelo grupo, e batizado na comunhão.

Esse cenário analisou a vida do grupo como poderia existir numa igreja contemporânea que tem seu próprio prédio. Será necessária uma reorganização em massa da igreja para realizar

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isso, mas se estivermos falando sério sobre retornar ao modelo bíblico, esse tipo de igreja terá que ser criada.

No segundo cenário analisaremos uma igreja que não tem prédio grande o suficiente para reunir todos os crentes de uma vez. Na verdade, essa igreja nem está interessada em ter tal prédio, porque a vida da igreja está envolvida completamente nos pequenos grupos em vez de em tijolos e argamassa caros. Essa igreja pode consistir de muitos pequenos grupos se reunindo em lares na cidade – simplesmente não tem um prédio. Os grupos podem não se encontrar cada sábado; pode ser que eles só se reúnem para uma experiência de culto em conjunto uma vez por mês ou por trimestre.

A manhã de sábado encontra esses grupos se reunindo em vários lares por toda a cidade. Eles passam o tempo juntos, estudando a Bíblia na sua Escola Sabatina no lar. Então eles têm um momento de compartilhar, semelhante ao da reunião social do Adventismo primitivo, onde compartilhavam sua vida em Cristo. As crianças não são negligenciadas – elas são feitas parte vital da experiência do grupo. A reunião geralmente termina com uma refeição de comunhão onde partem o pão juntos como fizeram os discípulos primitivos. Às vezes pode haver um culto de comunhão bem ali no pequeno grupo no sábado de manhã ou em algum outro momento quando se reunirem.

Além da reunião do pequeno grupo no sábado de manhã, haveria pelo menos mais uma reunião do pequeno grupo durante a semana. Aqui as atividades assemelham-se com as descritas no primeiro roteiro, incluindo suas atividades evangelísticas. A diferença entre esses dois roteiros é o que acontece no sábado de manhã. No primeiro, os crentes ainda se reúnem em conjunto numa estrutura de igreja grande o suficiente para acomodar uma reunião grande. No segundo, esse encontro dos múltiplos grupos não é tão necessário. A vida espiritual é mantida quase exclusivamente na vida do grupo. Somente ocasionalmente todos os grupos se reúnem.

Os dois cenários descritos acima requerem um pastor residente numa cidade grande que seria responsável por prover contínuo treinamento tanto para os atuais líderes de pequenos grupos quanto para líderes novos. O pastor se reuniria regularmente com os líderes dos pequenos grupos para se certificar que seus grupos permaneçam espiritualmente saudáveis. Ele também seria responsável pelo culto semanal, mensal, ou trimestral em conjunto.

Nas atuais igrejas institucionais, os pastores passam a maior parte de seu tempo simplesmente mantendo a máquina funcionando com todos os programas que a igreja opera. Tempo considerável também é passado ministrando às necessidades dos membros individuais. Já que o cuidado dos membros no modelo novo voltou à sua base bíblica no pequeno grupo, muito do tempo do pastor deve ficar livre. Essa nova cota de tempo deve ser usada de duas maneiras. Primeiro, como já mencionamos, o pastor deve passar tempo com os líderes dos grupos. Segundo, o pastor deve passar um tempo significativo em iniciar novos grupos, uma atividade que seria semelhante a criar novas igrejas. O foco dos novos grupos deve ser os novos crentes. Esses novos grupos seriam feitos pela multiplicação dos grupos existentes e formando novos grupos através da atividade evangelística. Nesse modelo, os pastores seriam

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responsáveis perante a associação pela multiplicação de seus grupos. Portanto, muito de seu tempo seria usado para treinar líderes dos novos grupos da igreja que está sempre expandindo.

Então, a função principal do pastor seria delegar poder aos líderes, e a formação de novos grupos. Em vez de tentar prender o poder, o pastor estaria continuamente delegando poder para os líderes de grupos. Somente quando líderes leigos recebem poder pode a igreja realmente se tornar a igreja de Jesus Cristo.

Nesse novo modelo haverá muitos lugares onde há só um grupo numa certa cidade. No paradigma antigo, era difícil até pensar em começar uma nova obra nesses lugares pequenos porque a igreja não teria recursos para pagar um pastor para cuidar dela. O problema atual de múltiplas igrejas pequenas que raramente crescem, contudo requerem o desembolso de milhares de dólares para sua manutenção, seria resolvido.

Muitas dessas igrejas já são pequenos grupos. Algumas outras igrejas pequenas poderiam ser transformadas em dois ou três pequenos grupos. Esses grupos poderiam existir da forma que o cenário dois descreve acima. Poderia haver um pastor de todas as áreas isoladas de uma certa associação; em certos lugares essa área poderia ser todo o território da associação. Essas igrejas existiriam como as igrejas adventistas primitivas sem um pastor estabelecido, se mantendo através de sua vida em grupo com “reuniões sociais” (pequenos grupos) regulares. Talvez numa base trimestral, ou até mesmo mensal, o pastor desse grande distrito de grupos isolados reuniria todos os grupos de uma certa região para ajudar os membros a sentirem que fazem parte de um corpo maior. Entretanto, novamente a vida da igreja realmente seria no pequeno grupo. Na atual situação de igrejas pequenas, um pastor pode ser colocado sobre duas, três, ou quatro pequenas igrejas rurais com quase cem membros no total. No novo cenário, o pastor pode ser responsável pelo equivalente a quinze ou vinte igrejas do modelo atual. Contudo, os membros receberiam mais cuidados, ao seguirem o modelo bíblico de cuidarem uns dos outros, e seu potencial evangelístico aumentaria porque o pastor estaria mais livre para iniciar novos grupos. Desse modo seria possível ter uma “igreja” (definida como “um corpo de crentes se reunindo”) em absolutamente toda pequena comunidade no mundo.

Ao organizar uma igreja adventista baseada em células é importante que esta seja construída sobre a compreensão adventista de igreja. Isso é expresso de maneira melhor pela definição clássica de educação feita por Ellen White em seu livro Educação:

A verdadeira educação significa mais do que avançar em certo curso de estudos. É muito mais do que a preparação para a vida presente. Visa o ser todo, e todo o período da existência possível ao homem. É o desenvolvimento harmônico das faculdades físicas, intelectuais e espirituais. Prepara o estudante para a satisfação do serviço neste mundo, e para aquela alegria mais elevada por um mais dilatado serviço no mundo vindouro.

Uma compreensão adventista de igreja deve envolver as três áreas de instrução. Temos ido bem na área física através de nossa ênfase na alimentação; temos feito um trabalho excelente

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com o desenvolvimento intelectual através de nosso forte programa de estudos bíblicos e Escola Sabatina. Não temos ido tão bem nas partes espiritual e social da educação. Os relacionamentos têm sido fracos e não nos responsabilizamos uns pelos outros espiritualmente. É por isso que o maior desafio do adventismo é o novo desenvolvimento de um pequeno grupo relacional.

O tripé da perspectiva adventista da verdadeira educação – física, intelectual, e espiritual (social) – perdeu uma perna quando a reunião social desapareceu. Hoje, as igrejas adventistas precisam desesperadamente de pequenos grupos para colocar o terceiro pé de volta ao lugar. Entretanto, ao colocar tanta ênfase nos pequenos grupos relacionais, os adventistas precisam tomar cuidado para não perder sua ênfase física e intelectual. A igreja não pode se tornar apenas um grande clube relacional. A genialidade do Adventismo tem sido sua abordagem equilibrada da vida. Hoje, a igreja tem enfatizado demais a área cognitiva (intelectual). Se os pequenos grupos forem adicionados e a Escola Sabatina sair, criaremos outro desequilíbrio. Todas as três áreas devem receber igual atenção se os membros da igreja forem verdadeiramente educados para a eternidade.

Ao refletir sobre a estrutura, brevemente analisada aqui, parece que todas as atividades em uma igreja celular se originam e giram em torno da célula. É por isso que impossível para uma pessoa se unir a uma igreja celular e não se unir a uma célula.

A ESTRUTURA DA ASSOCIAÇÃO EM UMA IGREJA CONSTRUÍDA NO MODELO BÍBLICO

A estrutura baseada em células exigirá alguma reestruturação das associações locais, já que menos tempo será gasto na supervisão de problemas pastorais nas igrejas locais e procurar um novo pastor para uma igreja. Deve-se perceber que a associação inteira não pode mudar de uma vez para o novo modelo. Portanto, ambos os modelos podem operar ao mesmo tempo na associação. Esperancosamente, o novo modelo se tornará predominante.

Uma vez que a estrutura em célula acontece em pequenas igrejas rurais, essas igrejas devem ser organizadas em grupo de quinze ou vinte igrejas. A associação, então, escolheria um pastor para o distrito, que agora agiria como um presidente de uma mini associação, responsável pela supervisão dessas igrejas, nutrindo os líderes das células e evangelizando essas comunidades. Esse modelo é quase que idêntico à estrutura organizacional da igreja adventista primitiva. Nesse ambiente, assim como na igreja adventista primitiva, o ancião-chefe local, que ocupa a posição do antigo pastor, deverá ser escolhido pela associação ao invés de ser eleito pela igreja local. Isso asseguraria que a igreja/grupo se mantivesse fiel a denominação.

Esses pastores leigos estariam sob supervisão direta do supervisor do distrito (clero). A principal responsabilidade do supervisor do distrito seria supervisionar os pastores leigos das igrejas do distrito. Eles deveriam reunir-se regularmente. Em retorno, os pastores leigos deveriam se reunir com os líderes dos grupos celulares em suas pequenas igrejas a cada

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semana. Deveria ser proporcionado um treinamento extra para esses pastores leigos, especialmente na pregação, se esta continuar acontecendo com regularidade. Claro, já que a maioria das pequenas igrejas possui uma antena, elas podem sintonizar um novo pregador a cada semana. Porém, ter “reuniões sociais” regulares a cada semana seria melhor do que um culto com pregação.

Ao unir as igrejas pequenas, formando uma grande, com distritos auto-sustentáveis, a economia em salários pastorais deveria ser usada para colocar o clero em situações de implantação de igrejas. O resultado seria uma grande explosão de crescimento de igrejas implantadas, especialmente se forem concentradas nas maiores áreas metropolitanas e se as novas igrejas começarem fundamentadas no modelo do Novo Testamento.

Um dos aspectos do ministério moderno que desanimam os graduandos em teologia é que a primeira experiência pastoral é em uma igreja rural, pequena e estática. Já que esses primeiros anos de ministério são tão formativos, é imperativo que o novo ministro pegue o espírito de uma igreja adventista em crescimento. Portanto, nesse modelo, os graduandos em teologia poderiam ser colocados em situações de implantação de igrejas. Isso criaria uma dinâmica totalmente nova no jovem clero ao entrar no serviço denominacional.

Quando os jovens ministros são colocados nessas situações rurais decadentes, eles desanimam com o crescimento da igreja e desenvolvem uma tendência que presume que o crescimento não é possível hoje em dia. Como resultado, eles não conseguem fazer a igreja crescer, nem mesmo quando saem das pequenas áreas rurais. Seria muito mais sábio colocar os jovens ministros nas comunidades metropolitanas para que levantem novas igrejas. Ali, haveria uma chance muito maior de terem uma visão de igreja que ganha almas do que seria uma igreja na área rural. O dinheiro economizado pela combinação dos distritos poderia ser usado para sustentar equipes de plantação de igrejas nessas grandes áreas metropolitanas que estão sendo negligenciadas por falta de fundos. Isso também capacitaria a associação a retornar ao modelo bíblico de ministério, em que o evangelismo e a plantação de igreja acontecem por um esforço de “equipe” e pessoas não realizam mais o ministério sozinhas.

Quando os pastores são liberados para fazerem o que os pastores do Adventismo primitivo faziam – levantarem novas igrejas – os membros deveriam se regozijar, pois o Reino de Deus está crescendo e a igreja local está mais saudável e feliz ao cuidar de si mesma. Ainda assim, isso só pode ser alcançado quando os membros das igrejas pequenas se reeducarem nos conselhos bíblicos e de Ellen White acerca da função do clero. Esse novo modelo será difícil de ordenar por causa do forte sentimento de igrejas existentes de que elas necessitam de um pastor. Entretanto, ao se reeducar, e ver a administração da associação em harmonia com o conselho de Deus, eles irão cooperar.

Por causa da resistência e do poder financeiro encontrado em grandes igrejas, não vale a pena a luta para mudá-los. Algumas igrejas continuarão no modelo tradicional até morrerem. As associações continuarão a colocar pastores para cuidar delas, mas ainda assim deve haver uma reeducação no novo modelo de ao menos permitir que o pastor treine/ equipe ao invés de ser um cuidador principal.

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Mesmo no novo modelo, muitas igrejas grandes precisarão de clero para cuidar da grande quantidade de pequenos grupos, como mencionado anteriormente. Porém sua descrição de trabalho seria de “supervisor evangelístico” ao invés de “pastor”. Em uma área metropolitana, ou igreja grande, a profusão de pequenos grupos seria como ter vinte e cinco pequenas igrejas no modelo de pequeno grupo, como já discutido. O modelo Jetro de Carl George se encaixaria melhor aqui.

RESUMO

As raízes adventistas bíblicas e históricas exigem um modelo de igreja que não seja dependente de pastores, em que os membros proporcionam cuidado mútuo ao sair para cumprir a Grande Comissão. O modelo descrito nesse capítulo visiona uma igreja organizada ao redor do discipulado, grupos em célula que proporcionam cuidado ao membro e o pastor sendo um treinador de um grupo de líderes e um facilitador entre os grupos. O pastor então estaria envolvido com equipes de plantação de igrejas. Novas igrejas que fossem levantadas seriam discipuladas para a não-dependência. Uma tendência missionária controlaria as igrejas e a Grande Comissão seria rapidamente concluída.

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– Capítulo Onze –

COMO RETORNAR AO MODELO BÍBLICO/HISTÓRICO É Possível? Será que uma denominação inteira pode dar meia volta e começar uma igreja direcionada para a missão, como uma estrutura que realmente apóia sua missão? Pode ser uma realidade? É possível mudar a descrição de trabalho do pastor, para que volte a ser de treinar/equipar, evangelizar e plantar igrejas? É possível para os membros reassumirem seu papel de bíblico de proporcionar cuidado mútuo?

O tipo de igreja que descrevemos aqui parece distante da maneira como atualmente “fazemos igreja”. Contudo, como podemos ver por esse estudo, é claramente o modelo bíblico da igreja como comunidade. Não só o Novo Testamento defende e pratica esse tipo de igreja, mas o Adventismo primitivo também modelou essa igreja edificada de forma relacional e baseada em comunidade. Não faz nem cem anos que os adventistas viram essa igreja em ação. Há apenas setenta e cinco anos de apostasia em sua eclesiologia. Portanto, deveria ser fácil voltar para o modelo bíblico de igreja.

Já que o modelo relacional de igreja está tão fortemente enraizado nas Escrituras e na história do Adventismo, a atual igreja de Jesus Cristo deveria mover toda pedra necessária para retornar ao modelo bíblico de igreja. O caminho pode não ser fácil. Na verdade, está inclinado a ser bem difícil. A resistência será grande. Obstáculos serão colocados no caminho. Pode não ser possível para todas as igrejas retornarem a esse modelo bíblico – a resistência pode ser grande demais. Umas mudarão mais rapidamente que outras. Novas igrejas precisarão ser iniciadas do zero nesse novo modelo. Porém, o movimento na direção de restabelecer a igreja adventista relacional deve começar, e começar agora.

Recriar esse tipo de igreja não significa que os adventistas devem copiar exatamente a estrutura organizacional de sua igreja ou o Adventismo primitivo. Aquelas estruturas foram claramente geradas para o momento em que eles viviam. Mas podemos juntar os princípios daqueles tempos e recriarmos uma igreja que seja baseada naqueles princípios. O que precisamente seria aqueles princípios básicos? O pastor como treinador/ equipador, evangelizador e plantador de igrejas; a missão como a maior prioridade da igreja; e os membros sendo verdadeiramente discipulados e proporcionando cuidado mútuo. Esses são os princípios básicos que foram enunciados no modelo criado no capítulo anterior.

Como os adventistas irão para essa nova direção? Nesse capítulo, primeiramente serão analisadas diretrizes para toda a igreja, então, situações específicas, como plantação de novas igrejas no novo paradigma, a transição de igrejas existente e como lidar com igrejas resistentes serão consideradas. Obviamente, o conselho dado aqui é geral. No fim das contas, cada situação local será tratada de maneira diferente.

EDUCAÇÃO NO NOVO MODELO

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A educação dos membros e o estabelecimento de um ministério celular na igreja loção são básicos para a implantação do papel de clero do Novo Testamento. Apenas quando isso for implantado é que a igreja pode buscar recuperar o modelo do Novo Testamento. Fazê-lo sem primeiro educar o clero e os membros seria desastroso. A mudança não deveria ser forçada a nenhuma congregação, mas as igrejas deveriam gritar para que isso fosse implantado por verem como uma ordem bíblica.

A educação precisa se iniciar com o clero; eles são os “porteiros” da igreja, no presente contexto do ministério. Nada irá acontecer nas igrejas sem a sanção deles. Entretanto, muitos clérigos estão frustrados nas situações de paralisia, e estão se agarrando a qualquer mudança que os ajude a mudar o status quo. Isso deveria acelerar a aceitação ao mandato bíblico. As apresentações nas reuniões pastorais nas associações começaram o processo de educação do clero ao novo paradigma. Contudo, deverá acontecer mais do que isso para haver um efeito duradouro. As associações que realmente desejam mudar de direção pedir o compromisso de seus pastores. Aqueles que se comprometerem devem formar um grupo de apoio para prestar contas e resolução de problemas.

Deve ser fortemente enfatizado que sem apoio convicto no nível da associação, logo os pastores se sentirão isolados demais para continuarem a implantação. Os pastores precisam saber que a liderança da associação os está apoiando ao implantar esse novo conceito de ministério. Às vezes, eles precisarão que a associação “arque com as consequências” por eles.

Educar os pastores e não o laicato resultaria em grande resistência quando os pastores tentassem implantação. Os pastores proporcionarão educação na igreja local quando o processo de implantação começar. Porém, também deve haver educação através de vários estudos. Artigos na Revista Adventista, Ministry e outros estudos da União começarão a mudar o clima sobre esse assunto em muitas mentes.

IMPLANTANDO UMA IGREJA NO NOVO MODELO

A rota mais fácil para esse novo paradigma é estabelecer novas igrejas em células. Ali, não é necessário superar a tradição da igreja existente; desde o princípio os membros podem ser educados no modelo bíblico da igreja em células. Quando esses modelos de novo paradigma começam a crescer e prosperar sob as bênçãos do Espírito Santo (e eles irão prosperar, pois Deus abençoará Sua igreja ao buscar retornar ao modelo bíblico de “fazer igreja”), as igrejas existentes se sentirão encorajadas a copiar seu modelo.

Cada associação poderia começar ao estabelecer igrejas em células. Essa nova igreja poderia se tornar um modelo de novo paradigma para essa associação. Não teria uma história de modelo tradicional para superar, e então não seria dependente de pastor. Seria essencial que essa igreja fosse baseada em células, ao invés de baseada em programas com pequenos grupos.

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Um modelo bem sucedido de associação estimularia outras igrejas a se reorganizarem no novo modelo. Quando essas novas igrejas crescessem e se tornasse grandes, a principal tarefa do pastor seria de encorajar e supervisionar esses grupos e evangelizar as pessoas perdidas.

Nessas novas igrejas, nenhum grupo de célula deve ser começar sem um líder de grupo e um aprendiz. O trabalho do aprendiz de líder será liderar um novo grupo quando a célula se multiplicar entre seis meses e um ano. Três meses antes dos grupos se multiplicarem, dois novos aprendizes de líderes devem ser escolhidos para cada um dos novos grupos que se desdobrará nos próximos três meses. Nesse modelo, uma nova liderança dever ser constantemente treinada e desenvolvida. Essa seria a principal responsabilidade do clero. Se os grupos começarem sem a escolha dos aprendizes de líderes, estes se degenerarão por olharem apenas para o próprio umbigo, não crescerão nem se reproduziram regularmente. Com essa estrutura de cuidado mútuo e a expansão evangelística, a igreja poderá crescer mais sem pastores adicionais. Essa estrutura poderia ser difícil de implantar em uma igreja já existente, mas seria mais fácil se for implantado em igrejas recém plantadas, pois os membros já serão educados nesse novo paradigma.

Sem a história do paradigma da Idade Média, a igreja poderia ser facilmente educada nesse novo modelo. Assim, o começo das novas igrejas em células oferece esperança para a implantação desse paradigma. Se a maioria das igrejas começasse nesse novo modelo e a igreja inaugurasse um agressivo movimento de plantação de igrejas, a maioria das igrejas norte-americanas logo estaria operando nesse modelo e se tornaria a maneira predominante com que os adventistas “fazem igreja”.

A TRANSIÇÃO DA IGREJA EXISTENTE PARA O NOVO MODELO

Nossas igrejas tradicionais estão presas na vida da igreja institucional. Foram organizadas assim. É a única vida que conhecem. Não sobrou nenhum membro que se lembra do Adventismo dos dias da igreja relacional. Nossa igreja atual é principalmente baseada em programas e estruturada em departamentos, com Jovens, Escola Sabatina, Desbravadores, Beneficência Social, os cultos, etc. O novo paradigma é uma igreja onde o pequeno grupo é o princípio organizador sobre o qual tudo na igreja está baseado.

Como fazemos a transição de um para o outro? Não demolindo o velho. O velho é significativo para muitas pessoas. Eles foram ministrados na tradicional igreja institucional por toda sua vida. Eles não conseguem perceber como o modelo novo pode ser melhor. Essas pessoas oferecerão grande resistência ao desmoronamento da existente estrutura da igreja local. Jesus nos deu excelente conselho em como fazer a transição do velho para o novo quando falou sobre não colocar vinho novo em odres velhos:

Ninguém tira um pedaço de veste nova e o põe em veste velha; pois rasgará a nova, e o remendo da nova não se ajustará à velha. E ninguém põe vinho novo em odres velhos, pois o vinho novo romperá os odres; entornar-se-á o vinho, e

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os odres se estragarão. Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos [e ambos se conservam] (Lucas 5:36-38).

O conselho de Jesus é apropriado para nós hoje. Se tentarmos mudar a igreja atual abruptamente para um novo paradigma, corremos o risco de estragarmos tanto o vinho novo quanto o velho. A transição tem que ocorrer lentamente para as igrejas já existentes. Igrejas tradicionais podem nunca fazer a transição completa ao modelo bíblico. Deixe-as em paz. Eventualmente morrerão, disse Jesus. Em vez disso, precisamos derramar a maioria de nossa energia em estabelecer novos odres. Às vezes o novo odre terá que ser desenvolvido dentro da igreja existente. Em outras palavras, em vez de eliminar a maneira antiga de fazer as coisas, acrescente pequenos grupos em conjunto com a situação existente. Eventualmente esse “novo vinho” se firmará e se tornará o todo, enquanto o “velho vinho” morre lentamente. Mas se buscarmos eliminar completamente o velho para criar o novo, Jesus indica que destruiremos os dois.

Muitos pastores cometeram o erro de aprender maneiras novas de fazer as coisas e então correram para casa e as iniciaram em suas igrejas. Rapidamente descobriram que os membros não estão tão animados com a mudança quanto o pastor, e a oposição cresce. O pastor fica desanimado. A mudança proposta é deixada de lado, e a igreja afunda ainda mais no enfado da igreja institucional.

Quão melhor é perturbar o mínimo possível a maneira costumeira de se fazer as coisas na igreja. Apresente a idéia nova e deixe-a existir lado a lado com a velha. Essa é a única forma de fazer a transição numa igreja existente. Até isso pode não funcionar em algumas igrejas. Algumas igrejas se moverão parcialmente nessa direção. Está bem. Não estamos com hora marcada. Dê bastante tempo para o Espírito Santo trabalhar. Quando Deus tirou Israel do Egito, levou quarenta anos para Ele fazer a transição de Israel do pensamento hierárquico do Egito e estabelecê-lo no modelo bíblico. E levou mais tempo ainda para o Egito sair do povo. Não somos Moisés, mas servimos o mesmo Deus que ele servia. Esperançosamente não nos levará quarenta anos. Esperamos que essa geração não tenha que morrer no deserto. Deus hoje precisa de líderes que serão o novo Moisés para guiar Seu povo do Egito para a terra prometida. É hora de começar guiar a igreja de volta ao modelo bíblico. Deus chama por tais líderes agora.

Pastores que puderam fazer a transição só parcialmente durante seu período de ministério podem ser gratos porque pelo menos Deus os habilitou a se moverem na direção certa. A prioridade mais importante para a igreja existente é restaurar as reuniões relacionais, apesar de que pode nunca chegar a desenvolver totalmente o modelo do pequeno grupo. Em algumas igrejas essas reuniões relacionais podem nem ser em forma de pequeno grupo. Momentos relacionais podem ser introduzidos nos eventos dos grandes grupos também. Contudo, a questão relacional não pode ser opcional para nós como igreja bíblica. A maneira como realizamos o ministério relacional pode ser opcional, mas a igreja precisa se tornar relacional ou deixará de ser a igreja de Jesus Cristo.

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Reconhecendo que o caminho mais fácil, e talvez mais sábio, para o novo paradigma é estabelecer igrejas que desde seu início sejam organizadas nesse paradigma, há muitas igrejas que desejam mudar totalmente para o modelo de células. Como essa transição é realizada? Como afirmado acima, mudando lentamente. Novo vinho não é colocado em odres velhos. Primeiramente, novos odres devem ser feitos nessa igreja já existente.

O pastor deve iniciar as discussões entre os anciãos ou a comissão da igreja. A liderança deve passar primeiramente pela comissão. Se a liderança não estiver apoiando o movimento de transição da igreja para o paradigma bíblico, não irá acontecer, não importa quão experiente seja o pastor. A liderança poderia começar discutindo A Revolução na Igreja. Nesse processo de discussão, eles podem perguntar como implantar essas mudanças na igreja. Um pastor experiente e sábio não irá apenas dizer aos líderes o que e como fazer, mas irá ouvir suas sugestões para a implantação e seguir muitas delas.

Com a liderança apoiando o movimento, o próximo passo é ajudar a congregação inteira ver a necessidade de mudança nos paradigmas. Sermões sobre o papel do laicato, o papel do pastor, a igreja relacional, etc., deveriam ser pregados regularmente. Reuniões como as da câmara municipal devem ser realizadas para que os membros possam discutir com a liderança maneiras de implantar as mudanças em sua igreja. Nada disso deve ser forçado. Deve ser feito por um desejo de voltar às raízes bíblicas e históricas.

Muitos pastores estão tão dispostos a implantar as mudanças organizacionais que falham em ver a necessidade de primeiro introduzir as mudanças na mente das pessoas. É por isso que encontram tanta resistência. Os passos aqui delineados para criar “adesão” tanto da liderança quanto dos membros não podem ser tão enfatizados. Porém, há outro fator que, geralmente, passa despercebido na tentativa de trazer essa mudança organizacional. A tendência missionária deve ser estabelecida primeiramente.

Sugerir que a igreja mude a função de seu clero, para a que os membros passam cuidar uns dos outros ao invés do pastor ser o cuidador principal, cria um leve terremoto, a não ser que o pastor tenha criado uma mentalidade missionária. A prioridade da colheita e alcançar os perdidos e trazê-los para Cristo devem ser totalmente restabelecidos na mente dos membros da igreja antes da introdução de qualquer mudança organizacional. Os sermões da Grande Comissão e um foco no discipular, como sugerido no capítulo anterior, são essenciais para a implantação desse modelo.

Esse modelo apenas faz sentido apenas no cenário da igreja evangelística e que faz discípulos. Portanto, o estabelecimento de uma mentalidade missionária deve ser a maior prioridade na implantação do modelo na igreja local. A discussão, ou mesmo a menção, do novo modelo deve ser feito apenas depois que uma mentalidade missionária tenha sido estabelecida na mente da maioria dos membros. Muitas vezes presume-se que essa tendência já esteja presente. Isso não deve ser presumido, e sim estabelecido. Apenas então o pastor pode começar a estabelecer a igreja com autonomia leiga.

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Uma vez que está estabelecido que a propensão está funcionando na igreja local, a primeira área de implantação será o restabelecimento do papel do laicato como realizadores do ministério e do clero como treinador. Essa é a área que A Revolução na Igreja cobre e esse é apenas o primeiro passo na implantação do modelo total. Apenas depois que a igreja começou a avançar na direção do seu objetivo de ter todos os membros envolvidos no ministério, seria introduzida a segunda parte do modelo, os grupos em célula.

Estabelecer os pequenos grupos antes de a igreja ter desenvolvido o ministério leigo, resultaria nos pequenos grupos apenas como anexos da igreja institucional. Eles seriam fracos e dependentes e nunca se tornariam o princípio organizacional da igreja. Pelo contrário, logo se extinguiriam e os membros da igreja diriam que tentaram realizar os pequenos grupos, mas eles não funcionaram. Entretanto, se o modelo de ministério leigo é desenvolvido primeiro, e as pessoas vêem que o pastor treina e equipa os ministérios dos membros, ao invés de ser cuidador, então a necessidade de ter pequenos grupos para proporcionar cuidado aos membros e para facilitar o ministério leigo fica aparente. Nesse contexto, os pequenos grupos se tornam uma necessidade e será mais fácil de mudar para o modelo em que os grupos em célula são o princípio organizador sobre o qual a igreja está fundamentada.

Quando a estrutura do grupo em células é desenvolvida nas igrejas os pastores estão livres para passar a maior parte de seu tempo estabelecendo novos grupos (plantando igrejas) e auxiliar os grupos existentes seus ministérios. Então será um passo mais fácil para o estabelecimento do modelo discutido no capítulo anterior.

O cenário acima é uma maneira de transição de igrejas grandes e pequenas. Alguém poderia esperar que essa transição fosse rápida nas igrejas menores, por ter menos pessoas para serem trazidas para o processo. Ainda assim, a resistência das igrejas pequenas têm sido maior do que nas igrejas maiores. É aqui que a associação terá que tomar algumas duras decisões, de perspectiva puramente financeira. Será que associação consegue continuar mantendo pastores por igrejas tão pequenas? Ao invés disso, elas podem precisar acelerar esse processo criando distritos muito maiores. Talvez eles comecem juntando dois distritos para criar distritos com quatro ou cinco igrejas, e então oito ou dez igrejas, até que finalmente tenham distritos com quinze a vinte igrejas. Um distrito de quinze igrejas seria mais fácil para o pastor cuidar do que apenas três ou quatro igrejas. Se um pastor tem três ou quatro igrejas, os membros esperariam que ele tivesse o mesmo cuidado que se ele tivesse uma ou duas igrejas. Porém, se o pastor tem quinze igrejas, todos saberiam que o mesmo cuidado é impossível. Isso forçaria as igrejas a assumirem mais responsabilidades e voltarem para o modelo bíblico, o que as deixaria mais abertas para serem ensinadas a cuidarem de si próprias sem ter um pastor fixo.

Implantar o programa acima seria arriscado, pois muitas igrejas menores sentir-se-iam alienadas e tentariam usar o poder político para restringir o movimento. Mas se formos sinceros sobre retornar ao modelo bíblico, deve-se correr riscos. Alguns presidentes perderiam seus empregos, mas recriar uma igreja direcionada para a missão deve ser a prioridade. Até mesmo essa transição deve ser lenta e a paciência exercitada. Processos devem precisarão ser

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seguidos na ajuda para que pequenas igrejas aceitem a responsabilidade de cuidar de si mesmas, mas a liderança deverá ser inflexível na direção em que busca liderar as pequenas igrejas.

Quando os distritos são combinados, os salários economizados podem ser usados para plantar igrejas entre aqueles que ainda não foram alcançados. Outra maneira de acelerar essa mudança nos distritos menores é o pastor, responsável por três ou quatro igrejas, começar a plantar novas igrejas no distrito. Ele estaria assim aumentando o tamanho de seu distrito. Algumas dessas novas igrejas podem ser em pequenas comunidades e ter apenas uma célula, e poderiam ser estabelecidas no novo modelo de cuidado ao membro. Já que o mesmo pastor é o responsável pelo distrito, a associação não aumentou o salário, mas aumentou o número de igrejas do distrito. Assim, o dízimo e o número de membros aumentam sem aumentar o gasto financeiro. Os membros da igreja existente aceitarão mais facilmente mais responsabilidade, sabendo que o seu pastor está servindo mais igrejas.

O QUE FAZER COM AS IGREJAS EXISTENTES QUE NÃO DESEJAM FAZER A TRANSIÇÃO

É certeza, apesar de lamentável, que muitas das igrejas existentes não desejarão fazer a transição para o novo modelo. O conselho de Jesus é que não devemos colocar vinho novo dentro delas; deixe-as morrer. Carl George ressalta que o conceito de célula será a característica chave das igrejas que sobreviverem ao século xxi. A grande maioria das outras morrerá.

Em poucas palavras, qual é o ingrediente ativo fundamental na igreja do futuro? Células em crescimento lideradas por ministros voluntários são o bloco fundamental de construção. Todo o resto pode ser racionalizado ao redor desse único conceito.

O que deve ser feito sobre as igrejas que se recusam a mudar? Deve ser permitido que continuem no antigo paradigma e não serem forçados ao novo modelo. Entretanto, a associação terá que tomar duras decisões sobre a cobertura pastoral para tais igrejas. O mínimo que uma associação pode fazer é combinar com essa igreja um pastor que também não deseja mudar. O pior cenário seria dar a uma igreja um pastor que está no início da liderança no novo modelo e então substituí-lo por um pastor tradicional, que irá desfazer todo o trabalho feito pelo antigo pastor.

Ainda assim, o problema aqui não é simplesmente deixar tais igrejas sozinhas. O que elas estão fazendo não é bíblico e é contrário ao conselho dado por Deus através da pena inspirada de Ellen White. A Igreja, como um todo, pode permitir que tais igrejas continuem em desobediência ao Senhor? Com certeza, antes de tudo, eles devem ser convencidos de que estão vivendo em desobediência. Isso não deve ser muito difícil se considerarmos a quantidade de conselhos da Bíblia e dos escritos de Ellen White, como exposto nesse trabalho.

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Pelo menos, todas as igrejas deveriam mudar do modelo de dependência pastoral para ter o pastor como aquele que treina/ equipa. “Cada membro é um ministro” deve ser uma exigência para todos os membros e não uma opção. Portanto, os primeiros estágios da transição devem ser tentados em todas as igrejas e os passos seguintes são os mesmos daqueles delineados acima para as igrejas que estão em transição. As igrejas resistentes simplesmente não retornariam todo o caminho. Pelo contrário, eles passarão uma grande quantidade de tempo ajudando outras pessoas a descobrirem seus dons espirituais e encontrando um lugar de ministério na igreja.

De forma organizada, essas igrejas devem se mover na direção da colocação permanente no ministério em harmonia com os dons ao invés de utilizar a comissão de nomeação. A comissão de nomeação tradicional seleciona pessoas para cada ministério da igreja, sem a compreensão dos dons das pessoas. Ao invés de ter uma lista de ministérios e oficiais para preenchê-la, a comissão de nomeação deveria ser mais centrada nas pessoas. Eles deveriam examinar os dons, interesses e habilidades das pessoas, e só então colocá-los em um ministério de acordo com isso, sem levar em consideração se irão ou não preencher todos as posições. Então, proporcionar-se-ia treinamento para essas pessoas e a expectativa seria de que todos os membros estivessem envolvidos no ministério. Para que isso aconteça, primeiro deve-se estabelecer uma mentalidade missionária na igreja.

É concebível que algumas igrejas não desejem mudar até aqui. Nesse caso, o pastor deve ser sábio e não perder muito tempo tentando lutar contra a resistência. Pelo contrário, o pastor deveria sair na comunidade e criar uma nova igreja que começaria no novo paradigma. O pastor continuaria prestando o serviço mínimo a igreja existente para que os membros continuassem felizes, mas no meio tempo ele criaria uma nova comunidade que seria mais bíblica na prática. Se uma igreja não deseja mudar, deixe-a sozinha. Não desperdice o valioso tempo pastoral com isso. Crie algo novo. Nada proíbe o pastor de fazer isso.

RESUMO

Esse capítulo examinou a implantação do modelo histórico/bíblico desenvolvido nesse trabalho. Sugerimos que a transição deve ser lenta, mas deliberada. O caminho mais fácil é criar novas igrejas no novo modelo; a transição das igrejas existentes deve acontecer se estas quiserem; e permita que as igrejas que não desejarem fazê-lo continuem no modelo antigo. O autor sugeriu um processo de educação que “deve ser comprado” pela liderança e pelos membros nessa transição da igreja para o paradigma bíblico.

A transição pode não ser tão rápida como se imaginava, mas os pastores podem ficar contentes ao ver progressos sendo feitos para levar a igreja para a nova direção. A igreja é um navio poderoso; quanto maior ele é, mais difícil é fazer o retorno e leva-se mais tempo para isso ser feito. Paciência e resistência serão necessárias, mas Cristo, que é a cabeça da Igreja, está liderando e Seus seguidores devem obedecer. A comunidade de crentes relacionais, com

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autonomia leiga, não-dependentes do pastor, e de cuidado mútuo, conhecida como igreja, deve renascer.

O apóstolo João afirmou isso tão claramente no final do primeiro século quando ele declarou que pregamos essa mensagem da verdade cognitiva para que as pessoas possam ter comunhão conosco, assim como temos comunhão com o Pai e com Seu Filho. A necessidade básica da humanidade não mudou em dois mil anos. Deus ainda está chamando um povo que viverá em verdadeira comunidade para assim demonstrar ao mundo a natureza transformadora da comunidade que Deus chamou à existência. Cristãos não podem mais viver em isolamento – são chamados a viver em comunidade:

Para aprender a confiar, e para se tornar confiável – para aprender a amar, e para se tornar amável – precisamos estar profundamente envolvidos na vida dos outros, a quem nos confiamos em Cristo. Para desenvolvermos esse tipo de relacionamento, precisamos nos compartilhar com outros, e eles precisam se compartilhar conosco. Tudo isso exige tempo. Mais ainda, isso requer um relacionamento face a face. Um relacionamento que podemos ter somente com uns poucos de cada vez. E desse modo a igreja é forçada a mudar para uma estrutura de pequenos grupos.

Somos chamados para vivermos nossa vida cristã em comunidade.

Esse é o chamado de Deus no século vinte. Temos seguido o modelo da igreja institucional, organizada por Constantino no quarto século, por tempo suficiente. Não funciona. É hora de criar uma igreja edificada sobre fundamentos bíblicos. A igreja adventista construiu o que cremos ser uma plataforma clara de verdades bíblicas, mas precisamos agora criar uma plataforma clara de práticas bíblicas. Não é suficiente simplesmente crer nas verdades da Bíblia. Essas verdades precisam ser vividas pelos que crêem. Os adventistas começaram no modelo bíblico; agora é hora de retornarmos às nossas raízes.

Não só essas verdades devem ser vividas em nossas vidas, mas Deus nos chamou para vivermos em comunidade com outros. Infelizmente, construímos nossa igreja sobre o individualismo americano em vez de na comunidade bíblica. É hora de abandonarmos nosso individualismo em favor de estabelecer comunidade bíblica que verdadeiramente discipula e cumpre a Grande Comissão.

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– Capítulo Doze –

RESUMO E CONCLUSÃO

Essa dissertação buscou estabelecer um modelo para Igreja Adventista do século XXI que chegou através de uma compreensão bíblica e histórica da herança da Igreja Adventista. De evidências históricas e bíblicas, o autor propôs um modelo que não é dependente do clero, fundamentado no trabalho leigo e nas células e direcionado para a missão. As conclusões foram abordadas em quatro seções.

A primeira seção examinou a base missionária do Adventismo; a tese era que apenas quando a igreja recuperasse sua consciência missionária, ela poderia colocar o restante modelo em prática. Foi mostrado que essa missão está enraizada e fundamentada na Grande Comissão. A ordem para a Grande Comissão foi dada como a base da igreja de Cristo. O produto dessa comissão são os discípulos, que foram definidos como pessoas que são totalmente submissão a Cristo sendo Ele o Senhor de sua vida. Eles demonstram isso em todos os aspectos de seu ser – sua natureza física, intelectual e espiritual.

Foi mostrado que a consciência da Grande Comissão era a espinha dorsal da organização da igreja do Novo Testamento. Cada aspecto de sua organização era planejado para o cumprimento da missão de Cristo – fazer discípulos em todos os grupos. Como resultado desse foco na missão, a estrutura servia a missão da igreja. Seus recursos eram investidos para alcançar novas pessoas para Cristo e plantar novas igrejas que eram nativas e auto-sustentadas, sem dependência do clero. Por ser sua maior prioridade, alcançar o perdido, a igreja primitiva desejava fazer as mudanças necessárias que não comprometiam sua fé, para pregar o evangelho. Eles simplesmente seguiam o padrão do Senhor, que havia entrado na cultura judaica.

A compreensão adventista de missão acentuou a Grande Comissão através da compreensão das três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6-12. Os adventistas vêem estas como sendo mensagens especiais e que precisam ser pregadas ao mundo. O resultado final de pregar essa mensagem é a preparação das pessoas para o advento de Cristo, restaurado física, mental e espiritualmente a imagem de Deus através de seu poder. É uma mensagem que está enraizada e fundamentada no evangelho da graça gratuita, com a obediência sendo a evidência de Cristo em sua vida.

A Parte Dois procurou no Novo Testamento a compreensão bíblica do papel pastoral e o cuidado ao membro. Os vários termos para o clero foram examinados para descobrir se algum deles sugeria a função de pastor como principal cuidador. Tal papel não foi encontrado. Pelo contrário, o que descobrimos é que o clero no Novo Testamento era principalmente apostólico e evangelístico. O clero administrava ou evangelizava ou plantava novas igrejas. Eles não eram contratados para simplesmente tomar conta das igrejas existentes.

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Uma investigação sobre cuidado ao membro na igreja do Novo Testamento, na falta de um clero localizado, revelou um paradigma bíblico de cuidado mútuo. As passagens do Novo Testamento que falam sobre o cuidado ao membro são sempre dirigidas a todos os crentes, nunca a uma pessoa contratada. O fundamento do cuidado mútuo é encontrado no plano original de Deus para a humanidade no Éden, quando Deus criou a humanidade para estar unida e não para o isolamento. Um breve estudo sobre a comunidade no Antigo Testamento, assim como no Novo, revela um Deus que trabalha na e através da comunidade, um Deus que espera que Sua igreja, da mesma forma, exista em comunidade uns com os outros e até evangelizar em comunidade. Descobrimos que Jesus iniciou a igreja como um pequeno grupo. O resultado foi que a igreja do Novo Testamento não estabeleceu uma igreja institucional, mas um pequeno grupo, como instrução dada no Pentecostes pelo Espírito Santo, uma igreja em casas. Examinando as diversas passagens do Novo Testamento sobre comunidade, descobrimos que a nutrição da igreja é melhor quando é proporcionada pelo cuidado dos membros uns aos outros. Tirar o cuidado mútuo da igreja roubaria dos membros o que Deus deu a eles para sua vitalidade e saúde espiritual.

A parte três examinou o papel do pastor e o cuidado ao membro como existia na igreja adventista primitiva. Desde que Constantino estabeleceu a igreja institucional no século iv ao redescobrimento de uma igreja baseada na comunidade no movimento metodista do século xviii, a igreja abdicou da base comunitária de sua organização, tanto no papel do pastor quanto no cuidado ao membro. Como resultado, a nova organização que a igreja desenvolveu era totalmente estrangeira ao conceito do Novo Testamento de proporcionar cuidado mútuo e ter um clero evangelizador. Então se seguiu o estabelecimento de uma igreja dependente do clero e um papel pastoral de babá que muitas igrejas ainda seguem.

Sob a guia inspirada de Ellen White, os adventistas, muitos destes vindos de raízes metodistas, recriaram a igreja não-dependente de pastor do Novo Testamento. Um exame dos escritos de muitos dos pioneiros adventistas, e especialmente Ellen White, revelam uma tentativa deliberada de criar uma igreja que não era dependente do pastor. A completa estrutura da igreja, incluindo suas finanças, era organizada para apoiar o movimento de plantação de igrejas. As congregações locais não pagavam os pastores, pois estes não serviam às congregações locais. Era ensinado às igrejas locais como cuidarem de si mesmas e a pagar o dízimo para sustentar o clero, que continuava a plantar igrejas em novos grupos de pessoas. Para os membros, depender do clero para manter sua vida espiritual era estranho ao Adventismo primitivo. Ellen White declarou que os membros de tais igrejas deveriam nascer novamente e serem rebatizados!

Em uma estrutura organizacional sem pastores fixos, as igrejas estabelecidas eram ensinadas a cuidarem de si mesmas. As igrejas recém plantadas também eram ensinadas da mesma forma; elas eram discipuladas, assim como Jesus havia ordenado. A ferramenta principal usada pelos adventistas para a realização desse ministério cuidado mútuo e independência pastoral era a “reunião social”. Esses encontros tipo testemunho capacitavam os crentes a compartilharem sua fé uns com os outros a cada semana, e se responsabilizarem por sua vida em Cristo. As igrejas eram relativamente pequenas, e acontecia pouca pregação. A maioria das

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pregações acontecia no encontro campal anual, que nas primeiras reuniões capacitaram os membros a perceberem que faziam parte de algo maior que sua pequena igreja local.

Descobrimos que todas as igrejas deveriam ser organizadas em pequenas companhias, não importando o tamanho. Ellen White declarou que o conceito de organização em pequenas companhias foi dado por Aquele que não erra. Realmente, o mesmo Jesus estabeleceu a igreja do Novo Testamento sobre o mesmo fundamento.

A seção final desse trabalho propôs um modelo para a igreja adventista de hoje, que incorpora os princípios descobertos nessa reflexão das raízes históricas e bíblicas do Adventismo. Revela uma necessidade desesperada da parte do Adventismo de ser leal às suas raízes bíblicas e históricas ao desenvolver uma prática que está em harmonia com as Escrituras, assim como desenvolveu uma forte teologia bíblica. Esse retorno às raízes adventistas deve ser dirigido por três fatores: a necessidade de ser fiel às Escrituras e ao conselho de Ellen White, a necessidade de ser fiel à sua missão e a necessidade de nutrir seus crentes de maneira adequada. Portanto, o Adventismo de hoje deve retornar a uma visão mais bíblica do papel do pastor e ao plano bíblico de cuidado mútuo ao membro ao invés da dependência do clero.

O modelo proposto nessa dissertação visiona uma igreja centrada em fazer discípulos de verdade ao invés de apenas membros da igreja, alguém culturalmente relevante, ainda assim sem compromisso com as verdades bíblicas, e uma igreja que está centrada na plantação de igrejas ao invés de nutrir os santos. Esse modelo deve ser baseado em células, com a nutrição acontecendo nos pequenos grupos, que são o princípio organizador sobre o qual a igreja está estruturada. Com os membros sendo ensinados a cuidarem de si próprios e cada membro envolvido com um ministério em harmonia com seus dons espirituais, o papel principal do pastor, uma vez mais, será o de evangelizador e plantador de igrejas. A plantação de igrejas visiona começar novos grupos assim como novas igrejas. Nesse modelo, uma célula é uma igreja em si, estando ou não ligada de maneira organizacional em nível local a outras igrejas. Igrejas menores devem ser organizadas em distritos de quinze a vinte igrejas, enquanto os pastores locais seriam encontrados em regiões metropolitanas maiores. Ainda assim, em cada cenário, a função deles mudaria para treinar/ equipar/ evangelizar/ plantar igrejas.

Finalmente, um plano foi sugerido brevemente, uma maneira de como a igreja adventista poderia voltar para esse modelo de eclesiologia que está mais em harmonia com suas raízes bíblicas e históricas. A melhor maneira, como foi sugerido, seria plantar novas igrejas no novo modelo. As igrejas antigas seriam difíceis de fazer a transição. Um plano de transição foi sugerido para aquelas igrejas que desejam mudar para o novo paradigma. O plano prevê um processo lento que exige que os líderes e os membros pertençam ao processo de mudança. Como foi indicado, as igrejas resistentes devem ser deixadas para morrer se recusarem-se a mudar. Porém, uma última tentativa deve ser feita para tentar mudá-las para um modo menos dependente do pastor, fazendo a transição do papel pastoral para o de treinar/ equipar ao invés de ser o principal cuidador. Outras estratégias sugeriam o envolvimento de pastores de igrejas resistentes em plantar novas igrejas no novo paradigma nas mesmas comunidades das igrejas

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resistentes, assegurando assim a existência da igreja mesmo depois da morte da igreja que se recusa a mudar.

Tendo examinado as raízes históricas e bíblicas da igreja adventista centrada na missão, concluímos que uma maior tentativa deveria ser feita para que a igreja mudasse para essa nova direção. Não é uma opção para o Adventismo. Não há como escolher se irá ou não seguir esse plano. As raízes bíblicas e históricas do Adventismo ordenam que ela tenha autoridade leiga, seja direcionada a missão, não-dependente do clero, uma igreja em células. Fracassar em retornar a essas raízes é desobedecer a Cristo. Isso é impensável para o cristão adventista. Portanto, seja qual for o custo, o movimento em direção da igreja em comunidade deve começar. Deus esperou por muito tempo até que os adventistas redescobrissem sua organização baseada na missão. A hora de começar é agora!