Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da...

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APRESENTAÇÃO Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea- lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que melhor se encaixa à organização curricular de sua escola. A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen- tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci- dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas, histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob- jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade. As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada região brasileira. Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz. Gerente Editorial Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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APRESENTAÇÃO

Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três

séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea-

lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que

melhor se encaixa à organização curricular de sua escola.

A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen-

tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci-

dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito

crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas,

histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de

dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob-

jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade.

As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante

situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos

privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de

questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada

região brasileira.

Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia

intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o

aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz.

Gerente Editorial

Realidade e Razão (Metafísica, Lógica

e Filosofia da linguagem)

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S586 Silva, Michele Czaikoski.Ensino médio : modular : filosofia : realidade e razão (metafísica, lógica e filosofia da

linguagem) / Michele Czaikoski Silva ; ilustrações José Aguiar, Priscila Sanson, Theo Cordeiro. – Curitiba : Positivo, 2013.

: il.

ISBN 978-85-385-7263-3 (livro do aluno)ISBN 978-85-385-7264-0 (livro do professor)

1. Filosofia. 2. Ensino médio – Currículos. I. Aguiar, José. II. Sanson, Priscila. III. Cordeiro, Theo. IV.Título.

CDU 373.33

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SUMÁRIO

Unidade 1: Antecedentes da Metafísica

Ser e não ser 5

Essências intelegíveis 8

Unidade 2: Metafísica na Antiguidade e na Idade Média

Além da Física 10

Metafísica na Escolástica 15

Unidade 3: Metafísica na Modernidade e na atualidade

Despertar de um sono dogmático 18

Novos horizontes 22

Ontologia contemporânea 24

Unidade 4: Lógica na Antiguidade e na Idade Média

Antecedentes da Lógica 29

Órganon Aristotélico 31

Contribuições estoicas e medievais 34

Unidade 5: Lógica na Modernidade

Novas compreensões de Lógica e Dialética 38

Idealismo hegeliano 41

Unidade 6: Lógica e linguagem na atualidade

Linguagens simbólicas 44

Virada da linguagem 46

Caráter prático da linguagem 49

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Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)4

Que a palavra que vela o ser desvele a cidade encantada na

linguagem, seu lugar de morar e ser morada...

João de Jesus Paes Loureiro (In: Para ler como quem anda nas ruas, p. 1.)

A primeira e mais importante lição em Lógica é perceber a diferença

entre verdade e validade.

Em Lógica, ambiguidade é tudo o que não se quer ter por perto. Por

isso, fazemos o possível para não confundir a forma e o conteúdo.

Renato Kinouchi (In: Dizer a verdade não basta. Discutindo Filosofia, n. 3, p. 20.)

Antecedentes da Metafísica1

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Ensino Médio | Modular 5

FILOSOFIA

Na Antiguidade, filósofos como Aristóteles, por exemplo, afir-mavam que a Filosofia nasce do espanto. Segundo ele, tal senti-mento levaria as pessoas a problematizar, questionar e investigar a realidade. Você concorda com ele?

Observando o mundo que o cerca, você já se perguntou, por exemplo, como é possível reconhecer as coisas em meio às mu-danças constantes que elas sofrem – ou, ao contrário, como é possível conceber tantas mudanças, naquilo que se julga ser sempre igual? Ao acordar de manhã, você acredita ser a mesma pessoa e viver no mesmo mundo em que se encontrava no dia anterior, ou as mudanças ocorridas em si e à sua volta o fazem duvidar disso?

Você já tentou descobrir qual a essência da realidade e se existem garantias para confiar nos conhecimentos adquiridos so-bre ela? Poderiam tais conhecimentos ir além das revelações dos

O termo “devir” também costuma ser traduzido como “vir a ser”.

Ilust

raçõ

es: J

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Agu

iar.

2009

. Dig

ital.

Ser e não ser

A observação da realidade revela múltiplas aparências, movimentos e transformações. Ainda assim, é possível alguém reconhecer a sua própria essência e a das demais coisas, bem como perceber regularidades entre os seres e fenômenos.

Essa dupla revelação orientou o pensamento filosófico em suas primeiras investigações. Inicialmente, elas se voltaram para aspectos cosmológicos, ou seja, relacionados à ordem natural, à origem e à constituição material de todas as coisas. Posteriormente, voltaram-se para questões metafísicas, ou seja, ligadas à essência, às causas e finalidades daquilo que existe.

Entre outros temas, os primeiros filósofos – conhecidos como pré-socráticos – já refletiam sobre a realidade, o nada e as mudanças, a que designavam, respectivamente, como o Ser, o não ser e o devir. Em torno desses três temas, surgiam questões como as que aparecem na ilustração abaixo.

Muitos desses filósofos buscaram a arché, ou seja, o princípio material responsável pela geração e corrupção dos seres e de suas qualidades – ou seja, pelo surgimento e pela destruição destes. Chegaram a respostas como a água, o ar, os quatro elementos, o ilimitado e os átomos. Estes seriam, portanto, os princípios capazes de revelar uma unidade sob a multiplicidade e sob a oposição entre os elementos que compõem a realidade.

Enquanto isso, Parmênides, da cidade de Eleia, seguiu outra rota para investigar a realidade. Com a célebre frase “O Ser é, o não ser não é”, mostrou sua crença numa realidade

imutável e una, o Ser. Para tal filósofo, o Ser não foi gerado, nem seria corrompido. Afinal, isso significaria vir do não ser e a ele retornar. Mas seria contraditória a existência do não ser, pois o nada é o que não é, o que não existe. Além disso,

Parmênides encarava a multiplicidade e as mudanças como aparências, ilusões geradas pelos sentidos, que conduziam o homem pela falsa via da opinião, a dóxa. Defendia a importância de seguir a via da verdade, a alétheia, na qual o homem seria conduzido pelo pensamento. Somente nela o pensamento reconheceria a unidade e a permanência que constituíam a realidade sob as aparências.

Os discípulos de Parmênides – também da cidade de Eleia e, portanto, conhecidos como eleatas – desenvolveram as teses de seu mestre. Entre os

mais conhecidos, encontramos Zenão. Ele é tido como o criador da dialética, método de reflexão que promovia um embate entre opiniões contrárias, a fim de demonstrar a verdade de uma delas, em detrimento da outra.

sentidos? Seria possível ultrapassar os aspectos físicos da realidade e, assim, compreender os princípios, a natureza e a finalidade de todas as coisas?

Essas e outras dúvidas resultaram no surgimento de uma área de estudos que Aristóteles chamou de Filosofia Primeira, devido à sua importância e à sua investigação em busca das causas primeiras de tudo o que existe. Mais tarde, essa área da Filosofia recebeu o nome de Metafísica. A partir de duas perguntas: “O que é a realidade?” e – a mais recente – “A realidade pode ser conhecida?”, a Metafísica legou à humanidade séculos de reflexões a respeito do Ser – termo pelo qual inúmeros filósofos designaram a realidade que cerca e envolve os seres humanos.

A Escola

de Atenas:

Filosofia Pré-

-Socrática,

Clássica e

Helenista

@FIL421

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O termo grego lógos traduz-se como razão, palavra, verbo, discurso, inteligência, entre outros. É utilizado em diversas correntes filosóficas, tendo como principal significado a razão. Esta razão pode ser entendida como substância e causa do mundo, como no pensamento de Heráclito, que a concebia como lei natural. Também pode ser entendida como a pessoa divina responsável pelo mundo e por sua ordem, como no cristianismo e no pensamento medieval.

BRUGGHEN, Hendrik ter. Heraclitus. 1628. 1 óleo sobre tela, color., 85,5 cm x 70 cm. Rijksmuseum,

Amsterdã.

Heráclito ficou conhecido e foi retratado como filósofo obscuro e melancólico, embora Nietzsche o considerasse portador de um pensamento alegre e saudável. Segundo esse pensamento,

a realidade era resultado da tensão constante entre os opostos que a constituíam. O filósofo comparava essa condição à “harmonia do arco e da lira” – respectivamente, arma e instrumento musical muito conhecidos na Grécia. Afinal, um arco só é preciso e uma lira só é afinada quando as suas cordas estão tensas, pressionadas pelos dois extremos que as sustentam. Outra imagem

que ele utilizava para descrever o constante devir de todas as coisas era a de uma inocente brincadeira de crianças. Afinal, elas constroem e reconstroem, com inocência, castelos que serão

desfeitos pelas ondas e pelo vento

Zenão comparou o Ser à divindade e defendeu a verdade do imobilismo, dedicando-se a demonstrar a impossibilidade racional do movimento. Entre seus argumentos mais conhecidos estava o da corrida entre o veloz Aquiles e uma lerda tartaruga: Zenão afirmava que, se a tartaruga saísse na frente, ja-mais seria alcançada, pois, antes de percorrer o espaço entre o seu ponto de partida e o dela, o herói deveria percorrer metade dessa distância, que seria sucessivamente dividida em novas metades. Logo, o pensamento demonstrava que o percurso seria infinito e, portanto, o movimento seria impossível, ainda que a experiência levasse a maioria dos homens à opinião contrária.

Ser x devirParmênides e os eleatas foram chamados de “imobilistas” por defenderem a unidade e a imutabilidade

do Ser, enquanto Heráclito, da cidade de Éfeso, ficou conhecido como filósofo do movimento – ou “mobi-lista”. Ele discordava da tese de um Ser imóvel e eterno. Afirmava que a realidade era o devir constante e ordenado, a mudança de todas as coisas, que acontece pela tensão entre os contrários que elas são ou carregam – por exemplo: o quente e o frio, o vivo e o morto, etc. Na visão de Heráclito, “tudo é devir, tudo flui”, sendo ilusão supor unidade e continuidade entre os seres. Engano crer, por exemplo, que o mesmo homem pudesse banhar-se duas vezes no mesmo rio, já que ambos mudariam continuamente.

Assim, em busca da arché, Heráclito elegeu o fogo como princípio e causa de todas as coisas. Escolheu esse elemento porque ele simboliza a metamorfose, o movimento. Mas deu um novo passo: associou o fogo ao Lógos, uma espécie de razão universal, inteligência e lei fixa, responsável pela ordem presente no movimento e nas mudanças que caracterizam o devir – o pequeno cresce, o dia segue-se à noite, a morte à vida e assim por diante, sem que essa ordem seja quebrada.

Segundo Heráclito, o Lógos ordenava o devir gerando uma “harmonia de contrários”. Com isso, ele não queria negar que houvesse conflito entre as coisas contrárias, mas, sim, afirmar que a realidade resultava desse conflito ordenado. Portanto, a unidade não estaria nas coisas – no Ser –, e sim no Lógos, que o filósofo deveria perceber sob as mudanças. No pensamento de Heráclito, a unidade era o processo, o devir constante, mas os seres eram múltiplos, contrários e impermanentes. Essas ideias influenciaram diversas teorias filosóficas, como a dialética moderna de Hegel, por exemplo, segundo a qual tudo resulta das sínteses entre contrários, que são as teses e as antíteses.

Principais

teorias

da escola

eleática

@FIL800

6 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Parte do que se conhece sobre os escritos de filósofos pré-socráticos chegou aos dias atuais sob a forma de fragmentos. A seguir, você conhecerá alguns, cuja autoria se atribui a Heráclito de Éfeso, e que revelam a visão desse filósofo sobre a realidade como devir, ou seja, como transformação constante de todas as coisas em seus contrários.

Fragmento 76: [...] morte de terra é tornar-se água, morte de água é tornar-se ar, de ar fogo e vice-versa.Fragmento 88: O mesmo é em (nós) vivo e morto, desperto e dormindo,

novo e velho; pois estes, tombados além, são aqueles e aqueles de novo, tombados além são estes.Fragmento 126: As (coisas) frias esquentam, quente esfria, úmido seca, seco umedece.

SOUZA, José Cavalcante de (Org.). Os pré-socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 95, 97, 101. (Os pensadores).

Agora você conhecerá dois fragmentos de um poema atribuído a Parmênides. Neles, o filósofo contrapôs-se à crença de Heráclito no devir e defendeu a via da verdade, apresentando-a como aquela que deveria persuadir os homens na busca do saber. Afinal, Parmênides acreditava que, somente por meio dela, o pensamento alcançaria as seguintes descobertas:– “o que é, é” (ou seja, “o Ser é”);– “o não ser não é” (ou seja, “o nada não é”);– o devir é uma ilusão.

SOUZA, José Cavalcante de (Org.). Os pré-socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 122. (Os pensadores).

1. Discuta os versos a seguir e escreva uma paródia à canção, de acordo com o imobilismo de Parmênides:

Como uma ondaNada do que foi será De novo do jeito que já foi um dia Tudo passa, tudo sempre passará A vida vem em ondas, como um mar Num indo e vindo infinito [...]

SANTOS, Lulu. Último romântico. Lulu Santos. São Paulo: WEA, Latina, 1996. 1 CD (30 min): estéreo. Faixa 1.

2. Em uma de suas canções, o compositor brasileiro Chico Buarque afirma: “Todo dia ela faz tudo sempre igual...”.

Como responder a essa afirmação, de acordo com o pensamento de Heráclito?

3. Nos fragmentos da seção Leitura filosófica, identifique a tese afirmada nos escritos de Heráclito e refutada nos de Parmênides. Posicione-se também a favor da visão de um desses filósofos, justificando sua opinião.

Fragmento 2: Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste,os únicos caminhos de inquérito que são a pensar:o primeiro, que é e portanto que não é não ser,de Persuasão é o caminho (pois à verdade acompanha);o outro, que não é e portanto que é preciso não ser,este então, eu te digo, é atalho de todo incrível;pois nem conhecerias o que não é (pois não é exe-quível),nem o dirias...

Fragmento 6: Necessário é o dizer e pensar que (o) ente é; pois é ser,e nada não é; isto eu te mando considerar.Pois primeiro desta via de inquérito eu te afasto, mas depois daquela outra, em que mortais que nada sabemerram, duplas cabeças, pois o imediato em seuspeitos dirige errante pensamento; e são levadoscomo surdos e cegos, perplexas, indecisas massas,para os quais ser e não ser é reputado o mesmoe não o mesmo, e de tudo é reversível o caminho.

Ensino Médio | Modular 7

FILOSOFIA

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SANZIO, Rafael. A escola de Atenas. 1509-10. 1 afresco, color., 500 cm x 700 cm. Stanza della Segnatura. Palácio Apostólico, Vaticano. Detalhe.

Nesse detalhe da obra, Platão aponta para o alto, afirmando que as ideias – ou formas, ou essências – encontram-se num nível superior ao sensível. Esse mesmo ponto de vista destaca-se na seguinte citação, retirada de um dos seus diálogos:

[...] receei que minha alma viesse a ficar completamente cega se eu continuasse a olhar com os olhos para os objetos e tentasse compreendê-los através de cada um dos meus sentidos. Refleti que devia buscar refúgio nas ideias e procurar nelas a verdade das coisas.

PLATÃO. Fédon. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 106. (Os pensadores).

Por outro lado, Aristóteles aponta para baixo, afirmando que as ideias – formas ou essências – encontram-se nas próprias coisas, as quais, por sua vez, fazem parte do mundo sensível

Sócrates e Platão também contribuíram para o surgimento da Metafísica, descrevendo a realidade para além dos limites materiais que a circunscrevem. Dividiram-na em dois níveis:

sensível ou das coisas: aparente, conhecido pelos senti-dos e instável, como o devir de Heráclito;

inteligível ou das ideias: verdadeiro, conhecido pelo inte-lecto e estável, como o Ser de Parmênides.Acessíveis apenas ao intelecto, as ideias eram consideradas

perfeitas, imutáveis, imateriais e eternas. Em relação às coisas, elas eram unas: havia uma só ideia de Mesa para todas as mesas sensíveis ou uma única ideia de Justiça para todas as ações justas. Todavia, entre si, elas eram múltiplas: havia ideias relacionadas a todos os seres – dos matemáticos aos sensíveis – e a todos os valores – éticos, estéticos, e assim por diante. Sendo assim, as ideias incluíam o não ser. Mas, para que isso fosse possível, ele deixou de ser entendido como o nada e passou a ser visto como a diferença, ou seja, a alteridade. Isso equivale a dizer que cada ideia era ela mesma e não era nenhuma das outras, apesar de ligar-se a elas.

As ideias também ficaram conhecidas como formas ou es-sências, por fazerem de cada coisa aquilo que ela era. No pensa-mento socrático-platônico, elas assumiam um papel determinante para a existência e o conhecimento da realidade. Afinal, de acordo com esse pensamento, nem matéria-prima, cor, tamanho, formato, utilidade, nem qualquer outra característica fariam, por exemplo, uma mesa ser aquilo que era. Somente a ideia de Mesa poderia fazê-lo, por se tratar de um modelo perfeito, copiado em todas as mesas sensíveis, apesar das diferenças, limites e imperfeições de cada uma. Portanto, as ideias eram os modelos, ou seja, os

Essências intelegíveis

paradigmas para todos os elementos do mundo sensível. Elas formavam o mundo inteligível, ordenado e hierárquico, onde o Bem era a essência mais elevada. E todos os seres e valores do mundo sensível participavam das ideias correspondentes.

Esse era o sentido platônico para o termo mímesis, tra-duzido por imitação ou mímese: ao dizer, por exemplo, que uma mesa sensível mimetizava a ideia de Mesa, afirmava-se que ela participava dessa ideia, reproduzindo alguns de seus atributos na matéria limitada e corruptível. Nesse contexto, conhecer era o mesmo que compreender as essências, com base nas coisas e na hierarquia entre as ideias – compreender o que eram a Mesa, o Homem, a Justiça, e assim por diante.

Além disso, sob a influência de antigas doutrinas, tais como: o orfismo e o pitagorismo, Platão acreditava que as almas eram imortais e renasciam, muitas vezes, no mundo da matéria, en-quanto necessitavam de purificação. Assim, julgava que elas conheciam a realidade inteligível, à qual desejavam retornar e da qual se recordariam por meio da contemplação da realidade sensível. De acordo com essa teoria, contemplando coisas belas e ações corajosas, por exemplo, as almas recordariam as ideias de Beleza e Coragem, caminhando gradativamente para a ideia suprema, o Bem. Mas essa recordação, ou reminiscência, exigiria grandes esforços, de modo a se alcançar o desprendimento em relação aos prazeres físicos e às paixões descontroladas que dominam a maioria.

Portanto, o verdadeiro filósofo seria aquele que se destacas-se, não apenas pela busca do conhecimento, mas também pela prática da virtude em todas as esferas da sua vida. Afinal, atingir a contemplação definitiva das ideias exigia que ele não mais renascesse no mundo sensível, marcado pelas aparências, pela geração e corrupção de todas as coisas. Diante disso, o filósofo deveria transformar a sua existência numa espécie de prepara-ção para a morte, abandonando a vida vulgar para dedicar-se à reflexão e à dialética.

A divisão

platônica entre

mundo sensível

e mundo ideal

@FIL742

8 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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DAVID, Jacques Louis. A morte de Sócrates. 1787. 1 óleo sobre tela, color., 129,5 cm x 196,2 cm. Museu Metropolitano, Nova Iorque.

Leia este trecho do diálogo entre Sócrates e Símias – retirado de uma obra de Platão – sobre o conhecimento sensível e o inteligível:

– Quando é, pois, que a alma atinge a verdade? Tens dum lado que, quando ela deseja investigar com a ajuda do corpo qualquer questão que seja, o corpo, é claro, a engana radicalmente.

– Dizes uma verdade.– Não é, por conseguinte, no ato de raciocinar, e não

de outro modo, que a alma apreende, em parte, a realidade de um ser?

– Sim.– E sem dúvida alguma, ela raciocina melhor preci-

samente quando nenhum empeço lhe advém de nenhuma parte, nem do ouvido, nem da vista, nem dum sofrimento, nem sobretudo dum prazer – mas sim quando se isola o mais que pode em si mesma, abandonando o corpo à sua sorte, quando rompendo tanto quanto lhe é possível qualquer união, qualquer contato com ele, anseia pelo real?

– É bem isso!– E não é, ademais, nessa ocasião que a alma do filósofo,

alçando-se ao mais alto ponto, desdenha o corpo e dele foge, enquanto por outro lado procura isolar-se em si mesma?

– Evidentemente!– Mas que podemos dizer, Símias, do seguinte: afirma-

remos a existência do “justo em si mesmo” ou a negaremos?– Certamente que a afirmaremos, por Zeus!– E também a do “belo em si” e a do “bom em si”,

não é verdade?– Como não?– Ora, é certo que jamais vistes qualquer ser desse

gênero com teus olhos?– Jamais.

– Mas então é porque os aprendeste por qualquer outro sentimento que não por aqueles de que o corpo é instru-mento? Ora, o que eu disse há pouco é para todos os seres, tanto para a “grandeza”, a “saúde”, a “força”, como para as demais – é, numa só palavra e sem exceção –, a sua realidade: aquilo precisamente que cada uma dessas coisas é. E será, então, por intermédio do corpo que o que nelas há de mais verdadeiro poderá ser observado? Ou quem sabe se, pelo contrário, aquele dentre nós que se tiver o mais cuidadosamente e no mais alto ponto preparado para pensar em si mesma cada uma dessas entidades, que considera e toma por objeto – quem sabe se não é esse quem mais deve aproximar-se do conhecimento de cada uma delas?

– Isso é absolutamente certo.– E quem haveria de obter em sua maior pureza esse

resultado, senão aquele que usasse no mais alto grau, para aproximar-se de cada um desses seres, unicamente seu pensamento, sem recorrer no ato de pensar nem à vista, nem a um outro sentido, sem levar nenhum deles em companhia do raciocínio; quem, senão aquele que, utilizando-se do pensamento em si mesmo, por si mesmo e sem mistura, se lançasse à caça das realidades verdadeiras, também em si mesmas, por si mesmas e sem mistura? E isto só depois de se ter desembaraçado o mais possível de sua vista, de seu ouvido e, numa palavra, de todo o seu corpo, já que é este quem agita a alma e a impede de adquirir a verdade e exercer o pensamento, todas as vezes que está em contato com ela? Não será este o homem, Símias, se a alguém é dado fazê-lo neste mundo, que atingirá o real verdadeiro?

– Impossível, Sócrates, falar com mais verdade!

PLATÃO. Fédon. São Paulo: Abril, 1983. p. 66-67. (Os pensadores).

Em Zenão de Eleia, foi estudada a raiz da dialética, como embate de opiniões contrárias para estabelecer uma verda-de. No argumento de Aquiles e a tartaruga, por exemplo, ele pretendia demonstrar a verdade do imobilismo e a ilusão do movimento. Já em Platão, a dialética assumiu novos contor-nos: além de contrapor opiniões em busca da verdade, ela passou a constituir-se como o caminho a ser percorrido pelo filósofo, rumo à compreensão das essências, isto é, à compreensão do ser de cada coisa. Nesse percurso, ele seguiria do sensível para o inteligível e de uma ideia para outra, sempre em busca das mais elevadas, até chegar, finalmente, ao Bem.

Ensino Médio | Modular 9

FILOSOFIA

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Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)10

Metafísica na Antiguidade e na Idade Média

2

A Metafísica, como área sistematizada de conhecimento filosófico, surgiu com Aristóteles, mesmo sem receber esse nome. Ele a designava como Filosofia Primeira, Ciência do Ser enquanto Ser, ou dos Primeiros Princípios ou das Causas Primeiras ou, ainda, da Substância em Geral.

Poucos escritos de Aristóteles chegaram até os dias atuais. Os que se conhece foram organizados por Andrônico de Rodes, no século I a.C. Na coletânea da obra aristotélica, esse organizador colocou os textos sobre Filosofia Primeira – ou Ciência do Ser – logo após os textos que tratavam da Física – a ciência do movimento que caracteriza os seres sensíveis. Na falta de um título, designou-os com a expressão Metafísica, que pode signi-ficar “depois”, ou “além” da Física. A tradução “além da física” ressaltava a superioridade dessa ciência sobre as demais e, por esse motivo, o termo “Metafísica” prevaleceu para designar essa área da Filosofia, apesar da proposta medieval do nome de Ontologia, que seria retomada e aceita após a Modernidade. Além disso, o termo passou a ser utilizado para denominar a atitude de buscar a realidade para além das aparências.

Ontologia: em grego, onto

significa o ser, o que é.

Modernidade: período

que vai do Renascimento

ao século XVIII.

Você já estudou que Platão duplicou a realidade a fim de solucionar o antigo problema do Ser e do devir. Assim, ele atribuía o Ser ao mundo das ideias – ou das formas – e atribuía o devir ao mundo sensível – ou das coisas que se percebem. Além disso, ele encarou o não ser como alteridade e as coisas sensíveis, como aparências da verdadeira essência, correspondente às ideias.

Você verá agora que Aristóteles discordava de Platão, afirmando que a realidade é única, sendo as formas imanentes e não transcendentes às coisas – isto é, inse-paráveis dos objetos e não exteriores a eles. Isso quer dizer que a essência de uma mesa sensível estaria nela mesma e não no mundo inteligível, como ideia de Mesa.

Além da Física

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Ensino Médio | Modular 11

FILOSOFIA

Esse filósofo chamava a essência de substância – ou, em grego, ousía. Para ele, a substância não era uma ideia (ou forma), era um sínolo, isto é, um composto de matéria e forma. Por isso, Aristóteles valorizava a sensação e a experiência como etapas do conhecimento da realidade.

Esse texto constitui a abertura da Metafísica e demonstra a nova perspectiva segundo a qual Aristóteles considera a experiência em relação ao conhecimento e à verdade:

Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais. Com efeito, não só para agir, mas até quando não nos propomos operar alguma coisa, preferimos, por assim dizer, a vista ao demais. A razão é que ela é, de todos os sentidos, o que melhor nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre.

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 211. v. 1. (Os pensadores).

Segundo Aristóteles, a experiência era um conhecimento rudimentar, pois referia-se apenas ao que era particular. Já a techné ou arte era mais universal, porque alcançava as causas dos seres e dos fenômenos. Por exemplo, saber que certo remédio curou Sócrates ou Platão era questão de experiência. Mas, saber que ele curaria todas as pessoas que sofressem de determinada doença era questão de arte. Além disso, a ciência estava acima da arte, pois não se subordinava à utilidade. Nesse contexto, a Ciência do Ser enquanto Ser destacava-se ainda mais, porque buscava as causas primeiras e universais da realidade.

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Ciência aristotélicaAristóteles valorizava o papel da experiência, pois dividia os conhecimentos

em alguns tipos, aos quais ela seria necessária, em diferentes graus: as ciências poiéticas ou produtivas (uma das traduções para techné), hoje conhecidas como

artes ou técnicas; as ciências práticas, ligadas à conduta individual e social, tais como: a Ética e a Política; as ciências teoréticas, responsáveis pelo conhecimento

racional, tais como: a Matemática, a Física e, principalmente, a Metafísica (ou Ciência do Ser enquanto Ser).

Para melhor compreender a realidade, a Física aristotélica observava e classificava os seres sensíveis por semelhanças e diferenças, o que também ocorreria, mais tarde, na ciência experimental moderna. Contudo, Aristóteles considerava a etapa intelectual, em que o pensamento buscaria a essência dos seres, como responsável pelo conhecimento

mais verdadeiro e mais importante. Por isso, ele iniciou, com a Metafísica, o estudo do “Ser enquanto Ser”, dividindo-o em seres físicos, matemáticos, humanos e o

ser divino. Nesse estudo, apesar das diferenças entre os seres, ele buscou seus aspectos universais. Tratando da substância, como sínolo,

afirmou que toda matéria correspondia à potência, isto é, à capacidade de assumir diferentes formas. Também

afirmou que a forma correspondia ao ato, ou seja, à realização – ou atualização – das diversas potencialidades materiais. Essa atualização dependeria de algumas causas para acontecer.

Para entender melhor a relação entre potência e ato, veja alguns exemplos: o adulto é a atualização da potência de uma criança, a mesa

atualiza um potencial da madeira e assim por diante. Logo, no pensamento aristotélico, o Ser era a substância ou essência; o não ser era uma possibilidade não realizada: a potência; e o devir era a atualização de um potencial.

CausasAristóteles previa uma ciência para cada substância distinta e a Metafísica para tratar da substância

em geral, nos aspectos universais. Caberia a ela demonstrar, por exemplo, que tudo possui quatro cau-sas. Vale lembrar que em grego a palavra causa significa, ao mesmo tempo, o que e como as coisas são, por que e para que elas existem. Veja, nos exemplos, as quatro causas da substância “mesa”:

causa material – o elemento que a constitui, ou seja, a madeira;

causa formal – a forma que ela apresenta, isto é, a de uma mesa;

causa eficiente (ou motora, ou motriz) – o que a gerou pelo movimento, no caso, o marceneiro;

causa final – a sua finalidade, a função de apoiar objetos.No contexto aristotélico, destacava-se uma causa final comum a todos os seres: Deus, o

primeiro motor imóvel, ou seja, o que colocaria as coisas em movimento, sem se mover. Ele não era visto como criador. Apenas atraía os seres com sua perfeição, em busca da qual eles seriam aperfeiçoados, atualizando potenciais, sob o impulso de causas eficientes.

Na Metafísica cristã, ao contrário do primeiro motor imóvel aristotélico, Deus aparece como criador. É móvel e causa eficiente, pois, na criação, move-se e move a substância.

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Ciência aristotéAristóteles valorizava o pape

em alguns tipos, aos quais ela sepoiéticas ou produtivas (uma das

artes ou técnicas; as ciências prátcomo: a Ética e a Política; as ciênc

racional, tais como: a Matemática, ado Ser enquanto Ser).

Para melhor compreender a realidaos seres sensíveis por semelhanças e dciência experimental moderna. Contudoque o pensamento buscaria a essência

mais verdadeiro e mais importante. do “Ser enquanto Ser”, dividindo

ser divino. Nesse estudoseus aspecto

afirmà

CANOVA, Antonio. Eros e Psyché. 1786-93. Altura: 155 cm. Museu do Louvre, Paris.

Do ponto de vista aristotélico, essa escultura seria uma atualização de potenciais do mármore. Poderia ser extraída de outros materiais com potência para serem esculpidos, mas não do ar, por exemplo, que não tem esse potencial. No entanto, a potência do bloco de mármore jamais seria atualizada sem a ação de causas, entre as quais, a ação do artista e a finalidade da obra

Teoria do

hilomorfismo e

a solução dos

problemas

@FIL735

Os modos de

ser segundo

Aristóteles

@FIL517

12 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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O texto a seguir revela a superioridade que Aristóteles conferia à Ciência do Ser enquanto Ser, ou das Causas Primeiras, isto é, à Metafísica. Afinal, dela viria o conhecimento mais profundo e verdadeiro: o dos princípios e das causas fundamentais para a existência de todas as coisas.

Categorias

Porém, a que ensina é a ciência que investiga as cau-sas, porque só os que dizem as causas de cada coisa é que ensinam. Ora, conhecer e saber por amor deles mesmos é próprio da ciência do sumamente conhecível. Com efei-to, quem procura o conhecer pelo conhecer escolherá, de preferência, a ciência que é mais ciência, e esta é a do sumamente conhecível; e sumamente conhecíveis são os princípios e as causas: é pois por eles e a partir deles que conhecemos as outras coisas, e não eles por meio des-

tas, que são subordinadas. A mais elevada das ciências, e superior a qualquer subordinada, é, portanto, aquela que conhece aquilo em vista do qual cada coisa se deve fazer. E isto é o bem em cada coisa e, de maneira geral, o ótimo no conjunto da natureza. Resulta portanto de todas estas considerações que é a esta mesma ciência que se aplica o nome que procuramos. Ela deve ser, com efeito, a [ciência] teorética dos primeiros princípios e das causas, porque o bem e o “porquê” são uma das causas.

ARISTÓTELES. Metafísica: São Paulo: Abril, 1973. p. 214. (Os pensadores).

1. Busque as quatro causas aristotélicas para as subs-tâncias:

a) jarro; b) livro; c) escultura; d) homem.

2. Liste características suas, como potências e como atos. Que causas eficientes poderiam atualizar as potências que você listou?

3. Considerando o conteúdo desta unidade, o texto da Leitura filosófica e seus conhecimentos sobre o pensamento aristotélico, debata sobre a concepção desse filósofo, segundo a qual “conhecer é conhecer as causas”. Registre sua conclusão por escrito.

Foi visto que Aristóteles chamava a essência ou sínolo de substância. Cabe ainda ressaltar que ele a dividia em duas:

substância primeira: os indivíduos;

substância segunda: as espécies e os gêneros a que pertencem os indivíduos.A espécie seria o conjunto de propriedades comuns

entre alguns indivíduos, e o gênero seria o conjunto de propriedades comuns entre algumas espécies. Ambos exis-

tiriam nos indivíduos como universais que o pensamento poderia conhecer. Aliás, segundo Aristóteles, não poderia haver ciência conhecendo-se apenas particulares (indiví-duos). Para conhecer realmente, era preciso recorrer aos universais (gênero e espécie), às causas – apresentadas anteriormente – e às categorias – que serão apresenta-das a seguir. Antes de conhecê-las, observe as seguintes ilustrações, as quais exemplificam a divisão da substância e a relação entre indivíduos, espécies e gêneros:

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Félix, Tom e Garfield são seres que pertencem à espécie dos gatos e, junto a outras espécies, incluem-se no gênero animal. Eles representam a substância primeira, enquanto sua espécie e seu gênero correspondem à substância segunda. Ao dirigir-se aos personagens – que são individuais –, por meio das semelhanças entre eles, o pensamento identifica sua espécie e seu gênero – que são universais

Ensino Médio | Modular 13

FILOSOFIA

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Segundo Aristóteles, as quatro causas agiriam na substância e nela é que a potência chegaria ao ato. Por isso, ela era tida como a primeira de dez categorias constituintes da realidade.

Entre as categorias aristotélicas, a substância era um sujeito, e as outras eram seus predicados. Assim, todas as diferenças entre as substâncias poderiam ser classificadas sob as mesmas categorias. Veja um exemplo:

substância: Sócrates (espécie: homem – gênero: animal);

qualidade: mortal;

quantidade: pequeno;

relação: menor que Platão;

lugar: esteve em Atenas;

tempo: viveu antes de Aristóteles;

posição: está sentado;

posse: tem uma túnica;

ação: praticava a maiêutica;

paixão: sofreu uma condenação.Os predicados da substância, representados pelas demais categorias, poderiam ser acidentais – variáveis

de acordo com as circunstâncias e causas – ou essenciais – determinantes para identificar o sujeito. Para a substância primeira (o indivíduo), eles poderiam ser acidentais, mas para a substância segunda (o gênero ou espécie), seriam sempre essenciais, pois, se mudassem, ela deixaria de ser o que era. Veja um exemplo:

Certo gato ainda seria um gato mesmo que perdesse as garras, não pudesse miar ou caçar. Portanto, essas características seriam acidentais para esse indivíduo – ou substância primeira.

Todavia, possuir garras, miar e caçar são diferenças que definem a espécie dos gatos em relação às demais. Portanto, seriam características essenciais para essa espécie – ou substância segunda.

Qualidade: não se trata

de virtude, mas de uma

característica específica do

sujeito, ou seja, da substância.

Não se trata da paixão

amorosa, e, sim, de um

contraponto para a ação: na ação, o sujeito

é ativo (ele faz algo) e, na

paixão, ele é passivo (sofre

uma ação).

1. Preencha os quadros a seguir com informações coerentes, considerando as categorias aristotélicas e aplicando--as ao personagem Tom, que aparece na imagem da página anterior:

SujeitoSubstância primeira

Substância segunda Espécie: Gênero:

Predicados

Qualidade

Quantidade

Relação

Lugar

Tempo

Posição

Posse

Ação

Paixão

A substância e os acidentes na

filosofia aristotélica

@FIL355

14 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Metafísica na Escolástica

Entendido como religião para todos, o cristianismo chegou à Filosofia, no final da Antiguidade, com o objetivo de converter os intelectuais de formação grega e, posteriormente, os de formação latina. Essa influência teria como desdobramento a abordagem medieval das relações entre a fé e a razão, entre as verdades bíblicas e as teorias filosóficas. Nesse contexto, surgiu a Metafísica cristã, cujos maiores temas eram Deus e a salvação da alma humana. Ela se desenvolveu nas duas fases do pensamento filosófico da Idade Média:

Patrística – dos séculos II ao VIII, período em que se destacou a obra de Agostinho, sob a influência platônica.

Escolástica – dos séculos IX ao XV, período em que se destacou a obra de Tomás de Aquino, sob a influência aristotélica.Na Patrística, a Metafísica cristã agregou elementos platônicos e neoplatônicos. Na Escolástica,

o aristotelismo foi mais presente. Um exemplo são as cinco vias que Tomás de Aquino utilizou para provar racionalmente a existência de Deus – quatro recorriam à Metafísica aristotélica:

– o movimento do universo deveria ter uma causa – isso levava ao primeiro motor;

– todas as coisas seriam causas ou efeitos – isso levava a uma causa primeira;

– o que era contingente (possível de existir ou deixar de existir) precisava de uma causa não contingente – essa causa seria Deus, perfeição e ato puro, ao contrário das criaturas que teriam potências a atualizar;

– se havia bondade, havia um “Bem em si” que lhe servia de parâmetro – conforme o platonismo;

– a regularidade das coisas não era casual: havia uma ordem do Universo, a qual revelava uma finalidade. Portanto, Deus seria o primeiro motor, a causa primeira, a perfeição e a causa final de todas as coisas.Por outro lado, a Escolástica investigou as relações entre a realidade e a linguagem, tema ligado

à noção aristotélica de substância. Nesse contexto, destacou-se uma famosa disputa filosófica re-lacionada aos universais – espécie e gênero. Ela ficou conhecida como Querela dos Universais, e Tomás de Aquino deixou também a sua contribuição nesse contexto.

Querela dos universais Questões políticas limitaram o acesso às obras gregas entre o final da Antiguidade e boa parte

da Idade Média. Assim, até o século XIII – quando os textos de Aristóteles, traduzidos pelos árabes, espalharam-se pela Europa – os pensadores da Escolástica estudaram o pensamento aristotélico principalmente por meio das obras de dois autores: Porfírio e Boécio. Nesse contexto, houve grande interesse pela Gramática e pela Dialética, termo pelo qual ficou conhecida a Lógica aristotélica.

Assim, inúmeros pensadores dedicaram-se a refletir sobre as relações entre o mundo das coisas (res) e o da linguagem – ou seja, das palavras (vocis). Surgiu então uma longa disputa em torno dos universais gênero e espécie. O objetivo era responder a alguns questionamentos de Porfírio, que podem ser resu-midos na seguinte pergunta: Os universais teriam existência própria ou seriam apenas nomes?

2. Cite três predicados essenciais e três predicados acidentais para o sujeito Sócrates:

Predicados

essenciais

Predicados

acidentais

Lógica aristotélica:

estudo da estrutura dos

raciocínios válidos, iniciada por Aristóteles,

como instrumento

para a Filosofia e as ciências.

Características

gerais da

Escolástica

@FIL422

Ensino Médio | Modular 15

FILOSOFIA

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As respostas foram muitas e diferentes entre si. A seguir, você conhecerá as principais. Vale lembrar que, entre elas, destacam-se as de Pedro Abelardo, no século XII, e Guilherme de Ockham, no século XIV, pois elas deram origem a importantes questões de linguagem que seriam retomadas, com grande interesse, no século XX, como se verá, adiante, nos estudos sobre Lógica.

Resposta nominalista – Roscelin de Compiègne, século XIISó existiam coisas singulares. Os universais não passavam de nomes, palavras vazias que nada

indicavam na realidade (flactus vocis). Resposta realista – Guilherme de Champeaux, século XII

Os universais existiam como coisas: os indivíduos de uma espécie eram uma só res, diferindo por acidentes. Por exemplo: Platão e Aristóteles eram acidentes da res homem.

Resposta conceitualista – Pedro Abelardo, século XIIExistiam os sínolos, e os universais eram seus predicados; eram conceitos (sermones), ou seja,

palavras que significavam algo, nomeando semelhanças entre coisas. Por exemplo: o universal homem nomeava semelhanças entre as essências Platão e Aristóteles.

Além disso, os conceitos poderiam subsistir no intelecto, mesmo que as coisas perecessem. Por exemplo: o universal rosa ainda teria um significado na mente, mesmo que todas as rosas deixassem de existir no mundo das coisas.

KAUFFMAN, Angelica. O adeus de Abelardo e Heloísa. 1780. 1 óleo sobre tela, color., 65,6 cm x 65,5 cm. Museu Hermitage, São Petersburgo.

Abelardo imortalizou-se por sua obra filosófica e pelo conturbado romance com a jovem Heloísa, descrito em sua obra História das minhas calamidades

O texto a seguir foi publicado, há alguns anos, por um jornal brasileiro. Ele apresenta uma descoberta científica, utilizando-se de comparações com a querela dos universais, para refletir sobre os seus efeitos. Leia-o com atenção:

Resposta tomista – Tomás de Aquino, século XIIIOs universais existiam antes das coisas (ante rem), como

ideias no intelecto divino, nas coisas (in re), como essências, e fora das coisas (post rem), como conceitos no intelecto humano.

Resposta terminista – Guilherme de Ockham, século XIVOs universais eram conceitos, ou seja, termos com reali-

dade lógica (no pensamento) e não com realidade ontológica (nas coisas). Eles surgiam nas proposições lógicas, ou seja, em frases que afirmavam ou negavam um predicado de um sujeito, expressando o conhecimento da realidade. Por exemplo: “Todo homem é mortal”.

Portanto, o seu uso era linguístico e, como tal, variável. Por exemplo, o universal homem poderia substituir:

um indivíduo, como na proposição “Aquele homem é um filósofo”;

sua espécie, como na proposição “O homem é um animal racional”;

e até mesmo a palavra que os designa, como na proposição “Homem é um substantivo”.

16 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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O tiranossauro está ameaçado. Ossos descobertos há duas semanas num rancho em Dakota do Sul (EUA) apa-rentemente completam uma coleção encontrada no final do século 19, que havia sido batizada de Manospondylus gigas. Os novos achados indicam que o Manospondylus é, na verdade, um tiranossauro, provavelmente o mais famoso dos dinossauros. As regras da paleontologia são claras: prevalece o nome mais antigo. O temível Tyrannosaurus rex, que recebera essa denominação em 1902, deve desa-parecer para dar lugar ao insosso Manospondylus gigas, cujos primeiros restos foram desenterrados em 1892. [...]

Para além do paradoxo de extinguir animais extintos, trata-se aqui de uma questão que já foi de certa forma an-tecipada por filósofos na célebre querela dos universais. A contenda existe em germe desde que a filosofia é filosofia, desde Platão e Aristóteles, mas ocupou especialmente os pensadores medievais. Sócrates e Pedro, por exemplo, são indivíduos, particulares, que têm existência concreta. Am-bos têm um atributo que lhes é essencial: são homens, um universal. A questão é: homem, ou melhor, a “hominidade”, existe? De maneira esquemática, para Platão, a “hominida-de” tem existência concreta no mundo das ideias. Aristóteles também atesta a sua realidade, mas nos indivíduos. Se des-

truíssemos todos os intelectos que pensam a “hominidade”, ela ainda assim subsistiria em cada homem singular.

A posição que mais se aproxima do senso comum de hoje foi postulada por filósofos como Abelardo (1079- -1142) e Guilherme de Ockham (c.1285-1347/49). “Grosso modo”, a “hominidade” existe apenas como conceito em nossos intelectos. Na versão mais radical de Ockham, co-nhecida como nominalismo, as ideias gerais não existem; são apenas nomes, ruídos, que aplicamos a coisas reais para designar semelhanças.

A questão é colocada de modo quase poético no proble-ma do nome da rosa. Para Abelardo, o nome da rosa, mesmo que não houvesse mais rosas, significaria alguma coisa em nossas mentes, ou a própria proposição “não existem rosas” deixaria de fazer sentido. [...]

A questão é: a “tiranossauridade” permanecerá com a possível troca de nome ou terá de ser substituída, com evidentes perdas, pela “manospondyluidade”? Por mim, fico com a interpretação dos chineses, que, muito antes dos paleontólogos, já desenterravam esses enormes ossos e deles faziam chás que curam qualquer moléstia. Eram ossos de dragão.

PaleontólogoO paleontólogo estuda os vestígios

fósseis de vida. Esse profissional atua em escavações ou em laboratórios, realizando pesquisas de forma a recompor a vida de espécies em outros tempos. O paleontólogo também é capaz de determinar, por exemplo, as variações climáticas e ambientais, que interferiram na forma de vida em algum período da Terra.

O paleontólogo pode fazer um curso de graduação em Geologia ou Biologia e se especializar na área da Paleon-tologia. Além do trabalho em museus, esse profissional pode atuar junto a universidades, nos setores de ensino e pesquisa, além de empresas públicas e privadas, na análise de recursos minerais.

SCHWARTSMAN, Hélio. Tiranossauros e o nome da rosa. Folha Online, 22 jun. 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/schwartsman_20000622.htm>. Acesso em: 30 abr. 2009.

1. Com base no texto, debata as seguintes questões sobre as relações da linguagem com a realidade:a) Quais as possíveis consequências da falta de rigor e do rigor excessivo no uso da linguagem?b) Questões de linguagem podem ter implicações morais e religiosas?c) A função da linguagem é nomear as coisas?d) A linguagem pode estabelecer realidades?

2. Registre suas conclusões por escrito, justificando-as com exemplos e argumentos.

Tiranossauros e o nome da rosa

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FILOSOFIA

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Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)18

Metafísica na Modernidade e na atualidade

3

No século XVII, a Filosofia já havia adquirido maior independência em relação à Igreja e à religião. Além disso, as ciências experimentais atingiam um desenvolvimento notável. Nesse contexto, a possibilidade do conhecimento verdadeiro tornou-se a maior questão da Metafísica, que estudava três tipos de substância:

substância infinita – Deus, a causa das demais substâncias;

substância pensante – alma ou intelecto, a causa dos pensamentos e das ações humanos;

substância extensa – corpo ou natureza, a causa dos corpos existentes.

Nesse contexto, o termo causa passou a significar apenas a ação ou finalidade que gera um efeito – ou seja, manteve os significados aristotélicos de causa eficiente e de causa final.

Despertar de um sono dogmático

No século XVII, René Descartes apresentou contribuições relevantes para a Matemática e, portanto, para a ciência moderna. Mas ele também foi um dos maiores representantes da Metafísica ou Ontologia moderna. Marcas essenciais do seu pensamento – tais como: a dúvida metódica, o questionamento das impressões dos sentidos e a busca de certezas estritamente racionais – contribuíram muito para mudar a questão central da Metafísica. Após as reflexões cartesianas, a grande questão a intrigar os filósofos deixou de ser “o que as coisas são?”, para tornar-se “o que é possível conhecer?”. Ainda assim, permanecia firme a crença na possibilidade do acesso da razão a uma “realidade em si”: para que ela atingisse tal objetivo, bastaria seguir um método adequado em sua busca pelo conhecimento, inspirando-se na Matemática.

No século XVIII, porém, Hume abalaria definitivamente essa crença. Até então, a causalidade estivera no núcleo da Metafísica. Afinal, acreditava-se que, por meio de suas causas, a realidade poderia ser conhecida e explicada. Então, Hume afirmou que a Metafísica não passava de um palavrório fantástico sobre ideias que não correspondiam a objetos da experiência – tais como substância, essências e outras. Ele também negou as relações de causalidade entre os fenômenos percebidos, dizendo que eles apenas se sucediam no tempo. Sendo assim, o hábito de identificá-los numa sequência é que gerava a crença errônea de que eles formavam uma cadeia de causas e efeitos.

Do ponto de vista de Hume, os seres e fatos eram contingentes, o que impossibilitava a pretensão da Metafísica ao conhecimento verdadeiro. Com essas teses polêmicas e inovadoras, ele influenciou profundamente as reflexões de outro pensador do século XVIII sobre a possibilidade da Metafísica – e, portanto, do conhecimento verdadeiro. Esse pensador era Kant, o qual chegou a afirmar que Hume o despertou de um “sono dogmático”: a crença no acesso do intelecto à realidade tal como ela é.

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FILOSOFIA

Reflexões kantianas Immanuel Kant mudou radicalmente a perspectiva da análise filosófica da realidade. Seu procedimento,

conhecido como Revolução Copernicana por mudar o centro dessa análise, foi refletir primeiro sobre o alcance e os limites da razão e da experiência: antes de definir a realidade, ele julgou necessário avaliar o modo humano de conhecê-la. Essa reflexão, chamada de crítica, equivalia a um julgamento dos limites e das possibilidades da razão humana. Ao realizá-la, Kant concluiu que os dados recebidos da experiência eram “moldados” no ato de conhecê-los. Assim, dividiu a realidade em dois aspectos:

nôumeno ou “coisa em si”; fenômeno ou “coisa como se apresenta para o sujeito” – isto é, organizada pelas formas do co-

nhecimento.

A pretensão da Metafísica, até então, era estudar o nôumeno – representado pelos conceitos de Deus, alma e mundo (ou natureza), por exemplo. Mas Kant demonstrou que só os fenômenos eram acessíveis, pois todo conhecimento dependeria da estrutura universal da razão humana, que ele chamava de sujeito trans-cendental. Vale ressaltar que o sujeito transcendental não era o indivíduo que conhece, mas a forma universal humana de conhecer. Essa estrutura universal era constituída pelas formas puras da sensibilidade e do entendimento. Elas determinariam as percepções sensíveis e os conceitos dos objetos, tornando-os, assim, objetos de conhecimento. Por isso, é comum a seguinte forma de definir a realidade segundo o pensamento kantiano: “A realidade é posta pelo sujeito transcendental”.

Kant afirmava que as formas puras da sensibilidade eram o espaço e o tempo, segundo os quais todos os objetos seriam percebidos. Isso significa que os objetos são percebidos de acordo com propriedades espaciais e temporais, tais como: as dimensões ou as cores, e a simultaneidade ou a sucessão.

Já as formas puras do entendimento formavam quatro grupos de categorias, sob as quais a razão organizaria os dados obtidos, espacial e temporalmente, pela experiência. Dessa maneira, as percepções poderiam resultar no conhecimento. As categorias kantianas eram as seguintes:

Quantidade Qualidade Relação Modalidade

Unidade Essência Substância Possibilidade

Pluralidade Negação Causalidade Existência

Totalidade Limitação Ação recíproca Necessidade

Logo, do ponto de vista kantiano, ao tomar “gato” ou “homem” como objetos de conhecimento, a razão não alcançaria o “gato em si” ou o “homem em si”. Ela alcançaria diferentes combinações de quantidades, qualidades, formas de se relacionar, características possíveis ou neces-sárias. Afinal, esses e outros objetos de conhecimento seriam percebidos e “organizados” sempre de acordo com aquelas categorias ou estruturas da capacidade de conhecer.

Para Kant, a causalidade

era uma categoria de relação. Não

era um hábito associativo,

como pensava Hume, e,

sim, uma das estruturas da

capacidade humana de

conhecer, tal como a

substância.MAGRITTE, René. A condição humana. 1934. 1 óleo sobre tela, color., 25,5 cm x 20 cm. Coleção particular.

Para Kant, a estrutura da razão humana só permite o acesso aos fenômenos e não ao nôumeno ou “coisa em si”. Segundo ele, essa

estrutura da razão – chamada de sujeito transcendental – seria formada pelas formas puras da sensibilidade e do entendimento,

segundo as quais os fenômenos seriam percebidos e pensados

Distinção

entre

nôumeno e

fenômeno

@FIL393

Crítica

kantiana à

dualidade

entre

empirismo e

racionalismo

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A seguir, você conhecerá um texto de Kant, no qual o filósofo reflete sobre os limites e as possibilidades da razão humana:

Este domínio, porém, é uma ilha fechada pela natureza mesma dentro de limites imutáveis. É a terra da verdade (um nome sedutor) circundada por um vasto e tempestuoso oceano, que é a verdadeira sede da ilusão, onde um nevoeiro espesso e muito gelo, em ponto de liquefazer-se dão a ilusão de novas terras e, enquanto enganam com vãs esperanças o navegador errante à procura de novas descobertas, envolvem-no em aventuras, das quais não poderá jamais desistir e tampouco levá-las a termo. Entretanto, antes de arriscarmo-nos a esse mar para explorá-lo em toda a sua amplidão, e de assegurarmo-nos se se pode esperar encontrar aí alguma coisa, será útil lançar ainda antes um olhar sobre o mapa da terra que precisamente queremos deixar, para perguntar, primeiro, se não poderíamos porventura contentar-nos com o que ela contém, ou também se não teríamos que contentar-nos com isso por necessidade, no caso em que em parte alguma fosse encontrado um terreno sobre o qual pudéssemos edificar; segundo, sob que título possuímos essa terra e podemos considerar-nos assegurados contra todas as pretensões hostis.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 202. (Os pensadores).

1. Considerando o texto da seção Leitura filosófica, responda:

a) O que Kant procurou representar nesse texto utilizando as metáforas da ilha e da terra?

b) De que maneira os conceitos kantianos de nôumeno, fenômeno, formas puras da sensibilidade e do enten-dimento confrontavam-se com as teorias da Metafísica antiga e medieval?

2. Na Modernidade, Descartes colocou em dúvida todo o conhecimento que obtivera pelos sentidos e pela tradição. Hume ousou reduzir o princípio de causalidade, considerado incontestável, à noção de hábito. Kant levou a razão a um “tribunal”, para julgar seus limites e possibilidades, concluindo que ela não tem acesso à “realidade em si”. Reflita sobre essas atitudes críticas e produza um texto sobre as consequências de pôr a certeza do conhecimento em xeque.

Possibilidade da Metafísica como ciênciaÉ importante destacar o fato de que, segundo o pensamento kantiano, as formas puras do enten-

dimento permitiriam pensar e descrever os fenômenos em forma de juízos, isto é, de proposições que afirmassem ou negassem um predicado de um sujeito. Além disso, Kant lembrava que as ciências se dirigiam à realidade, formulando problemas e soluções em forma de juízos. De acordo com esse filósofo, os juízos poderiam ser de quatro tipos:

Juízos analíticos: aqueles que explicitam os predicados implícitos num sujeito. Por exemplo: O círculo é redondo.

Juízos sintéticos: aqueles que acrescentam um predicado a um sujeito. Por exemplo: Sócrates é alto.

Juízos a priori ou apriorísticos: puros, ou seja, anteriores à experiência.

Juízos a posteriori ou empíricos: dependentes da experiência.

20 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Kant demonstrava que os juízos analíticos eram apriorísticos, por afirmarem um predicado que já estava contido no sujeito. Portanto, mesmo sendo universais e verdadeiros, eles não produziam conhecimento. Por outro lado, os juízos sintéticos eram empíricos, ou seja, com base na experiência, acrescentavam um predicado a um sujeito. Apesar disso, uma vez que dependiam da experiência, a qual por sua vez é contingente, esse juízos não eram universais e nem garantiam um conhecimento seguro.

Contudo, somente juízos sintéticos apriorísticos (ou seja, capazes de acrescentar aos sujeitos predicados anteriores à experiência) possibilitariam a Metafísica e, portanto, um conhecimento seguro sobre o que é universal. Kant demonstrou que tais juízos existiam, mas que eles só podiam exprimir o modo de o sujeito transcendental se relacionar com a realidade, ou seja, segundo as formas puras da sensibilidade e as categorias do entendimento. Por exemplo: Todo efeito tem sua causa. Afinal, antes da experiência, a razão não tinha nada para conhecer, senão a sua própria estrutura (as formas puras da sensibilidade e as categorias do entendimento).

Essa descoberta o levou à conclusão de que a Metafísica como ciência capaz de atingir as essências dos objetos empíricos – ou seja, os nôumenos, – era impossível. Segundo ele, a Metafísica só poderia investigar a própria razão. Portanto, ela deveria atuar como uma Teoria do Conhecimento, ou seja, como busca de conhecimento sobre o modo de conhecer. Além disso, Kant aproximou a Metafísica da Ética, como será visto a seguir.

Segundo Kant, além da dimensão teórica, a razão possuiria também uma dimensão prática, ligada à ação moral. Logo, Kant considerou a moralidade um objeto possível para a Metafísica. Afinal, considerava que as leis morais eram universais e estabelecidas a priori pela razão. Com isso, ele queria dizer que todo ser racional – e só ele – possuía a capacidade de estabelecer leis para si mesmo e escolher segui-las, ainda que elas entrassem em conflito com as suas necessidades e os seus desejos individuais. Segundo Kant, essa capacidade era anterior a qualquer experiência vivida pelo ser racional e permitia um modo de agir que ele designava como “ação livre por dever”. Esse tipo de ação respeitaria uma lei incontestável, que recebeu o nome de Imperativo Categórico: agir de modo que seu ato pudesse ser universalizado, tomando a humanidade como fim e não como meio. Isso impediria o ser racional de agir segundo interesses próprios, tratando os demais como não gostaria de ser tratado. Afinal, ele deveria reconhecer e respeitar a humani-dade, tanto em si mesmo, quanto no outro. Kant designou esse estudo da essência a priori e universal da ação moral humana como Metafísica dos Costumes.

1. Com base em seus conhecimentos sobre o pensamento kantiano, procure explicar as razões pelas quais:

a) Kant viu-se obrigado a reduzir a Metafísica a uma Teoria do Conhecimento;

b) Kant aproximou a Metafísica da Ética, apontando a ação moral como um tema possível para a primeira.

2. Você concorda quando Kant afirma que não se atinge a essência da realidade pelo conhecimento? E quando ele afirma a possibilidade de atingir a essência da ação moral? Justifique.

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FILOSOFIA

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Novos horizontes

Marcada pela Metafísica, até o século XVIII, a Filosofia era vista como investigação das essências e causas da rea-lidade, em contraposição às ciências experimentais que se expandiam. Então, a crítica kantiana mudou essa ênfase, aproximando a Metafísica da Teoria do Conhecimento e da Ética. Já no século XIX, o Positivismo de Auguste Comte defendeu a superioridade da ciência experimental, produtora de um conhecimento especializado sobre objetos específicos. Assim, reduziu a Filosofia à Epistemologia, ou seja, à avalia-ção dos métodos e procedimentos científicos.

Depois disso, alguns pensadores idealistas ainda conti-nuaram em busca de explicações universais para a realida-de e a História – entre eles, destacava-se Hegel, tal como será visto em outro momento. Porém, no final desse mesmo século, destacou-se o pensamento de Nietzsche, contrário a qualquer expressão metafísica, sobre o qual serão desta-cados alguns aspectos.

Reflexões de Nietzsche

A obra de Kant foi considerada um marco na passagem à Metafísica moderna, e a de Nietzsche, ao pensamento con-temporâneo. Esse polêmico pensador pretendia destruir o que chamava de “ídolos” ou ilusões: a Metafísica, a religião e a moral. Combatia a Metafísica porque ela promovia a crença numa realidade além da que se percebe e justificava a moral pela busca dessa verdade, a qual ele julgava inatingível. Nes-ses dois aspectos, Nietzsche discordava de Kant, pois negava a existência do nôumeno e a possibilidade de uma moral absoluta. Discordava também de Platão e de outros que, assim como ele, acreditaram na possibilidade do acesso humano à “realidade em si”, por meio de atitudes morais e intelectuais.

Ele se considerava extemporâneo, ou seja, um pensador fora do seu tempo, representante de uma nova mentalidade. Escreveu suas obras em linguagem poética e aforística, ou seja, enigmática, metafórica. Nela, propôs a inversão dos valores fundamentados na moral cristã, procedimento designado como transvaloração. Ao contrário da espera pela vida além, Nietzsche defendia a fidelidade do homem à terra, ou seja, à vida como ela se apresentava, sem recorrer ao consolo de um “mundo metafísico”. Para ele, o mundo platônico das ideias, onde tudo seria perfeito e imutável, não passava de ilusão e fuga, assim como a realidade suprarracional do nôumeno e o mundo eterno pós-morte dos cristãos que, desejando alcançá-lo, praticavam uma moral de renúncia ao instinto, à força, à natureza.

Ele entendia a Metafísica como um engano do conheci-mento que gerou um engano moral, ou seja, uma percepção de mundo equivocada – a negação e fuga do devir – que resultou em atitudes contrárias à vida. Por isso, desejava destruir “ídolos” e abrir caminhos para uma nova moral, a do “além do homem”: um ser capaz de dizer sim à vida, mesmo nos aspectos mais trágicos e dolorosos. Ele chamou de amor fati essa alegre aceitação da vida e, em contraposição, deu o nome de niilismo, ou vontade de nada, à tentativa de aban-donar a dor, fugindo e negando a tragicidade da existência.

Inspirando-se em Heráclito, entendeu o eterno devir como um jogo inocente, que se repete sem o objetivo de progredir ou atingir uma finalidade qualquer. Considerou o movimento e a tragicidade como aspectos necessários à existência, em que a vontade de poder (ou vontade de potência) sempre se manifestaria, apesar da dor e aniquilamento dos indivíduos. Essas ideias fazem parte do conceito de eterno-retorno, que ele defendia enquanto criticava:

o otimismo socrático-platônico, em relação ao conheci-mento ideal;

a moral cristã, em defesa dos fracos e voltada a uma outra vida;

o budismo, que reconhecia o sofrimento como condição da existência, mas procurava refúgio no nada;

o positivismo e o idealismo (ou historicismo) que acredi-tavam no progresso da História;

o socialismo, que buscava uma nova ordem, sem dife-renças, em favor dos mais fracos.Nietzsche acusava-os de decadência (décadence) e

de transformação do mundo em fábula, concedendo ao “além do homem” a tarefa de aceitar a realidade sem vingar-se dela, com uma atitude de ressentimento, e sem fantasmagorias (ilusões), como a Metafísica, a moral e a religião. Para entregar-se à vida, ele deveria recorrer à Arte, especialmente à arte trágica, na qual se revelaria a tensão entre os elementos apolíneo e dionisíaco da existência, ou seja, a busca da ordem e a presença do caos. Nessa experiência, o “além do homem” aprenderia a suportar o “nojo e o susto causados pelo absurdo da existência” e, assim, poderia seguir de forma lúcida e voluntária o destino que os outros fingiriam poder superar. Logo, se Kant levou a Metafísica a ser absorvida pela Teoria do Conhecimento e pela Ética, Nietzsche desejava que ela fosse absorvida pela Arte. É o que será visto na Leitura filosófica, por meio de um texto em que o filósofo resume sua visão sobre verdade e aparência.

22 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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“Vão me ficar agradecidos, se eu condensar uma tão essencial, tão nova perspectiva em quatro teses: com isso facilito o entendimento, com isso promovo a contradição.”

Primeira proposição. Os fundamentos, em vista dos quais “este” mundo foi designado como aparente, fundam, em vez disso, sua realidade – outra espécie de realidade é absolutamente indemonstrável.Segunda proposição. Os signos característicos que se deram ao “verdadeiro ser” das coisas são os signos caracte-rísticos do não ser, do nada – edificou-se o “verdadeiro mundo” a partir da contradição com o mundo efetivo: um mundo aparente de fato, na medida em que é uma ilusão de ótica e de ética.Terceira proposição. Fabular sobre um “outro” mundo, que não este, não tem nenhum sentido, pressupondo que um instinto de calúnia, apequenamento, suspeição contra a vida não tenha potência entre nós: nesse último caso vingamo-nos da vida com a fantasmagoria de uma “outra” vida, de uma vida “melhor”.Quarta proposição. Dividir o mundo em um “verdadeiro” e um “aparente”, seja ao modo do cristianismo, seja ao modo de Kant (de um cristão capcioso, em última instância), é somente uma sugestão da décadence – uma sintonia de vida declinante... Que o artista estime a aparência mais alto do que a realidade, não é uma objeção contra esta proposição. Pois “a aparência” significa aqui a realidade mais uma vez, só que selecionada, fortalecida, corrigida... O artista trágico não é um pessimista – diz precisamente sim, até mesmo, a todo problemático e terrível, é dionisíaco...

NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos: ou como filosofar com o martelo. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 376. (Os pensadores).

Capsioso: ardiloso, astucioso.

1. Comente as concepções morais de Kant e Nietzsche, decorrentes de suas reflexões sobre a Metafísica: o Imperativo Categórico, moral absoluta, com base na noção essencial de dever, e a transvaloração, ou seja, a moral aristocrática dos nobres e fortes (do “além do homem”).

2. Com base no texto da seção Leitura filosófica, apresente uma síntese da crítica nietzscheana à Metafísica.

3. Considere a citação de Nietzsche, junto ao quadro de Münch, para debater sobre as consequências epistemo-lógicas e éticas de compreender a realidade como jogo, cuja verdade não é única ou definitiva.

MÜNCH, Edvard. Retrato de Nietzsche. 1906. 1 óleo sobre tela, color., 200 cm x 130 cm. Museu Münch, Oslo.

Ora, aqui é preciso, com um lance audacioso, alçar-nos a uma metafísica da arte, repetindo minha proposição anterior de que somente como um fenômeno estético a existência e o mundo aparecem como legitimados: sentido este em que precisamente o mito trágico tem de convencer-nos de que mesmo o feio e o desarmonioso são um jogo artístico que a vontade, na eterna plenitude de seu prazer, joga consigo mesma. NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia no espírito da música. São Paulo: Nova Cultural, 2005. p. 43. (Os pensadores).

Nietzsche, que pretendia levar a vida como se ela fosse uma obra de arte, foi imortalizado nesse quadro do pintor Edvard Münch

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FILOSOFIA

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Ontologia contemporânea

No século XX, muitos filósofos julgaram a Metafísica superada pela ciência moderna, mas outros destacaram a permanência de pressupostos metafísicos no método científico e a importância desse campo de reflexão. É o que se pode observar no texto a seguir, escrito por Bertrand Russell, filósofo contemporâneo, dedicado ao estudo da Matemática e da Filosofia, em especial, da Lógica.

Na tentativa de encontrar substitutos linguísticos ao que eles chamavam injuriosamante de “metafísica”, os filósofos científicos tropeçaram muitas vezes nas suas próprias dificul-dades metafísicas. Isto, de certo modo, não surpreende porque, embora pudessem rejeitar com alguma justiça as especulações metafísicas dos filósofos, mostravam-se propensos a esquecer que a própria investigação científica se realiza com base em certas pressuposições. Pelo menos nisto, Kant parece ter tido razão. Assim, para dar um exemplo, a noção geral de causalidade é pré-requisito para o trabalho científico. Não é o resultado da pesquisa, mas sim uma pressuposição, ainda que apenas tácita, sem a qual a pesquisa não poderia avançar. Vistas sob esta ótica, as novidades filosóficas que têm aparecido ultimamente nos escritos dos cientistas não são tão inspiradoras como parecem a princípio.

RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 464.

Reflexões de Husserl

O alemão Edmund Husserl foi um dos pensadores contemporâneos que defendeu a importância das reflexões metafísicas, ou ontológicas. Ele não aceitava que a Filosofia fosse subordinada aos métodos das ciências exatas, como muitos desejaram, entre os séculos XIX e XX. Dedicado ao estudo do conhecimento e da consciência, ele fundou a Fenomenologia.

Vale lembrar que, antes de Kant, a Metafísica via a consciência ou intelecto como a substância pensante. Depois dele, porém, a Psicologia avançou como ciência voltada ao estudo desse tema e reduziu a consciência a um conjunto de fatos observáveis e testáveis. Por exemplo: as sensações e percepções, as lembranças e os pensamentos. Discordando desse caminho, Husserl preferiu realizar uma nova crítica do conhecimento. Assim, retomou as noções kantianas de sujeito transcendental e fenômeno para refletir sobre a consciência, definindo-a como a atividade universal e intencional de constituir significados para a realidade. Para designar essa realidade, ele utilizava termos,

como fenômenos, essências ou eidos (do grego, ideia).O ponto de partida das reflexões filosóficas de Husserl foi o procedimento de colocar entre

parênteses as verdades científicas e filosóficas, bem como a atitude natural representada pelas crenças irrefletidas do cotidiano. Esse procedimento foi designado pelo termo grego epoché. Depois de realizá-lo, Husserl percebeu que, para constituir o conhecimento, restava apenas a consciência: atividade e estrutura universal, caracterizada pela intencionalidade.

Dizer que a consciência é intencional equivale à afirmação de que ela é sempre consciência de algo, tomada, sob perspectivas diferentes, de acordo com as circunstâncias, de uma das

diversas regiões do ser. Tais regiões seriam a natureza, a sociedade, a moral, a religião, a lógica, a matemática, entre outras que oferecem objetos para serem percebidos e pensados.

Ao analisar o conhecimento e suas possibilidades, Husserl não recorreu ao nôumeno ou à substância, pois reconhecia que um dado objeto não seria o mesmo para a consciência

quando lembrado, imaginado, visto de perto ou longe, com medo ou desejo, isolado ou em um contexto. Ele chamou a consciência intencional de noésis e de noema, aquilo de que se tem consciência – ou seja, os fenômenos. Assim, estabeleceu a Fenomenologia como investigação

Edmund Husserl

Distinção entre

percepção e

apercepção

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24 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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rigorosa dos modos típicos segundo os quais os noemas se apresentam à noésis. O obje-tivo dessa nova área da Filosofia era descre-ver os noemas (ou fenômenos, ou essências, ou eidos) presentes nas diversas regiões do ser, ou seja, os entes naturais, sociais, lógicos, matemáticos, etc. Portanto, Husserl não retomou a Metafísica do “Ser enquanto Ser”, mas propôs “ontologias regionais”, ou seja, o estudo do ser diferenciado em noemas presentes à consciência intencional (ou noésis).

MIRÓ, Joan. Pintura. 1926. 1 óleo sobre tela, color., 22 cm x 16 cm. Coleção particular.

O que você percebe ao observar essa imagem? Como você a interpreta, que significados atribui a ela? O que determina essa forma de compreendê-la? Essas e outras questões, ligadas à percepção, interessaram à Fenomenologia, inaugurada por Husserl, no início do século XX, área de estudos que obteve grande influência sobre a Filosofia e sobre a Psicologia, apresentando o conceito de consciência intencional

Mpa

No texto a seguir, Husserl defende a especificidade da Filosofia em relação à ciência, no que diz respeito aos objetos e métodos de reflexão:

Em lições anteriores, distingui a ciência natural e a ciência filosófica; a primeira promana da atitude espiritual natural, e a segunda, da atitude espiritual filosófica.

A atitude espiritual natural não se preocupa ainda com a crítica do conhecimento. [...]Tornou-se quase um lugar comum, na filosofia contemporânea, na medida em que pretende ser uma ciência rigorosa,

afirmar que só pode haver um método cognoscitivo comum a todas as ciências e, portanto, também à filosofia. Esta convic-ção corresponde perfeitamente às grandes tradições da filosofia do séc. XVII, a qual também defendeu que a salvação da filosofia depende de ela tomar como modelo metódico as ciências exatas e, acima de tudo, a matemática e a ciência natural matemática. À equiparação metódica está também ligada a equiparação de objeto da filosofia com as outras ciências; e, hoje, deve ainda designar-se como predominante a opinião de que a filosofia – e, mais concretamente a doutrina suprema do ser e da ciência – pode estar não só relacionada com todas as restantes ciências, mas também fundada nos seus resultados, da mesma maneira que as ciências se baseiam umas nas outras e os resultados de umas podem atuar como premissas das outras. Lembro assim as fundamentações arbitrárias da teoria do conhecimento mediante a psicologia do conhecimento e a biologia. Nos nossos dias, aumentam as reações contra esses preconceitos funestos. São, efetivamente, preconceitos.

Na esfera natural da investigação, uma ciência pode, sem mais, edificar-se sobre outra e uma pode servir à outra de modelo metódico, se bem que só em certa medida, determinada e definida pela natureza do respectivo campo de investigação. A filosofia, porém, encontra-se numa dimensão completamente nova. Precisa de pontos de partida inteiramente novos e de um método totalmente novo, que a distingue por princípio de toda ciência natural.

“[...] É, pois, claro que de nenhum modo se pode dizer que a filosofia (a qual, no entanto, começa com a crítica do conhecimento e radica com tudo o mais que ela é na crítica do conhecimento) tem de orientar-se metodicamente (ou até quanto ao seu objeto!) pelas ciências exatas [...].”

HUSSERL, Edmund. A ideia da Fenomenologia. Lisboa: Edições 70. p. 39, 46-47, 49.

Atitude espiritual: atitude intelectual, disposição da consciência para conhecer.

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FILOSOFIA

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1. Cite aspectos que aproximam e diferenciam as críticas do conhecimento empreendidas por Husserl e Kant.

2. Considere esta citação de Heidegger – que, no início da sua trajetória filosófica, foi discípulo de Husserl:

Somente se a ciência existe graças à metafísica, ela é capaz de conquistar sempre novamente sua tarefa essencial que não consiste primeiramente em recolher e ordenar conhecimentos, mas na desco-berta de todo o espaço da verdade, da natureza e da história cuja realização sempre deve se renovar.

HEIDEGGER, Martin. O que é Metafísica? São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 62.

Reflita sobre a citação de Heidegger; a crítica de Husserl à imposição do método das ciências exatas à Filosofia; a crítica de Russell à atitude científica de negar os pressupostos da Metafísica, mesmo necessitando de vários deles. Com base nessa reflexão:

a) Debata sobre as relações entre ciência e Ontologia (Metafísica).

b) Produza um texto sobre a importância e os limites atuais de ambas.

Reflexões de Heidegger

Martin Heidegger foi aluno de Husserl e deixou importantes contribuições à Ontologia contem-porânea. Seu pensamento guardava relações com aspectos da Fenomenologia e também com a tese existencialista de que o homem faz a sua própria essência.

Heidegger denunciou o esquecimento da questão do ser no estudo dos entes, ou seja, mostrou que a ciência e a Metafísica passaram a tratar das coisas que são (os entes), esquecendo-se de investigar as condições de possibilidade deles (o ser). Ele julgava fundamental perguntar pelo sentido do ser e decidiu começar pela interpretação do modo de ser do único ente que poderia fazer essa pergunta: o homem – que ele chamava de dasein ou Ser aí.

Heidegger afirmou que somente o dasein existe, enquanto os demais entes apenas são. Para ele, existir significava ter uma compreensão prévia do ser e a possibilidade de questioná-la ou ignorá-la. Ao questioná-la, o dasein alcançaria uma existência autêntica. Ao ignorá-la, continuaria numa existência inautêntica, mergulhando num cotidiano agitado, em que os homens se perdem no anonimato do “a gente pensa”, “a gente faz”, como tentativa de mascarar ou fugir ao tédio e à angústia.

Esse filósofo considerava a angústia como uma disposição originária do dasein – frequentemente sufocada, mas sempre presente – para experimentar, em vez dos entes cotidianos, o ser e o nada. Ele via nessa transcendência – isto é, nesse ultrapassar dos entes – a verdadeira Metafísica. Afirmava que a Filosofia consistia em colocar essa Metafísica em marcha, mas não a entendia como mera disciplina filosófica e, sim, como um traço da natureza do dasein, como a sua própria essência.

Na visão heideggeriana, levado pela angústia, o dasein transcenderia os entes, perguntando-se pelo sentido do ser e do nada. Assim, ele descobriria sua própria essência: a de um ente suspenso no nada. Só então seria possível, para ele, uma existência autêntica, na experiência radical de “ser para a morte”, sem mergulhar anonimamente no mundo técnico e cotidiano. Também nasceria daí a possibilidade de renovação das ciências, não mais consideradas definitivas e suficientes.

A busca heideggeriana pelo sentido do ser começou com a “Analítica Existencial”, ou seja, com a análise das estruturas do dasein, o ente privilegiado, aberto ao ser. Mas houve uma segunda fase, a khére (ou virada), na qual ele radicalizou sua busca para além do dasein, alcançando os limites da linguagem conceitual da Filosofia. Concluiu, assim, que a verdadeira morada do ser era a linguagem poética, pois a linguagem filosófica pareceu-lhe incapaz de expressar a universalidade do ser.

Aspectos

da teoria

fenomenológica

de Martin

Heidegger

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26 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Para Heidegger, o ser é a condição de possibilidade de todos os entes. Só o Dasein pode investigá-lo e enfrentar a angústia de se descobrir como um ente suspenso no nada. Segundo o filósofo:

[...] esta originária angústia é o mais das vezes sufocada no ser aí. A angústia está aí. Ela apenas dorme. Seu hálito palpita sem cessar através do ser-aí: mas raramente seu tremor perpassa a medrosa e imperceptível atitude do ser-aí agitado envolvido pelo “sim, sim” e pelo “não, não”; bem mais cedo perpassa o ser aí senhor de si mesmo; com maior certeza surpreende, com seu estremecimento, o ser aí radicalmente audaz. [...] A angústia do audaz não tolera nenhuma contraposição à alegria ou mesmo à agradável diversão do tranquilo abandonar-se à deriva.HEIDEGGER, Martin. O que é Metafísica? São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 60.

A noção heideggeriana de angústia corresponde à consciência humana da morte como horizonte da vida, ou seja, como “possibilidade da impossibilidade” da existência.

Logo, “ser para a morte” equivale a reconhecer essa possibilidade e, ainda assim, buscar um modo autêntico de existir, sem fugas.

1. Considere estes versos para responder às questões a seguir:

AngústiaAgonizo se tentoretomar a origem das coisas sinto-me dentro delas e fujosalto para o meio da vidacomo uma navalha no arque se espeta no chão

não posso ficar coladoà natureza como uma estampae representá-la no desenhoque dela façonão possoem mim nada está como é tudo é um tremendo esforço de serRICARDO João; APOLINÁRIO, João. Secos & Molhados. Secos & Molhados. São Paulo: Warner, 1999. 1 CD (59 min): estéreo.

a) Que relações podem ser estabelecidas entre os versos da música e o pensamento de Heidegger?

b) Considerando seus conhecimentos sobre os pensa-mentos de Heidegger e de Nietzsche, estabeleça semelhanças entre a postura do “ser aí radical-mente audaz” perante a angústia e a do “além do homem” nietzscheano.

2. Considere estes versos para responder às questões a seguir:

MetáforaUma lata existe para conter algoMas quando o poeta diz: “Lata”Pode estar querendo dizer o incontívelUma meta existe para ser um alvoMas quando o poeta diz: “Meta”Pode estar querendo dizer o inatingível

Por isso, não se meta a exigir do poetaQue determine o conteúdo em sua lataNa lata do poeta tudonada cabePois ao poeta cabe fazerCom que na lata venha caberO incabível

Deixe a meta do poeta, não discutaDeixe a sua meta fora da disputaMeta dentro e fora, lata absolutaDeixe-a simplesmente metáforaGIL, Gilberto. Um banda um. Gilberto Gil. São Paulo: Warner, 2003. 1 CD (48 min): estéreo.

a) Relacione os versos com os pensamentos de Nietzsche e Heidegger sobre os potenciais da arte e da linguagem.

b) Liste possíveis razões para a opção dos dois pen-sadores pela arte e pela poesia, ao tratarem de questões metafísicas.

FONTANA, Lucio. Conceito espacial. 1960. 1 acrílico, 116 cm x 89 cm. Museu Nacional Rainha Sofia, Madri.

Capa do LP Secos & Molhados de 1974Capa do LP Secos &

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Ensino Médio | Modular 27

FILOSOFIA

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Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)28

Lógica na Antiguidade e na Idade Média

4

Você já deve ter dito ou escutado frases como estas: “É ló-gico!”, “Isso não tem lógica!”, ou “Que absurdo!”. Elas indicam uma oposição entre o que parece razoável e o seu contrário, ou seja, entre o que é normalmente considerado correto ou incorreto. Mas será que existem regras a serem seguidas no ato de pensar? Será que existe um modo de evitar erros ao ex-pressarmos os pensamentos? É possível afastar completamente as ideias e as conclusões absurdas?

Foi justamente a busca dessa possibilidade que deu origem à Lógica como um método para raciocinar corretamente e, portanto, um instrumento para a Filosofia e as ciências. Aristóteles organizou esse método na forma de um conjunto de regras para guiarem o raciocínio. Mas, para compreender as origens da Lógica, é necessário considerar também a produção filosófica anterior e o contexto sociopo lítico da obra aristotélica.

José

Agu

iar.

2009

. Dig

ital.

Enquanto Sócrates e Platão buscavam

um crédito absoluto para fun-

damentar a sua explicação da rea-lidade, Protágoras

afirmava que o ser humano é a

medida de todas as coisas. As con-sequências morais e epistemológicas do relativismo im-plícito nessa frase

escandalizaram diversos filósofos.

Afinal, no contexto de busca da

verdade, ter o ser humano como úni-ca medida sugeria

a possibilidade de verdades sub-jetivas, múltiplas

e, até mesmo, contraditórias

entre si

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Ensino Médio | Modular 29

FILOSOFIA

Definição

e uso da

Retórica da

Antiguidade

à Idade

Média

@FIL888

Foi visto, anteriormente, um embate de ideias sobre o ser e o devir, no qual Parmênides julgava que as coisas permaneciam sempre idênticas a si mesmas, e Heráclito julgava que elas se tornavam os seus contrários. Nesse contexto, destacaram-se as noções de identidade e contradição, que o pensamento socrático-platônico tentou conciliar com a divisão da realidade em dois níveis: o sensível, marcado pela contradição, e o inteligível, pela identidade.

A oposição entre essas duas noções também resultou no surgimento da Dialética, inaugurada por Zenão, como método de diálogo e raciocínio para refutar opiniões falsas. Aprimorada por Sócrates e Platão, ela passou a ser vista como um caminho para superar a contradição das apa-rências, rumo à identidade das essências. Além disso, foi utilizada contra a posição dos sofistas em relação à verdade e ao conhecimento.

Um dos sofistas mais famosos foi Protágoras, o criador da Antilogia, método descrito como “torneio da razão contra a razão” – debate em que se buscavam argumentos para sustentar opiniões contrárias, vencendo os mais convincentes, ainda que nem sempre verdadeiros. Esse método estava ligado à Retórica, a arte do discurso persuasivo. Ela era muito utilizada na ágora, o espaço de discussões políticas, em que os cidadãos, sob a democracia direta, tentavam persuadir uns aos outros e influenciar decisões, por meio de discursos estrategicamente organizados. Essa relação entre a Retórica e o poder levou alguns sofistas a ignorarem o conteúdo dos argumentos, preocupados apenas em torná-los convincentes. Para isso, tratavam de construí-los de forma que falassem mais às paixões – desejos e emoções – do que ao raciocínio dos ouvintes.

Desse contexto histórico, vieram as contribuições de Aristóteles à Filosofia grega. Contra Heráclito, ele afirmou que as coisas não se tornavam o seu contrário: atualizavam potências contidas em sua própria essência. Aristóteles entendia essa essência como uma identidade que o pensamento podia captar. Contra Parmênides, ele afirmou que a mudança não era ilusória: havia coisas de essência mutável, e outras, de essência imutável – como Deus e os entes matemáticos. Logo, a mudança e a identidade não eram contraditórias entre si.

Além disso, o filósofo inovou rejeitando a dualidade platônica e afirmando que a Dialética não era um procedimento seguro para alcançar as essências, porque ela partia de opiniões e neces-sitava de alguma persuasão. Era útil em muitos casos, mas a Filosofia e as ciências precisavam de um método de raciocínio e expressão verbal que usasse a demonstração, não a persuasão. Por isso, desenvolveu a Analítica, um método que consistia em desvendar e aplicar as normas do pensamento para compor raciocínios válidos e verdadeiros. Mais tarde, ela seria chamada de Lógica, nome cuja criação foi atribuída aos estoicos.

Antecedentes da Lógica

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Recebe o nome de argumentação todo procedimento que se destina a defender a verdade de uma afir-mação, utilizando-se de motivos, indícios, evidências e raciocínios. Ao argumentar, uma pessoa pode ter dois objetivos distintos que, por sua vez, serão alcançados por diferentes caminhos. O primeiro é obter a persuasão,

ou seja, levar o interlocutor a uma crença subjetiva, pessoal, em uma dada afirmação. Muitas vezes, isso se realiza por meio da manipulação de emoções e de outras crenças também pessoais. O segundo é obter a convicção, ou seja, despertar a crença objetiva, universal, na verdade de uma afirmação. Nesse caso, utiliza-se a demonstração, ou seja, a prova dessa verdade, pelo encadeamento da afirmação com outras, reconhecidamente verdadeiras.

Princípios fundamentaisAo organizar a Analítica, Aristóteles estabeleceu três princípios da realidade que deveriam ser

observados também nos raciocínios. Por esse duplo aspecto, eles são conhecidos como princípios lógico-ontológicos, sendo fundamentais para a Metafísica e também para a Lógica de origem aristotélica. Veja quais são eles:

A origem desses princípios

aristotélicos está na célebre formulação

de Parmênides: "O ser é. O não ser não é."

Atualmente esses princípios são observados em diferentes contextos, inclusive em situações comuns do co-tidiano. O desrespeito a algum deles pode ser uma das razões para o sur-gimento de afirmações como aquelas que foram mencionadas no início da unidade, sobre o que seria lógico ou absurdo. No entanto, a forma dos racio-cínios pode mascarar a quebra desses princípios, como será visto adiante, ao estudar sofismas e falácias.

3. Princípio do terceiro excluído: uma coisa será isso ou o contrário disso, não havendo uma terceira possibilidade. Exemplo: ou essa figura é um triângulo ou não é um triângulo e não há uma terceira possibilidade.

1. Princípio de identidade: cada coi-sa possui uma essência própria, um modo de ser que perma-nece idêntico e pelo qual ela pode ser percebida, pensada, definida. Exemplo: triân-gulo é uma figura de três la-dos.

2. Princípio de não contradição: uma coisa não pode, ao mesmo tempo,

existir ou ser pensada como o que é e como o contrário de

si mesma. Exemplo: um triângulo não pode

ser e não ser uma figura de três

lados.

1. Numere a segunda coluna, relacionando os filósofos às suas respectivas teorias:

(1) Parmênides

(2) Heráclito

(3) Protágoras

(4) Platão

(5) Aristóteles

( ) “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são.”

( ) As coisas atualizam potências de sua própria essência. Logo, mudança e iden-tidade não são contraditórias entre si.

( ) A realidade é a contradição organizada pelo lógos.

( ) A realidade possui dois níveis: o sensível (marcado pela contradição) e o inteli-gível (marcado pela identidade).

( ) A realidade é a permanência do ser, a identidade sob as aparências.

2. O que ensina o conflito entre a Dialética dos filósofos e a Retórica dos sofistas para pensar as relações atuais entre discursos, verdade e poder?

3. Faça uma pesquisa sobre estratégias utilizadas atualmente pelos meios de comunicação para persuadir as pessoas a adotarem determinadas ideias, comportamentos sociais e hábitos de consumo.

30 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Órganon Aristotélico

Aristóteles não via a Analítica como uma ciência, mas como um órganon, ou seja, um instrumento científico-filosófico. Seu objeto eram as proposições, frases que expressavam na linguagem um juízo do pensamento. Em cada um desses juízos, um sujeito (S) e um predicado (P) eram unidos ou separados, segundo as relações efetivas entre os seres que eles designavam. A forma básica das proposições era: “S é P”’ ou “S não é P” – por exemplo: “Sócrates é mortal” ou “Aristóteles não é ateniense”.

As proposições dividiam-se em termos, correspondentes às dez categorias da Metafísica: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, posição, tempo, posse, ação e paixão. A categoria de substância formava o sujeito, e as demais, os predicados. Esses termos indicavam essências, ou seja, conceitos. Cada um deles possuía extensão e compreensão diferentes. A extensão correspondia a um conjunto de objetos designados por um termo. A compreensão correspondia ao conjunto de propriedades que caracterizavam esses objetos. Por exemplo: o termo gatos possuía como extensão o conjunto dos gatos existentes e como compreensão as características que definem esses animais: felinos, quadrúpedes e assim por diante.

Quanto maior fosse a compreensão de um termo, menor seria a sua extensão e vice-versa, ou seja, quanto mais características específicas fossem utilizadas para diferenciar objetos, menor seria o conjunto designado pelo termo. Por exemplo: o conjunto dos gatos possui maior compreensão e menor extensão que o dos animais.

A Analítica mostrava ainda que duas proposições poderiam ser unidas por um nexo, resultando numa terceira, extraída de sua relação. As duas proposições iniciais eram chamadas de premissas, e a sua resultante era chamada de conclusão. Juntas, elas formavam um silogismo ou raciocínio perfeito. Veja um exemplo clássico:

O homem é mortal. } Primeira premissa

Sócrates é homem. } Segunda premissa

Logo, Sócrates é mortal. } Conclusão

Os silogismos deveriam ser formados por proposições que relacionassem exatamente três termos, de extensão decrescente:

– o termo maior, de maior extensão (no exemplo, mortal);– o termo médio, de extensão média (no exemplo, homem); e– o termo menor, de menor extensão (no exemplo, Sócrates).

Em cada proposição, eles estariam unidos ou separados pelo verbo “ser”, chamado de cópula. Procure identificar esses termos no seguinte exemplo de silogismo:

Juízo: produto da faculdade

intelectual de distinguir

e avaliar; ato de concordar ou discordar,

afirmar ou negar.

Cópula: nos silogismos

aristotélicos, os demais verbos

reduzem-se ao verbo ser:

falar = ser falante, pensar = ser pensante. Assim, pode-se

encontrar as seguintes

cópulas: é, não é; são,

não são. Elas demonstram a inerência,

ou seja, o pertencimento

do sujeito ao conjunto

formado pelo predicado.

Theo

Cor

deiro

. 200

9. D

ogita

l.

Representação de silogismo segundo o Diagrama de Venn

Aristóteles não via a Analítica como uma ciência, mas como um órganon, ou seja, um instrumento científico-filosófico. Seu objeto eram as proposições, frases que expressavam na linguagem um juízo do pensamento. Em cada um desses juízos, um sujeito (S) e um predicado (P) eram unidos ou separados, segundo as relações efetivas entre os seres que eles designavam. A forma básica das proposições era: “S é P”’ ou “S não é P” – por exemplo: “Sócrates é mortal” ou “Aristóteles não é ateniense”.

As proposições dividiam-se em termos, correspondentes às dez categorias da Metafísica: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, posição, tempo, posse, ação e paixão. A categoria de substância formava o sujeito, e as demais, os predicados. Esses termos indicavam essências, ou seja, conceitos. Cada um deles possuía extensão e compreensão diferentes. A extensão correspondia a um conjunto de objetos designados por um termo. A compreensão correspondia ao conjunto de propriedades que caracterizavam esses objetos. Por exemplo: o termo gatos possuía como extensão o conjunto dos gatos existentes e como compreensão as características que definem esses animais: felinos, quadrúpedes e assim por diante.

Quanto maior fosse a compreensão de um termo, menor seria a sua extensão e vice-versa, ou seja, quanto mais características específicas fossem utilizadas para diferenciar objetos, menor seria o conjunto designado pelo termo. Por exemplo: o conjunto dos gatos possui maior compreensão e menor extensão que o dos animais.

A Analítica mostrava ainda que duas proposições poderiam ser unidas por um nexo, resultando numa terceira, extraída de sua relação. As duas proposições iniciais eram chamadas de premissas, e a sua resultante era chamada de conclusão. Juntas, elas formavam um silogismo ou raciocínio perfeito. Veja um exemplo clássico:

O homem é mortal. } Primeira premissa

Sócrates é homem. } Segunda premissa

Logo, Sócrates é mortal. } Conclusão

Os silogismos deveriam ser formados por proposições que relacionassem exatamente três termos, de extensão decrescente:

– o termo maior, de maior extensão (no exemplo, mortal);– o termo médio, de extensão média (no exemplo, homem); e– o termo menor, de menor extensão (no exemplo, Sócrates).

Em cada proposição, eles estariam unidos ou separados pelo verbo “ser”, chamado de cópula. Procure identificar esses termos no seguinte exemplo de silogismo:

Os gatos são animais. Tom é um gato.

Logo, Tom é um animal. Nesse exercício, você deve ter percebido a impor-

tância do termo médio para chegar à conclusão, na qual ele desaparece. Talvez tenha percebido também que o raciocínio efetuado foi dedutivo, ou seja, levou do universal ao particular: o

conhecimento sobre Tom foi consequência do conhecimento mais geral sobre os gatos. Para definir a essência do indivíduo Tom, as proposições mostraram a espé-

cie e o gênero a que ele pertencia: gato e animal. Observe, ao lado, a representação gráfica desse raciocínio. Depois, exercite seus novos conhecimentos sobre proposições

e silogismos, realizando algumas atividades sobre esses temas.

Latin

Stoc

k/Á

lbum

Onl

ine

Termo menorIndivíduo

Tom

Termo médioEspécie

Gato

Termo maiorGêneroAnimal

Ensino Médio | Modular 31

FILOSOFIA

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1. Enumere os termos em ordem crescente de extensão:

( ) mamífero ( ) Lulu ( ) animal ( ) pequinês ( ) cachorro

( ) sul-americano ( ) paranaense ( ) homem ( ) brasileiro ( ) curitibano

2. Enumere os termos em ordem crescente de compreensão:

( ) mamífero ( ) Lulu ( ) animal ( ) pequinês ( ) cachorro

( ) sul-americano ( ) paranaense ( ) homem ( ) brasileiro ( ) curitibano

3. Complete os silogismos com as proposições que lhes faltam. Em seguida, identifique os termos maior, médio e menor de cada um deles:a) Todo humano é mortal. O filósofo é humano. . Termos: maior: ; médio: ; menor: b) Nenhum gato é uma ave. Tom é um gato. Logo, Tom não é uma ave. Termos: maior: ; médio: ; menor: c) . Sou uma pessoa. Logo, sou falível. Termos: maior: ; médio: ; menor:

Classificação aristotélica das proposiçõesAristóteles classificou as proposições segundo as categorias. O quadro a seguir vai se deter nos tipos

que decorrem da qualidade e da quantidade. Afinal, quando combinados com a posição do termo médio nas premissas (como sujeito ou predicado), esses tipos de proposições determinavam a classificação dos silogismos, também em diferentes tipos, sendo alguns deles válidos e outros desconsiderados, por quebrarem regras de raciocínio, eliminando a hipótese de conclusões verdadeiras:

Categorias Proposições Exemplos

QualidadeAfirmativas S é P.

Negativas S não é P.

Quantidade

Universais Todo S é P./Nenhum S é P.

Particulares Alguns S são P./Alguns S não são P.

Singulares Este S é P./Este S não é P.

Os exemplos desse quadro ressaltam a possibilidade de combinar as duas categorias para a clas-sificação de uma mesma proposição, resultando em: universais afirmativas, universais negativas, particulares afirmativas e particulares negativas (as singulares podem ser entendidas como casos específicos das particulares). Nos compêndios medievais sobre Lógica, esses quatro tipos de proposições receberam como símbolos quatro vogais. As afirmativas foram designadas pelas letras A (universal) e I (particular), que são as duas primeiras vogais da palavra “afirmo”. As negativas foram designadas pelas letras E (universal) e O (particular), que são as vogais da palavra “nego”.

Classificação e regras dos silogismos aristotélicosNa Lógica aristotélica, o silogismo em que o termo médio é sujeito na premissa maior, predicado

na menor e todas as proposições são do tipo A (ou seja, universais afirmativas) é o mais adequado à Ciência e à Filosofia, pois sua conclusão não deixa dúvidas, é irrefutável. Por exemplo:

Válidos e verdadeiros: um raciocíono

é válido quando estabelece

relações adequadas

entre as suas proposições.

Mesmo assim, poderá ser

verdadeiro ou não, pois isso

não dependerá somente da relação das premissas

entre si e com sua conclusão:

dependerá também da escolha de premissas

verdadeiras.

32 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Theo

Cor

deiro

. 200

9.

Dig

ital.

Os sofismas decorrentes

do desrespeito às regras do

silogismo são conhecidos como falácias formais,

pois surgem de imperfeições na

forma de organizar as proposições

e o seu encadeamento.

1. Identifique as regras desrespeitadas nestes sofismas:

a) Todos os corruptos merecem punição. Alguns políticos são corruptos. Logo, todos os políticos merecem punição.

b) Todo homem corre. Pedro é homem. Logo, Pedro corre.

c) Todo gato é um felino. Marta diz que seu namorado é um gato. Logo, o namorado de Marta é um felino.

d) O alumínio não é vegetal. Esta panela não é de alumínio. Logo, esta panela é vegetal.

2. Elabore um silogismo científico.

3. Qual a importância da sistematização aristotélica dos silogismos válidos e das regras que os sofismas desres-peitam?

4. Explique a importância de um método de demonstração da verdade dos raciocínios para a Filosofia e as ciências.

5. O modelo aristotélico de silogismos pode expressar todo tipo de pensamento, com garantia de verdade? Justifique.

Todo animal é um ser vivo.Todo gato é um animal.Logo, todo gato é um ser vivo.

Anteriormente, foi visto que o silogismo é um raciocínio em que a conclusão corresponde a uma con-sequência das premissas. Cabe agora ressaltar que ele precisa seguir oito regras para ser bem construído:

Regras relativas aos termos Regras relativas às proposições

(1) O silogismo deve possuir exatamente três termos.(5) A conclusão de duas premissas afirmativas não pode ser

negativa.

(2) Nenhum termo do silogismo pode ter maior extensão na con-

clusão do que nas premissas.

(6) As premissas não podem ser todas negativas, pois daí nada

se conclui.

(3) O termo médio deve aparecer só nas premissas, nunca na

conclusão.

(7) A conclusão segue sempre a premissa mais fraca (particular

e/ou negativa).

(4) O termo médio deve ser tomado universalmente ao menos em

uma das premissas.

(8) As premissas não podem ser todas particulares, pois daí nada

se conclui.

Se um raciocínio tiver premissas apodíticas, ou seja, necessariamente verdadeiras, terá tam-bém uma conclusão apodítica, irrefutável e será um silogismo científico. Nesse caso, as premissas não podem ser contraditórias, precisam ser verdadeiras, evidentes e causas da conclusão. Afinal, o encadeamento desta com as premissas constitui a sua demonstração, ou seja, a prova de sua verdade.

Mas, se um raciocínio tiver premissas hipotéticas, isto é, apenas possíveis ou prováveis, terá também uma conclusão hipotética e será um silogismo dialético. Nesse caso, uma vez que as premissas são opiniões, esse tipo de silogismo permite argumentações contrárias, e não garante conclusões verdadeiras. Por essa razão, Aristóteles só o considerava adequado para a Retórica, não para as ciências e a Filosofia.

Além disso, em relação ao silogismo dialético, ele destacou o problema dos sofismas ou falácias: raciocínios elaborados com erros que passam despercebidos e resultam na persuasão sem compromisso com a verdade. Eles utilizam a estrutura geral do silogismo, desrespeitando alguma de suas regras, ou não esclarecem bem o significado dos termos, confundindo o interlocutor. Para evitar esse tipo de erro, Aristóteles considerou tão importante descrever minuciosamente as regras dos raciocínios lógicos. A seguir, você terá a oportunidade de exercitar a avaliação de alguns deles, considerando a aplicação dessas regras e a elaboração de sofismas.

Ensino Médio | Modular 33

FILOSOFIA

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A Lógica, seus

procedimentos

e técnicas

investigativas

ao longo da

História

@FIL531

Definição de

Dialética em

sua acepção

clássica

@FIL676

Contribuições estoicas e medievais

Como já foi visto, os elementos da Analítica aristotélica tornavam possível a elaboração de silo-gismos científicos. Esses raciocínios rigorosos e dedutivos eram formados por três tipos fundamentais de proposições:

Axiomas: princípios universais aceitos pelas ciências. Por exemplo: os princípios de causalidade, não contradição e outros.

Postulados: pressupostos específicos de uma ciência. Por exemplo: a Física pressupõe a realidade do movimento.

Definições: expressões de essências, com base no gênero e em uma diferença específica da espécie do indivíduo em relação às demais espécies do mesmo gênero. Por exemplo: O homem é um animal (gênero) racional (diferença) – as definições eram as mais frequentes no silogismo científico. Ainda hoje, as ciências partem de axiomas e postulados para produzir conhecimento sobre seus

objetos, e o modelo aristotélico de definição é largamente utilizado. Porém, em muitos aspectos, as teorias de Aristóteles sobre os raciocínios sofreram ampliações e transformações que também tiveram reflexos na Filosofia e nas ciências. Ainda na Antiguidade, os estoicos – a quem se atribui a criação da palavra “Lógica” para designar estudos normativos sobre o raciocínio e o discurso – trouxeram inovações importantes. Uma delas foi a redução das categorias a quatro, com ênfase no seu uso linguístico e não metafísico:

Sujeito ou substância: substantivo ou pronome.

Qualidade: adjetivo.

Ação e paixão: verbo.

Relação: formas de ligação entre as categorias anteriores.

Os silogismos aristotélicos enfatizavam a atribuição de um predicado a um sujeito, mostrando a inerência do segundo ao conjunto do primeiro. Já os estoicos enfatizavam a relação entre eles. Por isso, não exigiam a redução de outros verbos à cópula “ser” (por exemplo: pensar = ser pensante; brilhar = ser brilhante). Para eles, a função do silogismo não era revelar essências, por meio dos vínculos entre sujeito, espécie e gênero, mas expressar acontecimentos. Então, o próprio verbo tornava-se predicado (por exemplo: Platão pensa. As estrelas brilham). Essa abordagem valorizou o silogismo dialético, de premissas hipotéticas, ou seja, prováveis e não necessárias, ao qual Aristóteles dera menor importância. Assim, os raciocínios receberam uma nova classificação, segundo a sua forma:

Raciocínio Forma Exemplo

Hipotético “se [...] então [...]”Se Sócrates filosofa, en-

tão ele pensa.

Conjuntivo “[...] e [...]”Sócrates pensa e filo-

sofa.

Disjuntivo “ou [...] ou [...]”Ou Sócrates filosofa ou

não filosofa.

Causal “[...] portanto [...]”Sócrates filosofa, por-

tanto ele pensa.

Relativo“mais que”, “me-

nor que”, etc.

Sócrates filosofa mais

que Protágoras.

34 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Uni

vers

idad

e de

Gla

sgow

A herança do pensamento antigo teria reflexos nos estudos lógicos medievais. Destacaram-se, nesse contexto, as influên-cias de Platão, Aristóteles e do latino Sêneca, ligado ao estoicismo. Tais são os pensadores retratados nesta iluminura

ESCRITOS de devoção e Filosofia. [ca. 1325-1335]. 1 manuscrito com iluminura. Universidade de Glasgow, Escócia.

A reaproximação estoica entre a Lógica e a Dialética, separadas por Aristóteles, e a nova concep-ção de raciocínios como formas de relação e não de atribuição (inclusão ou exclusão) entre sujeito e predicado tiveram grande influência na história da Filosofia e ainda se refletem nas abordagens contemporâneas de questões lógicas.

FILOSOFIA

35Ensino Médio | Modular

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Com base nas contribuições aristotélica e estoica, a Lógica e a Dialética permaneceram unidas, consideradas sinônimas, durante toda a Idade Média. Nesse período, destacou-se o valor persuasivo da própria demonstração, ou seja, a prova da verdade seria por si mesma convincente. Além disso, os estudos lógicos chegaram a outras inovações, sendo divididos, de forma didática, em três tendências, conforme tabela a seguir:

Tendência InfluênciaPrincipal

representante

Patrística Platônica Agostinho de Hipona

Escolástica Aristotélica Tomás de Aquino

Terminista Estoica Guilherme de Ockham

Essa divisão mostra um movimento importante de mudança na ênfase da Lógica: partindo das essências platônicas para chegar a uma maior autonomia da linguagem no terminismo – de acordo com o qual nem tudo que era nomeado pelos termos precisava corresponder a um objeto real. A famosa Querela dos Universais – disputa sobre a existência das categorias na realidade ou só no pensamento e na linguagem – foi muito importante nesse processo. Além disso, os lógicos medievais deram maior atenção ao raciocínio indutivo, pouco valorizado por Aristóteles e pelos estoicos.

A indução parte de casos particulares para estabelecer uma generalização hipotética e, apesar das possi-bilidades de erro – já que o raciocínio não é necessário, apodítico, como o dedutivo –, ela pode contribuir para a produção de novos conhecimentos. Por exemplo: da observação de inúmeros gatos que miam, conclui-se que todo gato mia. Esse tipo de raciocínio seria fundamental para o desenvolvimento da Ciência Moderna nos séculos seguintes.

Por outro lado, os lógicos medievais quantificaram não apenas o sujeito, mas também o predicado das proposições. Esse procedimento ampliou o número de raciocínios sistematizados, possibilitando novas combinações de termos nas proposições. Exemplos: Todos os homens são alguns animais. Todos os homens são todos os animais racionais.

Com essa contribuição, as atenções da Lógica voltaram-se ainda mais para um uso formal e siste-matizado da linguagem, muito diferente do seu uso cotidiano. Isso inaugurava um horizonte que seria explorado pela Lógica contemporânea, tal como veremos em outro momento.

Quantificação das proposições

Quantificação aristotélica Quantificação medieval

Todos os S Todos os S Todos os P

Nenhum S Nenhum S Nenhum P

Alguns S Alguns S Alguns P

Esse S Esse S Esse P

36 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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1. Considerando a classificação estoica, complete e nomeie os raciocínios:

a) Tom é do que o gato Félix. – Raciocínio .

b) Tom é um gato e um e um e um . – Raciocínio .

c) Tom é um gato ou . – Raciocínio .

d) Se Tom é um gato, então ele é um , etc. – Raciocínio .

e) Tom é um gato, portanto, ele . – Raciocínio .

2. Considere as quantidades do sujeito e do predicado, em cada um dos pares, e classi-fique as proposições como verdadeiras (V), falsas (F) ou duvidosas (?):

( ) Todos os gatos são alguns animais.

( ) Alguns gatos são todos os animais.

( ) Nenhuma ave é algum vegetal.

( ) Alguma ave é nenhum vegetal.

( ) Alguns perfumes não são todos os odores.

( ) Todos os perfumes não são alguns odores.

( ) Esse menino é alguma pessoa.

( ) Algum menino é essa pessoa.

3. Aponte diferenças importantes entre a Lógica estoicista e a aristotélica.

4. Diferencie o uso terminista e o aristotélico da Lógica.

5. Pesquise sobre o raciocínio indutivo e o seu papel nas ciências. Então, comente prós e contras desse tipo de raciocínio em relação ao dedutivo.

FILOSOFIA

37Ensino Médio | Modular

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Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)38

Lógica na Modernidade5

No século XVII, racionalistas e empiristas debatiam so-bre os papéis da razão e da experiência no conhecimento. Buscava-se um método seguro para a nova Ciência experi-mental, e a Lógica tradicional, desenvolvida até a Idade Média, modificava-se. O método indutivo avançava, mas temiam-se erros nas conclusões. Por outro lado, a precisão da Matemática encantava os filósofos, e o alemão Gottfried Leibniz quis subs-tituir elementos das proposições lógicas e suas funções por símbolos, buscando fórmulas universais aplicáveis aos diversos

conteúdos. Ele também acrescentou aos princípios lógico--ontológicos aristotélicos o Princípio de Razão Suficiente, segundo o qual a aceitação de uma conclusão dependeria do conhecimento de suas principais causas.

Nos séculos XIX e XX, a tendência matemática e simbó-lica inaugurada por Leibniz seria amplamente desenvolvida. Porém, antes que se efetivasse a Lógica matemática, outros filósofos alemães trouxeram novas revoluções lógicas, tal como será visto a partir de agora.

Novas compreensões de Lógica e Dialética

Nos séculos XVIII e XIX, respectivamente, Imannuel Kant e Georg Hegel produziram suas obras em forma de sistemas filosóficos, ou seja, envolvendo as diversas áreas da Filosofia no estudo de seus temas. Tanto um quanto outro foram marcados por uma profunda ressigni-ficação de termos e conceitos há muito tempo utilizados nas teorias filosóficas. Entre eles, destacam-se as novas compreensões apresentadas para os termos “Lógica” e “Dialética”, bem como a proposta de novos objetos e abordagens para ambas. Além disso, é importante lembrar que Karl Marx e Friedrich Engels partiram de uma nova interpretação da Dialética hegeliana para a elaboração do pensamento conhecido como marxismo.

Perspectiva transcendental

kantianaKant aceitou as regras da Lógica tradicional para re-

presentar e expressar a realidade, mas também criou uma

nova Lógica para tratar dos modos de conhecer, ou seja, das estruturas da razão humana. Ele estabelecera uma distinção entre a Razão teórica, responsável pelo conhe-cimento, e a Razão prática, responsável pela moralidade. Também dividira os objetos de conhecimento em:

Fenômenos – as coisas organizadas pelas estrutu-ras da razão (a sensibilidade e o intelecto ou enten-dimento);

Nôumenos – as coisas em si, fora dessa organização e inacessíveis à consciência. Com base nessas distinções, Kant dedicou-se a uma

investigação transcendental do conhecimento, ou seja, passou a tratar dos modos de conhecer e de suas formas puras ou a priori (anteriores à experiência). Concluiu que o conhecimento era composto de intuições ligadas aos sen-tidos e à sensibilidade e de conceitos ligados ao intelecto ou entendimento. Compreenda melhor essa conclusão, considerando as seguintes informações:

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Ensino Médio | Modular 39

FILOSOFIA

Conhecimento segundo Kant

Intuição empíricaConhecimento sensível imediato de objetos empíricos, por meio de sensações organizadas pelas

formas puras da sensibilidade.

Intuição pura ou a priori Conhecimento imediato das próprias formas puras da sensibilidade (espaço, tempo).

Conceito empíricoConhecimento intelectual de objetos empíricos, organizado racionalmente pelas categorias do en-

tendimento ou intelecto.

Conceito puro ou a prioriConhecimento intelectual das próprias categorias do entendimento ou intelecto (qualidade, quanti-

dade, relação, modalidade).

Para estudar as intuições e conceitos a priori, Kant organizou a Estética transcendental e a Lógica transcendental, como demonstra o quadro a seguir:

Estudos kantianos

1. Estética transcendentalEstudo das formas da intuição, da sensibilidade (o espaço e

o tempo).

2. Lógica transcendental

2.1. Analítica transcendentalEstudo das formas dos conceitos, do intelecto ou entendimento

(as categorias).

2.2. Dialética transcendentalEstudo dos erros da razão quando queria ir além de seus limites

(tentando conhecer o noúmeno).

Esse filósofo via o intelecto como a faculdade de julgar, ou seja, de organizar conteúdos em categorias. Assim, dos tipos de juízo estabelecidos pela Lógica tradicional, como derivados da classificação aristotélica das proposições, ele deduziu doze categorias do entendimento, divididas em quatro grupos:

Grupos Categorias

Quantidade Unidade, pluralidade, totalidade.

Qualidade Essência, negação, limitação.

Relação Substância, ação recíproca, causalidade.

Modalidade Possibilidade, existência, necessidade.

A Revolução Copernicana de Kant consistiu em trazer a razão para o centro das investigações sobre o conhecimento: era essencial investigar a própria faculdade de conhecer

No pensamento de Aristóteles, as categorias correspondiam aos modos de ser das substân-cias, que seriam captados pelo pensamento. Mas, na Revolução Copernicana de Kant, passa-ram a corresponder aos modos do pensamento, que seriam impressos nos fenômenos.

CELLARIUS, Andréas. 1708. Sistema Heliocêntrico de Copérnico. (Ilustração de Harmonia Macrocósmica).

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Os doze juízos que levaram a essas categorias, foram divididos por Kant em dois tipos gerais:

Juízos analíticos (afirmativos ou de elucidação): esclareciam o predicado implícito no sujeito – eram juízos a priori e tautológicos, ou seja, antecediam a experiência e repetiam o mesmo con-teúdo no sujeito e no predicado. Por exemplo: O triângulo é uma figura de três lados.

Juízos sintéticos (empíricos): acrescentavam um predicado ao sujeito, conforme a experiência – eram juízos hipotéticos e a posteriori, ou seja, possivelmente verdadeiros, devendo a experi-ência comprová-los. Por exemplo: Sócrates foi executado.

Kant dedicou-se ainda à busca de um terceiro tipo geral, os juízos sintéticos a priori, capazes de acrescentar predicados a sujeitos, sem depender da experiência. Descobriu que eles teriam sempre as formas puras da razão por conteúdo. Por exemplo: Todo efeito tem sua causa. Assim, mostrou que esse conteúdo definia os limites dos objetos de estudo da Filosofia: ela só poderia tratar dos fenômenos e das formas puras da razão, jamais do noúmeno.

Portanto, na Dialética transcendental, parte da sua nova Lógica dedicada aos erros da razão, ele falou de algumas ideias cosmológicas, ou seja, ligadas ao noúmeno: Deus, liberdade, alma e mundo como totalidade. Definiu-as como ideais da razão, importantes para a moralidade e natural-mente concebidas pela razão, mas impossíveis de conhecer como desejavam a Dialética e a Metafísica anteriores, ambas condenadas ao erro.

Nesse estudo, ele reconheceu a possibilidade de se oferecerem argumentos racionais contra a existência dos ideais da razão fora do âmbito da própria razão, posição que denominou como cética ou empirista. No entanto, mesmo sem refutar a vali-dade desses argumentos, mostrou também a possibilidade de se oferecerem outros, igualmente válidos, em defesa da posição contrária, a que chamou dogmática. A essas teses contrárias, e igualmente defensáveis, que você vai conhecer agora, ele denominou Antinomias da Razão, pois a palavra antinomia significa, literalmente, conflito de leis.

Antinomias da Razão segundo o pensamento kantiano

Ideal Posição dogmática (tese) Posição cética (antítese)

MundoO mundo tem um início no tempo e é também, quanto ao espaço, encerrado dentro de limites.

O mundo não possui um início nem limites no espaço, mas é infinito tanto com respeito ao tempo quanto com respeito ao espaço.

AlmaToda substância composta no mundo consta de partes simples e por toda parte nada existe, a não ser o simples ou o que é composto dele.

Nenhuma coisa composta no mundo cons-ta de partes simples, e por toda parte nada simples existe nele.

Liberdade

A causalidade segundo leis da natureza não é a úni-ca da qual podem ser derivados os fenômenos do mundo em conjunto. Para explicá-los é necessário admitir ainda uma causalidade mediante liberdade.

Não há liberdade alguma, tudo no mundo acontece meramente segundo leis da na-tureza.

DeusAo mundo pertence algo que, ou como sua parte ou sua causa, é um ser absolutamente necessário.

Não existe em parte alguma um ser abso-lutamente necessário, nem no mundo nem fora dele, como sua causa.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural. 2005. p. 285, 289.

Alma: da posição dog-mática sobre

a alma, deriva a opinião de

que ela é um elemento sim-ples do mundo

e, portanto, incorruptí-vel, não se

desfazendo com a morte.

Da posição cética, no en-

tanto, deriva a opinião de que

tudo se reduz à matéria.

Kant esclareceu ainda que a posição cética podia contribuir para a humildade da Razão teórica na busca do conhecimento, delimitando o terreno para isso. Por outro lado, ressaltou que a posição dogmática poderia favorecer a Razão prática na busca dos fundamentos da moralidade, objeto digno de reflexão metafísica, por seu caráter universal. No texto a seguir, o filósofo afirma e defende essa segunda opinião.

40 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Do lado do dogmatismo na determinação das ideias cosmológicas da razão, ou do lado da tese, mostra-se portanto:

Em primeiro lugar, um certo interesse prático, do qual participa de coração toda pessoa bem-intencionada quando compreende sua verdadeira vantagem. Que o mundo tenha um início; que o meu sujeito pensante seja de natureza simples e, por isso, incorruptível; que ele nas suas ações do seu arbítrio ao mesmo tempo seja livre e eleve-se sobre a coerção da natureza e que, enfim, a ordem total das coisas que constituem o mundo origine-se de um ente primeiro – do qual tudo tira a sua unidade e conexão conforme afins – são outras tantas pedras fundamentais da moral e da religião. A antítese rouba-nos ou pelo menos parece roubar-nos todos esses apoios. [...]Do lado do empirismo, na determinação das ideias cosmológicas, ou da antítese, não se encontra em primeiro lugar nenhum interesse prático de tal espécie a partir de princípios puros da razão, como o trazem a moral e a religião. Antes, parece que o simples empirismo parece eliminar toda a força e influência de ambas. Se não há nenhum ente primordial diferente do mundo, se o mundo é sem início e, portanto, também seu autor, se a nossa vontade não é livre e a alma possui uma divisibilidade e corruptibilidade igual à da matéria, então também as ideias e os princípios morais perdem toda a validez e caem com as ideias transcendentais que constituem os seus suportes teóricos. [...]

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural. 2005. p. 305, 306. Sujeito pensante: eu pensante, sujeito transcendental.

1. Kant deu novos sentidos para termos, como conceitos, categorias, Analítica e Dialética. Por que isso foi ne-cessário?

2. O que levou Kant a realizar estudos transcendentais?

3. Debata sobre as relações entre moralidade e os ideais da razão, tal como foram definidas no pensamento kantiano. Utilize exemplos históricos para fundamentar suas opiniões.

Idealismo hegeliano

Momentos Ocorrências

1. Espírito subjetivo ou

“ser em si”

Manifestação, exteriorização do espírito como natureza –

como ser natural, coisa.Formação da consciência individual.

2. Espírito objetivo ou

“ser para si”

Autonegação do espírito como natureza e sua afirmação

como cultura – dando à natureza um novo sentido, propria-

mente humano.

Formação do Direito, das instituições e da

moral.

3. Espírito absoluto ou

“ser em si e para si”

Interiorização do espírito, negando-se como cultura e afir-

mando-se como absoluto – unidade entre natureza e cultura.

Formação das artes, da religião e da Filo-

sofia.

Herdeiro da separação entre sujeito e objeto do conhe-cimento; noúmeno e fenômeno; mundo natural e mundo das relações humanas – ou seja, natureza e cultura –, Hegel quis reconciliar tais opostos. Afirmou que só havia o espírito, sendo a História o seu percurso para a autoconsciência. Afirmou ainda que esse percurso se dividia em momentos, como natureza e cultura, rumo ao saber absoluto.

Para Hegel, o real e o racional eram o mesmo: ao contrário de Kant, ele não diferenciava a realidade e o conhecimento da realidade. Também não distinguia o sujeito e o objeto do conhecimento: ambos seriam o próprio espírito. Afinal, em todos os momentos, ele conheceria a si mesmo, tal como demonstra o quadro a seguir:

Ensino Médio | Modular 41

FILOSOFIA

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Tais momentos formariam a História, percurso do espírito entre a consciência não filosófica e a Filosofia. Progressiva-mente, esse caminho mostraria a Ciência verdadeira, o saber absoluto, em que o espírito seria sujeito e objeto, conhecendo a si mesmo, compreendendo o processo de contradição e ne-gação entre os momentos anteriores, que o levou à síntese atual. Hegel chamou esse processo de Dialética, dividindo-o em: tese, antítese e síntese. A síntese seria a superação das etapas anteriores, o que significava, ao mesmo tempo, a transformação e a conservação delas em um novo sentido. Aceitando a contradição como constituinte da realidade, ele via o movimento dialético do pensamento como sendo a própria História, e o saber absoluto alcançado pelo espírito como a compreensão desse movimento.

Hegel aplicou a Dialética a toda a Filosofia e, principalmente, à sua Ciência da Lógica. Ele não via a Lógica como órganon (instrumento filosófico ou científico), mas como o movimento do espírito em direção ao saber absoluto, ou seja, como sendo a própria Dialética. Também identificava a Lógica com a História,

a Teoria do Conhecimento e a Metafísica, uma vez que ela tratava do movimento de progresso do espírito e, portanto, da própria realidade (real = racional).

A Lógica hegeliana é considerada a mais difícil do Ocidente e compõe-se de um extenso quadro de categorias que partem de três: ser, essência, conceito. Cada uma delas desdobra-se numa tríade, cujos termos geram outras, sucessivamente. Assim, como teses, antíteses e sínteses, elas abran-gem todo o universo do espírito: a natureza, a cultura, o absoluto. A seguir, apresentaremos apenas a primeira tríade derivada de cada uma das categorias originárias.

Categorias

origináriasTríades derivadas

Ser Qualidade, quantidade, medida.

Essência Essência, aparência, realidade.

Conceito Subjetividade, objetividade, ideia.

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O termo “idealismo” nomeou a teoria platônica das ideias como verdadeira realidade. Alguns o aplicaram também a Kant, que via os objetos como fenômenos mol-dados pela razão. No século XIX, ele foi adotado por Fichte e Schelling, que viam a realidade como fruto do espírito,

ou seja, da inteligência racional. Por fim, ele nomeou o sistema de Hegel, para quem a realidade era o próprio espírito.

Já o termo “materialismo” surgiu na Antiguidade para nomear teorias que explicavam a realidade por meio de suas causas materiais. Posteriormente, nomeou também a teoria marxista da História, que apresentava os acontecimentos históricos e as relações sociais como sendo determinados por fatores econômicos, tais como o trabalho e a produção dos meios de subsistência. Nesse contexto, destacava-se o papel da luta de classes.

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Para explicar o processo dialético, Hegel usou a metáfora da semente e da árvore: a última só é possível pela negação da primeira, mas guarda em si todos os momentos de negação e superação que a antecederam, e só por meio deles pode haver a árvore como tal

42 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Materialismo marxistaO método dialético hegeliano foi adaptado pelos marxistas para criar uma Lógica materialista,

voltada a pensar as relações entre as condições concretas de vida e as estruturas do pensamento humano. Eles não entendiam a realidade como progresso contínuo e racional, rumo ao absoluto. Ao contrário, ressaltavam o papel da luta de classes na constituição da realidade e da História. Também não concebiam a Dialética como lei do pensamento aplicada à realidade, mas, sim, como lei constituinte da História e que determinava as formas do pensamento. Sendo assim, dedicavam-se a organizar a Ciência materialista, cujos objetos eram o homem e a sociedade, em suas condições concretas de existência.

Para as ciências em geral, desenvolvidas por meio do método experimental moderno, os marxistas aceitavam o uso da Lógica matemática, em expansão naquele período. Mas, para a sua nova ciência, eles preferiam a chamada Dialética materialista. Com base no pensamento de Hegel, mas distanciando-se do seu idealismo, ela orientava uma nova forma de reflexão sobre a realidade, voltada às condições concretas de existência, ressaltando as contradições históricas e sociais ligadas à luta de classes.

O texto a seguir refere-se à oposição filosófica entre idealismo e materialismo, como duas possíveis interpretações da realidade. Leia-o com atenção e debata com os colegas sobre as teses nele apresentadas:

1. Sintetize, em um parágrafo, o posicionamento do autor do texto da Leitura filosófica, em relação ao que ele considera a maior questão da Filosofia. Em seguida, nomeie tal posicionamento como materialista ou idealista.

2. Discuta a máxima hegeliana: “O real é o racional e o racional é o real”. Anote suas conclusões.

3. Por que se pode afirmar que, na dialética hegeliana, um momento “transforma e conserva” o momento anterior?

4. Comente a possibilidade de relacionar a Lógica dialética com a política e a reflexão sobre as relações sociais.

5. Qual a importância de considerar as contradições sociais, como propõe o marxismo? Justifique sua resposta.

Idealismo e materialismo compõem o binômio dramático que envolve o problema capital da Filosofia. A escolha de uma ou de outra linha filosófica é sempre capítulo decisivo no conviver humano, porque de sua eleição o homem faz e refaz o conceito da vida e de seu destino; decide com base em suas opiniões, encara os fatos quotidianos de uma posição definida, resolve os problemas políticos... Essa é a grande questão da Filosofia: qual o mais importante, o espírito ou a matéria? A resposta está implícita na definição do que se entende por “espírito” e do que se entende por “matéria”.Na tentativa de explicar o mundo, os homens de pensamento defrontavam-se com duas espécies de realidades: materiais e ideais. De um lado, coisas mensuráveis, concretas. De outro, coisas situadas além do universo sensível, abstratas, intocá-veis: Deus, alma, o Bem, o Mal, o Destino, etc.Coube ao pensamento materialista dar resposta correta, cien-tífica a essas questões. Definiu o pensamento (ou o espírito)

como a ideia que fazemos das coisas e dos seres. As ideias, que temos diretamente de nossas sensações, correspondem a objetos materiais; são cópias, reflexos do mundo objetivo e sobre ele incidem. Assim, a possibilidade sine qua non da existência do pensamento é a própria existência do que vemos e sentimos. A matéria ou o ser se representa por tudo o que nos cerca com o nome de “mundo exterior”, e nos é mostrada por nossas sensações e percepções. A matéria é a única origem e a derradeira causa de todos os processos da natureza. Se folheio este livro e me detenho no formato de suas letras, o fato de saber que as letras tipográficas tenham determinado formato é uma ideia facultada por meus próprios sentidos. A matéria é o próprio livro ou a página que examino. E, do mesmo passo, examino a ideia que faço daquilo que examino. Esse exemplo torna clara a razão por que os filósofos se referem às relações entre o ser e o pensamento ou entre o espírito e a matéria ou entre a consciência e o cérebro. São todas expressões sinônimas.

SUCUPIRA FILHO, Eduardo. Introdução ao pensamento dialético: o Materialismo da Grécia clássica à época contemporânea. São Paulo: Alfa-Omega, 1984. p. 20, 23-24.Sine qua non: expressão latina, utilizada para referir-se a condições indispensáveis a um determinado ato, processo ou fenômeno; pode ser traduzida, literalmente, como “sem a qual não”.

Ensino Médio | Modular 43

FILOSOFIA

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Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)44

Lógica e linguagem na atualidade6

Linguagens simbólicas

A Lógica já nasceu com uma tendência formal, ou seja, com ênfase na forma de juízos e proposições, raciocínios e silogismos. Esse formalismo foi ampliado, na Idade Média, pelos terministas. Você deve ter observado essa tendência por meio dos símbolos utiliza-dos neste módulo para representar as proposições, independentemente da variação entre os sujeitos ou predicados de cada uma delas: “S é P”, “S não é P”, e as vogais A, E, I, O.

No século XVII, Leibniz enfatizou ainda mais esse formalismo e propôs uma “Álgebra do pensamento”, com símbolos para substituir as palavras que designavam sujeitos, predicados e diferentes tipos de relação entre eles. No mesmo período, Thomas Hobbes também afirmou que os raciocínios eram cálculos de ideias, que deviam imitar a precisão e a universalidade da Geometria. Sendo assim, embora, nos séculos seguintes, Kant identificasse a Lógica com a Teoria do Conhecimento, Hegel e Marx com a Metafísica e a História, é importante ressaltar que inúmeros filósofos modernos identificaram-na com a Matemática, enquanto se buscava uma nova linguagem científica, livre de ambiguidades e imprecisões.

Assim, o século XIX gerou a Lógica matemática, plenamente formal: feita de símbolos e fórmulas indiferentes ao conteúdo. Estabelecendo relações entre a palavra e a Álgebra, foi criada, para as ciências, uma linguagem formal, artificial, com um único sentido para cada termo. Diferentemente da linguagem natural do cotidiano, de muitos sentidos, ela permitia calcular predicados e proposições. Nesse contexto, foi resgatada a iniciativa medieval de quantificar predicados, classificando as proposições nos oito tipos listados a seguir:

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1. Afirmativas totototais Sujeito e predicado universaisTodo S é todo P – Exemplo:

Todo círculo é toda figura redonda.

2. Afirmativas totoparciais Sujeito universal e predicado particularTodo S é algum P – Exemplo:

Todo círculo é alguma figura geométrica.

3. Afirmativas partitotais Sujeito particular e predicado universalAlguns S são todo P – Exemplo:

Alguns quadros são todos os Van Gogh.

4. Afirmativas partiparciais Sujeito e predicado particularesAlgum S é algum P – Exemplo:

Alguns quadriláteros são losangos.

5. Negativas totototais Todo o sujeito excluído de todo o predicadoNenhum S é nenhum P – Exemplo:

Nenhum círculo é nenhum triângulo.

Selo europeu em homenagem a Gottfried Leibniz, filósofo do século XVII que pode ser considerado o precursor da Lógica Matemática do século XIX

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Ensino Médio | Modular 45

FILOSOFIA

6. Negativas totoparciais Todo o sujeito excluído de parte do predicadoNenhum S é algum P – Exemplo:

Nenhum triângulo é algum círculo.

7. Negativas partitotais Parte do sujeito excluída de todo o predicadoAlgum S não é nenhum P – Exemplo:

Algum círculo não é nenhum triângulo.

8. Negativas partiparciais Parte do sujeito excluída de parte do predicadoAlguns S não são alguns P – Exemplo:

Algum triângulo não é algum círculo.

Nessa classificação, em que as palavras eram simbolizadas por letras, e as proposições, entendidas como equações entre sujeitos e predicados, realizava--se a conversão, a transformação, segundo regras, de um tipo de proposição em outros. E o passo seguinte foi estabelecer as bases do cálculo lógico, gerando a Lógica do cálculo proposicional, dividida em:

Lógica dos predicados, representada por pensadores como Frege, Whitehead, Russell e Wittgenstein;

Lógica das relações, representada pelos pensadores Augustus de Morgan e Charles Peirce.

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RICHARDS, Ben. Retrato de Ludwig Wittgenstein em Swansea. 1947. (Detalhe).

A Lógica dos predicados não via o predicado isoladamente, mas como classe, permitindo calcular classes e relações entre elas com fórmulas de funções matemáticas. Veja alguns exemplos:

Cálculo possível Símbolo

Inclusão de uma classe em outra A B

Reunião de classes D M N

Intersecção de classes com elementos

comunsA B C

Classe universal (que incluísse todas as

outras)

Classe vazia (sem elementos)

Classe complementar (a que pertencem os

elementos excluídos da classe trabalhada A)A’ de A

Relações possíveis entre as proposições

na Lógica das relações

Relação Símbolos

Conjunção (e)

Disjunção (ou) v (A v B)

Negação (não) ~ (A ~ B)

Implicação (implica que) (A B)

Equivalência(se equiva-

lem)(A B)

* A e B = proposições relacionadas.

Nesse caso, as proposições “Os homens são mortais” e “Sócrates é mortal” revelariam inclusão de classes e seriam representadas como (A B) e (x B), respectivamente.

Por outro lado, a Lógica das relações realizava cálculos sobre possíveis formas de relacionar dois ou mais termos. Uma relação entre os termos x e y, por exemplo, seria representada como xRy. Relações, como “pai de”, “maior que”, “longe de“, etc., seriam classificadas em tipos sub-metidos a regras: as do tipo a que pertence “maior que”, por exemplo, podem ser transferidas (se “x é maior que y“, e “y é maior que z“, então: “x é maior que z“). O mesmo não seria possível para o tipo a que pertence “pai de” (se “x é pai de y“ e “y é pai de z“, então “x não é pai de z“). Além disso, tornava-se possível calcular a verdade ou a falsidade de uma proposição por meio de sua relação com outras.

Valiosas para os raciocínios indutivos e hipotéticos das ciências, tais lógicas de base ma-temática ainda são influentes, tendo papel importante no desenvolvimento de tecnologias da informação e, até mesmo, da polêmica inteligência artificial (IA).

O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, um dos estudiosos de aspectos da Lógica matemática do início do século XX é considerado um dos maiores responsáveis por uma nova compreensão da Filosofia, seus objetos e métodos. Ela ficou conhecida como ”Virada Linguística” ou “Virada da Linguagem”: tratava-se do surgimento da Filosofia Analítica ou da Linguagem, que será vista a seguir

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Técnico de informaçãoProfissional qua atua na área de informação junto a grandes empresas de tecnologia. Sua atividade envolve

desenvolvimento de softwares, implantação de redes sociais e utilização de recursos digitais. A graduação desse profissional pode ser realizada em cursos de Tecnologia da Informação e Comunicação ou em cursos relacionados na área de Informática.

1. Entreviste um profissional da área de Informática e produza um texto sobre a importância da Lógica, considerando o seu papel no desenvolvimento de tecnologias da informação, bem como a influência atual dessas tecnologias na vida das pessoas.

2. Reflita sobre os versos a seguir, criados pelo compositor brasileiro Gilberto Gil no final da década de 1960. Contraponha as afirmações da canção ao atual projeto de construção da IA. Para isso, pesquise sobre trabalhos voltados a esse tipo de tecnologia.

Cérebro eletrônico

O cérebro eletrônico faz tudoFaz quase tudoQuase tudoMas ele é mudo

O cérebro eletrônico comandaManda e desmandaEle é quem mandaMas ele não anda

Só eu posso pensar se Deus existeSó euSó eu posso chorar quando estou tristeSó euEu cá com meus botões de carne e ossoHum, humEu falo e ouçoHum, humEu penso e posso[...]

GIL, Gilberto. In: GILBERTO GIL. Gil luminoso. São Paulo: Warner, 2006. 1 CD (62 min): estéreo.

Virada da linguagem

A tendência de associar Lógica e Matemática, desenvolvida no século XIX, teve uma grande reper-cussão na Inglaterra. Na Universidade de Cambridge, vários intelectuais dedicaram-se ao estudo de ambas, o que se estendeu também ao século XX. Considerando as proposições como instrumentos para uma descrição adequada da realidade, eles procuraram uma linguagem simbólica, livre de imprecisões, com um único sentido para cada termo. O matemático Gottlob Frege teve grande influência nesses estudos, afirmando o valor da linguagem formal para a Ciência.

Depois disso, o século XX foi marcado pela “Virada Linguística”, ou seja, pelo surgimento da Filosofia Analítica ou da Linguagem, correspondente à compreensão de que a principal tarefa da Filosofia seria empreender uma análise rigorosa da linguagem, a fim de solucionar problemas teóricos originados tão somente pelo seu mau uso.

46 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Nesse contexto, Bertrand Russell e George Moore desenvolveram o Atomismo lógico. Dividiam a realidade em fatos simples, que seriam expressos em proposições atômicas – como “Russell é homem”, e em fatos complexos, que seriam expressos em proposições moleculares – como “Russell é homem e filósofo”.

O austríaco Ludwig Wittgenstein também adotou essa interpretação do pensamento, como repre-sentação lógica dos fatos, e das palavras, como nomes de objetos empíricos. Mas, ele contribuiu para o desenvolvimento de duas novas etapas da Filosofia Analítica: o Empirismo ou Positivismo lógico e a Teoria dos jogos de linguagem. Na primeira delas, afirmou que só a realidade empírica era represen-tável e cognoscível. Segundo ele, tentando ultrapassar os limites empíricos, a Metafísica dedicava-se a refletir sobre proposições construídas com base em equívocos da linguagem. Portanto, denunciava: alguns dos problemas filosóficos tradicionais não passavam de enganos lógicos – constatação que fortaleceu a busca de uma linguagem pura, convencional e simbólica, adequada ao uso científico. Nessa direção, Wittgenstein chegou a sugerir que a Filosofia atuasse apenas como uma ”terapia das doenças da linguagem”, ou seja, mostrando o alcance e os limites dos usos de diferentes linguagens em diversos contextos.

Sua primeira obra publicada, o Tratado lógico-filosófico, divulgou essas reflexões. Porém, so-mando a elas o contato com a linguagem infantil, quando atuou como professor primário, o filósofo renunciou a algumas de suas teses fundamentais. Adotou uma nova perspectiva, cuja divulgação ocorreu por meio de uma obra denominada Investigações filosóficas. Com ela, Wittgenstein mudou os rumos da Filosofia Analítica, desenvolvendo a Teoria dos jogos de linguagem. Assim, demonstrou que nomear era apenas um dos inumeráveis usos linguísticos. Segundo ele, os seres humanos estabeleciam jogos de linguagem, isto é, usos em que observavam regras comuns e dentro dos quais variavam muito os significados de uma mesma palavra. Essa visão contrariava o essencia-lismo, ou seja, a ideia de que a linguagem nomeava essências, reduzindo-se a um conjunto de conceitos atrás dos quais haveria uma substância. Ela mostra-va ainda que a linguagem não se submetia apenas aos rigores da Lógica, apresentando-se também sob outras regras, compartilhadas ou modificadas segundo grupos, necessidades, comportamentos, instituições e contextos humanos. Para Wittgenstein, os significados da linguagem não estavam nos ob-jetos nomeados, mas nos diversos usos que dela se fizessem. Usos que não poderiam se reduzir um ao outro, por seguirem regras distintas.

Atomismo lógico: o nome

“atomismo” provém de uma

analogia entre a divisão química

de moléculas em átomos e a divisão lógica

de proposições complexas em outras

consideradas simples e que,

segundo os pesquisadores de linguagens

simbólicas, poderiam ser

expressas por termos

unívocos (ou seja, livres de

ambiguidades).

Devido à mudança de perspectiva

entre as teses dessas duas

obras, elas passaram a

ser atribuídas, respectivamente,

ao “primeiro” e ao “segundo” Wittgenstein.

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Wittgenstein realizou uma rigorosa crítica dos objetos de especulações filosóficas anteriores à “Virada da

linguagem”. Concluiu que muitos deles decorriam de um mau uso da linguagem. Além disso, em diferentes

fases, dedicou-se a outras atividades profissionais, atuando como porteiro e professor de escola primária,

por exemplo. Em 1926, com um amigo arquiteto, chamado Paul Engelman, o filósofo dedicou-se à construção de uma casa para sua irmã, Margaret Stonborough-Wittgenstein,

retratada nessa obra do pintor Gustav Klimt

KLIMT, Gustav. Retrato de Margaret Stonborough- -Wittgenstein. 1 óleo sobre tela, color., 180 cm x 90 cm. 1905. Nova Pinacoteca, Munique.

Ensino Médio | Modular 47

FILOSOFIA

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Conheça, a seguir, alguns parágrafos da obra Investigações filosóficas, da segunda fase de produção filosófica de Wittgenstein, na qual ele expôs a Teoria dos jogos de linguagem. Cada parágrafo é antecedido pelo número que indica a sua sequência dentro da obra.

23. Mas quantas espécies de frases existem? Porventura asserção, pergunta e ordem? – Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de emprego do que denominamos “signos”, “palavras”, “frases”. E essa variedade não é algo fixo, dado de uma vez por todas; mas, podemos dizer, novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem surgem, outros envelhecem e são esquecidos. (As mutações da matemática nos podem dar uma imagem aproximativa disso.)

A expressão “jogo de linguagem” deve salientar aqui que falar uma língua é parte de uma atividade ou de uma forma de vida.

Tenha presente a variedade de jogos de linguagem nos seguintes exemplos, e em outros: – Ordenar e agir segundo as ordens;

– Descrever um objeto pela aparência ou pelas suas medidas;– Produzir um objeto de acordo com uma descrição (desenho);– Relatar um acontecimento;– Fazer suposições sobre o acontecimento;– Levantar uma hipótese e examiná-la;– Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas;– Inventar uma história e ler;– Representar teatro;– Cantar cantiga de roda;– Adivinhar enigmas;– Resolver uma tarefa de cálculo aplicado;– Traduzir de uma língua para outra;– Pedir, agradecer, praguejar, cumprimentar, rezar.

É interessante comparar a variedade de instrumentos da linguagem e seus modos de aplicação, a varie-dade das espécies de palavras e de frases com o que os lógicos disseram sobre a estrutura da linguagem. (Inclusive o autor do Tratado lógico-filosófico.)

[...]116. Quando os filósofos usam uma palavra – “saber”, “ser”, “objeto”, “eu”, “proposição”, “nome” – e almejam

apreender a essência da coisa, devem sempre se perguntar: esta palavra é realmente sempre usada assim na linguagem na qual tem o seu torrão natal?

Nós conduzimos as palavras do seu emprego metafísico de volta ao seu emprego cotidiano.117. Alguém me diz: “Você entende esta expressão? Ora, também eu a uso no significado que você conhece.” – como

se o significado fosse uma penumbra que acompanha a palavra e é transferida para todos os seus empregos. Se alguém, por exemplo, diz que a proposição “Isto está aqui” (apontando para um objeto diante de si)

tem sentido para ele, então ele poderia perguntar-se em que condições específicas se emprega realmente esta proposição. Nestas é que ela tem sentido.

118. Donde tira a reflexão sua importância, uma vez que ela parece apenas destruir tudo o que é interessante, isto é, tudo o que é grande e importante? (Por assim dizer, todos os edifícios, deixando sobrar apenas blocos de pedra e entulho.) Mas o que destruímos não passa de castelos no ar, e pomos a descoberto o fundamento da linguagem sobre o qual eles estavam.

119. Os resultados da filosofia são a descoberta de um absurdo simples qualquer e as mossas que o intelecto arranjou ao bater contra o limite da linguagem. Elas, as mossas, fazem-nos reconhecer o valor daquela descoberta.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 26-27; 72-73.

Signos: símbolos, unidades linguísticas que possuem significantes (objetos) e significados (sentidos).Mossas: sinais, marcas, cicatrizes, têm também o sentido figurado de impressão moral, abalo.

48 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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1. Em dois parágrafos, sintetize as citações de Wittgenstein, apresentadas na Leitura filosófica. O primeiro deve abranger o conteúdo do parágrafo 23, e o segundo, o conteúdo dos demais.

2. Siga as orientações do professor para elaborar e apresentar, oralmente ou por escrito, situações dialógicas envolvendo alguns dos jogos de linguagem mencionados por Wittgenstein, na citação da Leitura filosófica.

3. Pesquisar um uso específico da linguagem, tal como gíria, vocabulário de uma determinada profissão ou área do conhecimento. Apresentar a pesquisa em forma de texto ou painel.

Enquanto os intelectuais da Universidade de Cambridge dedicaram-se aos estudos da linguagem, considerando sua formação anterior em Matemática, os da Universidade de Oxford o fizeram consi-derando uma formação voltada às Ciências Humanas. Nesse contexto, Jonh Austin e John Searle desenvolveram a Teoria dos atos de fala. Destacaram, por meio dela, a importância do caráter prático da linguagem na vida humana. Mostraram que à fala correspondem ações de grande valor social. Podem ser citados como exemplos: condenar ou absolver, casar-se, batizar ou excomungar alguém de uma dada religião, declarar uma pessoa como bacharel, diagnosticar doenças ou a sua cura, e assim por diante.

A repercussão das teorias dos jogos de linguagem e dos atos de fala atingiu também filósofos que não se dedicavam especificamente à Filosofia Analítica. O alemão Jürgen Habbermas, um dos membros da Escola de Frankfurt, foi um dos mais destacados exemplos. Ele desenvolveu uma teoria conhecida como Ética discursiva ou do discurso, abordando a importância da argumentação para a vida democrática. Neste módulo, serão abordados alguns aspectos ligados à interpretação contemporânea da argumentação. Esta interpretação observa aspectos formais da Lógica, mas também enfatiza elementos informais, característicos da Retórica.

Formalismo x argumentaçãoNão se pode ignorar a influência das paixões sobre as opiniões e as crenças, pois o ser humano

é, ao mesmo tempo, racional e emocional: a razão leva-o a refletir, e as emoções levam-no a reagir com rapidez, o que é valioso para a sua autoconservação. Tudo isso deve ser observado por aquele que deseja a adesão de alguém às suas opiniões, mas também pelo ouvinte, para que possa evitar as armadilhas emocionais, como sentimentalismos ou ameaças, de quem desejar persuadi-lo sem escrúpulos. Consciente desse risco e de sua frequência, o próprio Aristóteles escreveu:

a Analítica, sobre a demonstração e o silogismo científico;

os Tópicos, sobre o silogismo dialético e as falácias possíveis quando se trata de opiniões;

a Retórica, sobre técnicas de persuasão para oradores, com ação sobre as paixões das plateias.

Considerando o tema das paixões, ainda hoje são reconhecidas inúmeras falácias, identificadas no decorrer da História da Filosofia, as quais buscam a persuasão, não por meio da estrutura lógica dos raciocínios, mas pela influência psicológica exercida sobre os interlocutores. São as falácias não formais, ou seja, que não decorrem simplesmente da quebra de regras do raciocínio formal, mas, sim, da manipulação de emoções e sentimentos para conduzir a certas conclusões.

Caráter prático da linguagem

Ensino Médio | Modular 49

FILOSOFIA

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Há diferentes critérios para nomear e classificar as falácias não formais. Foram destacados oito tipos, que serão aqui apresentados com a nomenclatura latina, seguida de uma tradução, bem como de explicações e exemplos. Observe-os atentamente e reflita sobre a presença dessas falácias nas situações cotidianas da sua vida em sociedade.

Ilust

raçõ

es: T

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9. D

igita

l.

1. Argumentum ad baculum (argumento pelo recurso à força)Nesse tipo de falácia, recorre-se, de

forma explícita ou velada, a intimidações e ameaças para convencer alguém a ado-tar certa atitude ou opinião. É o que se vê quando um empregador sugere a um trabalhador que não discuta uma ordem, pois, hoje em dia, bons empregos são raros e muito concorridos.

2. Argumentum ad hominem (argumento contra o ho-mem)É a falácia em que se ataca o inter-

locutor, em vez de refutar a sua opinião. Por exemplo, quando se diz que a afir-mação de uma pessoa é falsa porque ela professa uma religião diferente ou é filiada a um partido adversário e, ainda, quando um advogado de defesa não pode provar a inocência do réu e passa a fazer insinuações contra a vítima. No caso de um julgamento, o tribunal pode até se recusar a ouvir uma testemunha que, reconhecidamente, não seja idônea. Porém, não se pode provar que o testemunho oferecido por alguém seja falso, alegando sua possível desonestidade.

3. Argumentum ad ignorantiam (argumento por apelo à ignorância)Essa falácia consiste em sustentar que uma opinião

é falsa porque não foi provado que é verdadeira, ou vice- -versa. Tal atitude deixa de ser falaciosa apenas no campo jurídico, em que prevalece o princípio de que uma pessoa é inocente, até que se prove o contrário. Em outras situa-ções, trata-se de um argumento sem sustentação lógica. Por exemplo, quando se afirma que alguém é autor de um texto considerado anônimo, simplesmente porque não se tem provas de que ele não o seja.

4. Argumentum ad misericordiam (argu-mento por apelo à piedade)É o tipo de falácia em que se tenta comover

o interlocutor, despertando a sua compaixão para fazê-lo aceitar determinada conclusão. Por exemplo, quando um aluno que não al-cançou a média, por não ter estudado, argu-menta com o professor que não pode reprovar, porque isso seria uma grande decepção para os seus pais.

5. Argumentum ad verecundiam (argumento pelo recurso à autoridade)Incorre-se nesse tipo de falácia ao buscar o teste-

munho de pessoas famosas para convencer o público a aceitar determinada conclusão. Nesses casos, a persua-são nasce do respeito ou da admiração por alguém e não do seu domínio sobre o tema em questão. Um exemplo frequente é o de artistas cuja imagem se utiliza em campa-nhas eleitorais ou para confirmar a qualidade de produtos populares que eles nem sequer utilizam.

6. Argumentum ad populum (argumento por apelo ao povo)Trata-se de recorrer à maioria para afir-

mar a validade de uma posição, por exemplo, quando se diz que um produto é o melhor porque milhares de pessoas o utilizam. Pode tratar-se também da tentativa fala-ciosa de convencer a multidão, despertando o seu entusiasmo ou indignação. É o que se percebe, por exemplo, quando um candidato é apresentado de forma estereotipada para exaltá-lo ou difamá-lo perante os eleitores. Atualmente, o marketing e a propaganda utilizam inúmeras técnicas para complementar raciocínios desse tipo, tais como: acrescentar músicas e imagens comoventes aos discursos ou associar determinados produtos à realização de grandes sonhos e ideais de felicidade, a fim de estimular o seu consumo.

7. Acidente convertido (argumento por generalização apressada)Os argumentos característicos de tal falácia são os que

universalizam precipitadamente uma conclusão, tornando-a uma regra, sem antes avaliar um número suficiente de ca-sos. Por exemplo, quando se diz que o cigarro não constitui um fator de risco para abreviar a longevidade, alegando a existência de alguns idosos fumantes. Esse tipo de erro está diretamente relacionado ao raciocínio indutivo, quando as amostras não são devidamente selecionadas e avaliadas.

8. Petitio principii (petição de princípio ou argumento circular)Nesses casos, a falácia consiste em repetir a própria pre-

missa de um raciocínio como sua conclusão. Geralmente, isso acontece apresentando-se a mesma opinião com diferentes termos. Por exemplo, quando se diz que a qualidade de vida é importante para as pessoas porque elas precisam de con-dições adequadas para viver bem. Nesse caso, forma-se um “círculo”, que pode ser traduzido assim: afirma-se a importância da qualidade de vida e justifica-se a afirmação reafirmando a importância da qualidade de vida. Esse tipo de erro é muito comum, nos mais diversos contextos, por desatenção ou falta de observação das regras básicas do raciocínio.

50 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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Como já foi visto anteriormente, no decorrer do tempo, a Retórica e a Dialética foram depreciadas em favor de linguagens formais e simbólicas. Porém, a objetividade da Ciência é apenas um caso particular na comunicação humana. Além deste, podem ser citados inúmeros outros, como a aplicação jurídica e as deliberações (decisões) cotidianas, que nem sempre partem de premissas evidentes e irrecusáveis.

Atentos a esses casos, alguns pensadores lembraram que duas pessoas podem discordar, mesmo seguindo as regras do silogismo, caso tomem premissas diferentes, pois a conclusão dependerá sempre delas. Por isso, ressaltaram a necessidade de defendê-las com argumentos convincentes, o que se torna ainda mais relevante quando uma ação depende do acordo entre opiniões. Em tais circunstâncias, mesmo que dois interlocutores demonstrem logicamente a validade de suas conclusões, terão que mostrar um ao outro a diferença de valor entre elas. Se usarem apenas razões afetivas ou pessoais, obterão somente a persuasão, mas, se usarem razões racionais, aí, sim, poderão obter a convicção.

Pensando nisso, o belga Chaim Perelman estudou a argumentação, como uso da linguagem em situações de desacordo – estudo que chamou de Lógica da argumentação ou Nova Retórica. Na década de 1940, ele mostrou que os argumentos – definidos como opiniões fundamentadas em causas – devem considerar, além da forma, a atenção do ouvinte, com apreço pela sua adesão. Traduzindo: não se deve impor ideias ou enganar o interlocutor, mas, sim, despertar a sua convicção.

Segundo essa visão, argumentar é agir sobre o ouvinte por meio do discurso. Logo, aquele que o faz precisa perceber para quem está falando, ou seja, qual o seu auditório. Afinal, o que está em jogo não é só a verdade, como na demonstração lógica, mas também diferentes julgamentos de valor. Nesses casos, a argumentação substitui a força e a violência para obter a adesão dos ouvintes. Considerando esse contexto, Perelman destacou dois tipos de discursos:

a educação, que procura reafirmar opiniões já aceitas, apresentando-as como premissas desejáveis;

a propaganda, que procura modificar opiniões para criar novos interesses.

Diante de ambas, ele demonstrou que o conhecimento da argumentação pode tornar as pessoas mais críticas e menos vulneráveis a falácias e manipulações. Reflita e discuta sobre esse posiciona-mento, considerando as teses do texto a seguir.

A validade refere-se ao

aspecto formal do raciocínio, e o valor, às preferências, às crenças e

aos princípios implícitos no

raciocínio.

Por muito tempo, a

Retórica foi vista

apenas como instrumento de

manipulação e interesses.

Mas, no século XX, tornou-se

alvo de estudos jurídicos e

filosóficos, devido à

necessidade da argumentação.

m

Pode-se, de fato, tentar obter um mesmo resultado, seja pelo recurso à violência, seja pelo discurso que visa à adesão dos espíritos. É em função dessa alternativa que se concebe com mais clareza a oposição entre liberdade espiritual e coação. O uso da argumentação implica que se tenha renunciado a recorrer unicamente à força, que se dê apreço à adesão do interlocutor, obtida graças a uma persuasão racional, que este não seja tratado como um objeto, mas que se apele à sua liberdade de juízo. O recurso à argumentação supõe o estabelecimento de uma comunidade dos espíritos que, enquanto dura, exclui o uso da violência. Consentir na discussão é aceitar colocar-se do ponto de vista do interlocutor, é só se prender ao que ele admite e não se prevalecer de suas próprias crenças. Senão na medida em que aquele que procuramos persu-adir está disposto a dar-lhe seu assentimento. [...]Alguns ponderarão que, às vezes, ou mesmo sempre, o recurso à argumentação não passa de uma dissi-

mulação. Haveria apenas uma aparência de debate argumentativo, seja porque o orador impõe ao audi-tório a obrigação de escutar, seja porque este último se contenta em simular escutá-lo: tanto num como noutro caso, a argumentação não seria mais que uma léria, o acordo adquirido não passaria de uma for-ma disfarçada de coerção ou de um símbolo de boa vontade. Essa opinião sobre a natureza do debate argumentativo não pode ser excluída a priori; no entanto a movimentação da máquina argumentativa fica mal explicada se, em certos casos pelo menos, não há persuasão verdadeira. De fato, toda comunidade, seja ela nacional ou internacional, prevê instituições jurídicas, políticas ou diplomáticas que permitem resolver certos conflitos sem que se seja obrigado a recorrer à violência. Mas é uma ilusão crer que as condições dessa comunhão das consciências estão escritas na natureza das coisas. [...]

PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a Nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 61-62.Léria: fala astuciosa, falácia.

Ensino Médio | Modular 51

FILOSOFIA

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1. Numere a segunda coluna, indicando o tipo de falácia não formal presente em cada item:

(1) Argumentum ad baculum (5) Argumentum ad populum

(2) Argumentum ad hominem (6) Argumentum ad verecundiam

(3) Argumentum ad ignorantiam (7) Acidente convertido

(4) Argumentum ad misericordiam (8) Petitio principii

( ) É claro que devo seguir as dicas desse homem. Ele não seria um ídolo para milhões de pessoas se não tivesse razão no que diz.

( ) Os ecologistas afirmam que a água vai terminar, mas ainda há muita água no planeta. Logo, não há por que sermos tão rigorosos na economia desse recurso.

( ) Nosso partido é a melhor opção política para o país. Estamos à frente nas pesquisas e isso mostra que muitas pessoas reconhecem a nossa superioridade em relação aos adversários. Portanto, não há opção melhor para governar o país.

( ) Os tempos são outros, e você precisa acompanhar os avanços da Modernidade.

( ) Você é mulher, por isso defende os direitos femininos. É um modo de garantir os seus próprios interesses.

( ) Você não pode desmanchar o nosso namoro. Não faça isso comigo, pois eu não vivo sem você.

( ) Conheci pessoas carentes que se acomodaram diante de medidas assistencialistas. Portanto, não se deve investir em programas de atendimento emergencial às vítimas da miséria.

( ) É claro, sendo uma pessoa tão razoável, você concordará com o que estou propondo.

2. Pesquise definições de argumento. Dê exemplos de argumentos válidos e contraexemplos.

3. Por meio de pesquisa, apresente, explique e exemplifique um outro tipo de falácia não formal, além dos que foram apresentados nesta unidade.

4. Aponte possíveis efeitos políticos e sociais decorrentes do conhecimento da argumentação. Justifique suas opiniões.

5. Considerando o texto da Leitura filosófica, discuta a seguinte questão: a sociedade na qual você está inserido oferece oportunidades reais para a argumentação entre as pessoas? Apresente as suas conclusões em forma de texto, argumentando a favor de cada uma delas.

52 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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1. (UFU – MG) Só resta o mito de uma via, a do ser; e sobre esta existem indícios de que sendo não gerado é tam-bém imperecível, pois é todo inteiro, inabalável e sem fim; nem jamais era nem será, pois é agora todo junto, uno, contínuo […].

Sobre a natureza, 8, 2-5.

Considerando-se esse trecho do poema de Parmênides, é possível afirmar que:

a) a continuidade, a geração e o imobilismo es-tão presentes na via do ser;

b) o ser, por não poder não ser, não é gerado nem deixa de ser, não tendo princípio nem fim;

c) a via do ser é aquela percebida pelos nossos sentidos;

d) o ser, para o autor, de certo modo não é, pois nunca foi no passado nem será no futuro.

2. (UFU – MG) Vou explicar-me, e não será argumento sem valor, a saber: que nenhuma coisa é una em si mesma e que não há o que possas denominar com acerto ou dizer como é constituída. Se a qualificares como grande, ela parecerá também pequena; se pesada, leve, e as-sim em tudo o mais, de forma que nada é uno, ou algo determinado ou como quer que seja. Da transla-ção das coisas, do movimento e da mistura de umas com as outras é que se forma tudo o que dizemos existir, sem usarmos a expressão correta, pois em ri-gor nada é ou existe, tudo devém. Sobre isso, com exceção de Parmênides, todos os sábios […] estão de acordo: Protágoras, Heráclito e Empédocles [...]. PLATÃO. Teeteto. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. p. 50.

Tendo em vista o trecho de Platão citado acima, explique, a partir da distinção entre o uno de Parmênides e o devir de Heráclito, por que no mobilismo nada é e por que para Parmênides apenas o Ser é.

3. (UFU – MG) A substância, no sentido mais fundamental, pri-meiro e principal do termo, é o que não se afirma de um sujeito, nem ocorre num sujeito; por exem-plo, o homem individual ou o cavalo individual.

ARISTÓTELES. Categorias, V, 2ª. p. 11-14.

André é um homem branco, tem dois metros de altura e hoje se encontra sentado na esquina, lendo um romance que emociona a cada página.Considerando-se os textos acima, é correto afirmar que:

a) o conceito aristotélico de substância expressa uma crítica ao abstracionismo da ideia platônica e, se-gundo Aristóteles, podemos afirmar que o essen-cial na descrição de “André” é o fato de que hoje ele se emociona na sua leitura;

b) o conceito aristotélico de substância é um outro nome para a ideia platônica e, segundo Aristóteles, podemos afirmar que “André” participa da ideia de homem;

c) o conceito aristotélico de substância expressa uma crítica à Teoria das Ideias de Platão e, segundo Aristóteles, podemos considerar “André” como substância, homem como sua espécie e os outros atributos da sua descrição como acidentais;

d) o conceito aristotélico de substância é uma ideia cuja existência encontramos em um mundo inte-ligível diferente do sensível e, segundo Aristóteles, podemos considerar “André” como uma ideia, e os outros atributos da sua descrição como ima-gens que o complementam.

4. (UFU – MG) Leia o texto abaixo:Dos gêneros e das espécies não direi aqui se eles existem ou são postos somente no intelecto, nem, no caso que exista, se são corpóreos, se separados das coisas sensíveis ou situados nas próprias coi-sas e exprimindo os seus caracteres comuns.

PORFÍRIO. Isagoge, I.

No texto acima, que deu origem à disputa sobre os universais no período da Escolástica, Porfírio faz referência:

a) à Teoria das Ideias de Platão que, por meio de Sócrates, afirmava que nada se poderia saber;

b) à Teoria da Iluminação de Santo Agostinho, que foi o primeiro a criticar o recurso à Lógica para se investigarem as verdades eternas;

c) às Categorias de Aristóteles, em que se encontra enunciada a lista das dez maneiras pelas quais um atributo pode ser predicado de um sujeito;

d) à prova da existência de Deus, apresentada por Tomás de Aquino através das cinco vias da Suma Teológica.

5. (UFU – MG) O trecho abaixo, que descreve o mo-mento da origem do Kosmos, faz referência ao paradigma platônico das formas:Outro ponto que precisamos deixar claro é saber qual dos dois modelos tinha em vista o arquite-to quando o construiu (o Kosmos): o imutável e sempre igual a si mesmo ou o que está sujeito

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FILOSOFIA

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ao nascimento? Ora, se este mundo é belo e for bom seu construtor, sem dúvida este fixara a vis-ta no modelo eterno; e se for o que nem se pode-rá mencionar, no modelo sujeito ao nascimento.

PLATÃO. Timeu. Belém: EDUFPA, 2001. p. 28c-29a.

Marque a alternativa que caracteriza correta-mente o modelo das Formas:

a) Para explicar a origem do Kosmos, Platão divi-de todas as coisas em duas ordens inteiramente separadas e distintas: um modelo eterno, e ou-tro sujeito ao nascimento e às mudanças. O pri-meiro é somente inteligível e constitui o alvo da atividade filosófica. O segundo é sensível, sujei-to à destruição, e não tem qualquer relação ou parentesco com o modelo eterno que serve de base para a arquitetura do mundo.

b) Platão postula as Formas, um paradigma eter-no, que constitui a causa e a origem de todas as coisas sensíveis. Seres sensíveis são o efeito das causas inteligíveis, que lhes dão a existência e os nomes. As Formas, ou Ideias, são eternamente idênticas a si mesmas, imutáveis e unas. Tudo o que é sensível existe porque participa das For-mas e se assemelha a elas, do mesmo modo que uma imagem em relação ao modelo original.

c) Na formação do Kosmos, Platão adota dois modelos: o modelo imutável e o modelo sujei-to ao nascimento. O modelo imutável é consti-tuído pelas Formas inteligíveis e serve de base para a arquitetura do mundo porque é belo e somente pensável. O modelo sujeito ao nasci-mento constitui as Formas sensíveis, que dão origem às coisas mutáveis e destrutíveis.

d) Platão postula dois modelos cosmológicos na sua Filosofia: o modelo bom e eterno, e o mo-delo ruim e sensível. O modelo eterno repre-senta o plano arquitetônico do Kosmos, que se identifica unicamente com o que é inteligí-vel. O modelo sensível representa tudo o que é corporal. As Formas são uma duplicação inteli-gível do mundo sensível e servem para explicar o parentesco do pensamento com o divino.

6. (UFU – MG) “Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.” Sobre o silogismo em geral e, sobre este em particular, é correto afirmar que:

I. É um raciocínio indutivo, pois parte de duas premissas verdadeiras e chega a uma conclu-são também verdadeira.

II. O termo médio homem liga os extremos e, por isso, não pode estar presente na conclu-são.

III. É um raciocínio válido, porque é constituído por proposições verdadeiras, não importan-do a relação de inclusão (ou de exclusão) es-tabelecida entre seus termos.

IV. As premissas, desde que uma delas seja uni-versal, devem tornar necessária a conclusão.

Marque a alternativa que contém todas as afir-mações corretas.

a) II e IV; b) I e II; c) II e III; d) III e IV.

7. (UFSM – RS) Leia o seguinte trecho de um diálogo:

Carol: Olhe, Aisha, comer carne é natural para nós. Nós fomos projetados para comer carne.

Então, Carol abriu a boca e mostrou a Aisha os dois dentes pontudos nos cantos de sua boca.

Carol: Está vendo estes dois dentes? São os ca-ninos. Você também os tem. Foram projetados para comer carne. Todos os carnívoros os têm. Só estou fazendo o que é natural.

Aisha, porém, não viu nisso uma boa razão para não ser vegetariana (Arquivos filosóficos, de

Stephen Law).

Analise as afirmações relacionadas ao argumen-to do texto.

I. “Se comer carne é natural para nós, então não devemos ser vegetarianos” não é uma premissa implícita no argumento de Carol.

II. Aisha poderia corretamente criticar Carol por concluir um enunciado valorativo de uma afirmação factual.

III. O argumento de Carol é de tipo dedutivo.

Está(ão) correta(s):

a) apenas I; b) apenas II; c) apenas III; d) apenas I e II;

e) apenas II e III.

8. (UFMG) Classifique os argumentos que se se-guem em indutivos (I) ou dedutivos (D):

( ) Pedro, Joana, Francisco e Andreia têm ótimas notas em Matemática e são bons jogadores de xadrez. Fernando tem ótimas notas em Mate-mática. Fernando é bom jogador de xadrez.

( ) Alunos brilhantes nunca estudam aos do-mingos. Maria sempre estuda aos domingos. Maria não é uma aluna brilhante.

( ) Se o determinismo é uma doutrina verdadei-ra, a vontade humana não é livre. O determi-nismo é uma doutrina verdadeira. A vontade humana não é livre.

ao nascimento? Ora, se este mundo é belo e for bom seu construtor, sem dúvida este fixara a vis-ta no modelo eterno; e se for o que nem se pode-rá mencionar, no modelo sujeito ao nascimento.

PLATÃO. Timeu. Belém: EDUFPA, 2001. p. 28c-29a.

Marque a alternativa que caracteriza correta-mente o modelo das Formas:

a)Para explicar a origem do Kosmos, Platão divi-de todas as coisas em duas ordens inteiramente separadas e distintas: um modelo eterno, e ou-tro sujeito ao nascimento e às mudanças. O pri-meiro é somente inteligível e constitui o alvo daatividade filosófica. O segundo é sensível, sujei-to à destruição, e não tem qualquer relação ou parentesco com o modelo eterno que serve debase para a arquitetura do mundo.

b) Platão postula as Formas, um paradigma eter-no, que constitui a causa e a origem de todas as coisas sensíveis. Seres sensíveis são o efeito das causas inteligíveis, que lhes dão a existência e os nomes. As Formas, ou Ideias, são eternamenteidênticas a si mesmas, imutáveis e unas. Tudoo que é sensível existe porque participa das For-rrmas e se assemelha a elas, do mesmo modo queuma imagem em relação ao modelo original.

c)Na formação do Kosmos, Platão adota dois modelos: o modelo imutável e o modelo sujei-to ao nascimento. O modelo imutável é consti-tuído pelas Formas inteligíveis e serve de basepara a arquitetura do mundo porque é belo esomente pensável. O modelo sujeito ao nasci-mento constitui as Formas sensíveis, que dãoorigem às coisas mutáveis e destrutíveis.

d)Platão postula dois modelos cosmológicos na sua Filosofia: o modelo bom e eterno, e o mo-delo ruim e sensível. O modelo eterno repre-senta o plano arquitetônico do Kosmos, quese identifica unicamente com o que é inteligí-vel. O modelo sensível representa tudo o que é corporal. As Formas são uma duplicação inteli-gível do mundo sensível e servem para explicar o parentesco do pensamento com o divino.

6. (UFU – MG) “Todos os homens são mortais.Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.”Sobre o silogismo em geral e, sobre este emparticular, é correto afirmar que:

I. É um raciocínio indutivo, pois parte de duas premissas verdadeiras e chega a uma conclu-são também verdadeira.

II. O termo médio homem liga os extremos e, por isso, não pode estar presente na conclu-são.

III. É um raciocínio válido, porque é constituído por proposições verdadeiras, não importan-do a relação de inclusão (ou de exclusão) es-tabelecida entre seus termos.

IV. As premissas, desde que uma delas seja uni-versal, devem tornar necessária a conclusão.

Marque a alternativa que contém todas as afir-mações corretas.

a) II e IV; b) I e II;c) II e III; d) III e IV.

7. (UFSM – RS) Leia o seguinte trecho de um diálogo:

Carol: Olhe, Aisha, comer carne é natural paranós. Nós fomos projetados para comer carne.

Então, Carol abriu a boca e mostrou a Aisha os dois dentes pontudos nos cantos de sua boca.

Carol: Está vendo estes dois dentes? São os ca-ninos. Você também os tem. Foram projetados para comer carne. Todos os carnívoros os têm. Só estou fazendo o que é natural.

Aisha, porém, não viu nisso uma boa razão para não ser vegetariana (Arquivos filosóficos, de

Stephen Law).

Analise as afirmações relacionadas ao argumen-to do texto.

I. “Se comer carne é natural para nós, entãonão devemos ser vegetarianos” não é umapremissa implícita no argumento de Carol.

II. Aisha poderia corretamente criticar Carol por concluir um enunciado valorativo de umaafirmação factual.

III. O argumento de Carol é de tipo dedutivo.

Está(ão) correta(s):

a) apenas I; b) apenas II;c) apenas III; d) apenas I e II;

e) apenas II e III.

8. (UFMG) Classifique os argumentos que se se-guem em indutivos (I) ou dedutivos (D):

( ) Pedro, Joana, Francisco e Andreia têm ótimas notas em Matemática e são bons jogadores dexadrez. Fernando tem ótimas notas em Mate-mática. Fernando é bom jogador de xadrez.

( ) Alunos brilhantes nunca estudam aos do-mingos. Maria sempre estuda aos domingos. Maria não é uma aluna brilhante.

( ) Se o determinismo é uma doutrina verdadei-ra, a vontade humana não é livre. O determi-nismo é uma doutrina verdadeira. A vontade humana não é livre.

54 Realidade e Razão (Metafísica, Lógica e Filosofia da linguagem)

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( ) Insisto em dizer que a infração de que sou acusado se deve a um engano do guarda de trânsito, já que dirijo há mais de trinta anos e nunca fui multado.

( ) Deus arrependeu-se de ter criado o homem. Ora, quem se arrepende do que faz age im-pensadamente. Portanto Deus age impensa-damente.

9. (UFMG) Indique uma característica própria aos:a) Argumentos indutivos.b) Argumentos dedutivos.

10. (UFU – MG) A respeito dos juízos analíticos e dos juízos sintéticos em Kant, é correto afirmar que:a) Juízos analíticos ou de experiência são aqueles

em que a relação entre o sujeito e seu predica-do é pensada sem identidade; juízos sintéticos ou afirmativos são aqueles em que há identi-dade entre o sujeito e seu predicado.

b) Juízos analíticos ou afirmativos são aqueles que resultam da identidade do sujeito com seu predicado; os juízos sintéticos ou de ex-periência são aqueles que são pensados sem a identidade entre o sujeito e seu predicado.

c) Juízo analítico é fundado sobre a experiência, porque o fundamento é sempre o testemunho da experiência; os juízos sintéticos, que são princípios de identidade, não acrescentam ao sujeito nenhum predicado novo.

d) Juízos analíticos, resultantes da identidade do sujeito com o seu predicado, podem ser deno-minados de juízos de ampliação; os juízos sin-téticos, nos quais não há identidade, podem ser denominados de juízos de elucidação.

11. Leia atentamente os trechos a seguir:

[...] O exemplo clássico desta falácia relaciona-se com o procedimento judicial britânico. Na Grã- -Bretanha, a prática da advocacia divide-se en-tre solictors (procuradores ou solicitadores), que preparam os casos para apresentação a juízo, e os barristers (advogados de foro), que pleiteiam e argúem a causa no tribunal. Habitualmente, a cooperação entre eles é admirável mas, por ve-zes, deixa muito a desejar. Numa destas últimas ocasiões, o barrister ignorava o caso plenamente até o dia em que tinha de ser levado a juízo e de-pendia do solicitor para a investigação do caso do querelado e a preparação das alegações. Che-gou ao tribunal antes de começar o julgamento, e o solicitor entregou-lhe a suma das alegações.

Surpreendido pela exiguidade do documento, deu uma olhada pelo conteúdo para encontrar escrito o seguinte: “Não há defesa; ataque o ad-vogado do queixoso!” [...]

COPI, Irving M. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1974, p. 75-76.

[...] Neste campo, são tentadas todas as espécies de associações entre o produto e os objetos em relação aos quais se supõe que existe uma forte aprovação pública. Comer uma certa marca de cereais industrializados é proclamado como de-ver patriótico. Tomar banho com um sabonete de certa marca é descrito como uma experiên-cia emocionante. Acordes de música sinfônica antecedem e sucedem ao anúncio de um creme dental, em programas de rádio e televisão pa-trocinados pelo seu fabricante. Nos cartazes de propaganda as pessoas que usam os produtos anunciados são sempre retratadas usando o gê-nero de vestuário e vivendo no tipo de casas que parece serem suscetíveis de despertar a apro-vação e a admiração do consumidor médio. Os jovens que nelas figuram, usando os referidos produtos, são de olhos claros e ombros largos; os anciãos, são invariavelmente, de aspecto “dis-tinto”. As mulheres são todas esbeltas e encan-tadoras, ou muitíssimo bem vestidas ou quase despidas. Quer uma pessoa esteja interessada no transporte econômico ou na condução em alta velocidade, o fabricante de automóveis garantirá que o seu produto é o “melhor” e “provará” a sua afirmação, exibindo o seu modelo de auto-móvel cercado de belas moças com biquíni. Os anunciantes “glamorizam” os seus produtos e os vendem nos sonhos e delírios de grandeza junto a cada vidro de pílulas para a prisão de ventre ou baldes para lixo. [...]

______. p. 80.

Os trechos citados exemplificam, respectivamen-te, os seguintes tipos de falácias não formais:

a) Argumentum ad baculum e Argumentum ad populum.

b) Petitio principii e Argumentum ad verecundiam. c) Argumentum ad hominem e Argumentum ad

ignorantiam. d) Argumentum ad hominem e Argumentum ad

populum.e) Argumentum ad verecundiam e Argumentum

ad baculum.

( ) Insisto em dizer que a infração de que sou acusado se deve a um engano do guarda de trânsito, já que dirijo há mais de trinta anos e nunca fui multado.

( ) Deus arrependeu-se de ter criado o homem.Ora, quem se arrepende do que faz age im-pensadamente. Portanto Deus age impensa-damente.

9. (UFMG) Indique uma característica própria aos:a) Argumentos indutivos.b) Argumentos dedutivos.

10.(UFU – MG) A respeito dos juízos analíticos e dos juízos sintéticos em Kant, é correto afirmar que:a) Juízos analíticos ou de experiência são aqueles

em que a relação entre o sujeito e seu predica-do é pensada sem identidade; juízos sintéticos ou afirmativos são aqueles em que há identi-dade entre o sujeito e seu predicado.

b) Juízos analíticos ou afirmativos são aqueles que resultam da identidade do sujeito comseu predicado; os juízos sintéticos ou de ex-periência são aqueles que são pensados sem a identidade entre o sujeito e seu predicado.

c) Juízo analítico é fundado sobre a experiência, porque o fundamento é sempre o testemunhoda experiência; os juízos sintéticos, que sãoprincípios de identidade, não acrescentam ao sujeito nenhum predicado novo.

d) Juízos analíticos, resultantes da identidade dosujeito com o seu predicado, podem ser deno-minados de juízos de ampliação; os juízos sin-téticos, nos quais não há identidade, podemser denominados de juízos de elucidação.

11.Leia atentamente os trechos a seguir:

[...] O exemplo clássico desta falácia relaciona-se com o procedimento judicial britânico. Na Grã--Bretanha, a prática da advocacia divide-se en-tre solictors (procuradores ou solicitadores), que preparam os casos para apresentação a juízo, e os barristers (advogados de foro), que pleiteiame argúem a causa no tribunal. Habitualmente, a cooperação entre eles é admirável mas, por ve-zes, deixa muito a desejar. Numa destas últimas ocasiões, o barrister ignorava o caso plenamente raté o dia em que tinha de ser levado a juízo e de-pendia do solicitor para a investigação do casordo querelado e a preparação das alegações. Che-gou ao tribunal antes de começar o julgamento, e o solicitor entregou-lhe a suma das alegações.r

Surpreendido pela exiguidade do documento, deu uma olhada pelo conteúdo para encontrar escrito o seguinte: “Não há defesa; ataque o ad-vogado do queixoso!” [...]

COPI, Irving M. Introdução à Lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1974, p. 75-76.

[...] Neste campo, são tentadas todas as espéciesde associações entre o produto e os objetos em relação aos quais se supõe que existe uma forteaprovação pública. Comer uma certa marca decereais industrializados é proclamado como de-ver patriótico. Tomar banho com um sabonete de certa marca é descrito como uma experiên-cia emocionante. Acordes de música sinfônica antecedem e sucedem ao anúncio de um creme dental, em programas de rádio e televisão pa-trocinados pelo seu fabricante. Nos cartazes depropaganda as pessoas que usam os produtos anunciados são sempre retratadas usando o gê-nero de vestuário e vivendo no tipo de casas que parece serem suscetíveis de despertar a apro-vação e a admiração do consumidor médio. Os jovens que nelas figuram, usando os referidos produtos, são de olhos claros e ombros largos; os anciãos, são invariavelmente, de aspecto “dis-tinto”. As mulheres são todas esbeltas e encan-tadoras, ou muitíssimo bem vestidas ou quase despidas. Quer uma pessoa esteja interessada notransporte econômico ou na condução em alta velocidade, o fabricante de automóveis garantirá que o seu produto é o “melhor” e “provará” a sua afirmação, exibindo o seu modelo de auto-móvel cercado de belas moças com biquíni. Os anunciantes “glamorizam” os seus produtos e os vendem nos sonhos e delírios de grandeza junto a cada vidro de pílulas para a prisão de ventre ou baldes para lixo. [...]

______. p. 80.

Os trechos citados exemplificam, respectivamen-te, os seguintes tipos de falácias não formais:

a) Argumentum ad baculum e Argumentum ad populum.

b)Petitio principii e Argumentum ad verecundiam.c) Argumentum ad hominem e Argumentum ad

ignorantiam.d)Argumentum ad hominem e Argumentum ad

populum.e) Argumentum ad verecundiam e Argumentum

ad baculum.

Ensino Médio | Modular 55

FILOSOFIA

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