rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa...

194
DIREITO MUNICIPAL E URBANÍSTICO Daniele Regina Pontes José Ricardo Vargas de Faria Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Transcript of rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa...

Page 1: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-2945-7

DireitoMunicipale urbanístico

DireitoMunicipale urbanístico

Daniele Regina PontesJosé Ricardo Vargas de Faria

Dir

eit

o M

un

icip

al

e u

rb

an

ísti

co

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 2: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 3: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Daniele Regina Pontes

José Ricardo Vargas de Faria

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2012

Edição revisada

Direito Municipal e Urbanístico

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 4: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

© 2011 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________P858d Pontes, Daniele Regina Direito municipal e urbanístico / Daniele Regina Pontes, José Ricardo Vargas de Faria. - ed. rev. - Curitiba, PR : IESDE, 2012. 190p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-2945-7 1. Direito urbanístico - Brasil. 2. Planejamento urbano - Brasil. I. Faria, José Ricardo Vargas de. II. Título.

12-4807. CDU: 349.44 10.07.12 23.07.12 037238__________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: Shutterstock

IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 5: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Sumário

História do Direito Municipal | 9Breve histórico da constituição dos municípios | 9

Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios | 21Leitura geral sobre os municípios brasileiros | 21Criação dos municípios | 22Procedimentos de constituição | 24Organização territorial interna | 25Município e regiões metropolitanas | 26Competência | 27Autonomia | 28

Finanças municipais | 33Autonomia financeira dos municípios | 33Orçamento público municipal | 34Princípios constitucionais do orçamento público | 34Sistema orçamentário | 36Controle orçamentário | 37Tributação municipal | 38Impostos municipais | 40

Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores | 45Poderes do município | 45Órgãos públicos | 46Poder Executivo Municipal | 48Elegibilidade | 48Atribuições do prefeito | 49Câmara de Vereadores | 50Vereadores | 51Lei Orgânica do Município | 51

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 6: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Bens municipais | 55Breve histórico dos bens públicos no Brasil | 55Bens públicos | 56Classificação dos bens públicos | 57Regime jurídico dos bens públicos | 58Bens municipais | 59Utilização de terceiros | 60Aquisição de bens | 60Alienação de bens municipais | 61Proteção dos bens municipais | 61

Obras e serviços públicos municipais | 67Conceito de serviço público | 67Princípios do serviço público | 68Conceito de obra pública | 70Competência | 70Serviços e obras municipais | 71Espécies de serviço público | 72A execução dos serviços públicos por particulares | 73

Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais | 77Direito e sociedade | 77Produção da ilegalidade nas cidades brasileiras | 79Cidade, urbano e urbanismo | 81Estatuto da Cidade e instrumentos urbanísticos | 83O plano diretor nos municípios brasileiros | 84

Planejamento municipal e plano diretor | 89Planejamento e desenvolvimento | 89Planejamento municipal | 90Plano diretor no Pós-Constituição Federal de 1988 | 91Características do plano diretor | 92Elaboração, aprovação e implementação | 93Obrigatoriedade de elaboração | 94Conteúdos do plano diretor | 95Legislações urbanísticas | 96

Propriedade e posse | 101Breves apontamentos históricos sobre a posse e a propriedade no Brasil | 101Novo perfil do direito de propriedade a partir da Constituição Federal de 1988 | 103A função da propriedade na Constituição Federal de 1988 | 104A funcionalização no Código Civil | 105A posse no Código Civil | 107Aquisição e perda da propriedade | 108

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 7: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Uso, ocupação e parcelamento do solo | 113Legislação territorial | 113Uso e ocupação dos bens imóveis | 114Divisões territoriais | 115Leis de zoneamento | 116Estrutura da lei | 117Estudo de Impacto de Vizinhança | 118Lei de Parcelamento do Solo | 119

Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade | 125Política Urbana | 125Parágrafo 4.º do artigo 182 da Constituição Federal | 126Direito de preempção/preferência | 129Direito de superfície | 130Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso | 131Transferência do direito de construir | 132Operação urbana consorciada | 132

O direito ambiental nas cidades | 137Direitos difusos e coletivos | 137Princípios de direito ambiental | 138Princípio do poluidor-pagador | 139Estatuto da Cidade | 141Meios de defesa do patrimônio ambiental | 142Competência municipal | 144

Regularização fundiária | 149Moradia | 149Cenários da moradia no Brasil | 150Informalidades | 151Valorização da posse | 152Aspectos da regularização fundiária | 152Concessão de Direito Real de Uso – CDRU | 153Concessão de uso especial para moradia | 153Usucapião | 154ZEIS | 159

Poder de polícia municipal | 163Natureza e conceito | 163Legislações | 164Características do poder de polícia | 164Princípios | 165Objeto do poder de polícia municipal | 167Procedimentos e coercibilidade | 167Sanções administrativas | 168Função social da propriedade | 169

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 8: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Controle sobre as ações municipais | 173Objetivo geral | 173Poder local | 173Gestão democrática das cidades | 174Os fundamentos da democracia | 175Institutos de participação popular na Administração Pública | 178Para além dos instrumentos | 180Responsabilidade fiscal e plano diretor | 180

Referências | 185

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 9: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

ApresentaçãoA abordagem da disciplina de Direito Municipal e Urbanístico parte da contextualização histórica e da leitura

correlacional entre a produção da cidade e o Direito. Assim, em uma perspectiva dialética em que o Direito assimila

as concretas relações estabelecidas na sociedade, refletindo-as e interferindo em sua trajetória, é que se propõe

estabelecer aqui um diálogo entre os vários temas que importam na construção e na interpretação da legislação

vigente, sem perder de vista o caráter principiológico estabelecido na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido,

a linearidade histórica estabelecida é meramente didática, pois é sabido que a complexidade dos fenômenos não é

apreciável dessa forma, mas é na inter-relação dos vários períodos com suas respectivas Constituições que podemos

desenhar a disciplina.

O conteúdo do texto não perde de vista também a interseção com outras importantes matérias do estudo do Direito,

assim, a leitura sobre as finanças e o orçamento público, os bens municipais, o poder de polícia e o controle sobre as

ações públicas estão imbricados com o Direito Administrativo e com o Direito Tributário.

O direito de posse e de propriedade rompe com o seu status, até então meramente privatista, e passa a ser

um dos grandes motes do estabelecimento de uma dimensão coletiva de direitos e deveres proprietários e

extraproprietários.

O exame das competências e responsabilidades do município, assim como das questões ambientais, patrimoniais e

urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

O Direito Municipal e Urbanístico ainda apresenta como conteúdo intrínseco o caráter interdisciplinar, que aparece

no estudo da Administração Pública, do Planejamento Público, da Geografia, do Urbanismo e da Sociologia, entre

tantas outras disciplinas.

Por fim, a disciplina é relativamente recente e os olhos dos autores estão atentos também para a construção dos

novos institutos jurídicos e urbanísticos que venham traduzir e concretizar as necessidades impostas pelo quadro

contemporâneo da urbanização brasileira.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 10: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 11: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

História do Direito MunicipalDaniele Regina Pontes*

Breve histórico da constituição dos municípiosAinda que o termo município e o delineamento desse ente político-administrativo tenha se ins-

pirado no Direito Romano (municipium) e, posteriormente, tenha sido difundido na Idade Média, o mu-nicípio ganha, na atualidade, um conteúdo próprio, estruturado segundo a composição organizacional dos Estados contemporâneos.

Cabe aqui ressaltar a construção dessa “nova” categoria a partir da trajetória percorrida no Brasil e, nesse sentido, voltar o olhar sobre seu conteúdo e formato nos períodos e nas constituições anteriores é determinante para compreender a conformação atual, assim como afirma Meirelles (2006, p. 35) “[...] na atualidade o Município assume todas as responsabilidades na ordenação da cidade, na organização dos serviços públicos locais e na proteção ambiental de sua área [...]”.

Como nem sempre foi assim, mas como também a questão local sempre esteve presente na orga-nização político-administrativa do território brasileiro, faz-se necessário compreender a trajetória histórica percorrida por esse ente, que só após a Independência passa a ser regulado em texto constitucional.

Histórico de constituição dos municípios brasileiros

O município no Brasil ColonialAo Brasil Colonial foram impostas as regras gerais de estruturação e organização política, admi-

nistrativa e jurídica do Estado português, ainda que tenham havido adaptações frente às características próprias da Colônia, principalmente em relação à dimensão territorial.

* Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Presidente/sócia-cooperada da Ambiens Sociedade Cooperativa. Professora de Direito da Unibrasil.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 12: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

10 | História do Direito Municipal

Como característica da administração, é necessário fazer menção àquela exposta por Prado Júnior (1981, p. 299-300) que, mesmo tendo sido realizada na década de 1940, ainda faz sentido na contemporaneidade, quando afirmava que

[...] ainda há uma coisa que devemos manter presente. É que a administração colonial nada ou muito pouco apresen-ta daquela uniformidade e simetria que estamos hoje habituados a ver nas administrações contemporâneas. Isto é, funções bem discriminadas, competências bem definidas, disposição ordenada, segundo um princípio uniforme de hierarquia e simetria, dos diferentes órgãos administrativos.

Assim, a forma de organização estabelecida na colônia estava adstrita à necessidade de conduzir a exploração, a ocupação e a defesa do solo brasileiro, e de estabelecer uma ordem político-administra-tiva, mesmo que incongruente com as particularidades da colônia.

Tal fato fez com que Portugal reproduzisse aqui a sua complexa legislação, formada pelas or-denações, legislações extravagantes e demais atos administrativos e desse ensejo ao estabelecimen-to da divisão territorial e administrativa, que partia da Costa Litorânea no sentido do meridiano de Tordesilhas. Desmembrou-se o território em quinze capitanias hereditárias entregues a pessoas que foram denominadas como capitães-donatários. Estes podiam fundar e estabelecer vilas e cidades, mas como à exceção das Capitanias de São Vicente e Pernambuco, as demais não obtiveram o êxito esperado, aos poucos a Coroa retomou as terras.

Nessa fase colonial não havia incentivo à centralização administrativa nas cidades, mas sim nas capitanias; mesmo assim, os centros mais urbanizados, as vilas e cidades possuíam Câmaras Municipais com as atribuições que aparecem descritas por Fausto (2003, p. 64): “As Câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios. Arrecadavam tributos, nomeavam juízes, decidiam certas questões, julgavam crimes como pequenos furtos e injúrias verbais, cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio.”

Essas Câmaras eram controladas, de acordo com o autor referido, “sobretudo até meados do sé-culo XVII, pela classe dominante dos proprietários rurais e expressavam seus interesses” (FAUSTO, 2003, p. 64). Foi, ainda, a Câmara de Vereadores o órgão que sobreviveu e que ganhou novos contornos e atribuições no período pós-Independência e que se manteve até o momento atual.

Do ponto de vista do estabelecimento das cidades, é possível afirmar que estas apresentaram um desenvolvimento bastante lento no período colonial em virtude das atividades econômicas basica-mente rurais, em um modelo de produção predominante naquele momento histórico. Nesse sentido, a administração da Colônia, ainda que alguns modelos de descentralização tenham sido tentados, como o provincial e o das Câmaras Municipais, acabavam por voltar à Coroa em um movimento de nova cen-tralização.

Tal movimento pode ser compreendido pela ocupação dos territórios como cidades: “No fim do período colonial, as cidades, entre as quais avultaram São Luís do Maranhão, Recife, Salvador, Rio de Ja-neiro e São Paulo, somavam perto de 5,7% da população total do País, onde viviam, então, 2,85 milhões de habitantes” (PRADO JÚNIOR apud SANTOS, 2005, p. 22).

Como se pode perceber, a ocupação das cidades ainda é ínfima, se considerado todo o território. Assim, considera-se que as cidades, em regra, passam a ter uma formação mais consistente somente a partir do século XVIII. Até então eram constituídas como municípios ou vilas, mas não apresentavam ca-racterísticas suficientes que demonstrassem um processo de urbanização. O domínio da economia rural agroexportadora e dos movimentos meramente exploratórios não consolidava a ocupação nas cidades.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 13: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

11|História do Direito Municipal

Início do processo de urbanização no ImpérioÉ somente a partir do início do século XVIII que se inicia um processo de urbanização no Brasil,

propiciado, em grande medida, (i) pela acumulação iniciada com o tráfico de escravos; como afirma Fausto (2003, p. 59 e 73) “o grupo de traficantes poderosos não se especializava apenas no significativo comércio de homens, dedicando-se aos investimentos em prédios urbanos, à usura e às operações de importação e exportação”; (ii) pelo incremento do comércio; (iii) pela complexificação das estruturas administrativas; (iv) pela invasão holandesa e; (v) pela vinda da família real para o Brasil, mais especifi-camente para o Rio de Janeiro.

Esse processo ainda incipiente de urbanização acaba por ser um dos elementos que colaboram na instituição de uma nova Constituição, que viria a ser a Constituição Imperial de 25 de março de 1824. Nessa Constituição, instituem-se, em todas as cidades, as Câmaras Municipais, conforme segue:

Título VII, Capítulo II – Das Câmaras:

Art. 167. Em todas as Cidades e Vilas ora existentes, e nas mais que para o futuro se criarem, haverá Câmaras, às quais compete o governo econômico e municipal das mesmas Cidades e Vilas.

Art. 168. As Câmaras serão eletivas, e compostas do número de Vereadores que a Lei designar, e o que obtiver maior número de votos será o Presidente.

Art. 169. O exercício de suas funções municipais, formação de suas Posturas policiais, aplicação de suas rendas, e todas as suas particulares e úteis atribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar.

As cidades e vilas apresentavam uma configuração bastante semelhante, como demonstra Castro (2006, p. 14): “No Império, a diferença entre a cidade e vila identifica-se apenas pelo critério democrático e pela composição dos membros das Câmaras Municipais. É que as Câmaras das cidades eram compos-tas de nove membros, além do secretário, e as das vilas, de sete.”

Em 1828, uma lei ordinária, que vigorou até a Proclamação da República, definiria os contornos da nova etapa de autonomia local dos municípios, instituindo a estrutura organizacional das adminis-trações municipais. Tal lei tratava basicamente das seguintes questões: (i) a formação e organização políticas das Câmaras; (ii) as posturas municipais e o “poder de polícia” nos municípios; (iii) a aplicação das rendas e; (iv) a estrutura funcional de seus servidores.

Seguiu-se a esta lei ordinária o Ato Adicional, de feição federalista (Lei 16, de 12 de agosto de1834, que alterava a Constituição de 1824 em alguns pontos), que também apresentava como objetivo a des-centralização das decisões administrativas, mas subordinando os municípios às assembleias legislativas provinciais.

Como afirma Maluf (1999, p. 369) vigorosos movimentos de opinião pública determinaram uma maior descentralização, criando-se o regime provincial. Contra o excessivo centralismo de D. Pedro I insurgiu-se o povo, levando-o à abdicação. O mesmo movimento determinou a promulgação do “Ato Adicional” de 1834, que concedia a autonomia das Províncias.

O problema continuou materializado na ínfima autonomia político-administrativa dos governos municipais que, como afirma Castro (2006, p. 16), “[...] o Ato Adicional reduziu as municipalidades a me-ras executoras das deliberações das Assembleias Provinciais e dos Presidentes das Províncias, agentes do Poder Central”. Assim, ainda que tenha havido um passo no sentido de se reconhecer a importância dos governos locais, a liberdade dos atos das Assembleias encontrava limite na sua própria execução, que dependia da permissão dos Conselhos Gerais das Províncias.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 14: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

12 | História do Direito Municipal

Tal determinação culminou na submissão das decisões municipais às deliberações provinciais, tendo em vista que estas tinham mais proximidade com o governo central, enquanto que os municí-pios, em geral, padeciam em relação à sua autonomia, pela sua condição de isolamento e distância do governo central (MEIRELLES, 2006, p. 38).

É importante ressaltar que data desta época, 1835, a implantação do cargo de Prefeito pela Pro-víncia de São Paulo (Lei 18 de 11 de abril de 1835), inovação esta que foi bem recebida e seguida por outras províncias, mas que não significou, na prática, maior autonomia para os municípios, pois o prefei-to era nomeado pelo presidente da província, estando, dessa forma, vinculado politicamente a este.

Assim, a configuração das cidades brasileiras como centros de decisão político-administrativa de-monstravam bastante fragilidade, inclusive por se considerar a população, a ocupação e o patamar de urbanização da maioria das cidades.

Em 1872 havia no Brasil somente três cidades com mais de cem mil habitantes, o “Rio de Janeiro (27 492), Salvador, (129 109) e Recife (116 671). Somente Belém (61 997) contava mais de 50 mil residen-tes. São Paulo, então, tinha uma população de 31 385 pessoas” (SANTOS, 2005, p. 23).

A constatação nesse cenário, que sintetiza a leitura dos municípios no Império, é a de que se verifica que nesse período não houve governo municipal autônomo, tendo em vista que a construção federalista que se iniciara atribuíra poderes basicamente às províncias, mas que é a partir da Indepen-dência que os municípios passam a apresentar visibilidade e que é dado a estes um tratamento consti-tucional.

O município na Constituição de 1891Segue à Proclamação da República (Decreto 1, de 15 de novembro de 1889) a Constituição de

1891, de inspiração norte-americana e feição de “república federativa liberal” (FAUSTO, 2003, p. 249).

Tal Constituição fará constar em seu texto, assim como na Constituição anterior, mais precisamen-te em seu artigo 68, o papel “autônomo” dos municípios. “Art. 68. Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.”

Os Estados, nesse sentido, passaram à categoria de entes federados (com a “Constituição da Repú-blica dos Estados Unidos do Brasil”), e procedeu-se, a partir das Constituições Estaduais, a caracterização das administrações municipais estabelecidas com as atribuições discriminadas em suas leis orgânicas municipais, ainda que os Estados deixassem os municípios, na prática, em uma situação de submissão às suas deliberações.

A autonomia municipal durante o período de vigência dessa Constituição é, portanto, bastante questionável, como demonstra Meirelles (2006, p. 39), que afirma:

[...] durante os 40 anos em que vigorou a Constituição de 1891 não houve autonomia municipal no Brasil. O hábito do centralismo, a opressão do coronelismo e o inculturado povo transformaram os Municípios em feudos de políticos truculentos, que mandavam e desmandavam nos “seus” distritos de influência, como se o Município fosse propriedade particular e o eleitorado um rebanho dócil ao seu poder.

Ainda assim, esse período é importante para os municípios, pois é no final do século XIX e início do século seguinte que se verifica um considerável aumento do fenômeno urbano que praticamente dobra o total da população que mora nas cidades brasileiras. Tal contexto vai pressionar o poder cons-tituído a reconhecer a importância dos municípios e a dar uma resposta às recorrentes demandas que

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 15: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

13|História do Direito Municipal

surgirão em virtude do aumento populacional nas cidades e da complexificação das relações sociais, econômicas e políticas que surgiriam.

A resposta veio em 1926, com a Reforma Constitucional, quando a autonomia municipal passou à categoria de princípio constitucional. A partir dessa data, a autonomia municipal, ainda que com dife-rente tratamento, seria corolário das demais constituições brasileiras.

Entre a fixação e a destituição da autonomia municipalEm 1934 há uma importante mudança na configuração político-administrativa brasileira. A repartição

das competências, até esse momento, estava adstrita a dois entes que estruturavam a administração, o Es-tado Federal e os Estados federados. A partir de então as competências passam a ser divididas e o Estado é reestruturado na figura de três entes: o Estado Federal, os Estados federados e os municípios.

Portanto, é somente a partir da Constituição de 1934, e ainda que esta tenha sido bastante bre-ve, depois de quarenta anos sem autonomia municipal é que se recuperou, na legislação e na prática, a possibilidade de os municípios se fazerem entes político-administrativos importantes no cenário brasileiro.

De acordo com Meirelles (2006, p. 40)

Precisavam as Municipalidades não só de governo próprio mas – antes e acima de tudo – de rendas próprias, que assegurassem a realização de seus serviços públicos e possibilitassem o progresso material do Município. Fiel a essa orientação, a Constituinte de 1834 inscreveu como princípio constitucional a autonomia do Município em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente a eletividade do prefeito e dos vereadores, a decretação de seus impostos e a organização de seus serviços (art. 13).

Assim, um dos pontos-chave, a distribuição de receitas no Estado, foi tratado com bastante minúcia.

Os resultados dessa Constituição não puderam ser medidos à época, tendo em vista a exiguidade de sua vigência, procedida pelo golpe de 1937 – que concebeu o Estado Novo –, impondo um novo regime político-administrativo para o Brasil, em que o Poder Executivo central concentrava o direciona-mento político do país.

Ainda que a Constituição de 1937 trouxesse dispositivos que não fossem aplicados durante o regime, Fausto (2003, p. 365) chamou a atenção para a importância dos dispositivos finais dessa Carta Constitucional, que trazia a possibilidade do presidente da República confirmar ou não o mandato dos governadores eleitos e nomear interventores nos casos em que entendesse necessário, e ainda, a Constituição dissolvia o Parlamento, as Assembleias estaduais e as Câmaras Municipais que somente poderiam ter seus membros eleitos após o plebiscito referente à Constituição. Declarou, ainda, estado de emergência e suspendeu indefinidamente os próprios preceitos constitucionais referentes às liber-dades individuais.

De qualquer forma, todos os que confrontassem a política estabelecida pelo governo federal po-deriam sofrer intervenção, o que, portanto, caracterizava a decisão final sempre concentrada nas mãos do governo central.

O presidente estava autorizado a legislar por Decreto-lei sobre todas as matérias que fossem de responsabilidade do governo federal até a obtenção dos resultados do plebiscito. Como este não ocor-reu, todo o tempo decorrido com o Estado Novo foi realizado com os instrumentos do Decreto-lei e da intervenção.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 16: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

14 | História do Direito Municipal

Neste sentido, Meirelles (2006, p. 41) descreve o novo regime:

Ao golpe de 10 de novembro seguiu-se um regime interventorial nos Estados e nos Municípios. O interventor era um preposto do ditador, e os prefeitos, prepostos do interventor. Todas as atribuições municipais enfeixavam-se nas mãos do prefeito, mas acima dele pairava soberano o Conselho Administrativo estadual, órgão controlador de toda a atividade municipal, que entravava eficientemente as iniciativas locais.

Essa fase da história do Brasil é marcada também pela política de industrialização do país, repre-sentada por uma aliança entre três poderosos grupos sociais: as burocracias civil e militar e a burguesia industrial.

Todos estavam voltados a consolidar um “capitalismo nacional”, por meio do setor industrial, o que mobilizaria uma série de políticas, como a educacional, a trabalhista e a de transporte, entre outras, no sentido de concretizar esse grande projeto.

Perpetuada a política da era Getúlio Vargas até 1945, neste ano o presidente é obrigado a renun-ciar diante do movimento realizado pelas Forças Armadas. Inicia-se, com isso, um novo momento de constitucionalização no país, que atribui aos municípios um importante papel voltado aos aspectos de representação e estruturação política, administrativa e financeira.

A Constituição de 1946 é um marco do período de abertura para a democratização no país. Nesse sentido, o texto constitucional optou por uma desconcentração de poderes e pela descentralização administrativa, contrariando os moldes expostos anteriormente na Constituição de 1937. Repartiu-a entre a União, os Estados-membros e os municípios as competências e responsabilidades, ficando a intervenção restrita a apenas algumas situações expostas no próprio texto.

Esse fato pode ser verificado em várias passagens do texto constitucional, entre elas as descritas a seguir:

Art. 23. Os Estados não intervirão nos Municípios, senão para lhes regular as finanças quando:

I – se verificar impontualidade no serviço de empréstimo garantido pelo Estado;

II – deixarem de pagar, por dois anos consecutivos, a sua dívida fundada.

Art. 24. É permitida ao Estado a criação de órgão de assistência técnica aos municípios.

Art. 28. A autonomia dos municípios será assegurada:

I – pela eleição de Prefeitos e Vereadores;

II – pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse, especialmente:

a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação de suas rendas;

b) à organização dos serviços públicos locais.

Os governos municipais poderiam ainda ser eleitos, e haveria indicação nos casos referentes às capitais, municípios declarados de Segurança Nacional ou aqueles que apresentassem estâncias hidrominerais, quando estas fossem beneficiadas pelo Estado ou pela União.

Essa Constituição vigorou de fato até a entrada dos Atos Institucionais, os quais determinaram uma nova estruturação político-administrativa que veio a ser consolidada com a Constituição de 1967 e com a Emenda Constitucional de 1969.

Nesse sentido, Fausto (2003, p. 465) diz que “o AI-1 foi baixado a 9 de abril de 1964, pelos coman-dantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Formalmente, manteve a Constituição de 1946 com várias modificações, assim como o funcionamento do Congresso.”

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 17: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

15|História do Direito Municipal

Com o Golpe Militar de 1964, a tão aludida democratização, inclusive administrativa, deixa de existir e se instaura novamente um longo período de centralização do governo federal e intervenção nas demais esferas do governo, estaduais e municipais.

A Constituição Federal de 1967 foi forçadamente aprovada. O Congresso, que havia sido fechado, foi aberto extraordinariamente para aprovar o texto constitucional. Essa Constituição, pela sua própria origem, aumentava os poderes do Executivo, principalmente naquilo que se referisse à segurança na-cional. Quanto às demais questões, estas eram definidas pelos votos da maioria do Congresso, repre-sentados, nesse momento, pelo partido da situação, a Arena.

Foi mantida, no texto constitucional, a possibilidade de se continuar elegendo prefeitos e verea-dores, nos moldes da Constituição de 1946; a questão é que, diante do regime ditatorial, prefeitos e ve-readores deveriam seguir as orientações políticas estabelecidas pelo governo federal, assim a liberdade política é falseada nas eleições diretas e a escolha da representação política nos municípios é realizada entre aqueles que poderiam ser elegíveis, nos critérios do poder central.

Como afirma Meirelles (2006, p. 43), “os atos institucionais e as emendas constitucionais que suce-deram limitaram as franquias municipais no tríplice plano político, administrativo e financeiro.”

Do ponto de vista financeiro-tributário, as rendas municipais foram distribuídas mais equitativa-mente entre União, Estados e municípios, mas os municípios menos industrializados, em relação aos fundos de repasses – Fundo de Participação dos Municípios –, foram prejudicados pelo critério estabe-lecido na Constituição.

É importante lembrar que nesse momento o país já vivenciava um processo de urbanização bas-tante acelerado e que os municípios apresentavam uma importância fundamental nas relações espa-ciais, sociais e econômicas no território.

De acordo com Santos (2005, p. 31), entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Há meio século (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a população total do Brasil, ao passo que a popula-ção urbana se multiplica por sete vezes e meia.

Nesse contexto, as Constituições Federais mudam o tom quanto à importância do tratamento dado aos municípios, e a discussão sobre a forma de constituição, autonomia, atribuições, finanças, entre outras questões, ganha mais espaço nos textos constitucionais.

O retrato geral dos municípios na Constituição Federal de 1988Com a abertura do Regime e o novo contexto de redemocratização do país, surgiu a necessidade

de se construir um novo texto constitucional, em que se fizesse responder e constar as demandas da sociedade naquele momento histórico.

Nesse sentido, além das consideráveis inovações realizadas quanto ao modelo de municipali-zação que se desenhava, a Constituição de 1988 (CF/88) faz constar em seu texto um capítulo refe-rente à “Política Urbana”, questão que, até aquele momento, nunca havia sido abordada nos textos precedentes.

O município, nesse contexto, passa, então, a ser reconhecidamente um ente bastante relevante na estrutura político-administrativa brasileira. De acordo com Bonavides (2006, p. 344), “as prescrições

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 18: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

16 | História do Direito Municipal

do novo estatuto fundamental de 1988 a respeito da autonomia municipal configuram indubitavel-mente o mais considerável avanço de proteção e abrangência já recebido por esse instituto em todas as épocas constitucionais de nossa história.”

A interpretação sobre esse novo modelo e a categorização do município passa a ser discutida no sentido do seu tratamento ou como ente federativo ou como importante ente político-administrativo na estrutura de organização do Estado. De qualquer forma, o tratamento deferido ao município na CF/88 modifica a qualidade dual “pura” do modelo federalista, fazendo com que uma terceira esfera – a municipal –, apresente poderes autônomos na estrutura organizacional do Estado brasileiro.

Quanto ao conteúdo da atuação municipal, faz-se presente, além da competência privativa para regular matéria de interesse local, a competência comum em relação à União e aos Estados em relação a outras determinadas matérias, conforme consta no artigo 23 da Constituição Federal.

Relativamente à atual posição que o município ocupa no cenário político, administrativo e financei-ro do país, é possível dizer que a sua importância e a qualidade de sua competência e responsabilidade apresentam-se em consonância com o desenho, inclusive espacial da ocupação do Brasil.

O município nas Constituições brasileirasÉ possível dizer que a regulação dos municípios nas legislações brasileiras, principalmente nas

Constituições Federais, retrata a forma de organização e reorganização da população no território brasi-leiro e a complexificação das relações estabelecidas a partir de um período duradouro, como foi o perí-odo colonial, mas pouco dinâmico, do ponto de vista das mudanças estruturais que ocorreram na admi-nistração do território, passando pelos momentos de mudança político-organizativa – Independência, República, Estado Novo, Democratização, Ditadura Militar, Redemocratização –, e, principalmente, de alteração econômica da sociedade brasileira, com a industrialização e a migração populacional em di-reção às cidades, o que acarretou no fenômeno da urbanização em um período muito breve de tempo, se considerados os outros momentos históricos decorridos no Brasil.

A reestruturação dos municípios e a importância qualitativa atribuída a este ente político-admi-nistrativo a partir da CF/88, é fruto da conformação, no período da redemocratização, do número de municípios existentes no país e do quadro urbano que havia se definido.

Texto complementar

Geografia do Brasil(SCARLATO, 2003)

[...] vale dizer que as cidades brasileiras no período colonial representaram um prolongamento do mundo rural. A ausência de uma burguesia urbana abriu espaço ao poder das oligarquias agrárias.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 19: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

17|História do Direito Municipal

A câmara municipal, primeira e principal instituição política representativa da população da colônia, tinha sua sede na cidade. Porém, ela era controlada por senhores da casa-grande. [...] Essas cidades, na verdade, eram os locais onde se formalizavam juridicamente os atos exercidos na grande propriedade. Pode-se dizer que as cidades representavam o fórum de direito do poder político, porém era a casa- -grande que exercia de fato esse poder.

As poderosas famílias e seus agregados e escravos residiam a maior parte do ano nos domínios rurais. Somente se deslocavam para centros urbanos para festejos e solenidades. As cidades eram, na sua maior parte, habitadas por funcionários da administração municipal, oficiais da Coroa, arte-sãos e mercadores. [...] Essa forma de relacionamento entre as oligarquias e as cidades permaneceu até a transição para a Independência do Brasil. [...]

Apesar de o século XVIII ter presenciado um grande avanço na fundação de vilas e cidades no inte-rior do território brasileiro, esse processo se fez de forma muito descontínua, motivado tanto pela depen-dência do povoamento em relação às oscilações do mercado externo como também pelo esgotamento dos recursos ou pela concorrência de um produto com outro (caso da cana, da mineração e do café).

À medida que a economia exportadora era orientada e estimulada por um produto, as áreas cor-respondentes à sua produção eram rapidamente povoadas para em seguida, recuar, permanecendo com uma produção restrita e fixando, em muitos casos, uma população que vivia só da economia de subsistência. Muitas vilas e cidades do interior brasileiro acabaram mergulhando nessas condições.

A região da serra do Espinhaço, onde estão hoje localizadas as cidades históricas mineiras, che-gou a representar uma das maiores concentrações demográficas do século XVIII no Brasil. Segundo os documentos oficiais da época, a região de Vila Rica chegou a ter de 80 mil a 150 mil escravos. [...]

A riqueza mineral do sítio onde se fundou Ouro Preto foi também a causa de sua posterior es-tagnação. Quando ocorreu o esgotamento do ouro e a fuga da população da região, a cidade ficou mergulhada na situação de isolamento. [...]

Foi um fenômeno constante a descontinuidade no crescimento das cidades no período colo-nial e mesmo durante o Império. Os recursos naturais, à medida que se esgotavam, levavam à estag-nação desses centros. As grandes cidades mais bem localizadas sempre tiveram seu crescimento de forma mais contínua, principalmente as portuárias. Estas podiam beneficiar-se de sua posição geo-gráfica como centro de exportação de vários pequenos centros regionais, em que a estagnação de um era compensada pelo dinamismo de outro, e assim o grande centro conseguia manter sempre sua função exportadora. A cidade do Rio de Janeiro beneficiou-se da exportação do ouro, e quando este declinou, foi substituído pela exportação do café. [...]

A abertura dos portos ao livre-comércio com o exterior e a independência do país fizeram com que as oligarquias agrárias começassem a assumir a administração da vida pública nacional. A partir de então, as cidades brasileiras passaram a representar mais do que o prolongamento do poder rural, transformando-se no novo centro do poder político.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 20: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

18 | História do Direito Municipal

Atividades 1. Os vários momentos históricos do Brasil foram traduzidos pelo Direito nas suas várias Cartas

Constitucionais. Assim, a partir de que momento histórico é possível perceber que, de fato, os municípios com essa categorização começam a participar mais intensamente da vida político- -administrativa do país?

2. Como as Constituições anteriores à Constituição Federal de 1988 identificam o interesse dos municípios em seus textos?

a) Interesse local.

b) Peculiar interesse.

c) Interesse municipal.

d) Domínio local.

3. Identifique duas mudanças no texto da Constituição Federal de 1988 em relação às constituições que a precederam.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 21: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

19|História do Direito Municipal

Gabarito1. Ainda que na Constituição do Império houvesse referência aos municípios, nesse período tais

entes ainda estavam, do ponto de vista da sua autonomia, adstritos ao poder das províncias. Assim, é somente com a República, o que significa dizer na Constituição de 1891, que o município assume nova feição e que se reconhece que existe um interesse municipal em tratar de seus assuntos de forma mais específica.

2. B

3. A equiparação dos municípios a entes conformadores da federação; o capítulo da política urbana; o rol de competências comuns entre União, Estados-membros e municípios, entre outros.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 22: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

20 | História do Direito Municipal

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 23: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Autonomia, competência e responsabilidade dos

municípios

Leitura geral sobre os municípios brasileirosPara se compreender a importância dos municípios, demarcada na Constituição Federal de 1988

(CF/88), é necessário verificar o cenário geral da organização da população no território brasileiro, con-formada na organização dos três entes político-administrativos que integram a federação: a União, os Estados e os municípios.

Em 2007, de acordo com dados da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil contava com uma população de 183,9 milhões de habitantes. A distribuição territorial da população apresenta, na primeira década deste século, a mesma configuração, do ponto de vista da densidade, das décadas anteriores, o que significa dizer que a Região Sudeste continua a apresentar a característica de região mais populosa, seguida pelas Regiões Nordeste e Sul e que as Re-giões Norte e Centro-Oeste, que nesta ordem apresentam menor densidade.

Também é possível observar que do ponto de vista do adensamento no território brasileiro, ocorre historicamente uma concentração da população nas áreas mais próximas à costa brasileira.

Há que se considerar, em conjunto com o aumento da população e a forma geral de organi-zação no território, o contexto político-administrativo de distribuição da população, isto é, como o Estado se organiza para distribuir a responsabilidade de suas ações mais localizadas. No que se refere a isso, de acordo com o IBGE, o Brasil entre 1940 e 2001 apresentou significativo aumento do número de municípios, como se pode verificar no quadro que segue:

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 24: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

22 | Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Número de municípios 1940 1950 1960 1970 1980 1990 1997 2001

IBG

E, D

ireto

ria d

e G

eoci

ênci

as.

Brasil 1 574 1 889 2 766 3 952 3 974 4 491 5 507 5 560

Norte 88 99 120 143 153 298 449 449

Nordeste 584 609 903 1 376 1 375 1 509 1 787 1 792

Sudeste 641 845 1 085 1 410 1 410 1 432 1 666 1 668

Sul 181 224 414 717 719 873 1 159 1 188

Centro-Oeste 80 112 244 306 317 379 446 463

O município mais populoso continua a ser, como nas últimas décadas, o município de São Paulo (10,8 milhões de habitantes), seguido por Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O município menos populoso, de acordo com as pesquisas realizadas em 2007, também está localizado no Estado de São Paulo. Assim, o município de Borá, de acordo com as pesquisas, apresentou em 2007 a população de 804 habitantes, seguido por Serra da Saudade, localizado no Estado de Minas Gerais e Anhanguera, em Goiás.

Também, nesta primeira década do século em curso, o número de municípios com mais de um milhão de habitantes cresceu de 13 para 14, em comparação com o censo de 2000. Os municípios com essa característica são os seguintes: São Paulo (10,8 milhões); Rio de Janeiro (6,1 milhões); Salvador (2,8 milhões); Brasília (2,45 milhões); Fortaleza (2,43 milhões); Belo Horizonte (2,41 milhões), Curitiba (1,7 mi-lhão); Manaus (1,6 milhão); Recife (1,5 milhão); Porto Alegre (1,42 milhão); Belém (1,40 milhão); Goiânia (1,24 milhão); Guarulhos (1,23 milhão); e Campinas (1,03 milhão) (IBGE, 2007).

A partir dessas considerações é possível traçar um breve perfil das questões populacionais e terri-toriais dos municípios brasileiros nas últimas décadas, em que pode se observar que houve uma maior divisão territorial em municípios e que houve, ainda nesta década, um movimento de concentração populacional em municípios de grande porte, ou seja, com mais de um milhão de habitantes.

Ainda pode-se observar que a distribuição da população no território brasileiro não é homogê-nea, ou seja, existem regiões muito mais populosas que outras e, ainda, os próprios municípios apresen-tam configurações muito diferentes dentro do mesmo Estado, do ponto de vista da sua complexidade, neste caso, considerando o que se refere ao número da população.

Criação dos municípios

Tendo em vista o quadro apresentado de aumento significativo de municípios, desde a década de 1940, a CF/88 definiu a forma de constituição de novos municípios e de supressão de alguns existentes.

Antes de se definir a forma de constituição e desconstituição de municípios é necessário enten-der juridicamente a sua natureza. Os municípios, como os demais entes político-administrativos da Fe-deração, são considerados pessoas jurídicas de direito público interno, conforme determina o artigo 41, inciso III do Código Civil.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 25: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

23|Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I - a União;

II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

III - os Municípios;

IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;

V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

A CF/88 determinou que a criação de municípios está adstrita ao reconhecimento pelos respecti-vos Estados em que estão inseridos. Assim, será a lei estadual a instituidora da autonomia, conformada em determinado território, que a partir de então será reconhecido como ente político-administrativo.

[...] Somente depois de aprovada sua criação por lei estadual é que o território adquire personalidade jurídica de direito público interno (CC, art. 41, III) e autonomia política, administrativa e financeira, decorrentes de sua condição de entida-de estatal de terceiro grau (CF, artigos. 29-31), integrante do sistema federativo (CF, art. 1o.). (MEIRELLES, 2006, p. 43)

As leis estaduais instituidoras de novos municípios constituídos por incorporação, fusão ou des-membramento e de desconstituição de municípios até então existentes, terão a qualidade de lei ordi-nária estadual.

Assim, nos seguintes termos descreve a CF/88 a possibilidade de criação de municípios, obser-vando a Emenda Constitucional 15, de 12 de setembro de 1996.

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

§4o. A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Mu-nicípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

É importante fazer constar que houve algumas propostas de substituição do texto aprovado, mas que apesar dessas propostas, a Constituição, nesta matéria, permaneceu inalterada. Nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 297/95, principal emenda modificativa, que buscava qualifi-car de forma mais pormenorizada e criteriosa a constituição de novos municípios foi arquivada.

Incorporação, fusão, anexação ou desmembramentoQuanto à forma de se proceder a criação de novos municípios, o parágrafo 4.º, do artigo 18 da CF,

já citado, informa que a origem dos municípios pode decorrer, atualmente, das seguintes situações: incorporação, fusão, anexação ou desmembramento.

Todas essas possibilidades estão relacionadas a duas questões: a territorial e a político-adminis-trativa. Assim, sempre que se promove a constituição de novo município, necessariamente isso implica em uma modificação do desenho anterior do território e a necessidade de se estabelecer uma nova estrutura administrativa de gestão e de construção legislativa.

Também é importante considerar que não há qualquer referência quanto ao número da popu-lação residente, assim, podem ser formados municípios com qualquer número populacional, devendo prevalecer, nesse sentido, apenas a razoabilidade quanto à constituição de uma nova estrutura admi-nistrativa e legislativa.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 26: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

24 | Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Assim, tratando das formas de constituição, a primeira forma, que é a incorporação, ocorre sem-pre que um município se integra ao outro. Nesse caso, um dos municípios deve perder a sua persona-lidade anterior, enquanto o outro que conserva a sua personalidade agrega ao seu território e à sua gestão o território e as responsabilidades referentes aos compromissos daquele município que perdeu a personalidade jurídica.

Ocorrerá fusão sempre que dois ou mais municípios se unirem para formar um outro município com personalidade jurídica própria e distinta daquelas que originariamente apresentavam.

A anexação está relacionada apenas à questão territorial, portanto, nesse caso, não se constitui novo município, apenas se procede a modificação territorial dos municípios já existentes, na qual se une a parte desmembrada do território de um município ao de outra municipalidade já existente. Dessa forma, permanecem as personalidades jurídicas dos municípios que participaram do processo de anexação.

O instituto do desmembramento é bastante comum, pois tal instituto dá ensejo à formação de novo município. Assim, a parte desmembrada de um determinado município já existente ganha auto-nomia para se constituir em nova municipalidade.

Esse fato comumente ocorre com o desmembramento dos distritos mais consolidados, isto é, com maior população e com grau mais intenso de urbanização.

Procedimentos de constituição

De acordo com a CF/88, os Estados estão obrigados a se dividir em municípios, mas o mapa de divisão do território do Estado somente poderá ser alterado de quatro em quatro anos, sempre no ano que antecede o período de eleições municipais em todo o país.

Busca-se, dessa forma, estabelecer uma medida de estabilidade para as mudanças de configuração dos territórios dos Estados e, ainda, pretende fazer coincidir as eleições que ocorrem ordinariamente em todos os municípios com aquelas que formarão as novas administrações.

A criação de municípios é, portanto, um ato formal e legal que requer a verificação de determinados requisitos. Os Estados são responsáveis por regular os elementos de constituição dos novos municípios e de lhes atribuir personalidade jurídica, consideradas as questões de âmbito local que informam tais requerimentos.

O descumprimento de qualquer dos requisitos impostos na legislação poderão ensejar o questio-namento judicial da proposição de nova constituição de município, tornando nulos os procedimentos ilegais e inconstitucional a lei que determinar a criação em desacordo com os pressupostos preestabe-lecidos em lei.

A decisão da Assembleia Legislativa que entender pela rejeição do requerimento de constituição de novo município deverá ser justificada, mas tendo em vista a autonomia desse ente para julgar a per-tinência ou não dessa questão; não caberá, nesse caso, impugnação judicial no caso de recusa.

O procedimento de constituição, de acordo com Meirelles (2006, p. 69-70) apresenta quatro etapas, conforme segue:

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 27: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

25|Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

1) representação à Assembleia Legislativa nos termos e com os comprovantes dos requisitos mínimos exigidos pela lei; 2) determinação da Assembleia Legislativa para que se realize o plebiscito, desde que satisfeitas as exigências legais; 3) realização do plebiscito pela Justiça Eleitoral; 4) promulgação da lei criadora do Município, dentro do período estabe-lecido na lei complementar federal, se favorável o resultado do plebiscito.

Quanto ao primeiro ponto, existe a necessidade de se apresentar um Estudo de Viabilidade à As-sembleia Legislativa. Esse estudo deverá ser formulado conforme as determinações da lei, atendendo a inúmeros requisitos, entre eles as questões financeiras da nova municipalidade a ser constituída. Ainda, tal estudo deverá ser publicado, de forma a dar conhecimento a toda população das possíveis conse-quências da formação do novo município ou da alteração territorial dos municípios.

O segundo e o terceiro momento dizem respeito à apreciação popular das novas propostas rela-tivas aos municípios. O primeiro cabe à Assembleia e o segundo aos Tribunais Regionais Eleitorais que são responsáveis por definir os procedimentos do plebiscito, inclusive definindo o alcance da consulta. Assim, por meio do plebiscito que, conforme Meirelles (2006, p. 72), “é a consulta direta à população de determinada área sobre assunto de seu interesse”, a população poderá manifestar o seu entendimento quanto à necessidade de se constituir novo município ou de se alterar o desenho territorial dos muni-cípios em questão.

Nesse sentido, a Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998 dispõe que:

Art. 7.º Nas consultas plebiscitárias previstas nos artigos 4.º e 5.º entende-se por população diretamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que se manifestar em relação ao total da população consultada.

Na leitura desse artigo, caberá inclusive a possibilidade de votação por estrangeiros residentes nos municípios, objeto da consulta e o seu resultado será definido por maioria simples, conforme deter-mina o artigo 10 da Lei 9.709/98.

A quarta fase confere à Assembleia Legislativa a manifestação de seu ato político frente à demanda apresentada e, uma vez aceita a proposta encaminhada em relação aos municípios, promulga-se a sua lei criadora.

Organização territorial internaOs municípios apresentam autonomia para definir as bases de sua organização territorial interna.

Assim, a divisão territorial do município pode se conformar de várias maneiras, entre elas as mais comuns são as que dividem o município em áreas urbanas e rurais, em bairros nas áreas urbanas, em distritos e subdistritos na área rural, em áreas de expansão urbana.

Os distritos apresentam importante participação na constituição dos novos municípios, pois nor-malmente é com a emancipação destes que se formam outros municípios.

O distrito, assim como o subdistrito é, muitas vezes, um relevante centro de distribuição de serviços públicos à população, principalmente no que diz respeito ao acesso da população da área rural aos be-nefícios da urbanização, como escola, posto de saúde, pavimentação, transporte público, comércio local etc., tendo em vista a sua estruturação como centro de infraestrutura de atendimento à população e a organização já existente nessas localidades.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 28: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

26 | Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Tendo em vista essas questões, muitas vezes o distrito já apresenta elementos suficientes que moti-vam a sua transformação em município, e por esse motivo, esta se tornou uma das práticas mais comuns de constituição de novos municípios. Assim, essas localidades são emancipadas, mudando de status.

Os distritos e os subdistritos se configuram em áreas ou circunscrições administrativas, dotadas de serviços públicos de atendimento à população que os conformam. Ao contrário dos municípios, não apresentam personalidade jurídica própria, e, portanto, também não apresentam autonomia política e administrativa.

De acordo com a Constituição Federal a competência para a criação de distritos e a descentrali-zação destes em subdistritos compete aos municípios, como citado pelo seu artigo 30, inciso IV, “criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual.”

No mesmo sentido da criação dos municípios, mas sem que haja obrigatoriedade, o município poderá prever em sua lei orgânica municipal a possibilidade de se fazer plebiscito para a instituição de novos centros de maior urbanização, organizados na forma de distritos e subdistritos.

Município e regiões metropolitanasEm decorrência do crescimento de alguns municípios brasileiros, a população ultrapassou as

linhas das divisas territoriais com os demais municípios de seu entorno. Assim, os municípios passam a se relacionar de forma muito mais próxima uns com os outros e as suas atividades se tornam extre-mamente interdependentes, o que os obriga, em muitos casos, a definirem políticas públicas de forma conjunta.

Nesse mesmo sentido pondera Ferrari (1993, p. 71)

As Regiões Metropolitanas são na verdade entidades administrativas compostas de Municípios, embora suas decisões não os obriguem, e isto devido à autonomia municipal. Assim, são órgãos do planejamento que visam à realização de funções públicas de interesse comum.

A CF/88 definiu que nos casos em que já não seja mais possível estabelecer uma divisão clara entre os territórios dos municípios em virtude da sua proximidade em que ocorre a formação de uma malha urbana única, cabe aos Estados a determinação da organização dos municípios em regiões me-tropolitanas.

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

§3º. Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e mi-crorregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Tais regiões metropolitanas são formadas para que os municípios tenham a possibilidade de gerir de forma conjunta temas de interesse comum e em conjunto possam realizar as atividades e prestar serviços públicos às suas populações.

A formação da região metropolitana não implica na geração de um outro ente da federação, pois apresenta natureza restrita de administração, interferindo nos municípios na medida das decisões rea-lizadas em órgãos colegiados daqueles que estão representados por esse órgão.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 29: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

27|Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

CompetênciaA instituição de um rol maior de competências e de atribuição de maior valor aos municípios está

relacionada ao crescimento de sua importância na configuração do Estado brasileiro. Assim, o aumento expressivo do número de municípios e a complexidade que foi assumida por alguns municípios brasi-leiros demandaram a revisão do legislador sobre a autonomia e a competência no que se refere à sua organização.

Segundo Pellegrino (2000, p. 13)

As competências governativas do Estado brasileiro convivem nas três pessoas de Direito Público Interno: a União – a projeção mais ampla –, os Estados – porção administrativa regional – e os Municípios – que são, do ponto de vista jurí-dico, unidades territoriais dos Estados, criados por força de lei estadual, com personalidade jurídica de direito público interno, e, do ponto de vista político, expressão administrativa descentralizada para o atendimento das peculiaridades locais, no âmbito de sua competência.

Nesse sentido, a CF, em seu artigo 30 definiu o rol de assuntos que são de competência do municí-pio e que devem ser estabelecidos em legislação própria, denominada esta de Lei Orgânica Municipal.

Mas, ainda que o município tenha sofrido modificação no sentido de aumentar qualitativa-mente a sua responsabilidade e dirigir a sua própria organização, por meio da Lei Orgânica, esta somente pode versar sobre assuntos que não colidam com a CF, especialmente no que se refere ao seu artigo 29.

Assim descreve Castro (2006, p. 52)

[...] o Município, no seu poder auto-organizatório, tem limites constitucionais bem explícitos, de que cogita o artigo 29, caput, da CF. É dizer: o Município organiza-se e rege-se por sua Lei Orgânica e demais leis que adotar, mas para atingir tal desiderato há que observar os princípios da Constituição da República e os da Constituição do respectivo Estado. É autônomo o Município, nos termos da Constituição; e autonomia não significa apropriação de liberdade ilimitada no e para dispor normativa e organizacionalmente sobre os poderes municipais. Há que se respeitar a fonte única dos poderes: a Constituição da República.

O autor trata, como se pode observar, dos limites do município do ponto de vista do estabele-cimento dos pressupostos para o tratamento dos assuntos municipais. A observância dos princípios constitucionais, assim como daqueles estabelecidos em Constituição Estadual, devem estar presentes na formulação das normas e das ações municipais.

Sem prejuízo da autonomia municipal referida no caput do artigo 18 da Constituição Federal, o artigo 1.º desse mesmo texto determina uma unidade que se perfaz em um controle principiológico de caráter regulador.

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 30: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

28 | Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Dessa forma, é possível observar que a CF/88 direciona a leitura de todos os seus demais dispo-sitivos e irradia os seus fundamentos a todas as normas que formam o sistema jurídico, incluindo nesse bojo as normas municipais.

AutonomiaA CF/88, ao tratar dos municípios, os inseriu como elemento de sua estruturação e organização

político-administrativa, conforme segue:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Assim, essa autonomia refere-se a basicamente três questões, como chama a atenção Pellegrino (2000 p. 20-21): (i) autonomia política; (ii) autonomia administrativa; e (iii) autonomia financeira, sendo que Meirelles (2006, p. 93) ainda propõe mais um elemento, o “poder normativo próprio”.

A autonomia política está adstrita à condição do município de estabelecer a forma de sua auto- -organização a partir de seu reconhecimento como pessoa jurídica de direito público interno e de pos-sibilitar o seu autogoverno, decorrente da escolha de seus representantes, tanto do Poder Executivo – prefeito e vice-prefeito, como do Poder Legislativo – vereadores.

A autonomia administrativa refere-se à capacidade do poder local definir as suas políticas públicas e gerenciar a efetivação destas, concretizadas em prestação de serviços públicos.

Quanto à autonomia financeira, esta reserva aos municípios o poder de instituir e arrecadar tributos e aplicar seus resultados, na efetivação das políticas públicas do próprio município.

Por fim, o poder normativo está estabelecido especialmente no artigo 30 da CF, que determina em seu inciso I que compete aos municípios “legislar sobre assuntos de interesse local.”

A capacidade de o município regrar o uso e a ocupação de seu território e estabelecer os limites decorrentes da apropriação dos bens do município está contida neste preceito referente à regulação do município dos interesses locais.

Assim, tudo aquilo que diga respeito ao interesse imediato do município, que intervenha na sua manutenção deve ser discutido em seu próprio âmbito. A compreensão sobre o significado da expres-são “interesse local” está relacionada ao interesse mais imediato, mas não exclusivo da municipalidade, tendo em vista que as questões de âmbito local interferem em seu conjunto nas ações das demais es-feras governamentais.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 31: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

29|Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Texto complementar

Significado e importância das emancipações: uma polêmica ainda não resolvida no Rio Grande do Sul

(PINHEIRO; MOTTA, 2003)

[...]

A questão das emancipações, pela complexidade envolvida, parece não ser redutível a situações e procedimentos predeterminados. Entre os extremos centralização/descentraliza-ção deve-se buscar um meio-termo mais adequado. Por outro lado, centralizar a regulamen-tação não significa, necessariamente, centralizar a administração. Ao contrário, as evidências empíricas apontam no sentido de afirmar as vantagens, com larga margem, de descentrali-zação frente à centralização, sobretudo, quando se tem em conta o dinamismo da sociedade contemporânea. Além disso, nos sistemas democráticos e representativos, o município, tendo como núcleo a sede, é a célula fundamental, o espaço de irradiação, a escola política, o local de exercício e de emergência das futuras lideranças nacionais. Portanto, é desnecessário enfa-tizar que a análise crítica realizada não pressupõe e tampouco implica posicionamento a priori contra as emancipações, apesar de um dos autores (PINHEIRO, 1999) já ter definido, quando conveniente, a tese de fusão dos municípios.

Contudo, na percepção dos autores, tão importante quanto criar um município é dotá-lo das condições minimamente necessárias para participar do concerto da formulação e da im-plementação das políticas públicas, em perfeita articulação com as demais esferas de governo, evitando as lacunas e a multiplicidade de esforços. Por outro lado, tais condições, a exemplo da infraestrutura, não podem ser criadas a partir de um marco zero; elas devem preexistir, herda-das do município-mãe, e este, por sua vez, não pode ter o seu desenvolvimento comprometido a partir da emancipação de uma área. Se “emancipar para desenvolver” é o lema básico dos emancipacionistas, não deve ser esquecido que a infraestrutura é, também, precondição para o desenvolvimento e, regra geral, a construção da infraestrutura é um empreendimento que requer o envolvimento dos governos estadual, federal e, por vezes, das municipalidades adja-centes.

Nas condições do marco regulatório vigente, a criação de municípios “aumenta o número de comensais sem a contrapartida do aumento do bolo”, uma vez que não ficou, em nenhum dos casos analisados, comprovada a viabilidade da área emancipada nem tampouco que a área remanescente do município de origem não restaria prejudicada. Utilizar como argumento para as emancipações futuras as emancipações exitosas do passado é uma falácia que pode levar a equívocos, não se aplicando ao tema a profecia que se autorrealiza.

[...]

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 32: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

30 | Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Atividades 1. A leitura de dois elementos, território e população, manifestam a configuração geral dos

municípios brasileiros. Indique, analisando o contexto atual, uma questão ou apontamento que pode ser percebido na configuração atual dos municípios, a partir da observação desses elementos.

2. As regiões metropolitanas são constituídas:

a) Pelos próprios municípios.

b) Pelas capitais dos Estados.

c) Pelos Estados-membros.

d) Pela União.

3. A partir da CF/88, os municípios passaram a ter competência para regular assuntos de interesse local. Na prática, entre vários temas de interesse dos municípios, aponte dois que podem ser objeto de definição dos municípios.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 33: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

31|Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Gabarito1. Não há homogeneidade em relação aos municípios quanto a tamanho, população, complexidade

ou desenvolvimento; a história da colonização influencia até nossos dias a configuração geral do adensamento no Brasil, principalmente no que se refere à densa ocupação da costa brasileira;

2. C

3. Definição do perímetro urbano, criação de distritos e subdistritos, questões ambientais, questões urbanísticas, isenções tributárias etc.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 34: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

32 | Autonomia, competência e responsabilidade dos municípios

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 35: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Finanças municipais

Autonomia financeira dos municípios A manutenção da autonomia dos municípios a partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88)

dependia, em grande medida, da possibilidade destes realizarem as políticas públicas indicadas na sua esfera de atribuições. Nesse sentido, era necessário que se definissem instrumentos aptos a viabilizar o planejamento e a gestão municipal. Para tanto, foram definidos dois grandes eixos de concretização dessas medidas: o orçamento e a tributação.

É a partir desses instrumentos que os municípios realizam seus fins administrativos, executam suas obras e prestam serviços públicos em seus respectivos territórios, de forma mais planejada e controlada.

A autonomia municipal não significou uma ação absolutamente independente ou restrita a este ente político-administrativo, pois, não é possível desconsiderar que alguns municípios continuaram a depender consideravelmente dos repasses das verbas dos outros entes, e também é necessário com-preender que se manteve a interdependência entre os próprios municípios para a realização de deter-minadas obras e a prestação de serviços, assim como entre estes e as demais esferas de governo sempre que se verificar interesse comum. Tal fato não corresponde, necessariamente, à falta de autonomia mu-nicipal, mas, ao contrário, satisfaz o modelo federativo próprio adotado pelo Brasil.

A CF/88 assegurou a autonomia financeira dos municípios, basicamente sobre duas questões: a) a instituição e arrecadação dos tributos e b) a aplicação das rendas locais, como se pode verificar em seu artigo 30:

Art. 30. Compete aos Municípios:

[...]

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigato-riedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

[...]

Assim, este ente político-administrativo, o município, deverá constituir a sua própria renda, assim como administrar a sua receita e suas despesas, a partir de rendas próprias ou constituídas a partir de repasses e doações, considerando-se as relações estabelecidas entre os municípios e os demais entes da federação.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 36: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

34 | Finanças municipais

Os municípios não sofrerão interferência dos Estados na sua autonomia financeira, como se pode verificar no texto da Súmula 69 do Superior Tribunal de Justiça (STF) que determina que “a Constituição Estadual não pode estabelecer limite para o aumento dos tributos municipais.” Dessa forma, o Estado não poderá agir no âmbito municipal de forma a conceder isenções, restringir a majoração de tributos; condicionar a instituição de tributos locais, ou impor condições para a aplicação de rendas próprias dos municípios.

Orçamento público municipal O orçamento público, quanto à sua forma, está estruturado em legislação, mas assume o caráter

de ato administrativo, tendo em vista que a sua confecção é realizada pelo Poder Executivo, encami-nhado à Câmara de Vereadores para a sua aprovação e transformação em lei. Assim, define Bastos (1999, p. 12), “o orçamento é [...] uma peça jurídica, visto ser aprovado pelo Legislativo para vigorar como lei dispondo sobre a atividade financeira do Estado, quer do ponto de vista das receitas, quer das despesas. O seu objeto, portanto, é financeiro.”

Quanto ao seu conteúdo, o orçamento público passa por uma mudança de sentido em relação aos conteúdos estabelecidos pelos orçamentos tradicionais. Assume, pois, a partir de 1988, a feição de ins-trumento de planejamento, organizado na forma de programas, em que se estabelecem as prioridades e as ações a serem realizadas a longo, médio e curto prazos.

[...] é o processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se exe-cutam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro. (SILVA, 1997, p. 671)

O orçamento municipal é constituído a partir dos mesmos elementos que configuram o orça-mento federal, ou seja, estão presentes no orçamento municipal os elementos: econômico, político e jurídico, conforme descreve Bastos (1999, p. 130)

O elemento econômico traduz-se no fato de o orçamento assumir, inequivocamente, a forma de uma previsão da gestão orçamental do Estado, o que seria um autêntico plano financeiro. O elemento político consubstancia-se na autorização política para a efetivação desse plano ou projeto de gestão estadual. E, finalmente, o ingrediente jurídico traduzido nos efeitos de direitos próprios dos orçamentos e regulamentados pelos diversos sistemas jurídicos.

Na conjugação desses elementos, a administração municipal realiza os fins a que se propõe, tra-duzidos de forma “racionalizada” em programas, políticas e ações de dimensão e atingimento público, difuso ou coletivo.

Princípios constitucionais do orçamento públicoO orçamento público é orientado por princípios estabelecidos constitucionalmente. Tais princí-

pios realizam, ao mesmo tempo, dois papéis: o primeiro diz respeito à orientação finalística da com-posição dos orçamentos e o segundo trata da delimitação da esfera de possibilidade de utilização do instrumental posto à disposição da Administração Pública.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 37: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

35|Finanças municipais

Nesse sentido, Canotilho (2002, p. 1.224-1.225) descreve as características presentes nos prin-cípios, diferenciando-as das demais espécies de normas, no que tange à qualidade que apresentam. Assim, ao contrário das regras, os princípios apresentam: (i) grau de abstração relativamente elevado, sendo considerados “[...] vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras”; (ii) apresen-tam papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua hierarquia e importância estruturante dentro do sistema jurídico; (iii) são “juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça”, e, por fim; (iv) “são fundamentos de regras”.

Bonavides (2006, p. 288), ao tratar dos princípios constitucionais, também define sua importância na leitura geral do arcabouço jurídico, segundo o autor “[...] em verdade, os princípios são o oxigênio das Constituições na época do Pós-Positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa.”

A partir daí se estabelecem princípios que orientam e delimitam a construção dos orçamentos públicos em todas as esferas governamentais, entre elas as municipais. Os princípios são relativos à forma e ao conteúdo dos orçamentos. Sendo tais princípios os seguintes: (i) Princípio da Exclu-sividade em Matéria Orçamentária; (ii) Princípio da Programação; (iii) Princípio da Anualidade; (iv) Princípio da Unidade; (v) Princípio da Universalidade; (vi) Princípio da Legalidade; e, (vii) Princípio da Publicidade.

O Princípio da Exclusividade em Matéria Orçamentária determina que o orçamento esteja adstrito a tratar de receitas e despesas, não podendo conter em seu texto matérias que extrapolem tais conteúdos, conforme determina o parágrafo 8.º, do artigo 165 da Constituição Federal, descrito a seguir:

§8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se in-cluindo na proibição a autorização para a abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

O Princípio da Programação assume a forma de como devem ser construídos os orçamentos, no sentido de se organizar em programas a alocação de receitas e despesas. Requer-se aqui a classificação dos recursos e sua objetiva localização na própria lei orçamentária.

O Princípio da Anualidade determina que o ente político-administrativo deverá, anualmente, pre-ver a realização de despesas e a constituição de suas receitas. Tais previsões estarão expressas na lei orçamentária que anualmente deverá ser revista.

A leitura desse dispositivo deverá ser ampliada na medida em que o orçamento público abrange mais de uma lei que trata do orçamento, o Plano Plurianual que é definido em um lapso temporal de quatro anos, de qualquer forma, permanece a lei orçamentária anual para tratar de forma mais pragmá-tica da constituição de receitas e despesas anuais nos municípios.

De acordo com Bastos (1999, p. 47), “o Princípio da Anualidade encontra-se diretamente relacio-nado com o princípio da segurança jurídica, posto que a lei orçamentária é votada e aprovada a cada ano, representando assim um limite ao poder de intervenção do Estado.”

Sobre o Princípio da Unidade há uma mudança de sentido de alguns dos textos constitucio-nais anteriores para o presente na CF/88. Anteriormente, todas as disposições referentes ao orça-mento deveriam estar dispostas em uma única lei. Hoje, a unidade é de objetivos, de apresentação de finalidades, tendo em vista que este está expresso em mais de uma lei. Não poderá haver con-tradição entre os textos das três leis que definem e estruturam o orçamento.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 38: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

36 | Finanças municipais

O Princípio da Universalidade determina que toda a receita e despesa pública devam estar con-tidas em orçamento, devendo este abranger e considerar os recursos de todas as instituições públicas que recebam ou gerenciem recursos públicos.

Quanto ao Princípio da Legalidade ou Princípio da “Estrita Legalidade” é determinante que tudo que esteja relacionado ao orçamento esteja registrado em lei de forma exaustiva e detalhada. Dessa forma, que disser respeito às finanças municipais devem estar contempladas em legislação própria, seguidos os ritos determinados na Constituição Federal e respectiva legislação comple-mentar.

O Princípio da Publicidade assegura o controle do orçamento. A lei que trata de matéria referente ao orçamento tornar-se-á obrigatória após a sua publicação. Nesse sentido, o parágrafo 3.º, do artigo 165 da Constituição Federal determina que “o Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerra-mento de cada bimestre, o relatório resumido da execução orçamentária.”

Tal princípio determina também ao município a sua obrigação frente aos órgãos de fiscalização e à própria população a prestação de contas referente à aplicação de suas rendas e do pagamento de suas despesas.

Sistema orçamentárioO orçamento público se configura como um “planejamento estrutural” e integrado (SILVA, 1997,

p. 670).

Além da CF/88, que estabelece as linhas gerais e os princípios que subordinam a realização dos orçamentos, tanto do ponto de vista do estrito cumprimento das disposições referentes ao orçamento quanto aos princípios gerais, fundamentos e objetivos do Estado, duas leis regem o orçamento público e atingem diretamente os interesses referentes ao orçamento municipal, a Lei 101/2000 – denominada como Lei de Responsabilidade Fiscal, e a Lei 10.257/2001 – denominada Estatuto da Cidade.

Tais legislações determinarão as regras gerais de definição dos orçamentos vinculados ao plane-jamento dos municípios, no que diz respeito ao seu desenvolvimento.

Para além dessas leis, o orçamento municipal, assim como os orçamentos das demais esferas (União e Estados) deverão ser compostos em um sistema que é organizado em três legislações: o Plano Plurianual; a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); e a Lei de Orçamento Anual (LOA).

Caberá ao Plano Plurianual (PPA), que é elaborado e aprovado de quatro em quatro anos, definir as diretrizes gerais da política financeira do município. É uma lei que programa metas de mais longo prazo do que aquelas estabelecidas nas legislações anuais. Assim, as legislações anuais devem ser ela-boradas em consonância com as regras estabelecidas no PPA, o que significa dizer, em atenção aos programas, objetivos, recursos, responsáveis e indicadores para avaliação.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias orienta a confecção da Lei Orçamentária Anual estabelecendo as metas e as prioridades da administração municipal. Essa lei, de acordo com a Constituição Federal, artigo 165, parágrafo 2.º, entre outras questões, incluirá as despesas de capital para o exercício financei-ro subsequente e definirá possíveis alterações na legislação tributária.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 39: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

37|Finanças municipais

De acordo com Meirelles (2006, p. 269), a LDO ainda deverá

[...] dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas, critérios e forma de limitação de empenho nas hipóteses legais, normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orça-mentos e demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas [...]

A LDO terá, ainda, que fazer integrar em anexo ao seu texto o Anexo de Metas Fiscais e o Anexo de Riscos Fiscais, tudo em conformidade com o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal e sob a apreciação do Tribunal de Contas, do controle estabelecido na própria Prefeitura e da Câmara de Vereadores.

A Lei de Orçamento Anual (LOA) deve ser compatibilizada com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, mas trata de matéria própria conforme explica Meirelles (2006, p. 273) com base no texto constitucional, devendo tratar das seguintes questões:

[...] o orçamento fiscal referente aos Poderes municipais, aos seus Fundos, órgãos e entidades da Administração direta e indireta; o orçamento de investimento das empresas em que o Poder Público Municipal, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; o orçamento da Seguridade Social, incluindo todas as entidades e órgãos a ela vinculados (CF, art. 165, §5.º).

A LOA está adstrita à definição e à consignação de recursos para um determinado exercício finan-ceiro. Seu projeto poderá receber emendas, desde que estas apresentem compatibilidade com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Controle orçamentárioVários são os mecanismos de controle sobre os orçamentos municipais. A Lei 101 de 4 de maio

de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – definiu parâmetros de gastos e meios de fiscalização que ensejam a responsabilidade dos administradores públicos de forma objetiva.

Assim determina a Lei em seu artigo 1.º, parágrafos 1.º e 2.º.

§1.º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corri-gem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

§2.º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Para os municípios, a Lei de Responsabilidade Fiscal determinou parâmetros específicos, mas es-tabeleceu que o município é equiparado aos demais entes da federação, devendo seguir os parâmetros estabelecidos inclusive no que diz respeito a despesas com pessoal, conforme segue:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I - União: 50% (cinquenta por cento);

II - Estados: 60% (sessenta por cento);

III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 40: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

38 | Finanças municipais

Nas despesas com pessoal não serão computados, entre outros, a indenização por demissão de servidores ou empregados; aquelas relativas a incentivos à demissão voluntária; aquelas referentes aos inativos, ainda que por intermédio de fundos específicos custeadas por recursos provenientes da arre-cadação de contribuições dos segurados, entre outras, conforme estabelece o parágrafo primeiro do artigo 19 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Além da Lei de Responsabilidade Fiscal, outras leis estabeleceram normas de responsabilização dos agentes públicos que venham a descumprir os preceitos gerais estabelecidos para a condução e gestão da administração pública. Nesse sentido é possível citar a Lei Federal 10.028/2000, que, como afirma Meirelles (2006, p. 296):

[...] referida lei deu tratamento penal para o descumprimento das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal. Ilícitos administrativos pra-ticados no exercício da função pública, no que tange ao controle, aplicação e disponibilidade do Erário, são agora, considerados crimes, atingindo os maus gestores do dinheiro público.

A Lei 8.429, de 1992, também se refere aos casos de enriquecimento ilícito de agentes públicos, no exercício de seus mandatos, cargos, emprego ou quaisquer funções na Administração Pública (MEI-RELLES, 2006, p. 297).

O controle sobre o orçamento deve ocorrer tanto do ponto de vista da responsabilidade, inclusive penal dos agentes públicos, quanto do ponto de vista da coerência material das ações. Nesse sentido, o orçamento municipal deverá estar embasado também no plano diretor do Município, conforme deter-mina o artigo 44 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).

Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea “f” do inciso III do art. 4.º des-ta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.

Buscou-se, dessa forma, estabelecer um processo de maior transparência nas finanças munici-pais, com meios que publicizam o orçamento e que o tornam objeto de discussão, tendo em vista que a Administração Pública deve apresentá-lo à apreciação da população e discuti-lo em audiências e de-bates públicos. Nesse sentido, as práticas de abertura das discussões orçamentárias dos municípios têm se difundido, sendo que alguns municípios adotaram como estratégia a participação da população na definição de prioridades referentes às políticas públicas a serem implementadas em seus respectivos territórios.

Uma outra característica determinante nos orçamentos municipais diz respeito à integração entre o plano diretor, principal lei de desenvolvimento dos municípios e os orçamentos. Assim, de forma articulada se pretende fazer com que o planejamento orçamentário seja coerente com as dire-trizes de desenvolvimento definidas nos planos diretores municipais, de forma a torná-los viáveis.

Tributação municipalA tributação municipal constitui uma das principais fontes de receita dos municípios e, é a partir

da receita municipal que o município, representado pelo Poder Executivo, pode realizar suas obras e prestar os serviços públicos.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 41: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

39|Finanças municipais

Conformam também a receita municipal, além dos tributos, os preços e outros ingressos que podem ser considerados permanentes, como a participação em receitas de impostos estaduais e fe-derais ou, que podem ser compreendidas como eventual situação, está verificada nos financiamentos, empréstimos, doações, entre outros.

Quanto à tributação, a CF/88 previu a possibilidade de os municípios instituírem e arrecadarem tributos, considerando que são espécies de tributos o imposto, as taxas e as contribuições.

Os limites ao poder de tributar dos municípios encontram nos princípios gerais um direcionamento, como é possível observar, por exemplo, em três importantes situações: no Princípio da Legalidade, no Princípio da Anterioridade e no Princípio da Capacidade Contributiva.

O Princípio da Legalidade pode ser observado no artigo 150 da Constituição Federal que deter-mina que sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Esta-dos, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

O Princípio da Anterioridade determina que os tributos somente possam ser cobrados no exer-cício seguinte que os instituiu ou os aumentou, o que pretende garantir maior segurança jurídica aos contribuintes que não são tomados pela imprevisibilidade da cobrança de novos impostos ou de mudanças na base de cálculo ou nas alíquotas de tributos já existentes.

Por fim, o Princípio da Capacidade contributiva pretende estabelecer equidade na cobrança dos tributos, assegurando que a manutenção de vida da população não seja comprometida pela carga tributária e que o pagamento dos tributos ocorra, considerando-se a diversidade de condições de renda e patrimônio da população. Nesse sentido, o parágrafo 1.º, do artigo 145 da Constituição Federal determina:

Art. 145. [...]

§1.º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Nesse sentido, os municípios poderão estabelecer isenções, dispensando determinados con-tribuintes da obrigação de pagamento de determinado tributo. A isenção deve ser justificada e so-mente terá validade se instituída em lei. A isenção difere-se da imunidade que já está preestabelecida na Constituição Federal, em que não há incidência de imposto em determinadas situações, como é o caso da não incidência tributária sobre o patrimônio e a renda entre as pessoas jurídicas de direito público interno; aos templos de qualquer culto, patrimônio e renda de partidos políticos, sindicatos de trabalhadores, instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos.

Para além das questões genéricas que limitam o poder de tributar dos municípios, outras limita-ções, consideradas dirigidas, também devem ser consideradas, como aquelas que tratam do aporte de recursos para a educação e para a saúde. O artigo 212 da Constituição Federal determina que os mu-nicípios aplicarão, necessariamente, nunca menos de 25% da receita resultante de impostos (próprios e provenientes de transferência) na manutenção e desenvolvimento do ensino, assim como o artigo 198, da também Constituição Federal, estabelece parâmetros para aplicação dos recursos municipais na área da saúde.

Como é possível verificar existe uma série de regras, consideradas como limitações que tanto po-dem ser genéricas, aplicadas de forma ampla a todos os entes federados, como limitações que atingem

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 42: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

40 | Finanças municipais

somente aos municípios. Todas essas limitações não significam perda da autonomia financeira muni-cipal, mas se caracterizam por orientar a efetivação das políticas municipais, que é possibilitada em grande medida pela arrecadação de tributos, de forma coerente com os princípios e objetivos gerais da República.

Impostos municipais

Os impostos são espécies de tributos que se caracterizam por apresentar uma obrigação que não está vinculada a uma contraprestação ou a qualquer atividade estatal específica, conforme define o artigo 16 da Lei 5.172/66, denominada Código Tributário Nacional.

A CF/88 determinou que a instituição e a arrecadação de determinados impostos devem com-petir exclusivamente aos municípios. Assim, são considerados impostos municipais: (i) o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), tributo real e direto que incide sobre os bens imóveis; (ii) o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que incide sobre as transmissões de bens referentes aos direitos reais, inclusive sobre os direitos reais de garantia; (iii) e o imposto so-bre serviços (ISS), cobrado pelos municípios sobre serviços que estejam previamente estabelecidos e compreendidos em lei complementar, pela técnica da listagem.

O alcance do IPTU se dá em regra sobre a área urbana do município que pode abranger além do perímetro urbano, as áreas urbanizadas, as urbanizáveis e as de expansão urbana, conforme estabelece o artigo 32 do Código Tributário Nacional. São consideradas urbanizadas aquelas áreas que contêm no mínimo dois dos equipamentos definidos nesse artigo, considerados o meio-fio ou calçamento com canalização de águas pluviais, abastecimento de água, sistema de esgotos sanitários, rede de ilumi-nação pública, escola primária ou posto de saúde a uma distância de até três quilômetros do imóvel objeto de incidência do imposto.

Para a melhor arrecadação do IPTU é necessário que os municípios mantenham atualizadas as suas plantas genéricas de valores que estabelecem o valor venal dos imóveis, tendo em vista a respec-tiva base de cálculo de cobrança do imposto.

Assim como no caso do IPTU, a base de cálculo do ITBI também se dá a partir do valor venal do imóvel, ainda que seu fato gerador apresente outra natureza, a transmissão.

Quanto ao ISS, a sua incidência está adstrita à lista de serviços definida em lei complementar, referente à prestação remunerada de determinada atividade. O local do recolhimento do imposto apre-senta como regra geral o da sede da empresa do município, exceção disso, seria a prestação de serviços relacionada às obras, em que o local do recolhimento é o do município em que se efetiva a realização do trabalho. A alíquota máxima do ISS está fixada em 5%, enquanto a alíquota mínima é de 2%, prevista na Emenda Constitucional (EC) 37/2002.

Além dos impostos instituídos e arrecadados pelos municípios, outros de competência federal e estadual são considerados como impostos partilhados, tendo em vista que o resultado de sua arrecada-ção é repassado em determinada medida aos municípios.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 43: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

41|Finanças municipais

Nesse sentido, são considerados impostos partilhados o Imposto de Renda, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Os municípios recebem ainda o Fundo de Participação Municipal (FPM), definido no artigo 159, inciso I, alínea “b” da Constituição Federal, que é constituído por recursos provenientes da arrecadação dos impostos de renda e sobre produtos industrializados. Cabe, nesse caso, ao Tribunal de Contas da União estabelecer os percentuais respectivos a cada município.

Além dos impostos, a formação da receita municipal conta com recursos provenientes de taxas, contribuições e preços, entre outras receitas que compõem o orçamento municipal. A partir daí é possí-vel estabelecer uma previsão de despesas no orçamento, de forma a melhor equilibrar e gerir os recur-sos municipais em consonância com as políticas de desenvolvimento traçadas para os municípios em seus planos diretores e planos plurianuais.

Texto complementar

Limites e possibilidades do orçamento participativo: para além da retórica

(FRANZESE; PEDROTTI, 2005)

[... ]

O orçamento participativo foi implantado pela primeira vez em Porto Alegre, em 1989, e, ao longo de 14 anos, passou a fazer parte da realidade orçamentária de 103 municípios brasileiros. Surgiu com o objetivo de “transferir poder para a classe trabalhadora organizada, que participaria democraticamente da gestão da cidade e não apenas de quatro em quatro anos por ocasião da eleição de seus representantes” (TEIXEIRA, 2003, p. 190). Isso significa que as decisões que estão sendo tomadas dentro da estrutura do orçamento participativo estão afetando milhões de brasi-leiros e envolvendo outros milhares. Teixeira (2003) mostra que entre 1989 e 1992, o orçamento participativo (OP) era praticado em 12 municípios brasileiros; entre 1993 e 1997, esse número ampliou-se para 36; e entre 1997 e 2000, o OP já havia atingido 103 municípios. No entanto, é uma forma de participação popular, no nível local, que ultrapassou os limites nacionais, passando a inspirar experiências internacionais, como as do Uruguai (Montevidéu), Argentina (Córdoba), França (Saint-Demi) e no Peru.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 44: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

42 | Finanças municipais

Atividades 1. Qual o sentido da aplicação dos princípios constitucionais no orçamento público?

2. São impostos municipais:

a) ITBI, IPI e ICMS.

b) ITBI, IPTU e ICMS.

c) IPTU, ITBI e ISS.

d) IPTU, ISS e ITR.

3. Os municípios podem aplicar a isenção e definir imunidade na arrecadação de seus tributos? Explique.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 45: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

43|Finanças municipais

Gabarito1. A maioria simples representa a maioria de votos dos presentes, enquanto a maioria qualificada

representa a maioria de votos dos membros do órgão colegiado. A maioria qualificada pode ser de metade mais um ou de dois terços.

2. B

3. O prefeito é eleito para um mandato de quatro anos em eleições diretas, por sufrágio universal e voto direto e secreto.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 46: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

44 | Finanças municipais

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 47: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Poderes do município Ainda que se entendesse de forma geral que o poder do Estado era “uno e indivisível”, há uma

separação formal e de conteúdo dos poderes. A versão clássica do Estado tornou-se dogmatizada na medida em que sua justificativa apresentava a relevância de se assegurar a liberdade individual dos cidadãos que só poderia ser realizada por um Estado que se pretendesse equilibrado em relação a três grandes funções: a de legislar, a de executar e a de julgar. Assim, sem pretensão de modificações estru-turais nesse modelo, foram concebidos como poderes de Estado e assumidos pelo Estado brasileiro a separação de poderes entre: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, conforme determina a Constituição Federal de 1988 (CF/88) em seu artigo 2 .º:

Art. 2.º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

No Brasil, a separação de poderes originalmente ocorre nas duas esferas, União e Estados, sendo que são poderes do município, apenas: o Poder Legislativo e o Poder Executivo.

Cada um dos órgãos, representantes desses poderes é independente, do ponto de vista de sua atuação política e administrativa, ainda que entre eles haja acordo de funções.

Para além da separação dos poderes, o Brasil adotou a forma federativa que descentraliza decisões de Estado. A partir da CF/88, três esferas federadas foram criadas no Brasil, ainda que haja polêmica em relação à inserção dos municípios na ideia de federação, tendo em vista que a teoria original concebia apenas a União e os Estados-Membros como partícipes da federação.

Como descreve Dallari (1993, p. 218-219):

No Estado Federal, as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas na Constituição, por meio de uma distribuição de competências. Não existe hierarquia na organização federal, porque a cada esfera de poder corresponde uma competência determinada. [...] Modernamente, tornou-se comum a atribuição de competências

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 48: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

46 | Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

concorrentes, ou seja, outorga de competência à União e as unidades federadas para cuidarem do mesmo assunto, dando-se precedência, apenas, nesse caso, à União. A regra, portanto, no Estado Federal é a distribuição de compe-tências, sem hierarquia. [...]

Assim, partindo-se do entendimento daqueles que acolhem a ideia de que o município também é ente da federação, a regra da distribuição de competências também é aplicada a este ente.

Assim, a Constituição Federal de 1988, ainda que tenha definido a união indissolúvel de seus entes, distribuiu competências a cada um deles, tendo todos que respeitar os fundamentos gerais esta-belecidos em seu texto conforme descreve em seu artigo 1.o que define:

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...]”.

E, no Título que trata da organização do Estado, definiu a organização político-administrativa, a titulação dos bens e as competências de cada ente federado.

Assim, a Constituição Federal estabeleceu em seu artigo 18:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

No caso das competências, o texto constitucional determinou que no que se refere a determina-das matérias poderá haver competência concorrente ou suplementar, como é caso, por exemplo, das questões referentes ao tema meio ambiente.

Quanto à Administração Pública, a CF/88 definiu que esta ainda pode ser dividida entre direta e indireta, sendo ambas orientadas pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publici-dade e eficiência, o que se aplica aos municípios.

No tocante à representação dos entes federados, definiu-se para os municípios que a repre-sentação do Poder Legislativo se dá pelos vereadores e do Poder Executivo pelo prefeito e vice- -prefeito. Nesse sentido, o Poder Legislativo é órgão colegiado, enquanto o Poder Executivo é ór-gão unipessoal.

Órgãos públicosA Administração Pública se distribui em órgãos públicos para realizar os seus intentos. Assim,

cada unidade de atuação da administração é denominada órgão. E o conjunto dessas unidades forma a administração direta e indireta.

Em tese, cada órgão cumpre uma função específica não realizada pelos demais, ou seja, cada órgão apresenta competência específica para a realização de suas atividades. Além disso, os órgãos são compostos por pessoas e meios materiais que permitem a realização de suas atividades, mas es-tes não são, em regra, independentes, pois respondem pelas pessoas jurídicas de direito público da qual fazem parte.

Como afirma Medauar (2003, p. 57):

No desempenho das atividades inerentes a sua competência o órgão atua em nome da pessoa jurídica de que faz parte. Ele próprio não é dotado de personalidade jurídica, portanto, perante o ordenamento jurídico, não se apresenta

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 49: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

47|Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

como sujeito de direitos e obrigações por si próprio; a atividade do órgão e seus efeitos no mundo jurídico são impu-tados à pessoa jurídica da qual faz parte.

São considerados órgãos públicos, por exemplo, as secretarias que compõem o Poder Executivo, os departamentos etc.

A classificação dos órgãos públicos é apresentada de forma diferente entre os autores, assim, ado-taremos aqui a classificação de Medauar (2003, p. 57-59) que classifica os órgãos públicos em relação à hierarquia, ao tipo de atividade e ao número de pessoas e seu poder decisório.

A primeira classificação que divide os órgãos públicos em relação à hierarquia determina que existam órgãos superiores e órgãos subordinados. Essa diferenciação estabelece o grau de responsa-bilidade e competência para a tomada de decisões. Podem dois órgãos apresentar o mesmo nível hie-rárquico, como é o caso das várias secretarias de uma Prefeitura; nesse caso, não há que se falar em hierarquia formal entre esses órgãos, o que deve acontecer é a coordenação entre suas atividades para que não ocorra sobreposição de atividades e de decisões.

A segunda classificação trata do tipo de atividade que cada órgão realiza e, nesse sentido, a autora divide os órgãos em três espécies, aqueles em que a atividade predominante é a decisória, os órgãos com atribuições preparatórias, aqueles que apresentam atribuições, em regra, executórias, os órgãos que apresentam caráter mais técnico e, por fim, aqueles que são denominados órgãos burocráticos que só realizam tarefas administrativas.

Quanto ao número de pessoas e seu poder decisório, os órgãos públicos podem ser dividi-dos entre aqueles considerados singulares e aqueles que são órgãos colegiados. No caso dos órgãos singulares apenas uma pessoa toma a decisão, ainda que isso se estabeleça apenas formalmente. Mas a responsabilidade e a formalidade indicam apenas a obrigatoriedade de determinada pessoa responder pelas atividades do órgão. No caso dos órgãos colegiados, as decisões são tomadas por várias pessoas, assim, a responsabilidade é compartilhada por todos, não havendo responsabilização individual.

Nesse caso, define-se apenas uma representação, que normalmente é denominada presidente e a forma de decisão dos membros do colegiado.

Como descreve Medauar (2003, p. 58):

como as decisões dos órgãos não decorrem de manifestação individual, para seu funcionamento devem ser fixadas normas sobre quórum, ou seja, normas referentes ao número de membros suficiente para haver reunião ou sessão, para haver deliberação, número de membros necessário à tomada de decisões de maior relevo etc. (quórum de ses-são, quórum de deliberação). Por sua vez, o quórum vem quantificado mediante a chamada maioria.

Em relação aos quoruns, ainda é possível diferenciá-los em relação à necessidade de sua composi-ção para se tomar decisões. Dessa forma, as decisões podem ser tomadas por maioria simples, que con-sidera aqueles que estão presentes e são votantes, por maioria qualificada, que considera o número dos integrantes do colegiado, nesse caso pode haver maioria absoluta, considerando o número de membros do colegiado, se decide com o número referente à metade do número de votos dos membros mais um. Ou, ainda, pode-se definir como maioria de dois terços, considerado, então, o número de dois terços de membros do colegiado.

Nesse sentido, pode-se perceber que segundo este último critério de classificação, o Poder Execu-tivo é um órgão singular, tendo em vista a decisão realizada pelo prefeito, e o Poder Legislativo é órgão colegiado, que define em lei a definição de seus quoruns, de acordo com a matéria a ser votada.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 50: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

48 | Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Poder Executivo MunicipalO município é considerado pelo Direito como pessoa jurídica de direito público interno, represen-

tado pelo prefeito e vice-prefeito, sendo o primeiro o chefe do Poder Executivo Municipal.

Como lembra Castro (2006, p. 159):

O cargo de Prefeito foi instituído no Brasil, pela primeira vez, na Província de São Paulo, em 11 de abril de 1835, como dele-gado do Executivo e de nomeação do Presidente da Província. Um século depois, é o Prefeito consagrado como instituição municipal na Constituição de 1934, art. 13, I, como Chefe do Executivo do Município, consoante o é até hoje.

Mantida, então, desde 1934 a titularização do prefeito como autoridade suprema da Administra-ção Municipal. Assim, o município é a pessoa jurídica, a prefeitura é o órgão executivo e o prefeito é o chefe do órgão e seu agente político.

Como explica Meirelles (2006, p. 707)

A Prefeitura é o órgão pelo qual se manifesta o Poder Executivo do Município. Órgão independente, composto, central e unipessoal. Independente por não hierarquizado a qualquer outro; composto porque integrado por outros órgãos inferiores; central porque nele se concentram todas as atribuições do Executivo, para serem distribuídas a seus órgãos subordinados; unipessoal, ou singular, porque atua e decide através de um único agente, que o chefia e o representa: o prefeito. Assim, a administração centralizada ou direta do Município é realizada pela Prefeitura e seus órgãos subordi-nados; e a administração descentralizada ou indireta o é pelas entidades autárquicas, fundacionais e empresas estatais a ela vinculadas e supervisionadas pelo prefeito, na forma da legislação local.

A administração direta dos municípios é definida por este próprio ente, tendo em vista que a CF/88 determinou a sua autonomia política.

Assim, será a Lei Orgânica Municipal que fará constar como se organizará o município interna-mente, do ponto de vista de sua estruturação administrativa.

A estrutura administrativa deve ser compatível com a complexidade e com as características do município, a saber, em regra, quanto maior o município, do ponto de vista de sua população, e mais diversificadas as atividades realizadas em seu território mais complexo será, o que demandará uma estrutura adequada às atividades que devem por este ente ser realizadas.

O prefeito é o responsável pela coordenação dessa estrutura, inclusive com a atribuição de definir os responsáveis para assumir cargos e funções na administração direta e indireta.

ElegibilidadeO prefeito do município é representante eleito pela população, conforme lembra Meirelles (2006,

p. 713):

A investidura no cargo de prefeito dá-se por eleição (art. 29, I, da CF). A eleição só poderá realizar-se por sufrágio uni-versal e pelo voto direto e secreto, uma vez que o sistema eleitoral vigente não abre exceção para o chefe do Executivo Municipal, que incide, assim, na norma geral do art. 14 da CF.

As eleições ocorrem em todo país no primeiro domingo de outubro, no ano anterior ao término do mandato do prefeito em exercício.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 51: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

49|Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Nos municípios com mais de 200 mil eleitores, se nenhum dos candidatos à eleição conseguir maioria absoluta, haverá segundo turno com os dois candidatos mais votados. Sendo que essa eleição deverá ocorrer em 20 dias da data do resultado do primeiro turno.

Será considerado eleito o candidato que apresentar a maioria dos votos válidos, para um mandato estabelecido de quatro anos.

Como determina o inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal, o prefeito eleito e seu respectivo vice-prefeito tomam posse no dia 1.º de janeiro do ano subsequente ao ano da eleição.

Antes da posse serão verificadas as incompatibilidades e os impedimentos para o exercício do cargo. Verificando-se qualquer uma dessas situações, o prefeito deverá resolver as incompatibilidades para somente a partir daí iniciar o exercício do seu mandato.

Quanto ao critério para a elegibilidade, as regras são as mesmas para os vereadores e para os pre-feitos com exceção da idade mínima, que para os prefeitos é determinada em 21 anos.

Atribuições do prefeito

O prefeito municipal tem atribuições políticas e administrativas relativas à natureza de seu cargo.

Em relação às atribuições políticas, o prefeito deverá definir as políticas públicas gerais para o município, e ainda como define Meirelles (2006, p. 720):

As atribuições políticas consubstanciam-se em atos de governo, inerentes às funções de comando do Executivo, e se expressam na condução dos negócios públicos locais; no planejamento das atividades, obras e serviços municipais; na apresentação de proposições e projetos de lei à Câmara de Vereadores; na sanção, promulgação e veto de projetos de lei; na elaboração da proposta orçamentária; na expedição de decretos regulamentares e demais atuações de caráter governamental. [...]

Quanto às atribuições relativas às questões administrativas, estas se consubstanciam na exe-cução daquilo que a legislação determina e nas atividades que são meio de realização das ativida-des-fim.

O prefeito tem como atribuição a administração do patrimônio municipal; assim como deve ela-borar e executar o orçamento municipal, deve zelar pela arrecadação, guarda e aplicação da receita mu-nicipal, deve planejar, organizar, dirigir (orientar, comandar), coordenar e controlar as obras e serviços do município.

Por fim, além de outras atribuições, que não são definidas de forma taxativa, o prefeito age por iniciativa própria na definição da condução político-administrativa da Prefeitura Municipal, respeitadas as determinações da Lei, presta contas à Câmara de Vereadores de seus atos, assim como aos Tribunais de Contas estaduais e federais, quanto à gestão dos recursos financeiros.

O prefeito que não cumprir com suas responsabilidades poderá responder por crime de respon-sabilidade, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Estatuto da Cidade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 52: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

50 | Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Câmara de VereadoresA Câmara de Vereadores é o órgão legislativo do município. É considerada como um dos órgãos

municipais mais antigos do Brasil, pois foram reguladas inicialmente pela Constituição Imperial.

Tal órgão não está adstrito às decisões do prefeito, apresentando autonomia tanto em suas deci-sões políticas como as afeitas às questões administrativas.

É órgão colegiado em que as deliberações são realizadas em Plenário, presididas pela Mesa. A Câmara elege um presidente para representá-la externamente e para cumprir com determinadas fun-ções estabelecidas por ela. É importante ressaltar que o presidente da Câmara só a representa, pois a representação do município caberá apenas ao prefeito e na sua ausência ao vice-prefeito.

A Câmara é composta por vereadores que, uma vez eleitos por voto secreto e direto, assumem o papel de representantes políticos. Os vereadores não são considerados funcionários públicos, havendo um regime específico para eles, sendo que a equiparação só ocorre para efeitos criminais.

Como a Câmara é órgão colegiado por excelência, os vereadores não agem individualmente a não ser quando propõem medidas, mas quem delibera é a Câmara em Plenário.

Assim, os vereadores se reúnem em sessões que em regra são públicas e que podem ter o caráter de sessões ordinárias, extraordinárias e solenes. As sessões ordinárias são realizadas para trabalhos de rotina, enquanto as sessões extraordinárias são realizadas para trabalhos que apresentem urgência, ou, ainda, a Câmara pode ter sessões solenes quando são convocadas em virtude de alguma homenagem ou comemoração.

Como lembra Meirelles (2006, p. 646), “com exceção das sessões solenes, nas demais o compare-cimento é obrigatório, e por suas faltas poderá perder o mandato, se assim dispuser a Lei Orgânica do Município.”

A principal atribuição da Câmara é a elaboração e votação das leis.

Como descreve Meirelles (2006, p. 604):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a con-duta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, nor-mas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais, apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito.

Assim são distribuídas as funções legislativas e executivas nos municípios. O vereador tem, por-tanto, como principal atribuição a apresentação de projetos de lei.

No caso do poder legislativo municipal, a elaboração de leis está restrita, no que se refere ao seu conteúdo a tratar de questões de âmbito e interesse municipal. E, para além da elaboração das leis, são também funções da Câmara: fiscalizar o governo local, assessorar o Poder Executivo (através de atos de mera colaboração não vinculantes) e administrar suas próprias atividades (controle realizado pelo tribunal de Contas e pode ser levado ao Poder Judiciário), autorizar a efetivação de empréstimos pelo Poder Executivo, criar as regras para as concessões de serviços públicos, autorizar a alienação de imóveis, autorizar convênios e consórcios, autorizar a isenção de tributos, aprovar o plano diretor, fixar o subsídio dos vereadores, do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 53: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

51|Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Por fim, a participação do vereador nos trabalhos da Câmara se configura, como explica Meirel-les (2006, p. 619), em um direito-dever: “é direito individual resultante de sua investidura no mandato; é dever público para com a coletividade que o elegeu como seu representante [...].”

O vereador, assim, como o prefeito, tem suas responsabilidades preestabelecidas e, diante da sua omissão ou atuação, pode ser chamado a responder por crime de responsabilidade.

VereadoresOs vereadores são eleitos para um mandato de quatro anos, dentro das regras estabelecidas pela

legislação para o sistema partidário e de representação.

O início do mandato se dá com a tomada de posse, considerada como mero ato administrati-vo e qualquer situação relativa à verificação de impedimentos ou incompatibilidades, como lembra Meirelles (2006, p. 622), deve ser resolvida pela Câmara Municipal, de acordo com as previsões da Lei Orgânica do Município, que poderá prever, além das atribuições, também as possibilidades de incompatibilidade. Tais questões somente poderão ser revistas, se não resolvidas na própria Câmara na Justiça Comum.

Por fim, o número de vereadores está relacionado à população e a sua eleição está condiciona-da ao sistema proporcional como determina o inciso IV, do artigo 29 da CF/88.

Art. 29.

IV - número de Vereadores proporcional à população do município, observados os seguintes limites:

a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos municípios de até um milhão de habitantes;

b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos municípios de mais de um milhão de habitantes e menos de cinco milhões de habitantes;

c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos municípios de mais de cinco milhões de habi-tantes [...].

Assim, a CF/88 estabeleceu que os municípios podem ter em seu quadro entre nove e cinquenta e cinco vereadores de acordo com o tamanho da sua população.

Lei Orgânica do MunicípioA Lei Orgânica é a principal lei do município. Essa lei organiza o processo legislativo, determi-

nando as matérias de competência privativa do município e estabelecendo o processo legislativo. De acordo com o artigo 29 da Constituição Federal:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e apro-vada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos [...]

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 54: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

52 | Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Os limites da Lei Orgânica, tanto do ponto de vista do conteúdo como de sua forma, estão esta-belecidos na Constituição Federal e nela própria, tendo em vista que somente pode ser modificada por processo idêntico que a criou.

Essa Lei, ao contrário das demais, não depende da sanção do Poder Executivo, mas o Poder Executivo poderá propor emendas à Lei Orgânica.

Texto complementar

300 anos: Câmara Municipal de Curitiba, 1963-1993(PEREIRA, 1993)

[...]

Para entendermos as funções que as câmaras municipais passam a desempenhar no Brasil República, é necessário, primeiro, reter sua fundamental transformação. Ainda durante o Império, vigorava a tradição portuguesa de concentração de funções legislativas e executivas pelas Câmaras. Com a República, a função executiva foi confiada a uma outra instituição, o Prefeito ou a Prefeitura Municipal.

Devemos considerar também a regulação externa a que os trabalhos das câmaras estavam submetidos. Desde as provisões dos ouvidores gerais, as vereanças sempre estiveram circunscritas ao espaço que os governos centrais estabeleciam. Com a Constituição de 1891, coube aos estados o estabelecimento de normas básicas para a organização municipal. Tal atribuição foi exercida atra-vés de um tipo especial de lei, as Leis Orgânicas dos Municípios, que discriminavam as atribuições municipais e o modo de exercê-las. Eram leis que abrangiam o conjunto dos municípios de cada estado. No Paraná, a Lei complementar 2, de 18/06/73, previa que o município de Curitiba deveria elaborar a sua própria Lei Orgânica.

Desde a primeira constituição republicana, procurou-se garantir aos municípios a sua autono-mia em questões de seu peculiar interesse. Tal autonomia deveria ser exercida em termos políticos – eleição de vereadores e de prefeitos – financeiros – instituição de impostos e taxas e aplicação de suas receitas – e em termos administrativos – organização e administração dos serviços públicos locais. No interior dessa organização aparecem as câmaras municipais e as prefeituras municipais.

As câmaras tinham competência legislativa, política-administrativa e de fiscalização, submetidas a preceitos legais emanados de legislação federal e estadual, e de Leis Orgânicas Municipais próprias.

Atendendo a esse conjunto de leis, as câmaras municipais se organizariam através de seus Regimentos Internos:

Art. 1.º A Câmara Municipal de Curitiba se comporá de 12 Camaristas, cujo mandato durará 4 anos, conforme de-termina a Lei 20, de 30 de maio de 1897.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 55: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

53|Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Art. 3.º Para seu funcionamento elegerá uma Mesa composta de Presidente e Vice-Presidente. Na falta destes serão as sessões presididas pelo Camarista mais votado que estiver presente.

Durante a República Velha, do ponto de vista político-institucional, a Câmara conseguira reter boa parte de seus poderes, por ter mantido sob seu controle a elaboração e a execução do orçamento do município. As despesas e serviços eram pagos diretamente pela Câmara, inclusive o salário do prefeito.

Foi a partir do Estado novo que se tornou visível o crescimento da competência político-admi-nistrativa, e também legislativa, dos poderes executivos nos três níveis, federal, estadual e munici-pal. A Constituição de 1937 dispunha que os projetos de lei do Poder Legislativo deveriam ter cará-ter genérico quanto à substância e aos princípios das matérias, cabendo ao executivo regulamentar a sua execução. Importante é mencionar que em duas oportunidades, 1930 e 1937, os regimes de exceção decretaram a dissolução das câmaras municipais, atribuindo aos prefeitos, nomeados pe-los interventores, incumbências legislativas.

Mesmo após a volta da normalidade constitucional, o executivo manteria tal prerrogativa em alguns assuntos. O Regimento Interno de 1955, da Câmara Municipal de Curitiba, explicita que o Poder Executivo também poderia apresentar projetos de lei.

Atividades 1. Quanto à composição e votação relativa aos quoruns, explique a diferença entre maioria simples

e maioria qualificada.

2. Sobre os órgãos é correto afirmar:

a) Eles têm personalidade jurídica própria.

b) Eles atuam em nome de uma pessoa jurídica de direito público.

c) Eles não apresentam competência específica.

d) São sempre independentes quanto às decisões.

3. Explique como se dá as eleições para prefeito, indicando o tempo de mandato.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 56: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

54 | Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores

Gabarito1. A maioria simples representa a maioria de votos dos presentes, enquanto a maioria qualificada

representa a maioria de votos dos membros do órgão colegiado. A maioria qualificada pode ser de metade mais um ou de dois terços.

2. B

3. O prefeito é eleito para um mandato de quatro anos em eleições diretas, por sufrágio universal e voto direto e secreto.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 57: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Bens municipais

Breve histórico dos bens públicos no BrasilA definição de bens públicos adotada atualmente não é equiparável à forma que se entendia por

patrimônio e domínio público no início da colonização brasileira.

As ordenações do reino vigoraram por tempo suficiente no Brasil para indicar, durante longo período, um determinado olhar sobre o que era público e o que era privado. Nesse sentido, por longos anos o espaço público, entendidos aí os bens em si e aqueles acessórios que os compunham, foi com-preendido como a extensão do espaço privado.

Como narra Medauar (2003, p. 259),

No Brasil, no período colonial havia a seguinte distinção: a) bens reais, pertencentes ao rei; b) bens da coroa, que o rei administrava; c) bens fiscais, oriundos de impostos, multas, foros, pertencentes ao erário.

No período imperial, sob influência francesa, surgiu a tripartição: domínio do Estado, domínio da Coroa, domínio público.

Assim, é possível perceber que o espaço ou o patrimônio público, ainda que totalmente submetido à Coroa, passam a ter alguma independência conceitual somente a partir da Constituição Imperial de 1824 e da Lei de Terras de 1850, inclusive tratando das terras devolutas.

Em 1916, com o advento do Código Civil, e com a complexificação das relações estabelecidas no país, surge a necessidade de se dar tratamento específico aos bens considerados como públicos. Assim, o Código estabelecerá uma classificação de bens que é seguida até nossos dias, pela manutenção no Novo Código Civil, dos mesmos dispositivos que definiram concretamente a existência e a regulação dos bens públicos.

A necessidade de se regular os bens públicos e o espaço público foi amplamente demandada pelos movimentos de reforma urbana e pela sociedade civil organizada no período da redemocrati-zação, no sentido de se criar melhores condições de vida nas cidades, a partir da construção de uma esfera pública de bens que propiciasse uma esfera coletiva de decisão sobre aquilo que extrapola os limites do particular. Ainda que se entenda que os bens em geral apresentam uma dimensão coletiva, os bens públicos, por excelência, estão voltados à concretização das questões de âmbito coletivo.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 58: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

56 | Bens municipais

Bens públicosO Direito Civil trata dos bens, entendendo-os como objeto das relações jurídicas que ocorrem

entre sujeitos. De acordo com Gonçalves (2003, p. 235), “bens, [...], são coisas materiais, concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial economicamente apreciáveis.”

A titularidade desses bens pode ser, de acordo com o direito brasileiro, pública ou particular, sen-do que o Código Civil regula a diferenciação entre essas duas possibilidades.

Assim, a regra geral estabelecida pela Legislação é a de que os bens serão considerados privados sempre que não estiverem sob o domínio público. Nesse sentido o Código Civil, em seu artigo 98, de-termina que

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

A expressão domínio público pode abranger bens que não estão sob a titularidade do Poder Pú-blico, mas que por certo tempo estão sob seu domínio por atenderem a uma determinada atividade da Administração Pública.

De acordo com Bandeira de Mello (2006, p. 867) os “[...] bens particulares quando afetados a uma atividade pública (enquanto o estiverem) ficam submissos ao mesmo regime jurídico dos bens de pro-priedade pública. Logo, tem que estar incluídos no conceito de bem público.”

Contrariando tal entendimento, Justen Filho (2005, p. 702) interpreta o artigo 98 do Código Civil de forma mais restritiva, assim, para o autor

[...] os bens de propriedade de particulares, mesmo que afetados à satisfação de necessidades coletivas e submetidos parcialmente ao regime de direito público, não se transformam em bens públicos. [...]

Os bens públicos são de titularidade de uma pessoa integrante da Administração Pública estatal.

O que significa dizer que, para o autor, os titulares do bem público somente podem figurar entre as pessoas jurídicas de direito público interno, a União, os Estados, o Distrito Federal, os municípios, as Autarquias, as Fundações de direito público.

Considerando as formas apresentadas de se conceituar bens públicos, é possível dizer que os critérios de diferenciação entre os bens estão relacionados a três elementos: a titularidade, a desti-nação e a administração. E, para efeitos desse estudo, entender-se-á aqui que uma vez gravado com uma finalidade pública e administrado por uma pessoa jurídica de direito público interno, o bem será considerado de domínio público.

Os bens públicos aqui denominados são os que apresentam titularidade pública e seus equiva-lentes, postos sob o domínio público, que apresentam um regime jurídico diferente daquele estabeleci-do para a propriedade privada. O vínculo estabelecido nesse caso entre o Poder Público e o bem, obe-dece a regime de natureza administrativa e a vinculação está relacionada a um dever de manutenção de continuidade e regularidade no que concerne à sua destinação.

De acordo com o entendimento de Medauar (2003, p. 260)Os bens públicos devem ter destinação que atenda ao interesse público de modo direto ou indireto. A afetação, explícita ou tácita, atribui destinação específica ao bem. Sobre tais bens incidem predominantemente preceitos do direito administrativo, que forma um regime de direito público, diferente do regime aplicado aos bens pertencentes a particulares.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 59: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

57|Bens municipais

Pelos motivos apresentados no que se refere às regras que definem e que regem os bens pú-blicos, de atendimento de necessidades que se expressam como públicas e coletivas, pelo regime de afetação que define destinação específica para o bem, pela titularidade de seu proprietário, pelo regime jurídico que incide sobre estes, os bens públicos podem ser diferenciados dos bens privados de forma a se tratar de uma outra categoria que apresenta uma finalidade pública de dimensão necessariamente e regularmente coletiva.

Classificação dos bens públicosA partir da consideração de que os bens são públicos ou que estão sob o domínio público

se estabelece uma classificação que trata da destinação dos bens. Assim, mesmo os bens públicos atendem a interesses de finalidades específicas diversas, havendo, portanto, mais de uma espécie de bem.

A classificação dos bens públicos foi estabelecida no artigo 99 do Código Civil, como se pode verificar a seguir:

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Essa classificação é realizada de acordo com a destinação do bem. Assim, os bens de uso comum do povo são aqueles de uso coletivo irrestrito, toda a população pode exercer o direito de utilizar o bem, desde que observada a sua destinação. São exemplos de bens de uso comum do povo, os apontados pelo Código Civil como rios (de domínio público, por exemplo, os rios navegáveis), mares, praias, ruas e demais vias públicas, consideradas também as rodovias, as praças, o meio ambiente.

Ainda, como lembra Justen Filho (2005, p. 710), os bens de uso comum podem apresentar natu-reza imobiliária e mobiliária. Em regra, o uso é gratuito, mas sua utilização pode vir a ser remunerada como no caso dos pedágios.

Os bens de uso comum também podem ser utilizados de forma compatibilizada com várias outras atividades, como chama a atenção Medauar (2003, p. 263), para o uso relativo a atividades de expressão popular, como as passeatas, os comícios, as festas populares e algumas atividades econô-micas, como feiras e bancas de jornal e revistas.

Os bens de uso especial, também denominados de “patrimônio administrativo”, como afirma Mei-relles (2006, p. 301), são caracterizados por apresentarem destinação específica relativa ao desempenho dos serviços públicos. Nesse caso, a utilização dos bens está restrita aos usuários dos serviços demanda-dos nestes locais. São exemplos de bens de uso especial as escolas, os hospitais, os museus, as bibliote-cas, os edifícios das repartições públicas, entre outros.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 60: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

58 | Bens municipais

Os bens dominiais ou dominicais são entendidos como bens do patrimônio disponível do Es-tado, pois não apresentam uma destinação que comporte a utilização pública generalizada, como no caso dos bens de uso comum, nem tampouco de utilização específica, como é o caso dos bens de uso especial.

Nesse caso o Estado é proprietário tal como o proprietário em geral, ainda que seja mantido sob o regime de direito público, sem aplicação específica de uso, em que a apropriação e o benefício da utilização, que pode ser até econômica, ocorrem pelo próprio Poder Público. São exemplos de imóveis dominiais: imóveis que são entregues em pagamento de dívidas com o Fisco, imóveis que são abandonados, terras devolutas, que são aquelas terras que não são utilizadas pelo Poder Público, alguns imóveis que compreendem o patrimônio das autarquias ou de prestadoras de serviço público, os terrenos de marinha, o dinheiro, os cofres públicos, entre outros.

Por fim, no que se refere à classificação, a destinação dos bens públicos está em grande medida determinada pela sua afetação, o que significa dizer, pela atribuição específica estabelecida a cada bem público. Tal instituto, como define Medauar (2003, p. 265), pode ocorrer de forma explícita ou implícita.

Entre os meios de afetação explícita estão a lei, o ato administrativo e o registro de projeto de loteamento (lei 6.766/79, arts. 17 e 22). Implicitamente a afetação se dá quando o Poder Público passa a utilizar um bem para certa finalidade sem manifestação formal, pois é uma conduta que mostra o uso do bem. Exemplo: uma casa doada onde foi instalada uma biblioteca infantil.

A desafetação do bem pode decorrer de lei ou de ato próprio do Poder Executivo. Esse instituto apresenta por definição a alteração da destinação do bem público.

Regime jurídico dos bens públicosQuanto ao regime jurídico dos bens públicos, é possível dizer que estes apresentam três carac-

terísticas fundamentais: a inalienabilidade, conforme preveem os artigos 100 e 101 do Código Civil; a impenhorabilidade, conforme artigo 648 do Código de Processo Civil, e a imprescritibilidade, de acordo com o artigo 102 do Código Civil.

A inalienabilidade é uma regra geral que acompanha os bens públicos, que determina que os bens sejam indisponíveis, o que significa dizer que estes não podem ser vendidos, doados ou transferi-dos a qualquer título a terceiros.

Tal regra não pode ser lida de forma absoluta, pois os bens dominiais em regra são disponíveis, portanto, alienáveis, e os demais bens, uma vez desafetados e modificada a sua destinação, podem vir a ser alienáveis.

Assim define o Código Civil

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

De qualquer forma, havendo alienação dos bens públicos esta seguirá rito específico conforme determina a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) e desde que justificado o interesse público e procedida à avaliação do bem.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 61: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

59|Bens municipais

A outra característica presente nos bens públicos é a imprescritibilidade, que está disposta no artigo 102 do Código Civil, que determina que os bens públicos não sejam passíveis de usucapião. Essa mesma questão figura no texto constitucional, no parágrafo terceiro do artigo 183 e no parágrafo único do artigo 191, conforme segue:

Art. 183. [...] §3.º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”] Ainda, a Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal confirma esse preceito.

O significado dessa afirmação diz respeito ao não reconhecimento de propriedade de um particular pelo tempo decorrido de posse, ainda que esta seja considerada como justa, de boa-fé, mansa e pacífica.

Quanto à impenhorabilidade dos bens públicos, significa que ainda que o Poder Público realize despesas e que estas não sejam cumpridas no prazo estabelecido em contrato, o particular não poderá requerer a execução forçada, de forma a que se indiquem bens públicos à penhora, pois os bens públi-cos são impenhoráveis.

Nesse sentido, estabelece o Código de Processo Civil que determina

Art. 648. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

Assim, como os bens públicos são considerados impenhoráveis, e inalienáveis, por extensão, tor-nam-se também impedidos de serem utilizados como direito real de garantia, a saber, não podem ser gravados com hipoteca, penhor ou anticrese, conforme define o artigo 1.420 do Código Civil.

Outras duas características dos bens públicos são: o dever de cuidado e fiscalização da Adminis-tração Pública sobre tais bens e a imunidade de imposto, tendo em vista que, de acordo com o artigo 150 da Constituição Federal, está vedada a instituição de impostos sobre o patrimônio das pessoas jurí-dicas de direito público interno, no que se refere à cobrança de um ente em relação ao outro.

Bens municipais Os bens municipais se caracterizam por serem espécie do gênero bens públicos. A sua adminis-

tração compete ao município, tendo em vista a determinação do artigo 30, inciso I, da CF/88, que trata do interesse local.

Nesse sentido, cabe ao município duas funções essenciais em relação aos seus bens públicos: a administração, representada no poder de utilização e conservação dos bens, sem a necessária autoriza-ção do Poder Legislativo e a disponibilidade, oneração ou aquisição de bens que prescinde de autoriza-ção da Câmara de Vereadores, ou seja, da necessidade de lei que autorize e de licitação.

De acordo com Meirelles (2006, p. 306), outra questão que diz respeito aos bens municipais é a necessidade de seus devidos cadastramentos.

Outro preceito de obrigatória observância na administração dos bens municipais é o cadastramento, assim entendidos o registro e a identificação de seus móveis e imóveis, bem como as anotações de estoque dos materiais e coisas fungí-veis utilizados em suas repartições e serviços.

Para além dessas questões, os bens municipais assumem o mesmo regime jurídico de todos os demais bens públicos.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 62: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

60 | Bens municipais

Utilização de terceirosEm algumas situações os bens são públicos, mas são aproveitados ou de forma particular, ou o

particular administra a utilização pública. Nesse sentido, Medauar (2003, p. 268) lembra os pressupostos de utilização de bens públicos por particulares, que deve atender aos seguintes requisitos:

compatibilidade com o interesse público, o que significa dizer que o uso exercido pelo parti-::::cular não poderá contrariar interesse público;

deve apresentar o consentimento da Administração Pública; ::::

deve observar as condições definidas pela Administração Pública; ::::

a cessão poderá ser onerosa; ::::

a cessão é, em regra, precária, pois a Administração pode cancelar unilateralmente a cessão do ::::bem público, ainda que a retomada do bem fora dos prazos e dos requisitos estabelecidos em contrato possam ensejar o pagamento de indenização.

Os instrumentos utilizados para o aproveitamento dos bens públicos por particulares são a auto-rização de uso, a permissão de uso, a concessão de uso, a concessão de direito real de uso, o direito de superfície, a concessão especial de uso para fins de moradia e a cessão de uso.

No caso da autorização de uso e da permissão de uso, tais institutos se configuram como ato precário e discricionário em que a Administração consente que um particular exerça alguma atividade temporária aproveitando um bem público. Esses institutos dependem apenas de uma autorização do prefeito municipal, que pode ser revogada a qualquer tempo sem ônus para o município.

A autorização é ato do prefeito que pode ser dada e retirada a qualquer tempo. No caso da per-missão, em regra esta deverá ser precedida de licitação.

No caso da concessão de uso, estabelece-se um contrato administrativo, realizado com um parti-cular que utilizará o bem de forma exclusiva, conforme a destinação e a exploração definida no contra-to. Esse instituto apresenta maior estabilidade e pode ser gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado. Como exemplo, ocorre a concessão de uso para as bancas de jornal.

Por fim, a concessão de uso não deve ser confundida com a locação ou com o comodato, pois esses institutos são regulados pelo direito privado.

Aquisição de bensPara que o município realize suas finalidades de atendimento ao interesse público é necessário

que adquira bens que possibilitem a realização de suas atividades e que tais bens sejam devidamente incorporados ao patrimônio público municipal.

Como lembra Meirelles (2006, p. 333), a aquisição de bens pelo município pode ocorrer de forma contratual, com a utilização dos institutos jurídicos dispostos no direito privado, como a compra e venda, a doação, que como lembra Castro (2006, p. 220), não deve apresentar encargos, a dação em pagamen-to; podem ser adquiridos ainda, por desapropriação, inclusive no caso previsto pela Constituição Fede-ral de descumprimento da função social da propriedade, ou adjudicação; podem ser fruto da divisão

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 63: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

61|Bens municipais

de gleba em loteamento, no que concerne às áreas públicas, conforme preceitua a Lei 6.766/79 – Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano; pode se dar pela concessão de domínio de terras devolutas e, por fim, pode ocorrer pelo recente instituto jurídico da arrecadação de imóveis abandonados, con-forme preceitua o artigo 1.276 do Código Civil, com vistas também a fazer cumprir a função social da propriedade.

A regra geral que se estabelece para aquisição onerosa de imóveis é que se proceda à lei que au-torize a aquisição, assim como a avaliação prévia do bem, objeto de compra. Também é necessário que haja previsão orçamentária para a aquisição de bens.

Alienação de bens municipaisO município poderá em determinadas situações querer se desfazer, alienar os seus imóveis. Para

isso, é necessário que sejam satisfeitas as exigências administrativas referentes à transferência dos bens. Tais requisitos seguem a mesma lógica da aquisição de bens, ou seja, a lei autorizativa, a licitação e a avaliação do bem que será objeto da alienação.

A Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) determina em seu artigo 17 os procedimentos referentes aos bens imóveis e aos bens móveis respectivamente e os institutos passíveis de serem utilizados na aliena-ção de bens, entre eles a venda; a doação; a permuta; a dação em pagamento; a investidura, que é a área pública que deve ser incorporada ao terreno particular como forma de retificação de alinhamento dos terrenos; a concessão de domínio e a legitimação de posse, relativamente às terras devolutas.

Os bens públicos que se encontrarem afetados por determinada destinação deverão passar por processo de desafetação para que sejam devidamente alienados.

Por fim, os instrumentos que formalizam a transmissão dos bens públicos, assim como para os bens privados são: a escritura pública e o registro imobiliário.

Proteção dos bens municipaisA CF/88, buscando assegurar os meios de a população controlar a utilização e a transmissão dos

bens públicos, garantiu em seu artigo 5.º, inciso LXXIII, a qualquer cidadão a legitimidade para propor ação que tenha por objetivo impedir ou anular ato lesivo ao patrimônio público. Essa ação é denomina-da ação popular, conforme segue:

Art. 5.º [...]

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Nesse sentido, a Constituição Federal recepcionou a Lei 4.717/65, que especifica os conteúdos e os procedimentos da ação popular. Tal legislação define que a ação será proposta contra qualquer pessoa, pública ou privada e as demais entidades que estão expressas na lei. Poderão configurar ainda,

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 64: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

62 | Bens municipais

no polo passivo da ação, as autoridades, servidores públicos e administradores que tenham autorizado, aprovado, ratificado o ato objeto de impugnação, ou que pela sua omissão tenham possibilitado a lesão ao patrimônio público, incluindo, não sem razão, aqueles que se beneficiaram diretamente das ações ou omissões referente à lesão ao patrimônio público.

O Ministério Público apresenta papel fundamental nessas ações, tendo em vista que este age no sentido de acompanhar e de promover a responsabilização civil ou criminal dos agentes causadores do dano.

Quanto aos resultados da ação, no caso dessa ser julgada procedente, ou seja, havendo verifica-ção de que houve lesão ao patrimônio público, será decretada a invalidade do ato objeto de impugna-ção e a condenação ainda se voltará ao pagamento de perdas e danos ocorridos em decorrência das manifestações lesivas. Assim, a parte condenada deverá restituir, quando possível, os bens ou senão os valores, ficando seu patrimônio sujeito a sequestro ou penhora, a partir do momento em que ocorrer a prolação da sentença condenatória.

De acordo com o artigo 15 da Lei 4.717/65, a punição poderá ser mais grave:

Art. 15. Se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática de falta disciplinar a que a lei comine a pena de demissão ou a de rescisão de contrato de trabalho, o juiz ex officio determinará a remessa de cópia autenticada das peças necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção.

Ainda, caberá a aplicação da Lei 8.429/92, no que concerne à apreciação referente à improbida-de administrativa, aplicáveis, quando for o caso, aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

O artigo 10 dessa mesma Lei determina que

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1.º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, sem obser-vância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1.º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

Dessa forma, é possível verificar que existe uma preocupação concreta do legislador na manuten-ção e no cuidado com o patrimônio público, de forma a tentar impedir ou responsabilizar todos aqueles que hajam de forma contrária ao determinado em lei.

O patrimônio municipal deve ser utilizado de forma útil e conveniente à coletividade. É impor-tante lembrar que o bem público sempre tem como finalidade destinar-se, ainda que mediatamente, ao interesse público.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 65: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

63|Bens municipais

Texto complementar

Os muitos centros de uma cidade(PAULICS, 2000)

[...]

A implantação de uma política de revitalização ou desenvolvimentos dos centros de bairro permite o aparecimento de novas relações e dinâmicas sociais na vida urbana. A reconfiguração dos espaços públicos do cotidiano do cidadão possibilita valorizar as identidades locais, estimula a con-vivência e a integração dos moradores e usuários. No caso dos bairros periféricos, onde houve uma ocupação recente e na maioria das vezes por migrantes, se integrar na nova realidade, deixando de ver seu bairro apenas como dormitório.

Outro resultado social importante – e de especial relevância em cidades maiores, onde a estru-tura urbana torna penoso o deslocamento até o centro da cidade – é a possibilidade de ampliar o acesso da população aos serviços públicos.

[...]

As intervenções nos centros de bairro alteram a configuração urbana, estabelecendo novas relações entre cidades e cidadãos. Tendem a reduzir a necessidade de deslocamentos motorizados para o trabalho e aquisição de bens e serviços e a aumentar a oferta e a qualidade da infraestrutura, dos serviços e equipamentos de lazer.

[...]

Atividades1. Explique o significado da expressão “domínio público”.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 66: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

64 | Bens municipais

2. São considerados bens de uso comum do povo, entre outros:

a) os hospitais e as escolas públicas.

b) as praças e as vias públicas.

c) os museus e as bibliotecas.

d) bens arrecadados pelo Poder Público.

3. Explique sobre quem pode propor a ação popular e contra quem ela pode ser proposta.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 67: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

65|Bens municipais

Gabarito1. Os bens de titularidade das pessoas jurídicas de direito público interno, ou aqueles bens privados

que estejam sob o regime dos bens públicos são considerados bens de domínio público, por serem regidos por normas de direito público.

2. B

3. De acordo com a Constituição Federal de 1988, qualquer cidadão é parte legítima para propor esta ação. Em relação ao polo passivo da ação, a Lei 4.717/65 estabelece que essa ação pode ser proposta contra qualquer pessoa, pública ou privada que por ação ou omissão tenha possibilitado a lesão ao patrimônio público e contra aquelas pessoas que tenham sido beneficiadas por tais atos lesivos.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 68: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

66 | Bens municipais

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 69: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Obras e serviços públicos municipais

Conceito de serviço públicoO conceito de serviço público, entendido de forma ampliada se estende a todas as atividades

realizadas pelos órgãos públicos que compreendem os poderes – Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário –, pois todos realizam atividades consideradas de interesse público, esse é pois, o entendimento do direito comparado, por exemplo, do direito francês.

Para o Direito Administrativo brasileiro, essa expressão deve ser utilizada de forma mais restritiva, pois deve abarcar somente aquelas obras e serviços que sejam realizadas pela Administração Pública e pelos seus respectivos órgãos executores, o que significa dizer que se reduz a utilização da expressão ao âmbito do Poder Executivo.

Outra questão é que nem todas as atividades realizadas na esfera da Administração Pública são consideradas como serviços públicos. Assim, aquelas atividades consideradas como atividade-meio ou aquelas que são internas à Administração Pública também não se caracterizam como serviço público.

Como afirma Medauar (2003, p. 338), “[...] o serviço público apresenta-se como uma dentre as múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, que deve utilizar seus poderes, bens e agen-tes, seus atos e contratos para realizá-lo de modo eficiente”.

Assim, entende-se que muitas das atividades exercidas pelo Poder Público não fazem parte do conceito de serviço público adotado no Brasil, e o que se quer entender por essa expressão neste estu-do é o que conceitua Justen Filho (2005, p. 478):

Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transin-dividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indetermina-das e executada sob regime de direito público.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 70: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

68 | Obras e serviços públicos municipais

Nesse sentido, entende-se que tais atividades não devem ser relegadas à iniciativa de particulares, nem tampouco devem estar meramente adstritas ao poder de polícia e fiscalização do Estado, tendo em vista a sua natureza e o interesse que pretende atender, no caso, o interesse público. Por apresentar tal característica, os serviços e obras públicas estão embasados no regime jurídico de Direito Público.

De acordo com Bandeira de Mello (2006, p. 646), o serviço público está conformado em dois elementos: o primeiro diz respeito ao seu substrato material, o que significa dizer que se trata de uma prestação efetiva demandada ao Estado para a realização de uma prestação de uma atividade essencial que é fruível pelos administrados. A fruição desse serviço, conforme afirma Justen Filho (2005, p. 479), ao contrário do que diz Bandeira de Mello, não é necessariamente individual, pois é possível ocorrer individualmente ou coletivamente. O segundo elemento diz respeito ao seu aspecto formal impres-cindível, que se configura em determinado tipo de norma que se caracteriza por ser parte de regime específico, a saber, do Direito Público, no que concerne ao seu regime jurídico-administrativo, podendo o Poder Público realizar a prestação do serviço diretamente ou por meio de terceiros, qualificados pelo próprio Estado para exercer tais atividades.

Por fim, como afirma Justen Filho (2005, p. 480)

Todas as atividades estatais, mesmo as não administrativas, são um meio de promoção dos direitos fundamentais. Mas o serviço público é o desenvolvimento de atividades de fornecimento de utilidades necessárias, de modo direito e imediato, à satisfação dos direitos fundamentais. Isso significa que o serviço público é o meio de assegurar a existência digna ao ser humano. O serviço de atendimento a necessidades fundamentais e essenciais para a sobrevivência mate-rial e psicológica dos indivíduos.

Assim, é por meio da prestação do serviço público que o Estado deve garantir a manutenção da vida num status assegurado constitucionalmente com fundamento na dignidade da pessoa humana.

Princípios do serviço públicoO ordenamento jurídico é conformado por princípios que buscam dar unidade, ou ao menos

coerência ao direito, de forma a estabelecer os valores, a orientação e os limites da interpretação das normas jurídicas.

Nesse sentido, se estabelecem princípios, que são normas, diferentemente das regras, que apre-sentam um caráter mais abstrato e genérico que acabam por apresentar uma hierarquia de conteúdo sobre as demais.

São considerados princípios que regem os serviços públicos os princípios da supremacia do inte-resse público, do dever inescusável do Estado de prestar o serviço, da universalidade ou generalidade, da permanência ou da continuidade, da eficiência ou mutabilidade, da modicidade das tarifas e da motivação.

O princípio da supremacia do interesse público está abarcado em todo regime de Direito Público e expressa a prioridade do Estado em atender o interesse público em detrimento do interesse individu-al, sempre que ambos se colocarem em contraposição. Não significa dizer com isso, que os interesses individuais não devam ser sopesados nos momentos em que se apresentar o conflito de interesses, inclusive a ação da Administração Pública deve considerar o gravame e buscar a saída que cause menos danos para o particular, ainda que deva preponderar a resposta à coletividade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 71: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

69|Obras e serviços públicos municipais

O princípio do dever inescusável do Estado para a prestação do serviço público ou da indispo-nibilidade do interesse público determina como define Medauar (2003, p. 143), que “[...] é vedado à autoridade administrativa deixar de tomar providências ou retardar providências que são relevantes ao atendimento do interesse público, em virtude de qualquer outro motivo”.

Isso significa que o Estado não pode se recusar a exercer o que está estabelecido como sua atri-buição no que se refere à prestação de serviços públicos. E, nos casos em que houver omissão, a respon-sabilidade do Estado e de seus agentes deve ser apurada, assegurada à responsabilidade e consequente indenização nos casos em que se provar a omissão.

Quanto ao princípio da universalidade ou da generalidade se estabelece que o Estado preste serviços públicos indistintamente, ou seja, considerando situações equivalentes o atendimento deverá ser isonômico. Todos que se encontrarem em situações idênticas deverão ser beneficiários de prestação de serviços similares.

O princípio da permanência ou da continuidade trata da obrigatoriedade da manutenção constante dos serviços públicos, de forma que o Estado não pode paralisar serviços de caráter es-sencial.

Nesse caso, a Constituição Federal permitiu o direito à greve dos servidores públicos, com de-terminadas restrições, de forma à conciliar dois preceitos, o do direito do trabalho e o do princípio da continuidade, conforme é possível verificar no artigo 37 da CF/88.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, tam-bém, ao seguinte:

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

Será, portanto, necessário atender à legislação no que se refere principalmente à manutenção mínima de serviços considerados essenciais, a saber, por exemplo, os serviços relativos à saúde.

O princípio da eficiência ou da mutabilidade busca dar agilidade e qualidade ao serviço público prestado. Assim, o serviço deve ser realizado de forma adequada às condições possíveis, considerando as possibilidades técnicas, tecnológicas, econômicas e jurídicas da sua realização.

O princípio da modicidade das tarifas trata da correspondência entre a prestação do serviço e a menor tarifa a ser cobrada pela sua execução. O valor da tarifa não poderá significar a não execução de serviço essencial por conta da impossibilidade de seu pagamento pelo usuário. Em alguns casos, o Po-der Público poderá estabelecer formas de subsidiar os serviços de modo a possibilitar que determinada parcela da população os aproveite.

O princípio da motivação trata da justificativa legal que explicita a necessidade do exercício da atividade concernente ao serviço público a ser prestado.

O não cumprimento desse direito, embasado nos princípios expostos, pode dar ensejo à ação cominatória que é ação individual que não comporta demandas coletivas, ou a mandado de segurança, que poderá ser individual ou coletivo, sem prejuízo das demais ações possíveis.

Nos casos em que houver prestação de serviço público realizada por terceiro, por meio de dele-gação ou concessão, o particular poderá se remeter ao próprio concessionário para reclamar o direito de receber o tratamento adequado, tanto do ponto de vista do atendimento quanto da qualidade do serviço público prestado.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 72: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

70 | Obras e serviços públicos municipais

Conceito de obra públicaA obra pública, conforme descreve Bandeira de Mello (2006, p. 666), “[...] é a construção, repara-

ção, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público”.

Nesse sentido, podem ser consideradas como obras públicas, por exemplo, a construção e manu-tenção de equipamentos urbanos, como ruas, praças, cemitérios, aterro sanitário, linhas de metrô, entre outros; de equipamento administrativo tal como oficinas e laboratórios; de empreendimentos de utili-dade pública como estradas, ferrovias, pontes, aeroportos, usinas hidrelétricas e de edifícios públicos tal como sedes de governo, fórum, entre tantas outras construções.

As obras públicas podem ser realizadas pelos órgãos da administração pública direta e indireta, mas em regra são contratadas e executadas por particulares que se submetem ao procedimento licita-tório, regulado pela Lei 8.666, de 21/6/1993.

CompetênciaVárias questões de ordem jurídica, administrativa e técnica determinam qual o ente público que

deve executar um determinado tipo de serviço ou obra pública. Há necessidade de se verificar o inte-resse e a capacidade dos entes que demandam à execução.

Outra questão concernente à competência diz respeito à distinção entre a competência para legislar, que pode ser privativa, concorrente ou suplementar, de acordo com os artigos 22, 24 e 30 da Constituição Federal e, a competência para executar, exposta nos artigos 21 e 23, também de acordo com o texto constitucional. Assim, em alguns casos, a legislação federal determinará a forma de presta-ção de serviço público que os entes deverão realizar.

No caso da competência privativa apenas um ente da federação apresenta atribuição para executar aquele serviço ou obra pública, por exemplo, no caso da competência da União que deve manter o serviço postal e o correio aéreo nacional, organizar e manter os serviços oficiais de esta-tística, geografia, geologia e cartografia do âmbito nacional.

Com a competência comum, mais de um ente político-administrativo apresenta como atribuição a realização de determinadas atividades, como proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; cuidar da saúde e da assistência pública.

A competência do município para apresentação do serviço público está relacionada ao seu interesse local, considerado este como predominante em relação aos demais entes, mas não neces-sariamente exclusivo.

Assim, determina o artigo 30 da Constituição Federal:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

[...]

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 73: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

71|Obras e serviços públicos municipais

V - organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Portanto, de acordo com o texto constitucional, havendo predominância de interesse local, este poderá realizar a prestação de serviço público, dentro dos limites estabelecidos como competência exclusiva dos demais entes da federação.

Como afirma Meirelles (2006, p. 339), os serviços públicos municipais não são passíveis de expo-sição taxativa pela legislação em geral, pois além daqueles que habitualmente os municípios prestam, de acordo com as suas características, este pode prestar serviços de caráter peculiar ao atendimento de suas necessidades.

Serviços e obras municipaisO município tem como atribuição a prestação de serviços públicos para toda a área de seu terri-

tório, urbana e rural.

Assim, são considerados serviços públicos municipais, entre outros, os que tratam da questão viária, ou seja, a estrutura geral de estradas, arruamento, pavimento e calçamento, água e esgotamento sanitário, galerias de águas pluviais, iluminação pública, trânsito e tráfego, transporte coletivo, merca-dos e feiras livres, segurança, funerário, segurança urbana, educação, saúde, assistência social, utilização das vias, limpeza pública e utilização das vias públicas, esporte e lazer.

Várias legislações municipais tratam da orientação geral e das especificidades da regulação de todos esses serviços, entre elas está a Lei do Sistema Viário Municipal, que regula a hierarquização das vias municipais, a articulação entre as vias e as estradas que tangenciam o município, entre outros de-talhamentos.

A Lei do Sistema Viário confere um determinado desenho à cidade, que serve de orientação, in-clusive, para os parcelamentos de terrenos. Assim, o projeto de parcelamento deve se adequar ao que está estabelecido na Lei de Parcelamento do Solo Municipal e na legislação que trata do sistema viário.

Outra legislação fundamental à realização dos serviços públicos, principalmente, dos serviços urbanos é o Código de Posturas Municipais, que vai tratar da utilização do espaço público e das atri-buições do Poder Público na manutenção e conservação desse espaço, bem como de seu papel na regulação de seu uso por particulares.

São questões concernentes ao Código de Posturas Municipais aquelas referentes à disposição de espaços para a utilização por particulares, como feiras, mercados, bancas e demais atividades econômi-cas exercidas no espaço público, em ruas, praças, parques etc. Nesses casos, o município poderá ter a responsabilidade pela definição dos usos, limpeza pública, entre outros serviços. Também, o Código de Posturas Municipais regulará as questões referentes à poluição visual e sonora, bem como as questões atinentes aos cemitérios públicos e outros serviços considerados essenciais.

Para além dessas legislações, a Lei Orgânica do Município estabelece uma série de serviços que são de responsabilidade do município, definindo a forma de sua organização, como é o caso, por exem-plo, da proteção do patrimônio público municipal. Para os demais casos existem legislações específicas que definem a forma de realização e os objetivos a serem alcançados com a prestação de serviços.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 74: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

72 | Obras e serviços públicos municipais

Por fim, a prestação de serviços deverá ser prevista e compatibilizada com a legislação orçamen-tária municipal, de modo a definir as prioridades referentes à sua execução.

Espécies de serviço públicoVárias são as classificações de serviço público, mas quanto à sua natureza é importante ressaltar

que existem serviços que são considerados essenciais e serviços que são considerados como conve-nientes.

A primeira espécie diz respeito aos serviços públicos propriamente ditos, que estão relacionados aos serviços que são essencialmente realizados pelo Estado e que apresentam como objetivo a sa-tisfação de necessidades da população. Nesse caso, tais serviços não podem ter sua execução dele-gada a particulares, ainda que esses estejam estritamente vinculados às determinações do contrato público, da legislação ou do Poder Público, sendo exemplo desse tipo de atividade a segurança pública.

A segunda espécie de serviço público é aquela que pode ser designada como “serviço de utilida-de pública”, que como define Meirelles (2006, p. 341)

[...] são os que o Poder Público, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os indiví-duos componentes da sociedade, presta-os diretamente ou delega sua prestação a terceiros (concessionários, permis-sionários ou autorizatários), mediante condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos presta-dores, a serem remunerados pelos usuários. São exemplos característicos dessa modalidade os serviços de transporte coletivo, os de fornecimento de energia elétrica, água, gás, telefone e outros mais.

No caso desses serviços de utilidade pública, a forma de remuneração do serviço realizado se dá por meio do pagamento de tarifas ou também de preços públicos.

Para a execução dos serviços públicos propriamente ditos, os beneficiários deverão pagar as res-pectivas tarifas que devem ser diferenciadas em razão do interesse social, conforme determina o Esta-tuto da Cidade.

Para além dessa classificação, os serviços públicos podem ser entendidos, ainda que seguindo uma lógica parecida com a classificação anterior, como próprios ou impróprios.

Os serviços próprios são aqueles de atribuição do Poder Público, e pela sua importância à manu-tenção de vida da população podem ser gratuitos ou apresentarem valores bastante acessíveis.

No caso dos serviços impróprios, esses são considerados importantes mas não absolutamente relevantes, o que torna a sua execução possibilitada por meio de remuneração, podendo inclusive ser considerado serviço rendoso. Como define Meirelles (2006, p. 343), “[...] a Administração os presta re-muneradamente, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, so-ciedades de economia mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários.”

Como se pode notar as classificações são bastante próximas, tendo em vista que adotam critérios referentes ao grau de relevância da espécie de serviço a ser prestada e a atribuição, no que se refere à execução das atividades.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 75: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

73|Obras e serviços públicos municipais

Cabe ressaltar que ainda que o exercício das atividades referentes à prestação dos serviços públicos seja realizado por particulares, o Poder Público permanece com a responsabilidade pelo seu controle e regulação.

Havendo problemas na efetivação dos serviços públicos por particulares, podem ser tomadas as medidas referentes à exigência sobre a regular prestação do serviço ou, quando não for possível a con-cretização dessa medida, caberá a retirada da prestação do serviço.

Nesse sentido, os contratos realizados com a Administração Pública preveem a possibilidade de modificação unilateral das cláusulas regulamentadoras da prestação de serviço, conforme determina a lei de licitações, desde que o interesse público assim o exija.

A execução dos serviços públicos por particularesComo foi visto, em determinados casos, a execução dos serviços públicos pode ser realizada por

particulares. É o caso daqueles serviços que não são considerados essenciais.

Nesse sentido, a CF/88 buscou regular tal possibilidade, como se pode verificar em seu artigo 175

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

Assim, determina o texto constitucional que as formas de se permitir que particulares realizem o serviço público podem se dar por: concessão, permissão ou autorização.

A Lei Federal 8.987, de 1995, veio regulamentar o artigo 175 da Constituição Federal, no que concerne à prestação de serviços públicos por particulares, estabelecendo as regras orientadoras para as atividades.

A concessão é definida por Bandeira de Mello (2006, p. 672) como

[...] o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteradas unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente por tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.

Assim, o concedente – União, Estados, municípios ou Distrito Federal – que apresentar com-petência para outorgar o serviço a terceiro procederá à concorrência, uma vez fixadas as condições estabelecidas previamente e, posteriormente, de acordo com os preceitos estabelecidos pelo contrato administrativo.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 76: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

74 | Obras e serviços públicos municipais

Quanto ao instituto jurídico da permissão, a diferença que se estabelece em relação ao instituto da concessão, como demonstra Medauar (2003, p. 352), é a seguinte:

Ante a Lei 8.987/95 a diferença entre a concessão e a permissão de serviço público situa-se em dois aspectos: a) a concessão é atribuída à pessoa jurídica ou consórcio de empresas, enquanto a permissão é atribuída à pessoa física ou jurídica; b) a concessão destinar-se-ia a serviços de longa duração, inclusive para propiciar retorno de altos investimen-tos da concessionária: a permissão supõe média ou curta duração.

Por fim, a autorização decorre de ato administrativo e apresenta como principais características a precariedade, tendo em vista que a autorização poderá ser retirada a qualquer momento pelo Poder Público e a discricionaridade que dá maior possibilidade da Poder Público de agir, ainda que a formali-dade para as autorizações sejam mantidas.

Texto complementar

As tarifas de ônibus (MORALES, 2000)

A maioria dos municípios não tem estrutura técnica para calcular a tarifa de ônibus. Pedem ao proprietário da empresa uma justificativa e a prefeitura, em geral, faz um cálculo de custo a partir dos dados que o proprietário fornece, sem ter como verificar as informações. Complementando ou substituindo este “cálculo”, o prefeito, ou seu assessor liga para as cidades vizinhas para descobrir o preço por elas adotado. A consequência desses procedimentos pode ser uma tarifa maior do que os custos reais dos serviços, prejudicando os passageiros; ou menor, reduzindo a receita esperada pelos empresários.

Quando os custos dos serviços de transporte aumentam com muita frequência e intensi-dade, colocam os prefeitos diante da desagradável obrigação de aumentar as tarifas num ritmo próximo ao da desvalorização da moeda. Se não fizerem isso, correm o risco de provocarem uma crise no serviço.

Para evitar que os usuários paguem mais do que custa o serviço ou que os empresários, por exemplo, reduzam o número de ônibus em circulação para manter a margem de ganho, a prefeitura deve partir de dados concretos para estimar o custo da tarifa. Ainda que ao final não venha a adotá--lo, por motivos que transcendam o plano econômico da prestação de serviço (afinal, a tarifa é um preço público, determinado também por razões políticas sociais e culturais), esse custo básico é um parâmetro importante no processo de negociação da tarifa.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 77: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

75|Obras e serviços públicos municipais

Atividades 1. Explique os dois elementos que conformam a definição de serviços públicos.

2. Quanto à competência para a execução dos serviços e obras públicas é correto afirmar:

a) é privativa da União.

b) é privativa dos municípios.

c) é sempre comum.

d) pode ser comum ou privativa.

3. O Poder Público pode ceder a execução de serviços públicos a particulares. Quais são os institutos jurídicos utilizados para que isso ocorra?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 78: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

76 | Obras e serviços públicos municipais

Gabarito1. Os serviços públicos apresentam um substrato material e uma base formal. No primeiro caso, a

noção de serviço público se aplica à necessidade deste se apresentar de forma concreta como a prestação de um serviço de caráter essencial. O segundo elemento diz respeito à necessidade de tal atividade estar adstrita a um regime de direito público, que se configura em regime próprio e diferente em natureza do direito privado.

2. D

3. O Poder Público poderá ceder à execução de suas atividades consideradas não essenciais ao Estado a particulares por meio dos institutos da concessão ou da permissão.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 79: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

José Ricardo Vargas de Faria*

Daniele Regina Pontes

Direito e sociedadeA primeira questão a ser tratada sobre o direito urbanístico diz respeito à forma como se constrói

não somente esse direito, mas todo o direito.

Assim, há necessidade de se reconhecer que não há direito com uma origem natural, mas se cons-trói o direito em cada época da história, consideradas as condições materiais e culturais da sociedade ou comunidade. O direito responde às demandas que lhe são dirigidas e, por esse motivo, as feições do direito responderão àqueles que tiverem mais condições de propor e fazer realizar as suas convicções e seus interesses.

No Direito Moderno, quem fez valer seus interesses foi a classe denominada burguesia, que con-seguiu, em determinado período da história da Europa, superar a antiga aristocracia que desde muito ditava as regras de organização geral daquela sociedade.

Quando isso ocorreu, os interesses dessa classe viriam a se fazer legitimar por meio do direito e, na esteira da definição das novas regras do regime de produção, denominado como sistema capitalista, algumas questões que eram absolutamente necessárias para a manutenção desse novo sistema deve-riam ser inauguradas.

Três elementos fundamentais são inseridos: a igualdade e a liberdade formais e o direito de pro-priedade. Assim, o direito passaria a legitimar os novos interesses daquela classe social.

* Doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Mestre em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 80: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

78 | Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

A constatação de que a liberdade e a igualdade seriam somente formais passa pela compreensão de que o sistema de produção adotado é um sistema essencialmente de acumulação, ou seja, é da sua natureza a desigualdade material. Quanto à liberdade, esta fica restrita às possibilidades que se afiguram diante das condições materiais existentes, quanto menos condições, mais restrita se afigura a liberdade.

Além disso, é possível partir também da constatação de que a liberdade e a igualdade materiais nunca vieram a se concretizar, assim o que temos até hoje é uma suposição de que existe liberdade e igualdade entre pessoas, por isso, estas são visualizadas somente formalmente, legalmente. É ne-cessário se reconhecer que a sociedade está conformada em grupos e classes que dispõem de meios completamente díspares para fazer valer os seus interesses. Assim, não é possível se falar em liberdade e igualdade quando as condições reais de disputa de interesses são completamente desiguais.

O direito afirmou a existência da liberdade e da igualdade como se estas de fato existissem, e não tratou dos meios de fazer valer tais afirmativas. Ao contrário, ao afirmar essa condição sem criar meios que a concretizasse, foi responsável também pela agudização das distâncias econômicas e sociais.

Assim, “o direito pode ser considerado como um reflexo das condições materiais de organiza-ção econômica, social e política de uma dada sociedade em certo período histórico. Ao mesmo tempo em que influencia diretamente a organização e as relações travadas nessa mesma sociedade” (PONTES, 2004, p. 60).

Essa afirmação faz referência à característica dinâmica do direito, em que este se modifica no rumo da pressão que recebe e que, também ele, é responsável pela consolidação de determinadas lei-turas e interpretações da realidade.

Não foi diferente, nesse caso, com o direito de propriedade. Tal direito foi afirmado e reafirma-do em toda a legislação brasileira e criou, com isso, uma espécie de verdade, ou seja, o proprietário, independentemente da forma como adquiriu a propriedade não poderia ter esta questionada, nem a propriedade em si nem o seu uso.

Mas como o direito é suscetível às pressões, entrando na história brasileira, no período da rede-mocratização havia um grande apelo da sociedade civil em mudar questões, que além de evidentes, pois a desigualdade e a pobreza se faziam absolutamente visíveis, estavam sendo pautadas de forma organizada.

Houve, nesse sentido, o apontamento da necessidade de se tratar das desigualdades, de enfrentar a realidade e de buscar meios de concretizar materialmente aquelas velhas afirmativas vazias. Falar de igualdade e de liberdade sem buscar meios de concretizá-las não era suficiente. Construir uma ideia de propriedade que significava o impedimento da manutenção da vida de uma parte considerável da população também não era possível.

Com isso, a construção do texto constitucional de 1988 foi pautada pelas disputas entre os velhos interesses das elites brasileiras que desejavam a manutenção do status até então existente e pelos novos rumos que a sociedade civil, com seus movimentos e organizações, demandavam.

O resultado dessas disputas apresentou como marco jurídico, portanto, a Constituição Federal, que tratou de contrapor ao direito individual da propriedade, os direitos sociais, coletivos e difusos à moradia, ao ambiente saudável, ao trabalho, à cultura, ao lazer, entre outros.

Com isso, sem diminuir a importância do direito de propriedade, houve uma reformulação em seu conceito e a partir daí se entendeu convencionar que as propriedades deveriam cumprir uma fun-ção social.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 81: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

79|Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

Essa questão é de fundamental importância para se entender que as normas que tratam do direito urbanístico, por exemplo, são em regra bastante recentes. Nascem, como a função social da propriedade, de uma tentativa de regular os direitos concernentes às propriedades e de fazer valer as possibilidades de produção de cidades mais justas nas quais sejam também garantidos os direitos sociais e coletivos e, ainda, nas quais existe maior equidade na distribuição dos benefícios e dos ônus da urbanização.

Isso quer dizer que as normas de direito urbanístico não são pautadas apenas pelos detentores das propriedades, mas também por aqueles que, em regra, não as detêm e que possuem poucas pers-pectivas de vir a mudar de situação. Em outras palavras, enquanto o direito à propriedade é exercido apenas pelo proprietário, que é uma pequena parcela da população, o direito urbanístico, ao tratar da função social, refere-se ao exercício do direito à cidade e, portanto, o direito que deve ser exercido pelo citadino de modo geral.

Produção da ilegalidade nas cidades brasileirasAinda que a cidade seja um fenômeno social muito antigo, nos moldes que nós conhecemos

hoje deve ser considerada como um fenômeno moderno. A cada momento da história a cidade con-centrou atividades distintas, próprias da formação econômica e política de cada sociedade. Se antiga-mente a cidade concentrava o comércio, as atividades culturais e as atividades político-administrativas (os governos, a administração da justiça etc.); na modernidade a cidade passou a concentrar também as atividades produtivas industriais. Ou melhor, a própria característica da atividade industrial deman-dava a concentração populacional e, por esse motivo, reconfigurou a forma das cidades.

Na história do Brasil, o primeiro momento de formação das cidades está relacionada à forma de ocupação do território brasileiro no Brasil Colônia como território de exploração estrangeira. As principais atividades econômicas se destinavam, principalmente, ao mercado externo e algumas poucas ao con-sumo interno. Nesse sentido, as principais cidades se desenvolveram ao longo da costa brasileira, como centros de exportação e de comércio local. Em 1872, as maiores e mais importantes cidades eram Rio de Janeiro com 274 972 habitantes, Salvador com 129 109 habitantes, Recife com 116 671 habitantes e Be-lém com 61 997 habitantes. Todas essas cidades detinham portos de exportação de matéria-prima como cana-de-açúcar, borracha e minérios, por exemplo. Por volta do ano de 1900, com o início ainda tímido da industrialização, algumas cidades como São Paulo e Porto Alegre passam a figurar entre as maiores.

Dessa forma, pode-se dizer que as cidades brasileiras estão absolutamente relacionadas com os ciclos econômicos, como afirma Silva (2006, p. 22):

Enfim, as cidades brasileiras desenvolveram-se basicamente ao longo da costa marítima sob a influência da economia voltada para o exterior. Algumas malhas urbanas firmaram-se por influência da mineração (Minas e Goiás), outras sob a influência da cana-de-açúcar no Nordeste e das vacarias do Sul.

Considerando as questões afeitas à forma de ocupação do território brasileiro, é importante com-preender que ela foi fundamental na caracterização da configuração do desenho da ocupação das cidades brasileiras, mas as cidades modificaram a sua feição, ao longo da história. Assim descreve Silva (2006, p. 23):

Resta lembrar que a cidade vem sofrendo profunda transformação qualitativa, de modo que, hoje, ela não é meramen-te uma versão maior da cidade tradicional, mas uma nova e diferente forma de assentamento humano, [...]

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 82: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

80 | Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

Essa megalópole, no Brasil, formou-se por via de uma ocupação caótica do solo urbano; caótica, irracional e ilegal. Foi, de fato, o loteamento ilegal, combinado à autoconstrução parcelada da moradia durante vários anos, a principal alter-nativa de habitação para a população migrante instalar-se em algumas das principais cidades brasileiras.

Assim, falar em urbanismo, atualmente, é tratar das cidades que temos e das grandes questões que as afetam. A intensificação da urbanização, mais evidente a partir da década de 1940, traz um con-junto de novas questões para compreensão do urbano.

Em primeiro lugar, o aumento da atividade industrial demanda um outro tipo de trabalhador e de concentração populacional; o surgimento de vilas operárias e bairros de imigrantes que vinham ao Brasil para servir de mão de obra para a indústria é um exemplo desse fenômeno. Outro aspecto é a me-canização da atividade agrícola, que desloca grandes contingentes populacionais do meio rural para o meio urbano. O terceiro ponto importante é a valorização do solo urbano que passa a se constituir não só como bem escasso, mas principalmente como depositário das possibilidades de acesso a serviços e infraestrutura, que interessam não só ao morador como também ao desenvolvimento das empresas. Em outras palavras, certas localizações passam a ser cada vez mais valorizadas, pois concentram infra-estrutura e serviços que permitem melhor desenvolvimento do comércio, maior qualidade de moradia, mais facilidades de escoamento da produção, entre outros fatores.

Um dos resultados importantes desse processo, e que constitui hoje uma das grandes preocupa-ções do direito urbanístico, é que a terra valorizada restringiu o acesso de todos à moradia. Dessa forma surgem as ocupações em áreas irregulares e sujeitas aos riscos ambientais, como única alternativa de moradia para uma grande parcela da população. A necessidade da regularização fundiária, por exem-plo, nada mais é do que uma possível solução para um problema originado na forma de se produzir as cidades contemporâneas.

Então, como o direito, a cidade também é resultado do confronto das lutas sociais das classes, é produzida nessa tensão de disputas dos melhores espaços e da melhor qualidade. Assim como a sociedade é hierarquizada, o espaço da cidade também o é, restando que as elites detêm os melhores lugares e as melhores soluções urbanísticas e sobrando para os demais aquilo que menos interessa.

É neste sentido que Maricato (2002) aponta a necessidade de se verificar que o Brasil está conformado por cidades que existem formalmente, e que, portanto, serão reconhecidas pelo direito e serão legitimadas e tratadas nessa esfera, também de poder, e de cidades informais, em que o Estado praticamente não chega. Por esse motivo que tem-se a impressão de ver “diversas cidades em uma”. As cidades comportam diferentes espaços que estão atrelados à condição de se impor um determinado status aos locais ocupados.

Muitas vezes, o direito sequer esbarra na porta de um desses lugares, assim, lembra Maricato (2002, p. 157):

À frequente ilegalidade na ocupação do solo, soma-se a ilegalidade das relações de trabalho e na resolução dos conflitos. A polícia age ilegalmente; os tribunais, juízes e advogados estão ausentes das disputas que ali têm lugar. Trata-se enfim de um ambiente de ilegalidade generalizada.

Tal fato já seria necessariamente grave, independentemente da abrangência, mas, considerando a diferença existente entre cidade formal e cidade informal, entende-se a pressão no sentido de se alterar as normas que estavam até então vigentes (até o ano de 1988). Nesse sentido, afirma Maricato (2002, p. 155)

[...] o processo de urbanização no Brasil é uma máquina de produção de favelas e cortiços. A população moradora de favelas cresce mais do que a população urbana brasileira, especialmente nas periferias das metrópoles, como demons-tra o Censo do IBGE de 1991. [...]

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 83: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

81|Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

Os dados mostram que a invasão de terras é quase mais regra do que exceção nas grandes cidades. Se somarmos os moradores de favelas aos moradores de loteamentos ilegais temos quase metade da população dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo. Estudo realizado sobre o mercado residencial na cidade de São Paulo mostrou que, nos últimos 15 anos, a oferta de lotes ilegais suplantou a soma de todas as formas de unidades habitacionais oferecidas pelo mercado privado legal. [...]

Essas reflexões e observações indicam a necessidade de transformação do urbanismo. Enquanto, tradicionalmente, o urbanismo tratou de apenas uma parcela da cidade – a cidade formal – outra parce-la significativa foi desconsiderada. Dessa forma, esse urbanismo, por um lado, reduz as suas preocupa-ções aos padrões estéticos e atendimento de certo tipo de necessidades, mas por outro lado colabora com a acentuação dos problemas existentes no que se refere à segregação espacial e à ilegalidade.

O urbanismo atual deve ampliar suas perspectivas de atuação e considerar os processos de pro-dução das cidades de forma global, incorporando às suas preocupações também os problemas de ile-galidade que a muito deixaram de ser ilhas, para se constituir em mares de segregação espacial.

Cidade, urbano e urbanismo Os termos “cidade”, “urbano” e “urbanismo” remetem, no senso comum, a uma mesma ideia, po-

rém são conceitos que procuram explicar diferentes fenômenos.

A cidade é uma forma de ocupação do território que pode ser conceituada ou identificada a partir da consideração de diferentes elementos. Em geral, os aspectos que definem a cidade como tal estão relacionados: (i) à maior densidade demográfica; (ii) à disponibilidade de certos serviços e infra-estrutura; (iii) à diversificação de atividades, entre outros.

Mas é importante compreender que nem todo núcleo urbano pode ser considerado cidade. Em alguns casos esses núcleos podem ser distritos ou subdistritos. A cidade, no Brasil, é assim configurada quando o seu território é elevado à categoria de município. Como descreve Silva (2006, p. 26):

Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativos, econômico não agrícola, familiar e simbólico com sede de governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.

Outras definições conferem ênfase especial na questão populacional e consideram que uma ci-dade é um núcleo urbano com uma população mínima, por exemplo, vinte mil habitantes. No Brasil esse tipo de definição não é considerado oficialmente na determinação da condição de um núcleo ur-bano como cidade, por outro lado, orienta políticas públicas e programas de governo que promovem ações diferenciadas para municípios menores e, em alguns casos, considerando-os como essencial-mente rurais.

Assim, a cidade, apesar de suas diferentes formas de definição, não é sinônimo de urbano, até porque este pode se concentrar em apenas uma parte da cidade. Enquanto a cidade é uma forma, o ur-bano é um conteúdo; conteúdo de relações, de experiências e de vivências. O urbano supõe um modo de vida que se opõe ao modo de vida rural. Pode ser considerado um fenômeno moderno, na medida em que implica em um conjunto de relações próprias da industrialização, da extensão da vida mercantil e das relações de troca e consumo. A cidade por sua vez existiu em diferentes momentos históricos e em diferentes sociedades, carregando conteúdos e modos de vida também diferentes. Em outras palavras,

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 84: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

82 | Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

a cidade grega do século V a.C. é diferente da metrópole moderna, não apenas em tamanho, mas prin-cipalmente no modo de vida social que contém. Como lembra Lefebvre (2001, p. 49):

Talvez devêssemos introduzir aqui uma distinção entre a cidade, realidade presente, imediata, dado prático-sensível, arquitetônico – e por outro lado o “urbano”, realidade social composta de relações a serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo pensamento.

Atualmente esse conteúdo, esse modo de vida, remete ao consumo, ou seja, a vida urbana é a vida de consumo de determinados “produtos urbanos”.

Nesse sentido, Lefebvre (2001, p. 12) faz a sua crítica:

[...] os núcleos urbanos não desaparecem roídos pelo tecido invasor ou integrados na sua trama. Esses núcleos resistem ao se transformarem. Continuam a ser centros de interesse da vida urbana (em Paris, o Quartier Latin). As qualidades estéticas desses antigos núcleos desempenham um grande papel na sua manutenção. Não contêm apenas monumen-tos, sedes de instituições, mas também espaços apropriados para as festas, os desfiles, passeios, diversões. O núcleo urbano torna-se, assim, produto de consumo de uma alta qualidade para estrangeiros, turistas, pessoas oriundas da periferia, suburbanos. Sobrevive graças a este duplo papel: lugar de consumo e consumo do lugar. [...]

No Brasil, a revitalização dos centros pode ser qualificada na descrição de Lefebvre, aliás, lem-brando da forma como se urbanizou o Brasil, podemos dizer que as cidades que tinham seus velhos centros foram readaptadas com as reformas sanitaristas, de modo a se retirar a população pobre dos centros, reformular os espaços e conferir-lhes novos usos – adequados à lógica do lugar de consumo e consumo do lugar.

O urbanismo, nesse contexto, surge inicialmente na lógica sanitarista – de higienização dos espa-ços insalubres para prevenir pestes, epidemias e outras doenças – mas progressivamente se constitui cada vez mais como ideologia da organização e da racionalização do espaço. Desse modo, o que difere os conceitos de urbano e de urbanismo é que este último se refere a um determinado modo de conce-ber e produzir (ou intervir na produção) as cidades.

Esta ideologia [a do urbanismo] tem dois aspectos solidários: o aspecto mental, o aspecto social. Mentalmente, ela implica uma teoria da racionalidade e da organização [...]. Socialmente, é então a noção de espaço que passa para o primeiro plano, relegando para a penumbra o tempo e o devenir. O urbanismo como ideologia formula todos os problemas da sociedade em questões de espaço e transpõe para termos espaciais tudo que provém de história, da consciência [...]. (LEFEBVRE, 2001, p. 43)

Assim, pode-se dizer que na história brasileira daquilo que se convencionava denominar cidade, o urbanismo entrou e retirou a população de baixa renda, sendo possível dizer que no Brasil o urba-nismo também “ocupa” lugar e, dessa forma, retira quem não está apto a se manter no padrão a ser estabelecido.

Um dos problemas dessa questão é que não é pela lógica do urbanismo que toda a cidade se constrói. Aliás, o próprio urbanismo segrega, produzindo a cidade “urbanizada” que é acessada por uma parcela da população, enquanto outra parcela, alienada dessa possibilidade, produz outra cidade, a ci-dade possível, informal, ilegal e sem urbanização. Nesse contexto, uma nova concepção de urbanismo começa a se constituir; na aproximação entre individual e social, na intenção de uma abordagem inte-gral da cidade, na ação de redução das desigualdades de apropriação dos benefícios da urbanização.

Acompanhando a lógica do lócus do urbanismo, o direito urbanístico foi, em primeiro lugar, trata-do como parte do direito público, tendo em vista os direitos que são objeto dessa questão. Em segundo momento, acompanhando as transformações do urbano e do urbanismo – mas também as mudanças sofridas no instituto da propriedade – modificou-se e atenuou-se a fronteira entre direito público e direito privado.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 85: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

83|Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

Estatuto da Cidade e instrumentos urbanísticosA principal legislação de direito urbanístico no Brasil é o Estatuto da Cidade que, seguindo a orien-

tação principiológica da CF/88, fez constar em seu texto a necessidade de ressignificar o conceito de propriedade, atribuindo a esta uma função social. É no conceito de Função Social da Propriedade que se fundem o direito público e o direito privado, pois o exercício do direito de um particular – a fruição da propriedade – pressupõe o atendimento de direitos da coletividade. Nesse sentido, determinou a observância de princípios que em conjunto devem ser verificados, para efetivamente modificar o status da propriedade.

Entre eles, podem ser considerados de absoluta relevância os seguintes preceitos: justiça social; jus-ta distribuição dos ônus e bônus decorrentes do processo de produção dos espaços públicos e privados; sustentabilidade ambiental; garantia do direito à utilização dos serviços e equipamentos públicos de qua-lidade; desfragmentação das atividades desenvolvidas nos municípios e compreensão do planejamento regional, nos casos em que a comunicação das atividades de mais de um município apresentar interferên-cia direta sobre a existência do outro município, como é o caso, por exemplo, das regiões metropolitanas; gestão democrática e participação da sociedade na definição, implementação e controle das políticas públicas e de ações de impacto social, como a instalação de empreendimentos de grande porte.

Com vistas à implementação desse projeto político que manifesta a intencionalidade de valorização da posse, ou seja, do uso, do aproveitamento coletivo do bem aí considerado (a terra e todos os demais ele-mentos que constituem), o Estatuto da Cidade previu como principal instrumento de planejamento dos mu-nicípios o plano diretor. É nele que se definem critérios objetivos específicos para a concretização da função social, observadas as características, a dinâmica e as singularidades existentes em cada município.

A observação relativa à tutela do direito de propriedade somente deveria ocorrer àquelas que efetivamente cumprissem a sua função social, que já havia sido determinada desde 1988, pela Constituição Federal. Porém, no que se refere às alegações concernentes à necessidade de regula-mentação desse princípio, a partir da definição de critérios no plano diretor, deve-se ter claro que a própria Constituição já definia o significado dos pressupostos necessários à concretização da função social, o que seria suficiente para que o Poder Público exigisse a obrigação imposta ao proprietário que mantivesse ociosa à propriedade. O plano diretor viria complementar e detalhar o sentido de função social nos municípios e não defini-la, pois, ao contrário da função social, o instrumento não é obrigatório para todos os municípios.

Em vista da importância dessa legislação para aqueles municípios que o elaboram, se previu a necessidade da participação ampliada da sociedade na sua elaboração, de modo que haja efetiva apro-priação do processo de planejamento do município por todos os munícipes, principalmente daqueles grupos historicamente afastados dos processos decisórios do município. O resultado desse processo, configurado no plano diretor, orienta a ação da sociedade sobre o objeto em questão, seja a ação dos grupos organizados que a constituem, seja a ação de cada indivíduo particular.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 86: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

84 | Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

O plano diretor nos municípios brasileirosA pesquisa sobre o perfil dos municípios brasileiros, realizada em 2005 pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), aborda a implementação e utilização de instrumentos de planejamento nos municípios brasileiros, em especial aqueles previstos no Estatuto da Cidade.

Com essa pesquisa é possível analisar, em parte, os resultados do movimento municipalista que culminou, na CF/88, na elevação do município a ente federativo. Esse fator, além de permitir que o município legislasse sobre assuntos de interesse local, contribui para o fortalecimento do governo municipal no sentido de implementação de políticas públicas e ações governamentais. Por outro lado, amplia também a necessidade de aprimoramento da gestão, seja pela modernização dos processos administrativos, seja pela adoção de instrumentos de planejamento e controle.

O plano diretor, um dos principais instrumentos de planejamento e regulação do uso do solo, é obrigatório, entre outros, para municípios: (i) com mais de vinte mil habitantes; (ii) que fazem parte de regiões metropolitanas. Em 2005, os municípios com essas características totalizavam 1 963, e 71,4% destes (1 402 municípios) não possuíam plano diretor. Daqueles 561 municípios que possuíam planos, 45,2% tinham a lei aprovada há mais de dez anos, ou seja, deveriam revisá-lo de acordo com o que de-termina o Estatuto da Cidade no seu art. 40, §3.º.

Total de municípios com obrigatoriedade de existência de plano diretor e municípios que necessitam elaborar o plano diretor até 10 de outubro de 2006, total e percentual, segundo crité-rios de obrigatoriedade – Brasil – 2005

Critério de obrigatoriedade

MunicípiosCom obrigatoriedade de

existência de plano diretorQue necessitam elaborar até outubro de 2006

Total Percentual (%)Total 1 963 1 402 71,4

Apenas com mais de 20 000 habitantes

1 244 974 70,3

Apenas em aglomeração urbano

369 333 90,2

Ambos 350 195 55,7

Apesar do relativamente baixo número de municípios que possuíam planos diretores ou que ha-viam feito a revisão nos últimos 10 anos, a pesquisa mostra também que 2 555 municípios estão elabo-rando ou revisando seus planos diretores. Essa é uma indicação de que os instrumentos legais de direito urbanístico, formulados com base nas indicações mais recentes do Estatuto da Cidade, podem estar efetivamente se disseminando nos municípios brasileiros. Conclui-se, portanto, que essa nova disciplina do direito tende a ganhar cada vez mais importância no quadro das administrações municipais e no estudo do direito de modo geral.

(IBG

E, 2

005)

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 87: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

85|Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

Carta Mundial pelo Direito à CidadeFórum Social das Américas – Quito – Julho 2004

Fórum Mundial Urbano – Barcelona – Setembro 2004

V Fórum Social Mundial – Porto Alegre – Janeiro 2005

PreâmbuloIniciamos este novo milênio com a metade da população vivendo nas cidades. Segundo as

previsões, em 2050 a taxa de urbanização no mundo chegará a 65%. As cidades são, potencialmen-te, territórios com grande riqueza e diversidade econômica, ambiental, política e cultural. O modo de vida urbano interfere diretamente sobre o modo em que estabelecemos vínculos com nossos semelhantes e com o território.

Entretanto, no sentido contrário a tais potenciais, os modelos de desenvolvimento implemen-tados na maioria dos países empobrecidos se caracterizam por estabelecer níveis de concentração de renda e poder que geram pobreza e exclusão, contribuem para a depredação do meio ambiente, aceleram os processos migratórios e de urbanização, a segregação social e espacial e a privatização dos bens comuns e do espaço público. Esses processos favorecem a proliferação de grandes áreas urbanas em condições de pobreza, precariedade e vulnerabilidade diante dos riscos naturais.

As cidades estão distantes de oferecerem condições e oportunidades equitativas aos seus ha-bitantes. A população urbana, em sua maioria, está privada ou limitada – em virtude de suas carac-terísticas econômicas, sociais, culturais, étnicas, de gênero e idade – de satisfazer suas necessidades básicas. Contribuem para isso as políticas públicas que, ao desconhecer os aportes dos processos de produção popular para a construção das cidades e da cidadania, violentam a vida urbana. Graves consequências resultam desse processo, como os despejos massivos, a segregação e a consequente deterioração da convivência social. Esse contexto favorece o surgimento de lutas urbanas que, de-vido a seu significado social e político, ainda são fragmentadas e incapazes de produzir mudanças significativas no modelo de desenvolvimento vigente.

Frente a essa realidade e à necessidade de fazer frente a essas tendências, organizações e mo-vimentos articulados, desde o Fórum Social Mundial de 2001, têm discutido e assumido o desafio de construir um modelo sustentável de sociedade e vida urbana, baseado nos princípios da solida-riedade, liberdade, igualdade, dignidade e justiça social, e fundamentado no respeito às diferenças culturais urbanas e ao equilíbrio entre o urbano e o rural. Desde então, um conjunto de movimentos populares, organizações não governamentais, associações de profissionais, fóruns e redes nacionais e internacionais da sociedade civil comprometidas com as lutas sociais por cidades mais justas, de-mocráticas, humanas e sustentáveis vêm construindo uma Carta Mundial pelo Direito à Cidade que estabeleça os compromissos e medidas que devem ser assumidos pela sociedade civil, pelos gover-nos locais e nacionais, parlamentares e pelos organismos internacionais para que todas as pessoas vivam com dignidade em nossas cidades.

Texto complementar

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 88: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

86 | Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

O Direito à Cidade amplia o tradicional enfoque sobre a melhora da qualidade de vida das pessoas centrado na moradia e no bairro até abarcar a qualidade de vida à escala da cidade e de seu entorno rural, como um mecanismo de proteção da população que vive nas cidades ou regiões em acelerado processo de urbanização. Isso implica em enfatizar uma nova maneira de promoção, respeito, defesa e realização dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais garantidos nos instrumentos regionais e internacionais de direitos humanos.

Na cidade e em seu entorno rural, a correlação entre esses direitos e a necessária contrapar-tida de deveres é exigível de acordo com as diferentes responsabilidades e situações socioeconô-micas de seus habitantes, como forma de promover a justa distribuição dos benefícios e responsa-bilidades resultantes do processo de urbanização; o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade; a distribuição da renda urbana; a democratização do acesso à terra e aos serviços públicos para todos os cidadãos, especialmente àqueles com menos recursos econômicos ou em situação de vulnerabilidade.

Por sua origem e significado social, a Carta Mundial do Direito à Cidade é, antes de tudo, um instrumento dirigido ao fortalecimento dos processos, reivindicações e lutas urbanas. Está chama-do a constituir-se em plataforma capaz de articular os esforços de todos aqueles atores – públicos, sociais e privados – interessados em dar plena vigência e efetividade a esse novo direito humano mediante sua promoção, reconhecimento legal, implementação, regulação e prática. [sic]

Atividades 1. A partir de que questões o direito é concebido?

2. O principal objetivo do Estatuto da Cidade era o de

a) estabelecer normas de direito ambiental.

b) dar autonomia aos municípios.

c) ressignificar o conceito de propriedade.

d) definir a competência municipal.

3. Qual era a concepção de liberdade e igualdade que estava presente nos ideais do Direito Moderno?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 89: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

87|Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

Gabarito1. O direito é um reflexo da sociedade, pois dá respostas às demandas daqueles grupos que

conseguem fazer sistematizar e propor suas questões.

2. C

3. O Direito Moderno tinha como concepções a igualdade e a liberdade meramente formais, desprovidas de conteúdo que de fato as efetivassem.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 90: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

88 | Direito urbanístico: fundamentos e normas gerais

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 91: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Planejamento municipal e plano diretor

Daniele Regina Pontes

Planejamento e desenvolvimentoAté determinado período da história brasileira não havia obrigatoriedade para que os municípios

realizassem seus planejamentos e convertessem estes em lei, ficando a critério do administrador público a decisão referente à necessidade e conveniência de sua elaboração. De acordo com Silva (2006, p. 90), houve uma mudança significativa na forma de gestão da administração pública, e tal alteração determi-nou a necessidade de se planejar ações a curto, médio e longo prazo na Administração Pública.

Atualmente a questão tomou outros rumos e sofreu radical transformação, porque o processo de planejamento passou a ser um mecanismo jurídico por meio do qual o administrador deverá executar sua atividade governamen-tal na busca da realização das mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento econômico-social.

Assim, a forma definida para a elaboração e execução do planejamento municipal não pressu-punha a necessidade de sua conversão em lei, o que é modificado, principalmente pela necessidade de se iniciar os processos de elaboração dos planos diretores, ainda que as cidades já procedessem à organização de seus planos urbanísticos desde o final do século XIX, e que estes apresentassem características sanitaristas ou de melhoramentos pontuais na malha viária neste período, e posterior-mente regulassem o uso e a ocupação do solo. Como lembra Fernandes (2007, p. 257)

Os planos diretores municipais já foram necessários em fases anteriores. Eram exigidos por diversos órgãos fede-rais e estaduais como condição de acesso do município a linhas de financiamento criadas para fomentar grandes obras e renovações administrativas, nos anos 1960. Em princípio, a resposta dos municípios foi simplesmente burocrática.

Nesse sentido, devem ser consideradas algumas mudanças significativas no planejamento pós- -Constituição Federal de 1988 (CF/88). Em primeiro lugar, a obrigatoriedade das gestões agirem de for-ma estruturada em planos, programas, projetos e ações, principalmente no que diz respeito às questões orçamentárias; em segundo lugar, a necessidade de convergência entre os planos e programas dos

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 92: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

90 | Planejamento municipal e plano diretor

diversos entes político-administrativos, como no caso da exigência de se coordenarem as diretrizes ge-rais do desenvolvimento urbano estabelecidas pela União, com as políticas e programas estaduais e com os planos diretores municipais.

Tal obrigatoriedade referente aos processos de planejamento pode ser verificada em várias pas-sagens do próprio texto constitucional como no artigo 21, inciso IX, que determina que compete à União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimen-to econômico e social”, como no artigo 48, inciso IV, que trata das atribuições do Congresso Nacional dispor sobre “planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento” e, entre outros, por fim, no artigo 174, parágrafo primeiro, também da Constituição Federal que determina que “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”.

Como está definido na Constituição, a União, os Estados e os Municípios apresentam papéis dife-rentes, convergentes e integrados na consecução do desenvolvimento, tanto urbano como nas demais áreas do planejamento, de forma que a responsabilidade pelo apontamento norteador das ações parte da esfera federal, mas é assumido nos estados e nos municípios considerando as suas características e peculiaridades.

Planejamento municipalO tema “planejamento municipal” suscita um questionamento referente à forma de condução do

crescimento e desenvolvimento das cidades brasileiras e da orientação destes, buscando verificar em que medida se pode dizer que as cidades brasileiras foram ou não planejadas e sob quais modelos de planejamento.

A demanda referente ao planejamento municipal ressurge no cenário brasileiro, de forma bas-tante objetiva, quando a CF/88 determina que os municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes passam a ser obrigados a elaborar seus planos diretores e que, posteriormente à Carta Constitucional, a Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, veio regulamentar o Capítulo da Política Urbana, estabelecendo com mais precisão os objetivos, o atingimento e os termos em que deveriam ser elabo-rados os novos planejamentos municipais.

Além dessa concretização de planejamentos municipais em planos diretores, principalmente, ou-tros instrumentos foram pensados de forma a compor o rol de previsões dos municípios, como foi o caso das legislações orçamentárias e tributárias e de outros planos com caráter também territorial.

Para atribuir maior importância a esse planejamento, então denominado plano diretor, a lei esta-beleceu que a utilização de determinados instrumentos jurídico-urbanísticos somente poderia ocorrer se constassem do texto desses planos.

Essas novidades não se constituíram em uma revolução para as cidades, porque vários municí-pios, principalmente aqueles considerados de grande porte, já definiam seus planejamentos, ainda que a forma de sua execução e o trato de novas questões tenham sido inseridos nestes planos atuais com novas vestes.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 93: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

91|Planejamento municipal e plano diretor

Ainda assim, é possível verificar algumas mudanças significativas na legislação, que acabou por refletir o período de demandas organizadas pela sociedade civil que antecederam a entrada em vigor do Estatuto da Cidade. Entre estas, três questões podem ser pontuadas.

A primeira diz respeito à mudança de perspectiva e, portanto, de conteúdo dos planos diretores. Assim, planos diretores que se configuravam em mera carta de princípios e diretrizes gerais passam a objetivar questões que possibilitam a efetivação das políticas públicas e a definição de função social da propriedade. Nesse sentido, são definidos parâmetros e limites ao uso dos bens.

O tratamento dos planos diretores das grandes e médias cidades brasileiras busca também, além de tratar do desenvolvimento das cidades, diminuir a desigualdade social instalada por processos con-tínuos de exclusão sócio-territorial.

Nesse sentido, o planejamento das cidades está condicionado a um olhar sobre as mazelas das cidades brasileiras, considerados os padrões adotados nos planejamentos anteriores que acabaram por agudizar ainda mais os problemas socioeconômicos da população brasileira.

As metrópoles brasileiras, no período da década de 1980, constituíram malhas urbanas que ex-trapolaram a linha divisória de seus territórios e adentraram nos municípios limítrofes, legando a estes várias das consequências da urbanização, inclusive, na maioria das situações, atribuindo a estes municí-pios os ônus da urbanização periférica. Como afirma Maricato (2002, p. 25)

É preciso considerar ainda que as periferias das metrópoles cresceram mais do que os núcleos centrais, o que implica em um aumento relativo das regiões pobres. Das 12 regiões metropolitanas, os municípios centrais cresceram em mé-dia 3,1% entre 1991 e 1996 enquanto que os municípios periféricos cresceram 14,7%. Dessas metrópoles, as periferias que mais se expandiram, no período, foram: Belém (157,9%), Curitiba (28,2%), Belo Horizonte (20,9%), Salvador (18,1%) e São Paulo (16,3%). Em algumas metrópoles a diminuição do crescimento dos centros transformou-se em crescimento negativo dos bairros centrais.

Questões como essas ensejaram uma mudança de perspectiva sobre o rumo do planejamento das cidades, assim, o tratamento dos principais aspectos do planejamento das cidades no Brasil pas-sou a considerar o rumo das políticas públicas das outras esferas governamentais, desmistificando dois grandes elementos legitimadores dos planejamentos anteriores, a falsa ideia de neutralidade política e a supremacia tecnicista do planejamento. Ambos os elementos foram, em grande medida, responsáveis pela desarticulação entre a melhoria da qualidade de vida nas cidades e uma proposta de democratiza-ção de acesso aos benefícios da cidade.

As saídas meramente técnicas para as cidades, ao invés de impedirem a degradação da vida urbana nos municípios e em seus entornos e de frearem os processos de exclusão e periferização, acabaram por eleger uma forma de planejamento que era, em regra, excludente. Assim, somente uma parte da população poderia ter acesso aos benefícios da urbanização, o que significa dizer que uma parte considerável da população foi privada do acesso a obras e serviços públicos de qualidade.

Plano diretor no Pós-Constituição Federal de 1988Diante das questões apresentadas é possível verificar que os municípios brasileiros foram em

certa medida planejados, mas que essa forma de planejar não deu conta de questões fundamentais

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 94: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

92 | Planejamento municipal e plano diretor

para o desenvolvimento das cidades. Ainda que as questões econômicas fossem mais complexas e de-pendessem de outros elementos para além do planejamento dos municípios, as escolhas na produção da cidade que foram realizadas acabaram por comprometer, de forma mais aguda e generalizada, a vida nas cidades. As populações de baixa renda foram as que mais sofreram os reflexos desse planejamento, como é possível notar principalmente nas grandes metrópoles brasileiras.

A CF/88 buscou modificar as diretrizes de planejamento das cidades, determinando mais uma vez a realização de planos diretores municipais, mas estabeleceu uma matriz diferente para a realização desses planos. Houve, nesse sentido, uma mudança de perspectiva, o que significou na prática um redi-mensionamento das esferas públicas e coletivas e da esfera individual de ação nas cidades. A dimensão coletiva ganhou relevância com a constatação de que a falta de parâmetros e limites para o uso indivi-dual dos bens acarretou graves problemas às cidades, entre eles um dos mais graves foi a especulação imobiliária.

Entendido nesta nova perspectiva, que busca atender os princípios e os objetivos definidos na Constituição Federal, o plano diretor é um instrumento de planejamento dos municípios, que se caracteriza por tratar, de forma integrada, todas as questões que são relevantes ao desenvolvimento do município e, ao mesmo tempo, ordenar mais detalhada e especificamente a questão territorial.

Meirelles (2006, p. 538) define plano diretor como

[...] o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do muni-cípio, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local. Deve ser a expressão das aspirações dos municípios quanto ao progresso do território municipal no seu conjunto campo/cidade.

Assim, a CF/88 definiu, no capítulo II, que trata da Política Urbana, que o município seria o ente político-administrativo responsável por elaborar o seu planejamento, nos moldes descritos no artigo 182, parágrafo primeiro. “Art. 182. [...] §1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.”

No ano de 2001, o Estatuto da Cidade tratou de forma mais pormenorizada do plano diretor, definindo os princípios gerais que orientam a sua elaboração e fez constar em seu texto uma série de instrumentos jurídico-urbanísticos que possibilitariam a sua efetiva implementação.

Características do plano diretorMuitos autores entendem que o plano diretor forma, em conjunto com a Lei Orgânica, o principal

arcabouço legislativo do município. Nesse sentido, registra Oliveira (2005, p. 129): “A lei mais forte que deve ter o Município, ao lado da Lei Orgânica, é a lei que institui o plano diretor. Ela dirigirá os destinos do Município”.

O autor Meirelles (2006, p. 538) também se manifesta dessa mesma forma concluindo que o pla-no diretor

[...] é o instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada municipalidade, e por isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar toda atividade da Administração e dos administrados nas realizações públicas e particu-lares que interessem ou afetem a coletividade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 95: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

93|Planejamento municipal e plano diretor

Assim, o plano diretor é uma legislação que orienta todas as demais questões nos municípios e, por esse motivo, apresenta relevância material em relação às demais leis, ainda que o processo de aprovação previsto seja equiparado ao de outras legislações de conteúdos vinculados ao plano diretor.

Com vistas às suas características, o plano diretor tem por atribuição orientar o desenvolvimento da cidade e, por esse motivo, prescinde sua elaboração de uma leitura das condições do município, assim como das relações estabelecidas em seu território, das relações travadas entre o município e sua população e os demais municípios de seu entorno e região e, por fim, do município com os demais en-tes federativos – Estado e União.

O plano diretor apresenta, assim, duas características simultâneas que aparentemente são con-traditórias. Por um lado, o plano diretor é rígido no sentido de estabelecer uma série de princípios e diretrizes gerais que não podem ser alterados ou contrariados em seu próprio texto ou nas demais legis-lações correlatas sob pena de não serem consideradas válidas. Nesse caso, qualquer alteração suscitaria novo processo de elaboração da lei, similar ao existente no período de sua elaboração. Por outro lado, o plano diretor deve atuar diretamente sobre as condições estabelecidas em seu território, e, tendo em vista, que a produção das cidades é dinâmica, o plano diretor deve apresentar a capacidade de rearticu-lar seus instrumentos conforme as demandas e novas questões que surgem e que não foram previstas no período de sua elaboração. Tudo isso sem perder de vista seus fundamentos, princípios, objetivos e coerência.

Ainda, é importante consignar que o plano diretor não deve ser confundido com uma lei que trata de projetos executivos, como chama a atenção o autor Meirelles (2006, p. 538-539) “[...] o plano diretor não é um projeto executivo de obras e serviços públicos, mas sim um instrumento norteador dos futuros empreendimentos da Prefeitura, para o racional e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade.”

Isso não significa que o plano diretor não apresente questões e determinações de caráter obje-tivo. O estabelecimento de parâmetros gerais de desenvolvimento, crescimento, uso e ocupação do solo na cidade, assim como a definição das principais políticas públicas e os meios de sua concretização devem estar presentes no texto dos planos diretores.

Elaboração, aprovação e implementaçãoOs planos diretores abarcam questões que são objetos de diferentes disciplinas. Há, nesse sen-

tido, necessidade de se integrar diversos conhecimentos, a fim de se poder melhor ler a realidade dos municípios, de forma contextualizada e integrada e de forma a se propor questões que levem em conta os vários aspectos que conformam a realidade municipal (aspectos econômicos, sociais, territoriais, legislativos, ambientais, culturais etc.).

A elaboração dos planos e, principalmente, a sua sistematização é realizada por órgãos da Prefei-tura Municipal ou por consultorias contratadas pela Administração Pública que trabalham na interlocu-ção com a Prefeitura e sob sua supervisão. Ao final de seu período de elaboração, o plano diretor deverá ser convertido em projeto de lei, e tal projeto deverá ser encaminhado pelo Poder Executivo à Câmara de Vereadores para que esta proceda a sua votação e aprovação.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 96: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

94 | Planejamento municipal e plano diretor

De acordo com Meirelles (2006, p. 540), em virtude da importância desta lei

A aprovação do plano diretor deve ser por lei, e lei com supremacia sobre as demais, para dar preeminência e maior estabilidade às regras e diretrizes do planejamento. Daí porque os municípios podem estabelecer em sua legislação quórum qualificado para a aprovação ou modificação da lei do plano diretor, infundindo, assim, maior segurança e perenidade a essa legislação. Toda cautela que vise resguardar o plano diretor de levianas e impensadas modificações é aconselhável, podendo a própria Câmara estabelecer regimentalmente um procedimento especial, com maior número de discussões ou votação em duas ou mais sessões legislativas, para evitar a aprovação inicial e suas alterações por maiorias ocasionais.

Além disso, as modificações no projeto de lei do plano diretor realizadas pela Câmara devem ser submetidas ao mesmo processo realizado pelo Poder Executivo de participação popular.

A implementação dos planos diretores é de responsabilidade da Administração Pública, mas as determinações dos planos alcançam restrições aos particulares que deverão seguir as determinações do plano, no que concerne ao tratamento de suas propriedades e posses.

Obrigatoriedade de elaboraçãoA Constituição Federal determinou, no parágrafo primeiro do artigo 182, que os municípios com

população superior a vinte mil habitantes deveriam elaborar e aprovar seus planos diretores. Reforçan-do essa previsão e criando novas obrigatoriedades, o Estatuto da Cidade em seu artigo 41 determinou que estão obrigados a fazer seus planos diretores os seguintes municípios:

Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:

I - com mais de vinte mil habitantes;

II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no §4.º do art. 182 da Constituição Federal;

IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico;

V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

No caso dos municípios que estão obrigados a elaborar os planos diretores, e dessa forma não foram realizados, cabe sanção ao administrador público (prefeito municipal) que não enviar à Câmara o projeto de lei em conformidade com o que a legislação federal determinar, e uma vez encaminhado o projeto à Câmara e se este não for aprovado no tempo e na forma estabelecida em lei também caberá sanção aos vereadores, conforme afirma Meirelles (2006, p. 542)

[...] o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001) acarreta a responsabilidade do prefeito por improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429, de 2.6.1992, sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, se impedir ou deixar de garantir os requisitos relativos à gestão democrática e à transparência da fiscalização e implementação do plano diretor, bem como se não aprovar o plano diretor no prazo de cinco anos ou, para os municípios que já o tiverem, se não fizer revisar a lei instituidora do plano diretor a cada 10 anos [...]

Assim, o legislador buscou garantir o planejamento municipal, mas embasado nas questões referidas no Estatuto da Cidade. Aqueles municípios que não estão obrigados a realizar seus planos diretores podem, se assim entenderem, também elaborar e aprovar seus planos.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 97: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

95|Planejamento municipal e plano diretor

Conteúdos do plano diretorO conteúdo do plano diretor passa pelo cumprimento de duas funções: estabelecer as diretrizes

gerais, consubstanciada em princípios, fundamentos e objetivos do desenvolvimento dos municípios e determinar instrumentos para que a função social da cidade e da propriedade seja cumprida de forma bastante objetiva.

O plano diretor trata, sem prejuízo de outras questões, principalmente, da política de desenvolvi-mento urbano do município, devendo estabelecer diretrizes que possam ser objetivamente observadas pela população.

Seu principal papel é o de determinar o conteúdo da função social da cidade como estabelece a CF/88, em seu artigo 182, conforme segue:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

De forma mais detalhada, o Estatuto da Cidade, em seu artigo 42, determina os conteúdos míni-mos que devem estar presentes nas legislações referentes ao plano diretor:

Art. 42. O Plano Diretor deve conter no mínimo:

I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5.º desta Lei;

II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;

III - sistema de acompanhamento e controle.

Os artigos referidos no inciso II, do artigo 42, determinam que os planos diretores deverão definir no mínimo os parâmetros, localização e forma de utilização dos instrumentos referentes ao direito de preempção, da outorga onerosa do direito de construir, das operações urbanas consorciadas e da trans-ferência do direito de construir.

Como lembra Saule Junior (2002, p. 99), sobre as cidades com mais de 500 mil habitantes no que diz respeito ao transporte urbano.

O município neste caso em decorrência da obrigatoriedade pode instituir um plano de transporte urbano próprio me-diante uma lei municipal específica ou pode estabelecer o plano como uma parte integrante do plano diretor.

[...]

O critério da densidade populacional que gera a obrigatoriedade do plano de transporte urbano integrado, deve ser aplicado para gerar a obrigatoriedade do transporte urbano ser tratado de forma articulada e integradas pelos Municí-pios agrupados nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas em seus planos diretores.

Todas essas questões demonstram uma preocupação do legislador com os temas referentes à dimensão coletiva das cidades e significarão, em regra, a submissão da propriedade privada e pública a uma determinação do cumprimento de sua função social, no sentido de fazer valer a cidadania, a digni-dade da pessoa humana (art. 1.º, CF/88) e de propiciar a construção de uma sociedade livre e, ao mesmo tempo, mais justa e solidária, com vistas à erradicação da pobreza e à redução drástica das desigualda-des econômicas e sociais, conforme determina o artigo 3.º da Constituição Federal.

A função social da cidade será realizada quando toda a população tiver acesso aos benefícios da ur-banização, ou seja, quando os serviços públicos estiverem à disposição da população de forma equitativa.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 98: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

96 | Planejamento municipal e plano diretor

O complexo de direitos que conforma o direito à cidade está relacionado à observação simultânea dos direitos à moradia, ao saneamento básico, à água tratada, à energia elétrica, ao transporte público, a espaços verdes e a espaços de lazer, aos equipamentos públicos de saúde e de educação, entre outros.

É importante ressaltar que para além das questões urbanas, os municípios também devem tratar da área rural, tendo em vista que não há como se falar em planejamento se houver tratamento fragmen-tado entre as áreas urbana e rural.

O plano diretor poderá estabelecer regras de desenvolvimento para a área rural, desde que isso se configure como seu interesse local, conforme o próprio Estatuto da Cidade estabelece em seu artigo 2.º, que determina

Art. 2.º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da proprie-dade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

VII - integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioe-conômico do Município e do território sob sua área de influência;

[...]

O município pode estabelecer regra mais rígida sobre o uso e a ocupação da área rural, principal-mente quando estas forem fundamentais para a manutenção das áreas urbanas, como é o caso das áreas de preservação de mananciais, no que concerne também aos equipamentos públicos e às atividades que possam significar risco à população urbana e rural do município ou considerável impacto ambiental.

Ainda, a elaboração dos conteúdos do plano diretor deve levar em consideração o orçamento mu-nicipal, conforme determina o parágrafo primeiro do artigo 40 do Estatuto da Cidade que estabelece:

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

§1.º O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretri-zes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e prioridades nele contidas.

O plano diretor indica, portanto, à legislação orçamentária, as prioridades definidas nas políticas públicas inseridas em seu texto.

Por fim, o Estatuto da Cidade, no inciso II, do seu artigo 2.º, determinou que a construção do con-teúdo das políticas e das estratégias de implementação do plano diretor devem ser discutidas com a população.

Há, a partir da entrada em vigor desta lei, uma mudança significativa na forma de tratar a política pública e a construção legislativa nos municípios. Mais do que mera apresentação de decisões à popu-lação, o planejamento participativo abre espaço para que a população compartilhe a responsabilidade e tenha garantido o direito de se manifestar sobre as grandes questões de sua cidade.

Legislações urbanísticasEm conjunto com a elaboração do plano diretor, os municípios normalmente revisam ou iniciam

a elaboração de suas legislações urbanísticas que complementam o plano diretor e que dão a ele maior efetividade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 99: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

97|Planejamento municipal e plano diretor

Para tanto há um processo de decisão sobre o estabelecimento do perímetro urbano dos municí-pios, conformado na lei que leva o mesmo nome, Lei do Perímetro Urbano.

Ainda são de absoluta relevância as leis que tratam de forma bem específica do uso e da ocupa-ção do solo, também denominadas leis de zoneamento, a lei de parcelamento do solo, que trata das formas de divisão do solo urbano municipal, a lei de sistema viário, os códigos de obras e de posturas.

Outras legislações como os códigos ambientais e os códigos tributários também interferem de forma direta na implementação das políticas públicas municipais. No caso da legislação ambiental, mui-tas vezes o Poder Executivo opta por tratar a matéria no corpo do próprio texto da lei do plano diretor.

Outra possibilidade é a de o plano diretor abarcar todas estas legislações em um corpo único legislativo, nesses casos os municípios denominam essa lei como Código Urbanístico Municipal e reser-vam a primeira parte às disposições do plano diretor, determinando a prevalência de sua matéria sobre as demais, no sentido de que esta orienta a coerência a ser empreendida na definição de parâmetros e na aplicação dos instrumentos.

Texto complementar

Planejamento municipal(VARGAS DE FARIA, 2006)

O que é planejamento?Em uma passagem clássica da fábula de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, ao encontrar

o Gato, Alice pergunta: “O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho devo tomar para sair daqui?” O Gato responde: “Isso depende muito de para onde você quer ir”. Alice retruca: “Não me importo muito para onde...” e o Gato prontamente afirma: “Então não importa o caminho que você escolha”. O dilema de Alice é o mesmo dilema do planejamento: qual o caminho se deve tomar? Para responder a esta questão é necessário, antes de tudo, saber aonde se quer chegar.

Dessa forma, planejar é estabelecer um processo racional de definição de objetivos (fins) de-terminando: (i) formas, ações e instrumentos (meios) e (ii) modos de organização (métodos) para atingi-los de forma eficiente e eficaz. Nesse processo não se pode admitir qualquer meio para atin-gir os fins estabelecidos. Todo o planejamento municipal deve constituir-se a partir de uma práxis que permita viabilizar as transformações necessárias, ou seja, um de seus fundamentos é e está na transformação da realidade.

Em outras palavras, o que se quer dizer é que o agente público não pode realizar qualquer ação e nem usar qualquer meio para atingir os fins estabelecidos. Ou seja, os fins não justificam os meios, pois o ato de planejar está delimitado por uma ética que contém: 1) os princípios de uma sociedade desejada, 2) as explicações (teoria) sobre o funcionamento desta sociedade e 3) um projeto de sociedade (DUSSEL, 2002).

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 100: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

98 | Planejamento municipal e plano diretor

Tipos e teorias de planejamentoAo administrador público cabe ainda reconhecer as diferenças entre metodologias e teorias de

maneira que sua opção seja consciente em relação a tal ou qual forma de condução e execução do planejamento. De acordo com Danilo Gandin (1994), existem pelo menos três grandes linhas que caracterizam essas metodologias e teorias:

O gerenciamento da qualidade total: tem um caráter eminentemente conservador, pois ::::não pretende uma transformação do atual estado de coisas. Via de regra é extremante téc-nico, ou seja, trata apenas dos “melhores meios” ou dos meios mais eficientes para alcançar metas preestabelecidas. Os fins desejados não são definidos na esfera do planejamento, mas apenas as ações a serem desenvolvidas, pois se entende o planejamento como uma atividade “técnica” e não “política”.

O planejamento estratégico: ao contrário do anterior, as definições políticas sobre os fins ::::desejados fazem parte do planejamento, porém, são estabelecidas pela “Direção”, ou seja, pelo grupo político que detém o poder de definição. Os conflitos e contradições internas são desconsiderados ou reprimidos para efeito do direcionamento político da instituição que planeja. Quando admite a participação, restringe-se às decisões operacionais ou aos aspectos executivos. [...]

O planejamento participativo: nesse caso a participação não se restringe à execução, mas ::::à definição de prioridades segundo as demandas percebidas por todos os segmentos da população. Esta participação ocorre na definição de objetivos compartilhados pelos su-jeitos sociais envolvidos e na leitura da realidade existente de modo que todos possam conhecer os diferentes aspectos da sociedade em que vivem e escolher os melhores meios de ação. Requer, por isso, a criação de espaços e oportunidades de diálogo que garantam: (i) que os diferentes segmentos sociais tenham real condição de defesa dos seus interesses específicos e (ii) que todos os participantes se comprometam com o processo estabelecido sendo corresponsáveis sobre suas definições e resultados. Finalmente, cabe ressaltar que ao entender o planejamento como um processo, é necessário definir também as formas democráticas de avaliação e monitoramento do plano, como conselhos municipais, audi-ências, consultas e conferências públicas.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 101: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

99|Planejamento municipal e plano diretor

Atividades1. Explique o significado da expressão definida na Constituição Federal de 1988 como “direito à

cidade”.

2. É obrigatória a elaboração de planos de transporte integrado, para os municípios que:

a) fazem parte de aglomerações urbanas.

b) tem população maior de 500 mil habitantes.

c) apresentam problemas no sistema viário.

d) não têm ciclovias e demais vias alternativas para pedestres.

3. A partir de que momento se dá início aos processos de planejamento municipal no Brasil e quais são as suas características?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 102: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

100 | Planejamento municipal e plano diretor

Gabarito1. A expressão direito à cidade significa o olhar coletivo sobre as questões da cidade. Assim, todos

devem ter direito a usufruir dos benefícios do processo de urbanização e a cidade deve oferecer qualidade de vida aos seus habitantes. Assim, são considerados direitos à cidade os direitos à moradia, ao saneamento, ao lazer, à cultura, ao transporte público etc.

2. B

3. O processo de planejamento municipal tem início no Brasil no final do século XIX, e se caracteriza por tratar de questões mais específicas da cidade, como o sistema viário ou a moradia. Ainda, apresentou um perfil bastante excludente e higienista.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 103: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Propriedade e posse

Breves apontamentos históricos sobre a posse e a propriedade no Brasil

Um dos grandes pilares do Direito Moderno é o direito de propriedade. E o direito brasileiro as-sumiu em sua legislação, principalmente a partir da Lei de Terras de 1850, o compromisso de regular a validade e a legitimidade da apropriação dos bens, a partir dessa categoria abstrata e socialmente construída que é a propriedade.

Dessa forma, houve uma mudança de valores: a apropriação dos bens não era mais legitimada pela necessidade de utilização, ou seja, pela posse do bem, mas por uma titulação reconhecida por um determinado estado de direito. A partir daí, as regras criadas pelo Direito brasileiro favoreciam o reco-nhecimento de títulos de propriedade para aqueles que mantinham relações estreitas com a Coroa e, posteriormente, também com as oligarquias1 locais e nacionais.

Assim, é importante lembrar que a história da apropriação de terras no Brasil iniciou com a espo-liação da colonização, de um território que foi obtido violentamente, à custa da morte e da completa extinção de muitos dos povos que aqui habitavam. Para, além disso, a forma de divisão do território pela Coroa Portuguesa, em capitanias hereditárias, sesmarias e enfiteuses colaborou para a concentração das terras nas mãos de poucas pessoas, o que acabou por gerar um problema histórico de concentração fundiária no Brasil.

Aliada à questão do reconhecimento das terras pelo Estado brasileiro há poucos proprietários, considerando-se o tamanho da população – ou seja, posseiros, migrantes, população indígena e a po-pulação negra – a manutenção da mesma, tendo em vista as suas dimensões, foi possibilitada pelo modelo de regulação do trabalho adotado no Brasil. Assim, o trabalho escravo e a falta completa de regulação sobre as demais formas de trabalho da época da Colônia e, posteriormente do período do Império, propiciaram a manutenção da concentração de terras e acumulação de bens, tendo em vista que o acesso aos bens era absolutamente restrito a uma pequena camada da população.

1 Preponderância de um pequeno grupo no poder, esp. para praticar corrupção e governar em interesse próprio.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 104: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

102 | Propriedade e posse

Posteriormente, ainda que tenha havido a abolição da escravatura, é importante lembrar que esta não foi acompanhada, novamente, da distribuição de bens, ou seja, um enorme contingente da população brasileira ficou mais uma vez desamparado, no que diz respeito ao direito de se adquirir bens considerados essenciais à manutenção de vida. Isso vai gerar consequências do ponto de vista social e econômico até os dias atuais.

Ainda que o instituto da usucapião já existisse para possibilitar a aquisição de terras por possuido-res que desde muito tempo estivessem utilizando determinados bens como se proprietários fossem, a regra não era a utilização desse instituto jurídico. Também é importante lembrar que o Poder Judiciário era vinculado às oligarquias rurais, o que não propiciava, necessariamente, julgamentos isentos.

Todas essas questões são importantes para se compreender que a aquisição e manutenção de grandes extensões de terras no Brasil não se deu à custa nem da ocupação de um território sem popu-lação, como também não apresentou como causa o esforço dos proprietários no sentido da sua própria labuta para a aquisição e manutenção dos bens, ou seja, a acumulação de bens ocorreu porque houve trabalho, mas entenda-se esse trabalho como exploração de trabalho alheio, escravo ou migrante, que em regra se dava em condições precárias.

No final do século XIX, início do século XX, inicia-se uma outra fase no direito brasileiro, ainda que as marcas da antiga regulação permaneçam presentes, há uma construção jurídica abundante do direito privado, que marcará os desígnios da propriedade privada no Brasil.

Na fase de elaboração do Código Civil de 1916, foram propostos alguns projetos que contempla-vam questões sociais, mas não houve acolhimento de tais propostas, como afirma Gomes (2003, p. 34):

Assim o exame da análise dos legisladores durante o período de elaboração do Código Civil revela que, a despeito de manifestações entusiásticas do movimento de renovação do direito, iniciado no fim do século, a submissão aos princí-pios vigentes durante a fase de apogeu do liberalismo foi atitude firmemente mantida pelos codificadores.

A ideia era a de promover a estrutura produtiva no rumo do sistema capitalista. Para isso, era necessário retirar todas as possibilidades de entrave à livre-iniciativa, principalmente aquelas que de alguma forma visassem à proteção dos trabalhadores.

Assim, apesar da importância do Código Civil para a substituição das legislações existentes à época, este foi pouco representativo de mudanças para a maioria da população brasileira. Como descreve Wolkmer (1998, p. 89),

[...] em que pesem seus reconhecidos méritos de rigor metodológico, sistematização técnico-formal e avanços sobre a obsoleta legislação portuguesa anterior, era avesso às grandes inovações sociais que já se infiltravam na legislação dos países mais avançados do Ocidente, refletindo a mentalidade patriarcal, individualista e machista de uma sociedade agrária preconceituosa, presa aos interesses dos grandes fazendeiros de café, dos proprietários de terra e de uma ga-nanciosa burguesia mercantil.

Ocorrendo, dessa forma, que relativamente aos interesses da elite, o Código Civil de 1916, propi-ciou a cristalização de algumas mudanças que foram transformadas em institutos jurídicos.

Também como afirma Gomes (2003, p. 22), devido a essa contenção, o Código Civil, sem embargo de ter aproveitado frutos da experiência jurídica de outros povos, não se liberta daquela preocupação com o círculo social da família, que o distingue, incorporando à disciplina das instituições básicas, como a propriedade, a família, a herança e a produção (contrato de trabalho), a filosofia e os sentimentos da classe senhorial. Suas concepções a respeito dessas instituições transfundem-se tranquilamente no Código. Não obstante, desenvolveu-se, à larga, a propensão da elite letrada para elaborar um Código Civil à sua ima-gem e semelhança, isto é, de acordo com a representação que, no seu idealismo, fazia da sociedade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 105: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

103|Propriedade e posse

Além da legislação, a elite dominante ainda podia contar com o trabalho do “bacharelismo”.

Assim, Wolkmer (1998, p. 99) lembra que é preciso reconhecer que o bacharelismo, não obstante originar-se de camadas sociais com interesses heterogêneos, pois expressava intentos agrários e ur-banos, que se faziam presentes nas poucas universidades existentes no Brasil, favorecia, igualmente, uma formação liberal-conservadora que primava pela autonomia da ação individual sobre a ação co-letiva. Não menos verdade, o bacharelismo nascido de uma estrutura agrário-escravista se havia proje-tado como o melhor corpo profissional preparado para sustentar setores da administração política, do Judiciário e Legislativo, viabilizando as alianças entre segmentos diversos e a mediação “entre interes-ses privados e interesses públicos, entre o estamento patrimonial e os grupos sociais locais”.

Alguma mudança no cenário desse perfil liberal-conservador, adotado tanto nas legislações como na postura do corpo jurídico-político, distante das condições concretas da população e represen-tativo apenas dos interesses das elites dominantes agrárias e urbanas, somente surgiu na Constituição de 1934, que de forma ainda tímida, admitiu uma parte mínima das reivindicações populares da épo-ca, como o voto feminino e a referência a alguns direitos econômicos e sociais. A incorporação de tais medidas foi resultado também da influência das mudanças políticas internacionais, que resultaram na Constituição Mexicana e de Weimar.

A partir daí, a legislação brasileira sofre uma série de mudanças de acordo com os cenários políticos diferenciados que a determinam. Em 1937, a Constituição institui o autoritarismo, em 1946 é restabelecida a democracia formal representativa, em 1967 e 1969 restaura-se a centralização do poder. Nesse sentido, afirma Wolkmer (1998, p. 114):

As diretrizes que alimentam o Direito Público, na década de 60, foram geradas pelas cartas constitucionais centrali-zadoras, arbitrárias e antidemocráticas (1967 e 1969), cuja particularidade foi reproduzir a aliança conservadora da burguesia agrária/industrial com parcelas emergentes de uma tecnoburocracia civil e militar.

Verificadas as questões definidoras do direito moderno, pode-se dizer que o direito brasileiro re-fletiu e condicionou a sua prática econômica, social e política. E que este mesmo direito serviu desde a colonização como instrumento realizador e legitimador dos interesses das classes dominantes. Desde a clássica formação da classe latifundiária até a mais recente formação da burguesia industrial.

Novo perfil do direito de propriedade a partir da Constituição Federal de 1988

Todas as questões apresentadas moldaram o perfil socioeconômico e jurídico da ocupação do território brasileiro e das condições dessa ocupação. Assim, em 1988, a pressão popular, sobre uma mu-dança significativa de parâmetros para a titulação e ocupação da terra, foi determinante para a mudan-ça de orientação do direito brasileiro e da interpretação de toda a sua legislação infraconstitucional.

Assim, não havia mais como manter o padrão de apropriação dos bens definidos nos moldes anteriores de conceituação do direito de propriedade. Aquele proprietário que mantinha um direito, representado em um superpoder absoluto, eternizado, inquestionável de decisão sobre a utilização ou não de suas propriedades, assim como a definição sobre o tipo de exploração do bem, fosse essa irra-cional ou não, tanto do ponto de vista da acumulação como de seu próprio uso, foram afastados pela

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 106: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

104 | Propriedade e posse

Constituição, que transformou um direito-poder em um direito tutelado a partir da observação de um dever.

Ganhou a propriedade, pública ou privada, uma dimensão coletiva, o que significa dizer que se compreendeu que a utilização, a não utilização ou a má utilização dos bens têm em regra uma repercus-são que excede os limites da propriedade. Os ônus da utilização ou não utilização de um determinado bem vinham sendo, ao longo da história brasileira, absorvidos por toda a coletividade, enquanto os benefícios eram apropriados individualmente.

Esses ônus estão presentes de forma absolutamente visível nas grandes cidades brasileiras. Os fenômenos da favelização, dos danos ambientais, do caos viário e de transporte público, da água, entre tantos outros, estão relacionados à forma como se entendeu o direito proprietário até então.

Além disso, a clareza de que uma grande parte da população não acessaria, em curto prazo, o direito de propriedade, pela condição material imposta por um histórico de apropriação e não apropria-ção de bens demonstrou que seria necessário modificar consideravelmente a leitura sobre o direito de propriedade e mais ainda sobre as estruturas valorativas do direito.

É nesse contexto, de pressão popular, de grande visibilidade das mazelas do modelo adotado, de óbvia desigualdade social que se constrói o texto constitucional de 1988. Esse texto vai eleger o prin-cípio da dignidade humana como norteador da leitura de todo o direito brasileiro, fundamentado no direito à vida e nas possibilidades de sua manutenção.

Esse momento se apresenta como uma mudança do cenário patrimonialista que até então domina-va toda a leitura do direito para uma ideia de repersonalização. Ou seja, a base do direito não se fundaria mais na tutela do patrimônio de sujeitos de direito que assim se qualificavam em uma alusão genérica, para passar a tratar das pessoas e da manutenção de suas vidas de forma bastante concreta e coexistencial.

Nesse sentido afirma Fachin (2001, p. 49):

A pessoa, e não o patrimônio é o centro do sistema jurídico, de modo que se possibilite a mais ampla tutela da pessoa, em uma perspectiva solidarista que se afasta do individualismo que condena o homem à abstração.

Nessa esteira, não há, pois, direito subjetivo arbitrário, mas sempre limitado pela dimensão coexistencial do ser humano. O patrimônio, [...] não só deixa de ser o centro do Direito, mas também a propriedade sobre os bens é funcionalizada ao homem, em sua dimensão coexistencial.

Assim, é possível concluir que: a tutela da pessoa supera a concepção da tutela do patrimônio; que o direito deve ser entendido em uma dimensão coexistencial, portanto, as questões que perpassam o direito patrimonial afetam de forma geral a coletividade. E, por fim, na perspectiva adotada a partir da Constituição Federal de 1988, a tutela patrimonial estará relacionada com a concretude de sua fun-cionalização.

A função da propriedade na Constituição Federal de 1988Uma vez definidos os fundamentos, os princípios e os objetivos da República, a Constituição Fe-

deral de 1988 fez constar em vários momentos o tratamento que deveria ser dado ao direito de proprie-dade. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que assegura esse direito tal como expõe em seu artigo 5.º, define que a tutela desse direito está adstrita à realização de sua função social.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 107: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

105|Propriedade e posse

Assim, vejamos algumas passagens da Constituição Federal que tratam dessa questão de forma explícita:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estran-geiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]

Posteriormente, é possível verificar a mesma consideração no capítulo da Constituição Federal de 1988 que trata da ordem econômica, que determina:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

Ainda, no decorrer da Constituição é possível verificar em várias passagens a determinação sobre o cumprimento da função social, quer no capítulo que trata da Política Urbana, que define que o plano diretor será o instrumento adequado a definir o cumprimento da função social da propriedade urbana, no §2.º, do artigo 182 que determina: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. E no capítulo que trata da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária que define:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Além dessas passagens no Texto Constitucional, existe uma série de outros momentos em que a Constituição faz referência à função social, quando trata, por exemplo, da questão ambiental, dos direitos sociais, mais especificamente quando se refere ao direito à moradia, quando trata do patrimônio cultural, dos índios e dos quilombolas.

A funcionalização no Código CivilAinda que o Código Civil de 2002 tenha mantido, em grande medida, a estrutura do Código Civil

anterior, de 1916, este seguiu as premissas expostas na Constituição Federal, no que diz respeito às pos-sibilidade de sua interpretação com vistas ao cumprimento da função social da propriedade.

Nesse sentido, o Código define em seu artigo 1.228 que

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 108: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

106 | Propriedade e posse

§1.º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§2.º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

Assim, o Código Civil confirma as premissas constitucionais e passa a ser lido a partir da Constitui-ção Federal. Conforme afirma Fachin (2004, p. 5):

Sobreleva verificar tal sentido ao alcance de hermenêutica crítica e construtiva à luz dos postulados do Direito Civil contemporâneo. Do código patrimonial imobiliário rumou-se para a “repersonalização” das relações jurídico-civis. Essa travessia em curso, apanhando como marco histórico a Constituição Federal de 1988, recolhe a contribuição doutriná-ria crítica que funda as bases do Direito Civil contemporâneo e ancora-se num ponto de partida que não se esgota no direito posto. Alça voo na centralização da temática jurídica em torno da pessoa. Enfrenta, ainda, as turbulências que flutuam na interseção do Código e da Constituição, e capta, por aí mesmo, o desenho dos espaços público e privado, iluminando, nesse cenário, a “funcionalização” das titularidades.

Com vistas à concretização da função social da propriedade e do princípio da dignidade da pessoa humana, como visto, o Código de 2002 refunda institutos jurídicos já expostos no Código Civil (1916) anterior, mas com uma nova interação com a novel ordem jurídica imposta pela Constituição; é o caso, por exemplo, do instituto da usucapião, que é retomado pelo Novo Código, mas atendendo a realidade exposta no contexto atual, de diminuição dos prazos para o reconhecimento da propriedade, com base na posse continuada dos possuidores.

Outras novidades trazidas pelo Novo Código Civil estão relacionadas com o surgimento de novos institutos, até então não constantes em outras legislações brasileiras e que também estão direcionadas a garantir a segurança jurídica da posse de moradores que se comportem como legítimos possuidores, em uma figura muito próxima a do direito de propriedade, como é o caso dos parágrafos 4.º e 5.º do arti-go 1.228 do Código Civil que determina

§4.º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse inin-terrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§5.º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

De acordo com a situação apresentada, o juiz poderá determinar a venda compulsória do imóvel, tendo em vista resguardar o melhor direito em consonância com o cumprimento da função social da propriedade.

Outra possibilidade exposta no Código Civil foi o surgimento do instituto do abandono, que pos-sibilita ao Poder Público arrecadar os bens que não tenham função no município em virtude da renún-cia tácita do proprietário constante da matrícula do imóvel.

A forma como se define o instituto está exposta no artigo 1.176 do Código Civil, conforme segue:

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à pro-priedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§1.º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§2.º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 109: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

107|Propriedade e posse

Assim, o Novo Código Civil estabeleceu a mudança em institutos já utilizados de forma a adequá-los no novo contexto e a partir da própria ressignificação do direito civil, com base no Texto Constitucional e criou novos institutos jurídicos que permitam a efetivação do direito de propriedade a partir de critérios objetivos que possibilitem a sua implementação.

A posse no Código CivilO instituto da posse mantém a estrutura definida no Código Civil anterior, mas apresenta algumas

mudanças do ponto de vista de sua revalorização, ainda que o Novo Código demonstre que a leitura do instituto da posse continue a estar vinculado ao que se estabelece para o direito de propriedade.

Tal afirmativa é possível de ser verificada a partir da leitura do conceito de posse estabelecida no artigo 1.196 do Código Civil, conforme segue:

“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes ine-rentes à propriedade.”

Assim, é considerado possuidor aquele que, em nome próprio dispõe, utiliza ou frui o bem. Diferentemente dessa situação, é aquela definida para os detentores, que são pessoas que aparen-tam ser proprietários, mas não dispõem dos mesmos atributos porque a utilização do bem por tais pessoas decorre de direito alheio sobre o bem.

Como demonstra Gomes (2004, p. 47):

Embora se conceda a posse àquele que, por força de obrigação ou direito, detém temporariamente a coisa, alguns há que se encontram nessa situação e, sem embargo disso, não são considerados possuidores. Tais os que estão em situação de dependência para com outrem. Entende-se, que, nesses casos, os que detêm a coisa conservam a posse em nome dos que a entregaram. São, portanto, detentores, razão por que lhes não assiste o direito de invocar a proteção possessória.

Como se pode verificar, a diferença principal entre a condição reservada aos possuidores e aquela deferida aos detentores é que somente aos primeiros é possível entrar com as ações possessórias, lem-brando que estas são consideradas um dos principais efeitos da posse.

Entre os efeitos da posse, pode-se dizer que além dos frutos e benfeitorias que podem ser reali-zados e aproveitados em conjunto com a posse, os meios de defesa aparecem como uma das questões mais importantes. Assim, diante de qualquer ameaça de perda da posse, o possuidor, seja ele proprie-tário ou não, poderá invocar a sua proteção possessória, incluindo a possibilidade do possuidor utilizar a proteção possessória contra o proprietário naqueles casos em que este ameaça a retirada do possui-dor da posse que vem utilizando.

As ações possessórias são as seguintes: a reintegração de posse, nos casos em que houver esbulho, ou seja, perda do bem; manutenção de posse, nos casos em que a posse for turbada, o que significa dizer, dificultado o seu uso pelo possuidor e, por fim; o interdito proibitório, que diante de fundada ameaça de se perder a posse, aquele que for seu possuidor poderá entrar com uma medida preventiva para que esta não se perca. No caso do interdito proibitório, é necessário que se comprove ameaça iminente e concreta.

O modo de aquisição da posse está expresso no artigo 1.204 do Código Civil que determina:

“Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.”

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 110: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

108 | Propriedade e posse

A perda da posse ocorre a partir do momento em que o possuidor perde o poder sobre o bem, ainda que tal situação ocorra sem que haja concorrência da vontade do possuidor para que tal situação ocorra.

Por fim, sobre a posse, é importante lembrar que ela pode ser compartilhada por mais de um possuidor e, nesse caso, temos o instituto da composse que regula tal situação.

Aquisição e perda da propriedadeA aquisição da propriedade pode ser originária ou derivada. Será originária quando não houver

transmissão de um proprietário a outro, como é o caso da usucapião e da acessão e será derivada sem-pre que houver transmissão, por exemplo, na transcrição e na sucessão hereditária. Nas palavras de Diniz (2007, p. 128):

Tem-se a aquisição originária quando o indivíduo faz seu o bem sem que este lhe tenha sido transmitido por alguém, não havendo qualquer relação entre o domínio atual e o anterior [...].

Diz-se derivada a aquisição quando houver transmissibilidade de domínio, por ato causa mortis ou inter vivos.

A forma de aquisição da propriedade que resulta de negócio jurídico como a compra e venda, a doação, a troca, a dação em pagamento denomina-se transcrição. Nesses casos, o meio de se transmitir a propriedade não será o negócio jurídico em si. Nesses casos, o legislador determina que o reconheci-mento da transmissão se dará somente com a transcrição do imóvel no Registro Imobiliário, conforme preceitua o artigo 1.245 do Código Civil

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§1.º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§2.º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cance-lamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

Nesse caso a lei que regulará o funcionamento do Registro de Imóveis, de forma inclusive a es-tabelecer os requisitos e os principais elementos que conformam a questão registral, inclusive com os seus princípios, é a Lei 6.015/73.

Sendo considerados como princípios do registro imobiliário a publicidade, como manifestação visível para terceiros, a legalidade, a fé pública, a continuidade, a obrigatoriedade, a historicidade, pois o registro também tem como objetivo o registro histórico dos imóveis.

Quanto às formas de perda da propriedade, é possível identificar aquelas relativas à transmissão do imóvel, as relacionadas às desapropriações e aquelas que implicadas pelo descumprimento da fun-ção social, quer seja o abandono, a desapropriação ou o instituto dos parágrafos 4.º e 5.º do artigo 1.128 do Código Civil, deram ensejo a sua perda.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 111: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

109|Propriedade e posse

Texto complementar

A função social da terra(MARÉS, 2003)

Para combinar com os compromissos de eliminar desigualdades sociais e regionais, a Consti-tuição não poderia repetir a velha propriedade privada do Código de Napoleão, absoluta e acima de todos os outros direitos. A propriedade privada teria que ser desenhada como uma consequência dos novos direitos coletivos à vida, ao fim das desigualdades e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, introduzindo nela uma razão humana de existência, vinculando-a em todos os lugares que a reconheçam como direito à função social, especialmente em relação à terra. É tão insistente a Constituição que se pode dizer, fazendo eco ao professor colombiano Guilhermo Benavides Melo, que no Brasil pós-1988 a propriedade que não cumpre sua função social não está protegida, ou sim-plesmente, propriedade não é. Na realidade quem cumpre uma função social não é a propriedade, que é um conceito, uma abstração, mas a terra, mesmo quando não alterada antropicamente, e a ação humana ao intervir na terra, independentemente do título de propriedade que o Direito ou o Estado lhe outorgue. Por isso, a função social é relativa ao bem e ao seu uso, e não ao direito. A des-função ou violação se dá quando há um uso humano, seja pelo proprietário legitimado pelo sistema, seja por ocupante não legitimado.

[...]

Uma terra cujo uso cumpre estas determinações estará enquadrada dentro de limites favore-cedores da vida humana integrada à biodiversidade. Em um sistema que tem a propriedade privada como sustentáculo, esta qualificação deve ser considerada avançada, porque faz prevalecer a con-dição à propriedade, à vida, ao direito individual.

Atividades1. Em que momento da história do direito brasileiro a propriedade assume uma dimensão

coletiva?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 112: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

110 | Propriedade e posse

2. A diferença entre o possuidor e o detentor é que este não pode:

a) usar ou fruir o bem.

b) entrar com ações possessórias.

c) utilizar o bem como se seu fosse.

d) administrar o bem.

3. Quais são as características que o novo direito civil brasileiro assume?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 113: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

111|Propriedade e posse

Gabarito1. As mudanças no direito ocorrem principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, e

seguem com o Estatuto da Cidade e com alguns apontamentos no Novo Código Civil.

2. B

3. O direito é repersonalizado, assume uma dimensão coletiva, ocorre a funcionalização do direito de propriedade e a valorização da posse.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 114: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

112 | Propriedade e posse

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 115: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Uso, ocupação e parcelamento do solo

Legislação territorialUm dos temas mais caros ao direito urbanístico é a definição do uso dos bens. Ainda que houvesse al-

gumas regras, principalmente para os grandes municípios, até a Constituição Federal de 1988 (CF/88), quem definia que tipo de utilização daria aos bens era o próprio particular titular do direito de propriedade.

Mais recentemente, em virtude das consequências que essa autonomia causou, em relação às condições na cidade, atribuiu-se ao município a responsabilidade pela elaboração de seu planejamento e de sua ordenação territorial.

O plano diretor foi definido como o instrumento hábil a sistematizar o conjunto de políticas públi-cas municipais eleitas como prioritárias e de estabelecer as diretrizes básicas do ordenamento territorial. Assim, o plano diretor tem por escopo, entre outras questões, definir de forma objetiva os parâmetros gerais de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano, de forma a atender a sua principal finalidade que é a de possibilitar a objetivação e a efetivação das funções sociais da cidade e da propriedade.

A característica que permeou a elaboração dos planos diretores no período anterior ao da Constituição de 1988, foi a de se definir uma carta de princípios e diretrizes gerais que somente vi-riam a se concretizar nas legislações complementares a este, no caso, as leis de zoneamento ou uso e ocupação do solo e de parcelamento do solo.

Tais legislações não mantinham, necessariamente, coerência com a lei do plano diretor, e pelo caráter dinâmico da construção e organização das cidades, eram modificadas pontualmente, conforme os interesses particularistas que se apresentavam em cada período da história do município. Fosse o interesse dos grandes proprietários de áreas urbanas ou o entendimento dos técnicos do próprio Poder Público Municipal, a legislação territorial não foi, em regra, no Brasil, acompanhada da tentativa de se construir uma cidade para toda a população.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 116: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

114 | Uso, ocupação e parcelamento do solo

Assim, a marca das legislações territoriais brasileiras foi a da segregação espacial, com espaços bem definidos de ocupação das classes sociais. Às classes mais abastadas, a legislação territorial reser-vou as melhores áreas, mais infraestruturadas, mais próximas dos centros, do transporte, com melhor sistema viário etc. Enquanto que para as classes com renda mais baixa restou a distância, o tempo de deslocamento, a precariedade das ruas e da infraestrutura.

Buscando alterar esse cenário, os novos planos diretores foram pensados a partir da lógica es-tabelecida pela legislação federal – Estatuto da Cidade, que é o de trazer para dentro da mesma lei, os princípios, as diretrizes gerais, o conjunto de políticas públicas estabelecidas pelo prazo de dez anos e atrelar a isso os critérios de sua valorização. Os planos diretores passam, então, a estabelecer uma rela-ção direta entre o que se tem como objetivo e os meios de sua concretização. Isso significa a descrição na lei do plano do desenho da cidade, ou seja, do estabelecimento dos parâmetros gerais de uso, ocu-pação e parcelamento do solo urbano.

Nesse novo contexto, as legislações complementares ao plano diretor não deixam de existir, mas tornam-se apenas um detalhamento, naquilo que de fato pode ser alterado com mais frequência, a partir de transformações conjunturais da cidade.

A complementação da legislação do plano diretor não garante a coerência entre seus princípios, objetivos e meios, mas possibilita a melhor avaliação sobre o conteúdo da lei, do ponto de vista, inclu-sive do controle social, tendo em vista que a lei do plano diretor requer uma elaboração realizada com a participação da população.

Uso e ocupação dos bens imóveisO meio de se controlar o cumprimento da função social da propriedade é o de se estabelecer,

para as áreas urbanas dos municípios, parâmetros que criem limites aos intentos particulares, no que se refere à utilização ou não de seus imóveis.

Assim, como afirma Silva (2006, p. 239):

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura mais orgânica para as cidades, mediante a aplicação de instrumentos legais de controle do uso e da ocupa-ção do solo – com o quê se procura obter uma desejável e adequada densidade populacional e das edificações nos aglomerados urbanos.

Portanto, a lei de uso e ocupação do solo ou os parâmetros de uso e ocupação do solo que esti-verem estabelecidos no plano diretor deverão conformar o imóvel à sua localização, o que está relacio-nado à sua destinação, considerada a área em que está inserido e a sua compatibilidade em relação ao tipo de atividade que pretende se instalar naquele determinado local e, a ocupação, que diz respeito à quantidade, ao volume, a altura das construções, às dimensões da construção, a área de permeabilidade do solo e aos recuos.

Os parâmetros urbanísticos são responsáveis pela determinação objetiva de cumprimento da função social da propriedade e da cidade. Para isso, as cidades definem parâmetros mínimos, básicos e máximos de ocupação do solo urbano.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 117: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

115|Uso, ocupação e parcelamento do solo

O parâmetro mínimo indica quando o terreno está sendo subutilizado, considerando a infraestru-tura que a cidade já apresenta naquela região e a demanda. Considerados esses dois fatores é possível avaliar se na área existe especulação imobiliária, ou seja, retenção de imóvel que deveria estar sendo utilizado e que não está.

O critério básico é aquele em que o proprietário poderá construir sem ser onerado pelo Poder Público.

O critério máximo é estabelecido para que o Poder Público controle o adensamento nas cidades, observando a distribuição de valores e a melhor harmonização da infraestrutura pela aplicação de ins-titutos que estão hoje dispostos no Estatuto da Cidade.

Divisões territoriaisConsiderando a necessidade de se ordenar o desenvolvimento das cidades, a primeira divisão

territorial que normalmente ocorre nos municípios se dá com a lei do perímetro urbano. Tal legislação divide o município em duas grandes áreas: a área rural e a área urbana.

A lei do perímetro urbano pode, ainda, estabelecer zonas intermediárias, consideradas como: (i) zonas de expansão urbana, dirigidas a condicionar o direcionamento das futuras áreas de abrangência urbana; (ii) zonas urbanizáveis, que estão fora da área do perímetro urbano, portanto, compreendidas na área rural, mas que podem estabelecer núcleos urbanizados, sendo normalmente denominadas como distritos ou subdistritos e; (iii) áreas de amortecimento, que são estabelecidas para diminuir a geração de impactos.

Nos casos dos municípios maiores e mais complexos, se faz, além da lei do perímetro urbano, que indica a destinação dos imóveis como urbanos ou rurais, uma divisão territorial denominada como “macrozoneamento”.

O macrozoneamento estabelece parâmetros de uso e ocupação do solo para grandes áreas que apresentem características mais homogêneas e o zoneamento é mais específico, volta seu olhar para as pequenas regiões, identificando critérios peculiares àquela determinada área e na relação com o seu entorno. Assim, o zoneamento é uma subdivisão dentro do macrozoneamento e, por esse motivo, pode ser mais restritivo que este último, mas o contrário não poderá ocorrer, assim não poderá flexibilizar o ma-crozoneamento, sob pena de a cidade ficar recortada aleatoriamente por modificações muito pontuais.

Existem, ainda, outras divisões municipais, como é o caso da definição relativa aos bairros, que estão relacionados, muitas vezes, ao perfil de sua ocupação e das relações sociais que ali se estabe-lecem. Assim, pode-se dizer que a definição do bairro se ocupa de questões que estão para além da definição de uso e ocupação do solo, embora guarde estreita relação com esta.

Por fim, outras divisões internas ao município podem ser pensadas com base no atendimento a ques-tões de administração pública, como é o caso das divisões por setores de planejamento, ou do meio am-biente, como se dá com os zoneamentos ambientais, ou da economia, como ocorre, por exemplo, com os setores turísticos, ou da cultura e da história, como as áreas de preservação de patrimônio histórico. Enfim, para além das divisões tradicionais, os municípios têm autonomia para pensar em como se pretende fazer a leitura do seu território e como melhor pode aplicar os instrumentos de ordenação e gestão territorial.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 118: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

116 | Uso, ocupação e parcelamento do solo

Leis de zoneamentoAs leis de uso e ocupação do solo são muitas vezes denominadas como leis de zoneamento, ten-

do em vista que as cidades brasileiras, em regra, foram divididas em zonas.

De acordo com Silva (2006, p. 240-241) “[...] o zoneamento, ainda num sentido abrangente, consiste na repartição do território municipal à vista da destinação da terra, do uso do solo ou das características arquitetônicas”.

Atualmente, as leis de uso e ocupação têm sofrido uma mudança, assim, o zoneamento tradicio-nal acaba por definir parâmetros a partir de linhas que dividam o território e que impõem uma série de limites em relação à instalação de atividades.

O modelo tradicional vem abrindo espaço para a ideia de que a diversidade de usos nas áreas que compõem o mosaico da cidade não deve ser entendida como um problema, mas ao contrário, pode vir a facilitar a vida urbana. Isso significa dizer que o modelo de uso que estabelecia as áreas como residen-ciais, comerciais, industriais, institucionais ou mistas pode, mantendo a característica mais marcante da área, estabelecer uma diversidade de usos compatíveis, sem necessariamente desconfigurar completa-mente o ambiente já construído.

Assim, a questão não está na atividade em si, mas na sua consequencia, ou seja, no tipo de incô-modo ou risco que ela pode gerar. Portanto, mais do que estabelecer de forma exaustiva na legislação que atividade pode se instalar em que lugar da cidade, as novas leis de uso e ocupação deixam para o macrozoneamento as linhas gerais de definição de parâmetros e usos e passa a estabelecer uma flexibi-lização de usos que não sejam incompatíveis.

Esse modelo utilizado mantém a ideia de se estabelecer os usos e ocupações do território, mas, de certa forma, aquilo que é definido como zoneamento pode vir a perder o sentido de existir.

As novas leis que trabalham com a flexibilização do zoneamento, sem perder o rigor quanto à compatibilidade de usos, tratam, então, daquilo que vem se convencionando denominar de incomo-didades.

Para esses modelos de legislação de uso e ocupação do solo, ao invés de se ter uma lista das ativi-dades que podem ser instaladas em cada região do município, este estabelece, a partir dos efeitos dos empreendimentos, o local de sua instalação.

É, portanto, a verificação das questões que incomodam ou que criam riscos para a população do entorno da instalação do bem que vão definir a possibilidade do seu alojamento ou permanência no local.

Essas leis que criam os padrões de incomodidade apresentam como parâmetro questões referentes às características ambientais e geológicas das áreas, da sua conformação atual, além da preocupação com o porte da atividade, com os tipos de poluição que pode gerar (poluição do ar, da água, sonora, visual etc.), com os tipos de riscos, considerando também as medidas que devem ser tomadas para que a atividade se instale.

Em algumas situações, a incompatibilidade de usos não permite a instalação de qualquer ati-vidade. Em outras situações, se o empreendimento tomar determinadas precauções ou medidas que eliminem completamente ou diminuam consideravelmente as questões que não se adequarem à área, a instalação pode ser permitida.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 119: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

117|Uso, ocupação e parcelamento do solo

Essa forma de se definir uso e ocupação do solo, a incomodidade, é mais complexa, pois demanda um controle diferente do Poder Público sobre as atividades que se instalam no município. É uma forma de fiscalização que abandona a tabela de usos proibidos, permitidos e permissíveis do controle tradi-cional e parte para a busca mais racional, no sentido de tentar compatibilizar a diversidade de usos nas cidades.

Para isso, o Poder Público deverá estar apto a avaliar as condicionantes das diversas espécies de impacto que podem surgir de determinados empreendimentos. Não será o Poder Público o responsável por realizar o estudo das incompatibilidades, mas será ele responsável por avaliar esses estudos.

Entre outras formas possíveis de pensar o uso e a ocupação do solo, há um modelo que combina o padrão mais tradicional de zoneamento com o das incomodidades. Assim, se faz uma tabela que não é exaustiva, quanto aos tipos de empreendimentos que podem ou que não podem se instalar em cada zona da cidade e define que empreendimentos de determinado tipo deverão passar por avaliação no que diz respeito aos seus impactos.

Por fim, é relevante ressaltar que a aquisição de uma propriedade não gera qualquer direito adqui-rido no que se refere ao uso e à ocupação estabelecidos pelo município. Assim, por meio de legislação municipal, poderá haver mudanças nos parâmetros estabelecidos em lei, de forma a buscar o melhor cumprimento da função social da propriedade e na busca de se responder ao interesse público.

Por esse motivo, a alteração que se refletirá no direito de propriedade de se restringir ou flexibilizar mais o uso ou a ocupação do bem não faz gerar qualquer direito à indenização para seus proprietários.

Como aponta Silva (2006, p. 242):Essa natureza do zoneamento decorre, nos nossos dias, não tanto do poder de polícia, mas da faculdade que se reconhece ao Poder Público de intervir, por ação direta, na ordem econômica e social e, portanto, na propriedade e no direito de construir, a fim de restringindo-os no interesse público, conformá-los e condicioná-los à sua função social. São, por isso mesmo, condicionamentos gerais, não indenizáveis os possíveis prejuízos individuais que daí possam ad-vir – embora seja de ressaltar que, em princípio, condicionamentos deste tipo não geram prejuízo, porque diminuições de valor que deles eventualmente provenham são altamente compensadas com outras vantagens.

As leis de uso e ocupação buscam orientar o processo de urbanização, mas em atenção às áreas já consolidadas. Assim, somente em casos extremos haverá a necessidade de readequação total do uso e da ocupação e, normalmente, isso acontece para se requalificar áreas que estejam degradadas.

Estrutura da leiA lei de uso e ocupação do solo é composta do texto, que define os conceitos de cada zona ou de

incomodidades, a aplicação dos parâmetros, a tabela com os critérios de edificação, de recuos e demais considerações atinentes ao uso dos bens. Contém, ainda, mapas que categorizam a cidade.

Os padrões de uso são estabelecidos a partir da verificação de inúmeros elementos, entre eles: as condicionantes ambientais e geológicas, as características e limites da ocupação original, da largura das vias existentes, do tráfego de pedestre e de veículos, dos ruídos, da poluição, dos ventos, da iluminação, da vibração, do acesso, de possíveis riscos e de tantas outras questões que podem condicionar os limi-tes quanto à utilização da propriedade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 120: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

118 | Uso, ocupação e parcelamento do solo

Estudo de Impacto de Vizinhança Ao mesmo tempo, integra sempre esse tipo de legislação um instrumento definido no Estatuto

da Cidade como Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV. Assim, ainda que as leis de zoneamento tra-dicionais também devam incorporar esse instrumento jurídico-urbanístico, no caso da legislação que utiliza os padrões de incomodidade tal instrumento é essencial.

O Estudo de Impacto de Vizinhança tem por objetivo prever os tipos de incômodos que determi-nadas atividades podem gerar, e, com base nesse estudo, é possível o Poder Público avaliar as medidas a serem tomadas em relação ao empreendimento.

Nesse sentido, a Lei 10.257/2001, Estatuto da Cidade determina o seguinte:

Art. 36. Lei Municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Assim, aqueles empreendimentos que apresentam potencial de modificação da rotina da área em que se instalam ou que apresentam algum risco devem realizar este estudo. Obrigatória, portanto, será a sua apresentação sempre que a lei assim determinar, como anota Oliveira (2005, p. 125):

É obrigatória a realização do estudo? Evidente que sim. O início de qualquer construção poderá ser embargado, no caso de não ter sido ele realizado. É condição de aprovação do empreendimento e exigência formal para a expedição do alvará de licença. Sem ele há nulidade insanável.

As questões que motivam o estudo podem apresentar naturezas diversas, barulho, trepidação, problemas no sistema viário, diversos tipos de poluição ou de perigo.

Quanto aos efeitos que o EIV deve apreciar, estes não se restringem aos efeitos negativos. É im-portante lembrar que o impacto de uma grande atividade deve apresentar aspectos positivos para o município que justifiquem a sua instalação; tais impactos podem ser, entre outros, a geração de empre-go, o embelezamento da cidade, a geração de renda, o aumento de arrecadação para o município.

Em relação aos efeitos gerados pelos empreendimentos, o artigo 37 do Estatuto da Cidade define que elementos devem ser apreciáveis sem prejuízo de outros que o Poder Público poderá estabelecer.

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:

I - adensamento populacional;

II - equipamentos urbanos e comunitários;

III - uso e ocupação do solo;

IV - valorização imobiliária;

V - geração de tráfego e demanda por transporte público;

VI - ventilação e iluminação;

VII - paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Essas questões não são taxativas, apenas enumerativas. O município poderá apresentar outras razões para a exigência de apresentação de EIV, considerando as próprias características do município e do empreendimento.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 121: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

119|Uso, ocupação e parcelamento do solo

A responsabilidade pela execução do EIV é do empreendedor, sendo que o Poder Público deverá acompanhar e avaliar o estudo apresentado. Tendo em vista o interesse público que estas atividades ge-ram pelo seu impacto para além de seus muros, a população deve ser chamada em audiências públicas para receber informações, oferecer sugestões e se posicionar quanto à instalação da atividade.

Lei de Parcelamento do SoloNa regulação das questões da cidade, outra lei de fundamental importância é a Lei de Parcela-

mento do Solo, ou seja, aquela lei que define como se podem realizar as divisões das propriedades urbanas.

Para regular tais questões a lei municipal deve ter como parâmetro a Lei de Parcelamento do Solo Federal, que é a Lei 6.766/79 e o registro das novas propriedades deve atender à Lei de Registros Públicos, Lei 6.015 de 1973.

Assim, as leis municipais deverão seguir as instruções gerais dadas pela legislação federal, no que diz respeito aos critérios mínimos para se realizar o parcelamento de qualquer área urbana do município. Isso porque algumas áreas dos municípios não podem ser parceladas como a própria lei estabelece.

Art. 3.º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. (NR) (Redação dada pela Lei 9.785, 29/1/99)

Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:

I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

II - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - em terreno com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Consideradas as áreas em que pode se proceder ao parcelamento, a lei de parcelamento federal inicia por definir as modalidades de parcelamento do solo urbano, como trata Rizzardo (2007, p. 965). “Atualmente, duas são as modalidades de parcelar áreas urbanas: pelo loteamento e pelo desmembra-mento. Em ambas, há venda de terrenos originados da subdivisão de um imóvel, objetivando a coloca-ção de novo aglomeramento urbano.”

Para além dessas formas estabelecidas na lei de parcelamento federal, utiliza-se atualmente, como meio de dividir o solo, o condomínio edilício horizontal, ainda que a legislação que trata dessa espécie de propriedade não tenha sido pensada na lógica da divisão territorial, e o loteamento fechado, não regulado em lei federal, presente apenas em algumas legislações municipais.

Assim, os parágrafos 1.º e 2.º, do artigo 2.º da Lei de Parcelamento do Solo, definem

Art. 2.º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 122: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

120 | Uso, ocupação e parcelamento do solo

§1.º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§2.º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolonga-mento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Para que o parcelamento do solo seja realizado nas modalidades referidas, loteamento ou des-membramento, há a necessidade de se observar no mínimo dois requisitos: os elementos que a lei impõe ao parcelador, no que se refere à necessidade de se implantar infraestrutura na área, e o tamanho dos lotes, que poderão variar de município para município, desde que respeitado o tamanho mínimo esta-belecido pela lei federal que é de 125m2 (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros.

A lei municipal poderá ser mais restritiva que a legislação federal e para que os lotes apresentem tamanho inferior ao que está definido na legislação, o loteamento terá que apresentar destinação espe-cífica para moradia de interesse social.

Quanto à infraestrutura, o loteador tem responsabilidade sobre a colocação de infraestrutura mí-nima para a venda de lotes, como determina o artigo 2.º da Lei 6.766/79:

Art. 2.º

§5.º A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domici-liar e vias de circulação. (Redação dada pela Lei 11.445, de 2007).

§6.º A infraestrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)

I - vias de circulação; (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)

II - escoamento das águas pluviais; (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)

III - rede para o abastecimento de água potável; e (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)

IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. (Incluído pela Lei 9.785, 29/1/99)

A preocupação do legislador com a forma de se proceder à realização do parcelamento está na responsabilidade de se garantir o direito à cidade para seus moradores e como esta é uma atividade econômica, o loteador deve realizar o loteamento conforme as normas, inclusive porque a população do município não pode ser onerada, com a necessidade do Poder Público prover aquilo que a própria lei define como encargo do empreendedor imobiliário.

O projeto de loteamento deverá ser aprovado na Prefeitura Municipal e posteriormente registrado no Registro Imobiliário para a divisão da matrícula “mãe” e da divisão dos lotes em unidades individuais. Caso isso não ocorra, o loteamento é considerado informal, o que pode vir a gerar uma série de sanções ao parcelador, conforme prevê o artigo 50 e seguintes da Lei de Parcelamento do Solo Federal. Assim, entende-se que a não observância das regras de parcelamento do solo pelo parcelador se constituem em crime contra a Administração Pública e dá ensejo a aplicação das penas de detenção e reclusão, além de multas e da responsabilidade civil perante os compradores, no âmbito do direito privado.

Atualmente discute-se em projeto de lei, denominado Projeto de Lei de Responsabilidade Territo-rial, a inclusão das novas questões referentes ao parcelamento do solo, de forma a contemplar inclusive a questão dos condomínios edilícios.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 123: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

121|Uso, ocupação e parcelamento do solo

Como demonstra Fernandes (2006, p. 353):

O Projeto de Lei parte do reconhecimento da enorme importância de uma lei federal de parcelamento do solo urba-no – que, juntamente com o capítulo constitucional sobre política urbana e o Estatuto da Cidade, de 2001, compõe o tripé das principais leis urbanísticas no país –, e explicitamente propõe a aprovação de uma “Lei de Responsabilidade Territorial” a ser obedecida, a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, pela sociedade brasileira em especial pelos Municípios, já que são esses os entes federativos que têm a competência constitucional para aprovação de parcela-mentos urbanos e de projetos de regularização. [...]

Assim, é possível verificar que o parcelamento do solo faz o desenho urbano e que muitas das ques-tões das cidades, inclusive os grandes problemas urbanos, também estão relacionadas com a forma de par-celamento e com as irregularidades geradas pela falta de comprometimento de parceladores em cumprir a legislação, de forma a realizar loteamentos e desmembramentos, inclusive passíveis de regularização.

Texto complementar

Nova Lei do Parcelamento do Solo Urbano e as funções sociais da cidade(SAULE JUNIOR, 2007)

No final da década de 1970, na periferia dos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro era emergente a implantação de loteamentos urbanos sem infraestrutura urbana e au-torização do Poder Público, o que resultou numa ocupação sem padrões mínimos de qualidade ambiental de grande parte do território dessas cidades. Com o objetivo de reverter esta situação de deterioração das áreas urbanas, foi instituída a Lei 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano; estabelece os padrões urbanísticos mínimos para implantação de loteamento ur-bano, tais como sistema viário, equipamentos urbanos e comunitários, áreas públicas, bem como as responsabilidades dos agentes privados (proprietários, loteadores, empreendedores) e do Poder Público; e tipifica os crimes urbanísticos.

Nestes 20 anos de aplicação desta lei, muitas críticas têm sido levantadas quanto à sua eficácia, devido ao aumento do número de loteamentos irregulares e clandestinos e principalmente de fave-las nas grandes cidades brasileiras, e dos raros casos em que os responsáveis pela prática dos crimes urbanísticos foram punidos de forma exemplar, seja na esfera Administrativa, civil e penal.

Se de fato a Lei 6.766/79 necessita de uma revisão geral para atender os objetivos da política urbana preconizada em nossa Constituição, de modo que as funções sociais da cidade e da pro-priedade urbana sejam cumpridas, através de medidas que reduzam as desigualdades e a exclusão social e tornem efetivos os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades, especialmente dos que vivem nas cidades informais (favelas, cortiços, loteamentos populares na periferia urbana), a revisão efetuada pelo Congresso Nacional sem garantir a participação dos diversos setores da socie-dade que atuam com a questão urbana é extremamente preocupante para todos os cidadãos que lutam pela existência de cidades justas e sustentáveis com padrões dignos de qualidade de vida.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 124: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

122 | Uso, ocupação e parcelamento do solo

A nova lei (Lei 9.785 de 29/01/99) que altera a Lei 6.766/79 atende dois objetivos. O primeiro diz respeito à regularização do registro público dos parcelamentos populares implantados em áreas desapropriadas pelo Poder Público destinados à população de baixa. (Além da Lei 6.766/79, tam-bém foram alteradas a lei de registros públicos e a lei sobre desapropriações de interesse público).

Essa alteração permite a dispensa do título de propriedade para fins de registro do parcela-mento popular de área desapropriada, sendo necessário que o Poder Público já tenha judicialmente a posse do imóvel. Outra mudança significativa é da lei permitir nos parcelamentos populares a cessão da posse para as pessoas que adquiriram os lotes do Poder Público por instrumento parti-cular tendo caráter de escritura pública. A cessão de posse deve ser obrigatoriamente aceita como garantia nos contratos de financiamentos habitacionais.

[...]

Atividades1. Em relação ao uso e à ocupação do solo, que modelos vêm sendo adotados pelas cidades

brasileiras?

2. O Estudo de Impacto de Vizinhança é realizado:

a) pelo município.

b) pelo Estado.

c) pelo empreendedor.

d) em parceria (município/empreendedor).

3. Quais são as espécies de parcelamento do solo permitidas nas áreas urbanas?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 125: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

123|Uso, ocupação e parcelamento do solo

Gabarito1. Entre os modelos que vêm sendo utilizados nos municípios brasileiros, dois são mais utilizados:

o modelo tradicional que divide os usos no modelo de lista de atividades que podem ou não se instalar em cada região da cidade, em que a cidade se divide em zonas; e o outro modelo, denominado “incomodidade”, que apresenta uma preocupação que não está relacionada à atividade em si, mas ao seu impacto.

2. C

3. São espécies de parcelamento do solo, de acordo com a legislação federal, o loteamento e o desmembramento, mas pode ser considerado também como uma forma de parcelamento o condomínio edilício horizontal.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 126: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

124 | Uso, ocupação e parcelamento do solo

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 127: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Instrumentos jurídico- -urbanísticos do Estatuto

da Cidade

Política UrbanaA Constituição Federal de 1988 (CF/88) incluiu em seu texto as demandas provindas dos movi-

mentos de Reforma Urbana que demandavam uma nova leitura e um novo desenho das cidades, com propostas que buscavam inverter a lógica de crescimento desordenado, caótico e excludente, princi-palmente nas metrópoles brasileiras. Para tanto, estabeleceu um capítulo específico para determinar os fins a serem atingidos naquilo que denominou de “Capítulo da Política Urbana”.

Nesse Capítulo, o legislador determinou que a cidade deve cumprir uma função social. Isso sig-nificou uma ampliação da definição de cumprimento da função social da propriedade que figura em tantos outros momentos do texto constitucional.

Para que a cidade e a propriedade cumprissem a sua função social, definiu-se que o instrumento apto a estabelecer de que forma se daria este processo de mudança seria o plano diretor.

O Estatuto da Cidade – lei que veio regulamentar o Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal de 1988 – buscou tratar do plano diretor, definindo instrumentos jurídico-urbanísticos que vies-sem fazer valer os princípios expostos na Constituição e no próprio Estatuto da Cidade. Assim, definiu um rol enumerativo de instrumentos que possibilitassem a efetivação do direito à cidade.

Alguns desses instrumentos já vinham sendo utilizados em cidades que buscaram resolver al-gumas de suas questões urbanísticas, de regularização fundiária ou mesmo de estabelecer processos participativos com a população, no sentido de definir democraticamente as questões da cidade. Outros foram adaptados, repensados ou construídos sem experiências similares anteriores.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 128: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

126 | Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

No fim, o texto do Estatuto da Cidade une uma série de institutos ou instrumentos que vão em conjunto buscar fazer valer os princípios da Constituição e da Lei 10.257/2001. Esses instrumentos deve-rão ser utilizados conforme o contexto e as demandas de cada cidade, portanto, nem todas as cidades vão utilizar todos os instrumentos postos no Estatuto da Cidade, mas aquelas que quiserem aplicar determinados instrumentos deverão, no mínimo, elaborar o plano diretor.

Por esse motivo, o artigo 42 do Estatuto da Cidade determina os instrumentos que deverão estar presentes no plano, para serem objeto de utilização no município, conforme segue:

Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:

I - a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5.º desta Lei;

II - disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;

III - sistema de acompanhamento e controle.

Assim, além do instituto do parcelamento, edificação e utilização compulsória, seguido do IPTU progressivo e da desapropriação com títulos da dívida pública, explicitados já na própria Constituição Federal, entendeu-se necessária a obrigatória previsibilidade de outros instrumentos como o direito de preempção, a outorga onerosa do direito de construir, a outorga onerosa de uso do solo, as operações urbanas consorciadas e a transferência do direito de construir. Os demais instrumentos poderão ser utilizados independentemente da previsibilidade no plano diretor, ou mesmo, nas situações em que a lei não obriga o município a elaborar a lei do plano diretor. Os municípios poderão utilizar desde que definam a forma e o conteúdo em acordo com os princípios gerais que orientam e conformam o con-teúdo do direito à cidade.

Tais instrumentos têm por objetivo precípuo equilibrar os ônus e os benefícios decorrentes de todo o processo de urbanização, de modo a que não se mantenha a prática de publicização ou coletivi-zação dos ônus e de privatização dos benefícios da cidade.

Parágrafo 4.º do artigo 182 da Constituição FederalA Constituição Federal previu, além do plano diretor, um único instrumento de efetivação do

cumprimento da função social, complementado posteriormente pelo Estatuto da Cidade – o parcela-mento, edificação ou utilização compulsória, seguido do IPTU Progressivo e da Desapropriação (com títulos da dívida pública). Esse instituto está dividido em três partes, que não são utilizadas simultanea-mente, mas, ao contrário, se dão de forma subsequente conforme o não atendimento da fase anterior. Assim, define a Constituição Federal no parágrafo 4.º do artigo 182:

§4.º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 129: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

127|Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Assim, o Estatuto da Cidade somente complementou a Constituição, no que se refere ao seu inciso I, determinando que o primeiro instrumento seria ampliado com a expressão “utilização compulsória”.

Então, diante do descumprimento da função social, o proprietário urbano poderá ser obrigado, de acordo com a situação de seu imóvel, a parcelar, caso seja uma gleba de terra ainda não parcelada; edificar, ou seja, construir em terreno vazio propício à construção; ou utilizar, caso o imóvel possa ser utilizado, mas não venha cumprindo com a sua destinação de forma minimamente satisfatória.

Cabe lembrar aqui que nem todos os terrenos e áreas da cidade são propícios à construção ou utilização. Dessa forma, este instituto somente abrangerá aqueles bens imóveis que tiverem como des-tinação o uso. Nesse sentido, áreas verdes ou áreas impróprias para a utilização, por apresentarem risco ou pelas suas características ambientais, geológicas etc., não estarão abrangidas por estes institutos.

Além disso, nas áreas em que não houver demanda para a ocupação e que não forem interessan-tes para a aplicação do instituto por conta do contexto da cidade também não deverão ter aplicados os institutos em questão. Como afirma Guimaraens (2002, p. 125):

O instrumento visa, portanto, a incidência sobre vazios urbanos nocivos, como tal entendidas as áreas vazias que nesta condição não cumprem a função social. Nessa linha, a área vazia para a qual não há disponibilidade de infraestrutura – ou mesmo localizada em região que se encontre saturada, ou ainda área de preservação ambiental, não deverá ser objeto de identificação em face de que o planejamento urbano assim o determina, sob pena de prejuízo à cidade.

Nesse sentido, serão atingidas por esse instrumento, normalmente, as áreas mais infraestrutura-das da cidade que apresentam uma quantidade de imóveis vazios, permitindo que tais bens encare-çam a cidade, tanto do ponto de vista da supervalorização das áreas que estão esperando valorização, ou seja, busca-se eliminar a especulação imobiliária, como do ponto de vista do crescimento da cida-de. Isso significa que, se há demanda por moradia ou outra utilização no local, mas devido à retenção dos imóveis a cidade é obrigada a espalhar a sua malha urbana, pois as pessoas acabam por ter que se fixar em áreas mais distantes e com menos infraestrutura, porque tais áreas são mais baratas no que se refere à capacidade de pagamento da população, então essas áreas sofrerão a intervenção do instrumento.

Como o instituto é utilizado de forma sequencial, uma vez cumprida a ordem, por exemplo, de parcelar, não caberá falar mais em IPTU Progressivo ou Desapropriação. Se, uma vez notificado o pro-prietário para proceder à devida utilização do bem e este não o fizer no prazo estabelecido, começará a incidir IPTU Progressivo, mas no momento em que este cumprir a determinação cessa a cobrança. Caso, notificado o proprietário para a edificação e este assim não proceder, se incidente o IPTU Progressivo por cinco anos e o proprietário ainda assim não edificar, somente a partir daí o Poder Público Municipal poderá proceder a Desapropriação.

Cabe lembrar aqui que o Poder Público não está obrigado a desapropriar o bem, sendo esta uma faculdade. No caso do Poder Público entender que não deve comprar o imóvel, este poderá prosseguir com a cobrança do IPTU Progressivo, dentro do parâmetro estabelecido pelo Estatuto da Cidade de alíquota máxima fixada em 15%. Os parâmetros da subutilização dos imóveis serão definidos no plano diretor que deverá estabelecer os parâmetros básicos, mínimos e máximos de utilização dos imóveis, sendo que o critério mínimo de utilização propiciará a verificação do cumprimento da função social da propriedade e, no caso de não atingimento, propiciará a aplicação dos institutos aqui referidos. Confor-me parágrafo 5.º do Estatuto da Cidade:

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 130: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

128 | Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

Art. 5.º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

§1.º Considera-se subutilizado o imóvel:

I - cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente; [...]

Assim, uma vez verificada a incongruência entre o aproveitamento ou não aproveitamento do imóvel e os parâmetros de uso estabelecidos, podem-se iniciar os procedimentos administrativos de aplicação do instituto.

O Estatuto da Cidade determina que o Poder Público deverá proceder à notificação ao proprietário, notificação esta que deverá constar no registro de imóveis, pois a obrigação passa ao adquirente em caso de transmissão do bem que, em um prazo entre um e dois anos da notificação, deverá proceder à deter-minação. Como definem os parágrafos 3.º, 4.º e 5.º, do artigo 5.º do Estatuto da Cidade

§3.º A notificação far-se-á:

I - por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;

II - por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.

§4.º Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:

I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;

II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.

§5.º Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo.

Havendo descumprimento dessa determinação, o Poder Público poderá passar a cobrança do IPTU Progressivo na forma estabelecida em lei – artigo 7.º da Lei 10.257/2001.

Art. 7.º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5.º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no §5.º do art. 5.º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

A majoração da alíquota será no máximo de 15% até o final do período de cinco anos e a sua majoração anual não poderá exceder a duas vezes a estabelecida no ano anterior. Essa regra deve ser prevista em lei específica e caso passem cinco anos sem a efetivação do cumprimento da função social, o Poder Público poderá continuar a cobrança no percentual estabelecido em 15%.

Nesse período, a legislação federal determina que o Poder Público não poderá conceder qualquer tipo de anistia ou isenção, sob pena de não se efetivar o objetivo do instrumento.

Por fim, se o proprietário, passado o prazo inicial variável entre um ou dois anos da notificação, e, posteriormente, passado o prazo de incidência do IPTU Progressivo de, no mínimo cinco anos, não cum-prir a determinação estabelecida em lei, o Poder Público poderá proceder à desapropriação do imóvel com títulos da dívida pública resgatáveis no prazo de até dez anos, em prestações anuais e iguais, con-siderando o valor real e os juros que incidirão no percentual de seis por cento ao ano.

De acordo com o artigo 8.º do Estatuto da Cidade, o valor da indenização terá como parâmetro o valor venal do imóvel, conforme segue:

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 131: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

129|Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

§2.º O valor real da indenização:

I - refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o §2.º do art. 5.º desta Lei;

II - não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.

Pelas características desse tipo de desapropriação esta é também denominada de desapropria-ção-sanção. De qualquer forma, não prospera tal entendimento, tendo em vista que o proprietário pôde aproveitar o bem por todo o período entre a notificação e a desapropriação e renunciou a este direito, ainda recebendo o valor da indenização ao final de todo o processo. O ônus do descumprimento da função social neste período foi, portanto, assumido pela coletividade.

Direito de preempção/preferênciaO direito de preempção é um dos instrumentos obrigatórios do plano diretor e estabelece a pre-

ferência do Poder Público Municipal na compra de imóveis em que este tenha justificado interesse em adquirir.

O Código Civil estabelece em seu artigo 513 a definição desse instituto para o direito privado, mas este se assemelha à lógica estabelecida pelo instrumento na utilização do Poder Público, como segue:

Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

No caso do direito de preempção relacionado ao Poder Público, este definirá no plano diretor as áreas de seu interesse para a aquisição. Uma vez demarcadas, o município terá a preferência, asseme-lhada a do vendedor definida no Código Civil, na compra do bem.

Diferentemente da desapropriação, no direito de preferência o Poder Público não retira compul-soriamente o bem do particular. Assim, quando o proprietário apresentar interesse em vender o imóvel, primeiramente deverá oferecê-lo ao município.

Há justificativa para esse instituto, como lembra Osório e Soso (2002, p. 191):

A necessidade do Poder Público na delimitação do direito de preempção está vinculada à consecução de regularização fundiária, de programas habitacionais de interesse social, constituição de reserva fundiária, ordenamento e direciona-mento da expansão urbana, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de lazer, de áreas verdes, de unidades de conservação ou proteção de áreas de interesse ambiental, histórico, cultural ou paisagístico, nos termos do artigo 26. Poderá uma única lei municipal delimitar diferentes áreas baseada em necessida-des diversas, bastando para isso a enumeração de tais finalidades no corpo da legislação.

Assim, diante dessas justificativas, o município poderá gravar estes bens com a preempção.

O município, durante o prazo de cinco anos, deverá ser avisado pelo proprietário, por meio de notificação, da intenção de alienar o imóvel. Durante a vigência desse prazo, sempre que o proprietário tiver a intenção de aliená-lo onerosamente, deverá levar tal fato a conhecimento do município, sendo que este terá um prazo de trinta dias para se manifestar sobre a aquisição.

De acordo com o parágrafo terceiro do artigo 27 do Estatuto da Cidade, uma vez transcorrido o prazo sem a manifestação do Poder Público, o proprietário poderá proceder à venda a terceiros, man-tido o valor da oferta. No caso do Poder Público adquirir o bem, o valor está estabelecido no parágrafo

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 132: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

130 | Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

6.º do mesmo artigo citado, que determina que “ocorrida a hipótese prevista no §5.º o Município poderá adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for inferior àquele”.

Direito de superfícieO instituto, direito de superfície, como observava Ricardo Lira, antes da entrada em vigor do Esta-

tuto da Cidade, havia sido defendido, no sentido de se manifestar como valioso instrumento de regula-rização fundiária em áreas públicas.

Esse instituto ocorre por meio da separação entre o direito de construir e o direito de proprieda-de, realizada aqui pela via negocial com as características de um direito real sobre coisa alheia, ou de uma propriedade resolúvel.

Mas, sua valia ganha em significado quando, partindo de terras públicas, pode apresentar-se como instrumento de uma política de regularização fundiária, sobretudo quando articulado com outros instrumentos, como a usucapião es-pecial urbano, que poderia ser utilizado na titulação de áreas de favelas, mocambos, palafitas, loteamentos irregulares promovidos a non domino etc. (LIRA, 1997, p. 168-169)

A despeito dos resultados esperados com a regulação desse instituto no sentido de se promover a concretização do direito à moradia, definido no artigo 6.º da Constituição Federal, criou-se mais uma propriedade, e não como se pretendia a cessão de uma posse com vistas ao atendimento de um direito social.

A superfície, separada da propriedade do bem imóvel em si, pode ser disponibilizada. Temos assim, não mais um proprietário do imóvel, mas pelo menos dois, o proprietário do terreno e o superficiário, que não se apresentam como condôminos porque a cada um corresponde apenas uma titularidade.

Assim, o direito criou mais uma mercadoria que apresenta valor de troca e que hoje aparece como bastante interessante do ponto de vista do direito imobiliário.

Neste sentido, observa Oliveira (2005, p. 93) que:

[...] o direito de superfície é importante instrumento de alteração urbanística e pode propiciar novo avanço na ocupa-ção dos espaços particulares ainda inaproveitados, eventualmente, por falta de recursos do proprietário. Como não lhe interessa a venda, mas pode aferir lucro com a construção ou eventualmente com o aproveitamento efetivo e racional do imóvel, pode dinamizar as relações empresariais e de construção. Uma das grandes vantagens é permitir a planta-ção sem necessidade de aquisição do terreno ou a construção, independentemente de compra. Caso fosse adquirir haveria oneração do contrato.

Demonstra-se, a partir da exposição do autor, que o objetivo do direito de superfície foi “reduzi-do”, do ponto de vista, das diretrizes gerais estabelecidas no artigo 2.º do Estatuto da Cidade, como se pode verificar, ainda, no decorrer da exposição.

Por fim, pode estimular a construção de fábricas, armazéns, hotéis, sem que haja necessidade de aquisição do terreno. Para o proprietário também fica cômodo, pois pode alienar o direito de superfície, facilitando a ocupação de seu imóvel, usufruindo frutos daí decorrentes. Por outro lado, foge das eventuais sanções pela subutilização ou não utilização do imóvel. (OLIVEIRA, 2005, p. 93)

Nesse caso, o cumprimento da função social da propriedade pode até ocorrer dependendo do uso que se dê ao bem e ao contexto de sua utilização, mas corre-se o risco de voltarmos a um dos

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 133: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

131|Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

dilemas da enfiteuse, que é a manutenção de uma titularidade nas mãos de alguém que não aproveita diretamente o bem, o que provoca maior possibilidade de concentração da propriedade.

Na regulação desse instituto, Estatuto da Cidade e o Código Civil definem suas principais caracte-rísticas, tanto no que se refere aos direitos do proprietário, relativos ao recebimento do valor da venda da superfície e do seu direito de reaver o bem após o período acordado, quanto de seus deveres, no sentido de não impedir de forma nenhuma a utilização do bem pelo superficiário.

Quanto aos direitos e deveres do superfíciário, no que diz respeito aos seus direitos é possível elencar a sua possibilidade de utilizar, fruir e dispor do bem pelo prazo determinado em contrato e no que se refere a sua responsabilidade, este deverá manter o bem e pagar os seus tributos e demais des-pesas decorrentes da utilização do bem.

Por fim, ambos apresentam direito de preferência, um em relação ao outro para que a proprieda-de e a superfície se consolidem novamente em um único bem.

Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de usoNas áreas onde houver ampla demanda para construção ou para a alteração de uso, o Poder Pú-

blico Municipal poderá compensar os benefícios da urbanização que são apropriados de forma privada, com a utilização desse instrumento.

Assim, a outorga onerosa do direito de construir se apresenta como um instrumento redistributi-vo, em que o particular aproveita mais um determinado bem já valorizado, e, com isso, portanto, onera mais a infraestrutura, construindo para além do que a legislação define como parâmetro básico.

O ônus coletivo gerado, pelos investimentos do Poder Público para a valorização do imóvel e para a superutilização da infraestrutura existente, é mitigado pelo pagamento do particular ao Poder Público para que se possa construir mais e para que o município invista em outras áreas de menor infraestrutura.

Como define Meirelles (2006, p. 531):

É o exercício do direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, segundo dispuser o plano diretor em determinadas áreas, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. (Lei 10.257, de 2001, art. 28). O Estatuto da Cidade considera coeficiente de aproveitamento a relação entre a área edificável e a área do terreno.

Esse instituto pode ser denominado também como solo criado, que é na sua conceituação geral um acréscimo de construção realizado mediante contrapartida do proprietário ao Poder Público, que concede uma licença nos termos da lei municipal.

O plano diretor deverá estabelecer o coeficiente máximo. Assim, o proprietário poderá construir até o coeficiente básico sem nenhuma contrapartida ao Poder Público e do básico até o parâmetro má-ximo estabelecido poderá utilizar a outorga onerosa.

Sempre que o coeficiente básico estipulado for muito alto, o instituto perde a sua possibilidade de ser utilizado.

Os recursos auferidos pela utilização desse instituto apresentam destinação previamente esta-belecida pelo Estatuto da Cidade em seu artigo 26, destinação esta idêntica àquela estabelecida para o direito de preempção.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 134: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

132 | Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

Transferência do direito de construirO instrumento da transferência do direito de construir ou da transferência de potencial construti-

vo vem minorar o problema dos proprietários de imóveis que, por algum motivo, estão impedidos por lei de aproveitar os seus próprios bens.

Nesse sentido, compreendendo que há um ônus suportado privadamente em benefício da cole-tividade, o Poder Público Municipal estabelece medidas compensatórias aos proprietários.

Utiliza-se o potencial de construção daquele determinado terreno em outro imóvel. De acordo com Oliveira (2005, p. 120), “é o solo criado para ser utilizado em outro imóvel”.

Assim, se o imóvel apresenta relevante área verde, ou ambientalmente frágil, ou se trata de cons-trução histórica, entre outras possibilidades, o proprietário poderá transferir o coeficiente de aproveita-mento daquele imóvel para outro que seja seu ou de terceiros.

Como afirma Oliveira (2005, p. 120):

Evidente que o direito de construir passa por enormes transformações, passando a ser não o direito de erigir em seu próprio terreno, mas direito autônomo e destacado do imóvel, podendo ser negociado livremente. Pode, até, deixar de existir o direito de construção no próprio imóvel, mas pode ser utilizado em outro imóvel, do proprietário ou de terceiro, negociando-o em bolsa.

O plano diretor deverá estabelecer em que condições pode ser aplicado esse instrumento e em que locais do município. Também, sempre que for possível, deverá acompanhar a compra e venda dos títulos.

Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:

I - implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

II - preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;

III - servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.

Assim, como é possível notar, o instrumento apresenta como objetivo retirar dos proprietários a incidência de todo o ônus referente à propriedade do imóvel sobre o qual há interesse coletivo de manutenção.

Operação urbana consorciadaA operação urbana consorciada é um instrumento que visa agilizar processos que se estivessem

adstritos às priorizações do Poder Público Municipal demorariam muito tempo para serem realizados e gerariam, com isso, grande prejuízo aos proprietários interessados na melhor utilização de seus imóveis e ao próprio Poder Público. Nesse sentido, o Poder Público também deverá manifestar interesse em realizar os melhoramentos na área objeto da aplicação do instrumento.

Nesses casos, o Poder Público Municipal, por meio do plano diretor, poderá definir em que áreas do município deve haver melhoramentos consideráveis e se isso deve decorrer da vontade combinada de particulares e do Poder Público.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 135: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

133|Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

Assim, o artigo 32 do Estatuto da Cidade define o objetivo do instrumento:

Art. 32. Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas.

§1.º Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o obje-tivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Na área que for definida como operação urbana consorciada, deverá ser realizado um plano espe-cífico de urbanização em que se podem definir parâmetros específicos que contemplem o interesse do Poder Público e dos particulares de viabilizar a realização da urbanização das áreas.

Todos esses institutos poderão ser utilizados em conjunto ou separadamente. O plano diretor será o instrumento hábil a definir quais instrumentos e em que termos estes deverão ser utilizados, além de observadas as características de cada município.

Texto complementar

Instrumentos de Reforma Urbana geram recursos para a política habitacional Ao instituir uma política de desenvolvimento urbano baseada no “direito de acesso de todo o

cidadão às condições básicas de vida”, a Prefeitura de Porto Alegre adotou um conjunto de instru-mentos para facilitar o acesso à terra urbana, gerar recursos para programas habitacionais e estabe-lecer formas democráticas e transparentes de gestão desses recursos.

A primeira iniciativa da Prefeitura, nessa direção, consistiu no enquadramento constitucional de suas ações. As Leis Complementares 312/93 e 333/94 definiram as condições para o cumprimen-to da função social da propriedade urbana, o que possibilitou a aplicação do IPTU progressivo no tempo, configurando um conjunto articulado com a Permuta e Alienação de índices de construção, o Banco de Terras Municipais, o Fundo Municipal de Desenvolvimento e o Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação.

O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo é um instrumento capaz de inibir a especulação imobiliária e promover a utilização do solo urbano. Em Porto Alegre, aplica-se aos imóveis não parcelados, não edificados, ou subutilizados situados em cinco áreas, perimetradas por lei, consideradas de ocupação prioritária. Nelas foram identificados 120 imóveis não utilizados pertencentes a 111 proprietários (seis dos quais concentram 59% da área) totalizando uma área de 301ha, aproximadamente metade da área necessária para suprir a carência habitacional estimada para os próximos dez anos em Porto Alegre. A lei estabelece prazos para viabilizar a edificação ou parcelamento, vencidos os quais, aplica-se a progressividade do IPTU, com alíquotas também pre-vistas em lei. Os recursos arrecadados serão remetidos ao Fundo Municipal de Desenvolvimento.

[...]

(Disponível em: <www.ibam.org.br/urbanos/assunto3/blt3_2.htm>.)

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 136: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

134 | Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

Atividades1. Qual é a função dos instrumentos ou institutos jurídicos definidos no Estatuto da Cidade?

2. Sobre o direito de preempção é correto afirmar:

a) permanece pelo prazo de 10 anos.

b) é similar à desapropriação.

c) equivale ao direito de preferência civil.

d) é sempre compulsório.

3. Qual era o objetivo da instituição do direito de superfície no Estatuto da Cidade e qual a aplicação atual do instituto?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 137: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

135|Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

Gabarito1. A função dos instrumentos é efetivar o cumprimento da função social da propriedade. Assim, o

instrumento deve ser definido de forma objetiva para que seja aplicado nos locais definidos pelo plano diretor.

2. C

3. O direito de superfície havia sido pensado para a aplicação da regularização fundiária, mas hoje é mais utilizado como instrumento do direito imobiliário.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 138: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

136 | Instrumentos jurídico-urbanísticos do Estatuto da Cidade

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 139: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

O direito ambiental nas cidades

Direitos difusos e coletivosO direito ambiental, pelas suas características, pelos interesses que tutela e pela propriedade de

se fazer presente na manutenção de toda e qualquer possibilidade de vida, traz em seu escopo a impor-tância de uma considerável mudança de rumo no direito brasileiro, a saber, a necessidade de se tratar de direitos que tenham uma dimensão coletiva.

Assim, se reconhece que determinadas questões extrapolam em muito os muros que separam as questões individuais daquelas que têm em si natureza metaindividual. Se a lei que tratou da ação po-pular – Lei 4.717/1965 – foi importante para o reconhecimento das demandas de interesse coletivo e difuso, não menos relevante foi a Lei 6.938 de 1981, que reconheceu a necessidade de se estabelecer uma Política Nacional de Meio Ambiente e, posteriormente, a Lei 7.347/85 que tratou da ação civil pú-blica como meio de defesa de lesão e ameaça de lesão ao meio ambiente, entre outras questões.

Esse conjunto de legislações, fruto das demandas e pressões da sociedade civil organizada em torno das questões ambientais, culminou no Capítulo da Constituição Federal que trata do Meio Am-biente e que estabelece em seu artigo 225 que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações.

Dessa frase do texto constitucional é possível retirar alguns elementos, entre eles algumas das ca-racterísticas dos direitos difusos apontadas por Fiorillo (2005, p. 6), como a transindividualidade, quan-do o artigo se refere a um direito que não está na esfera da subjetividade individual, mas, ao contrário, aparece como um direito de “todos”, superando, dessa forma, a construção geral do direito brasileiro que se assentou historicamente sob a perspectiva de assegurar direitos individuais.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 140: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

138 | O direito ambiental nas cidades

Para além dessa característica, o direito ambiental é indivisível, ou seja, não é possível assegurá-lo de forma geral a apenas uma parte da população, pois em regra os seus efeitos são sentidos indepen-dentemente da apreensão de suas partes, até porque esse direito pressupõe a ideia de equilíbrio e não é possível se falar em equilíbrio, nesse caso, em partes. Isso não significa dizer que há o reconhecimento de que a população de mais baixa renda, em regra, sofrerá mais com os efeitos do desequilíbrio ambien-tal, pois apresenta menos possibilidade de se proteger individualmente de suas consequências, embora tal defesa possa se apresentar como paliativa no caso da contenção do problema.

Uma outra característica do direito ambiental é a indeterminação dos titulares, ainda que exista uma interligação destes pelas próprias circunstâncias relativas ao direito, quando a legislação se refere às “presentes e futuras gerações”, ou seja, não há que se falar em uma titularidade específica, ainda, que no caso concreta algumas populações, comunidades ou grupos possam sentir mais de perto as suas conseqüências, caracterizando assim, uma esfera de titularidade coletiva.

Por fim, o direito ao meio ambiente é considerado direito essencial, o que significa dizer que não há meio de vida sem considerar a necessidade da manutenção do meio ambiente; ele se perfaz, dessa forma, em condição de existência.

Princípios de direito ambientalO direito ambiental está conformado nos princípios que orientam a aplicação de suas regras.

Assim, diferentemente das regras que apresentam caráter mais específico, os princípios são mais gene-ralizantes e irradiam suas possibilidades e limites para todas as regras.

Dessa forma, o direito ambiental convive com os princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988 (CF/88) e com princípios que são específicos do direito ambiental. Assim, ao mesmo tempo, estão pre-sentes no direito ambiental: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da função social da pro-priedade, o princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente, o princípio da indis-ponibilidade do meio ambiente, o princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente.

Quanto aos princípios que informam o direito ambiental, são estes: princípio da sustentabilidade ambiental, princípio do poluidor-pagador, princípio da prevenção, princípio da participação e princípio da ubiqüidade.

Princípio da sustentabilidade ambientalNo que se refere à sustentabilidade ambiental, essa expressão foi utilizada pela primeira vez, ofi-

cialmente, na Conferência Mundial de Meio Ambiente em Estocolmo, no ano de 1972.

O princípio da sustentabilidade sustentável busca um equilíbrio entre as atividades econômicas, às questões sociais e a própria manutenção do meio ambiente. Nesse sentido aponta Fiorillo (2005, p. 27):

[...] o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e repro-dução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos à nossa disposição.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 141: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

139|O direito ambiental nas cidades

Assim, o princípio da sustentabilidade ambiental determina a verificação da tríade: econômico, social e ambiental para a realização das atividades nas cidades.

Importa aqui uma mudança no padrão de consumo e na forma de produção, pois esses são ab-solutamente responsáveis pela destruição ambiental. Dessa forma, muitos autores defendem que as medidas de controle e de aproveitamento de resíduos são absolutamente insuficientes para conter o acelerado avanço de degradação ambiental.

O controle sobre a atividade econômica é necessário na medida em que a falta deste, durante muito tempo, gerou os problemas que são o centro de enfrentamento atual. Nesse sentido, a Constitui-ção Federal de 1988, quando tratou da ordem econômica definiu que:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos pro-dutos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional 42, de 19/12/2003)

Nesse sentido, também o Estatuto da Cidade se manifestou determinando que

Art. 2.º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da proprie-dade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento am-biental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

[...]

g) a poluição e a degradação ambiental;

VIII - adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;

XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

Como se pode verificar, o legislador fez uma opção por uma determinada produção de cidade, o que não significa dizer que as atividades econômicas poluidoras estão absolutamente impedidas de se instalar em qualquer município brasileiro, mas que toda e qualquer atividade poluidora deverá, obriga-toriamente, procurar meios de mitigar os efeitos da poluição que causa.

Princípio do poluidor-pagadorO princípio do poluidor-pagador não traz em si a ideia de que o poluidor pode poluir, porque

paga. Ao contrário, busca punir aqueles que dessa forma agem.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 142: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

140 | O direito ambiental nas cidades

Nesse sentido, estabelece a responsabilidade objetiva do causador do dano, pelo tipo de ativi-dade que executa, o que significa dizer que, independentemente da verificação e comprovação de sua culpa, o empreendedor responsável pela atividade poluidora deverá arcar com os ônus da atividade, sempre que desta resultar qualquer dano ao meio ambiente.

Assim, como demonstra Fiorillo (2005, p. 30), “podemos identificar no princípio do poluidor-paga-dor duas órbitas de alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e b) ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo).”

O empreendedor deve, precipuamente, utilizar todos os meios e tecnologias que impeçam a ocorrência de danos ambientais e, nesse sentido, agir preventivamente à ocorrência de qualquer tipo de dano e, em um segundo momento, havendo ocorrência de dano, ainda que não seja apurada a sua culpa, cabe ao empreendedor, por assumir o risco da atividade, arcar com os possíveis ônus que ela possa vir a gerar e, assim, apurado o dano, cabe ao empreendedor a sua reparação posterior.

Esse princípio está exposto no parágrafo 3.º, do artigo 225 da Constituição Federal que determina que

[...] §2.º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

Como se pode notar no texto não se trata de provocar o dano, mas de se assumir o risco de exercer determinada atividade potencialmente poluidora.

A forma referente ao ressarcimento do dano, se possível se refletirá na sua contenção, mas tendo em vista que normalmente a esta fica absolutamente prejudicada, o ressarcimento poderá ser realizado com a indenização, ainda que deva se dar prioridade absoluta à possibilidade de reparação do dano, no caso dessa possibilidade existir.

Princípio da prevençãoAlguns autores sustentam que esse deve ser o princípio norteador de todos os princípios de direito

ambiental, pois tendo em vista que a reparação do dano ambiental é extremamente difícil de se verificar na prática, o estabelecimento desse princípio consiste na busca mais efetiva da prevenção.

Conforme demonstra Fiorillo (2005, p. 39):

De fato, a prevenção é preceito fundamental, uma vez que os danos são irreversíveis e irreparáveis. Para tanto, basta pensar: como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? Ou, de que forma restituir uma floresta milenar que fora devastada e abrigava milhares de ecossistemas diferentes, cada um com o seu essencial papel na natureza?

Dessa forma é possível verificar que a prevenção se constitui na possibilidade de se falar em meio ambiente e que, nesse sentido, o papel do Estádio na fiscalização e na aplicação de sanções é de funda-mental importância no desestímulo às práticas que agridam o meio ambiente.

Princípio da participaçãoTendo em vista que o meio ambiente é assunto de interesse geral, considerada a sua relevância,

toda a população está chamada pela Constituição Federal a contribuir no que se refere à proteção e

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 143: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

141|O direito ambiental nas cidades

preservação ambiental e, ainda, a fiscalizar e fazer valer os preceitos constitucionais atinentes ao meio ambiente. Pois, como lembra Fiorillo (2005, p. 41):

Outrossim, oportuno considerar que o resultado dessa omissão participativa é um prejuízo a ser suportado pela própria cole-tividade, porquanto o direito ao meio ambiente possui natureza difusa. Além disso, o fato de a administração desse bem ficar sob a custódia do Poder Público não elide o dever de o povo atuar na conservação e preservação do direito do qual é titular.

Nesse sentido, devem-se observar três questões fundamentais à realização de tal princípio. A pri-meira diz respeito à necessidade de conscientização sobre as questões ambientais, por esse motivo desenvolvem-se programas de educação ambiental que visam esclarecer à população sobre o papel do meio ambiente. Assim Fiorillo (2005, p. 43) descreve o significado da educação ambiental:

Educar ambientalmente significa: a) reduzir os custos ambientais, à medida que a população atuará como guardiã do meio ambiente; b) efetivar o princípio da prevenção; c) fixar a ideia de consciência ecológica, que buscará sempre a uti-lização de tecnologias limpas; d) incentivar a realização do princípio da solidariedade, no exato sentido que perceberá que o meio ambiente é único, indivisível e de titulares indetermináveis devendo ser justa e distributivamente acessível a todos; e) efetivar o princípio da participação, entre outras finalidades.

Para além dessa questão referente à educação fundamental, outros dois elementos são funda-mentais à efetividade das ações de preservação ao meio ambiente, quais sejam a necessidade de se afirmar a educação ambiental, não em ações pontuais, mas em uma política nacional de educação am-biental e o acesso às informações ambientais, como estabelece o parágrafo 1.º, do artigo 225, do texto constitucional que determina que

[...] §1.º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...]

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; [...]

Princípio da ubiquidadeEsse princípio tem por objetivo fazer valer as pretensões do direito ambiental, no sentido de se

entender que o meio ambiente está presente em todas as questões. Assim, toda a produção da cidade demanda uma reflexão sobre como se deve atuar em relação ao meio ambiente, que prejuízos podem ser causados e que tipo de prevenção deve ser adotada.

Esse princípio faz valer a regra de que há a necessidade de se inserir a questão ambiental como pauta de toda atividade econômica e das ações de ocupação e de uso dos espaços urbano e rural.

Estatuto da CidadeNa esteira dos princípios constitucionais, o Estatuto da Cidade veio disciplinar a construção do

espaço urbano e o controle do uso e da ocupação do solo, a partir do disciplinamento das atividades no que concerne às questões ambientais.

Nesse sentido, há que se considerar como bens ambientais o patrimônio natural e também o ambiente construído.

Com isso, não quis, o Estatuto, tratar de questões diretamente ambientais, assim, não está contido

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 144: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

142 | O direito ambiental nas cidades

no seu texto a forma de proceder, nem foram inseridos instrumentos de direito ambiental. Mas, em seu artigo 2.º, fica demarcada a opção principiológica de se tratar da produção das cidades a partir da ótica de que se devem considerar as questões ambientais em todas as suas formas na construção das cidades.

Por esse motivo, inclusive, determinou que as cidades “inseridas na área de influência de em-preendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional”, conforme determinou o artigo 41, inciso V, do Estatuto da Cidade devem realizar, ou seja, são obrigadas a elaborar seus planos diretores.

Também, como foi visto, no estabelecimento de seus princípios definiu uma forma de se produzir cidade que estará adstrita a observação das questões ambientais, como demonstra Oliveira (2005, p. 25):

O objetivo primeiro é ter uma cidade sustentável, ou seja, apropriada a fornecer a seus habitantes as condições mínimas de bem-estar, segurança, vida saudável etc. De outro lado, deve ter infraestrutura urbana, ou seja, transporte, trabalho, lazer e, em geral, serviços públicos, tais como ensino e saúde. Isso para preservar as presentes e futuras gerações [...]

Nesse sentido, no que concerne ao meio ambiente, as fronteiras entre urbano e rural são desfei-tas, assim como a preocupação quanto à titularidade dos bens, a responsabilidade pela sustentabilida-de da cidade e da conservação do patrimônio incide tanto sobre a propriedade quanto sobre a posse e tanto sobre os bens particulares quanto em relação aos bens públicos. Assim, é possível observar o rompimento de diversas categorizações tanto do direito público como do direito privado, ainda que tais designações já não apresentem fundamental importância.

Meios de defesa do patrimônio ambientalExistem inúmeros meios de se proteger o meio ambiente, entre eles pode se citar a ação popular,

a ação civil pública, a concessão de incentivos fiscais e a transferência do direito de construir, o tomba-mento, a instituição de Unidades de Conservação.

A ação popular é uma ação judicial que tem como objetivo anular um ato ou um contrato da Administração Pública que atente contra a moralidade pública e que lese o patrimônio público, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Qualquer pessoa pode propor a ação popular com isenção do pagamento das custas judiciais e dos ônus de sucumbência, o que significa perda da ação, a não ser que se comprove má-fé do titular da ação.

A ação civil pública é uma ação judicial que tem como objetivo proteger os interesses difusos e coletivos da sociedade, considerando os interesses referentes ao meio ambiente e a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Apurada a responsabilidade pelos danos causados, poderá haver condenação em dinheiro ou a necessidade de se fazer algo que repare o dano ocorrido. Qualquer pessoa pode provocar a iniciativa do Ministério Público para que este proponha a ação, prestando informações sobre os danos causados. Podem também propor a ação: a União, os Estados e os municípios; as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista e, ainda, as associações e fundações que tenham mais de um ano e que tenham por finalidade proteger o meio ambiente e o patrimônio histórico.

Quanto aos incentivos fiscais, estes apresentam como finalidade o auxílio na promoção do de-senvolvimento ambiental, socioeconômico e cultural da sociedade. Esses incentivos consistem em

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 145: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

143|O direito ambiental nas cidades

dedução/redução dos valores devidos ao Estado. Normalmente esses incentivos são realizados com a isenção parcial ou total do imposto devido, ou com o repasse de recursos de um ente da federação ao outro para que este se beneficie com a preservação do meio ambiente.

Alguns municípios, pelas suas características físicas, geológicas, ambientais não podem suportar grande impacto de atividades poluidoras em seus territórios. Isso é entendido em diversas situações como uma pena a tais municípios, no que concerne a divisão do repasse dos recursos ao conjunto de municípios.

Nesse sentido, existe, por exemplo, uma crítica em relação à regra de repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para os municípios, pois a forma de repasse é absolutamente concentradora de riquezas. Assim, o município que mais produz, independentemente de suas condições, tem retorno proporcional à sua produção, o que obviamente prejudica aqueles mu-nicípios que não podem se industrializar, inclusive porque são meios de manutenção dos municípios que se industrializam, como acontece com os municípios que são a fonte de água limpa, daqueles in-dustrializados.

Mas, o Estado dispõe de uma autonomia sobre 25% do valor que deve voltar aos municípios so-bre a regra que entender melhor criar.

Assim, diante desta margem de autonomia, o Estado do Paraná, por exemplo, utiliza o ICMS Eco-lógico, pela Lei 59/91, que destinou parte do recurso aos municípios que possuam ou mantenham uni-dades de conservação e mananciais de abastecimento de água em seus limites territoriais. Por conta disso, houve um aumento significativo de áreas protegidas e conservadas no Estado.

Quanto ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), também foi possível buscar um meio de incentivar a preservação ambiental. Esse imposto, a partir do Decreto Federal 4.382/2002, ex-cluiu da sua base de cálculo as áreas de preservação permanente, como os fundos de vale; as áreas de reserva legal, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN, as áreas de servidão florestal, as áreas de interesse ecológico para a proteção de ecossistema e as áreas imprestáveis para a atividade rural, declaradas de interesse ecológico.

Outro imposto que também vêm servindo como meio de incentivo à preservação é o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que assumiu as vestes de IPTU Ecológico e que iniciou em Porto Ale-gre com características similares ao sistema implantado para o ITR.

Ainda, a transferência do direito de construir também se apresenta como um instrumento de incentivo à preservação, pois tem como característica o caráter de instrumento jurídico compensatório que transfere o direito de construir de um lote para outro para além do que o segundo lote poderia ter de construção (considerando o tamanho da área construída). A transferência do direito de construir pode constar na Lei do plano diretor ou em legislação específica que trate do tema. O Poder Executivo deve encaminhar à Câmara de Vereadores projeto que contemple essa questão, estabelecendo os lu-gares de sua aplicação. Assim, se o proprietário de uma área não pode utilizá-la por conta da questão ambiental, este pode transferir o potencial construtivo desta área para outra, sem recolher os valores referentes à diferença entre os padrões básico e máximo da ocupação dos bens.

Quanto ao tombamento, o Poder Público, com base no Decreto Lei 25/37, poderá proteger bens que apresentem valor paisagístico, histórico, cultural no que se refere ao meio ambiente construído.

Como lembra Torres (2005, p. 104), no que se refere às Unidades de Conservação:

[...] com esse instituto o Poder Público poderá criar áreas para preservação do meio ambiente, divididas em dois grupos distintos: Unidades de Proteção Integral, que têm o objetivo de preservar a natureza, admitindo apenas o uso indireto

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 146: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

144 | O direito ambiental nas cidades

de seus recursos naturais, e as Unidades de Uso Sustentável, para compatibilização da conservação da natureza com o uso sustentável de parte dos seus recursos naturais.

Ainda, para além de todos esses institutos, existem aqueles relativos ao próprio direito ambien-tal como o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental) e para o meio ambiente construído e natural o exposto no Estatuto da Cidade como EIV (Estudo de Impacto de Vizi-nhança).

Outra possibilidade de controle das ações referentes ao meio ambiente e que pode ser realizada pelo município é o zoneamento ambiental, que extrapola as linhas que separam área urbana e área rural para se determinar ações de preservação ambiental nas áreas consideradas mais frágeis e mais relevantes do ponto de vista ambiental.

Competência municipalO meio ambiente nas cidades está constituído no princípio da subsidiariedade, em que o municí-

pio apresenta duas competências em relação à matéria ambiental: a legislativa e a material, para além das competências estabelecidas para os demais entes federativos.

Como afirma Mukai (2005, p. 50):

O Município exercerá essas atribuições com base no seu poder de polícia em matéria ambiental (art. 30, I e II, da Cons-tituição Federal), sendo que, em face do art. 23 da Constituição (competências comuns), o Município somente atuará (assim como os demais membros da Federação) em termos e em caráter de cooperação (através de convênios) com outros entes, em virtude dos dizeres do parágrafo único do referido art. 23. Não lhe é dado, nem a ele, Município, nem ao Estado-membro, nem à União, em termos de licenciamento e aplicação de sanções, agir isoladamente com fulcro no art. 23 da Constituição Federal.

Assim, os municípios apresentam competência concorrente quando legislam sempre que con-sideradas as diretrizes gerais estabelecidas pela legislação federal. Mas, cabe ao município determinar regras específicas ambientais que decorram de seu interesse local, desde que não contrariem as normas federais, conforme estabelece o artigo 24 da Constituição Federal. Também apresentam competência executiva comum em relação à execução das atividades relativas à preservação e conservação do meio ambiente, o que também está explicitado no artigo 23 da Constituição Federal de 1988.

Nesse caso, não importa a titularidade do bem (público ou particular ou público de outro ente federativo), a competência para a fiscalização e a aplicação de medidas que visam mitigar os impactos devem ser aplicadas por todos os entes da federação.

Assim, o órgão local possui poder de polícia ambiental, conforme a Lei 6.938/81 que instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA).

Além de todas as justificativas próprias do direito ambiental para o controle relativo à sua prote-ção, o município, com base no interesse local, deverá resguardar e legitimar a sua conduta no sentido de legislar, fazer o controle, a fiscalização e aplicar sanções referente ao descumprimento de norma am-biental, pois deve tratar de assuntos que por sua natureza afetem diretamente o seu interesse e, neste sentido, as questões ambientais sempre estão presentes nas políticas públicas municipais.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 147: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

145|O direito ambiental nas cidades

Texto complementar

Preservação ambiental ou moradia: um falso conflito(FERNANDES, 2006)

[...]

Mas, haveria mesmo um conflito entre preservação ambiental e moradia? Trata-se de uma falsa questão: os dois são valores e direitos sociais constitucionalmente protegidos, tendo a mesma raiz conceitual, qual seja, o princípio da função socioambiental da propriedade. O desafio, então, é com-patibilizar esses dois valores e direitos, o que somente pode ser feito através da construção não de cenários ideais inadmissíveis, mas de cenários possíveis.

A grande novidade da ordem jurídica brasileira, mas que ainda não foi totalmente compre-endida, é que onde valores constitucionais forem incompatíveis e um tiver que prevalecer sobre o outro, medidas concretas tem que ser tomadas para mitigar ou compensar o valor afetado. É esse o espírito da mencionada MP 2.220/2001: se o direito de moradia dos ocupantes de assentamentos informais em terras públicas não puder ser exercido no mesmo local, devido às razões ambientais, o direito de moradia continua prevalecendo, devendo ser exercido em outro local adequado. São muitos os exemplos no Brasil de programas locais que têm tentado construir esses cenários pos-síveis em que preservação e moradia são associados; talvez o melhor exemplo seja o dos “Bairros Ecológicos” de São Bernardo do Campo, para as ocupações consolidadas na margem da Represa Billings, onde uma ampla articulação coordenada pelo Ministério Público local levou à assinatura de Termos de Ajuste de Conduta envolvendo diversos atores – moradores, loteadores, Prefeitura etc. Dado o grau de participação comunitária, novas ocupações têm sido impedidas; remoções foram promovidas em certas áreas, bem como reflorestamento e plantio de calçadas ecológicas e outras medidas mitigadoras e compensatórias. A própria comunidade local pagou pela instalação de uma estação de tratamento de esgotos e, como resultado, a água da represa é hoje melhor que a água nas origens da represa, poluída por agrotóxicos ou despejos industriais.

[...]

Atividades1. Explique as características do direito difuso ambiental, a partir da Constituição Federal de 1988.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 148: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

146 | O direito ambiental nas cidades

2. A respeito da competência sobre meio ambiente é correto afirmar:

a) somente a União poderá estabelecer regras de direito ambiental.

b) o município poderá agir isoladamente no que concerne ao seu território.

c) somente a competência para a fiscalização recairá sobre o município.

d) a ação do município está fundada no seu interesse local.

3. Sobre o princípio do poluidor-pagador que tipo de responsabilidade é atribuída ao empreendedor e por que o legislador optou por essa escolha?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 149: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

147|O direito ambiental nas cidades

Gabarito1. O direito ambiental se caracteriza por ser direito metaindividual que tem por características a

transindividualidade, a indivisibilidade e a indeterminação de seus titulares que estão ligados por circunstâncias de fato.

2. D

3. A responsabilidade civil, nesse caso, é responsabilidade objetiva, pois o empreendedor assume com a atividade, a possibilidade dos seus riscos. Assim, independentemente da comprovação de sua culpa arcará com a responsabilidade da reparação dos prejuízos causados.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 150: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

148 | O direito ambiental nas cidades

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 151: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Regularização fundiária

MoradiaCom vistas ao reconhecimento e ao enfrentamento dos graves problemas vivenciados nas ci-

dades brasileiras, no que diz respeito à questão da moradia, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) recebeu um acréscimo naquilo que é considerado direito social. Assim, além da saúde, do trabalho, da educação, entre outros direitos, a Emenda Constitucional 26, de 14/02/2002 inseriu o direito à moradia na ordem dos direitos sociais, a saber:

Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a prote-ção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A justificativa dessa inserção no texto constitucional pode ser verificada nas palavras do autor Alfonsín (2003, p. 20)

Admitindo-se que o pão e a casa são meios indispensáveis de vida para a pessoa humana, a satisfação concreta de tais necessidades, passe o óbvio, é indispensável à mesma vida.

Se é esse o sentido, portanto, de todos os direitos humanos correspondentes à tal satisfação, a sua referência quanto aos sujeitos somente pode ser universal, e a sua referência ao objeto terra somente pode ser a de suficiência de espaço

para todo(a)s.

Diante dessas considerações, percebe-se que não há como se fazer valer o inciso terceiro do ar-tigo primeiro da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que postula como fundamento do Estado brasi-leiro a “dignidade da pessoa humana”, se for negada a possibilidade de manutenção dos meios de vida, entre eles, a alimentação e o abrigo.

Mas se trata aqui de qualificar o significado de abrigo, tendo em vista as possibilidades materiais que se afiguram na concretude do direito de morar. Significa dizer que o homem produziu uma série de qualificações relativas a tal direito, assim, o direito de morar não se afigura meramente na disposição de um “teto”, de uma habitação, mas para além desta, ainda que sem habitação não seja possível se falar em moradia, de uma série de condições que propiciem qualidade de vida, dignidade e cidadania.

Morar, a partir dos fundamentos expostos, significa acesso: à habitação de qualidade, com posse juridicamente assegurada; ao saneamento básico e à água tratada; à acessibilidade física ao local da

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 152: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

150 | Regularização fundiária

habitação; a iluminação, aquecimento e ventilação apropriados, observadas as condições locais; à infra-estrutura, como vias e calçamento; à disponibilidade de serviços públicos, como educação e saúde; acesso ao transporte público; à qualidade ambiental; à possibilidade de acesso ao trabalho; aos espaços de cultura e lazer, entre outras questões que caracterizam o significado da expressão moradia.

A legislação federal de parcelamento do solo, Lei 6.766/79, determina as condições mínimas de infraestrutura para que sejam realizados os loteamentos, conforme o artigo 2.º e define, ainda, no artigo 3.º, as restrições referentes aos locais em que se pode estabelecer as moradias, considerando os riscos existentes.

Assim, é possível dizer que do ponto de vista jurídico é reconhecido o direito à moradia e o Estado deve assegurar as condições para que tal direito seja devidamente viabilizado.

Cenários da moradia no BrasilAinda que a Constituição Federal reconheça o direito à moradia, a ordem jurídica brasileira levou

bastante tempo para iniciar a instrumentalização desse direito, de modo a fazer valer tal premissa.

De acordo com Maricato (2002, p. 17)

As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades brasileiras entre o final do século XIX e início do século XX, lan-çaram as bases de um urbanismo moderno “à moda” da periferia. Realizavam-se obras de saneamento básico para a eliminação das epidemias, ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento paisagístico e eram implantadas as bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista. A população excluída desse processo era expulsa para os morros e franjas da cidade. Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife, São Paulo e especialmente o Rio de Janeiro são cidades que passaram por mudanças que conjugaram saneamento ambiental, embelezamento e segregação territorial, nesse período.

Assim, como afirma a autora, os cenários das cidades brasileiras demonstram as enormes distân-cias que separam a “cidade formal da cidade informal”. Na mesma malha urbana, a cidade é capaz de conceder toda possibilidade de benefícios a uma parte da população e deixar para o restante um mar de precarização, informalidade e favelização.

Essa cidade informal é construída sobre as áreas sobrantes, ou seja, pelas áreas que não apre-sentam valorização econômica, que não possuem, ou que apresentam restrição de uso e, por isso, in-significante valor de troca. Resta, assim, a população pobre das cidades habitar os morros, as áreas de preservação ambiental, as áreas de difícil acesso, os terrenos distantes dos centros. Em contrapartida, a cidade formal mantém espaços vazios propícios à ocupação para a moradia, sem uso, aguardando maior valorização que signifique apropriação privada dos benefícios da urbanização.

Assim, a lógica da especulação imobiliária e da supervalorização das áreas mais infraestruturadas da cidade aliada a uma política pública habitacional incapaz de criar mecanismos de inclusão territorial gerou o cenário caótico de ocupação das cidades.

Nesse sentido, Maricato (2002, p. 20) se refere à política habitacional que criou o Banco Nacional de Habitação (BNH), integrado ao Sistema Nacional de Habitação na década de 1960, contando que tal política mudou de fato o padrão habitacional nas cidades brasileiras, mas critica o modelo adotado lembrando que

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 153: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

151|Regularização fundiária

[...] Infelizmente o financiamento imobiliário não impulsionou a democratização do acesso à terra via instituição da função social da propriedade. [...] A atividade produtiva imobiliária nas cidades brasileiras não subjugou as atividades especulativas, como ocorreu nos países centrais do capitalismo. Para a maior parte da população que buscava moradia nas cidades o mercado não se abriu. O acesso das classes médias e altas foi priorizado.

Ainda, os programas públicos para a população de baixa renda foram marcados pela padroniza-ção e pelo distanciamento da vida das cidades.

Por outro lado, as iniciativas de promoção pública, os conhecidos conjuntos habitacionais populares, também não enfrentaram a questão fundiária urbana [...] [...]. Os governos municipais e estaduais desviaram sua atenção dos vazios urbanos (que, como se sabe, se valorizam com os investimentos públicos e privados feitos nos arredores) para jogar a população em áreas completamente inadequadas ao desenvolvimento urbano racional, penalizando seus moradores e também todos os contribuintes que tiveram que arcar com a extensão da infraestrutura [...]. (MARICATO, 2002, p. 21)

Diante desse cenário, formaram-se os movimentos urbanos de moradia, reivindicando acesso à cidade e à moradia. O período da redemocratização inseriu a pauta dos movimentos sociais de reforma urbana na CF/88, onde se previu um capítulo específico referente à política urbana e ao cumprimento da função social das propriedades nas cidades.

Tais determinações no texto constitucional foram relevantes à abertura do debate institucional relativo às condições de vida da população nas cidades, mas era insuficiente à concreta viabilização de uma política habitacional de âmbito nacional. Assim, o projeto de lei – Estatuto da Cidade, elaborado pelos movimentos sociais, viria buscar instrumentos de efetivação do acesso à moradia.

InformalidadesO Estatuto da Cidade tem por objetivo o enfrentamento aos principais obstáculos de efetivação

do direito à cidade. A partir daí, estabeleceu uma série de princípios que norteariam as ações em todas as esferas de governo, no que se refere à produção das cidades e tratou da efetivação desses direitos a partir do estabelecimento de mecanismos jurídico-urbanísticos que objetivassem as ações de inclusão territorial, denominando-os de forma generalizada de instrumentos de regularização fundiária.

Os tipos de informalidade gerados pela segregação territorial são inúmeros, mas entre eles é pos-sível chamar a atenção para algumas formas de “irregularidade” que foram objeto da busca de soluções pela lei; entre elas está a ocupação da população em favelas ou assentamentos precários; em loteamen-tos clandestinos e irregulares, muitas vezes provocados pelos próprios loteadores, e os cortiços.

Outro ponto importante é que as irregularidades não atingem apenas a população de baixa ren-da, mas é essa população que mais sofre com os processos de irregularidade, pela falta absoluta de segurança, inclusive jurídica sobre as suas moradias. Por isso, há um olhar voltado à resolução desses problemas que são considerados mais graves.

Outra questão diz respeito à impossibilidade de acesso da população de baixa renda às áreas formais, não exclusivamente pela impossibilidade econômica, mas pela ausência de meios, ou seja, pela falta de condições de comprovar os inúmeros requisitos formais exigidos para se entrar no universo da formalidade, por exemplo, a comprovação de renda, a conta em banco, o comprovante de endereço, as certidões etc. Nesse sentido é possível perceber que a informalidade em uma situação pode ser a fonte das demais sujeições à informalidade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 154: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

152 | Regularização fundiária

Por fim, o tratamento da informalidade, no sentido de se buscar a efetivação do direito à moradia pelos programas de regularização fundiária, requer a observância dos seguintes elementos: jurídicos, urbanísticos e políticos.

Valorização da posseA forma que a Constituição encontrou para tratar desse problema, de uma moradia sem a segu-

rança jurídica da posse, foi se voltar à situação de fato e reconhecer que o direito à moradia não está necessariamente consubstanciado em uma situação de titulação. O que significa dizer de proprieda-de, a priori, ou seja, uma grande parte da população brasileira não consegue acessar o direito de pro-priedade, mas nem por isso pode ser privada do direito de morar. Volta-se, então, ao entendimento de que o direito à moradia deve ser reconhecido a partir do momento que este assume o status de direito fundamental de manutenção de vida, e que, dessa forma, pode se configurar apenas como posse.

Assim, se dá a revalorização da posse como forma de propiciar por meio do direito a legitimação concreta do direito de morar.

A CF/88, ao diminuir os prazos da usucapião, incentivar a manutenção daqueles que já têm posse e reconhecer o direito à moradia tinha como objetivo a valorização da posse em detrimento da titula-ridade da propriedade. Assim, fez constar em seu texto, em vários momentos, como no artigo 5.º, que o direito de propriedade somente será tutelado se este observar o cumprimento da função social.

Assim, o direito à moradia, garantido no artigo 6.º da CF/88 poderia vir a ser efetivado, pois de outra forma, quer dizer, sem a superação dos velhos fundamentos do direito de propriedade seria ine-vitável a manutenção do status quo.

Aspectos da regularização fundiáriaA regularização fundiária deve ser entendida como uma forma de resolver ou de mitigar proble-

mas já existentes. Portanto, trata-se de uma medida de caráter curativo, diferente daquelas políticas realizadas preventivamente. Nesse sentido, ela pode ser parte de uma política habitacional, mas não deve se configurar como a forma, por excelência, de se pensar tal política.

Em conjunto com essa medida é necessário estabelecer uma série de políticas públicas que não produzam mais irregularidade, como a ampliação do mercado formal de habitação e a revisão dos mo-delos tradicionais de urbanização.

Outra questão relevante para os programas de regularização fundiária é assegurar a possibilidade de permanência da população nos próprios locais onde se realiza o programa ou em locais próximos, tendo em vista a preservação da construção das relações sociais da população e a manutenção de seus vínculos sociais e afetivos.

É importante lembrar que a regularização fundiária não se configura como um programa de distribuição de títulos de propriedade. A sua finalidade é agregar instrumentos que reconheçam a

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 155: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

153|Regularização fundiária

segurança jurídica das áreas ocupadas, como é o caso da usucapião ou da concessão de direito real de uso, por exemplo, e de instrumentos que melhorem significativamente a qualidade urbanística das áreas, como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) que estabelecem a realização dos planos urbanísticos.

A primeira pergunta para se resolver a questão fundiária é a de se descobrir se a área ocupada é pública ou se é privada, a partir daí é possível estabelecer os procedimentos que serão adotados para a regularização e a definição dos instrumentos passíveis de utilização, lembrando que o tratamento das áreas públicas é diferenciado daquele definido para as áreas privadas.

Assim, iniciaremos o estudo acerca dos instrumentos jurídico-urbanísticos que buscam a efetiva-ção da regularização fundiária.

Concessão de Direito Real de Uso – CDRUA concessão de direito real de uso foi instituída pelo Decreto-lei 271/67. De acordo com o Decre-

to, ao Poder Público é permitido ceder bens públicos a particulares para que estes utilizem o imóvel de acordo com as seguintes destinações: urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social.

Conforme explica Costa (2002, p. 115)

Se as terras forem do Município, a Administração Municipal deve apresentar um projeto de lei para a Câmara Municipal. Recomenda-se que a lei que reconhece as ZEIS contenha uma autorização para implementar a CDRU.

Tanto para as favelas como para os conjuntos habitacionais, a autorização da CDRU gratuita ou paga está condicionada à avaliação prévia à licitação na forma de concorrência. É possível a constituição de um processo de dispensa de lici-tação, uma vez que a avaliação e a concorrência pública já ficam dispensadas nas concessões destinadas à habitação popular, quando se busca regularizar uma situação preexistente.

Particulares também podem utilizar esse instituto para ceder suas áreas a outros particulares.

Configura-se como um direito temporário, pois, apresenta finalidade previamente definida sendo que alterada a finalidade o concedente pode, a qualquer tempo, cancelar a concessão.

Quanto à forma, a sua validade não está condicionada à forma solene, mas a Lei de Registros Pú-blicos determina o registro imobiliário.

Concessão de uso especial para moradiaSobre a instituição desse instrumento e sobre a sua aplicação, afirma Prestes (2004, p. 213)

[...] a concessão de uso para fins de moradia decorre do direito à moradia expressamente consagrado na Constituição Federal como direito social e constitucionalmente previsto no capítulo da política urbana por intermédio do art. 183 e seus parágrafos. O Estatuto da Cidade, legislação complementar a Constituição Federal que é, apenas regulamentou o direito previsto, cabendo aos entes federativos, União, Estados e Municípios, cada qual no âmbito de sua competência, a sua aplicação, para o fim de atribuir consecução prática à Carta Magna.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 156: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

154 | Regularização fundiária

Assim, a concessão de uso especial para fins de moradia foi instituída pela Medida Provisória 2.220/2001, e tem por objetivo assegurar juridicamente a posse dos ocupantes de áreas públicas, desde que comprovados os seguintes requisitos: somar cinco anos de posse sobre o terreno público urbano de até 250m², até a data de 30 de junho de 2001; utilizar o terreno apenas para fins de moradia, sem serem proprietários de outro imóvel urbano ou rural; não haver sofrido ação judicial por parte do Poder Público pedindo a desocupação da área.

Como se pode verificar esse instituto é similar à usucapião que se dá em terras particulares, pois apresenta requisitos similares àquele instituto, porém se configura em cessão da posse e não da pro-priedade.

Nesse caso, então, não há transmissibilidade da titularidade do bem, o que significa dizer que o Poder Público continua a ser proprietário do bem, enquanto o particular mantém a posse juridicamente assegurada sobre o imóvel. Esse instituto pode ser utilizado de forma individual ou de forma coletiva.

UsucapiãoA posse direta em áreas privadas é passível de assumir a qualidade concomitante de propriedade

sempre que o possuidor demonstrar os requisitos fundamentais – posse contínua e tempo –, que per-mitam o reconhecimento referente à titularidade do bem.

No caso de bens particulares, a forma de aquisição da propriedade, por meio da posse, é, por excelência, a do instituto referente à usucapião. Assim, sem embargo dos demais meios aquisitivos da propriedade, como a transcrição, a acessão, a sucessão hereditária e a desapropriação, a usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade, que possibilita o reconhecimento oficial da titulação de um bem, a partir, basicamente, da verificação dos elementos anteriormente citados (posse e tempo). Ainda, é importante ressaltar, que a aplicação desse instituto está restrita a áreas privadas, conforme determinam o artigo 102 do Código Civil.

Tal instituto jurídico encontra-se presente na legislação brasileira desde o Código Civil de 1916 e foi mantido no atual Código Civil, apresentando algumas mudanças significativas, tais como: (i) a valorização do instituto da posse, observada pela diminuição do tempo necessário à aquisição do direito de propriedade, que culminou não só na diminuição dos prazos de espécies de usucapião já existentes, mas também em uma nova categoria do instituto; (ii) a mudança de perspectiva do insti-tuto que esteve sempre voltado à resolução de questões individuais e que, apesar de não perder tal característica, somou a esta possibilidade a utilização da usucapião a partir da perspectiva de deman-das coletivas e, por fim; (iii) a preocupação com uma questão concreta que diz respeito à realidade da condição de moradia no país, o que significa dizer, do deficit habitacional e da forma de ocupação do território das cidades brasileiras que impulsionaram a valorização da posse relacionada à moradia e ao trabalho, expressada tal preocupação na criação de possibilidades de diminuição de prazos, desde que comprovados tais usos.

As mudanças no Código Civil atual foram impulsionadas pela perspectiva e pelos moldes da descrição do instituto na CF/88, que fez constar expressamente em seu texto as novas espécies de usucapião.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 157: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

155|Regularização fundiária

Assim, é possível dizer que atualmente existem três grandes espécies de usucapião que podem ser utilizadas sob as perspectivas individual ou coletiva, sendo que esta última é descrita pormenori-zadamente em uma das espécies de usucapião, que hoje é denominada de usucapião coletiva. São, portanto, espécies de usucapião as seguintes: (i) usucapião extraordinária; (ii) usucapião ordinária e; (iii) usucapião especial (individual ou coletiva).

A lógica que perpassa a utilização de cada uma das espécies está relacionada ao tempo da posse, o que significa dizer que, quanto mais tempo de posse ininterrupta, há a necessidade de se comprovar menos requisitos.

A primeira espécie de usucapião, a usucapião extraordinária, está descrita no artigo 1.238 do Código Civil:

Art. 1.238. Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Na situação descrita por este artigo, passados 15 anos de utilização de um imóvel particular, agindo o possuidor como se tal bem fosse seu, o que significa dizer, sem vínculo precedente e mantido durante esse período (por exemplo: aluguel, comodato, arrendamento etc.) com o proprietário cons-tante na matrícula do imóvel, este poderá ser reivindicado como propriedade do possuidor, sem que este tenha que comprovar boa-fé ou justo título.

Ainda, de acordo com o parágrafo único, esse tempo poderá ser reduzido para dez anos, também considerados independentemente de justo título e boa-fé, se o possuidor comprovar que a utilização do imóvel é pessoal e que se destina, portanto, à sua moradia ou ao seu trabalho, consideradas às acessões e benfeitorias realizadas no imóvel que possibilitem a atividade laborativa do possuidor. Tal disposição alia e considera a relevância social e pessoal do uso do bem.

A segunda espécie de usucapião, a usucapião ordinária, está descrita no artigo 1.239 do Código Civil:

Art. 1242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por 10 (dez) anos.

Parágrafo único. Será de 5 (cinco) anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social ou econômico.

Nessa espécie de usucapião, os requisitos posse e tempo permanecem presentes, mas há neces-sidade de o possuidor demonstrar no mínimo mais dois requisitos: boa-fé e justo título.

A boa-fé é entendida aqui como o desconhecimento do possuidor acerca de qualquer vício (clan-destinidade, precariedade ou violência) que decorra da posse. Tal requisito deve ser demonstrado de acordo com a situação concreta vivenciada pelo autor da ação, que faz demonstrar que naquela situa-ção poderia, de fato, desconhecer vício, tendo em vista a natureza e as circunstâncias da aquisição da sua posse. Nesse caso, uma vez questionada a boa-fé demonstrada pelo possuidor, cabe ao réu da ação de usucapião a alegação e comprovação do conhecimento do vício do autor.

Quanto ao justo título, também exigido nessa espécie de usucapião, o possuidor deve demons-trar, por meio de um documento, a aquisição do bem. Esse título deve parecer hábil ao registro do bem,

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 158: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

156 | Regularização fundiária

mas, por haver algum defeito de origem, inviabiliza-se o seu registro. Tal título pode se configurar, por exemplo, em um compromisso de compra e venda.

Como no caso da usucapião extraordinária, para a usucapião ordinária o prazo também poderá ser diminuído para cinco anos, se comprovar-se a aquisição onerosa do bem e se a utilização do imóvel for considerada como socialmente relevante, se o possuidor usar o bem para a sua moradia, para as suas atividades laborativas ou para atividades de interesse social.

A terceira espécie de usucapião, denominada usucapião especial urbana ou usucapião especial rural, de acordo com a localização da área, foi instituída com o objetivo de regularizar áreas privadas ocupadas e consolidadas com moradia e geração de renda pela população de baixa renda, com o intuito de efetivar os fundamentos e princípios da CF/88, notadamente aquele que diz respeito à dignidade da pessoa humana e à sua concretização, estabelecidos nos artigos 5.º e 6.º da CF/88, que tratam dos direitos e garantias fundamentais e dos direitos sociais.

Nesse sentido, a CF/88 fez constar em seu texto tal instituto como se pode verificar.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§1.º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemen-te do estado civil.

§2.º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§3.º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Com a regulamentação do Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal, o Estatuto da Ci-dade, Lei 10.257/2001, fez constar também em seu texto os termos da aplicação desse instituto.

Art. 9.º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cin-co anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§1.º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§2.º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§3.º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

Seguindo a mesma orientação da CF/88 e do Estatuto da Cidade, o Novo Código Civil também tratou dessa nova espécie de usucapião, agregando às espécies anteriormente existentes mais essa possibilidade prevista nas demais legislações citadas.

Art. 1.240. Aquele que possuir como sua, área urbana de até 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, por 5 (cin-co) anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§1.º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemen-te do estado civil.

§2.º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

A diferença dessa forma de usucapião para as demais espécies inicia com o objetivo do instituto que é dirigido, como foi dito anteriormente, à população de baixa renda. Nesse sentido, os requisitos são adequados ao interesse que busca ser protegido com a aplicação da usucapião especial.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 159: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

157|Regularização fundiária

Assim, para que o possuidor requeira a declaração de propriedade da área que é objeto dessa espécie de usucapião é necessário demonstrar o cumprimento dos seguintes requisitos: (i) posse inin-terrupta pelo prazo de 5 (cinco) anos; (ii) a área deve ser igual ou menor que 250m², seja ela referente a terreno ou edificação, no caso de área urbana, ou deve ser igual ou menor que 50 hectares se a área for considerada rural; (iii) o imóvel deve ser utilizado para moradia do possuidor ou de sua família; (iv) o re-querente não pode ter a titularidade de outro imóvel urbano ou rural; (v) o requerente não pode ter sido beneficiado anteriormente por essa mesma forma de usucapião, ou seja, não pode ter sido beneficiado com outra sentença declaratória, transitada em julgado, de usucapião especial.

Cabe ressaltar que nessa espécie de usucapião, o registro do imóvel deve ser realizado em nome dos ocupantes, o que significa dizer que caso o imóvel seja ocupado por um casal, este deverá ser regis-trado em nome de ambos.

Quanto ao requisito tempo, o parágrafo 3.º do artigo 9.º do Estatuto da Cidade também indica a possibilidade de se somar o tempo das posses antecedentes para o fim de se contar o tempo necessário para a usucapião especial, sendo que tal soma poderá ocorrer nos casos de sucessão hereditária ou de transmissão da posse entre terceiros, conforme determina o artigo 1.243 do Código Civil.

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (artigo 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do artigo 1.242, com justo título e de boa-fé.

Por fim, o legislador, reconhecendo a necessidade de solucionar questões referentes à legitimida-de da posse da população de baixa renda em extensas áreas, ampliou a aplicação do instituto da usuca-pião especial, possibilitando a sua utilização de forma individual ou coletiva. Nesse sentido, os possui-dores que estiverem em áreas com tamanho superior a 250m² em que as condições para a identificação dos lotes ocupados sejam difíceis, o grupo de possuidores que estiver sobre a área pode demandar o usucapião coletivo, conforme estabelece o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, conforme segue.

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa ren-da para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§1.º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§2.º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.

§3.º Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais dife-renciadas.

§4.º O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

§5.º As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condô-

minos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

No caso dos possuidores demandarem a usucapião coletiva, o resultado da demanda, se atendi-dos os requisitos, será a de um condomínio de propriedade dos copossuidores. Esse condomínio pode-rá ser estabelecido de duas formas, na primeira situação, os condôminos não apresentam a proporção

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 160: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

158 | Regularização fundiária

de seus lotes em relação a toda área e o juiz estabelece frações ideais idênticas a todos os condôminos, independentemente do tamanho real de cada lote ocupado. No segundo caso, os possuidores apresen-tam a proporção de cada um em relação à área total, definindo-se de forma diferenciada a fração ideal de cada condômino.

A segunda situação apresenta uma dificuldade que diz respeito à ordem normalmente estabele-cida nos processos de regularização fundiária. Muitas vezes, o projeto urbanístico das áreas não antece-de às demandas judiciais de reconhecimento da propriedade, isso significa que: (i) há uma dificuldade em se estabelecer a unidade de cada lote (localização e tamanho) antes do projeto de urbanização; (ii) possíveis alterações na disposição dos lotes podem vir a ser realizadas posteriormente ao reconheci-mento da titulação, o que altera a proporcionalidade estabelecida a priori.

É importante ressaltar que os condôminos, uma vez reconhecida a propriedade dos demandan-tes da ação de usucapião coletiva, poderão extinguir posteriormente o condomínio, mediante a decisão de dois terços dos condôminos.

Outra questão relevante diz respeito às áreas de uso comum do condomínio (ruas, praças, áreas destinadas a equipamentos públicos, áreas verdes etc.) que ao se extinguir o condomínio é importante que sejam doadas ao Poder Público Municipal.

Quanto à legitimidade para a propositura das ações de usucapião especial individual ou coletiva, o Estatuto da Cidade estabelece que

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:

I - o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;

II - os possuidores, em estado de composse;

III - como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personali-dade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.

§1.º Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.

§2.º O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

De acordo com o parágrafo segundo do artigo exposto, nos casos de usucapião especial, indivi-dual ou coletiva, os demandantes poderão requerer os benefícios da justiça gratuita relativamente à ação e ao registro de imóveis e, ainda, de acordo com o artigo 13 do Estatuto da Cidade, a usucapião especial pode ser alegada como matéria de defesa em ações que discutam a legitimidade da posse e da propriedade.

Portanto, uma vez identificada a área objeto da regularização fundiária como imóvel particular, a partir da posse contínua de cinco anos é possível pleitear-se a propriedade do bem por meio de ação de usucapião, atendida a espécie conforme o caso.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 161: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

159|Regularização fundiária

ZEISAs zonas especiais de interesse social (ZEIS) são um instrumento jurídico-urbanístico que permi-

tem a flexibilização dos parâmetros estabelecidos nas leis de parcelamento, de uso e ocupação do solo, com vistas à moradia de interesse social.

Nesse sentido, ao contrário dos demais instrumentos, as ZEIS não concedem titulação aos pos-suidores, mas permitem que tal titulação seja possibilitada na medida em que reconhece a existência formal das áreas e que torna regulares os seus parâmetros urbanísticos.

Como define Saule Júnior (2002, p. 92)

As ZEIS são destinadas prioritariamente para a produção e manutenção de habitação de interesse social, a fim de promover a regularização jurídica da área, a implantação de infraestrutura urbana e equipamentos comunitários e a promoção de programas habitacionais, incorporando os territórios da cidade informal à cidade legal.

Nesse sentido, além da referência ao instituto trazida pelo Estatuto da Cidade, em seu artigo 2.º, a Lei de Parcelamento do Solo (Lei 6.766/79) também acrescentou em seu texto a possibilidade de se realizar loteamento, considerando as premissas da moradia de interesse social. Assim, determina o Es-tatuto da Cidade

Art. 2.º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da proprie-dade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabeleci-mento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconô-mica da população e as normas ambientais;

XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;

As áreas que normalmente são objeto de aplicação das ZEIS são as favelas, os loteamentos clan-destinos e irregulares e outros terrenos que ainda não foram edificados. Portanto, as ZEIS podem ser aplicadas em áreas já consolidadas de moradia de população de baixa renda ou pode ser utilizada no planejamento de áreas que se destinem a programas habitacionais.

A instituição das ZEIS deve preferencialmente ser prevista no plano diretor, mas, não sendo, po-derá ser objeto de definição posterior do Poder Público Municipal. Caso seja estabelecida posterior-mente ao plano diretor, lei específica deverá determinar as regras e parâmetros para a área objeto da implantação.

As ZEIS não podem ser consideradas como uma medida meramente jurídica, e, nesse sentido, sempre que houver o estabelecimento de uma ZEIS, deverá haver a previsibilidade da realização de um plano urbanístico da área que permita a leitura das condições locais e a priorização de investimentos de infraestrutura para as áreas objeto da aplicação do instituto.

Por fim, a flexibilização deve atender a critérios de segurança para os moradores e de qualidade de vida, de forma a não se configurar em medida meramente paliativa para a solução da questão da moradia.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 162: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

160 | Regularização fundiária

Texto complementar

Zonas Especiais de Interesse Social(ROLNIK, 2000)

A primeira experiência de estabelecimento de ZEIS ocorreu no município do Recife-PE (1 300 hab), e teve início na década de 1980.

Em 1983, uma nova Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade reconheceu as ZEIS como parte integrante da cidade sem, no entanto, dispor de instrumentos de inibição da ação especulativa do mercado imobiliário: a lei reconhecia características particulares daqueles assentamentos e propu-nha a promoção de sua regularização jurídica, bem como a sua integração à estrutura da cidade, mas, uma vez integradas as ZEIS, as leis do mercado tratariam de estabelecer sua dinâmica normal de estruturação urbana.

Além disso, a lei reconhecia apenas 27 áreas como ZEIS – dentro de um universo estimado de 200 favelas – deixando uma massa de assentamentos de origem espontânea sem instrumentos legais de acesso a solo e benefícios urbanos.

A regulamentação das ZEIS somente ocorreu em 1987, após longo processo de articulações, pressões e negociações das organizações de bairro: apoiadas pela Comissão de Justiça e Paz da Arqui-diocese de Olinda e Recife, apresentaram projeto de lei regulamentando as ZEIS e prevendo mecanis-mos de gestão participativa na condução de projetos de recuperação urbana e regularização jurídica, e formas de solicitação de transformação em ZEIS de localidades ainda não caracterizadas como tal.

Com esta lei do PREZEIS – Plano de Regularização das ZEIS – abriu-se o leque para que novas áreas pudessem ser incorporadas como ZEIS, sendo introduzidos mecanismos de proteção contra as ações especulativas do mercado. Dentre os instrumentos de inibição, destacam-se os que esta-belecem os lotes mínimos e os que proíbem os remembramentos, reforçando a conservação das características das ocupações locais, bem como do perfil social dos ocupantes.

A lei do PREZEIS tratou sobretudo de institucionalizar os canais de gestão urbana, colocando a população próxima a arena decisória. Foram criadas, em lei, as Comissões de Urbanização e Legali-zação da Posse da Terra (COMUL) – institucionalizando as práticas das antigas comissões de bairro – com o objetivo de tratar dos problemas específicos de cada uma das ZEIS. Foi também criada a figura, ainda consultiva, do Fórum do PREZEIS, destinado a ocupar-se das questões pertinentes ao conjunto das ZEIS.

[...]

Em 1993, foi aprovada na Câmara de Veradores a lei regulamentando o Fundo do PREZEIS e, a partir daí, pactuou-se o comprometimento de 1,2% da arrecadação tributária para o funcionamento do programa.

Um balanço nos números relativos ao PREZEIS apontou, em 1997, a existência de 66 áreas ZEIS, e, destas, 35 já constituíram comissões de urbanização e Legalização da Posse da Terra em atividade.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 163: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

161|Regularização fundiária

A Prefeitura tem obras em 18 dessas áreas e planos específicos elaborados para nove delas. As CO-MULs acompanham as pautas de regularização fundiária e intervenções de urbanização, supervisio-nando a aplicação de recursos do Fundo PREZEIS, com valores da ordem de R$ 4 milhões (1996).

Atividades

1. A tentativa de eliminação da informalidade, no que se refere à moradia no Brasil, depende da observação de que elementos?

2. A usucapião especial é um meio de aquisição da propriedade imóvel que poderá ser utilizada:

a) para bens públicos e bens privados.

b) somente para bens públicos.

c) somente para bens privados.

d) somente para os imóveis urbanos.

3. As ZEIS são um instrumento de regularização fundiária que se propõem a resolver determinadas questões na efetivação do direito à cidade. Explique como esse instrumento atua na facilitação desse objetivo.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 164: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

162 | Regularização fundiária

Gabarito1. A questão da informalidade da moradia no Brasil depende, para a concretização dos programas de

regularização fundiária, da observância de aspectos jurídicos, políticos e urbanístico, considerados aqui como infraestrutura, meio ambiente, circulação etc.

2. C

3. As ZEIS flexibilizam os parâmetros de uso e ocupação em determinadas áreas na cidade, diminuindo o tamanho mínimo dos terrenos e aceitando padrões construtivos que a legislação edilícia em regra não aceitaria. Isso não significa a aceitação de qualquer modelo de moradia ou habitação. Havendo risco à população, o plano das ZEIS deve prever realocação.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 165: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Poder de polícia municipal

Natureza e conceitoA polícia administrativa está adstrita à matéria de Direito Administrativo, portanto, é disciplina de

direito público que se configura por ser um limite as ações dos particulares, impostas pela Administra-ção Pública, que poderá valer-se de meios coercitivos para concretizar as suas determinações.

De acordo com Medauar (2003, p. 355):

Em essência, poder de polícia é a atividade da Administração que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades. É uma das atividades em que mais se expressa sua face autoridade, sua face imperativa. Onde existe um ordenamento, este não pode deixar de adotar medidas para disciplinar o exercício de direitos fundamentais de indivíduos e grupos.

A ideia de se estabelecer limites à atuação de particulares decorre da necessidade de se conviver melhor em sociedade. Nesse sentido, a Administração irá determinar uma série de regras e critérios para que as ações individuais não causem danos ou prejuízos para toda a coletividade.

Essa preocupação não é uma novidade, ainda que mais recentemente, por conta das novas con-figurações do uso e da ocupação dos territórios nos municípios, o poder de polícia ganhou novos con-tornos, inclusive ampliando consideravelmente o seu leque de atividades. Mas, como se disse, desde muito convive tal instituto jurídico no Direito brasileiro. É possível verificar que os primeiros códigos que tratavam das posturas municipais vinham justamente, ainda que não utilizassem essa denominação, prever medidas limitadoras da atividade individual.

Com a complexificação das cidades, a diminuição das distâncias entre vizinhos e a variedade de usos da cidade, torna-se imperiosa a necessidade de se estabelecer quais são os limites para cada par-ticular exercer o seus direitos. Assim, antigas questões tratadas nos Códigos de Posturas permanecem, mas se agregam a estas, inúmeras outras questões que variam em relevância e natureza, mas que agre-gadas formam uma intensa malha de restrições.

Nesse sentido, é necessário ressaltar que o poder de polícia deve atingir todos os particulares. Assim, ninguém deve arcar com os ônus do processo de urbanização sozinho, mas é uma medida que apresenta graus de generalidade e amplitude, de forma a não se estabelecer de forma individualizada.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 166: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

164 | Poder de polícia municipal

Como afirma Meirelles (2006, p. 469), o poder de polícia se configura como um “mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual”. Assim, o que se quer preservar é o interesse público.

LegislaçõesO poder de polícia pode ser estabelecido em inúmeras legislações. No caso dos municípios, este

aparece comumente nos Códigos de Posturas, nos Códigos de Edificações ou de Obras e em leis espar-sas que tratam de assuntos específicos, como acontece normalmente nas metrópoles.

Mas, nesse mesmo sentido, o próprio Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 1966, em seu arti-go 78 determina que:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, in-teresse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segu-rança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar 31, de 28/12/1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discri-cionária, sem abuso ou desvio de poder.

Assim, o Código Tributário Nacional definiu quais são os temas atinentes ao poder de polícia. A necessidade de sua previsão legal e a determinação de ser realizado por órgão definido como compe-tente para exercer a função.

Características do poder de políciaO poder de polícia apresenta características próprias à execução de seus objetivos, no que se

refere à sua natureza, aplicabilidade, orientação valorativa e suas consequências.

Nesse sentido, a primeira questão que caracteriza o poder de polícia é o de se configurar como atividade administrativa, tendo em vista que é realizado pela Administração Pública, a partir dos proce-dimentos por ela adotados, ainda que esta trabalhe na estrita definição do que a lei estabelecer.

O poder de polícia é realizado na ação concreta da Administração, ou seja, na verificação de seu cumprimento ou descumprimento, tendo, neste último caso, as consequências preestabelecidas pela legislação.

Assim, cabe ao Poder Executivo a proposta de regulação, que é encaminhada ao Poder Legislativo e, uma vez aprovado o projeto de lei, cabe à Administração a sua fiscalização e a imposição de sanções nos casos em que se verificarem o descumprimento da legislação.

A atividade realizada pelo Poder Público, neste caso, está adstrita ao que estiver definido em legis-lação, tanto em relação a sua observação ou não observação como no que se refere a sua consequência.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 167: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

165|Poder de polícia municipal

Além disso, configura-se sempre como atividade restritiva dos direitos dos particulares. Nesse caso, a responsabilidade é do particular, recaindo apenas sobre o Poder Público a necessidade de sua fiscalização, ao contrário do que ocorre com o serviço público que demanda uma ação do Estado e, portanto, acarreta na sua responsabilidade.

Como afirma Medauar (2003, p. 359):

No atual contexto da Administração Pública, dividida entre uma face de autoridade e uma face de prestadora de servi-ços, o poder de polícia situa-se precipuamente na face autoridade. Atua, assim, por meio de prescrições, diferente do serviço público, que opera por meio de prestações.

Dessa forma, é possível diferenciar os dois institutos do Direito Administrativo: o serviço público e o poder de polícia.

Ainda, é necessário considerar a autoexecutoriedade que significa, como define Meirelles (2006, p. 475):

[...] a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão, por seus próprios meios, sem interven-ção do Judiciário, é outro atributo do poder de polícia. Com efeito, no uso desse poder a Administração impõe direta-mente as medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção de atividade antissocial que ela visa obstar. [...] Se o particular sentir-se agravado em seus direitos, sim, poderá reclamar, pela via adequada, ao Judiciário, que intervirá oportunamente para a correção de eventual ilegalidade administrativa ou fixação de indenização que for cabível. O que o princípio da autoexecutoriedade autoriza é a prática do ato de polícia administrativa pela própria Administração, independentemente de mandado judicial.

Nesse sentido, o exemplo dado pelo autor é que se no caso de fiscalização o Poder Público veri-ficar a construção de edificação que ofereça perigo à coletividade, este pode embargar administrativa-mente a obra, independentemente da determinação do Poder Judiciário.

PrincípiosOs princípios que informam a aplicação do poder de polícia são os princípios de direito adminis-

trativo e, mais especificamente, os princípios da legalidade, da impessoalidade e o da moralidade.

O princípio da legalidade determina que a ação do Poder Público esteja adstrita àquilo que es-tiver previamente estabelecido em lei, assim ao contrário do que ocorre com o direito privado que somente estabelece o que não é permitido, dando maior margem de ação aos particulares, no caso do direito público a ação da administração pública está condicionada pela lei.

Como descreve Justen Filho (2005, p. 77) “o princípio da legalidade está abrangido na con-cepção de democracia republicana. Significa a supremacia da lei (expressão que abrange a Cons-tituição), de modo que a atividade administrativa encontra na lei seu fundamento e seu limite de validade.”

No caso do poder de polícia, o princípio da legalidade informa a competência da autoridade ad-ministrativa tanto para definir quem pode legislar sobre que matéria e, ainda, a quem cabe executar a fiscalização e aplicar a sanção.

A legislação pode permitir que o Poder Público tenha uma margem de decisão sobre a sua ação. O nome que se dá a esta possibilidade é a discricionariedade. Esta pode ser aplicada ao poder de polícia.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 168: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

166 | Poder de polícia municipal

Nesse sentido, define Meirelles (2006, p. 474 e 475)

A discricionariedade traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o po-der de polícia, bem como de aplicar as sanções legais e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Nesse particular – e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhes é atribuída – a discricionariedade é legítima.

No caso da ação estar absolutamente regulada, inclusive o procedimento de aplicação, sanção etc., a margem de discricionariedade desaparece e a ação do Poder Público fica restrita às determina-ções da lei.

Também, a discricionariedade não deve ser confundida com a arbitrariedade, tendo em vista que esta extrapola o limite definido para a ação do Poder Público. A arbitrariedade poderá ocorrer, por exemplo, de abuso de poder.

Como explica Meirelles (2006, p. 475) “discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder”. Sendo que o ato arbitrário é considerado nulo, porque absolutamente inválido.

Assim, como exemplo de discricionariedade o Poder Público Municipal pode decidir em que rua do município poderá ser instalada a feira ou determinada festa. Em relação ao princípio da legalidade, uma vez definida, por exemplo, a multa para os donos de terrenos baldios que não os mantêm limpos, o Poder Público não poderá optar por outro valor, ou por considerar ou desconsiderar a omissão do proprietário.

Sobre o princípio da impessoalidade, o Poder Público está condicionado a promover as suas ações independentemente da verificação do atingimento pessoal a patrimônio ou ação de qualquer pessoa. Assim, não haverá diferença na aplicação da sanção pela consideração do sujeito praticante do ato considerado lesivo. O objetivo do princípio é o de se impedir atos motivados por condições pessoais e subjetivas de determinada pessoa.

Como demonstra Medauar (2003, p. 138) “com o princípio da impessoalidade a Constituição visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos [...]”.

O princípio da moralidade administrativa trata da lisura na aplicação das normas e das condutas na Administração Pública. É aquilo que está para além do estrito cumprimento da legislação, o que deriva do bem senso diante de determinadas situações que se afiguram não necessariamente como ilegais, mas como imorais.

O ato que está fora da configuração do princípio da moralidade administrativa pode ser caracte-rizado como improbidade administrativa, conforme determina a Constituição Federal em seu artigo 85, inciso V, a saber:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

V - a probidade na administração; [...]

Assim, os atentados contra a moralidade dão ensejo à apuração de responsabilidade, conforme prevê a Constituição Federal.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 169: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

167|Poder de polícia municipal

Objeto do poder de polícia municipalO objeto geral do poder de polícia é bastante amplo. Em primeiro lugar regula a conduta das

pessoas e estabelece normas referentes ao patrimônio público e ao patrimônio privado, o que significa dizer que incide sobre pessoas e sobre bens.

Com a complexificação das relações sociais e da interação dessas com o ambiente, o âmbito de atuação do poder de polícia vem avançando. Assim, questões que não faziam parte do rol de situações que estavam abarcadas pelo poder de polícia, atualmente são incidências comuns, como é o caso, por exemplo, das normas de meio ambiente.

Como descreve Medauar (2003, p. 361), ainda que o rol aqui posto não seja taxativo, as questões que frequentemente são disciplinadas pelo poder de polícia são as seguintes:

[...] direito de construir, localização e funcionamento de atividades no território de um Município; condições sanitárias de alimentos, elaborados ou não, vendidos à população; medicamentos; exercício de profissões (quando regulamen-tadas, às vezes o poder de polícia é delegado, por lei, às ordens profissionais); poluição sonora, visual, atmosférica, poluição dos rios, mares, praias, lagoas, lagos, mananciais; preços; atividade bancária, atividade econômica; trânsito.

Várias dessas questões atingem diretamente o município. Nesse caso, a atribuição de poder de polícia municipal está relacionada principalmente aos conteúdos dos códigos de posturas e obras, mas naquilo que for verificado o interesse local o município poderá se manifestar.

No caso dos municípios, a execução das atividades referentes ao poder de polícia, entre elas a fiscalização, são realizadas por servidor público do município, e havendo resistência em cumprimento do poder de polícia é possível se requisitar força policial.

Procedimentos e coercibilidadeNo caso dos municípios, as legislações devem prever a conduta, e os procedimentos da fisca-

lização, principalmente no que se refere à concessão de alvarás e licenças, à autuação, aos processos administrativos e às medidas coercitivas que podem variar do embargo aplicação de multas.

A polícia administrativa pode agir de duas formas: preventivamente ou aplicando a penalidade cabível, se decorrida a infração.

Como afirma Meirelles (2006, p. 477):

Atuando a polícia administrativa de maneira preferentemente preventiva, ela age através de ordens e proibições mas, e, sobretudo, por meio de normas limitadoras e condicionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, estabelecendo as denominadas limitações administrativas. Para tanto, o Poder Público edita leis e os órgãos executivos expedem regulamentos e instruções fixando as condições e requisitos para o uso da propriedade e o exercício das atividades que devam ser policiadas; e, após as verificações necessárias, é outorgado o respectivo alvará de licença ou de autorização, ao qual se segue a fiscalização competente.

A partir da verificação do correto cumprimento da norma, a Prefeitura poderá expedir o respec-tivo alvará de licença ou de autorização. O alvará é instrumento concernente ao ato de consentimento formal da Administração à pretensão do administrado.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 170: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

168 | Poder de polícia municipal

O alvará poderá ser definitivo ou precário. O alvará de licença é considerado definitivo. Pode ser cassado por ulterior descumprimento de norma ou por ilegalidade na sua expedição. Nesse caso, o al-vará não poderá ser invalidado de forma discricionária, como adverte Meirelles (2006, p. 478), só admite revogação se for demonstrado interesse público, desde que justificado e superveniente. Nesse caso caberá indenização. Poderá ainda ser invalidado, por meio da cassação ou da anulação. O primeiro caso se refere à inobservância das normas referentes à sua execução e segunda situação diz respeito à com-provada ilegalidade na sua expedição.

O alvará de notificação é considerado precário. Pode ser retirado pela Administração Pública a qualquer momento.

Quanto ao alvará de licença, lembra Meirelles (2006, p. 478) que este se configura em “[...] um bem patrimonial de seu titular, alienável e transferível a terceiros juntamente com a coisa ou atividade licen-ciada, pois vincula-se a esta e a acompanha em suas mutuações negociais, como todo direito real”.

Além dos alvarás, a Administração Pública também tem como dever a fiscalização. Uma vez fisca-lizada a atividade e verificada sua incompatibilidade com a legislação ou ato administrativo expedido pelo Poder Público se procederá à coibição da continuidade da ação.

Nesse sentido, Meirelles (2006, p. 479) descreve os passos para a ação fiscalizatória

Deparando irregularidade ou ilegalidade reprimível pela Administração, o órgão fiscalizador deverá advertir verbal-mente o infrator ou lavrar desde logo o auto de infração, cominando-lhe a penalidade cabível, sempre com oportunida-de de defesa no processo administrativo correspondente, sob pena de nulidade da sanção. Somente em caso de perigo iminente é admissível a sanção imediata e sumária, com processo e justificativa a posteriori.

Assim, a infração deve constar de auto de infração no caso de flagrante e, nos demais casos, dar--se-á início ao processo administrativo, para que o particular possa apresentar a sua defesa. Os prazos variam de acordo com o que a lei estabelecer.

Havendo infração se procederá à verificação da sanção compatível com a ação descrita no auto de infração, tendo em vista que um dos elementos do poder de polícia é a coercibilidade.

O poder de polícia é ato imperativo e isso significa que o destinatário é obrigado a proceder ao seu devido cumprimento. Havendo resistência ou oposição do particular, o poder de polícia permite a utilização de força pública para o fim de ser cumprido.

Como lembra Meirelles (2006, p. 477), a oposição “não legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência”. Assim, a sanção deverá ser proporcional à ação do particular sob pena de ser revista pelo Poder Judiciário.

Sanções administrativasO poder de polícia para ser eficiente precisa necessariamente ter poder coercitivo, mas as sanções

referentes à coercibilidade devem manter correspondência e proporcionalidade com a gravidade da ação infracional.

Assim, a norma deverá prever a infração e a correspondente sanção administrativa a ser aplicada ao agente infrator.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 171: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

169|Poder de polícia municipal

Como define Bandeira de Mello (2006, p. 805) a “infração administrativa é o descumprimento vo-luntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma au-toridade no exercício de função administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera”.

Quanto ao conceito de sanção, explica Bandeira de Mello (2006, p. 806)

Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isso não significa, entretanto, que a aplicação da sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário reconhecer à via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada.

Os sujeitos infratores que podem ser responsabilizados pela prática de ato infracional podem ser tanto as pessoas físicas como as pessoas jurídicas, assim como podem ser estas de direito privado ou de direito público. Também quanto aos infratores, pode se considerar a figura do responsável subsidiário que é aquele que apesar de não ter cometido a infração de forma direta, responde por ela, em virtude da impossibilidade do infrator responder.

Tal situação não se aplicará nos casos em que a infração e a sanção apresentarem caráter pessoal.

Quanto às modalidades de sanções, sem pretender esgotá-las, entre as sanções passíveis de serem aplicadas no que concerne ao poder de polícia, cabe ressaltar as seguintes penas: multas, interdi-ção ou suspensão da atividade, demolição de construção, embargo administrativo da obra, destruição de objetos, proibição de fabricação ou de comércio de determinados produtos, vedação de localização de determinadas atividades em locais específicos e apreensão de bens, cassação de licenças e alvarás, revogação de autorização, entre outras que impliquem em questões de segurança ou saúde pública.

Como lembra Medauar (2003, p. 364-365), a ação punitiva da Administração comporta a prescri-ção, que significa a perda do direito de ação, conforme dispõe a Lei 9.873 de 1999, à exceção das infra-ções de natureza funcional e tributária. Assim, lembra a autora:

A ação punitiva da Administração Pública Federal direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, prescreve em cinco anos, a contar da data da prática do ato ou, no caso de infração per-manente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

O prazo prescricional pode ser interrompido ou suspenso conforme define a legislação pertinente.

Função social da propriedadeA função social da propriedade urbana não se configura em limitação ao direito de propriedade

em si e, portanto, não pode ser caracterizada como ato administrativo relativo ao poder de polícia.

Assim, a definição de função social é a de estabelecer o sentido do bem, o seu significado e sua im-portância no período e no lugar onde o bem está compreendido. É somente a partir da definição da fun-ção social do bem que se pode estabelecer quais serão os limites relativos ao seu uso e à sua ocupação.

Como explica Silva (2006, p. 75):

O princípio da função social da propriedade tem sido mal definido na doutrina brasileira, obscurecido, não raro, pela confusão que dele se faz com os sistemas de limitação da propriedade. Não se confundem, porém. Limitações dizem respeito ao exercício do direito, ao proprietário; enquanto a função social interfere com a estrutura do direito mesmo.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 172: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

170 | Poder de polícia municipal

Os limites farão parte do rol relativo aos atos referentes ao poder de polícia. Nesse sentido, se for entendido que determinado bem tem natureza ambiental relevante, essa definição será a da função social, o que diz respeito ao conteúdo do instituto. As regras que determinarem limitações em relação ao seu uso em virtude da apresentação do conteúdo da função é que serão caracterizadas como poder de polícia.

Texto complementar

Atividades 1. Qual é o objetivo do instituto do poder de polícia?

Novo Código de Posturas: Lei Municipal completa dois anos(SEIBT, 2007)

Em 6 de dezembro de 2005, o novo Código de Posturas de Gramado entrou em vigor. Nesta quinta-feira, a Lei 2.398, que dispõe das referidas normas, completa dois anos. Que mudanças de posturas a nova legislação impôs (ou deveria ter imposto) para o cidadão gramadense?

Em novembro de 2003, o então secretário de Planejamento e Urbanismo de Gramado [...] reu-niu representantes de clubes de serviços, entidades, profissionais liberais e autoridades municipais para apresentar o anteprojeto de lei do novo Código de Posturas. A comunidade passou a discutir mudanças na legislação, que completava 48 anos na época.

Para que serve

O Código de Posturas dá providências quanto à proteção do cidadão, sossego público, meio ambiente, trânsito e habitações, publicidade e propaganda, comércio de rua, funcionamento de indústria, comércio e prestadores de serviços e até mesmo de cemitérios. Tudo isso em 218 arti-gos, que podem ser consultados on-line ou numa cartilha editada pela Câmara de Vereadores para divulgação da Lei. As penas para infrações variam de leve a gravíssima, com multas que variam de R$225,00 a R$3.250,00.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 173: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

171|Poder de polícia municipal

2. A definição acerca do poder de polícia encontra-se na seguinte legislação:

a) Código de Processo Civil.

b) Código de Obras e Posturas.

c) Código Tributário Nacional.

d) Código de Processo Penal.

3. Qual o significado de discricionariedade para o poder de polícia?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 174: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

172 | Poder de polícia municipal

Gabarito1. O objetivo do poder de polícia é o de definir limites, restrições impositivas aos particulares, de

modo a restringir os direitos individuais sobre os bens, para o melhor convívio da sociedade.

2. C

3. A discricionariedade é um atributo do poder de polícia, que dá margem à verificação da oportunidade e da conveniência para a ação da Administração Pública.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 175: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Controle sobre as ações municipais

José Ricardo Vargas de FariaDaniele Regina Pontes

Objetivo geralO objetivo de se tratar do controle sobre as ações municipais é o de abordar os mecanismos e ins-

titutos de gestão que operam sob a perspectiva da democratização dos governos municipais e, por sua vez, podem permitir o desenvolvimento de processos de controle social sobre as políticas e programas públicos desenvolvidos ao nível local.

Não é apenas o Poder Público constituído que tem a prerrogativa de exercer o controle sobre a ação dos particulares, mas também o cidadão pode e deve exercer controle público sobre a ação dos governos. Para esse controle, mais do que o direito ao voto, existem alguns instrumentos que permitem ampliar a participação dos cidadãos nos processos decisórios, na fiscalização, no monitoramento e na avaliação das ações do Poder Público.

Poder localUma questão bastante importante sobre o controle da gestão municipal está relacionada à proximi-

dade da população com as iniciativas do poder público municipal. Nesse sentido define Faria (2002, p. 10):

O Município é o espaço físico e político em que se estabelecem as microrrelações de produção das condições mate-riais de existência. É no Município que se agregam as relações econômicas, sociais, culturais e políticas mais próximas, que se estabelecem laços de identidade e de conflito. Formalmente, o Município é a menor unidade administrativa

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 176: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

174 | Controle sobre as ações municipais

da Federação e, por se constituir em poder local, por estar mais próxima dos problemas cotidianos, é a unidade mais suscetível ao controle da sociedade e a mais adequada para atender às demandas sociais. Dessa forma, o município é entendido como um espaço político aberto, relativamente autônomo, articulado em uma rede de relações constituti-vas da sociedade. [...] É necessário, contudo, ter claro que o município não é uma unidade isolada. Por mais que possa ter autonomia para resolver seus problemas específicos, o município está inserido em uma relação econômica, política e social mais ampla e, portanto, está condicionado pelas mesmas.

Se por um lado essa proximidade pode permitir maior controle da sociedade, por outro, os vín-culos estabelecidos entre população e representantes também são, muitas vezes, caracterizados pela personalização que podem se desdobrar em práticas clientelistas e patrimonialistas, ou seja, em que não há clara separação entre os bens privados do governante e o patrimônio público.

Além disso, o fato de que a ausência de modernização administrativa nos municípios, quer dizer, de mecanismos mais eficientes de gestão, não pesa sobre o setor produtivo da mesma forma que a modernização administrativa dos Estados e da União reduz a pressão sobre a administração pública municipal. No entanto, os efeitos dessa situação pesam diretamente sobre o cidadão comum, que se ressente da dificuldade, do clientelismo e da ineficiência no atendimento às suas necessidades mais básicas como educação, saúde e moradia.

Porém, se no caso brasileiro os municípios encontram-se, em geral, menos desenvolvidos do ponto de vista administrativo do que os Estados e a União, é também no nível municipal que foram criadas diversas inovações do ponto de vista da democratização da gestão, como é o caso do orçamen-to participativo e dos conselhos populares, por exemplo.

Gestão democrática das cidadesAo fim da década de 1970 e início da década de 1980, ocorreu, no Brasil, um fenômeno político

que acabou sendo conhecido como redemocratização. Esse fenômeno caracterizou-se pela ampliação de formas de organização social e pelas reivindicações de maior participação da população, especial-mente de seus segmentos organizados, nos processos de decisão. Os movimentos sociais que consti-tuíram e que foram constituídos no interior desse processo foram capazes, em muitos casos, de enca-minhar propostas e influenciar nas deliberações da Assembleia Nacional Constituinte. Nesse sentido, o texto da Constituição Federal de 1988 (CF/88) traz conteúdos que refletem lutas históricas em vista de direitos fundamentais.

O Estatuto da Cidade foi gerado nesse processo, regulamentando os artigos 182 e 183 da Cons-tituição Brasileira, resultantes da ação dos movimentos sociais urbanos que reivindicavam melhorias nas condições de vida e habitação nas cidades: os “movimentos de luta pela moradia”. Esses artigos da Constituição tratam da política de desenvolvimento urbano no Brasil e remetem seu detalhamento a uma lei complementar. Essa Lei, que ganhou o número 10.257/2001, foi debatida no Congresso Nacio-nal durante mais de dez anos, até ser aprovada em julho de 2001, ficando conhecida como “Estatuto da Cidade”.

O texto dos artigos 182 e 183 da Constituição e a própria redação da Lei permitem perceber que a política de desenvolvimento urbano está orientada por dois princípios: (i) a função social da cidade e da propriedade e (ii) a gestão democrática.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 177: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

175 |Controle sobre as ações municipais

Nesse sentido, é possível se tratar da gestão democrática a partir das bases teóricas e da concep-ção de democracia que fundamenta o Estatuto da Cidade, analisando, especialmente, os instrumentos de gestão previstos e regulamentados pela Lei. Esse trabalho assume um papel importante em con-sequência da diversidade de apropriações do conceito de democracia que resulta na dificuldade em avaliar e, portanto, reivindicar, a democratização da gestão nos governos municipais.

A forma de gestão prevista no Estatuto da Cidade determina a participação dos cidadãos na administração, por meio de espaços institucionalizados de decisão, orientando, dessa forma, para um conceito de democracia participativa que no inciso II do artigo 2.o da Lei 10.257/2001, estabelece as diretrizes gerais da execução da política urbana e faz constar como a segunda de dezesseis diretrizes, a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”.

Além da formulação do princípio, destacam-se, ainda, seis pontos que abordam a participação na gestão no Estatuto da Cidade: (i) a gestão orçamentária participativa abordada na alínea “f”, inciso III, do artigo 4.o e no artigo 44; (ii) a realização de audiências públicas para implantação de empreendi-mentos que gerarem impacto econômico ou social conforme o inciso XIII do artigo 2.o; (iii) a garantia da participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil, conforme consta no pará-grafo 3.o do artigo 4.o , em todos os instrumentos da política urbana definidos nesse mesmo artigo; (iv) a determinação, constante no Capítulo III, que regulamenta o Plano Diretor, o parágrafo 4.o do artigo 40, em que os poderes Executivo e Legislativo municipais deverão garantir, durante a elaboração do plano, a promoção de audiências e debates com a participação da população e a publicidade e livre acesso das informações produzidas. (v) A gestão participativa nos “organismos gestores das regiões metropo-litanas e aglomerações urbanas [...] de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania”, e; (vi) finalmente, no Capítulo IV, que trata especificamente da Gestão Democrá-tica, a lei determina que sejam utilizados como instrumentos para garantir a gestão democrática: a) os órgãos colegiados de política urbana, b) debates, audiências e consultas públicas, c) conferências e d) iniciativa popular de projeto de lei.

Como é possível perceber, na forma como se apresenta a regulamentação da gestão democrática nesta Lei, há uma orientação para a ampliação dos espaços de participação da comunidade, encami-nhando para as situações em que o Poder Público constituído abre mão do seu direito de decisão em favor de instâncias participativas.

Os fundamentos da democracia Democracia é um conceito bastante discutido, porém, são diversas as teorias e as concepções

sobre o tema. Por isso é necessária uma breve revisão dos múltiplos significados que o termo assume.

Nesse sentido, a primeira pergunta que se faz é “quem inventou a democracia?”

A ideia de sociedade democrática surgiu na Grécia Antiga, aproximadamente 500 anos antes de Cristo. Os termos Demo (povo) kratein (governar) se referiam à participação das pessoas nas assembleias realizadas em praça pública para decisão sobre assuntos de ordem política relacionados às chamadas Cidades-Estado.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 178: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

176 | Controle sobre as ações municipais

É importante ressaltar que nem todos os habitantes das Cidades-Estado eram considerados como parte do “povo”, ou seja, cidadãos: os escravos e as mulheres, por exemplo, não estavam incluídos. Essa diferenciação ocorria porque, para a época, considerava-se que só podia se ocupar das questões da vida pública aquele que não precisasse se ocupar dos problemas da vida privada. Portanto, o homem que não tivesse escravos e, por esse motivo, tivesse que se preocupar com as questões de sobrevivência, a mulher que tinha que se ocupar dos filhos e da casa e os escravos não poderiam se envolver com as decisões políticas.

Muito tempo depois, no início da Era Moderna, por volta de 1700, houve uma valorização da cultura grega e a democracia voltou à pauta dos debates políticos. Havia uma valorização da razão (Iluminismo) e um questionamento da legitimidade do monarca (Rei) como representante divino com poderes eternos e absolutos. Essa negação do poder do Rei se refletia na luta pela instituição da República. Entre os que levantaram essa discussão estava o pensador francês Jean-Jacques Rousseau, um dos principais defenso-res da democracia na época. Para compreender o significado de democracia, para Rousseau, é necessário, em primeiro lugar, analisar alguns conceitos centrais para o sistema político que ele propunha.

No livro chamado Do Contrato Social, Rousseau apresenta os fundamentos da sua visão sobre a sociedade civil. É importante lembrar que Rousseau não descreve a sociedade da época, mas propõe como deveria ser a fundação de uma sociedade civil e como deveriam funcionar seus corpos consti-tuintes, a saber: o povo, o parlamento, a justiça, o governo, para que esta sociedade pudesse alcançar o objetivo de felicidade geral das pessoas. Diz-se, então, que a visão de Rousseau era essencialmente normativa, pois descrevia como as coisas deveriam ser.

Essa felicidade só poderia ser alcançada se todos os homens fossem livres. Portanto, o elemento fundador da teoria política de Rousseau é a liberdade.

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, per-manecendo assim tão livre quanto antes” (ROUSSEAU, 1978, p. 32).

O ato dessa associação é denominado por Rousseau de pacto social, que é regulamentado por um contrato social. É esse pacto social que vai constituir o Estado, que é o corpo político por meio do qual o próprio povo exerce o papel de legislar, o que significa dizer de fazer leis.

Para Rousseau, o Governo está a serviço do Estado e, portanto, do próprio povo e o seu papel é executar as deliberações do Estado, exercendo, então, a função executiva. Esse governo pode se apre-sentar de várias formas: monárquico se for o governo de um, aristocrático se for o governo de alguns e democrático se for o governo de vários. Portanto, o sentido da democracia para Rousseau é o de um governo no qual a maioria da população participa diretamente. A participação de todos na elaboração das leis que refletem a vontade geral é condição essencial para existência do Estado, seja qual for o tipo de governo que este possua o que, portanto, deve acontecer em qualquer tipo de governo, seja demo-crático ou não. É nesse sentido que sua argumentação leva a uma teoria da democracia direta.

Já por volta de 1940, Joseph Schumpeter questiona as teorias democráticas da época e as práticas denominadas democráticas colocando a seguinte pergunta: Por que o ideal democrático das teorias do século XVIII, que pregavam o bem comum e a justiça, não havia se concretizado? No entendimento de Schumpeter, a questão é mal compreendida, pois não se deveria pensar a democracia como um modo de organização da vida em sociedade. Ele afirma que democracia, por outro lado, não é nada mais que um método político para a escolha de representantes. A partir desse momento ficou estabelecida no debate político a contraposição entre a democracia como forma e a democracia como substância.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 179: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

177 |Controle sobre as ações municipais

Para desenvolver essa ideia, Schumpeter discute a ideia de bem comum ou de vontade geral. Ele considera que é essa ideia que caracteriza a doutrina clássica da democracia. Ao apresentar essa definição, Schumpeter traz para análise dois problemas: (i) o bem comum e a vontade do povo e (ii) as questões decididas pelo próprio povo.

Quanto ao primeiro problema, o autor afirma que a vontade geral não pode ser definida, pois na sociedade existe um conflito de interesses. Além disso, afirma que, pela complexidade do Estado e pela abrangência das variáveis envolvidas e também pelo reduzido senso de responsabilidade e ausência de desejo efetivo, faltaria ao cidadão comum conhecimento sobre política e, portanto, este não teria capacidade de decidir racionalmente sobre essas questões. A argumentação de Schumpeter leva à con-clusão de que, por essas limitações, a doutrina clássica da democracia não pode ser implementada e que outro método democrático deve ser aplicado.

Ao contrário do que os teóricos do século XVIII pensavam, a democracia não poderia ser con-siderada como um ideal, e sim um arranjo específico para se tomar decisões. Portanto, dado que o cidadão comum não pode governar e a ele cabe apenas aceitar ou rejeitar o governo que se coloca, o que diferenciaria o método democrático de qualquer outro seria a liberdade do indivíduo de disputar o voto do povo. A teoria de Schumpeter (1984, p. 335) baseia-se na competição pelo poder e pelos cargos políticos. O método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões polí-ticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população.

A prática desse “método” democrático, no entanto, evidenciou uma série de contradições, como a ausência de representação de grupos minoritários. Por esse motivo, as teorias mais recentes de de-mocracia defendem um formato participativo que seja capaz de evidenciar as realidades locais e as situações específicas.

É o caso de Santos (2002) que afirma a existência de uma prática hegemônica (dominante) de de-mocracia no século XX. Ele denomina essa prática de representativa elitista (que corresponde às defini-ções de Schumpeter) que predomina nos países do Norte, mas que propõe estender esse modelo para todo o mundo, ignorando possíveis experiências diferenciadas que possam ocorrer ou ter ocorrido.

Santos (2002) ressalta três questões em torno das quais se discute a concepção dominante de de-mocracia: (i) a relação entre procedimento e forma; (ii) o papel da burocracia na vida democrática; (iii) a inevitabilidade da representação nas democracias de grande escala. Para a concepção dominante essas três questões se articulam de maneira que a democracia seja entendida como um conjunto de regras e procedi-mentos para constituição de governos representativos. Essa concepção entende que é inevitável a perda de controle sobre o processo de decisão política e econômica pelos cidadãos e seu controle crescente por for-mas de organização burocrática. Dessa forma, a escolha do representante pela maioria autoriza (legitima) o governo, pois a assembleia escolhida pelo povo reproduz, em menor escala, a configuração social.

Na concepção contra-hegemônica, oposta a anterior, a questão da configuração social é questio-nada, pois se observa que os grupos minoritários não têm condições de garantir sua representação. É por isso que se argumenta a necessidade de articulação entre democracia representativa e democracia participativa para defesa de interesses e identidades das minorias que não têm voz e vez.

Nesse sentido, propõe-se estabelecer uma nova gramática social e uma nova forma de relação entre Estado e sociedade que promova experiências participativas resultando na transferência de práticas e infor-mações do nível social para o nível administrativo. A proposta é de uma redefinição do papel da burocracia que tire proveito da criatividade dos sujeitos sociais na qualificação das decisões e das ações do governo.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 180: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

178 | Controle sobre as ações municipais

A partir desse debate, e de algumas experiências ocorridas no Sul da Europa e na América do Sul, Santos (2002, p. 59) ressalta que a democracia participativa e a representativa são complementares.

[É a] possibilidade da inovação entendida como participação ampliada de atores sociais de diversos tipos em processo de tomada de decisão. Em geral, estes processos implicam a inclusão de temáticas até então ignoradas pelo sistema político, a redefinição de identidades e vínculos e o aumento da participação, especialmente no nível local.

Baseado nesse argumento, Santos (2002, p.77-8) propõe três teses para o fortalecimento da de-mocracia participativa:

1.ª tese: pelo fortalecimento da demodiversidade. Essa tese implica reconhecer que não existe nenhum motivo para a democracia assumir uma só forma. Pelo contrário, o multiculturalismo e as experiências recentes de participação apon-tam no sentido da deliberação pública ampliada e do adensamento da participação. O primeiro elemento importante da democracia participativa seria o aprofundamento dos casos nos quais o sistema político compartilha a decisão em instâncias participativas.

2.ª tese: fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre o local e o global. Novas experiências democráticas precisam do apoio de atores democráticos transnacionais nos casos em que a democracia é fraca [...]. Ao mesmo tem-po, experiências alternativas bem-sucedidas [...] precisam ser expandidas para que se apresentem como alternativas ao modelo hegemônico. Portanto, a passagem do contra-hegemônico do plano local para o global é fundamental para o fortalecimento da democracia participativa.

3.ª tese: ampliação do experimentalismo democrático. [...] as novas experiências bem-sucedidas se originaram de novas gramáticas sociais nas quais o formato da participação foi sendo adquirido experimentalmente. É necessário para a pluralização cultural, racial e distributiva da democracia que se multipliquem experimentos em todas essas direções.

Essas teses, de uma forma ou de outra, fazem parte da luta dos movimentos e organizações da sociedade que buscam condições de influenciar as decisões dos governos. Esses movimentos e organizações promovem a inclusão de pautas de discussão até então desprezadas, além da defesa de interesses subalternos.

No caso brasileiro é possível identificar diferentes espaços ampliados de democratização, ainda que a democracia no Brasil seja recente e se encontre em estágio pouco avançado. Esse processo de de-mocratização tem resultado em garantias e instrumentos legais que procuram assegurar a participação política do cidadão e da coletividade na gestão pública.

A concepção de democracia participativa que combina a representação com formas diretas de ação por parte do cidadão, já pode ser observada na Constituição Federal de 1988, na medida em que se identifica a participação popular como princípio de organização da Administração Pública.

Institutos de participação popular na Administração PúblicaOs principais instrumentos legais de participação popular não se encontram diretamente defini-

dos ou regulamentados em uma única legislação. Porém, tanto na Constituição Federal como em outras legislações, como afirma Perez (2004), existem diversas citações sobre formas diretas ou semidiretas de intervenção dos cidadãos e da coletividade na ação da Administração Pública.

Assim, são instrumentos de ação no campo administrativo, principalmente aqueles previstos no Estatuto da Cidade, considerados: i) os órgãos colegiados, ii) os debates, as audiências e as consultas públicas, iii) as conferências e iv) a gestão orçamentária participativa.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 181: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

179 |Controle sobre as ações municipais

Os órgãos colegiados – conselhos, comissões ou comitês participativos – são parte integrante e independente do Poder Executivo, compostos por representantes da Administração Pública e da so-ciedade civil, com ou sem paridade de representação. Esse instituto pode ser consultivo, propositivo, fiscalizatório e/ou deliberativo, de acordo com a definição de suas atribuições.

Quanto aos debates, audiências e consultas públicas, o Estatuto da Cidade não define formato ou objetivos específicos para cada um desses institutos, que podem ser promovidos pelo Poder Público, por grupos de cidadãos ou por outras organizações.

As audiências fundamentam-se no princípio da publicidade dos atos da administração e estão re-lacionadas com o repasse de informações das atividades e definições por parte do Poder Público. Nesse sentido, têm caráter legitimador das ações da Administração Pública, pois as propostas encaminhadas pela população não têm, necessariamente, caráter vinculante.

A audiência pública trata da realização pela Administração Pública, em determinada fase do pro-cesso de decisão, de uma sessão aberta a todos os interessados, na qual estes exercem seu direito de re-querer esclarecimentos, fazer críticas ou dar sugestões e contribuições a respeito de uma determinada decisão que será tomada pela Administração.

Esse instrumento é obrigatório em determinadas situações, por exemplo, para a aprovação da lei do plano diretor. Nos casos em que é obrigatória, a realização da audiência é condição de validade do processo específico e, se não for realizada, o processo de tomada de decisão poderá ser considerado viciado e por esse motivo anulado.

A consulta pública consiste em procedimento de divulgação prévia de minutas de atos normati-vos, para permitir que, em determinado prazo, todos os eventuais interessados ofereçam críticas, suges-tões de aperfeiçoamento ou peçam informações e resolvam dúvidas a seu respeito.

O resultado da consulta não vincula a Administração Pública às questões deliberadas durante o processo de realização do instrumento, porém a Administração deve motivar a decisão que even-tualmente as refutou. As diferenças entre consulta e audiência são observadas em pelo menos dois aspectos: (i) enquanto a audiência tem como finalidade principal a publicidade dos atos e/ou o escla-recimento das atividades e decisões da Administração Pública, a consulta objetiva recolher opiniões dos cidadãos a respeito de determinado processo decisório; (ii) na consulta não vigora o princípio da oralidade, inexistindo sessões públicas de debates orais.

Os debates públicos, por sua vez, têm por objetivo explicitar o confronto de opiniões no sen-tido de ressaltar a diversidade de interesses e possibilitar concertações em torno de temáticas es-pecíficas. Da mesma forma que os demais instrumentos citados, os debates não têm caráter vincu-lante.

As conferências são espaços capazes de propiciar uma ampla participação popular devido às suas características em relação a (i) forma de representação, (ii) à capacidade de influência no processo deci-sório e (iii) à frequência de realização.

As deliberações tomadas em conferência em geral vinculam a decisão da Administração Pública, o que a torna um dos instrumentos mais importantes de democracia participativa. Além disso, permite a participação direta ou semidireta (por delegação) do cidadão no processo decisório. Aliado ao fato de serem realizadas periodicamente, institucionalizam um processo de real intervenção do cidadão na gestão pública. Sua periodicidade de realização caracteriza também a periodicidade de avaliação e re-visão de suas decisões, garantindo mais flexibilidade à Administração Pública.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 182: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

180 | Controle sobre as ações municipais

Quanto ao orçamento participativo, apesar da reputação de que nesse caso a população partici-pa diretamente na definição da aplicação dos recursos públicos, na verdade o orçamento participativo tem caráter meramente consultivo. A atribuição de decisão sobre o orçamento cabe ao Poder Legis-lativo. O grande potencial desse instrumento recai principalmente sobre sua capacidade de conferir transparência à gestão dos recursos públicos e ampliar o controle sobre a Administração Pública por parte dos cidadãos.

Para além dos instrumentos É extremamente importante ressaltar que a simples regulamentação de instrumentos de gestão

democrática, seja na Constituição ou em Lei Federal, não é condição suficiente para ampliação dos es-paços de participação da comunidade nas decisões políticas. A experiência demonstra que a dinâmica político-social local é mais importante na construção desses espaços, mesmo que estejam regulamen-tados processos mais participativos.

Essa experiência revela ainda que a sociedade conseguiu ocupar alguns espaços políticos por meio de instrumentos de participação, em especial pelos conselhos municipais e pelo orçamento par-ticipativo. Dessa forma, demonstra-se a possibilidade de articulação da comunidade para compartilhar das decisões políticas municipais.

Ainda assim, é necessário ressaltar que normalmente ocorre uma baixa representação de grupos de menor renda, pois na maioria dos municípios brasileiros os movimentos sociais estão pulverizados, sem articulação, não conseguindo, portanto, reivindicar espaços de participação. Nesse sentido, a valo-rização de movimentos organizados, principalmente as associações de bairro e movimentos populares, pode promover a inclusão desses sujeitos sociais no campo político. Ao Poder Público cabe fomentar essa articulação e promover a participação desses setores nas decisões políticas. E à sociedade cabe promover a diversidade de participação caminhando no sentido da inclusão política dos sujeitos sociais historicamente excluídos do processo decisório.

Responsabilidade fiscal e plano diretorComo foi possível verificar, além do texto constitucional, outras legislações preveem a participa-

ção direta da população nos processos de gestão pública. Além dos casos mais consolidados como as políticas de saúde, educação e assistência social (que têm regulamentados constitucionalmente seus processos de conferências e conselhos) e, mais recentemente, as políticas de meio ambiente e das cida-des, vale a pena destacar outros dois exemplos.

Em primeiro lugar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 101/2000) que estabeleceu alguns pro-cedimentos para conferir maior transparência às contas públicas, conforme pode se observar em seu artigo 48.

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 183: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

181 |Controle sobre as ações municipais

respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Esse artigo se aplica aos Planos Plurianuais e Leis Orçamentárias dos municípios e ressalta a im-portância da transparência e da participação nas instâncias de discussão e elaboração.

Em segundo lugar, o Estatuto da Cidade estabelece a necessidade de participação na elaboração dos planos diretores municipais. Conforme o parágrafo 4.º, artigo 40 da Lei 10.257/2001:

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

§4.º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Exe-cutivo municipais garantirão:

I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

II - a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III - o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

Conforme visto anteriormente, os órgãos colegiados, as audiências, debates e consultas, as confe-rências e o orçamento participativo são os principais instrumentos para garantir que essa participação e transparência efetivamente ocorram.

Texto complementar

Outros canais de participação da sociedade civil(GUSSO, 2006)

Ao se falar de organizações da sociedade civil, fala-se em referência à capacidade histórica de uma sociedade assumir formas de organização que sejam conscientes e políticas. Isso difere de uma multidão de 30 ou 100 mil pessoas que se reúnem num estádio de futebol para torcer, gritar, incenti-var e, às vezes, protestar contra o juiz ou um jogador que errou um pênalti; essas pessoas se manifes-tam enquanto indivíduos isolados, que após a partida voltam tristes ou alegres para suas casas.

Um grupo torna-se uma organização da sociedade a partir do reconhecimento de seus interes-ses. Isso significa tomar consciência das relações de poder e dos diversos interesses que estão em conflito, seja na sociedade de forma geral ou no ramo específico de atuação de tal organização.

[...] Existem muitas [...] formas de organização da sociedade civil, como organizações comuni-tárias, sindicais ou partidárias e os movimentos sociais.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 184: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

182 | Controle sobre as ações municipais

As organizações comunitáriasA tomada de consciência dos problemas existentes num bairro, como falta de saneamento,

creches, espaços de lazer, falta de trabalho pode levar um grupo de moradores a se questionarem sobre os mecanismos sociais e econômicos que produzem tais condições. A partir disso é possível que haja o reconhecimento de direitos a serem garantidos ou, até mesmo, conquistados.

Esse tipo de organização está voltada para os problemas do lugar: o bairro, a vila, a comunida-de. Este referencial do lugar aproxima a comunidade criando identidades coletivas e estratégias de sobrevivência e solidariedade, como a criação de Clube de Mães, Clube de Trocas, Mutirões Comu-nitários, Associações de Moradores, Cooperativas Populares etc.

As organizações sindicaisAs organizações sindicais nasceram com o desenvolvimento do capitalismo.

O nascimento e fortalecimento dos sindicatos como espaços de organização e luta dos traba-lhadores surgiu da tomada de consciência das formas de exploração pelas quais os trabalhadores passavam, tais como:

jornadas de trabalho de 14 a 16 horas por dia, tanto para idosos, mulheres ou crianças;::::

condições insalubres nos locais de trabalho;::::

péssimas condições de habitação;::::

salários baixíssimos.::::

Muitos dos Direitos Trabalhistas garantidos nas Constituições foram conquistas dos trabalha-dores organizados, como a jornada de trabalho de 8 horas, as férias, a aposentadoria, o seguro de-semprego, a licença-maternidade e o direito a greve. Os sindicatos exercem o papel de mobilizar e organizar os trabalhadores para garantir e reivindicar direitos, uma vez que sozinhos teriam poucas condições de negociar e melhorar suas condições de trabalho.

As organizações partidáriasA existência de diversos partidos é uma forma de demonstrar que na sociedade existem di-

versos interesses e visões explicativas sobre o mundo. As organizações partidárias num sistema democrático irão disputar o acesso ao exercício do Poder do Estado. Essa disputa realizada pela sociedade através dos partidos, possibilita o controle e o rodízio dos grupos que permanecerão no poder por um determinado tempo. Tais regras podem e devem ser revistas pela sociedade através dos partidos ou da pressão popular. Os partidos políticos também atuam como agentes articulado-res da sociedade civil, seja ao organizar manifestações, apoiar movimentos sociais ou ao articular interesses de grupos específicos como empresários, produtores rurais, ambientalistas etc.

Os movimentos sociais Poderíamos dizer que os movimentos sociais são organizações com uma identidade coletiva

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 185: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

183 |Controle sobre as ações municipais

que é construída a partir de uma base de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, ou seja, uma maneira de pensar e de agir. Os movimentos sociais, em geral, possuem um grau de or-ganização que permite que sua ação seja mais articulada e propositiva. Mais do que reivindicações pontuais aos movimentos sociais buscam provocar mudanças institucionais (Estado), ou mesmo, construir um novo projeto de sociedade. Nesse sentido, os movimentos sociais são organizações com práticas de lutas pela cidadania. Podemos definir três características para os movimentos so-ciais: (i) ações críticas na forma de denúncia, protestos; (ii) ações de solidariedade e cooperação entre seus membros; (iii) e ações utópicas, ou construção de uma utopia para transformação da sociedade. [...]

Atividades 1. Quem exerce o controle das ações governamentais?

2. Um importante autor da Modernidade foi Jean-Jacques Rousseau, que tratou das questões políticas, do Estado e do Governo. Sobre a democracia pode-se dizer que Rousseau:

a) defendia as decisões do Monarca.

b) propunha uma teoria da democracia direta.

c) acreditava no voto indireto.

d) não acreditava na democracia.

3. Quais são os prós e os contras do controle do Poder Público pela população nos municípios?

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 186: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

184 | Controle sobre as ações municipais

Gabarito1. Além de todos os organismos públicos de controle, como a Câmara de Vereadores, os Tribunais

de Contas, o Ministério Público, o controle deve ser exercido, ainda, pela população.

2. B

3. Ao mesmo tempo em que a população está mais próxima das ações dos governantes, e, portanto, tem mais condições de verificar a prestação dos serviços públicos e da gestão municipal, as práticas patrimonialistas e clientelistas podem ser mais facilmente sentidas.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 187: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

ReferênciasALFONSIN, Jacques T. O Acesso à Terra como Conteúdo de Direitos Humanos Fundamentais à Alimentação e à Moradia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.

BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2002.

CASTRO, José N. de. Direito Municipal Positivo. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

COSTA, Fernanda C. V. Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). In: ALFONSIN, Betânia et al. Regularização da Terra e Moradia: o que é e como implementar. São Paulo, 2002.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação. Petrópolis: Vozes, 2002.

FACHIN, Luiz E. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

FACHIN, Luiz. Das Raízes ao Direito Civil Contemporâneo. In: GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

FARIA, José Henrique de. Curso de Planejamento e Orçamento Público. Curitiba: UFPR, 2002.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

FERNANDES, Edésio. Por uma lei de responsabilidade territorial. In: FERNANDES, E.; ALFONSIN, B. (Orgs.). Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

FERNANDES, Vicente A. Uma nova geração dos planos diretores. In: BUENO, Laura M. de M. e; CYMBALISTA, Renato. (Org.). Planos Diretores Municipais: novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Annablume, 2007.

FERRARI, Regina M. M. N. Elementos de Direito Municipal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 188: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

186 | Referências

FIORILLO, Celso A. P. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FRANZESE, Cibele; PEDROTTI, Paula Maciel. Limites e Possibilidades do orçamento participativo: para além da retórica. In: Revista de Administração Pública – RAP. Vol. 39. Gestão Municipal: novas práticas, novos saberes. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005.

GANDIN, Danilo. A Prática do Planejamento Participativo. Petrópolis: Vozes, 1994.

GOMES, Orlando. Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil Brasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

______. Direitos Reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GONÇALVES, Carlos R. Direito Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. I.

GUIMARAENS, Maria Etelvina B. Instrumentos de Garantia da Função Social da propriedade Urbana: parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação para fins de reforma urbana. In: OSORIO, Letícia (Org.) Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.

GUSSO, Ramon. Outros canais de participação da sociedade civil. In: VARGAS FARIA, J. R.; GUSSO, R. J. (Orgs.). Planejamento e Participação Popular. Curitiba: Ambiens, 2006.

<www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1028&id_pagina=1>. Acesso em: 13 nov. 2007.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: <www.ibge.gov.br/brasil_em_sintese/default.htm>.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

LEFEBVRE, Henry. Direito à Cidade. 4. ed. São Paulo: Centauro, 2006.

LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva 1999.

MARÉS, Carlos Frederico. A Função Social da Terra. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2003.

MARICATO, Ermínia. Brasil Cidades: alternativas para a crise urbana. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

MEIRELLES, Hely L. Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MORALES, Carlos A. As tarifas de ônibus. In: PAULICS, Veronika. (Org.). 125 Dicas: ideias para a ação municipal. São Paulo: Polis, 2000.

MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade, o Plano Diretor e a Proteção Ambiental no âmbito municipal. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, v.1, Porto Alegre: Magister, ago./set. 2005.

OLIVEIRA, Régis F. de. Comentários ao Estatuto da Cidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

OSÓRIO, Letícia. SOSO, Patrícia H. Direito de Preempção. In: OSORIO, Letícia (Org.). Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.

PAULICS, Veronika (Org.). 125 Dicas: ideias para a ação municipal. São Paulo: Polis, 2000.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 189: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

187|Referências

PELLEGRINO, Carlos R. Estruturas Constitucionais do Município: na interpretação dos Tribunais Superiores. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

PEREIRA, M. R. de M. Câmara Municipal de Curitiba: 300 anos – Edição Histórica. Curitiba: Câmara Municipal, 1993.

PEREZ, Marcos Augusto. A Administração Pública Democrática: institutos de participação popular na Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

PINHEIRO, Ivan P.; MOTTA, Paulo C. D. Significado e importância das emancipações: uma polêmica ainda não resolvida no Rio Grande do Sul. In. Revista de Administração Pública - RAP. v. 37. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.

PONTES, Daniele R. Configurações Contemporâneas do Cooperativismo Brasileiro: da economia ao direito. Dissertação de Mestrado: UFPR, 2004.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.

PRESTES, Vanêsca B. A Concessão Especial para fins de Moradia na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade – da Constitucionalidade da Medida Provisória n.º 2.220 de 04 de setembro de 2001. In: ALFONSIN, B.; FERNANDES, E. Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

ROLNIK, Raquel. Zonas de Especial Interesse Social. In: PAULIKS, Veronika. (Org.). 125 Dicas: ideias para a ação municipal. São Paulo: Polis, 2000.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção: Os Pensadores).

SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

SAULE JUNIOR, Nelson, UZZO, Karina et al. Zonas Especiais de Interesse Social. Regularização da terra e moradia: o que é e como implementar. São Paulo, 2002.

SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor: possibilidades de uma nova ordem legal urbana justa e democrática. In: OSÓRIO, Letícia M. (Org.). Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.

SAULE JUNIOR, Nelson. Nova Lei do Parcelamento do Solo Urbano e as Funções Sociais da Cidade. Instituto Polis. Publicado em: 13 jun. 2000. Disponível em: <www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=89>. Acesso em: 12 dez. 2007.

SCARLATO, Francisco Capuano. In: ROSS, Jurandyr, L. S. (Org.). Geografia do Brasil. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

SEIBT, Taís. Novo Código de Posturas: Lei Municipal completa dois anos. Gramado. Disponível em: <gramadosite.com.br/noticias/autor:redacao2/id:14520/xcoluna:1/xautor:1> Acesso em: 20 dez. 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 190: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

188 | Referências

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

TORRES, Marcos A. Estatuto da Cidade: sua interface no meio ambiente. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, v.1, Porto Alegre: Magister, ago./set. 2005.

VARGAS DE FARIA, José Ricardo. Planejamento Municipal. Jornal Estado do Paraná, 29 nov. 2006, Suplemento Especial: Administração & Economia.

WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 191: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Anotações

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 192: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 193: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Page 194: rbanístico Direito Municipal e Direito - forumdeconcursos.com · 11/13/2007 · urbanas, passa pela apreciação do Direito Constitucional, fundamento de todas as análises empreendidas.

Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-2945-7

DireitoMunicipale urbanístico

DireitoMunicipale urbanístico

Daniele Regina PontesJosé Ricardo Vargas de Faria

Dir

eit

o M

un

icip

al

e u

rb

an

ísti

co

Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br