Recensão crítica
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Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Mestrado em Bibliotecas Escolares e Literacias do Século XXI
Instituto de Ciências da Educação
Teoria Social E Educação
Recensão Crítica da obra
Estratégias de Ensino: O saber e o agir do professor
Professor: Manuel Tavares
Mestranda: Maria da Graça Gonçalves
Lisboa, 12 de Abril de 2010
ROLDÃO, Maria do Céu (2009) Estratégias de Ensino: O saber e o agir do professor. Vila
Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão, 129 p. ISBN 978-989-8151-08-7
As temáticas abordadas na obra Estratégias de Ensino: O saber e o agir do professor, da
autoria da professora Maria do Céu Roldão, enquadram-se nas áreas do Currículo e Teoria
Curricular, Profissionalidade e Formação de Professores, as quais, a autora tem vindo a
desenvolver e a publicar em diversos estudos. Ao longo da sua carreira profissional, tem
centrado as suas actividades de docente e de pesquisa nas áreas do currículo e da formação de
professores, sendo hoje uma das figuras mais destacadas na nossa comunidade educativa,
fundamentalmente na área do Currículo.
Fiel e coerente com as ideias e propostas apresentadas em anteriores publicações, surge
um livro inspirado na temática das estratégias de ensino e que, segundo a autora, tem como
objectivo central "debater, exemplificar e analisar quer o conceito de estratégia, quer das práticas
que lhe estão associadas." (p13).
Numa exposição clara e fundamentada, a autora apresenta uma reflexão cuidada sobre
questões centrais, actuais e pertinentes ao desempenho da profissão docente, nomeadamente: o
que se entende por ensinar, a natureza e a especificidade da sua função, a concepção estratégica
de ensinar, as estratégias de ensino e a sua operacionalização. O leitor - professor é, assim,
convidado a encontrar-se e/ou reencontrar-se com saberes e práticas presentes na sua actividade
docente, quer pela análise e reflexão teórica que a autora propõe acerca dos temas tratados, quer
pelos exemplos de instrumentos de trabalho apresentados, os quais podem ser utilizados
individualmente ou em trabalho colaborativo, em vários contextos educativos . Poderá constituir,
ainda, uma excelente oportunidade para esclarecer e estruturar o entendimento que fazemos
sobre os vários conceitos (pela complexidade que alguns apresentam, podem requerer mais do
que uma leitura) que utilizamos, mas que nem sempre somos capazes de definir, bem como para
uma melhor percepção do que pode ser uma articulação eficaz entre as práticas reais e o discurso
da autora e de outros autores que vai revisitando ao longo da obra.
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No meu entender, perpassam ao longo da obra, quatro ideias fundamentais, as quais
passo, de forma breve, a salientar:
A primeira prende-se com a definição do próprio conceito de ensinar, o qual, segundo a
leitura da autora, não pode continuar a ser perspectivado numa dicotomia redutora entre
ensino transmissivo versus ensino mais activo, mas entendido num plano mais integrador,
caracterizado pela dupla transitividade e pelo lugar da mediação entre quem promove
intencionalmente a aprendizagem (o professor) de alguma coisa (o currículo) a alguém (o
aluno), que se considera necessária em determinado contexto. Só assim se verifica o acto de
ensinar e a missão do professor é cumprida;
A segunda ideia, intimamente relacionada com a anterior, tem a ver com a necessidade da
crescente afirmação da centralidade da função de ensinar e do saber específico que a
deve sustentar como distinção e identidade do que é ser professor. Reforço este,
indispensável para a afirmação social da profissionalidade dos docentes, na opinião da
autora;
A terceira ideia prende-se com a relevância que a acção estratégica do professor deve
desempenhar no processo de desenvolvimento curricular, desde a concepção e
planificação até à operacionalização e avaliação dos conteúdos, com o objectivo ("a
intenção") de que os alunos aprendam o que se pretende ensinar e se considera necessário.
Neste sentido, o professor deverá criar oportunidades, activar situações e dispositivos através
da sua acção individual, mas preferencialmente, em trabalho colaborativo com os seus pares,
partilhando e rentabilizando saberes e recursos, visando a construção de aprendizagens
significativas;
A quarta e última ideia, que considero ser transversal a toda a obra, prende-se com as
dimensões do saber e do agir do professor, as quais se articulam ao longo de todo o texto e
estão expressas no subtítulo do livro. Subtítulo, cuja escolha me parece particularmente feliz,
uma vez que vai de encontro à articulação que é feita entre a teoria (saber) e a prática (agir),
quer nas temáticas apresentadas na obra, quer na sua estrutura organizativa, podendo
convocar-se a frase citada pela autora: "Ensina quem sabe ensinar porque sabe o que ensina,
e sabe como ensinar, a quem e para quê." (p.42). É certo que se aprende e exerce na prática,
que existe acção e interacção no acto de ensinar, mas, torna-se fundamental que este domínio
técnico-didáctico seja rigoroso e sustentado por um sólido conhecimento científico, em
permanente actualização.
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As dimensões do saber e do agir do professor, definem, em grande parte, a estrutura
organizativa da obra. Explicando melhor, Maria do Céu Roldão apresenta, em cada um dos
seis capítulos que a compõem, uma parte teórica (orientada para o saber), que inclui a análise
das questões a abordar, um quadro síntese das ideias-chave e um ou dois textos como
sugestões de leitura, para aprofundamento das mesmas, e, por último, uma pequena "estória
para pensar..." e uma parte prática (orientada par o agir), consubstanciada numa formulação
de questões para reflexão/interformação e orientadas para a análise e debate das questões
abordadas e das leituras sugeridas. Nos capítulos V e VI, esta última dimensão é reforçada
com a apresentação de propostas e instrumentos de trabalho (planificações, guiões...).
Pelo exposto, constata-se que a estrutura da presente obra não obedece aos cânones
tradicionais e habituais, surpreendendo pelo seu dinamismo e inovação, situando o leitor em
dois registos, quase em simultâneo, o da teoria e o da prática.
No Capítulo I, intitulado Que é Ensinar? Desmontando o Senso Comum, tal como o
próprio nome sugere, pretende-se clarificar e analisar o conceito de ensinar, o qual não é
consensual nem estático. Clarificação que urge fazer, segundo a autora, tendo em conta a
evolução do conceito de ensinar numa dimensão histórica e numa dimensão curricular e a
existência de uma diversidade de entendimentos e uma pluralidade de sentidos sobre o mesmo.
Para justificar esta sua posição, convoca a sua experiência profissional, que lhe tem permitido
um contacto muito directo e regular com os professores (em contexto de ensino e formação) e
procede a uma revisão crítica de literatura pedagógica e didáctica (Roldão, Isabel Alarcão,
Ângela Rodrigues, Albano Estrela, Carrilho Ribeiro, entre outros), a qual proporciona, também,
um conjunto de evidências que permitem analisar representações/ entendimentos que os
professores têm deste conceito. Decorrente desta análise, a autora chega à conclusão que as
representações que os professores têm do conceito de ensinar são pouco aprofundadas, sendo,
muito frequentemente este conceito confundido com a "dimensão operativa de ensinar, na
medida em que é definido como um conjunto de práticas e actividades. Consequentemente,
também, o "conceito de estratégia", embora central no acto de ensinar, é pouco claro na
concepção e uso que os professores fazem dele." (p.17).
Considera-se que a falta de clarificação do conceito de ensinar se deve, principalmente, à
proximidade e centralidade que ele tem na prática quotidiana dos professores. Parece-me muito
pertinente esta justificação porque também considero que o facto de o acto de ensinar revestir um
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carácter tão evidente para os professores (ensinar é a sua função), "ofusca", em grande parte, a
reflexão e o debate sobre qual é a visão de ensinar e como se realiza essa acção, ou seja, "a sua
inevitabilidade no agir docente gera a invisibilidade do seu sentido profundo." (p.13). Ressalta,
também, dessa análise, o cruzamento de pelo menos três matrizes teóricas inerentes às "visões
dominantes que os professores têm do conceito de ensinar: transmissiva ("ensinar é dar a
matéria"), construtivista ("ensinar é facilitar o trabalho de aprender") e crítica ("ensinar é colocar
questões que levem os alunos a pensar"). Segundo a autora, estas tipologias são
predominantemente analisadas de forma dicotómica e até divergentes, induzindo a uma visão
redutora e simplista das mesmas, que na prática conduzem a "opor um ensino tradicional ao
ensino activo ou progressivo, o ensino centrado em conteúdos ao ensino centrado no aluno."
(p.15). Contrapõe a esta visão (apesar de incorporar na sua alguns contributos da matriz
construtivista) uma perspectiva do acto de ensinar "mais complexa e específica", que consiste
"em desenvolver uma acção especializada, fundada em conhecimento próprio, de fazer com que
alguém aprenda alguma coisa que se pretende e se considere necessária (...), que promovam
activamente a aprendizagem do outro" (pp.14-15). Deste modo, a acção de ensinar verifica-se
quando o professor recria o saber mediante um processo mobilizador e transformativo em cada
acto pedagógico, contextual, prático e singular.
Considero, particularmente feliz o conceito de aprendizagem curricular que a autora
utiliza - "aprendizagem sustentada por ensino" - que só ocorre quando por parte do professor
houver intencionalidade na sua acção, condução orientada do processo e responsabilidade ética,
isto é, responsabilidade e compromisso em relação ao outro que aprende.
No Capítulo II, Estratégias e Currículo, Maria do Céu Roldão orienta a sua exposição
para a clarificação do conceito de estratégia associado às etapas do desenvolvimento curricular e
à formação de professores. Neste sentido, a evolução do conceito de estratégia é perspectivada
num enquadramento teórico e curricular que facilita ao leitor, não só o entendimento dos
conceitos teóricos aí referidos (exemplo: estratégia, gestão curricular...) como o de perceber o
uso de determinadas práticas curriculares, em Portugal, sobretudo a partir da década de 1970.
Apresentam-se dois momentos como fundamentais na evolução do conceito de estratégia:
o primeiro situa-se nos anos de 1970 - 1980 e o segundo a partir da década de 1990.
No primeiro momento, o conceito de estratégia assumiu um carácter muito técnico,
colocando-se o enfoque nas questões curriculares técnicas como a planificação e a avaliação.
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Esta concepção de estratégia esteve, nesta fase, muito associada às teorias behaviouristas da
aprendizagem, orientadas para a eficácia e regulação do ensino. Refere-se, como exemplo, a
forte influência da "pedagogia por objectivos" inspirada nas taxonomias de objectivos
educacionais de Benjamin Bloom, que imprimiram "à prática docente uma forte racionalidade
técnica, desligada das componentes reflexiva e crítica." (p.26).
Num segundo momento, a partir da década de 1990, emerge uma nova realidade sócio-
educativa, fortemente alterada pela massificação do ensino e a consequente diversificação dos
públicos escolares, que proporciona uma maior atenção às questões curriculares teóricas como
forma de responder a esta complexidade. Resposta educacional que só poderia ser eficaz se
assentasse numa concepção de estratégias, pensadas "com um maior grau de intencionalidade
específicas, finura de análise e de diversificação de procedimentos." (p.26), de modo a atingir
com maior sucesso, os objectivos na aprendizagem dos diferentes alunos. É neste contexto, que
também se verificam alterações significativas no domínio das Ciências da Educação,
nomeadamente, com a introdução de novas disciplinas nos currículos da formação de
professores, por exemplo, a substituição da disciplina de Planeamento e Avaliação da Educação
pelas disciplinas de Teoria e Gestão Curricular, Desenvolvimento e Gestão Curricular, que
traduzem uma visão mais holística e integrada das aprendizagens em detrimento de uma visão
mais técnica, como acontecia na década de 70.
Considero muito pertinente a chamada de atenção que a autora faz quanto ao
desfasamento existente entre o "avanço" que se verificou no plano teórico-conceptual e
legislativo, o qual não teve a devida correspondência na efectiva mudança das práticas
pedagógicas. Pertinente e actual, porque esta situação continua a verificar-se no nosso sistema
educativo, onde a pressão legislativa do Ministério da Educação sobre as escolas e as constantes
alterações propostas sem tempo para a devida execução e avaliação, contribui para que esse
desfasamento se continue a verificar, não se alterando significativamente a estrutura
organizacional da escola, bem como as práticas educativas. A autora relembra, como exemplo
desse avanço teórico-conceptual e legislativo, a Reorganização Curricular de 2001, na qual os
conceitos de gestão e flexibilização do currículo "não foram entendidos na prática, confundindo-
se, erradamente, com simplificação, facilitação, objectivos mínimos." (p.27).
Este "avanço" teve, segundo a autora, no domínio das estratégias, um efeito "lateral
perverso", ao diluir-se o conceito de estratégia, o que originou na prática docente uma confusão
entre o que deve ser a acção estratégica do professor com uma sequência de acções e intenções
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sem concepção e finalidade estratégica em função dos alunos a que se dirigem. Paradoxalmente,
esta situação verifica-se num momento em que as estratégias de ensino precisavam já de uma
crescente diferenciação face à diversidade dos alunos e da sociedades em que vivem.
Para o "esbatimento" do conceito de estratégia, como competência chave do professor
contribuíram também outros dois factores, nomeadamente: o "esvaziamento" pedagógico dos
órgãos de gestão intermédia (Conselhos de Turma, Conselhos de Disciplina e Departamentos
Curriculares), remetidos, cada vez mais, na prática, para funções administrativas e burocráticas
em detrimento, de como a legislação prevê, serem espaços privilegiados para o trabalho
colaborativo que leve à definição/reflexão das estratégias que melhor se adequam aos alunos. Por
outro lado, a crescente influência que os manuais escolares têm na prática docente (relembra-se a
política editorial de apresentar manuais "à prova do professor") podem induzir, ainda que de
forma indesejada, a uma uniformização e desvalorização de operacionalizar cada estratégia face
a cada contexto de ensino.
Perante esta situação, a autora releva a necessidade de as escolas reforçarem a dimensão
das estratégias, dando-lhes mais "centralidade" nos seus projectos educativos e curriculares.
No Capítulo III, Concepção e Domínio de Estratégias de Ensino - a Marca Distintiva do
Profissional de Ensino, a autora, seguindo o pensamento de Reis Monteiro (2000), norteia a sua
análise, na minha perspectiva, fundamentalmente, a partir de duas questões:
Qual é a especificidade da função docente/o que constitui a sua "distinção" e identidade?
Qual deve ser a acção dos professores no desenvolvimento da sua profissionalidade?
Em relação à primeira questão, a autora relembra que o desenvolvimento profissional da
função docente, tal como em muitas outras profissões, resulta de uma construção histórica em
permanente evolução e que, por isso, há que ter consciência do seu carácter mutável e da
relatividade de conceitos, papéis e funções sociais e profissionais em diferentes contextos. No
entanto, tal facto não deve impedir que, em cada tempo e contexto, se repense e encontre com
clareza e à luz dos conhecimentos disponíveis, quais são os "caracterizadores da
profissionalidade docente". Considera-se que, no momento actual, o desenvolvimento da
profissionalidade dos docentes se configura "num estatuto intermédio (profissional/funcionário),
que alguns autores designam por semi-profissão." (p.42), justificando-se esta situação por ser
uma "actividade que implica características muito contraditórias, umas que a aproximam do
estatuto de profissionalidade, outras que a amarram a um estatuto de funcionarismo." (p.40).
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Apesar de considerar que esta opinião pode ser discutível, concordo que, actualmente, os
professores vivem de novo um momento particularmente crítico do seu processo de
desenvolvimento como grupo profissional, tendo em conta factores como: o "esbatimento da
profissionalidade" docente, a massificação do ensino e a necessidade de encontrar novas
respostas educativas perante a diversidade dos alunos, a pouca autonomia curricular,
administrativa e organizacional das escolas; as pressões da administração e até da própria
sociedade em geral, entre outras. Este contexto poderá acarretar um reforço do "estatuto de
funcionarismo" e daí a necessidade crescente de recentrar como caracterizador distintivo da
profissionalidade docente a função de ensinar e do saber específico que deve sustentá-la, o que
contribuirá para uma afirmação social crescente dos professores como profissionais.
Em relação à segunda questão atrás evidenciada, os professores devem ser agentes pró-
activos na construção da sua identidade profissional, assumindo como sua a discussão e reflexão
sobre a especificidade da função de ensinar e do conhecimento específico que a deve sustentar.
Neste sentido, a comunidade docente deverá debruçar-se sobre estas questões, relacionadas com
o exercício e desempenho da sua acção, em que a percepção e discussão dos processos e
circunstâncias de ser e tornar-se professor são essenciais, esperando "o reforço futuro das
dimensões de profissionalidade, associadas a uma autonomia efectiva das escolas e professores."
(p.42).
No Capítulo IV, Concepção Estratégica de Ensinar e Estratégias de Ensino, a autora
retoma algumas questões e/ou conceitos já abordados anteriormente, que agora desenvolve e
sistematiza, nomeadamente os conceitos de Ensinar e de Estratégia.
Começa por questionar uma concepção de ensinar ainda muito presente nas
representações dos professores e do senso comum, na qual o professor se centra na organização e
clarificação da apresentação dos conteúdos a ensinar, estando a aprendizagem do aluno separada
desse acto - ensino numa "óptica intransitiva. Nesta situação, a estratégia do professor resumir-
se-ia a aspectos da organização sequencial e lógica dos conteúdos a explicar e dos conceitos
respectivos. Contrapondo, defende-se que o acto de ensinar deve assumir-se como "duplamente
transitivo", "centrado nas duas dimensões a que a sua acção se dirige - o conhecimento/conteúdo
curricular e o aprendente." (pp.56-57). Convocando literatura produzida neste âmbito (exemplo:
Vieira e Vieira 2005), considera que, apesar da existência de diferentes tipologias de estratégias,
o professor "autor permanente de estratégias de ensino na prática quotidiana de ensinar." (p58)
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deve ter presente as seguintes "peças-chave" quando planifica a sua acção: intencionalidade -
identificando, para cada tema/conteúdo, quais as finalidades privilegiadas para o aluno aprender
- e coerência e modos de organização e avaliação, seleccionando os meios e os modos escolhidos
para os mobilizar e avaliar de forma mais adequada e eficaz. Torna-se, assim, evidente a estreita
relação da estratégia com o currículo e as aprendizagens curriculares, quando se define estratégia
como "uma concepção global, intencional e organizada, de uma acção ou conjunto de acções,
tendo em vista a consecução das finalidades de aprendizagem visadas." (p.68).
Especialmente interessante resultou a forma encontrada pela autora para expor as suas
ideias no Capítulo V, designado A Gestão Colaborativa das Estratégias de Ensino. Isto porque,
ao colocar nesta secção o enfoque em "algumas dimensões pragmáticas" (indo de encontro ao
agir do professor), disponibiliza um conjunto de instrumentos bem organizados que podem
ajudar os professores a concretizar, de forma mais eficaz, estratégias de ensino que contribuam
para a melhoria das aprendizagens curriculares dos alunos.
As linhas de acção e sugestões de actividades que apresenta em quadros de leitura
acessível para a realização dos Conselhos de Turma, Conselhos de Docentes e Departamentos
Curriculares apontam no sentido de, em cada um deles, tendo em conta a especificidade das suas
funções, se debater e definir de que forma cada um pode contribuir para a elaboração, execução e
avaliação do projecto curricular de turma. Este instrumento é considerado pela autora como
privilegiado, uma vez que aí devem estar bem definidas as estratégias mais adequadas à melhoria
das aprendizagens de cada aluno e da turma.
Tendo consciência, como atrás já foi referido, de que estes órgãos de gestão pedagógica
intermédia estão sobrecarregados com tarefas burocráticas e informativas, apresentam-se
também sugestões práticas, específicas e detalhadas, para o planeamento das reuniões, com o
objectivo de economizar tempo e centrar o trabalho dos professores em questões pedagógicas e
didácticas fundamentais, a saber: monitorização dos projectos curriculares de turma,
planeamento de estratégias, preparação e discussão de critérios e instrumentos de avaliação, -
especialmente, centradas na aprendizagem dos alunos.
Relevo, na análise deste capítulo, o interessante texto da autoria de Maria de Céu Roldão,
proposto como sugestão de leitura no final do capítulo, no qual se aprofundam aspectos
fundamentais relacionados com a gestão colaborativa do currículo "pela escola e na escola". A
leitura deste texto permite ao leitor-professor encontrar-se/reencontrar-se com conceitos como
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liderança, formação e supervisão, os quais ainda estão longe de estar interiorizados pela grande
maioria dos professores, mas que se devem assumir como "eixos estruturantes de qualquer
projecto de gestão da escola e do currículo, que implica aperfeiçoar as estratégias de ensino para
melhorar as aprendizagens, na medida em que, em torno deles, se pode reconceptualizar,
transformando-a, a escola burocrática e funcionária que temos tido." (p.90). Neste sentido,
apontam-se orientações, que passam pela criação de mecanismos eficazes para a supervisão
interna do trabalho que se desenvolve nas escolas, para a criação de lideranças responsáveis,
substituindo chefias meramente hierárquicas e para o desenvolvimento de planos e formação,
estrategicamente pensados, em função do desempenho e desenvolvimento da escola em
detrimento de uma "formação de consumo".
No sexto e último capítulo, Operacionalização e Análise de Estratégias - Instrumentos de
Auto e Hetero Supervisão, como o própria autora refere, logo no início, "procura trabalhar-se
com actividades práticas associadas a estratégias de ensino." (p.93).
Acentuando neste último capítulo a dimensão pragmática da acção do professor,
disponibiliza-se um conjunto amplo e diversificado de instrumentos, resultante das experiências
de ensino e supervisão da autora e que têm como objectivo suscitar a reflexão e o
aprofundamento dos conceitos trabalhados em capítulos anteriores. Estes instrumentos poderão
ser facilmente utilizados, com as devidas adaptações, na prática concreta de cada escola, ou
servir de inspiração para a elaboração de outros.
Para melhor facilidade de compreensão agrupam-se as actividades práticas apresentadas
em três tipologias:
Exemplos de "descrição narrativa de estratégias globais." (p.93) para diversos conteúdos
de aprendizagem, de diferentes anos de escolaridade, disciplinas e áreas curriculares não
disciplinares. Ao apresentar o mesmo conteúdo (exemplo: estudo de uma unidade sobre
alimentação saudável), utilizando duas estratégias diferentes, uma partindo do método
dedutivo e outra do método indutivo, a autora, através de um comentário, analisa e
valida, ou não, a concepção estratégica utilizada.
Exemplos de situações de planificação de ensino para análise, "simuladas e
deliberadamente incompletas na sua definição e concepção de estratégia." (p.102), que
levem o professor a detectar lacunas, incongruências e potencialidades de melhoria. O
professor tem aqui uma boa oportunidade para reflectir sobre o que é o cerne da sua
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prática pedagógica: planificar estrategicamente (com finalidade e intencionalidade) um
conteúdo, utilizando as estratégias mais adequadas para que o aluno aprenda, o que se
entende como necessário, num determinado contexto;
Exemplos de instrumentos para trabalho formativo ou inter-formativo do professor, como
por exemplo: um guião de construção de uma planificação baseada numa concepção
estratégica de ensinar, um guião de reflexão para avaliação, entre outros, que caberá à
curiosidade do leitor descobrir.
Concluindo, como refere a autora, os exemplos de instrumentos apresentados em nenhum
caso se podem considerar "receitas de sucesso", mas podem ser instrumentos importantes para a
planificação estratégica do professor - característica fundamental para o desenvolvimento da
profissionalidade.
Apelando ao título, Estratégias de Ensino: o saber e o agir do professor, é uma obra
rigorosa e coerente com o seu objecto de estudo, convocando, efectivamente, o leitor para um
enriquecimento do seu Saber e do seu Agir. Pode constituir um importante auxiliar de referência
para a construção pessoal e/ou colectiva das estratégias de ensino, pela clareza, pertinência e
utilidade dos exemplos operativos que apresenta. Uma obra para reler e recorrer sempre que se
quiser tirar dúvidas e melhor orientar/reorientar a acção do professor.
Estou certa que a leitura deste livro poderá ser um contributo importante para a actual
discussão em torno das mudanças curriculares e para a tão controversa perspectiva do que deve
ser a entidade profissional do professor nos tempos que correm.
Em suma, um livro para ler e revisitar.
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