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Realismo: retrato da sociedade DAUMIER, Honoré. Vagão de terceira classe, 1862.

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Realismo: retrato da sociedade

DAUMIER, Honoré. Vagão de terceira classe, 1862.

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Narrativas de costumes e a transição para o Realismo O Romantismo se caracterizava fundamentalmente pela ideia de liberdade, entendida como libertação da subjetividade, dos sentimentos, da imaginação criadora, da fantasia, e, consequentemente, de libertação das regras clássicas que condicionavam a criação literária.

Já o Realismo baseia-se nas ideias de racionalidade e objetividade, propondo retratar fielmente a vida contemporânea (a sociedade burguesa e seus valores), para desnudá-la, criticá-la, transformá-la.

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Sob vários aspectos, o romance romântico foi cheio de realismo, pois a ficção moderna se constituiu justamente na medida em que visou, cada vez mais, a comunicar o leitor o sentimento de realidade, por meio da observação exata do mundo e dos seres. Assim foi no século XVIII, sobretudo com os ingleses; assim foi na primeira metade do século XIX, com autores que, embora classificados dentro do romantismo, e alguns deles de fato ligados visceralmente à estética romântica, são verdadeiros fundadores do realismo na ficção contemporânea – como Stendhal e Balzac, na França; Gogol, na Rússia; Dickens, na Inglaterra.

Antonio Candido, Presença da Literatura Brasileira – Das Origens ao Realismo

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• Desenvolvimento do pensamento científico: embasou as transformações sociais.

• Artista: desmascarar os males que afligem a sociedade.

• Plano estético

- Ruptura com as formas românticas de idealização;

- A investigação das contradições das personagens (quebra com a noção do heroi romanesco);

- A utilização de tipos sociais;

- Exploração econômica e os distúrbios psicológicos;

- Cidade torna-se espaço de representação social.

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Empresas, classes e sindicatos • Em meados do século XIX, uma forte reação à estética romântica.

• Segunda metade do séc. XIX: Segunda Revolução Industrial (ciência a serviço das indústrias) e o surgimento do movimento operário.

• Expansão da industrialização para a Alemanha e os EUA: países líderes do capitalismo mundial junto à França e à Inglaterra.

• Ciência + indústria= custos industriais altos

• Fusão das empresas X sindicato / socialismo científico de Karl Marx.

• Seleção natural (Darwin, 1859): darwinismo – os mais fortes sobrevivem.

• Positivismo (Comte) – fenômenos naturais não se reduziam a um único princípio, baseia-se na observação do mundo físico.

• Determinismo (Taine) – comportamento humano é determinado por três aspectos: meio, raça, momento histórico.

• No Brasil, a escravidão distingue o país da maioria das nações europeias, que adotavam o trabalho livre e assalariado.

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• O suporte intelectual da Geração Materialista ou Geração de 70:

- O positivismo de Auguste Comte (Sistema de filosofia positiva): só devem ser considerados como relevantes os fatos positivos, ou seja, aqueles passíveis de análise científica.

- O determinismo histórico e geográfico de Hippolyte Adolphe Taine: o comportamento humano, a ser representado pela obra de arte, é determinado por três fatores (meio, raça e momento histórico).

- O evolucionismo de Charles Darwin (A origem das espécies – 1859): no processo de evolução das espécies, há uma seleção natural que leva os mais fortes a derrotarem os mais fracos.

- O socialismo utópico de Pierre-Joseph Proudhon e o socialismo científico de Karl Marx: na luta de classe , o poder burguês tende a ser superado pela revolução proletário.

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- Abolição da escravatura; fim da Monarquia; início da era republicana.

- Ficção, crítica literária, estudos históricos, pensamento filosófico culturalista.

- Diálogo entre Brasil e Europa: referencial cultural X modelo de elite.

- As crises foram acompanhadas pela reorientação das formas de representação: objetividade; foco no presente.

- Realismo, Naturalismo, Parnasianismo.

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• O surgimento das Escolas Realistas

As Escolas Realistas constituem as tendências estéticas que correspondem às novas ideias que compreendem três estilos essencialmente antirromânticos e antiburgueses: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. Embora apresentem traços específicos que os diferenciam, esses estilos aproximam-se por constituírem uma reação contra o Romantismo, cujas formas foram desgastadas.

A França, que concentrou as grandes revoluções europeias do século XIX, foi também o palco onde sugiram as Escolas Realistas, anunciadas desde a fase final do Romantismo, marcadas por uma postura de intervenção crítica, de caráter social.

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“Anatomia do caráter”

• Observar o comportamento das pessoas e perceber se havia alguma relação com os problemas sociais.

• Procuram o que é típico, sistemático e recorrente.

• Personagens construídas de modo coerente com o contexto social, cultural, econômico e político em que se inserem.

• Motivações psicológicas para explicar comportamento.

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Sistema literário do Realismo

• A arte do Realismo propõe-se problematizar as estruturas sociais que ainda refletiam a dominância de instituições: Igreja e aristocracia.

• Os escritores tornaram-se porta-vozes dos ideais convergentes para o pensamento republicano e liberal.

• As obras procuravam pela “palavra justa” para traçar o comportamento das personagens: fraquezas, angústias, perturbações emocionais.

• A Literatura era uma arma para denunciar fatos políticos e comportamentos individuais:

Romantismo – idealismo X Realismo – pessimismo

Luta para mudar o mundo X Desilusão ( decepção quanto ao poder de mudar o mundo; sátira aos costumes, crítica às

atitudes e à moral de alguns grupos sociais.)

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O Realismo/Naturalismo surge no século XIX, com uma estética

contra o subjetivismo romântico. Essas escolas possuem

características em comum como relata Afrânio Coutinho:

- precisão e objetividade científica;

- exatidão na descrição;

- apelo à minúcia, por isso a narrativa corre lentamente;

- culto do fato;

- rigor e economia de linguagem;

- amor à forma;

- apresentar a verdade, procurando a mesma num retrato fiel de

personagens;

- retrata a vida contemporânea.

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Desacordo no acordo (Machado de Assis, Esaú e Jacó)

Não esqueça dizer que, em 1888, uma questão grave e gravíssima os fez concordar também, ainda que por diversa razão. A data explica o fato: foi a emancipação dos escravos. Estavam então longe um do outro, mas a opinião uniu-os.

A diferença única entre eles dizia respeito à significação da reforma, que para Pedro era um ato de justiça, e para Paulo era o início da revolução. Ele mesmo o disse, concluindo um discurso em São Paulo, no dia 20 de maio: "A abolição é a aurora da liberdade; esperemos o sol; emancipado o preto, resta emancipar o branco".

Natividade ficou atônita quando leu isto; pegou da pena e escreveu uma carta longa e maternal. Paulo respondeu com trinta mil expressões de ternura, declarando no fim que tudo lhe poderia sacrificar, inclusive a vida e até a honra; as opiniões é que não. "Não, mamãe; as opiniões é que não".

— As opiniões é que não, repetiu Natividade acabando de ler a carta.

Natividade não acabava de entender os sentimentos do filho, ela que sacrificara as opiniões aos princípios, como no caso de Aires, e continuou a viver sem mácula. Como então não sacrificar?... Não achava explicação. Relia a frase da carta e a do discurso; tinha medo de o ver perder a carreira política, se era a política que o faria grande homem. "Emancipado o preto, resta emancipar o branco", era uma ameaça ao imperador e ao império.

Não atinou... Nem sempre as mães atinam. Não atinou que a frase do discurso não era propriamente do filho; não era de ninguém. Alguém a proferiu um dia, em discurso ou conversa, em gazeta ou em viagem de terra ou de mar. Outrem a repetiu, até que muita gente a fez sua. Era nova, era enérgica, era expressiva, ficou sendo patrimônio comum.

Há frases assim felizes. Nascem modestamente, como a gente pobre; quando menos pensam, estão governando o mundo, à semelhança das idéias. As próprias idéias nem sempre conservam o nome do pai; muitas aparecem órfãs, nascidas de nada e de ninguém. Cada um pega delas, verte-as como pode, e vai levá-las à feira, onde todos as têm por suas.

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1. Desacordo no acordo: em relação aos significados da abolição. Para Pedro, um ato de justiça; para, Paulo, era o início da revolução.

2. “Emancipado o preto, resta emancipar o branco”: tornar-se livre em um governo republicano X libertar-se dos preconceitos adquiridos em uma sociedade desigual.

3. “Não era propriamente do filho; não era de ninguém”: o narrador critica o fato de as pessoas reproduzirem as frases superficialmente.

4. “frases felizes”; “cada um pega delas...”: tomar o que é popular para uso pessoal, característica da elite brasileira do século. XIX.

5. Sondagem psicológica: reflexão de Natividade a cerca da carta - pouco se importa com o idealismo ou sabedoria que possa haver na frase proferida pelo filho.

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Machado de Assis (1839 - 1908)

• Memórias póstumas de Brás Cubas (1881)

Capítulo I – Óbito do autor

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)

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• Tipos sociais ávidos por levar vantagem.

• A esfera mundana do dinheiro, da carreira e da ascensão social rompe com os ideais românticos de pureza do herói.

“Marcela amou-me durante quinze anos e onze contos de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.”

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• Dissimulação do olhar - Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899); Esaú e Jacó (1904); Memorial de Aires (1908). - Precariedade das relações sociais, desmascaramento dos interesses. Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as cousas, como eu. É o que contarei no outro Capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias do ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram dez horas da manhã. D. Fortunata, que estava no quintal nem esperou que eu lhe perguntasse pela filha. --Está na sala penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe pregar um susto. Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei na sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta: --Há alguma cousa? --Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre Cabral chegue para a lição. Como passou a noite? --Eu bem. José Dias ainda não falou? --Parece que não. -- Mas então quando fala? --Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assunto; não vai logo de pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em matéria. Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita... -- Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser padre, mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto! Você teime com ele, Bentinho. - Teimo- hoje mesmo ele há de falar. --Você jura? --Juro. Deixe ver os olhos, Capitu.

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Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que... Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno.

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• A partir das caracterizações feitas, Capitu tem um jeito próprio de ser, é esperta, hábil, doce, misteriosa, enérgica. Exerce sobre Bentinho uma atração que ele “vê” em seus olhos (“olhos de ressaca”) e sente no espírito (uma força que arrastava para dentro”).

• Como narrador personagem, Bentinho não tem consciência dos fatos. Ele interpreta suas ações achando, achando ser outro seu intento ou que era um pretexto para mirá-los mais de perto.

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NATURALISMO

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• Gosto pela análise direta da realidade: observação da natureza concreta e a ânsia de compreender o ser humano nas dimensões social e biológica.

• Distanciamento do idealismo romântico: a ciência para entender a realidade.

• A sociedade como um “grande corpo” a ser dissecado pelo narrador: investigar e revelar os mecanismos de exploração e coisificação do indivíduo.

• Exploração disfarçada de valor socialmente aceito.

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Os comedores de batata, 1885, VAN GOGH.

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Germinal

À tarde, quando os mineiros voltavam do trabalho, sentavam-se direto à mesa para almoçar. A refeição era sempre sopa. De batatas, chicória e cebola. Após o almoço tomavam banho na tina, esfregando-se com sabão preto para limpar o carvão que cobria a pele.

Na casa dos Maheu, a mãe tinha preparado sopa e café, e pusera na mesa pão, manteiga e queijo. Depois que os filhos comeram, trouxe o chouriço. Quando havia carne, era reservada para o pai.

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A primeira a tomar banho era Catherine, depois os meninos, e por último o pai. A mãe trazia de fora os baldes de água para encher a tina. Eles tomavam banho na cozinha, e saíam nus da tina para se enxugar e vestir no quarto, no andar de cima. O único que não tomava banho na presença dos filhos era o pai. Apesar de ser um hábito comum na aldeia, Maheu não achava certo. Sozinhos na cozinha, a mulher esfregava bem as costas do marido e em seguida o enxugava. Ele se excitava, o casal se abraçava e fazia amor ali mesmo. Essa rotina se repetia na casa de todos os mineiros

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Na parte da tarde, Maheu cuidava da horta. Plantara batatas, feijão e ervilha, e cultivava couve e alface numa estufa. Levaque veio chamar Maheu para ir à taverna, mas ele resolveu economizar. Além do mais, não tinha dinheiro, teria que pedir à mulher, que conseguira um empréstimo de Maigrat.

Depois do almoço, as crianças e os jovens saíam. Catherine foi pedir dinheiro emprestado para comprar uma fita nova para sua touca. (...)

Zacharie, o filho mais velho, saiu para encontrar m amigo. Iam ao Volcan, um cabaré barato que ficava em Montsou.

ZOLA, Émile. Germinal. Trad. Silvana Salermo. SP: Cia das Letras, 2000. p. 40-42.

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• Promiscuidade, fome e a falta de dinheiro

• O espaço determina o comportamento das personagens: as relações entre as personagens são de embrutecimento, importando apenas dinheiro e interesses sexuais.

• Iluminosidade e traços de Van Gogh delineiam a dignidade dessas pessoas.

• Descrição crua e simplicidade nas refeições: focalizar as condições de vida das populações de trabalhadores.

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Projeto literário naturalista

Literatura a serviço da ciência;

Personagens tratados com olhar científico;

Olhar racional e objetivo para realidade;

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Dedicam-se a análise de fenômenos coletivos, que caracterizam melhor a tese determinista.

Proletariado ganha destaque nas obras naturalistas – o

ser humano é fruto do meio em que vive e das pressões que sofre.

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Os romances naturalistas são, muitas vezes, chamados romances de tese, pois desenvolvem uma estrutura pensada para provar ao leitor a visão determinista da sociedade. A perda de dignidade dos indivíduos que vivem em meio degradante é a grande tese exposta nesses romances.

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O cortiço (1890)

• Influência do pensamento cientificista europeu: narradores assumem uma posição semelhante à do cientista que observa a realidade.

• Tratamento do cenário como se fosse uma personagem da narrativa: espaço determina a vida dos indivíduos que o ocupam.

• Estalagem São Romão X demais personagens

• Universo do cortiço e a narração dos eventos: o vaivém dos funcionários da pedreira, moradores do cortiço e a labuta das lavadeiras disputando as bicas indicam a dinamicidade do espaço e sua degradação.

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• O uso do termo cortiço para habitação coletiva provém, provavelmente, da associação que se fazia entre as estalagens e as colmeias: formadas por minúsculos casulos que abrigavam as abelhas-operárias, que passavam o dia trabalhando em meio a intenso zumbido.

• Surgimento da cidade moderna: as habitações populares coletivas e insalubres surgidas a partir do processo de urbanização e industrialização.

• Novas posturas municipais incentivaram a proliferação dos tipos intermediários entre as habitações coletivas – avenidas – : a higiene e o moderno tinham seu preço: os moradores de cortiços não podiam pagar os novos e altos aluguéis, inclusive o das casas.

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Interior de um cortiço na rua do Senado, RJ.

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Personagens

• Os três pês – “para o escravo são necessários três P. P. P., a saber, Pau, Pão e Pano”

• Categorias de personagens: a primeira é a do português, que inclui João Romão, Miranda e Jerônimo, “variedades do branco europeu, desprezado de maneira ambivalente pelo nativo mas pronto para suplantá-lo e tornar-se o verdadeiro senhor”

• A segunda categoria seria a do negro, incluindo também o mestiço, “a arraia miúda dos cortiços, que mesmo quando etnicamente branca é socialmente negra”: Firmo, Rita Baiana, Pombinha.

• Terceira categoria, redução biológica que, segundo o crítico, transcende o cunho naturalista, é a do animal, ou seja, “a própria redução do homem à condição de besta de carga, explorada para formar o capital dos outros” (CANDIDO, 2004, p. 114). E nessa última estão todos, negros e brancos.

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“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.”

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“E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para dançar. A lua destoldara-se nesse momento, envolvendo-a na sua coma de prata, a cujo refulgir os meneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher. Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, tirilando.”

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“(...) O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante. E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.”

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“Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.” Aluísio Azevedo. O cortiço.

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• A dança sedutora de Rita Baiana possui elementos que remetem a um êxtase sexual.

• Sensualidade e determinismo: descrição da cena exalta elementos que se colocam entre o humano e o natural. Jerônimo compara a personagem às impressões das terras brasileiras.

• Condição animal: comparação dos movimentos de Rita Baiana.

• A natureza tropical leva os indivíduos a uma condição de animalização.

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