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SHORT REPORT Recorrência de doença herpética c orneal após tratamento para neovascularização de córnea com argon laser* Recurrence corneal herpetic disease er argon laser treatment for corneal neovascularization Paulo E. C. Dantas 1 1 1 M. Cristina Nishiwaki-Dantas 1 2 1 Nilo Holzchuh 1 3 1 Apresentado como pos ter no XII Congresso Brasi- leiro de Prevenção da Cegueira, São Paulo , 1996. Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo - Secção de Cóea e Doen ças Exteas 1 1 1 Assistente da Seção de Cóea e Doenças Exteas < 21 Che da Seção de Córnea e Doenças Externas Chefe da Secção de Transplante de Cóea Endereço para correspo ndê ncia: Paulo E.C . Dantas - Rua Martin ico Prado 26, conj 181 /182 - CE O 1224-01 O - São Paulo Capital ARQ. BRAS . OFTAL. 60( 1 ), FEVER EIR0/1997 RESUMO Considerada como um dos principais tores associados à reJe tçao de transplante de córnea, neovascularização de córnea é de dici l tratamento e continua a ser desafio para o cir urgião de córnea. Dentre as várias rmas de tratamento se inclui fototerapia com laser de Argônio, que tem se mostrado eficaz em diminuir neovascularização de córnea, e está associada a baixo índice de complicações como irite leve, hemorragia intracornea l e deposição secundária de lipídios. Descrevemos dois casos de recorrência de doença herpética corneal em pacientes com neovascularização de córnea tratados com fot ocoagulação por laser de Argônio e discutimos possíveis fatores relacionados a essa complicação. Palavras-chave: N eovascularização de córnea; Rejeição de córnea; Fototrombose; Laser; Herpes simples; Argon laser. INTRODUÇÃO Neovascularização de córnea é considerado fator importante na gêne- se de reição de transplante de cór- nea. Tratamento efetivo dos n eovasos de córn ea pod e diminuir o número de rejeições em córneas previamente vas- cularizadas. Dirente s tipos de trata- mento tem sido sugerido para neovas- c u l ari zação de córnea, tais como crioterapia, tiotepa, esteróides e anti- ínflamatórios não hormonais, sem re- sultados consistentes 1 Fotocoagulação com laser de Argônio tem sido suge- rida como efetiva para n eovasculari- zação de córnea, e está associada a raras complicações co mo moderada uveíte anterior, atrofia setorial de íris, hemorragia intracorneal e deposição secundária de lípides 1 3 . Descrev emos dois casos de recor- rência de doença herpética corneal em pacientes tratados com fotocoagulação por laser de Argônio para neovasos de córnea. DESCRIÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS Caso 1 : Paciente de 46 anos, femi- nino, com h istória de doença he rpética ocular há 8 meses foi referida para tratamento por laser de Argônio para neovascularização de córnea antes de submeter-se a transplante penetrante de córnea, com o intuito de di minuir os neovasos e risco de r ej eição. Todos os tratamentos prévios com esteróide tópico e sistêmico falharam em dimi- nuir neovascularização de córnea. Ao exame biomicroscópico, paciente apre- sentava opacidade corneal cen tral en- volvendo 2/3 do estroma com intensa 103 http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19970109

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SHORT REPORT

Recorrência de doença herpética corneal após tratamento para neovascularização de córnea com argon laser* Recurrence of corneal herpetic disease after argon laser trea tment for corneal neovascularization

Paulo E. C. Dantas 111 M. Cristina Nishiwaki-Dantas 121 Nilo Holzchuh 131

Apresentado como poster no X I I Congresso Brasi­le i ro de Prevenção da Cegueira, São Paulo, 1 996 . Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo - Secção de Córnea e Doenças Externas

1 1 1 Assistente da Seção de Córnea e Doenças Externas < 2 1 Chefe da Seção de Córnea e Doenças Externas

Chefe da Secção de Transplante de Córnea Endereço para correspondênc ia : Pau lo E . C . Dantas - Rua Martin ico Prado 2 6 , conj 1 8 1 / 1 82 -CEI' O 1 224-0 1 O - São Paulo Capital

ARQ. BRAS. OFTAL. 60( 1 ), FEVEREIR0/1 997

RESUMO

Considerada como um dos principais fatores associados à reJetçao de transplante de córnea, neovascularização de córnea é de difícil tratamento e continua a ser desafio para o cirurgião de córnea. Dentre as várias formas de tratamento se inclui fototerapia com laser de Argônio, que tem se mostrado eficaz em diminuir neovascularização de córnea, e está associada a baixo índice de complicações como irite leve, hemorragia intracorneal e deposição secundária de lipídios.

Descrevemos dois casos de recorrência de doença herpética corneal em pacientes com neovascularização de córnea tratados com fotocoagulação por laser de Argônio e discutimos possíveis fatores relacionados a essa complicação.

Palavras-chave: Neovascularização de córnea; Rejeição de córnea; Fototrombose; Lase r; Herpes s imples; Argon laser.

INTRODUÇÃO

Neovascu lar i zação de có rnea é considerado fator importante na gêne­se de rej eição de transplante de cór­nea. Tratamento efetivo dos neovasos de córnea pode diminuir o n úmero de rejeições em córneas previamente vas­cularizadas . Diferentes tipos de trata­mento tem sido sugerido para neovas­c u l ar i zação de c ó r n e a , ta i s c o m o crioterapia , t iotepa, esteróides e anti­ínflamatórios não hormonais , sem re­sultados consi stentes 1 • Fotocoagulação com laser de Argônio tem sido suge­rida como efetiva para neovasculari­zação de córnea, e es tá associada a raras compl i cações como moderada uveíte anterior, atrofi a setorial de íri s , hemorragia in tracorneal e depos ição secundári a de l ípides 1 • 2· 3 .

Descrevemos dois casos de recor-

rência de doença herpética corneal em pacientes tratados com fotocoagulação por l aser de Argônio para neovasos de córnea.

DESCRIÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Caso 1 : Paciente de 46 anos, femi­n ino , com história de doença herpética ocular há 8 meses foi referida para tratamento por l aser de Argônio para neovascularização de córnea antes de submeter- se a transplante penetrante de córnea, com o intuito de diminuir os neovasos e ri sco de rejeição. Todos os tratamentos prévios com esteróide tópico e s i stêmico falharam em dimi­nuir neovascul arização de córnea. Ao exame biomicroscópico, paciente apre­sentava opacidade corneal central en­volvendo 2/3 do estroma com intensa

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http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19970109

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Recorrência de doença herpética corneal após tratamento para neovascularização de córnea com argon laser

neovascular ização perifér ica e vaso temporal i n ferior de moderado cal ibre . Acuidade visual era de conta-dedos . O l aser foi programado com os seguintes parâmetros : 300mJ de energia , 50 mi-

crômetros de diâmetro, 0 ,20 ms de ex­pos ição , com 250 disparos , somente para ocluir o vaso al imentador tempo­ral inferior. Após o procedimento foi prescrito ao paciente anti - infl amatório

Fig . 1 : Caso 1 : Ceratite geográfica (3x6mm) com necrose do tecido adjacente. Note hemorrag ia intra­corneal ao redor da ceratite .

F ig .2 : Caso 2: Dois meses de pós-operatório de transplante de córnea.

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não hormonal 4 vezes/dia e Aciclovyr s i stêmico 2 g/dia , dividida em 5 doses de 400mg) . Dois dias depois , paciente retornou com queixas de dor ocular, sensação de corpo estranho e vi são borrada. A acuidade visual era de per­cepção luminosa e ao exame à lâmpa­da de fenda apresentava ceratite geo­gráfica (3x6mm) , com necrose do teci­do corneal adj acente e irite . Pequena quant idade de hemorragia i ntra-cor­neal era notada ao redor da ceratite (Fig . 1 ). Adicionamos Aciclovyr tópico 5 vezes ao dia e cicloplegia . Todos os s inais e s intomas , com exceção da ce­rati te , melhoraram em 3 dias . Em ra­zão do risco de perfuração, transplante penetrante de córnea de 8 ,5mm foi fei­to duas semanas após , com bom resul­tado (Fig .2 ) . A paciente foi mantida com Aciclovyr s i stêmico 400mg/dia e acetato de prednisolona 1 % e polimi­xina B/trimetropin tópicos (3 meses de pós-operatório ) . Sua acuidade visual atua l , após 6 meses de tratamento, é de 20/60 sem correção e 20/30 com fenda estenopeica ( "pinhole ") .

Caso 2 : Paciente de 5 8 anos , femi­n ino , foi também referida para trata­mento de neovascularização da córnea devido à prév ia doença corneal herpé­tica no olho direito há 7 meses . Acui­dade v i sual era conta-dedos e à lâmpa­da de fenda apresentava opacidade cornea l i n t en sam ente vascu l ari zada c om grande va so ínfero - n asa l . O s parâmetros do l aser foram o s seguin­tes : 250 mJ de energia, 50- 1 00 micrô­metros de diâmetro, 0,20 ms de expo­s ição e um total de 200 disparos no vaso al imentador da NC. Prescreve­mos an ti - i n fl am atório não hormonal tópico 4 vezes/dia . Não prescrevemos Aciclovyr no pós-operatório imediato. Após 3 d ias , paciente retornou com quadro de olho vermelho doloroso e sensação de corpo estranho. À l âmpa­da de fenda, paciente apresentava ce­ratite dendrítica central com modera­da uveíte . Prescrevemos Aciclovyr sis­têmico 2g/d ia (dividido em 5 doses de 400mg) . A ceratite não melhorou após

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Recorrência de doença herpética corneal após tratamento para neovascularização de córnea com argon laser

3 semanas de tratamento, com envol­vimento estromal intenso e necrose tecidual . Dec id imos real i zar tran s ­plante penetrante de córnea de 8 , 5mm de diâmetro . Prescrevemos acetato de predn i so l ona 1 % e po l im i x i n a B / trimetropin tópicos 4 vezes a o dia , adicionalmente ao Aciclovyr s istêmi­co . Após 4 meses de pós-operatório , a acuidade vi sual é de 20/80 sem corre­ção e 20/40 com fenda estenopeica ("pinhole ") .

DISCUSSÃO

Fotocoagulação com laser de Argô­nio é alternativa terapêutica indicada no tratamento de neovascularização de córnea ' · 2 · 3 . Util izamos l aser de Argô­nio para reduzir neovasos de córnea em casos selecionados e , conseqüente­mente, a possibil idade de rej eição pós­transplante de córnea. Nossas compl i­cações até agora tinham sido as mes­mas descritas na l iteratura (moderada uveíte , hemorragia i ntra-corneal , atro­fia localizada de íri s e deposição de l ípides) . Acreditamos ser esta a pri­meira descrição de recorrência de doen­ça herpét ica ocul ar apó s fotocoa­gulação com laser de Argônio . Leva­mos em consideração os aspectos clí­nicos e biomicroscópicos no diagnósti­co da recidiva da doença herpética. Há um caso descrito na l i teratura de rea­tivação de doença herpética corneal após uso do l aser "dye" amarelo para tratar neovascularização de córnea 4 .

Não há na l i teratura pesquisada exata e definit iva explicação para a reativa­ção da doença vi rai . Certamente o trauma induzido por apl icações agres­si vas no número e dosagem desempe­nham papel importante . Os casos que

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descrevemos tem em comum acometi­mento do estroma profundo e vasos ca l ibrosos , a s soc i ado à tratamento agress ivo em potênc ia e número de apl icações . A poss ib i l idade de que trauma induzido pe lo l aser (energia) tenha papel importante na recurrência deve ser considerada4 • Em razão da intens idade da neovascularização de córnea, nívei s elevados de energia fo­ram dispendidos para reduzir os neo­vasos , aumentando consideravelmente a possibi l idade de complicações 7

Sabemos que a eficácia do trata­mento de neovasos da córnea depende primariamente da absorção de energia pela hemoglobina. Por esta razão, al­guns autores propõem através de estu­dos experimentais a chamada l aserte­rap ia fototrombótica, com o uso de substancias fotoativas como Rosa B en­gala 5 e Hematoporfirina-derivados 6 ,

com a final idade de diminuir o nível de energia uti l izado no tratamento de neovascularização de córnea. Porém, Rosa B engala é extremamente tóxico para as células hepáticas e ainda não se encontra disponível para uso clíni­co . Resul tados com Hematoporfirí­nicos-derivados mostram-se promisso­res . Dessa forma, com a diminuição do níve l de energ ia d i spendido tal vez complicações como as ora apresenta­das possam ser evitadas ou minimi­zadas .

SUMMARY

Corneal neovascularization (CN) is be lieved to be a major causative factor for graft rejection. Effective treatment of CN could decrease the number of graft rejection associated with growth of b lood vessels on

previously vascularized cornea. Many different types of treatment have been tried for CN such as criotherapy, thiotepa, steroids and non-steroid drugs with no consistent results. Laser photocoagulation with argon laser (AL) has been suggested as a effective treatment for CN and it is associated with few complications as mild iritis, localized iris atrophy, intracorneal bleeding and secondary deposition of lipid. We describe two cases of recurrence of herpetic corneal disease in patien ts treated with photocoagulation by AL for CN.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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7 . DANTAS , P . E . C . ; N ISHIWAKI-DANTAS, M . C . - Estudo comparativo entre Argon e Yag laser no tratamento de neovascularização de córnea. Tema l ivre apresentado no XII Congresso Brasi­l e i ro de Prevenção da Cegueira , São Paulo, 1 996 .

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