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RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS RESUMO A quantidade e a multiplicidade de áreas degrada- das, principalmente nos trópicos onde se concentram também problemas de ordem social e econômica, torna a situação um desafio técnico-civil. É necessário que os princípios que norteiam os caminhos para a recupera- ção das áreas degradadas tenham uma estrutura con- sistente e clara, para a elaboração de soluções perma- nentes e condizentes com as necessidades imediatas e futuras. São abordados os processos de degradação comuns às áreas que se utilizam de florestas de prote- ção e discutidas as bases "filosóficas" na Recuperação de Áreas Degradadas. Palavras-chave: Áreas degradadas, recuperação ambiental. 1 INTRODUÇÃO Entre as latitudes 23,5° N e 23,5° S, que engloba boa parte da América Central, América do Sul, África, Austrália, índia e Sudeste da Ásia, há cerca de 650 milhões de hectares usados como áreas de cultivo e quase 2 bilhões de hectares em variados estágios de degradação (FAOjIUNEP apud VIDAKOVIC, 1986). Se adicionarmos as outras localidades no resto do mundo, teremos uma dimensão do peso deste problema na atualidade (VIDAKOVIC, 1986). A questão torna-se mais complexa ao diferenciar- mos os vários tipos de degradação que podem ocorrer em virtude das atividades antrópicas no uso inadequado dos recursos naturais, e ao considerarmos que o poder de alteração do homem aumentou exponencialmente nos últimos 50 anos, sem que houvesse uma conscientização equivalente das conseqüências que este "poder" acarreta. A atual falta de planejamento e de uma administra- ção conservacionista agravam mais ainda a situação, projetando um futuro no mínimo problemático. O resultado deste quadro em última instância éa 9radual diminuição das terras produtivas, a necessidade crescente de insumos para manutenção das produtivi- dades e variadas repercussões negativas ao bem estar da sociedade. Dentre os vários tipos de áreas degradadas con- centraremos a atenção naquelas originadas pela retira- Renato Moraes de JESUS' ABSTRACT The amount and multiplicity of degraded areas, mainly in the tropics, where also are concentrated socio- economic problems, turn the situation to a technical-civil challenge.lt is necessary that lhe principies to recuperate degraded areas have a solid structure to elaborate permanent solutions and able with the imediate and future needs. The degraded process common to areas that use protection forest are broached and discussed the "philosofic" base for recuperation of the degraded areas. Key words: Degraded areas, environmental recuper- ation. da da cobertura florestal, tanto para explor ação da flores- ta em si como para outros usos, tais como agricultura intensiva, pastagens, mineração e urbanização. As demais áreas degradadas, como rios e mares poluídos por agentes químicos e áreas urbanas desqualificadas por falta de saneamento básico, entre outros, têm igual importância na reformulação da política de utilização dos recursos naturais, mas encontram-se fora da nossa atribuição profissional direta. Dessa forma, abordaremos o processo básico da degradação das terras e enfatizaremos as filosofias dos caminhos da recuperação. Acreditamos que uma base conceitual clara dos processos envolvidos, seja fundamental para o desen- volvimento seguro de caminhos diversos e igualmente vitoriosos para a recuperação de áreas degradadas independente de sua origem. Atualmente e nesse contexto, imaginação, disposi- ção e ação são as palavras de ordem. Paralelamente, o planejamento para o futuro e uma política conservacionista séria, devem ser incorporados na cultura em todos os segmentos da sociedade, isto é, da massa de cidadãos até os cientistas, passando por políticos e empresários. A visão holística para interpretação das causas da degradação ambiental e as opções de recuperação, considerando as necessidades sociais, econômicas e ecológicas, é o primeiro passo para se atingir o sucesso na recuperação de áreas degradadas. (1) Engenheiro Florestal- Coordenadoria de Projetos Ambienlais e Silvicultura Tropical - Florestas Rio Doce S/A. - FAX (027) 264- 0110 - C.P. 91 - 29900 Unhares, ES - Brasil. Anais - Congresso Nacional sobre Essências Nativas - 29/3/92-3/4/92 407

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RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS

RESUMO

A quantidade e a multiplicidade de áreas degrada-das, principalmente nos trópicos onde se concentramtambém problemas de ordem social e econômica, tornaa situação um desafio técnico-civil. É necessário que osprincípios que norteiam os caminhos para a recupera-ção das áreas degradadas tenham uma estrutura con-sistente e clara, para a elaboração de soluções perma-nentes e condizentes com as necessidades imediatas efuturas. São abordados os processos de degradaçãocomuns às áreas que se utilizam de florestas de prote-ção e discutidas as bases "filosóficas" na Recuperaçãode Áreas Degradadas.

Palavras-chave: Áreas degradadas, recuperaçãoambiental.

1 INTRODUÇÃO

Entre as latitudes 23,5° N e 23,5° S, que englobaboa parte da América Central, América do Sul, África,Austrália, índia e Sudeste da Ásia, há cerca de 650milhões de hectares usados como áreas de cultivo equase 2 bilhões de hectares em variados estágios dedegradação (FAOjIUNEP apud VIDAKOVIC, 1986). Seadicionarmos as outras localidades no resto do mundo,teremos uma dimensão do peso deste problema naatualidade (VIDAKOVIC, 1986).

A questão torna-se mais complexa ao diferenciar-mos os vários tipos de degradação que podem ocorrerem virtude das atividades antrópicas no uso inadequadodos recursos naturais, e ao considerarmos que o poderde alteração do homem aumentou exponencialmentenos últimos 50 anos, sem que houvesse umaconscientização equivalente das conseqüências queeste "poder" acarreta.

A atual falta de planejamento e de uma administra-ção conservacionista agravam mais ainda a situação,projetando um futuro no mínimo problemático.

O resultado deste quadro em última instância é a9radual diminuição das terras produtivas, a necessidadecrescente de insumos para manutenção das produtivi-dades e variadas repercussões negativas ao bem estarda sociedade.

Dentre os vários tipos de áreas degradadas con-centraremos a atenção naquelas originadas pela retira-

Renato Moraes de JESUS'

ABSTRACT

The amount and multiplicity of degraded areas,mainly in the tropics, where also are concentrated socio-economic problems, turn the situation to a technical-civilchallenge.lt is necessary that lhe principies to recuperatedegraded areas have a solid structure to elaboratepermanent solutions and able with the imediate andfuture needs. The degraded process common to areasthat use protection forest are broached and discussed the"philosofic" base for recuperation of the degraded areas.

Key words: Degraded areas, environmental recuper-ation.

da da cobertura florestal, tanto para explor ação da flores-ta em si como para outros usos, tais como agriculturaintensiva, pastagens, mineração e urbanização.

As demais áreas degradadas, como rios e marespoluídos por agentes químicos e áreas urbanasdesqualificadas por falta de saneamento básico, entreoutros, têm igual importância na reformulação da políticade utilização dos recursos naturais, mas encontram-sefora da nossa atribuição profissional direta.

Dessa forma, abordaremos o processo básico dadegradação das terras e enfatizaremos as filosofias doscaminhos da recuperação.

Acreditamos que uma base conceitual clara dosprocessos envolvidos, seja fundamental para o desen-volvimento seguro de caminhos diversos e igualmentevitoriosos para a recuperação de áreas degradadasindependente de sua origem.

Atualmente e nesse contexto, imaginação, disposi-ção e ação são as palavras de ordem. Paralelamente, oplanejamento para o futuro e uma política conservacionistaséria, devem ser incorporados na cultura em todos ossegmentos da sociedade, isto é, da massa de cidadãosaté os cientistas, passando por políticos e empresários.

A visão holística para interpretação das causas dadegradação ambiental e as opções de recuperação,considerando as necessidades sociais, econômicas eecológicas, é o primeiro passo para se atingir o sucessona recuperação de áreas degradadas.

(1) Engenheiro Florestal- Coordenadoria de Projetos Ambienlais e Silvicultura Tropical - Florestas Rio Doce S/A. - FAX (027) 264-0110 - C.P. 91 - 29900 Unhares, ES - Brasil.

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2 CONSEQÜÊNCIAS PRINCIPAIS DA RETIRA-DA DA COBERTURA FLORESTAL

A enganosa impressão de que as reservas naturaiseram tantas que poderiam ser consideradas inesgotá-veis, induziu um comportamento ingenuamenteinconsequente na exploração dos mesmos, desde aépoca da colonização das áreas tropicais.

Os recursos naturais são classificados em doisgrupos divididos em dois sub-grupos cada um (FREI RE,1984):

2.1 Inexauríveis

a) recicláveis, como a água e o ar, eb) não rec1c1áveis, como a radiação solar.

2.2 Exauríveis

a) não renováveis, dentre os quais os recursosminerais, e

b) renováveis, que incluem os recursos bióticos.

A floresta, um recurso natural exaurível renovável,possui um papel protetor para o solo, recurso naturalexaurível não renovável.

LIMA (1986) resume o papel protetor da floresta,principalmente nas zonas de grande prec1pitação, atra-vés da amenização e retardamento do escoamentosuperficial da chuva, favorecirnento da infiltração, pelaretenção temporária e absorção parcial da águaserrapilheira e, diminuição da velocidade do escoamen-to sub-superficial.

A retirada de toda cobertura florestal expõe o soloa um acelerado processo de erosão, se previamente nãohouverem ponderações conservac1onistas disciplinares.

A erosão, segundo o American Geologicall nstitutec1tadoporFREIRE (1984), "é um grupode processos sobos quais material terroso ou rochoso é desagregado,decomposto, removido de alguma parte da superfícieterrestre e depositado em algum outro lugar".

Segundo FREIRE (1984) a erosão é um processonatural de suavização da superfície terrestre que seiniciou com a exposição das rochas a condições diferen-tes daquelas quando da sua formação. Dessa forma,sendo um processo natural geológico não pode sersustado, além de constituir-se elemento positivo nagênese de rochas sedimentares e na formação de al-guns solos, fornecendo materiais enriquecedores pormeio do processo de adição.

Essa erosão geológica, sob condições de interfe-rência, freqüentemente é intensificada em sua velocida-de, ocasionando, então, problemas de diversas ordens,em todas as fases do processo erosivo: desagregação,transporte e deposição.

Após desequilibrado o processo erosivo natural, oseu controle para amenização deve ser feito logo naprimeira fase, ou seja, deve-se intervir primeiramente noestancamento ou na redução drástica da desagregaçãodo solo pela energia do agente erosivo, para que asmedidas de controle do transporte e da deposição daspartículas tenham maiores condições de se tornaremfactíveis com sucesso.

O Serviço de Conservação de Solos dos EstadosUnidos, com base em muitos dados e estudos, apresen-tou a Equação Universal de Perdas de Solo (FIGU RA 1),com duas aplicações principais: a primeira para a predi-ção das perdas de solo sob condições conhecidas e asegunda, para a escolha das práticas de manejo do soloe de controle da erosão.

O disciplinamento do uso do solo é a melhormedida de se prevenir a degradação de áreas. Para essefim foram desenvolvidas as classificações técnicas dossolos que, bem mais simples das taxonômicas, tem

Erosão é função de:

Uso e manejo dos solosErosividade~

Agente erosivo~

Energia~

A= R

Erodibilidade --------~

Caract. Físicas

_1-~'--------,~ ~

Práticas de controle ~de erosão Manejo de culturas~ ~P x C

e

~K x

~SLx

Onde:A = perda de solo em Vha.anoR = fator erosividade do agenteK = fator erodibilidade do solo em t/ha.anoSL = fator topográfico (declive e comprimento da rampa)C = fator uso e manejo do solo (tabela)P = fator de práticas de controle de erosão (empírico)Fonte: FREIRE (1984), com modificações.

x

FIGURA 1 - Equação universal de perdas do solo (USA)-Conservation Service)

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como fator positivo determinante um rápido mapeamentolocal e/ou regional segundo uma abordagem específica.

Dentre as muitas disponíveis (aptidão agrícola,irrigação, etc.), a Classificação em Classes de Capaci-dade de Uso tem nitidamente um caráter conser-vacionista, de modo que "seus critérios são as limitaçõesao uso, sugerindo a utilização permanente mais segurae as práticas para manter indefinidamente a produtivida-de do solo" (FREIRE, 1984).

Resumidamente podemos descrevê-Ia da seguin-te forma (FREIRE, 1984):

a) as classes referem-se ao grau de limitação douso, independente da sua natureza. Assim, asclasses I, 11 e 111 são próprias para culturas; aclasse IV é ocasionalmente utilizável para cultu-ras; as classes V, VI e VII podem ser utilizadaspara pastagens e reflorestamento; e finalmente,a VIII só deve ser utilizada para abrigo da vidasilvestre e para lazer;

b) cada classe, exceto a I, apresenta subclassescom base na natureza da sua limitação, quepode ser: grau de erosão, excesso de água,deficiências do solo e clima adverso;

c) subclasses semelhantes formam uma unidadede manejo, isto é, requerem as mesmas práti-cas de controle da erosão quando estiverem sobo mesmo uso, apresentarem produtividade po-tencial uniforme (± 25% de variação entre unida-des) e forem suficientemente uniformes paraproduzir de forma equivalente a mesma cultura,pastagem ou floresta, sob os mesmos trata-mentos.

Esta classificação é fundamentalmente rural, exis-tindo equivalentes formas para o disciplinamento deáreas urbanas e industriais.

Além do ponto de vista solo e produtividade dosrecursos naturais, existe ainda o aspecto da perda dabiodiversidade local, muitas vezes levando à extinçãomaciça quando grandes áreas são desmatadas.

VIANA (1987) relata a situação das florestas tropi-cais do Sul e Sudeste brasileiros sob um aumento cons-tante de intensidade, frequênciae tamanho das perturba-ções antrópicas. "Como resultado, espécies mais adap-tadas às condições de distúrbios têm aumentado emdensidade, ao passo que espécies dos estágios maisavançados da sucessão (florestal) têm diminuído. Ascaracterísticas biológicas das proximidades das áreasperturbadas mudaram de florestas mais maduras paraflorestas secundárias. A disponibilidade de sementes deespécies mais tardias da sucessão florestal tem diminuí-do, dificultando o processo de recolonização destas es-pécies".

O tempo de duração do processo de desmatamentotorna a situação crítica ao pensarmos quanto já seperdeu definitivamente sem sequer termos conhecido, equanto se perde bem em frente aos nossos olhos, tal aescala da aceleração do processo de extinção biológica.

Da mesma forma que a erosão, a extinção é umprocesso natural, de ação lenta e gradual de transforma-

ção das populações biológicas, sua aceleração podeequivaler a um processo de intensa "erosão genética",mas infelizmente a diminuição do "pool" genético éirreversível.

Mais um aspecto a ser considerado é a alteraçãodas paisagens, geralmente levando à perda de beloscenários naturais em troca de uma simplificação e repe-tição monótonas que não causam equivalente bem estarpsicológico e emocional ao homem.

Assim, a retirada total ou parcial da coberturaflorestal pode levar à degradação dos solos e recursoshídricos pelo processo erosivo intensificado; dos recur-sos biológicos, pela aceleração do processo de extinção;e dos recursos estéticos da paisagem natural por suasimplificação e potencial de formação negativa; conse-qüentemente as áreas empobrecem na sua capacidadede fornecer benefícios à sociedade e se tornam fontes demalefícios crescentes, proporcionais ao "poder" do ho-mem modificar o meio.

3 FLORESTAS DE PROTEÇAO

Segundo VIANA (1990) os principais objetivos demanejo das florestas de proteção são:

a) regularizar a vazão dos cursos d'água;b) manter a qualidade da água;c) minimizar a erosão;d) conservar a biodiversidade;e) propiciar habitats para a vida silvestre;f) criar espaços para a recreação;g) proteger áreas urbanas das poluições industrial

e sonora;h) proteger áreas agrícolas e urbanas da ação dos

ventos;i) contribuir para a manutenção dos níveis atuais

de CO2 na atmosfera;j) restaurar paisagens degradadas, ek) produzir algum outro tipo de benefício.

Em vários casos é possível compatibilizar a produ-ção florestal (madeira, frutos, brotos comestíveis, forra-gem, etc.) com a proteção ambiental, através do manejodas florestas para usos múltiplos. Dessa forma, a médioe longo prazos as florestas de proteção podem economi-camente pagarem-se, já que o custo de sua implantaçãoé fator limitante.

Geralmente, as principais justificativas para osreflorestamentos de proteção ambiental envolvem arecuperação imediata, tanto quanto possível, dos bene-fícios ambientais.

Essa questão muitas vezes não é analisada coe-rentemente e a restauração da forma (composição ediversidade de espécies, estrutura trófica, fisionomia,dinâmica, etc.) torna-se prioritária frente à recuperaçãodos serviços do ecossistema, ou seja, sua funçãoambiental (VIANA, 1990).

A priorização nem sempre justifica-se uma vez quenessa circunstância as limitações impostas podem levara não ação, o que não pode mais acontecer.

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A recuperação da função do ecossistema atravésda rápida formação de uma cobertura florestal auxilia,muitas vezes, a restauraçâo do ecossistema a longoprazo e ao resgate, no mínimo parcial, da biodiversiadeoriginal.

A inversão do processo, isto é, tentar a restauraçãodo ecossistema para conseqüentemente recuperar suafunção, é bastante problemática devido ao fator tempo deformação da cobertura vegetal, à necessidade de moni-toramento e às limitações técnico-científicas para isso.

Sustado o distúrbio, a revegetação da área degra-dada, fundamentada na sucessão secundária florestal,deve, segundo método esboçado em KAGEYAMA et alii(1989), utilizar-se de espécies pioneiras como facilitadorasdo processo.

A recuperação de um ecossistema não deve, po-rém, ser confundida com atividades superficialmentesimilares que visam fins de produção florestal(CARPANEZZI et alii, 1990).

CARPANEZZI et alii (1990) dizem que espécies"introduzidas podem ser plantadas, mas para favorecera sucessão, talhões pioneiros deveriam utilizar ideal menteespécies nativas locais".

Os mesmos autores realçam que é importantediversificar, desde o início, os talhões pioneiros paraconseqüentemente incentivar a diversidade de espéciesvegetais e animais.

As espécies pioneiras possuem como característi-cas ecológicas e estratégicas, seu rápido crescimento,agressividade na ocupação de áreas livres, baixas exi-gências em termos de fertilidade do solo e ciclo de vidacurto (6 a 10 anos aproximadamente), permitindo que adinâmica das populações florestais se estabeleça.

Juntamente com a postura de se priorizar a restau-ração do ecossistema ao invés da sua função, muitospreservacionistas "defendem o emprego exclusivo deespécies nativas em reflorestamentos de proteçãoambienta! Entretanto, a separação entre essências na-tivas e exóticas muitas vezes tem por base critériospouco sólidos" (VIANA, 1990).

Segundo FERREIRA (1990), no Novo DicionárioAurélio da Língua Portuguesa, temos:

"exótico = adj. 1. que não é indígena, estrangeiro[opõe-se a autóctone]".

"autóctone = adj. 1. que é oriundo da terra onde seencontra, sem resultar de imigração ou importação. 2.aborígene, indígena, nativo".

"nativo = adj. 1. que é natural, congênito. 2. quenasce, procede, procedente. 3. não estrangeiro, nacio-nal".

Dessa forma, observamos que não há umaconotação técnica definida, o que leva à utilização de umtermo dúbio para limitação de uma atividade tão impor-tante.

O termo espécie vegetal nativa peca em seu rigortanto na dimensão espacial quanto na temporal. VIANA(1990) questiona esse problema didaticamente da se-guinte forma: "se uma espécie ocorre apenas de um ladode um rio ou montanha, ela é tecnicamente exótica dooutro. Ou seremos flexíveis, digamos dentro de um raiode 10 ou 1000 km? Outra limitação do critério geográfico/político é que ele ignora as atribuições passadas de

centenas ou milhares de anos atrás: os conhecimentosde paleoecologia são muito limitados entre nós e quasenunca são considerados. Vamos considerar apenas asespécies que são encontradas hoje no local ou seremosflexíveis e consideraremos aquelas que já estiverampresentes há 200 ou 2000 anos atrás?"

Justifica-se a exclusividade das espécies locais emcasos específicos onde é possível determiná-Ias comexatidão e o fator tempo não é limitado, ou então podeser compensado pelo fator disponibilidade de recursostécnicos e financeiros esses são os casos, por exemplo,da restauração de um patrimônio histórico-cultural-flo-restal e da restauração da diversidade biológica deespécies animais e vegetais e sua variabilidade genéticaentre e dentro de populações de ocorrência local, emecossistemas ameaçados de extinção (VIANA, 1990).

Temos, porém, que ter em mente nos casos derecuperação de áreas degradadas pela revegetaçãoflorestal, que é a comunidade como um todo que desem-penha o papel protetor ambiental e sua constituiçãoespecífica deve ser determinada prioritariamente pelasrelações ecológicas entre as espécies e o meio, taiscomo: taxa de transpiração, composição química dasfolhas e frutos, arquitetura do sistema radicular, interaçõescom outras espécies de animais ou plantas, etc.

Segundo VIANA (1990) na definição da escolhadas espécies para reflorestamento de proteção ambientaldeve-se buscar a garantia da sustentabilidade futura dafloresta a ser formada.

Não estamos defendendo a introdução de espéci-es nas áreas degradadas mas sim, identificando umasérie de razões que direcionam a determinação dasespécies vegetais para recuperação e que antecedem adicotomia filosófica nativas x exóticas.

Como afirmado anteriormente por CARPANEZZIet alii (1990), o ideal seriam as espécies locais, mascabe lembrar que o potencial biológico da flora brasileiraestá longe de estar dominado e, mais adequado do queobjeções ao uso de espécies exóticas de árvores, seriaao incentivo e divulgação ampla das pesquisas da biolo-gia e silvicultura das espécies da flora local.

4 ALGUNS CASOS ESPECíFICOS

4.1 Função da floresta na conservação deencostas

Segundo VALCARCEL (1985) a floresta desempe-nha os seguintes papéis na proteção ambiental dasencostas:

a) melhoria das propriedades físico-hidrológicasdos solos, no referente à estruturação, infiltra-ção e percolação;

b) regularização do regime hídrico das baciashidrográficas, através da perenização dos cur-sos d'àgua e das nascentes, controle de en-chentes, recarga do lençol freático e melhoradministração do recurso água nas bacias;

c) estabilização das encostas; ed) minimização do processo erosivo dos solos e

assoreamento dos rios e represas.

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o autor destaca a função da floresta no que dizrespeito à contenção dp encostas pela estabilização dossolos, principalmente os horizontes superficiais atravésdo desenvolvimento do sistema radicular que forma umobstáculo físico, aumentando a resistência ao des-lizamento.

O caso das encostas da Serra do Mar em Cubatão- SP é tratado porPOMPÉIA (1990), onde houve adegra-dação da cobertura florestal pela poluição química, re-sultando numa comunidade de árvores mortas. "A de-gradação de mais de 60 km2 de florestas provocou aocorrência generalizada de escorregamento do solo,expondo as escarpas aos agentes erosivos e provocan-do o assoreamento da Baixada Santista e do Estuário deSantos, com graves conseqüências sociais e ambien-tais."

Para recuperar as áreas ainda não escorregadas,o autor levantou a ocorrência das espécies locais resis-tentes e outras tolerantes à poluição atmosférica, assimcomo as espécies arbóreas mortas pelos poluentes.Como resultado foram selecionadas 5 espécies de sa-mambaias, 15 espécies arbóreas e 12 arbustos.

Tendo selecionado as espécies foi promovida umachuva de sementes peletizadas através de aviões ultra-leves e helicópteros. O teste de germinação em labora-tório dessas sementes apontou um poder germinativomédio de 73%.

Na época da semeadura estimou-se aobtenção deuma média de 200 pelotas/m", Após 6 meses haviam 1,1plântula por metro quadrado. Com um ano de plantio, asmudas oscilaram em altura entre 17 e 130 cm, "de acordocom a espécie e com as condições do solo do localsemeado."

Naquelas onde houve o escorregamento, segundoo autor, ocorreu naturalmente a sucessão primária, demodo que algumas semanas após o escorregamento, osolo foi colonizado por diversas briófitas e líquens. Aocorrência ocasional de algumas plantas superiorespode ser notada, predominando os arbustos.

Assim, temos um exemplo em que foram utilizadasna recuperação das áreas de encostas degradadas,espécies locais resistentes ao agente degradador, umavez que não houve alteração nas causas fontes dedegradação, sendo altos os investimentos econômicos,embora não se relatem os custos, e cujo sucesso darecuperação pode ser bem questionável, pois o sistemaradicular de plantas de 17 a 130 cm de altura nãodesempenha papel significativo na contenção das en-costas, e talvez o incremento relativo da cobertura dosolo proveniente da chuva artificial de sementes, nãotenha justificado os custos, uma vez que o próprio autorrelatou a ocorrência natural da revegetação.

As condições adversas locais da Serra do Mar emCubatão - SP, de declividade acentuada e dificuldade deacesso, provavelmente embutiriam altos custos de im-plantação do tradicional plantio de mudas, talvez equiva-lentes aos custos das sementes perdidas, plântulas quenão vingaram, ao processo de peletização e a utilizaçãode helicópteros e ultra-Ieves, porém os resultados seri-am garantidos e imediatos, como a situação exigia.

Apesar da Serra do Mar ser um patrimônio cultural-histórico-florestal reconhecido, o caso da cicatrizaçãodos escorregamentos exige um estancamento imediatonas novas cicatrizes, o que não poderia ser esperadopelo modelo de recuperação proposto.

A chuva de sementes peletizadas é sem dúvidauma idéia de qualidade, mas sua utilização seria maisadequada onde houvesse limitação local dos propágulose não houvesse necessidade de resultados acurtíssimosprazos.

Quando o escorregamento de encostas constituium perigo iminente, são inevitáveis as obras de enge-nharia para diminuir o comprimento das rampas e o 9raudo declive, antes que se possa pensar na revegetação,que nesses casos, está na etapa final de processo derecuperação de áreas.

4.2 Recuperação de superfícies mineradas

Segundo GRIFFITH (1980) as superfícies minera-das apresentam para sua recuperação os seguintesusos potenciais: cultivos/pastagens; reflorestamento;áreas residencial ou urbana; parques e áreas de recre-ação; áreas para a conservação da fauna; piscicultura;áreas para obtenção de recursos hídricos; depósito delixo ou de resíduos de esgotos; ou, simplesmente, oabandono.

O mesmo autor relaciona os recursos críticos paraa recuperação do local, distinguindo-os em: aqueles decaráter hídrico, caráter edáfico, caráter vegetativo ecaráter estético.

No que se refere ao revestimento vegetal do localminerado, essa atividade possui interfaces significativasdiminuindo substancialmente os impactos provocadospela mineração sobre os recursos hídricos, edáficos evisuais da área. "Mas, o próprio processo de mineraçãodificulta esse revestimento. Normalmente, a vegetaçãooriginalmente encontrada no local da mineração é elimi-nada no começo das atividades. Além disso, a topografiae o solo estão de tal modo conturbados, que qualquertentativa de restabelecimento da cobertura vegetal pro-vavelmente seria ameaçada por enxurradas, formadas efacilitadas pela falta de vegetação original." (GRIFFITH,1980).

Assim, resumidamente, os problemas podem sergeneralizados e condicionados a (GRIFFITH, 1990):

a) as plantas pioneiras do local minerado são total-mente diferentes daquelas que poderiam haverna cobertura original. A rapidez da recuperaçãovia regeneração natural dependerá do processode intemperização dos solos (que poderá levarde 1 a 3 anos) e da proximidade das fontesnaturais de sementes.

b) na escolha de espécies para o restabelecimentoartificial da vegetação, os seguintes critériosespecíficos devem ser orientadores: a influên-cia da planta sobre a fertilidade do solo; autilidade da planta como abrigo e alimento paraa fauna; seu efeito estético; e plantar vegetaçãode vários estratos, como por exemplo, herbáce-

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as + arbóreas, gramíneas + arbóreas, ou arbó-reas + arbustivas, etc.

c) deve haver o monitoramento global da paisa-gem a ser recuperada em macro escala e nolocal, por alguns anos.

A maior dificuldade na recuperação em superfíciesmineradas é a modificação radical do ambiente quehavia anteriormente, de modo que a restauração aosimples abandono, exige uma escala de níveis de recu-peração, sendo os custos proporcionais. Porém, a modi-ficação radical pode também tornar-se um fator positivoe liberar linhas de objetivos de recuperação, se partirmosdo princípio que a restauração não é, nesse caso, via deregra, a melhor solução. Uma vez da total alteração domeio, sua "nova" moldagem pode ter por base as neces-sidades e exigências específicas da população próximaou do manejo da macro-paisagem.

MOROKAWA (1991) alerta sobre a necessidadetécnica de áreas verdes por habitante de centros urba-nos (6 m2jhabitante), distribuídas e caracterizadas dediferentes formas. As áreas mineradas próximas àscidades têm toda caracterização para suprir essa neces-sidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi visto, a recuperação de áreas degrada-das por revestimento vegetal tem seus fundamentosbásicos, dos quais não se pode esquecer. Porém, adiversidade de origens, formas e intensidades de degra-dação, aliadas às circunstâncias externas marginais daárea degradada, torna quase que infinitas as possibilida-des de reconstituição do meio, seja a nível de restaura-ção da sua forma ou de sua função.

O conhecimento da biologia e silvicultura das espé-cies, quer sejam locais ou não, contribuirá para quesoluções operacionais possam ser mais ou menos efici-entes na recuperação de áreas degradadas.

Finalmente, de nada adiantará somente as denún-cias de irracional idade e uso indevido do ambiente senão iniciarmos efetivamente a recuperação destes e,ainda, criarmos mecanismos mais eficientes para ocontrole e uso daqueles ambientes ainda não degrada-dos. Cabe aos técnicos envolvidos apresentarem solu-ções de cunho técnico-científico, assim como a partici-pação efetiva no destino das suas comunidades.

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Anais - 2º Congresso Nacional sobre Essências Nativas - 29/3/92-3/4/92 412