Reabilitar o Urbano - Volume I - Conceitos Gerais e Metodologia de Planeamento

Resumo - Resumé - Summary

Conceitos Gerais e Metodologia de Planeamento da

PLANEAMENTO DA REABILITAÇÃO URBANA

I

CONCEITOS GERAIS E METODOLOGIA

LUZ VALENTE-PEREIRAEDIÇÃO DE AUTOR

Reabilitação de Áreas UrbanasDefine-se o conceito de reabilitação urbana, assim como a importância das imagens no conhecimento da realidade, nos comportamentos e na formação do conceito de cidade. Relaciona-se ainda o desenvolvimento com as necessidades humanas, o poder e o planeamento locais.

Apresentam-se os aspectos essenciais duma proposta de método de planeamento da reabilitação de Áreas Urbanas. Enunciam-se os fundamentos gerais e o faseamento da metodologia elaborada e indica-se, relativamente às diferentes fases, os seus objectivos, conteúdos gerais, método de realização, intervenientes e resultados a alcançar.

Concepts Généraux et Méthodologie de Planification de la Réhabilitation des Zones UrbainesLe concept de réhabilitation urbaine, ansi que l’importance des images pour la connaissance de la réalité, des comportements et de la formation du concept de ville sont définis. La relation entre le développement, les besoins de l’homme, le pouvoir et la planification locaux, est présentée.

On décrit les aspects essentiels d’une méthode de planification de la réhabilitation de zones urbaines, ses fondaments généraux et les phases de la méthodologie elaborée ainsi que les objectifs, les contenus, la méthode de mise en oeuvre, les agents et les résultats relatifs à chaque phase.

General Concepts and Planning Methodology Rehabilitation of Urban AreasWe define the concept of urban rehabilitation, as well as the importance of the images in the knowledge of reality, in behavior and in the formation of the concept of town. Relates the development with human needs, the local power and the local planning.

Describes the key aspects of a method for planning the rehabilitation of urban areas, and its fondaments general phases and the objectives, content, method of implementation, the agents and the results for each phase.

ÍNDICE

Resumo - Resumé - Summary

Nota Prévia

Agradecimentos

1 QUESTÕES GERAIS

Capítulo I - REABILITAR O URBANO OU COMO RESTITUIR A CIDADE À ESTIMA PÚBLICAComo se Faz e Desfaz a Cidade ��11O Significado da Reabilitação Urbana �� 13A Didáctica da Reabilitação dos Centros Históricos �� 16Reabilitação Urbana - um Processo para o Desenvolvimento �� 18

Capítulo II - IMAGEM E CONCEITO DE CIDADEA Imagem de Cidade �� 20

A Formação da Imagem �� 21Imagem Individual e Colectiva �� 23

O Conceito de Cidade �� 24Clarificação do Conceito de Cidade �� 27

Capítulo III - DESENVOLVIMENTO E PLANEAMENTO LOCALNecessidades Humanas e Desenvolvimento �� 29Dificuldades e Exigências do Desenvolvimento �� 31Desenvolvimento e Poder Autárquico �� 32Desenvolvimento e Planeamento Local �� 34

BIBLIOGRAFIA ��36

2 PLANEAMENTO DA REABILITAÇÃO DE ÁREAS URBANAS

Capítulo IV - METODOLOGIAObjectivos �� 39Objecto �� 39Método �� 40

Capítulo V - FASE I - PREPARAÇÃO TÉCNICO/POLÍTICA Objectivos �� 43Intervenientes �� 45Método �� 45Primeira Etapa - Formação duma Opinião Técnica sobre a Área e a sua Reabilitação �� 46Metodologia de Planeamento - Fase I - Etapa I – Resumo�� 48Segunda etapa - Formação de uma Opinião Técnico/Política a Nível Municipal �� 49Terceira Etapa - Acerto a Nível Técnico/Político Regional/Central �� 49Quarta Etapa - Definição da Proposta Técnico/Política de Planeamento/Acção �� 50Resultados da Fase I �� 50

Capítulo VI - FASE II - COMUNICAÇÃO E DISCUSSÃO PÚBLICASObjectivos �� 51Intervenientes �� 51Método �� 52Resultados da Fase II �� 52

Capítulo VII - FASE III - FORMULAÇÃO DO PLANEAMENTO E PROGRAMAÇÃO DA REABILITAÇÃO URBANA

Objectivos �� 53Intervenientes �� 53Método �� 53Resultados da Fase III �� 54

Capítulo VIII - FASE IV- PLANEAMENTO/ACÇÃOObjectivos �� 55Intervenientes e Método �� 55Metodologia de Planeamento – Quadro Resumo �� 56

BIBLIOGRAFIA ��57

Nota Prévia

Nos estudos que desenvolvi no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), ao longo de quase três décadas, foi tomando especial relevo para o conhecimento dos problemas urbanos, o interesse pelos temas relacionados

com a resolução da vida quotidiana, indissociável do seu quadro físico, das orientações, condições e valores da sociedade e do modo como se exerce o “governo da cidade”.

Tornou-se fulcral ter em atenção, no questionamento e na formulação de propostas relativas aos conteúdos e às metodologias das contribuições técnicas para a resolução das questões urbanas, a relação interdependente que une os lugares e as gentes, a vida social, o território e a organização e as práticas político-administrativas, assim como o papel dos múltiplos agentes sociais nessa relação e na resolução dos problemas dela decorrentes.

As crescentes, ou crescentemente sentidas, dificuldades individuais e colectivas em organizar o dia a dia na grande cidade, conciliando a satisfação das exigências económicas, culturais, de convívio social, de lazer e afectivas; a patente e acentuada decadência física que atingiu vastas partes da cidade e o desconforto que os novos espaços e imagens geralmente proporcionam; o generalizado sentimento de perda do sentido e da prática de pertença a uma comunidade e a um território, concretos e reconhecíveis; o afastamento do contacto íntimo com o meio natural, com a origem e o fazer das coisas, assim como a ignorância ou negação das raízes, no deslumbre de outras origens e destinos e consequente perda de identidade, obriga-nos a questionar os paradigmas sociais que nos norteiam, os conhecimentos e as práticas técnico-políticas em geral e, principalmente, as envolvidas na acção político/administrativa local, na transformação directa das comunidades e dos seus espaços de vida.

Por via das preocupações expressas centrámos os nossos temas estudo no planeamento local, na escala de intervenção correspondente a áreas urbanas e na acção da sua reabilitação.

O estudo do planeamento local proporciona conhecer as práticas informais, técnico-políticas e administrativas de desenvolvimento social e de transformação territorial e as motivações e formas de relacionamento dos diversos agentes sociais. Obriga ainda, a integrar os conhecimentos e metodologias de intervenção na cidade do cidadão comum, das instituições e das diversas disciplinas que para ele concorrem e a não poder ignorar a componente política de qualquer aproximação à realidade social.

A acção de reabilitação urbana, dado que se exerce sobre a cidade viva, habitada, exclui a possibilidade de pensá-la e propo-la através duma acção técnica abstracta, dirigida a população e a actividades imaginadas e que hipoteticamente se irão instalar. Conduz, consequentemente, ao conhecimento e avaliação crítica da realidade presente, em toda a sua complexidade e a considerar a indispensabilidade de envolver a população a que diz respeito.

A intervenção em áreas urbanas processa-se numa dimensão espacial que permite o relacionamento directo e o conhecimento detalhado de uma comunidade e território concretos e estabelecer a comunicação entre os agentes sociais que nele intervêm.

Dado que consideramos que não existe desenvolvimento real e sustentável sem envolvimento colectivo nos valores e acções que o geram, procuramos conceitos, informação e metodologias de intervenção que sirvam para melhorar a comunicação entre os agentes sociais, que proporcionem bases comuns de conhecimento, discussão e concertação entre os técnicos entre si e entre estes, os políticos e os cidadãos em geral.

Os abundantes conhecimentos técnicos de que dispomos, e que tão dificilmente conseguem ser levados à prática, terão assim maior eficácia operativa. A sua divulgação, discussão e consequente reelaboração será facilitada, o que contribuirá para a construção duma cultura do desenvolvimento que reflicta o tempo, os valores e as histórias das pessoas e dos lugares, elaborada através da avaliação crítica, pelas próprias comunidades, dos seus valores e práticas. Acrescente-se que tais práticas permitirão aos cidadãos um efectivo desenvolvimento e o exercício pleno da sua cidadania.

A presente publicação reúne os textos que transmitem os resultados que considero mais significativos sob o ponto de vista didáctico, do trabalho que realizei no âmbito das preocupações descritas.

Os textos organizam-se em três volumes:

• Volume I - Exposição de conceitos gerais relativos a reabilitação urbana, desenvolvimento e planeamento local e da proposta de uma metodologia de planeamento da reabilitação de áreas urbanas.

• Volume II - Exposição de um método de conhecimento, avaliação e de diagnóstico dos problemas e potencialidades de uma área urbana baseado na leitura da sua imagem urbana.

• Volume III - Apresentação e propostas relativas ao tema da comunicação e discussão públicas, tema que corresponde à 2ª fase da metodologia exposta no Volume I.

Em consequência, principalmente, da experiência adquirida no acompanhamento da aplicação da metodologia proposta à realização do Plano de Salvaguarda do Núcleo Antigo de Sacavém, concluí o seguinte:

• O método de planeamento da reabilitação de Áreas Urbanas corresponde a um quadro compreensivo de referência que deverá ser usado como uma colecção relacionada de ferramentas que ajudam à realização da tarefa de conhecer, avaliar e elaborar propostas de intervenção para a reabilitação de uma área urbana e que o próprio utilizador terá de usar e manejar adaptando-o à sua maneira de trabalhar, às questões, dimensões e características próprias da área em estudo. Aspectos relevantes em dadas situações urbanas podem ter pouco ou nenhum significado noutras e categorias formuladas para descreverem uma característica urbana numa dada área têm por vezes de se reformular para se ajustarem a outro tipo de área de intervenção. Tal facto corresponde à preocupação que tivemos em estabelecer um método aberto, que defina uma base abrangente e coerente de aproximação aos problemas, sem fixar rigidamente os termos dessa abordagem e sem procurar criar um “pronto a usar” que dispense a contribuição inteligente e criativa de quem o utiliza.

• É importante alertar possíveis futuros utilizadores do método de leitura da imagem para questões que surgem na primeira aplicação e que podem levar ao desinteresse pela sua utilização. O leitor da imagem desconfia inicialmente do que vê, sente-se inseguro para interpretar e avaliar a área através das opiniões que vai formando, tende a querer fazer inquéritos e levantamentos exaustivos, a procurar apoio em estudos ditos científicos, em métodos que conhece e que são geralmente aceites como comprovando a veracidade dos conhecimentos obtidos; sente o desconforto de não estar apoiado em dados e argumentos “objectivos e comprovados” mas apenas nas suas opiniões. Curiosamente, qualquer urbanista que apresenta os estudos feitos na base das análises tradicionais, sabe que foram os seus conhecimentos, a experiência adquirida das questões urbanas e o confronto directo com a realidade, que fundamentalmente determinaram a sua interpretação e a formulação de convicções em relação às transformações a propor, sabe que o essencial está no “não dito”, no “não provado”, com todos os inconvenientes de, pelo facto de não ser claramente assumido e sujeito a registo, não poder ser criticado, repensado, corrigido ou completado através de estudos especializados e da discussão pública. Assumir a leitura da imagem como método de análise e diagnóstico é assumir a importância decisiva do nosso conhecimento das coisas e, simultaneamente, poder reconhecer, no contacto directo com a realidade, que é sempre nova e desconhecida, o que não somos capazes de perceber, o que não sabemos interpretar e explicar e que teremos de tentar superar formulando novas hipóteses e procurando outros métodos de análise para as comprovar. Nestes termos o método dá-nos instrumentos para questionar os conhecimentos adquiridos e procurar respostas a novas perplexidades.

• O interesse dos resultados da leitura da imagem e a sua correcção dependem essencialmente dos conhecimentos e da experiência urbana do observador, pelo que importa que a observação seja feita por um elemento da equipa qualificado nestes termos.

• A primeira aplicação do método, que se pretende expedita, é lenta, devido à resistência que é oferecida e também à demora consequente da realização simultânea de estudos que consideramos que, mesmo sendo indispensáveis, por se referirem a questões a que a leitura da imagem não consegue dar resposta (por exemplo as características sócio-económicas da população ou o regime de ocupação da habitação) se devem iniciar após a leitura, para não interferir nos seus resultados. Uma vez adquirida familiaridade e confiança no método este revela-se de rápida aplicação.

• A metodologia proposta procura ainda superar a pouca atenção aos aspectos que se referem às questões do desenho, dos significados e representações urbanos, da captação do carácter da área ou das suas partes, do espaço urbano objecto a três dimensões, que não se reduz a uma planta nem é objecto de projecto de um único autor. Estas questões, por habitualmente não serem tratadas a nível do planeamento e, consequentemente, serem remetidas para a total responsabilidade dos projectistas dos edifícios, são geralmente consideradas não prioritárias e vão

sendo empurradas para estudo posterior, até que a urgência da entrega do trabalho as liquida. O método proposto acentua a sua importância e equaciona estas questões, informa-as e organiza-as em termos da sua discussão para posterior tratamento detalhado a nível de projecto.

• Outra dificuldade da aplicação da metodologia diz respeito à concertação técnico-política, dada a dificuldade de obter dos políticos, durante o decurso do processo, a expressão das suas opiniões e decisões sobre as propostas apresentadas e, no que se refere aos serviços técnicos municipais, por não se disponibilizarem para discutir e acordar a realização das acções que lhes competirá assumir na intervenção de reabilitação, nem para ajustarem os seus programas de actividade e formas de intervir.

• A metodologia de planeamento não é compatível com a visão corrente do planeamento da reabilitação urbana que continua a confundir planeamento com a elaboração no papel de planos de reabilitação de edifícios e de espaços exteriores os quais são, na melhor das hipóteses, aplicados ao sabor das oportunidades políticas e económicas, sem a interferência da população a que se destinam e sem a sua função de integração e dinamização do conjunto das acções municipais, centrais e privadas que se exercem sobre a área em reabilitação.

A persistência da incapacidade de entender o planeamento como apoio técnico à acção política, apoio indispensável para que esta seja racional, legítima, realista e eficaz na prossecução dos interesses da população, mantém a ineficácia da contribuição do planeamento para o desenvolvimento e a qualificação territorial. Sem ultrapassar esta incompreensão, que tem as suas bases em desvios de interesses da actuação política para objectivos imediatistas e de base eleitoralista, será impossível dar ao planeamento eficácia prática no cumprimento dos seus objectivos, qualquer que seja a metodologia adoptada.

Agradecimentos

Quero destacar a oportunidade que me foi dada no Laboratório de Engenharia Civil (LNEC) de realizar os estudos que deram origem aos textos que seguidamente apresentamos, os quais à época eram considerados de pouco

interesse e utilidade para um organismo de investigação em engenharia, e que se deveu à abertura e visão prospectiva dos engenheiros Manuel Rocha e Júlio Ferry Borges, então directores do LNEC.

Ao arquitecto Nuno Portas agradeço a influência decisiva que teve na opção que fiz pela carreira da investigação e na minha formação teórica.

A participação no Plano de Salvaguarda do Núcleo Antigo de Sacavém(1) desde início e a nível de consultoria à coordenação do Plano, permitiu pôr à prova a aplicabilidade do método num caso real e foi especialmente gratificante, pelo entusiasmo e capacidade manifestados pela arquitecta Maria João Gonçalves e pelo grupo de técnicos que trabalharam à época no referido Plano.

Os esforços conjugados de colaboradores que, no LNEC, desenvolveram trabalho comigo(2), sem esquecer um grupo de estudantes do Curso de Mestrado em Desenho Urbano do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE (1995-1998) permitiram testar o método de leitura da imagem urbana e ajudaram a evidenciar dificuldades e lacunas do conhecimento de que dispunha e das propostas elaboradas.

Cabe referir a colaboração de dois bolseiros da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) (3)que teve como consequência a realização de estudos sectoriais nos domínios da arquitectura paisagística e da sociologia para apoio à leitura da imagem e aprofundamento dos respectivos temas sectoriais. Destaco a colaboração da arquitecta paisagista Maria Isabel Caetano Ferreira dado que me permitiu introduzir a análise da paisagem como elemento estruturante da análise urbana.

A ideia desta publicação teve origem numa proposta das arquitectas AnnaLaura Spalla(4) e Ana Luísa Martins a qual me serviu de guião para a actual edição.

A todos o meu profundo agradecimento e a lembrança dos momentos de entusiasmo e de desânimo que partilhámos e que são parte do sal da vida.

Ao António devo o apoio quotidiano, a presença estimulante e amiga, o afecto incondicional e a estabilidade emocional e material decisivos para a plena realização pessoal.

Olhalvo, 2013

(1) Câmara Municipal de Loures, coordenação técnica da arquitecta Maria João Gonçalves (1989 - 1993 )

(2) Arquitectos José Manuel Santos, Francisco Serdoura e Maria Isabel Brito.

(3) FERREIRA, M. I. CAETANO - Contribuição da Análise Paisagística para o Planeamento da Reabilitação de Áreas Urbanas - Estudo de Caso - Madragoa/Lapa e Benfica. Lisboa, LNEC, 1991. FERREIRA, M. I. CAETANO - Planeamento do Desenvolvimento Sócio-Urbanístico de Áreas Urbanas.

1ª Parte- Contribuição da Análise Paisagística no Planeamento do Desenvolvimento Sócio-Urbanístico de Áreas Ur-banas. Lisboa, LNEC, 1989.

2ª Parte- Índices de Qualidade Ambiental. Lisboa, LNEC,1990. ANTUNES, A.A. ROSA - Contribuição para a Definição das Necessidades Sociais a Nível do Quotidiano numa Área Urbana.

1ª Parte - Práticas Sociais Quotidianas das e Apropriação Social do Espaço, Lisboa, LNEC, 1989.2ª Parte - Utilização e Apropriação de Áreas Urbanas, Lisboa, LNEC,1990.

(4) Bolseira da COMET/LNEC e autora do relatório “Un intervento di Recupero nella Periferia Orientale di Lisbona: piano di riqualificazione ambientale e urbana della Freguesia di Sacavém e progetto di transformazione dei fronte d’aqua”, Genova, Universitá degli Studi di Genova, Facoltá di Arquitettura, Lisboa, LNEC, 1993.

1 QUESTÕES GERAIS

Reabilitação UrbanaImagem e Conceito de CidadeDesenvolvimento e Planeamento Local

Capítulo I - REABILITAR O URBANO OU COMO RESTITUIR A CIDADE À ESTIMA PÚBLICA(1)

(1) Texto escrito em 1986 e revisto para esta edição

Como se Faz e Desfaz a Cidade

A história mostra que o modo como se formou e desenvolveu a cidade, para quem, para quê e em nome de que valores ela se fez e se vai transformando, têm respostas diferentes em cada época e conforme o país, região ou local

que se considerem.

A cidade é a mais complexa criação da sociedade, cristaliza os processos sociais, a sua configuração física está ligada à morfologia dos sítios e vai reflectindo a mudança desses processos, conservando o seu testemunho e adquirindo, por estas vias, carácter próprio que enraíza e constrói a identidade dos seus habitantes, que estimula e organiza os modos de vida e os comportamentos colectivos e individuais e influi nos sucessivos modos de transformação urbana.

As cidades que temos são constituídas pelo que foi ficando construido, ou seja, pelo que os agentes sociais de cada época, ao relacionarem-se e ao expressarem a sua modernidade, aproveitaram do passado, da sua tradição, pelo que consideraram “moderno”, “usável”, ou apenas “não incomodando o progresso” e ainda pelo que acrescentaram e modificaram na realização das mudanças sociais, na satisfação de novas necessidades, valores e gostos, na introdução de novas tecnologias e na luta pela sobrevivência num espaço que nem a todos contemplava e que alguns, por vezes muitos, se tiveram de apropriar na marginalidade.

Na época pós-industrial o processo foi semelhante, orientado por uma noção de progresso que exigia a ruptura com o passado, a sua destruição e renovação apoiadas por um mercado com características crescentemente especulativas e por um planeamento orientado por um modelo de habitar funcionalista e universalista.

Este modelo de progresso teve o corolário de consequências que conhecemos e baseava-se em pressupostos técnicos

e político/administrativos de que ainda nos não libertamos - aos técnicos competia-lhes definir a forma da cidade, “a melhor forma”, dado que dispunham da “ciência da organização do espaço”, o urbanismo, e aos políticos e à administração estava reservado o papel de tomar as decisões e empreender as tarefas necessárias à execução e gestão dessas propostas. À população competia habitá-las, dar-lhes o uso adequado e preestabelecido de acordo com critérios técnicos de qualidade.

Estes papéis as mais das vezes não se cumpriam, atropelados por decisões e iniciativas que escapavam aos procedimentos pressupostos e por desajustes entre os modelos padronizados dos técnicos e as múltiplas realidades da população.

A cidade actual ir-se-á fazer e desfazer pela mesma via - pela relação entre os processos sociais de hoje e os espaços onde estes se desenvolvem, orientada pelos valores, ideias e modelos de modernidade e de progresso que formos tendo.

Qualquer intervenção urbana, seja de reabilitação, recuperação, renovação ou expansão, faz e desfaz cidade, produz-se na base da relação indicada e tem de assumir todas as suas dimensões e protagonistas se quiser contribuir para a construção da mudança que o mal estar colectivo, que se manifesta de múltiplas formas perante a cidade de que dispomos hoje, exige.

A atitude voluntarista de transformação da cidade, que o planeamento do território pressupõe, tem de adoptar práticas que influenciem os processos sociais, os valores e os modelos colectivos de progresso ou não conseguirá atingir os seus objectivos.

De que cidade dispomos hoje? De uma cidade esparsa num vastíssimo território que inclui amplos espaços de paisagem rural que se urbanizam sob os olhos desatentos dos técnicos e da administração e onde se aglomeram e dispersam, ao acaso das circunstâncias, actividades e construções urbanas, espaços que se vão somando às crescentes periferias dos tecidos urbanos consolidados e compactos da velha urbe onde se misturam, sem se ligarem, as chamadas urbanizações, bairros semi-renovados, áreas verdes, zonas industriais decadentes, manchas de barracas, restos de antigas aldeias e quintas sobrevivendo entre loteamentos, emaranhados de vias que se desenvolvem a vários níveis e os restos mutilados do casco pré-industrial com algumas ilhas mais ou menos degradadas e que guardam as virtudes que o nosso mal estar deseja: um quadro físico estruturado e atraente, com carácter e escala, habitado por uma população que mantém um “viver antigo” o qual contém a qualidade que nos é apetecível e que advém da relação de apropriação com o espaço, da continuidade não quebrada da vida colectiva e do lugar dela, da diversidade expressiva da mistura de diferentes gentes e actividades, da magia dos sítios.

É neste contexto de cidade fragmentada, soma aleatória e descosida de restos de antigas e recentes histórias e de espaços sobrantes esvaziados de sentido, cristalização de processos sociais, de valores, ideias e modelos resultantes dos tipos de desenvolvimento postos em prática ao longo do tempo, que a reabilitação urbana procura o actual sentido de transformação da cidade, novas formas de desenvolvimento que se reflictam nela reestruturando-a de modo a torná-la no lugar que se estima, onde se gosta de viver.

A reabilitação urbana adquire todo o seu significado na busca da cidade que nos expressa hoje, tal como somos e no pressuposto que essa maneira de ser inclui capacidade crítica e vontade de sermos outros, mais felizes e capazes de construir uma cidade melhor, uma cidade reabilitada.

É este o significado da reabilitação urbana que é necessário assumir e que implica profundas transformações no modo de ser cidadão e, consequentemente, nos processos, modelos e valores que orientam a construção do nosso habitat.

O Significado da Reabilitação Urbana

O que distingue a reabilitação dos outros tipos de intervenção urbana? Consideramos que a diferença essencial reside nas intenções que explicita e nos procedimentos técnico/administrativos que exige. Essas intenções e

procedimentos procuram encontrar resposta às preocupações que são consequência e que põem em causa os processos sociais, os espaços e os conceitos da cidade que temos hoje.

Consultando o dicionário(1)verificamos que reabilitação quer dizer:

• “Recuperar do bom e antigo conceito”.

• “Restaurar o bom conceito anteriormente perdido”.

• “Restabelecer o crédito e o conceito anteriores por uma acção de justiça”.

• “Restituir à estima pública”, “restabelecer no estado anterior o que deixara de estar”.

Realizar uma operação de reabilitação pressupõe, consequentemente, e se não nos enganamos na denominação, que se vai procurar intervir na cidade procedendo de modo a reaver o crédito de que a cidade dispunha, a restituir a cidade à estima pública, a restabelecê-la no estado anterior e que deixara de estar. A reabilitação urbana pressupõe que reconhecemos a perda da capacidade de fazer a cidade da nossa estima e que queremos readquiri-la.

A reabilitação urbana, iniciada para conservar os centros históricos, o testemunho da excelência da cidade antiga e resistente ao desenrolar dos tempos, tem sobretudo interesse se for encarada como podendo contribuir para dar resposta à nossa actual perplexidade; para reaprendermos a agarrar a cidade que nos foge e que permanece neles, desadaptada e arruinada; para readquirirmos a capacidade de construir os espaços do nosso habitat, de encontrar o sentido e a forma do nosso viver colectivo e de conciliar as necessidades contraditórias que nos caracterizam.

O que está em causa na reabilitação não são apenas, nem principalmente, os centros históricos, mas a cidade como meio actual e universal de vida, reflexo construído dos nossos objectivos e processos de desenvolvimento.

Curiosamente, as áreas que são objecto de reabilitação prioritária são aquelas que conservam os predicados que procuramos, as áreas que seriam as mais “habilitadas”.

Não estamos, no entanto, perante um engano colectivo, como a lógica do discurso poderia fazer pressupor. Pelo contrário, a prioridade dada aos centros históricos explica-se porque estão ameaçados de ruína e vão-se esvaziando das suas funções; porque sentimos a necessidade de os não deixar desaparecer; porque precisamos deles para reaprender a cidade, para sermos capazes de a compreender, de lidar com todas as suas dimensões e “ao vivo”, de ensaiar práticas que não só reiniciem o diálogo com a cidade existente, mas se apoiem num tecido que nos ensine, nos estimule, nos ajude a reencontrar respostas aos problemas de fundo da cidade actual e que os centros históricos não têm, exactamente, nos aspectos que hoje nos preocupam e que são:

• A falta de estabilidade do meio físico, em descontrolada mutação, que não permite estabelecer relações duradouras entre a população e o seu ambiente e elaborar no tempo o carácter e a cultura dos locais e das gentes.

• A falta de vitalidade da cidade, a perda da cidade como local de morada que é, simultaneamente, lugar da produção, do comércio e do lazer e não apenas do consumismo e da burocracia, local onde se vai, mas que se não habita.

• A falta de apropriação social e cultural do espaço, por via da perda de controlo pelos cidadãos dos espaços do seu quotidiano, espaços que se tornaram dispersos, amorfos, ilegíveis, desconfortáveis, mutantes e inseguros.

• A perda do sentido de escala, de coerência e harmonia formais, de capacidade de exprimir o conjunto das dimensões e das necessidades humanas, por via da super-valorização das exigências e valores económicos.

• A perda de capacidade de elaborar e expressar uma cultura que afirme a dignidade de pertencer a uma comunidade e a um espaço de ser cidadão, de ser parte inteira dum lugar.

Se se aceita o significado amplo da reabilitação urbana, as razões fundas do seu surgimento como forma de intervir na cidade existente, podemos concluir que o problema da reabilitação urbana é, prioritariamente, um problema cultural e social, de estabelecimento de práticas que proporcionem um desenvolvimento que integre comunidade e território,

(1) Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de José Pedro Machado, 1968

que abram caminho para uma vida melhor, para uma sociedade mais feliz.

A reabilitação aposta, essencialmente, nos conceitos, valores e práticas urbanas que sentimos perdidos na cidade de hoje, para os encontrar e de lhes dar expressão, para que a cidade se reabilite e “volte a ser estimada”.

A procura do bom conceito de cidade não se realiza refazendo o passado, elabora-se com ele, na aprendizagem alargada e crítica dos modelos existentes, nas próprias práticas de interacção com a cidade viva e no conjunto das suas dimensões.

Alcançar o “bom e antigo conceito”, “restabelecer a cidade no estado anterior” corresponde a uma ideia de progresso e não de retrocesso. Não se pretende voltar atrás e repetir a história.

A reabilitação urbana explicita uma vontade de desenvolvimento, mas de um desenvolvimento outro, baseado na aprendizagem das nossas raízes; na experiência cimentada na cidade existente; na descoberta do que somos e do que nos falta para construirmos a nossa modernidade; no mistério de certas amostras da cidade, antigas e paradoxalmente muito mais modernas; no enigma da sua capacidade de sobreviver e de guardar a nossa estima, de resistir a sucessivas transformações, permanecendo vivas, culturalmente habilitadas, e conservando o “bom conceito”.

A reabilitação urbana:

• É uma nova política urbana, uma perspectiva sobre como intervir na cidade para a modernizar e não uma operação singular aplicada a uma área singular para que apenas mantenha o seu testemunho histórico.

• Diz respeito a toda a cidade. O que está em causa não é o centro histórico ou as diferentes áreas que mantiveram um património que testemunha antigas e sucessivas épocas e modos de resolvê-las, mas saber como proceder para restituir a cidade, toda a cidade, à estima pública, para reaver o perdido bom conceito de habitar.

• Exige que uma das características fundamentais da nova política urbana seja estabelecer a ligação entre as práticas técnicas, políticas e as quotidianas dos cidadãos, retirando a exclusividade do diálogo com a cidade à administração, à propriedade fundiária e aos profissionais que as servem.

A preocupação com o património de valor histórico revela que nos apercebemos de que os processos sociais desenvolvidos, sobretudo no período pós-industrial, segundo um modelo desenvolvimentista que a cultura urbanística do movimento moderno interpretou tecnocraticamente e a prática de gestão aplicou em parte, cortou-nos da sabedoria de lidar com a cidade existente como forma de a transformar e que procuramos reatar esse diálogo que a cidade antiga patenteia.

A reabilitação urbana exige pôr em prática uma nova política urbana, ou seja, uma nova forma de intervir na transformação da cidade, intervenção que:

• Se empenhe na construção das transformações sociais.

• Esteja atenta ao fenómeno que conjuga o declínio da cidade como local de morada e a ocupação, pelo urbanita, do esquecido espaço dito rural, o qual está a sofrer uma intensa, ignorada e trágica transformação.

• Tome consciência da necessidade de encontrar respostas para os graves problemas ambientais, de exaustão de recursos naturais, de extinção de espécies animais e vegetais e de destruição da paisagem, problemas que resultam do tipo de desenvolvimento e de ocupação urbana.

• Encare a multiplicidade de dimensões e de territórios da urbanidade e assuma a imensidade dos espaços conquistados pela cidade e que esta se recusa a aceitar como seus, marginalizando-os e sendo marginalizada por isso.

A nova política urbana terá consequentemente de dar prioridade:

• À dimensão social e simbólica da cidade alargada, ao modo e à qualidade de vida no território expandido do urbanita, em vez de se limitar a estar atenta à expressão, no interior dos perímetros urbanos tradicionais, da competitividade económica interpretada por interesses que se reflectem no uso da propriedade imobiliária e que impõem os valores e os produtos do desenvolvimento economicista.

• À estruturação do tecido urbano existente e a novas formas de crescimento urbano, em vez da promoção da expansão aleatória da construção, da desintegração dos tecidos pela construção de edifícios como unidades independentes, substituindo os existentes ou dispersando-se nos vazios urbanos e nas paisagens rurais e da

introdução de vias comandadas exclusivamente pela lógica da circulação mecânica.

• À aprendizagem do urbano desenvolvida na discussão crítica, multidimensional e alargada aos diferentes agentes sociais, do habitat existente, o qual inclui áreas rurais e naturais; no conhecimento da história da sua evolução, da constituição, relação e apropriação dos seus espaços, dos significados que lhes são atribuídos, em vez de exclusivamente aprendida nos manuais de urbanismo e nos modelos publicados nas revistas da especialidade.

• Às práticas urbanas de planeamento descentralizadas até ao nível da freguesia, do bairro e da rua, para viabilizar o contacto directo com a comunidade e o seu espaço, para juntar sobre um território concreto políticos, técnicos, grupos de interesse e população que nele actuam e possibilitar que interajam para se conhecerem, discutirem, encontrarem os conteúdos, valores, procedimentos e recursos de desenvolvimento e de transformação espacial, para definirem os programas de acção que os concretizam e para organizarem a gestão que assegura o controlo da sua transformação no tempo.

A Didáctica da Reabilitação dos Centros Históricos

Uma equipa que se encontre perante a responsabilidade de estudar e orientar uma operação de reabilitação de um centro histórico não tem em mãos um problema substancialmente diferente daqueles que se resolvem,

correntemente, na administração e nos múltiplos gabinetes privados, ao encomendar, projectar e executar loteamentos, planos de novas urbanizações ou os ditos conjuntos habitacionais. É sempre da cidade e da sua transformação que se trata.

Poder-se-ia até afirmar que, a haver diferença, esta estaria no facto de reabilitar ser uma tarefa mais simples, dado que não se tem de criar cidade, ela está feita e reconhecidamente bem feita e a operação limitar-se-ia a reparar o efeito ruinoso do tempo, a introduzir melhorias nas condições de habitabilidade dos edifícios e dos espaços exteriores, a substituir usos instalados e que reconhecidamente perturbam o equilíbrio entre a população, o seu quotidiano e o espaço em que este se desenvolve e a introduzir novos e atractivos usos que contribuam para a manutenção desse equilíbrio, para o desenvolvimento local, para a fixação dos residentes e para uma melhor integração na cidade envolvente. É, no entanto, com esta “simplicidade” que nos tem sido difícil lidar.

Na feitura de novos tecidos a cidade está ausente (ou faz-se desaparecer em nome da cidade imaginada) e a operação aparece “limpa” da realidade urbana: um terreno que o bulldozer modela a gosto, um cliente que encomenda e paga um dado produto, cujo programa surge da abstracção dum utilizador tecnicamente definido, filtros redutores e deformadores da realidade que os técnicos procuram compensar com os seus conhecimentos profissionais, com a sua ideia de cidade, com os seus valores e experiências pessoais de habitar, com a criação de normas de qualidade do habitat aprovadas oficialmente.

Na reabilitação urbana não é possível ignorar a cidade real, sem filtros, reagindo a cada toque, impondo-se como organismo que liga indissociavelmente corpo físico e social, que resistiram unidos às transformações e se apresentam ainda vivos e modernos porque pertença da actualidade, apesar de degradados e sem as condições que actualmente se exigem de habitabilidade devido ao seu mau uso (sobre ocupação e excesso de circulação e estacionamento), abandono (ausência de obras de manutenção e saneamento) e a obrigatoriedade de aplicação de regulamentos que reflectem a fixação de quesitos por vezes dificilmente compatíveis com o aproveitamento de antigas construções.

Perante uma operação de reabilitação de um centro histórico somos obrigados, o que não acontece de forma tão evidente e inibitória no planeamento e projecto de outros tipos de operações urbanas, a tomar consciência de que:

• A cidade não se pode criar ou transformar na tranquilidade dos gabinetes, privados ou camarários. Ela não é transportável para o estirador, para nele ser inventada ou operada e devolvida, depois de executada e pronta a usar pela população. Desenhar e construir uma urbanização e criar um trecho de cidade não são sinónimos e é o papel dos técnicos e dos outros intervenientes formais no planeamento e na construção da cidade que é posto em causa.

• A cidade também não se pode entregar aos processos correntes de gestão territorial (com ou sem plano) que nela intervêm ignorando a população que nela vive, agindo peça à peça, sector a sector, orientados por regras genéricas de uso do solo e de qualidade urbanística, por legislação geralmente desadequada e contraditória, incapaz de ultrapassar os modelos de progresso dominantes e onde importantes tomadas de decisão decorrem das pressões do mercado fundiário e das exigências da indústria da construção. O governo do solo, ou decorre do governo da cidade dos cidadãos ou esbarra com dificuldades insuperáveis para cumprir os objectivos da reabilitação. É o planeamento de gestão dita realista, por se submeter, desarmado, aos interesses dos grupos dominantes, que tem de ser revisto.

• Faltam-nos conhecimentos técnicos, ou melhor diria, uma cultura técnica que nos permita captar o carácter dum local, conhecer os fundamentos da nossa modernidade e dos valores atuais do progresso, fazer nova cidade que responda ás preocupações do nosso modo de vida. Não conhecemos o conteúdo, o significado, a imagem da cidade contemporânea, não sabemos configurá-la, temos de rever conceitos, métodos e processos de projectar e de construir, São a arquitectura, a construção e o planeamento, tal como se têm praticado, que estão em crise, são os conceitos básicos do urbanismo que se mostram desadequados.

A didáctica da reabilitação urbana de um centro histórico consiste no facto deste ser um tecido vivo que a intervenção não deve destruir, o que obriga a tomar uma atitude empírica, a sair do sossego dos saberes feitos, dos modelos de acção pré-definidos, das formas arquitectónicas tiradas das revistas, dos regulamentos elaborados nos gabinetes e aplicáveis a qualquer situação.

A reabilitação dos centros históricos já alimentou e continuará a alimentar a transformação dos processos sociais que fazem a cidade e a emergência de novos valores e conceitos da nossa modernidade, ou seja, já contribuiu e contribuirá para a formulação de novas políticas urbanas, de um novo planeamento e de uma nova arquitectura. É esta didáctica dos centros históricos que não devemos ignorar.

Reabilitação Urbana - um Processo para o Desenvolvimento

Vimos que a reabilitação urbana não é apenas uma operação de reabilitação física, não separa a comunidade do seu espaço de vida; não divorcia a qualificação espacial do desenvolvimento social. A conservação da presença do

passado no tecido urbano é legitima na medida em que a comunidade lhe saiba dar uso ou, mesmo sem utilidade prática, precise dela para se enraizar, para se construir culturalmente, para elaborar o seu futuro.

A reabilitação urbana é, enquanto processo de desenvolvimento local, uma dinâmica de transformação que a própria comunidade realiza ao equacionar, avaliar e elaborar a sua própria evolução, a construção da sua modernidade, a busca de uma vida melhor num ambiente mais qualificado, a conquista da apropriação do quotidiano e dos seus espaços.

Para dar resposta às exigências da reabilitação urbana, tal como a definimos, é necessário considerá-la como um processo de intervenção na cidade existente, assumido pela comunidade no seu conjunto para fomentar e concretizar o seu desenvolvimento.

É, consequentemente, um processo essencialmente político, do modo de exercer o governo da cidade, que implica encontrar os procedimentos políticos e técnicos que abram espaço para que a comunidade possa definir conscientemente o desenvolvimento que pretende e a cidade que o realiza.

Que características deve ter o governo da cidade para poder fomentar a reabilitação urbana, o desenvolvimento auto-sustentado?

• Que políticas urbanas são adequadas para os alcançar?

• Que tipo de apoio técnico e de organização da administração permite formulá-las e pô-las em prática?

• Que metodologias de planeamento se deverão aplicar para proporcionar a elaboração de conceitos e práticas que promovam o desenvolvimento das populações e a apropriação do território?

Uma efectiva reabilitação urbana exige criatividade na procura de práticas político/administrativas e de procedimentos técnicos que permitam encontrar respostas a estas questões.

Nos textos que apresentamos nos capítulos seguintes e nos livros II, III e IV desta série procuramos contribuir para alimentar a discussão de algumas destas questões.

Capítulo II - IMAGEM E CONCEITO DE CIDADE(1)

(1) Texto escrito em 1984 e revisto para esta edição.

A Imagem de Cidade

A Formação da Imagem

A imagem da cidade, a imagem do território na multiplicidade das suas expressões, é um campo fundamental de estudo do que fomos e do que somos como colectividade, de como nos estamos a transformar, das relações sociais

que estabelecemos, da sua diversidade, dos valores e modos como essas transformações se exprimem espacialmente.

A importância da imagem no conhecimento da realidade deriva do processo da sua formação - as pessoas aprendem, tomam conhecimento do meio exterior e de si próprias através dos sentidos. Estes são estimulados pelo que nos rodeia e a excitação é transmitida ao cérebro, criam-se sensações que o cérebro interpreta e percebe; as percepções são memorizadas e as pessoas aprendem, passam a ter conhecimentos e a lembrarem-se deles, criam imagens. Estas situam-nos no espaço, o que nos permite compreender o que nos rodeia, responder psicologicamente, apropriarmo-nos das coisas, orientarmo-nos, sentirmo-nos seguros e enraizados. Criamos assim capacidade de agir através do conhecimento sensorial, conhecimento afectivo, instintivo, espacializado e que se sintetiza em imagens.

As imagens são quadros complexos de referências espaciais e significativas das coisas que se sentiram, perceberam e memorizaram, são modelos difusos, independentes dos estímulos que os provocaram, são o conjunto de recordações sensoriais que se têm das múltiplas experiências realizadas.

Para darmos um exemplo citaremos a imagem de cavalo. Esta não refere o conhecimento particularizado que se adquiriu dum animal, mas o modelo genérico que permite reconhecer qualquer cavalo, de outra cor, tamanho, raça, em fotografia, desenhado, ou caricaturado, visto de qualquer ângulo, apresentado de forma mais ou menos detalhada.

A informação contida numa imagem do cavalo será tanto mais rica quanto mais diversificada tenha sido a experiência que a formou, ou seja, será diferente conforme obtida através duma fotografia ou se resulta da prática dum tratador de cavalos, dum cavaleiro, dum veterinário ou dum domesticador. A imagem do cavalo pode incluir informação que evoque a forma, o cheiro, o som, a sensação táctil, o medo ou o prazer, a utilidade, a sua história na vida do homem, os cuidados que exige, como é constituído, os hábitos que tem, o que representa.

A sua imagem pode determinar a acção perante a presença do animal ou a sua evocação ( ter medo ou desejar montá-lo) ou obter imediata informação sobre a raça ou a idade, se está doente, ou saudável e ainda conseguir desenhá-lo, ou descrevê-lo a outrem com mais ou menos pormenores.

O esquema elaborado por Downs, R.M. (1) que se apresenta seguidamente, descreve o ciclo da recepção do estímulo da realidade à decisão de acção e correspondente comportamento.

A imagem sintetiza o conhecimento da realidade. Não contém toda a informação sobre ela, mas tem o interesse de representar, para cada indivíduo, uma visão global e significativa que lhe permite comportar-se perante a realidade.

O comportamento consequente da percepção duma imagem pode ser de perplexidade e inacção, ou investigação, se esta lhe é desconhecida. Por exemplo, a reacção de quem se encontre no deserto sem a experiência de um beduíno, e ao contrário deste, seria não saber para onde ir, que referências buscar para sair dele. A imagem do deserto é a da não sobrevivência para a nossa experiência comum.

O espaço só existe e significa através da imagem/percepção que temos dele. Esta condiciona a nossa capacidade de o ler, o entender e todas as posteriores reacções, incluindo o estímulo para novas aprendizagens que completam e enriquecem a sua imagem.

(1) Geographical Space Perception: Past approaches and Struture Projects, Progress in Geography, 2 (1970), 65-108.

Imagem Individual e Colectiva

A imagem da cidade é assim o resultado das cidades que, directa ou indirectamente, se aprenderam através dos sentidos e se perceberam. É a memória genérica e difusa das múltiplas experiências de cidade que se tiveram e

que permite reconhecer qualquer cidade, ter informação sobre ela, agir nela, mesmo que não vivida anteriormente.

A imagem de cidade que interessa ao planeamento é a que corresponde à memória colectiva, ou seja, ao que ficou das múltiplas experiências/imagens da cidade e que permitem diferenciar tecidos e características - os centro, os bairros, os locais de encontro e celebração colectiva, a zona nocturna, as avenidas de prestígio, o casco antigo e muitas outras palavras/imagens que, no seu conjunto, formam a ideia/imagem colectiva da cidade.

Estas imagens definem épocas, grupos sociais, tipos de actividade. São imagens que pertencem a todos ou só a alguns, com idênticos ou diferentes significados. É este conhecimento que nos permite perceber cada porção do território, lê-lo, reconhecer as características que lhe são próprias, qualificá-las, determinar à luz de critérios e valores de cada época as que interessa conservar e alterar.

Podemos concluir deste conhecimento que a imagem de cidade é a de um território diversificado onde se expressam e permanecem, lado a lado ou misturando-se, imagens de muitas épocas e da expressão das mais diversas comunidades e grupos de interesses e de poder.

A principal característica da imagem colectiva da cidade é a de um território definido pelo denominador comum das mais variadas imagens, criadas ao longo do tempo, por valores, modos e formas de viver antigos, que permanecem e atuais .

A leitura da imagem da cidade é, consequentemente um instrumento fundamental da intervenção na cidade, no planeamento e na arquitectura do seu espaço.

O Conceito de Cidade

Um conceito é uma ideia geral, abstracta, intelectualmente expressável e precisa. É um conjunto de ideias coerentes que definem com rigor o modelo do objecto do conceito. É “a representação mental de um objecto abstracto ou

concreto que se mostra como um instrumento fundamental do pensamento na sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade. É a noção abstracta contida nas palavras duma língua para designar de modo generalizado e, de certa forma, estável, as propriedades e características duma classe de seres, objectos ou entidades abstractas.”(1)

O conceito de cidade é uma representação mental que permite identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade cidade - indica o que se entende por ela, identifica o que essencialmente a caracteriza, o que a distingue, inclusive, de outros conceitos sócio/espaciais tais como campo, bairro, periferia, unidade de vizinhança, metrópole, aglomerado urbano...

Enquanto a imagem é difusa, sentida, subjectiva, é um conjunto de impressões e sensações, o conceito é preciso, objectivo, frio.

(1) Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto António Houaiss de Lexicografia, Circulo de Leitores, Lisboa, 2002.

O conceito forma-se a partir da imagem precisando-a, tornando-a transmissível abstractamente, seleccionando as suas características fundamentais e distintivas, procurando a definição rigorosa e exclusiva do objecto do conceito.

São múltiplas as definições da cidade que surgiram em cada época e ao longo do tempo. Podemos afirmar que não existe uma ideia clara e consensual do que é a cidade, que a esta corresponde uma imagem e não um conceito.

A exploração intelectual dessa imagem e a sua discussão não foram feitas e, consequentemente, não é claro o que caracteriza a cidade, “desconhecemos o nosso sistema social e nós próprios como participantes nele”(1)

Encontram-se as mais diversas definições de cidade as quais citam, entre outros:

• Um modo e um lugar de vida colectiva por oposição ao modo de vida rural e ao campo.

• Um lugar edificado com determinados equipamentos. Por exemplo, para Pausânias (século II) a cidade era o lugar que dispunha de edifícios administrativos, ginásios, teatros, fontes com repuxos e praças públicas. Ainda hoje se liga a ideia de cidade à de centro urbano, lugar onde se encontram teatros de ópera, sedes de grandes empresas, museus importantes... Uma dada organização político/económica, destacando o papel do comércio e da indústria.

• Um aglomerado com um dado número de habitantes variando, no entanto, de país para país o número de habitantes considerado, número que se encontra relacionado com a respectiva densidade populacional.

• A sede do poder.

• Um processo social e de produção do espaço e o seu produto.

• A expressão dos valores da vida colectiva civilizada.

Na perspectiva do historiador Georges Duby (2) afirma que “ao longo da sua história a cidade não se caracteriza nem pelo número, nem pelas actividades dos homens que nela residem, mas pelos aspectos particulares do estatuto jurídico, da sociabilidade e da cultura. Estes aspectos derivam do papel primordial que o órgão urbano preenche. Esse papel não é económico, é político. A cidade distingue-se do meio que a rodeia por ser, na paisagem, o ponto de enraizamento do poder. O Estado cria a cidade. Sobre a cidade o Estado se instala”.

Mais adiante afirma “...a cidade, desde que as trevas da proto-história se dissiparam, aparece, na sua essência, capital central. Ela é lugar e meio de um sistema de soberania. A capacidade de gerir e assegurar a ordem geral condensa-se nesse ponto focal...” “a cidade é, pois indissociável das áreas rústicas que a envolvem e que ela tem a vocação de organizar. O que a singulariza, é que ela representa o luxo, o orgulho, que ela mostra o modelo do seu perfeito ordenamento. A originalidade do espaço urbano reside nisso”.

(1) A.N Cousins, H. Nagpaul - Urban Life, The Sociology of Cities and Urban Society, New York, John Wily & Sons, 1979

(2) Histoire de la France Urbaine, Vol I, Seuil, 1980

Evolução do Conceito de Cidade

O conceito de cidade varia ao longo dos tempos(1), mas permanece-lhe ligado a ideia de lugar da civilização, do prestígio, da cultura, da arte, do poder político, do poder económico, da ordem, da liberdade, da racionalidade, da

expressão das ideologias dominantes, do dinheiro, da inovação.

Por contraste, o campo define-se como o lugar da dificuldade, do esforço, da rusticidade, da satisfação das necessidades básicas, da servidão, da ignorância, da pobreza, do conservadorismo.

As cidades transformam-se do nascimento à morte, a rede urbana modifica-se, as relações sociais alteram-se.

A cidade moderna desenvolveu-se, alastrou, estrangulou-se e retalhou-se. O contraste cidade/campo esbateu-se no território, mas o confronto mantém-se, embora em termos diferentes. A cidade é a expressão mais elevada e prestigiada das relações sociais, do modo e lugar da vida colectiva, e, simultaneamente, da sua degradação: da violência, do crime, da solidão, da alienação, do consumismo, da exploração, da incapacidade de auto-suficiência; dos distúrbios mentais, da fadiga.

O campo surge como promessa de felicidade, de garantia do futuro e de subsistência, fonte de saúde, de tempo disponível, de convívio, de liberdade.

A valorização do campo, no entanto, é feita por uma população citadina privilegiada, que adiciona, no seu modo de vida e território, o urbano e o campestre, que tem acesso à cidade, que dela dispõe, e que lhe atenua os malefícios, não porque a humaniza, mas porque lhe junta os benefícios do campo.

Para os não privilegiados, não dispor da cidade é limitar-se à satisfação das necessidades básicas e não usufruir das características que historicamente lhe estão ligadas.

(1) Sobre a evolução do conceito de cidade recomenda-se a leitura da obra de Georges Duby já citada

Clarificação do Conceito de Cidade

De uma forma extremamente sumária indicámos aspectos ligados ao conceito de cidade. Poderíamos concluir que existe uma imagem de cidade, mas que esta não se clarificou num conceito. Temos um conhecimento difuso do

nosso sistema social e de como participamos nele, de como são as relações sociais e a sua expressão espacial.

É necessário clarificar, discutir e qualificar o conceito de cidade, procurar respostas sobre as relações sociais que queremos, os seus valores e a sua expressão espacial: o que é ser vizinho, que condições de residência, que relação se estabelece entre residir e trabalhar, o que são o encontro, o convívio e o recreio urbanos, a relação com as fontes de subsistência, as condições de equilíbrio entre a rede construída e o território não urbanizado, qual a distribuição do nosso tempo diário no espaço e para fazer o quê; de que família ou de que grupos de convívio necessitamos; qual o tipo de mobilidade; que equipamentos e onde, com que acessibilidade,...

É esta discussão, ou a sua ausência, que orienta de forma explícita ou implícita a transformação social e espacial da cidade.

Discutir o conceito de cidade é discutir modelos de vida e valores em luta protagonizados por actores sociais em conflito, é perspectivá-los, é fundamentar e planear decisões de desenvolvimento.

No processo de planeamento da cidade deve-se procurar discutir e responder a estas questões, definir prioridades de acordo com as condições concretas de cada lugar; indicar as acções que se considera com efeitos transformadores nos sentidos apontados.

A discussão colectiva do conceito de cidade e do seu território, alimentada pela experiência concreta do que somos e pela descoberta do que queremos ser é a base de orientação do processo de planeamento do desenvolvimento:

• Para definição dos objectivos e dos princípios de planeamento - Que vida individual e colectiva, em que tipo de territórios?

• Para estruturar metodologias, técnicas e instrumentos de planeamento - Como discutir, com quem e quando?

• Para estabelecer conteúdos e políticas de planeamento e o modo de implementá-las. - Que fazer, como e por quem?

Capítulo III - DESENVOLVIMENTO E PLANEAMENTO LOCAL

Necessidades Humanas e Desenvolvimento(1)

A reabilitação urbana é um processo de desenvolvimento que tem por objecto uma comunidade territorializada e por objectivo a devo lução da cidade à estima pública, ou seja, a conciliação da comuni dade com a vida urbana e

os seus espaços, a valorização do habitat e da qualidade das relações sociais que o constroem.

O planeamento da reabilitação urbana é uma intervenção técnico política organizada pela administração local, pelo poder au tárquico, para cumprir os objectivos constitucionais de prossecu ção dos interesses da população, objectivos de desenvolvimento, de resposta às aspirações da população a uma vida melhor, mais feliz, num território qualificado.

Viver melhor, ser mais feliz, não tem uma definição unívoca, não é possível fazer uma lista das necessidades humanas que não seja um impreciso enunciado de generalidades.

As necessidades humanas e as expectativas relativas à sua satisfa ção são diversas, variam conforme a experiência anteriormente vivi da, a época histórica e as condições do momento, as características concretas dos locais, o sistema de valores colectivos e individuais e as possibilidades técnicas existentes.

Há ainda que referir uma importante característica das necessi dades humanas: são conflituais, por vezes difíceis ou impossíveis de compatibilizar individualmente e, por maioria de razão, a nível colectivo.

O grau de satisfação obtido pelo desenvolvimento depende ainda do que se considera possível de alcançar em cada momento, em cada lugar, por cada comunidade.

Os objectivos de desenvolvimento não são, consequentemente, definíveis à partida, em abstracto e duma vez por todas, desenca deando-se depois as acções que os cumprem.

(1) O texto relativo a necessidades humanas e desenvolvimento baseia-se na publicação - Henriques, J. M.E. “As Ne-cessidades Humanas e a Problemática do Desenvolvimento: o Conceito de «Necessidades Básicas”.. Lisboa. Instituto Damião de Góis, 1983.

O desenvolvimento é um processo contínuo e aberto, uma vez que as necessidades humanas evoluem à medida que vão sendo realiza das ou, mesmo antes disso, se o sistema de valores que as orienta se altera.

A definição dos conteúdos do desenvolvimento está estreitamente ligada às situações reais de existência, evolui com elas e inclui as pectos relativos ao bem estar material, físico e psicológico. Este último depende da sensação de aceitação, dignificação, prestígio e inserção sociais, de segurança e de realização pessoal, de apropria ção do modo de vida e do espaço onde este se exerce, de nos sen tirmos responsáveis e capazes de orientar e realizar o nosso quoti diano, de controlar o território com o apoio e a aceitação dos nossos semelhantes.

O bem-estar psicológico exige capacidade de criar relações com os outros, está profundamente ligado ao sistema de valores e à noção de que a comunidade em que nos inserimos nos permite o exercício desses valores, reconhecendo-nos e prestigiando-nos por esse facto. Consequentemente, exige uma sociedade solidária, responsável, com capacidade de autodeterminação no domínio dos seus inte resses próprios e na orientação do seu quotidiano.

O desenvolvimento, como as necessidades humanas, tem múltiplas dimensões:

• A dimensão económica, certamente muito importante, pode não ser dominante, assim que as questões económicas estão minimamente resolvidas. No entanto, tem sido de tal modo sobrevalorizada que surge, na prática, como quase ex clusiva preocupação de desenvolvimento.

• A dimensão cultural é fundamental, dado que é o siste ma de valores que define o padrão aferidor de bem-estar de cada comunidade, dependendo dele a valorização ou desva lorização dos objectivos e conquistas do desenvolvimento. A importância desta dimensão tem tomado relevo crescente ou, melhor dito, tem-se tornado cada vez mais geral a consciência da sua importância, facto que se expressa no uso intensivo dos meios de comunicação social como forma privilegiada de criar o sistema de valores colectivos considerados adequados à aceitação das características do desenvolvimento em curso em cada país, ou da sua falta.

• A dimensão social é o parente pobre na hierarquia das pre ocupações de desenvolvimento. A sociedade tem-se organiza do para fazer progredir a economia, cria o sistema de valores que a serve e considera a vida social e o território matérias primas para a realização desses objectivos e deles benefician do automaticamente. A dimensão social não tem sido directamente tida em conta ao procurar a realização do desenvolvi mento.

• A dimensão territorial só recentemente se começa a considerar como es sencial ao desenvolvimento devido aos prejuízos económicos e à delapidação de recursos que o seu esquecimento acarreta,

Só numa perspectiva de reabilitação urbana, tal como a definimos, é possível realizar a abordagem participada, global e integrada da comunidade e do território que o desenvolvimento exige.

Dificuldades e Exigências do Desenvolvimento

São evidentes a complexidade e a dificuldade de organizar e reali zar as tarefas necessárias ao desenvolvimento, sobretudo a partir da actual realidade social.

Esta é fruto do modelo de desenvolvimento industrial, o qual se baseava no princípio de que a aquisição de bem estar e a justiça so cial eram produto directo do progresso tecnológico e do crescimento da economia.

A prática deste modelo teve como consequências, entre outras, a desorganização do tecido e das relações sociais, o desenraizamento, a quebra de relações entre a população e o seu território, a multipli cação dos grupos sociais minoritários e marginalizados,.

O declínio da cidade como local de morada, o acentuar das di ficuldades de integração urbano rural, o desperdício e a exaustão dos recursos naturais, a degradação do ambiente, a alienação do trabalho e do lazer, a demonstração da incapacidade do Estado Pa trão e Providência, centralizado e burocratizado, substituindo-se à iniciativa, organização e responsabilização dos cidadãos, a perda dos valores de solidariedade e apropriação sociais, da expressão di versificada de culturas e de modelos de desenvolvimento são outras das consequências do paradigma de desenvolvimento da época da industrialização.

É devido à consciencialização destas dificuldades e das profundas alterações socioeconómico e culturais entretanto havidas, que se procuram novas perspectivas para o desenvolvimento, outras formas de distribuição do poder político e novos valores e mentalidades.

Neste contexto, o reconhecimento do poder autárquico e da im portância do planeamento local no apoio ao seu exercício são es senciais, dado que pressupõe, como veremos seguidamente, a afir mação de autonomia da comunidade na orientação e concretização do seu desenvolvimento e a possibilidade de elaborar e por em práti ca políticas urbanas que respondam às novas necessidades.

A renovação dos conteúdos, procedimentos e instrumentos de pla neamento são indispensáveis para que este possa viabilizar o apoio técnico a estas tarefas.

Desenvolvimento e Poder Autárquico

O conceito de desenvolvimento que subscrevemos é, como vimos, multidimensional, evolutivo e concretiza-se na acção contínua que a própria comunidade assume e realiza na procura de melhorar a sua vida, de esclarecer e dar

resposta criativa às suas necessidades, de resolver os seus problemas, de definir os seus valores próprios, de ser mais feliz.

A possibilidade de desenvolvimento encontra-se, consequente mente, dependente da existência de comunidades de base territo rial com poder e capacidade para assumirem autonomamente a ges tão dos seus interesses.

A Constituição Portuguesa assegura essa existência ao definir a organização de um Estado democrático e descentralizado, que re conhece o poder autárquico.

As comunidades a quem, constitucionalmente, é atribuída essa ca pacidade de gerir os interesses próprios são as Regiões, os Muni cípios e as Freguesias por ordem decrescente relativamente ao seu âmbito territorial.

As Regiões, duas décadas passadas sobre o seu reconhecimento, ainda não se concretizaram e a sua criação está actualmente posta em dúvida.

Quanto às Freguesias, só recentemente se começaram a expressar exigências relativas à dotação de poder e de meios para a efectivação do papel essencial que devem desempenhar no desenvolvimento local.

As Freguesias são o poder mais próximo das populações, mais directamente identificável com elas, mais apto para assumir responsa bilidades directas na comunicação e dinamização sociais, no contro lo do uso do solo, na criação e actualização da informação de base local, na concretização da execução das acções de desenvolvimento e na avaliação das suas consequências directas.

Se a necessidade de estabelecer Regiões pode ser controversa, em bora se reconheça a indispensabilidade de encontrar instâncias com capacidade e legitimidade para assumir interesses aglutinadores de comunidades ligadas por problemas comuns, cuja solução ultrapas sa o âmbito do território municipal, a necessidade de dar expressão ao papel das Freguesias, com destaque para as questões de re abilitação das áreas urbanas que fazem parte do seu território, é dificilmente discutível.

Os Municípios são as células de base do estado democrático e des centralizado, existem e organizam-se, como as outras autarquias, para dar resposta aos interesses das respectivas populações nos limi tes do quadro legal existente e da realização dos interesses nacio nais. Representam as comunidades neles instaladas e assumem a autonomia política, administrativa e normativa necessária ao seu desenvolvimento, ao cumprimento das suas competências e atribui-ções, as quais têm, consequentemente, de cobrir o leque dos interes ses e necessidades ligados à realização da vida quotidiana local, ao controlo do uso e da qualidade do respectivo território.

A necessidade de enraizamento e de autonomia local para o de senvolvimento não pode confundir-se com bairrismos e caciquis mos, com o fechamento e o desinteresse pelas comunidades exterio res, com conservadorismo.

É indispensável ao desenvolvimento local a abertura ao exterior, a integração regional, nacional e internacional.

Esta dupla exigência de cuidar dos interesses próprios e de culti var relações com o exterior define o Município como o lugar de máxima interacção da sociedade civil e do Estado, da lógica de desenvolvimento estatal, nacional e internacional e da lógica da vida quotidiana das comunidades e dos indivíduos.

O Município é esse elemento articulador por excelência, que pos sibilita a aproximação do estado aos cidadãos tornando-o compre ensível, transparente, acessível, controlável e de tornar os cidadãos visíveis ao Estado, deste se aperceber do país concreto que gere, de ajustar políticas de desenvolvimento nacional e de lhes dar possibi lidades de êxito.

O papel das autarquias no desenvolvimento das comunidades confunde-se pois com a própria razão de ser da sua institucio nalização: as autarquias existem para dar resposta aos interesses da comunidade que abrangem, para potenciar o seu desenvolvimento.

Fica assim claramente definido o papel das autarquias, uma vez entendido o que é o desenvolvimento e a necessidade de ter em con ta as suas facetas endógena e exógena: a necessidade de autonomia relativamente à satisfação dos interesses próprios e de integração, de dependência adulta e de abertura, no que diz respeito aos interesses da comunidade

alargada.

Não há real desenvolvimento sem encarar e promover estas duas perspectivas sobre a realidade, sem as conseguir fazer interactuar, sem as compatibilizar e integrar.

As instituições autárquicas têm de organizar a sua gestão de modo a criarem condições que favoreçam o desenvolvimento endógeno, cujo modelo é localmente elaborado, para o por em marcha e susten tar de forma autónoma. Simultaneamente, têm de apoiar e alimentar o processo de interacção com a comunidade alargada para abrir perspectivas e ampliar capacidades, para conhecer e avaliar os mo delos gerais de desenvolvimento, para se inserirem neles e contribuírem para a sua reelaboração.

Desenvolvimento e Planeamento Local

Vimos que a reabilitação urbana compete ao poder local e que as Freguesias são o poder autárquico melhor colocado para assumir res ponsabilidades directas na comunicação e dinamização sociais, na fiscalização dos usos do solo,

na alimentação da informação de base local, na definição e concretização das acções de desenvolvimento, no controlo e avaliação das suas consequências.

Ao Município compete integrar e compatibilizar a decisão e re alização destas tarefas com os interesses da comunidade alargada que gere; assegurar e concertar as relações com a administração central; disponibilizar meios financeiros e técnicos e estabelecer, aplicar e fiscalizar o cumprimento da normativa municipal, as regras gerais de planeamento e de gestão necessárias ao bom funcionamento do município em geral.

O planeamento local é a componente técnica da acção política das autarquias, é a possibilidade destas exercerem o governo local numa perspectiva de desenvolvimento, ou seja, dos políticos pode rem tomar decisões racionais, legítimas e realistas e de criarem as condições de máxima eficácia para a sua execução.

As decisões baseadas no planeamento local são:

• Racionais, porque fundamentadas no conhecimento apro fundado e multidimensional da comunidade local e do seu contexto, e apoiadas em soluções social, económica e cultu ralmente ajustadas e tecnicamente sólidas.

• Legítimas, porque construídas com a comunidade, através de processos de auto conhecimento e avaliação crítica da rea lidade presente, das suas necessidades e das vias possíveis da sua satisfação.

• Realistas e eficazes, porque são estabelecidas de acordo com a vontade e a capacidade de criar as condições sociais, financeiras, técnicas e de gestão capazes de as cumprir.

A existência de planeamento local para o desenvolvimento é con dição de racionalidade, legitimidade e eficácia do exercício do poder autárquico, de democraticidade e transparência, de possibi lidade de criação e organização da dinâmica social que realiza o desenvolvimento

É evidente que não é qualquer planeamento que serve estes objectivos e que não o é, sobretudo, um planeamento que

se resolve na publicação dum plano e dum regulamento tecnocraticamente elabo rados, que não se inseriu nas práticas sociais, que é incompreensível ou ignorado pela maioria dos cidadãos.

O planeamento para o desenvolvimento exige uma mudança de mentalidade dos seus protagonistas relativamente à que presidia ao modelo de desenvolvimento industrial que, embora duramente criticado, nos não abandonou e está ainda enraizado nas práticas e modos de pensar.

Um novo paradigma de planeamento elabora-se para que essa mu dança se verifique ao longo do tempo e, estabelece o planeamento local como um processo ancorado em transformações de base cultural.

A nova mentalidade necessária ao desenvolvimento exige:

• Aos políticos vontade de racionalizar e legitimar as suas decisões, de entender que o poder lhes é dado nas urnas não para expressarem as suas ideias e realizarem os seus interes ses mas para viabilizarem a expressão das ideias e interesses da comunidade que os elegeu e que o voto não é uma mágica que os torna automaticamente capazes desta tarefa.

• À administração que se organize para facilitar a interacção dos diferentes agentes sociais implicados no desenvolvimento; que não defina regras de cima para baixo; que actue de for ma transparente, desburocratizada, aberta a novas exigências, instrumentos e interlocutores; que abandone as características de polícia da comunidade e se assuma como a expressão ad ministrativa do seu funcionamento e das suas exigências de avaliação e controlo.

• Aos técnicos que considerem que não são os únicos deten tores do conhecimento, que encarem a sua tarefa não como a aplicação de saberes prefabricados a impor a uma comu nidade passiva, ignorante, amorfa e irresponsável, mas como um processo contínuo de aprendizagem, de avaliação crítica da realidade na multiplicidade das suas dimensões, realizada pelo conjunto dos diferentes actores sociais. Os técnicos têm de praticar uma pedagogia em profundidade esclarecendo fun damentadamente as questões, assumindo o papel de animado res e principais contribuintes para a discussão dos problemas. Têm de procurar servir não apenas o poder mas a comunidade no seu conjunto, de criar argumentos e soluções redutoras de tensões e conflitos. Compete-lhes elaborar conhecimentos que permitam formar uma visão global e integradora dos proble mas para os tornar compreensíveis o que, inclusive, favorece a sua comunicação e discussão.

• À comunidade que procure informar-se, abrir-se à ino vação e à comunicação, criar as condições necessárias para poder confiar nos políticos, nos técnicos e na administração, rejeitando a demagogia e o espectáculo como argumentação e o policiamento como forma de controlo, exigindo-lhes dig nidade, uma actuação transparente e a criação dos espaços e procedimentos propícios ao desenvolvimento da sua capacida de de expressão, comunicação e responsabilização.

O planeamento deve ser ele próprio fomentador da mentalidade que produz desenvolvimento. Aos políticos e aos técnicos cabem pesadas responsabilidades nes te domínio, responsabilidades que se traduzem no modo como de-sencadeiam e sustentam o processo de planeamento, nos conteúdos que definem para o alimentar, nos interlocutores que privilegiam para o construir, nos instrumentos que elaboram para orientar, con trolar e avaliar a sua execução.

BIBLIOGRAFIA

APPLEYARD, D. - The Environment as a Social Symbol: Within a theory of environmental action and perception, Journal of the American Planning Association 45 (2), April, 1979.

• Towards a Urban Design Manifesto, Berkeley, Institute of Regional Development University of California, Berkeley, 1981.

BAILLY, A.S. - La Perception del Espacio Urbano - conceptos, metodos de estudio y su utilization en la investigacion urbanistica, Madrid, Instituto de Estudios de Administracion Local, 1979

BOGANOVIC, B. - Symbols in the City and the. City as o Symbol, Atenas, Ekistics, 39(232), 1975 (140-146)

CANTER, D.; LEE, T. - Psychologie and the Built Environment, Architectural Press, 1974.

COHEN, S. - Physical Context, Cultural Context: including it all. Oppositions, Institute for Architecture and Urban Studi 2, Jan . 1974.

COSENTINO, N. - Una città senza qualità - Controspazio Nº 4/ 1984 pp. 106 a 112.

CUNNINGHAM, M. C. - Framework for Historical Explanation in Urban Design, Atenas, Ekistics, 204, Novembro 1972.

CURTIS, W. A. - A Functional Definition of Scale, A.I.A. Journal, 55 (2), 1971 (33 - 38).

DOWNS, R.M. - Geographical Space Perception: past approache and struture projects. Progress in Geography, 2 (1970), 65-108.

DUANE, E. e al. - City Size and the Qualiy of Life, Standford, California, State Research Institute for the National $cience Foundation, Novembro, 1974.

HENRIQUES, J.M. - As Necessidades Humanas e a Problemática do Desenvolvimento: o conceito de necessidades básicas, Lisboa, Instituto Damião de Góis, 1983.

LEDRUT, R. - L’Espace Social de la Ville - problémes de sociologie appliqué a l’amenggement urbain, Paris, Anthropos, 1968 .

• L’Espace en question ou le Nouveau Monde Urbain, Paris, Anthropos, 1977.

• Les Images de la Ville , Paris, Anthropos, 1973.

DUBY, G. - Histoire de la France Urbaine, Seuil, 1980 .

ELMER, F.L. SUTHERLAND (P.B.Jr.) - Urban Design and Environmental Structuring, Journal the American Institute of Planners 37 ( 1 ) Jan . 1971 ( 38 - 41).

EWALD. W. R. (ed.) - The City as a Mechanism for Sustaining Human Contact, Environment for Man - the next fifty years, Indiana University Press, 1968.

FORTE, F. - Sviluppo Urbano - teorie ed esperienze, Padova, Marsilio Editori, 19699.

FORTIER, B. - L’Atlanti di Parigi 2. Le Strategie della Memoria, Casabella Nº 618, Nov., pp. 40 a 49.

JACOBS, A.; GOULD, L. - Observing and Interpreting the Urban Environment. Case Study: Naglee Park, San Jose, California, Berkeley, Institute of Urban and Regional Development, University of California, Working Paper Nº 372, February, 1982.

• Making City P1anning Work, Chicago, American Society of Planning Offici1s, 1978.

• A P1anners View of the City, P1anning, 46 (3), 1980 (20-23)

KRIER, R. - El Espacio Urbano, Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981.

LEDRUT, R. - L’Espace Social de la Vi11e - prob1ème de sociologie app1iquée a l’amenagement urbain, Paris, Anthropos,1982.

LYNCH, K. - A Imagem da Cidade, Lisboa, Edições 70, 1982 (1ª edição, Harvard, Mass. 1960).

• A Theory of Good City Form, MIT Press, 1981.

MARTIN, A. - Aesthetics & Architectural Control, Topeka League of Kansas Municipalities, 1967

MAS, A.N. - Estudios de Historia Urbana, urbanismo y centros historicos en Francia, Ciudad y Territorio, Julio/Septembro, 1985.

PORTAS, N. - Notas sobre a Intervenção na Cidade Existente, Sociedade e Território, Tomo 1 Nº 2 Fev. 1985. RAPOPORT, A.; KANTOR, R.E. - The Perception of Urban Complexity, AIP Journa1, March, 1970.

• Human Aspects of Urban Form: towards a man-environmernt approach to urban form and design, Oxford, Pergamon Press, 1977.

REDDING, M. - Aesthetics in Environmental P1anning, Washington, Office of Research and Development, U.S. Environmental Agency, Nov. 1975

• Remarques a Propos de Sémiologie Urbaine, Architecture, d’Aujourd’hui, 153, Dec. 1970 (9 - 10).

SAAVEDRA, L. - Tradicion y Progresso en Urbanismo - consideraciones sobre la conservacion del patrimonio urbano, Ciudad y Territorio, Julio-Septembro, 1985.

SCHNEIDER, K. - The Architecture of Urban Space, Architectural Forum, 134 (5), 1971 (4 8 - 51).

SEGAL , M. e al. - The Influence of Culture on Visual Perception, New York, Bobbs-Merril, 1966.

STRIPE, R. editor - Perception and Environment: foundations of urban design, Chapel Hill, N.C., University of North Caroline, 1966.

SANTOS, C.N.F., VOGEL, A. - Quando a Rua Vira Casa, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Administração Municipal de Pesquisas Urbanas, 1981.

VALENTE-PEREIRA, L. - A imagem da cidade. O conceito de cidade. Leitura, análise e diagnóstico da imagem urbana. O Plano de Desenho Urbano de São Francisco, Califórnia, U.S.A. - Textos de apoio do Seminário Nº 309 - O Desenho de Forma Urbana a Nível do Planeamento. Lisboa, LNEC, Fev. 1984.

• Metodologia do Planeamento Municipal.

– Relatório 1 - Bases para a Renovação da Metodologia do Planeamento. Lisboa, LNEC, 1984.

– Relatório 2 - Os Estudos Sumários de Planeamento. Lisboa, LNEC, 1984

• O Planeamento Municipal - Metodologia para o Desenvolvimento Local. Revisa/IUR, Ciur/Jnict, Lisboa, vol. 1, nº 1, Julho 1984.

• Planeamento Municipal. Lisboa, LNEC, 1984.

• Atelier Experimental, Internacional e Interdisciplinar para o Ordenamento Harmonioso duma Zona Contígua ao Centro Histórico de Évora, Lisboa, LNEC, 1986.

• Planeamento Municipal e Exercício da Acção Política Local. Lisboa, LNEC, 1986.

2 PLANEAMENTO DA REABILITAÇÃO DE ÁREAS URBANAS(1)

MetodologiaFase I - Preparação Técnico/Política

Fase II - Comunicação e Discussão Públicas

Fase III - Formulação do Planeamento e Programação Preliminares

Fase IV - Planeamento/Acção

(1) Texto escrio em 1991 e revisto para esta edição.

Capítulo IV - METODOLOGIA

Objectivos

Pretende-se elaborar uma metodologia, propor métodos e técnicas adequados para apoiar técnicos e políticos municipais na sua acção de desenvolvimento de comunidades territorializadas numa área urbana. Esta acção

que deve ser continuada no tempo, abranger as dimensões sociais, económicas, culturais e de qualificação territorial, desenvolver as capacidades e dinâmicas próprias das comunidades e incrementar a sua responsabilização na decisão e efectivação das transformações necessárias ao seu desenvolvimento e à qualificação do seu espaço.

Uma metodologia de planeamento da reabilitação urbana deverá fundamentalmente definir como criar e sustentar uma dinâmica de desenvolvimento e de qualificação do território, ou seja, esclarecer que acção técnico/política contribui para organizar e alimentar, ao longo do tempo e com informação adequada, a comunicação e a concertação necessárias entre os múltiplos agentes sociais que actuam no território em questão e que são os efectivos protagonistas do desenvolvimento e da transformação do território.

A metodologia a desenvolver deve procurar organizar-se de forma a dar resposta às necessidades de preparação dos intervenientes formais para poderem alimentar e dinamizar esta comunicação entre os parceiros sociais da reabilitação urbana e, através dela, estruturarem o planeamento/acção que gere e realiza o desenvolvimento e a qualificação do território.

A metodologia de planeamento a elaborar deve permitir estabelecer:

• Os conteúdos, ou seja, a informação que é necessária para alimentar os múltiplos diálogos encaminhando-os para esclarecer os problemas, criar e dar exequibilidade às soluções.

• Os agentes sociais que é necessário interessar e sentar à mesma mesa a propósito das sucessivas questões a tratar.

• Os procedimentos que organizam e alimentam a comunicação e a concertação entre os agentes sociais, formais e informais, dado que é por via dessa comunicação que se definem e decidem as orientações, os conteúdos, as políticas, as estratégias e os instrumentos de planeamento, os programas e instrumentos de execução das acções decididas e os processos e instrumentos de controlo e avaliação das acções executadas.

• O tipo de acção técnica que permite a elaboração e inserção dos conhecimentos técnicos nas práticas sociais e, por este meio, servir a dinâmica de desenvolvimento e definir os meios e instrumentos de decisão, execução, controlo e sustentação da reabilitação urbana.

• O tipo de funcionamento das autarquias que favorece a criação, gestão e sustentação da dinâmica de reabilitação.

Objecto

O objecto de estudo é a comunidade territorializada na Área Urbana delimitada pela autarquia com o objectivo de estabelecer um processo que conduza à sua reabilitação. Esta delimitação é artificial, não define um objecto

isolado, independente do conjunto do tecido urbano em que está inserido. Uma área urbana faz parte do aglomerado urbano a que pertence e é necessário conhecer como se exprime essa pertença.

As relações que a área estabelece com o aglomerado urbano são especialmente sensíveis no seu tecido envolvente imediato. Nele se verificam continuidades de uso e de imagem ou barreiras que as cortam e que é necessário conhecer e avaliar para, conforme os casos, eliminar descontinuidades, reforçando a abertura e a integração da área com a sua envolvente, ou mantê-las e eventualmente acentuá-las, por se considerar de interesse resguardar um certo isolamento, ou uma clara mudança de imagem que firme a individualidade dos tecidos.

Se estivermos perante uma área que, pelas suas dimensões, inviabilize uma intervenção que abranja todo o seu tecido é necessário estudá-la primeiro nas suas linhas gerais para identificar áreas do território e grupos sociais com problemas

específicos e de resolução prioritária e que serão objecto de estudo aprofundado e de intervenção.

Conforme as necessidades de conhecimento que o planeamento da reabilitação da área urbana exige vão sendo assim definidos sucessivos objectos de estudo e intervenção: a comunidade e o território da área, se estes são de dimensões que permitam o seu tratamento exaustivo, ou porções do território e grupos sociais que se destacaram, após o estudo geral, por terem revelado problemas específicos que se considerou exigirem solução a curto e médio prazos.

Método

Ao iniciar o planeamento da reabilitação de áreas urbanas deve estabelecer-se uma equipa de técnicos e de políticos, a nível do Município e das Juntas de Freguesia, directamente responsável pela sua preparação e acompanhamento e

ligada aos serviços e pelouros de planeamento municipal, intermunicipal e central, caso se justifique, independentemente do recurso a equipas exteriores à autarquia para a realização de consultoria, estudos e outras tarefas específicas.

Recomenda-se a encomenda externa de estudos especializados, para poder dispor da colaboração de técnicos altamente especializados, na medida em que se for revelando necessário e para aligeirar a equipa de planeamento que, de outro modo, teria de incluir técnicos de múltiplas especialidades e com necessidades de intervenção variáveis ao longo do processo.

O planeamento da reabilitação de áreas urbanas desenvolve-se percorrendo as seguintes fases:

• 1ª FASE - Preparação técnico/política para realizar o planeamento/acção de reabilitação da área.

• 2ª FASE - Comunicação alargada e discussão pública das propostas técnico/políticas de planeamento.

• 3ª FASE - Formalização do planeamento e programação preliminares da reabilitação da área.

• 4ª FASE - Planeamento/acção versus gestão corrente.

A 1ª FASE é a de preparação técnico/política do planeamento da reabilitação de áreas urbanas e corresponde à definição de uma proposta de planeamento e programação preliminares das acções de desenvolvimento e de qualificação do território, elaborada e concertada pelos agentes formais responsáveis e a submeter à discussão pública.

A equipa técnica deve iniciar o trabalho adquirindo uma opinião global e crítica sobre a Área, a sua dinâmica de transformação e as perspectivas da sua evolução.

A formação desta opinião passa pelo conhecimento do modo como a Área se insere no contexto urbano a que pertence e como se prevê que venha a ser o seu papel nele, pela identificação dos problemas e das potencialidades da comunidade e do seu território, relacionando uma com o outro, ou seja, espacializando a informação, pela proposta de objectivos, políticas e estratégias de desenvolvimento e pelo estabelecimento de hipóteses de solução para os problemas detectados.

É ainda necessário formar uma ideia sobre os agentes, modos, meios, procedimentos e recursos necessários à sua reabilitação.

Dado que uma das funções essenciais do trabalho de preparação técnica é estabelecer a base de informação que permite iniciar, enquadrar e facilitar a comunicação entre agentes sociais intervenientes no processo de transformação da área, os quais têm as mais diversas formações e níveis de instrução, é primordial que o resultado do estudo seja expresso de forma clara e atractiva e indique concretamente a leitura e interpretação que se fez da área e dos seus problemas, as propostas que se elaboraram, os modos, agentes, meios e procedimentos que se consideraram necessários para a execução das soluções.

A comunicação com a população inicia-se nesta fase, acompanhando o trabalho técnico de elaboração do plano desde os primeiros passos e como parte integrante do processo de planeamento.

A referida comunicação estabelece-se através da recolha directa de informação durante a observação, de entrevistas com interlocutores privilegiados; do envio para publicação na comunicação social, à medida da evolução dos trabalhos, de informações sobre a área e as questões urbanas em geral e da criação de um posto de atendimento público (ligado

à/s Junta/s de Freguesia e à equipa de planeamento) para encaminhamento e resolução de problemas de gestão corrente que sejam apresentados pela população.

O trabalho realizado pela equipa técnica de planeamento é apresentado aos políticos e técnicos municipais e, seguidamente, à administração regional e central, nos aspectos que implicam o exercício das suas competências, para discussão e tomada de decisões sobre as orientações gerais e as acções a realizar a curto prazo e para estabelecer os acordos necessários à viabilização da sua execução.

A 2ª FASE corresponde à comunicação e discussão públicas e serve para completar e corrigir a informação técnico/política obtida, para apresentar, discutir e fixar, com a comunidade, as orientações, as políticas e estratégias gerais e as acções prioritárias e passíveis de se realizarem a curto prazo, para identificar capacidades, agentes e dinâmicas locais de desenvolvimento, perceber conflitos e estrangulamentos, ajustar processos contínuos de apropriação do território e de participação e iniciar, por estas vias, a legitimação do planeamento técnico/político proposto e a sua inserção nas práticas sociais locais.

É uma fase de comunicação intensa, de abertura e incentivo à participação da comunidade e de construção dos diálogos entre os múltiplos intervenientes para os envolver na reabilitação, para os motivar para que tomem parte, de forma activa e sustentada, no seu próprio desenvolvimento.

Nesta fase há todo um conjunto de tarefas a cumprir com a população, com os diferentes grupos de interesses e a comunicação social local para que seja possível generalizar e aprofundar o conhecimento da área e dos objectivos e modos da sua reabilitação, criar espaços de discussão e concertação, e dinamizar a produção autónoma de iniciativas, tais como a realização de debates, entrevistas, reportagens, exposições e outros acontecimentos culturais e de animação urbana, de formação cívica e de promoção do convívio e da solidariedade sociais.

A preparação e realização da discussão pública é um trabalho pesado, que exige tempo, criatividade, meios e capacidade de organização, que deve ser preparado com o apoio de profissionais de comunicação e de animação cultural e que se orienta para desenvolver o interdidatismo, a responsabilização e participação dos agentes sociais formais e informais, para detectar e captar as capacidades e dinâmicas existentes e para inserir os processos de planeamento do desenvolvimento nas práticas sociais, única forma de lhes dar a eficácia necessária.

A 3ª FASE consiste na definição, pela equipa técnico/política, do planeamento e programação preliminares, de acordo com os resultados obtidos na discussão pública, e na preparação do planeamento/acção.

A análise da informação elaborada e das dinâmicas sociais desencadeadas através da discussão pública, juntamente com a realização de estudos técnicos considerados necessários e que não tenham sido feitos na fase inicial, vai permitir fixar os objectivos, políticas e estratégias, firmar e organizar as operações de reabilitação dos edifícios e dos espaços públicos e as acções sociais a realizar no curto prazo, e preparar os procedimentos e os instrumentos de planeamento e gestão que viabilizam e controlam a reabilitação.

Para alimentar e sustentar o planeamento/acção que seguidamente se inicia definem-se os meios, os procedimentos, os recursos e a constituição da equipa técnica de planeamento necessária. A sua composição irá depender do tipo de acções propostas para prosseguir a reabilitação. As exigências iniciais em meios técnicos para informar e estruturar o processo de planeamento serão certamente diferentes das necessárias para realizar e desenvolver o planeamento das acções de curto prazo e a reformulação do planeamento delas subsequente.

O planeamento/acção versus gestão corrente corresponde à 4ª e última FASE, na qual se realiza, em simultâneo com o projecto e execução das acções decididas para o curto prazo, a preparação da realização das que, sucessivamente, se irão decidindo e a manutenção da comunicação e participação dos agentes sociais ao longo das sucessivas transformações.

São tarefas desta fase de planeamento a permanente actualização e aprofundamento do conhecimento da área, a avaliação dos resultados que se vão obtendo à medida das intervenções e o estabelecimento de uma gestão corrente que mantenha o encadeado de processos e de decisões que asseguram a sustentação do desenvolvimento participado e a “habilitação” permanente do território.

A programação detalhada, o projecto e a execução das operações e acções de reabilitação decididas realiza-se já em termos de planeamento/acção.

A possibilidade de efectivar o planeamento/acção de reabilitação urbana para o desenvolvimento joga-se na fase da sua preparação e está profundamente dependente da capacidade e vontade técnica e política de dar legitimidade e

transparência à sua forma de actuação, de desenvolver a comunicação, de criar e sustentar dinâmicas mobilizadoras, de as alimentar com fundamentos que tornem a comunidade cada vez mais consciente do que é e do que quer, e ser, consequentemente, mais capaz de intervir para construir o seu futuro.

É essencial que o referido diálogo se pratique desde o início do trabalho ligando a recolha de informação e a elaboração das propostas aos diferentes intervenientes, colhendo e discutindo os seus conhecimentos e experiências específicos, analisando os programas de actividades em curso, os recursos disponíveis e os procedimentos relativos à tomada de decisões e à gestão corrente dos assuntos com interesse para a reabilitação da Área.

A indispensável discussão sobre a cidade, em vez de se limitar, como é usual, a debater princípios gerais e declarações de intenção, as mais das vezes de difícil entendimento pelos não especialistas e de tradução pouco visível nas práticas correntes pode, por este meio, tornar-se clara para a maioria dos cidadãos, dado que é exemplificada num local concreto e mostra no espaço, no tempo e nas condições reais de actuação, como se concretizam os abstractos objectivos sociais, as genéricas preocupações de qualificação do espaço e de reorganização dos modos de vida.

A informação sobre a Área e sobre as vontades e possibilidades da sua reabilitação, ventiladas, concertadas e viabilizadas pelos agentes sociais formais é, como temos afirmado, a base que apoia a comunicação e discussão alargadas das operações a realizar para que a comunidade tome consciência dos seus problemas e possibilidades de intervenção, contribua com os seus conhecimentos e perspectivas, expresse as suas necessidades e valores, se informe e forme.

O planeamento/acção caracteriza-se por “planear fazendo e por fazer planeando” com o envolvimento directo, activo e organizado dos agentes sociais, formais e informais e deve culminar numa gestão corrente que inclua as preocupações de planeamento, que o integre como parte indispensável do processo de gestão.

O planeamento e programação da execução da acções a realizar no curto prazo realiza-se em relação directa com o planeamento/acção. Este mantém-se, consequentemente, em aberto e vai-se confundindo com a gestão corrente, gestão que se adapta de acordo com a experiência desenvolvida para garantir a continuidade da atenção ao evoluir das transformações que a área irá sofrendo e à manutenção do processo de “permanente habilitação” a que essas transformações deve conduzir.

Consideramos que, através da prática de planeamento elaborada na base desta metodologia, é possível fazer evoluir as mentalidades e os comportamentos, ligar os técnicos das diferentes especialidades aos políticos e à comunidade, definir e realizar um desenvolvimento ajustado à realidade local, participado e auto sustentado.

Capítulo V - FASE I - PREPARAÇÃO TÉCNICO/POLÍTICA

Objectivos

O objectivo desta fase é, essencialmente, preparar a informação técnica e estabelecer a comunicação entre os intervenientes formais da reabilitação da área de modo a que seja possível conhecer e a avaliar a realidade

presente e a sua dinâmica de transformação, elaborar um conjunto de objectivos, políticas, estratégias e propostas de intervenção consensuais a nível dos intervenientes formais e definir as acções, prioritárias, a realizar no curto prazo e viáveis perante as disponibilidades da administração.

Nesta fase inicial do trabalho deve obter-se, duma forma expedita, uma opinião técnico/política sobre o conjunto das questões implicadas no conhecimento e dinamização da reabilitação da área.

O trabalho a efectivar para cumprir estes objectivos corresponde à elaboração dos estudos sumários de planeamento, discutidos e acordados entre técnicos e políticos cuja acção tem incidência na área e que actuam nos diferentes níveis da administração.

A elaboração do referido trabalho cria as bases práticas de entendimento e colaboração entre eles, ou seja, estabelece os diálogos e os primeiros acordos e compromissos necessários para obter um conhecimento amplo e diversificado das múltiplas questões envolvidas na reabilitação, para tomar decisões e para definir uma programação coerente e realista das acções prioritárias que a executam.

É essencial, mas de difícil concretização, que o referido diálogo se estabeleça desde o início da operação ligando a recolha da informação e a elaboração das propostas de acção aos diferentes intervenientes formais, colhendo e discutindo os seus conhecimentos específicos, os programas, recursos e modos de actuação, concertando perspectivas, objectivos e políticas de intervenção.

A informação sobre a área e sobre as vontades e possibilidades da sua reabilitação, preparada, discutida e concertada entre os agentes formais é ainda a base de apoio da comunicação e discussão alargadas, a realizar na fase seguinte, para que a comunidade tome consciência dos seus problemas e capacidades de intervenção, se pronuncie sobre eles, contribua com os seus conhecimentos e perspectivas, expresse as suas necessidades e valores, se informe, forme e participe.

A abertura à discussão e à crítica públicas dos estudos e propostas de planeamento da reabilitação de áreas urbanas acarreta exigências específicas na sua elaboração, reflecte-se na forma de os organizar e apresentar, implica a colaboração activa da equipa técnica no estabelecimento e alimentação duma rede de relações com a comunicação social e com os diversos agentes sociais com interesses na área.

Consideramos de extrema importância que os técnicos formem rapidamente uma opinião sobre a área, mesmo que provisória e com importante carga subjectiva, dado que tal lhes permite:

• Obter uma visão integrada e crítica da multiplicidade de questões que terão de equacionar, compatibilizar e resolver no prosseguimento da sua acção, visão que lhes permita, mesmo quando tratam aprofundadamente um aspecto sectorial, manterem uma perspectiva global sobre a Área.

• Verificar a sua capacidade de análise, interpretação e proposta, perante o estímulo que a Área representa, e exercitar a metodologia a desenvolver percorrendo, desde o início, o conjunto das fases e aspectos que terão de ser tratados, apercebendo-se das suas dificuldades, dos conhecimentos gerais, sectoriais e processuais que exigem e que terão eventualmente de adquirir através de estudos especializados, identificando os agentes sociais que terão de ser chamados a intervir.

• Não se fecharem nas suas ideias e soluções antes de expô-las à discussão e à crítica. A consciência da ainda precária fundamentação da opinião formada por via dos estudos sumários favorece a possibilidade dos técnicos provocarem e absorverem os contributos dos outros agentes sociais, reformularem os seus conhecimentos e propostas à medida da sua relação com as práticas sociais. Obriga-os ainda a uma atitude de abertura e de aposta na criatividade que permite repensar ideias e soluções feitas.

• Descrever e interpretar a realidade concreta presente e elaborar propostas de intervenção motivadoras de um diálogo operacional com os responsáveis políticos e técnicos da administração local e central e com os agentes sociais informais a envolver no estudo e na acção construindo assim um planeamento contínuo, implementável e intimamente ligado às práticas de gestão camarárias e às práticas sociais da comunidade.

• Contribuir para a formação e informação públicas sobre as questões urbanas em geral e da Área em particular aumentando a capacidade colectiva de participação consciente e eficaz na reabilitação urbana. Para desenvolver um processo de planeamento participado é essencial preparar uma informação acessível ao entendimento do cidadão comum, bem estruturada e fundamentada, apresentar as acções concretas a realizar no curto prazo e não apenas princípios e objectivos genéricos e propostas de intervenção sem prazo definido. É necessário mostrar a utopia que orienta a transformação, utopia que se propõe, não como promessa alcançável, mas como quadro de referência para estimular e dar rumo à acção transformadora e definir os caminhos que, a nível técnico/político, se consideraram de interesse percorrer para nos aproximarmos dela. É importante transmitir as razões do entusiasmo de construir e reconstruir a utopia, de inventar e reinventar, ao longo do tempo da experiência vivida, os caminhos da sua aproximação.

Insiste-se na importância de assegurar, através do processo de planeamento, a estreita relação entre o estudo/proposta dos técnicos de planeamento, a discussão/concertação técnico-política e a discussão/participação públicas porque nos parece inegável que a acção técnica de planeamento inclui importantes responsabilidades na informação e formação, na dinamização e concertação dos agentes sociais que protagonizam, formal e informalmente, a reabilitação da Área.

A didáctica e dinâmica do planeamento participado e concertado forma e informa mutuamente os diversos intervenientes, incluindo os técnicos, orienta e alimenta o próprio processo de intervenção e é essencial para programar e realizar acções com possibilidades efectivas de se concretizarem e de produzirem, de forma sustentada, o desenvolvimento e a manutenção dum espaço qualificado.

É ainda nesta fase que se lançam os estudos técnicos sectoriais que aprofundam os conhecimentos necessários para detalhar programas de intervenção prioritária e se inicia a comunicação e o atendimento da população.

Resumindo, os objectivos a cumprir na fase de preparação técnico/política são:

• Formar uma opinião técnico/política sobre a Área, os seus problemas e potencialidades, os objectivos, políticas, estratégias e acções de reabilitação, os agentes, meios, recursos e procedimentos necessários para decidir, programar e executar o desenvolvimento e a qualificação correspondente do território;

• Estabelecer a rede de relações e as bases de diálogo, de concertação e de compromisso entre os técnicos e os políticos que intervêm na reabilitação da Área aos diferentes níveis da administração.

• Preparar a informação, que servirá de base comum de conhecimento dos diferentes agentes sociais.

• Decidir a nível técnico e político as acções que se consideram de interesse realizar a curto prazo e que, na medida em que são propostas concretas de execução imediata, motivam a discussão pública, dinamizam o processo de reabilitação e, por estas vias, inserem o planeamento na prática social.

• Iniciar a criação de condições para a participação da comunidade através da informação e formação públicas sobre as questões urbanas e da criação de estruturas de atendimento público para apoio à resolução das questões de gestão corrente.

A preparação técnico/política é, consequentemente, a fase na qual os técnicos formam e expressam as suas opiniões sobre o que é a Área, definem os seus problemas e potencialidades; iniciam a participação pública; propõem cenários e acções de desenvolvimento e de qualificação territorial que consideram desejáveis e possíveis de realizar; discutem-nas com os responsáveis políticos e os outros técnicos da administração pública para estabelecer a rede de relações e as bases de diálogo e concertação necessários entre os intervenientes formais da reabilitação urbana para a executar; definem as orientações gerais e tomam as primeiras decisões sobre as acções a realizar no curto prazo e a apresentar à discussão pública, incluindo as que dizem respeito à participação dos agentes sociais e à definição e organização dos procedimentos estruturadores da dinâmica de reabilitação.

Intervenientes

Esta fase é realizada essencialmente pela equipa técnica de planeamento da reabilitação da Área Urbana e pela(s) Junta(s) de Freguesia que engloba, e participam nela ainda, e à medida das necessidades:

• Os técnicos e políticos camarários, os técnicos e responsáveis da administração central e regional e dos concessionários de serviços públicos, de acordo com as necessidades e as suas responsabilidades relativas à reabilitação da área.

• Os principais agentes sociais informais organizados que desenvolvem actividades com especial impacto na área.

• Os indivíduos que, por qualquer motivo tenham conhecimentos aprofundados da área.

Método

Para cumprir os objectivos desta primeira fase do trabalho é necessário organizá-la de modo a que os técnicos, os políticos e os responsáveis da administração pública cuja actividade tenha importantes implicações na reabilitação

da Área, no desenvolvimento da sua população e na qualificação do seu território, possam:

• Estabelecer uma rede de relações técnico/políticas que abranja os diferentes níveis da administração e criar as bases de diálogo e concertação que se irão sucessivamente firmando e alargando, de acordo com a dinâmica existente e aquela que o próprio processo de planeamento desenvolva, para poderem conjugar conhecimentos, estabelecer os compromissos e acordos necessários à elaboração e execução da reabilitação urbana:

• Formar uma opinião global e crítica sobre a realidade presente na Área, a sua dinâmica de transformação e o modo como se insere no contexto urbano a que pertence, assim como sobre o que deve ser feito, por quem e como para melhorar os modos e condições de vida locais..

• Identificar os principais agentes, públicos e privados, com capacidade de intervenção na Área e os aspectos essenciais do conteúdo, processo e dinâmica dos seus modos de acção.

• Identificar e avaliar os instrumentos de planeamento e controlo existentes e com acção sobre a Área.

• Estabelecer a informação necessária para obter uma primeira decisão concertada sobre objectivos, estratégias e acções de desenvolvimento e de qualificação territorial a efectivar no curto prazo e sobre procedimentos e instrumentos de planeamento e gestão a desenvolver.

• Estabelecer os instrumentos e procedimentos necessários à realização da comunicação e discussão alargadas das opiniões e propostas formuladas, assim como da permanente alimentação da informação pública sobre as questões urbanas em geral e sobre a Área e a sua transformação em particular.

A Fase I do método de planeamento da reabilitação de áreas urbanas desenvolve-se em quatro etapas que seguidamente se descrevem:

• 1ª Etapa - Formação de uma opinião técnica a nível da equipa de planeamento - nesta etapa a equipa técnica de planeamento prepara-se para ser o suporte técnico e assumir o papel de dinamizadora do processo de reabilitação realizando os estudos necessários para formar uma opinião sobre a Área, os seus problemas e potencialidades, os objectivos, a política e as estratégias de reabilitação, as soluções, meios, recursos e agentes sociais a envolver e respectivos papéis. Tem ainda de definir como deve proceder para que o seu trabalho sirva para informar, organizar e dinamizar a comunicação e a participação dos agentes sociais.

• 2ª Etapa - Ajuste, concertação e tomada de decisões técnico/políticas a nível municipal - durante esta etapa completa-se, discute-se e ajusta-se com os técnicos e os políticos municipais a informação e as propostas elaboradas pela equipa técnica de planeamento, estabelecem-se as bases de diálogo, coordenação e concertação municipais, tomam-se as primeiras decisões políticas sobre os objectivos, políticas, estratégias e acções a realizar a curto prazo

e definem-se os meios, agentes, procedimentos, instrumentos e recursos necessários para o prosseguimento do trabalho.

• 3ª Etapa - Ajuste, concertação e tomada de decisões técnico-políticas a nível regional e central - procede-se, nesta etapa, de forma a completar e aprofundar a informação e a discutir as decisões municipais com os responsáveis da administração regional e central e com os concessionários de serviços públicos cujas competências se exercem de forma relevante para a resolução dos problemas da Área. Estabelecem-se modos de concertação e conjugação de programas e acções com os referidos agentes sociais.

• 4ª Etapa - Definição da proposta técnico-política de planeamento e programação preliminares - a equipa técnica procede à reelaboração do trabalho de acordo com os resultados obtidos nas etapas anteriores e tendo em vista preparar a base informativa necessária para realizar a comunicação e discussão alargadas aos intervenientes informais a qual se efectua na fase seguinte.

Primeira Etapa - Formação duma Opinião Técnica sobre a Área e a sua Reabilitação

Nesta etapa a equipa técnica deve obter, de forma expedita e em termos gerais, o conhecimento, interpretação e avaliação da área, para definir as suas características, problemas e potencialidades..Desta análise, avaliação

e correspondente diagnóstico resulta a formulação de objectivos, políticas e estratégias de reabilitação e a proposta de soluções para os problemas detectados. É ainda necessário formar, em paralelo, uma ideia sobre os agentes, meios e procedimentos necessários à discussão e execução da reabilitação.

Nesta fase inicial deve-se percorrer, mesmo que de forma pouco aprofundada, todo o tipo de trabalho correspondente às tarefas técnicas do planeamento da intervenção de reabilitação.

É um trabalho a realizar de forma expedita, na base da observação directa, de entrevistas e da reunião e consulta da documentação disponível. É um trabalho sujeito a lacunas e erros, com cargas subjectivas, mas que deverá ter a virtude de incluir as múltiplas dimensões da comunidade e de demonstrar como, a partir desse conhecimento, se discutem e encontram soluções, quem está envolvido nelas, que meios, recursos, e formas de organização exigem para se concretizarem. O valor deste trabalho reside na demonstração de como se pensa e organiza o desenvolvimento daquela comunidade e se qualifica o seu espaço, que conteúdos informam os objectivos, políticas e estratégias de desenvolvimento, quem são os agentes e de que instrumentos se dispõe e não tanto na verdade incontestável das informações e propostas para a área, as quais se irão sucessivamente completando e corrigindo ao longo do processo.

Dado que uma das funções essenciais do trabalho de preparação técnica é estabelecer a base de informação que permite iniciar, enquadrar e facilitar a comunicação entre agentes sociais das mais diversas formações, é primordial que esta seja expressa de forma clara e atractiva, que explique os porquês e exponha concretamente a leitura que se fez da realidade presente, as propostas que se elaboraram, os modos, agentes e meios disponíveis para executar as soluções.

É este esforço de clareza e simplicidade (e não a tentativa de criar uma informação que esmague pelo tecnicismo da sua fundamentação os argumentos alheios), que facilita o diálogo com os outros agentes sociais não especialistas ou especialistas de outras matérias, que dá a abertura e desenvolve a didáctica que motiva a participação, que mostra reconhecer os agentes sociais como construtores do seu próprio desenvolvimento e não como simples receptores e executores.

A confissão expressa de que o trabalho apresentado corresponde a uma opinião fundamentada mas problemática e não a uma verdade comprovada e inquestionável, a apresentação sem rodeios das próprias dúvidas e dificuldades é a abertura e o convite que motiva o envolvimento dos diversos agentes sociais, a sua participação no desenvolvimento.

Os técnicos e os políticos têm de afirmar as suas opiniões, de transmiti-las, explicá-las, defendê-las na medida das suas convicções (como profissionais e como cidadãos) mas têm de o fazer demonstrando na prática que sabem que elas

são um contributo fundamental, mas que está longe de ser o único, e que os seus conhecimentos e opiniões técnicas precisam de ser permanentemente informados e reelaborados na prática social e não apenas através de literatura e do trabalho nos gabinetes.

A necessidade de realizar esta primeira etapa em tempo breve e os próprios objectivos de utilização desse conhecimento conduz à utilização de métodos que:

• Conduzam à percepção e interpretação dos aspectos estruturais, das questões essenciais, das características mais significativas e dos principais problemas e potencialidades da Área e da sua dinâmica de transformação:

• Favoreçam a realização simultânea da análise, avaliação e construção de hipóteses de intervenção

• Permitam aproveitar os conhecimentos disponíveis, estejam eles expressos em documentos ou resultem da experiência individual comunicável através de entrevistas;

• Identifiquem os principais intervenientes e os seus modos de proceder, meios e programas de acção e facilitem a sua participação na transformação da Área .

Fazem parte desta etapa os seguintes estudos:

• Leitura da Imagem.(1) para conhecer, interpretar e avaliar da Área Urbana.

• Caracterização da Área Urbana como parte do Aglomerado Urbano a que pertence.

• Caracterização da morfologia geral da paisagem da Área e da sua Envolvente.

• Conhecimento da história da evolução do tecido urbano.

• Caracterização sócio-económica da população.

A preparação da equipa técnica de planeamento para o processo de reabilitação inclui ainda reunir a cartografia existente e iniciar a recolha de todo o material que se encontre disponível sobre a Área.

Remetemos o leitor interessado para a consulta do Volume II desta publicação que se intitula Leitura da Imagem Urbana e onde se apresenta detalhadamente os estudos correspondentes a esta etapa de planeamento.

À medida da obtenção de conhecimentos sobre a área e a sua reabilitação, estes devem ser fornecidos à comunicação social local para divulgação e como forma de interessar a opinião pública nos problemas que directamente lhe interessam e assim promover a participação.

É essencial, desde o início do trabalho e à medida do seu desenvolvimento, manter a população informada, transmitir os conhecimentos que vão sendo obtidos sobre a área, a sua transformação, sobre o meio urbano em geral e as capacidades e dificuldades existente para promover e gerir o desenvolvimento social e a qualificação territorial.

Esta acção de divulgação deve acentuar a importância da participação da população na expressão e defesa dos seus interesses, na construção do seu próprio desenvolvimento e na apropriação do território, apelando à sua efectivação e indicando as vias e procedimentos que o município e a/s juntas de freguesia vão organizar para a concretizar.

A referida informação deve ser trabalhada por especialistas da comunicação, veiculada pelos meios de comunicação social existentes localmente e alimentar a acção de animadores culturais e de iniciativas locais.

Para realizar esta tarefa a equipa técnica deve integrar um técnico de comunicação social.

É ainda importante a criação de um posto de atendimento público ligado à(s) Junta(s) de Freguesia e à equipa técnica de planeamento para proporcionar o contacto com a população, facilitar e encaminhar a resolução dos seus problemas, expor a informação sobre a área e a sua reabilitação, à medida que vai sendo trabalhada, e recolher críticas, propostas, informações e iniciativas locais.

Apresentamos, seguidamente, um quadro resumo que identifica, em termos gerais, as tarefas a cumprir nesta Primeira Etapa.

(1) Este Método é baseado na proposta de Allan B. Jacobs e Leslie Gould Observing and Interpreting the Urban En-vironement. Case Study: Naglee Park, San José, California. Institut of Urban and Regional Development, University of California, Berkeley, WP372, 1982.

Metodologia de Planeamento - Fase I - Etapa I – Resumo

Segunda etapa - Formação de uma Opinião Técnico/Política a Nível Municipal

O trabalho efectivado na etapa anterior pela equipa técnica de planeamento é formalmente apresentado à/s Junta/s de Freguesia abrangidas pela Área e aos políticos e técnicos municipais, para:

• Conhecerem, discutirem, completarem, procederem a ajustes e correcções no trabalho realizado.

• Tomarem decisões sobre as propostas a apresentar e discutir com os diferentes agentes sociais.

• Definirem meios, agentes, procedimentos e recursos necessários para prosseguir o trabalho.

Esta etapa cumpre-se realizando reuniões de trabalho gerais e sectoriais com os diferentes técnicos e políticos municipais, com responsabilidades nas questões a discutir e resolver, e com as Juntais de Freguesia.

É essencial definir a colaboração a prosseguir com os serviços municipais para estruturar e concertar as acções de reabilitação e a sua implementação e para iniciar a coordenação que permitirá realizar a gestão corrente da Área de forma descentralizada e, simultaneamente, inserida na gestão municipal.

Estas reuniões devem ser cuidadosamente preparadas sendo para tal necessário:

• Reunir a documentação que foi elaborada na etapa anterior e prepará-la para ser apresentada e discutida

• Escolher criteriosamente os participantes de cada reunião e assegurar a presença de todos os que satisfazem os critérios de convocação definidos.

• Distribuir a documentação com antecedência.

• Organizar as reuniões numa sequência que facilite a exposição e o entendimento das questões, e que permita tratar primeiro as de carácter geral e ir sucessivamente encarando aspectos sectoriais e mais particularizados.

• Elaborar actas detalhadas destas reuniões de modo a vincular os participantes às opiniões e decisões tomadas.

Terceira Etapa - Acerto a Nível Técnico/Político Regional/Central

Esta etapa corresponde ao ajuste da proposta técnico-política municipal de reabilitação da Área com os agentes sociais actuando a nível regional e central e à coordenação de acções tendo em vista o prosseguimento do seu estudo

e execução.

Nesta etapa realizam-se sessões de trabalho com os técnicos e os responsáveis da Administração Central/Regional, das empresas concessionárias de serviços públicos e com outros agentes sociais organizados, cuja acção seja essencial para a resolução dos problemas identificados, e a resolver a curto prazo.

As referidas sessões de trabalho têm por objectivo completar e ajustar conhecimentos, concertar e definir estratégias e acções relativas às questões cuja resolução depende dos citados agentes, interessá-los e envolvê-los na sua resolução estabelecendo para tal os compromissos e protocolos necessários.

Acertam-se objectivos, estratégias, procedimentos e programas e ajustam-se as bases de colaboração e com os intervenientes de nível regional e central, tal como, na etapa anterior, se definiram com os municipais.

Cabe salientar que, dependendo da importância da Área no seu contexto urbano, este acerto pode ser dispensado ou tornar-se essencial.

Quarta Etapa - Definição da Proposta Técnico/Política de Planeamento/Acção

A proposta de planeamento e programação preliminares da reabilitação da Área estabelece-se através da reelaboração do trabalho realizado na primeira etapa, de acordo com os resultados das informações, decisões e acertos

estabelecidos na segunda e terceira etapas e tendo em conta os recursos, a capacidade e a dinâmica de desenvolvimento demonstrada pelos agentes sociais envolvidos.

Esta proposta, na sua fase definitiva, deve ser apresentada e discutida nas assembleias municipal e de freguesia para colher uma última aprovação e para proporcionar o interesse no acompanhamento e colaboração na fase seguinte de comunicação e discussão públicas onde estas instituições deverão ter um importante papel o qual que deve ser firmado nesta ocasião.

Resultados da Fase I

Ao finalizar esta primeira etapa do trabalho que permitiu conhecer as características essenciais da Área e enquadrá-la no seu contexto urbano e histórico, a equipa técnica deverá estar em condições de:

• Estabelecer a caracterização, interpretação e avaliação da área e da sua dinâmica de transformação identificando os problemas, potencialidades, tendências de transformação, áreas do território e questões sociais e económicas exigindo prioridade de intervenção, e colher elementos que proporcionem a construção de soluções e acções de reabilitação.

• Estabelecer medidas cautelares.

• Elaborar propostas relativas a objectivos, políticas e estratégias de reabilitação da área;

• Definir propostas alternativas de intervenção e as acções prioritárias destacando as que se considera serem a realizar a curto prazo e que apoiam o início do planeamento/acção.

• Completar e aprofundar a identificação dos agentes sociais formais e informais cuja acção tem ou pode vir a ter incidência na transformação da área e a envolver nas fases subsequentes da reabilitação de forma discriminada pelos diferentes tipos de acções.

• Formar uma ideia sobre os meios, procedimentos, instrumentos e recursos necessários para prosseguir o estudo e organização da reabilitação propostas e estabelecer as rotinas adequadas de planeamento e gestão da área, descentralizadas e concertadas com as práticas correntes de planeamento e gestão municipais.

Capítulo VI - FASE II - COMUNICAÇÃO E DISCUSSÃO PÚBLICAS(1)

Na fase anterior, os técnicos e os políticos com atribuições que os envolvem directamente na reabilitação da Área reuniram-se e discutiram os seus conhecimentos e propostas relativos ao problema em questão, exprimiram e

concertaram as suas opiniões e intenções de acção, estimaram os meios e instrumentos necessários para as realizar.

Nesta fase são apresentados e discutidos os resultados deste trabalho de forma aberta e alargada à comunidade territorializada na Área e aos diversos agentes sociais cujos interesses e actividades se relacionam com ela e com as acções de reabilitação urbana.

Objectivos

Através da comunicação e discussão públicas procura-se estabelecer uma troca de informação que generalize, complete e aprofunde o conhecimento da Área e dos objectivos e questões urbanas e que permita:

• Discutir e ajustar as propostas de intervenção, verificando a sua aceitação/ rejeição e viabilidade, e abrindo-as à iniciativa dos diferentes agentes sociais.

• Provocar a produção de novos conhecimentos e propostas.

• Dinamizar e captar capacidades, recursos e agentes para desenvolver o planeamento/reabilitação da Área.

• Proceder a uma ampla acção de formação cívica orientada para estimular o interesse e a participação no desenvolvimento e na qualificação do território.

• Abrir perspectivas de solidariedade, cooperação e apropriação sociais.

• Consciencializar e responsabilizar a comunidade pelo seu desenvolvimento.

Intervenientes

Têm papel preponderante na organização e alimentação desta fase, para além da equipa técnica de planeamento da reabilitação da área, que deve incluir especialistas de comunicação e animação cultural;

• A/s Junta/s de Freguesia.

• Os políticos e técnicos municipais.

• Os técnicos e responsáveis a nível regional e central, de acordo com as iniciativas que se decidirem.

• As colectividades e outros grupos organizados locais.

• Os diversos agentes sociais que defendem interesses específicos (comerciantes, industriais, promotores, investidores, proprietários, inquilinos ... ), estimulando-os a criarem iniciativas para se informarem, exporem e defenderem os seus interesses e exigências e para definirem formas e condições de participação activa na resolução dos respectivos problemas.

• Os órgãos de comunicação social local.

• A população em geral e indivíduos singulares que revelem iniciativa aplicável às tarefas desta fase.

(1) No Volume III desta publicação. desenvolve-se o conteúdo desta Fase.

Método

A realização desta fase pressupõe definir com a(s) Junta(s ) de Freguesia e a Câmara Municipal a organização da comunicação e discussão públicas, estabelecendo os locais, os receptores, emissores e canais de comunicação, os

recursos e os apoios logísticos necessários para a efectivar e ainda:

• Preparar o material para apresentação e apreciação públicas do trabalho realizado na 1.ª fase de forma a proporcionar uma boa comunicação com a população em geral, grupos de interesse e outras entidades públicas e privadas consideradas.

• Realizar a comunicação/discussão da reabilitação da Área distribuindo no espaço e no tempo as diferentes realizações de forma a atingir os diversos agentes sociais, a criar um impacte inicial e a sustentá-lo até se considerar que se esgotaram as possibilidades de recolher informação e de interessar e captar para a acção os agentes sociais portadores de dinâmicas de transformação.

• Definir as estruturas de comunicação/discussão que deverão assegurar, em permanência, a relação dos agentes sociais com as Juntas de Freguesia e a Câmara Municipal e que serão fundamentais durante o planeamento/acção versus gestão corrente.

A comunicação é realizada através de:

• Sessões de apresentação e discussão gerais alargadas à população.

• Sessões de trabalho e mesas-redondas com grupos representativos de interesses específicos.

• Sequências de acontecimentos culturais e de animação urbana que despertem o interesse, informem, formem e motivem o envolvimento, a expressão e a responsabilização dos agentes sociais na reabilitação urbana.

• Edição de publicações, cartazes, desdobráveis e outro material para distribuição pública.

• Emissão de textos e realização de programas por iniciativa própria e dos meios de comunicação locais.

É necessário estabelecer o quadro de referência e a organização que permita registar as informações, as propostas e a indicação dos agentes sociais que manifestaram interesse e dinamismo, para os contactar e envolver no processo de planeamento/acção a desenvolver seguidamente.

Resultados da Fase II

Nesta fase realiza-se a inserção do planeamento da reabilitação da Área nas práticas sociais de transformação urbana, através da abertura à apropriação e responsabilização pelos seus agentes e criam-se condições para fixar e

formalizar o planeamento e programação preliminares e iniciar um processo contínuo de planeamento/acção assumido pela comunidade local, adaptado às capacidades e aos meios disponíveis, concertado entre os diferentes agentes sociais formais e informais aos diferentes níveis com incidência na reabilitação da Área e capaz de evoluir, adaptando-se às transformações provocadas pela própria acção de reabilitação.

Ao finalizar esta fase obtém-se ainda a informação que permite ter:

• A visão que a população local tem sobre a Área, os seus problemas e as possibilidades de resolução.

• As perspectivas, estrangulamentos e dinâmicas locais de desenvolvimento e qualificação territoriais.

• A identificação dos conflitos, dos consensos e dos parceiros capazes de participar activamente na reabilitação urbana, as suas contribuições e exigências, os procedimentos de reabilitação que melhor se ajustam às realidades locais.

Capítulo VII - FASE III - FORMULAÇÃO DO PLANEAMENTO E PROGRAMAÇÃO DA REABILITAÇÃO URBANA

Objectivos

Nesta etapa a equipa técnica de planeamento procede à elaboração do documento que transmite a opinião técnico/política sobre a área e a sobre a orientação e execução da sua reabilitação, ou seja, a opinião que os agentes sociais

formais, técnicos e políticos, dos diferentes níveis da administração com responsabilidades na transformação da Área, têm relativamente às características, problemas e potencialidades desta e ao que consideram dever ser feito, e como, para a reabilitar, para realizar a tarefa indissociável de desenvolvimento sócio/económico, cultural e de qualificação espacial.

Apresentadas e discutidas as propostas técnico/políticas de planeamento e programação preliminares da reabilitação da Área na fase anterior, a equipa técnica está em condições de reelaborá-las, formalizá-las, de instrumentar e organizar a sua execução e de preparar a realização das intervenções decididas para o curto prazo, ou seja, de definir:

• A versão final do planeamento e programação que orientará o planeamento/acção da reabilitação da Área.

• Os instrumentos de planeamento e gestão que se considerem necessários para exprimir as orientações e as decisões tomadas e os seus fundamentos.

• A organização e os procedimentos adequados ao prosseguimento da acção.

• Os critérios de avaliação e controlo e o sistema de informação para apoiar a gestão corrente da Área.

• Os modos de participação e concertação dos agentes sociais e as regras e procedimentos que os regulam e os compromissos já acordados para realizar a operação de reabilitação.

• O planeamento e programação das acções a realizar no curto prazo de modo a poder implementar a sua execução na fase seguinte.

Intervenientes

Esta etapa é realizada pela equipa técnica de planeamento da reabilitação da Área apoiada pelos técnicos e políticos municipais e de nível regional e central, quando directamente implicados nas questões em causa e segundo os

procedimentos acordados anteriormente.

Método

A formulação do planeamento e programação da reabilitação da área urbana é feito a partir da conjugação das informações, orientações e tomadas de decisão resultantes dos estudos e discussões realizadas e dos compromissos

estabelecidos e transmite a proposta técnico/política de planeamento e programação da reabilitação da Área Urbana.

De acordo com as decisões tomadas, para as exprimir e para formalizar as bases comuns sobre as quais se irá construir

o planeamento/acção da reabilitação da Área elaboram-se, nesta fase, o(s) plano(s) e o(s) programas de trabalho e forma-se a equipa técnica de planeamento necessários para iniciar e executar a fase seguinte (planeamento/acção).

Resultados da Fase III

Como consequência desta fase de trabalho obtêm-se, como afirmámos, os instrumentos necessários para iniciar o planeamento/acção da reabilitação da Área ou seja:

• Planos e programas de reabilitação urbana (urbanísticos e de acções de desenvolvimento sócio/económico e cultural) - plano geral da Área Urbana e/ou de sub áreas desta conforme for considerado conveniente, e respectiva programação; planos e programas de acção social relativos a sectores específicos da população ou de controlo da instalação de actividades.

• Critérios e regras de avaliação e controlo do uso e ocupação do solo, do desenho e da construção urbanas.

• Sistema de informação de base geográfica para a Área.

• Instrumentos de participação e concertação dos agentes sociais, regras e procedimentos que as regulam.

Outro aspecto a considerar diz respeito à definição das tarefas que deverão ser realizadas (a nível de projecto e de execução) pela autarquia (Câmara Municipal e Freguesias) ou contratadas no exterior segundo os programas elaborados e aprovados no processo de planeamento.

É a própria prática de planeamento/acção que permitirá aplicar, testar e precisar os instrumentos elaborados remodelando-os, assim como à gestão corrente, de forma a manter uns e outros adequados às sucessivas exigências de desenvolvimento e qualificação territorial que o próprio processo revele.

Capítulo VIII - FASE IV- PLANEAMENTO/ACÇÃO

Objectivos

Esta fase corresponde à realização de forma permanente, organizada e interrelacionada do planeamento, gestão e execução da reabilitação da Área Urbana. O planeamento/acção deverá confundir-se com a forma corrente de

apoio técnico/politico à acção municipal de desenvolvimento e qualificação territorial para que esta mantenha a sua legitimidade e eficácia de acordo com a evolução das necessidades, capacidades e dos valores sociais e de expressão territorial.

Procura-se, ao concretizar esta fase, por em prática os procedimentos descritos e que consideramos que contribuem para dar operacionalidade e credibilidade ao planeamento no apoio, em tempo real e continuadamente, à reabilitação urbana.

Intervenientes e Método

De acordo com a metodologia exposta, o próprio desenrolar do processo vai sucessivamente informando sobre os conhecimentos e métodos adequados à resolução das questões que se apresentam no evoluir da situação.

Considera-se que a metodologia seguida até esta fase oferece a base a partir da qual a equipa técnico/política municipal está apta a proceder às adaptações e desenvolvimentos necessários de acordo com o sucessivo conhecimento da área e da sua dinâmica de transformação.

Após o “período de ponta” que correspondeu às fases anteriores de tomada em mão, de forma explícita e organizada, da reabilitação da Área, desenvolve-se um trabalho corrente de definição e realização de acções de transformação de iniciativa pública, e de incentivo, acompanhamento e controlo da iniciativa privada, com base na/s Junta/s de Freguesia e apoiadas nos serviços municipais e na participação dos outros agentes sociais conforme o exposto.

A operação de reabilitação urbana passa a confundir-se com a gestão corrente não rotineira, ou seja, uma gestão que integra o planeamento/acção como processo contínuo de decisão e avaliação das acções que vão sendo realizadas.

Metodologia de Planeamento – Quadro Resumo

BIBLIOGRAFIA

APPLEYARD, D. - Towards a Urban Design Manifesto, Berkeley, Institute of Regional Development; University of California, Berkeley, 1981.

• Urban Design Guidelines for Manegement, Berkeley, Institute of Urban and Regional Development, University of California, Working Paper Nº 385. April 1982.

BANFIELD, E.C. - Ends and Means in Planning, International Science Journal, Vol. II, 1959, pp. 361-8.

BECKMANN, N. - The Planner as a Burocrat, Journal of the American Institut of Planners, Vol. 30, 1964, pp. 323-7.

BERNSTEIN, R.J. - The Restructuring of Social and Political Theory, Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1978.

BOLAN, R.S. - Community Decision Behavior. The Culture of Planning, Journal of the American Institute of Planners, 35, 1969, pp. 301-10.

BORJA, J. - Manual de Gestion Municipal Democratica - Instituto Estudios de Administration Local. Madrid/Barcelona,1987.

CASTELLS, M. - Crisis, Planning and the Quality of Life: managing the new historical relationship between space and society, Berkeley, Institute of Urban and Regional Development, University of California,

April 1982.

COMISSÂO DE INVESTIGAÇÃO URBANA E REGIONAL - Jornada de Reflexão sobre a Prática da Investigação Urbana e Regional em Portugal, Lisboa, CIUR, 1979. .

ETZIONI, A. - The Active Society: a Theory of Society and Political Processes, London, Collier-McMillan, 1968.

FALUDI, A. - The Planning Environment and the Meaning of Planning, Regional Studies, Vol.4, 1970, pp.1-9.

FORESTER, J.W.- Critical Theory and Planning Practice, Journal of the American Planning Association, 46 (3) 1980. pp. 275-286.

FRIEDMAN, J. - Knowledge and Action: a guide to planning theory, Journal of the American Institute of Planners, Vol. 40 (1), 1974.

HALL, P. - From Ideology to Utopia: towards feasible solutions for 2.000. An annoted reader in Environmental, Planning and Management, Pergamon Press, 1983.

HEMMENS, G.G. - New Directions in Planning Theory, Journal of the American Planning Association, 46 (3), 1980, pp. 259-60.

HEMMENS, G.C., STIFFEL, B. - Sources for the Renewal of Planning Theory, Journal of the American Planning Association, 46(3),1980.

JACOBS, A.; GOULD, L. - Observing and Interpreting the Urban Environment Case Study:

Naglee Park, San Jose, California, Berkeley, Institute of Urban and Regional Development, University of California, Working Paper Nº 372, February, 1982.

KRIER, R. - El Espacio Urbano, Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981.

LINDBLOM, C.F. - The Intelligence of Democracy, New York, Free Press, 1965.

LYNCH, K. - A Imagem da Cidade, Lisboa, Edições 70, 1982 (1ª edição, Harvard, Mass.1960).

• Site Planning, Cambridge, Mass., MIT Press, 1962.

• A Theory of Good City Form, MIT Press, 1981.

MAS, A.N. - Estudios de Historia Urbana, urbanismo y centros historicos en Francia, Ciudad y Territorio,

Julio/Sptembro, 1985.

MEYERSON, M.; BANFIELD, E.C. - Politics, Planning and the Public Interest, Glencoe, Free Press, 1955.

RAPOPORT, A.; KANTOR, R.E. - The Perception of Urban Complexity, AlP Journal, March 1970.

• Human Aspects of Urban Form: towards a man-environment approach to urban form and design, Oxford, Pergamon Press, 1977.

RITTEL, H.W.J.; WEBBER, M.M. - Dillemas in a General Theory of Planning, Berkeley, Institute of Urban & Regional Development, University of California, 1973.

SANDERS, P. - Urban Politics: a Sociological Approach, London, Hutchinson, 1979.

SAN FRANCISCO DEPARTMENT OF CITY PLANNING - The Urban Design Plan of San Francisco, California, May 1971.

• Guiding Downtown Development, San Francisco, 1980.

SANTOS, C.N.F., VOGEL, A. - Quando a Rua Vira Casa, Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Administração Municipal, Centro de Pesquisas Urbanas, 1981.

SCHNEIDER, K. - The Architecture of Urban Space, Architectural Forum, 134 (5), 1971, pp 48-51.

SEGAL, M. e al. - The Influence of Culture on Visual Perception, New York, Bobbs-Merryl, 1966.

VALENTE PEREIRA, L. - Modelo do sistema urbano à escala de zona urbana. Lisboa : LNEC, 1974. Memórias, M 447.

• Metodologia do Planeamento Municipal – Relatório 1: Bases para a Renovação da Metodologia do Planeamento. Lisboa, LNEC, 1984. – Relatório 2: Os Estudos Suários de Planeamento, Lisboa, LNEC, 1984.

• O Planeamento Municipal - Metodologia para o Desenvolvimento Local, Revista/IUR, CIUR/JNICT, Lisboa, vol. 1, Julho 1984.

• Planeamento Municipal, Lisboa, LNEC, 1984. • Atelier Experimental, Internacional e Interdisciplinar para o Ordenamento Harmonioso duma Zona Contígua

ao Centro Histórico de Évora, Lisboa, LNEC, 1986. • O Planeamento Municipal e o Exercício da Acção Política Local, LNEC, Lisboa, 1986. • Método de Apoio Técnico à Acção de Desenvolvimento Sócio-Urbanístico de uma Área Urbana de Intervenção,

Lisboa, LNEC, 1986. • Reabilitar o Urbano ou como Restituir a Cidade à Estima Pública, Lisboa, LNEC, 1986.• Metodologia da Reabilitação Urbana - Estudos de caso: Madragoa/lapa e Benfica, 1ª Conferência de Reabilitação

Urbana. Lisboa, LNEC, 1989.

• Metodologia de Planeamento da Reabilitação de Áreas Urbanas. Lisboa, LNEC, 1991. Memórias, M 769.

Reabilitar o Urbano - Volume I - Conceitos Gerais e Metodologia de Planeamento

Documents

Transcript of Reabilitar o Urbano - Volume I - Conceitos Gerais e Metodologia de Planeamento